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A EXPERIÊNCIA HUMANA DE DEUS 28
(28)
Uma forma de pensar sobre Deus é falar dele como objeto de Texto retirado e adapatado
conhecimento. Por exemplo, quando discutimos a origem do universo e da obra de: MO SUNG,
tratamos Deus como energia que o criou e continua mantendo o equilíbrio JUNG. Deus: ilusão ou
dele. Nesse sentido, o tema de Deus não se relaciona intimamente com realidade? Editora Ática,
nossa existência cotidiana, com nossas dúvidas e angústias existenciais. 1995. (p.8-13)

Outra forma de pensar sobre Deus é buscar compreender as


possíveis relações entre ele e a história humana, que se refletem na vida de
cada indivíduo. É pensar sobre a possibilidade de experienciar a Deus. Esse
é o caminho existencial histórico, e não o caminho de “verdades” abstratas
que pouco ou nada refletem em nossas vidas.
Poderíamos também discutir a experiência de Deus começando por
um conceito e daí ir chegando até nossas vidas. Mas esse é um caminho
demasiadamente teórico e pouco útil. Pouco útil porque nossas vidas não
aparecem no centro da reflexão, mas no final, como apêndice. E, assim, as
respostas talvez não sejam apropriadas à perguntas que queremos fazer... E
uma resposta, como sabemos, só tem valor se responde à nossa pergunta.
Por isso podemos escolher o caminho de começar pela vida
cotidiana, pelas experiências humanas comuns, e então procurar pistas
que nos levam a compreender e a vivenciar uma “possível experiência de
Deus”.
O que é experiência?
Antes de falarmos em experiência de Deus propriamente dita,
começaremos com uma reflexão sobe o que é experiência.
Trataremos experiência como um acontecimento ou um conjunto
de acontecimentos que nos modifica. Pode nos modificar sem mudar
radicalmente nossa vida. Por exemplo, uma viagem que enriquece nossos
conhecimentos sobre os seres humanos é uma experiência que nos modifica,
mas não necessariamente altera nossa vida de modo profundo.
Entretanto, existem experiências que alteram significativamente
nossa existência – por exemplo, uma grande paixão ou a morte de uma
pessoa muito importante para nós. O que interessa assinalar é que um
acontecimento só se torna experiência, no significado que atribuímos aqui
a essa palavra, se modifica nossa maneira de ser e de ver o mundo. Os
acontecimentos que nos são indiferentes não fazem parte desse conjunto
de experiências. E grande parte do que ocorre ao nosso redor não compõe
esse conjunto, pois não conseguimos absorver todos os fatos – selecionamos
apenas pequena parte deles, os que são significativos.
Outro aspecto da experiência que queremos destacar é temos
consciência dela, podemos nos referir a ela. E, por isso, podermos nela
nos basear para enfrentar novos desafios e problemas. Se não tivermos
consciência do acontecimento que nos afetou, não o utilizaremos como
experiência enriquecedora para discernirmos novos acontecimentos.
A falta de consciência sobre um acontecimento que modificou
nossa vida não significa que não houve experiência, mas somente que não
conseguimos tirar todo o proveito dela.

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Resumindo, a experiência, aqui descrita, tem as seguintes
características: é um acontecimento que modifica nossa vida, passa a fazer
parte da nossa existência e dela temos consciência.
É importante que tais características estejam presentes para
que tenhamos uma experiência real. Muitas vezes, falta uma dessas
características para que incorporem verdadeiramente em nosso interior os
acontecimentos que afetam nossas vidas.
A dificuldade em falar de uma experiência
Constantemente, defrontamo-nos com outra característica das
experiências que modificam radicalmente as nossas vidas: dificuldade de
expressá-las, de falar sobre elas. É muito difícil descrever as experiências
marcantes. Faltam-nos palavras. Talvez, por isso, os apaixonados gostam de
poesia. Os poetas conseguem expressar em palavras os sentimentos mais
profundos da nossa existência. Com as palavras, conseguem criar imagens
que revelavam emoções e paixões para nós indizíveis.
Essa nossa dificuldade de expressar as experiências marcantes
mostra os limites de uma razão que se preocupa basicamente com a
descrição dos fatos. Podemos dizer que nossa cabeça não é suficiente
para compreender totalmente o nosso coração. Já dizia Pascal, um
grande pensador francês: “O coração tem razões que a própria razão
desconhece”.
A ciência moderna, mais preocupada com descrições e com
questões técnicas, não esgota a realidade humana. A poesia e outras formas
de expressão ditas não-científicas continuam contribuindo muito na busca
de verdades.
Se o amor é experiência de difícil expressão, também não o será
a experiência de Deus? Com que linguagem se expressarão os homens
que realmente experienciaram Deus? Provavelmente, com poesias, com
linguagens figuradas, com parábolas e com tantas outras formas que
lhes estão ao alcance. Mas sempre com a consciência de que as palavras
não esgotam a realidade da experiência. Talvez, por isso, muitos místicos
prefiram o silêncio.
Quando nos deparamos com a narrativa desses homens, como na
Bíblia ou em outros livros sagrados, muitas vezes não levamos em conta as
dificuldades de expressão através da linguagem humana. Lemos poesias,
alegorias, parábolas e outras formas de expressão como se fossem simples
narrativas descritivas.
Imagine alguém que lesse o bilhete:

Quando você foi embora


dilacerou-se o meu coração
e escura tornou-se a minha vida...

e entendesse que se fala de um doente que teve um ataque de


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coração e ficou cego! Casos semelhantes ocorrem muito na linguagem
religiosa, principalmente com os textos sagrados da Antiguidade.
É importante levarmos em conta as dificuldades de expressão, para
compreender um pouco melhor as narrativas das experiências de Deus, em
nossa busca pessoal. Bem compreendidas, as experiências alheias podem
servir de luz em nosso caminho pessoal.
É possível experienciar a Deus?
Até agora vimos que é difícil falar da experiência de Deus. E, na
verdade, ainda não discutimos se realmente é possível o homem experienciar
Deus.
Sobre a existência de Deus, não é possível chegar a uma resposta
definitiva. Para cada argumento contrário existe um favorável, e vice-versa.
Os mais conhecidos argumentos da existência de Deus estão baseados
na teoria da causalidade. Segundo essa teoria, tudo o que existe tem uma
causa. E, na origem de todas as coisas, haveria uma causa que não teria sido
originada por nenhuma outra – seria Deus. Na discussão sobre a origem do
universo, por exemplo, diz-se que no início houve uma grande explosão, a
famosa “big-bang”, mas não se conhece a causa ou o causador da explosão
inicial de onde todo o universo se teria formado.
Esse tipo de argumento sobre a existência de Deus, pela teoria
da causalidade, aceito por muitos filósofos e cientistas na história da
humanidade, não prova que os homens possam experienciar Deus. E muito
menos que esse Deus se deixe experienciar pelos homens e que esteja
“preocupado” com o destino dos homens ou interessado por esse tema.
É muito difícil provar que uma pessoa realmente ama outra, que
se preocupa desinteressadamente com outra. Também é difícil, para
não dizer quase impossível, provar que existe um Deus que se preocupa
desinteressadamente com os seres humanos. Quanto ao amor humano,
“apostamos”, que uma pessoa nos ama e procuramos construir uma relação
a dois. E na vida cotidiana, em meio às dificuldades, às contrariedades,
às alegrias e aos prazeres, vamos tendo a confirmação ou a negação da
validade da nossa “aposta”. Com Deus talvez ocorra algo semelhante. Se
“apostarmos” experienciar esse Deus que nos ama, iremos construindo
uma nova relação.
Não podemos esquecer, contudo, que tanto na “aposta” do amor
quanto na experiência de Deus existe algum acontecimento que fundamenta
a “aposta”. Um acontecimento que nos desperta para o amor e para a
pessoa amada, que serve como uma plataforma, de onde nos lançamos.
Uma experiência original que nos certa segurança para nos lançarmos na
grande aventura do amor em busca de Deus. Nessas duas apostas, nessas
duas maneiras de viver, que muitas vezes se confundem numa só, está
presente a fé. A fé na pessoa amada e a fé em Deus. No fundo, toda nossa
vida é uma grande aposta.
É sobre esta aposta, essa aventura que é nossa vida, que queremos
continuar falando. Nessa aventura, de uma forma ou de outra, está presente
uma imagem de Deus. Muitas vezes, há uma imagem negativa de alguém
que nos reprime e nos oprime, com ameaças de castigos eternos; outras
vezes, de alguém que nos anima e nos fortalece para a vida.
O Deus que busco humaniza a relações humanas, está ao lado do
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ser humano, e não contra o ser humano e sua felicidade, como muitas vezes
me foi apresentado. Deus, se é verdadeiramente deus, deve estar do lado
da humanidade, em favor dela toda, ajudando-nos a nos humanizar, para
vivermos realmente o grande projeto e o sonho de fraternidade universal.
Infelizmente, existem muitas distorções a respeito de Deus, o apresentam
mais como um “padastro sádico” do que um pai amoroso.
Acredito que você também esteja buscando esse Deus que nos
humaniza. Para tanto, convido-o a prosseguir em nossa reflexão. O próximo
desafio é o desmascaramento das distorções, o desmascaramento dos
“falsos deuses” que habitam nosso mundo. Só assim poderemos procurar
o Deus verdadeiro...

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