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Construção Da Democracia PDF
Construção Da Democracia PDF
Av. Professor Lúcio Martins Rodrigues, travessa 4 – bloco 2 – 05508-900 – São Paulo/SP Brasil
Tel. (55 11) 3091.4951/ Fax (55 11) 3091.4950
e-mail nev@usp.br
Fevereiro 1999
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 1
Coordenação
Paulo Sérgio Pinheiro
Sérgio Adorno
Nancy Cardia
Malak Poppovic (1993 –1994)
Coordenadores de Campo
Anamaria Cristina Schindler (1993)
Flávia Schilling (1994 –1995)
Helena Singer
Iolanda Maria Alves Évora (1994 – 1998)
Maria Inês Caetano Ferreira (1995- 1998)
Marina Albuquerque de Macedo Soares (1994 – 1995)
Wânia Pasinato Izumino
Pesquisadores Comissionados
Fernando Afonso Salla (Prefeitura de São Paulo)
Luís Antônio Francisco de Souza (Prefeitura de São Paulo)
Pesquisadores
Adriana Hanff da Silva (1993 – 1994)
Adriana Loche
Amarilys Nóbrega de Almeida (1993 – 1994)
Cristina Eiko Sakai, (1993 – 1994)
Cristina Neme (1993 – 1994)
Glauber Silva de Carvalho, (1994-1998)
Helder Rogério Sant’Ana Ferreira
Jacqueline Sinhoretto (1993-1998)
Marcelo Gomes Justo (1993 –1998)
Mônica Varasquim Pedro (1995 – 1998)
Olaya Sylvia Portela Hanashiro (1993 – 1994)
Petronella Maria Boonen (1995-1998)
Auxiliares de Pesquisa
Adriana Tintori (1997-1998)
Alessandra Olivato (1995-1997)
Carlos César Grama (1994-1995)
Célio Luis Batista Leite
Cláudia Garcia Magalhães (1997-1998)
Cristiane Lamin Souza Aguiar (1997)
Daniela Resende Flório (1996 – 1997)
Débora Pereira Medeiros (1995 – 1998)
Dione do Espírito Santo (1996 – 1996)
Fraya Frehse (1994)
José Henrique Garcia (1995)
Moisés Baptista (1997)
Simone de Cássia Ribeiro (1995 – 1997)
Sueli Solange Pereira (1997)
Vilma Aparecida da Silva (1995 – 1997)
Viviane Oliveira Cubas
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 2
SUMÁRIO
CAPÍTULO 2. O PASSADO NÃO ESTÁ MORTO: NEM PASSADO É AINDA - Paulo Sérgio Pinheiro 40
1. Consolidação democrática e direitos humanos 42
2. Instituições e impunidade 56
3. Sociedade civil, ONGs e tomada da consciência dos direitos 68
4. Perspectivas 70
CAPÍTULO 3. VIOLÊNCIA URBANA E CRIME NO BRASIL: O CASO DE SÃO PAULO - Paulo Sérgio Pinheiro 74
1. Overview da violência no Brasil 74
2. Padrões sócio-demográficos da violência urbana 78
3. Algumas vítimas preferenciais 83
4. A “rede de causas” em contexto 87
5. Violência institucional: o arbítrio da polícia 98
6. A violência na sociedade incivil 101
7. Violência e mídia 102
CAPÍTULO 4. AS GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS: O TEMA E A PESQUISA- Sérgio Adorno e Wânia
Pasinato Izumino 104
1.Objetivo e perspectiva teórico-metodológica: o Estado moderno, o monopólio da violência e a proteção
dos direitos humanos 104
2. Indagações, hipóteses e objetivos empíricos 114
3. Etapas da investigação empírica e técnicas de levantamento de dados 120
4 Considerações metodológicas 147
5. Plano de análise 166
CAPÍTULO 6. EXECUÇÕES SUMÁRIAS: ACERTO DE CONTAS E JUSTIÇAMENTO PRIVADO NOS GRANDES CENTROS
URBANOS BRASILEIROS - Iolanda Évora, Maria Inês Caetano Ferreira, Adriana Tintori, Mônica Aparecida
Varasquim Pedro 224
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA POLICIAL: A AÇÃO JUSTIFICADA PELO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER. - Wânia Pasinato
Izumino, Adriana Alves Loche e Viviane de Oliveira Cubas
293
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA RURAL: UMA DÉCADA DE LUTAS EM TORNO DA TERRA - Marcelo Gomes Justo, Helder
Rogério Sant’Anna Ferreira e Petronella Boonen 363
PARTE III - AS GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM SÃO PAULO E BRASIL RURAL (1980-1989): UMA
HISTÓRIA OFICIAL
CAPÍTULO 9. LINCHAMENTOS EM SÃO PAULO - Sérgio Adorno 404
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 3
CAPÍTULO 16. JUSTIÇA FORMAL: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL - Sérgio Adorno
CAPÍTULO 17. JUSTIÇA VIRTUAL: O INQUÉRITO E O PROCESSO PENAL SOB A ÓTICA DOS OPERADORES DO DIREITO -
Nancy Cardia
1. O inquérito policial ideal
2. O processo penal ideal
3. O inquérito policial real
4. O processo penal real
5. Outros temas abordados
CAPÍTULO 18. JUSTIÇA REAL: A JUSTIÇA NO TEMPO - Sérgio Adorno, Wânia Pasinato Izumino, Jacqueline
Sinhoretto, Fernando Salla e Luís Antônio Francisco de Souza
CAPÍTULO 19. O TEMPO DA JUSTIÇA: A QUESTÃO DA MOROSIDADE PROCESSUAL - Sérgio Adorno, Wânia
Pasinato Izumino, Jacqueline Sinhoretto
1. Os processos de linchamento
CAPÍTULO 20. O DESFECHO PROCESSUAL: DECISÕES JUDICIAIS E PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS - Fernando
Salla e Luís Antônio Francisco de Souza
1. Os processos de linchamento
2. Os processos de grupo de extermínio e justiceiros
BIBLIOGRAFIA
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 5
O projeto investigou a hipótese segundo a qual a continuidade das violações dos direitos
humanos são um dos elementos básicos que minam a construção de uma cidadania universal e
que questionam a credibilidade das instituições básicas para a democracia: em especial as
agências e atores encarregados da aplicação das leis e da pacificação da sociedade. Esta
cidadania restrita seria parte constitutiva de uma cultura política marcada pela não
institucionalização dos conflitos sociais, pela normalização da violência, pela reprodução das
violações de direitos humanos e pela reprodução da estrutura vigente de relações de poder. Ao
que tudo parece indicar, tais aspectos interagem de forma perversa, criando círculos viciosos que
diferentes movimentos sociais e distintas formas de organizações populares não conseguem
romper.
As respostas a tais indagações ensejaram o exame dos dados empíricos segundo três
recortes analíticos: (1) atuação do Estado na apuração das violações: tratou-se de verificar em
que medida esta atuação funciona como dissuasor ou como elemento facilitador da reprodução
destas violações; ou, ainda, em que medida se pauta por uma ambigüidade, ora dissuadindo-as
ora reproduzindo-as; (2) aspectos de cultura política de comunidades que vivenciaram violações
de direitos humanos, observando-se com maior ênfase a percepção de justiça e de polícia, as
relações entre violência e reprodução da estrutura de poder, a presença de um processo de
exclusão moral; (3) atuação das organizações não-governamentais (ONGs) e outros grupos
organizados da sociedade civil com vistas a examinar seu papel, desempenho e alcance na
consolidação da democracia.
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A análise desses casos revela a natureza dos litígios que via de regra tendem a convergir
para desfechos fatais. A análise enfatizou a caracterização dos protagonistas, a caracterização
dos contextos e cenários que estimulam tais acontecimentos e a caracterização do
encadeamento e do nexo de ações que redundam nas modalidades observadas de resolução de
litígios. Buscou-se explorar a hipótese segundo a qual conflitos tais como os observados tendem
a explodir no contexto de agudas rupturas nas relações hierárquicas entre cidadãos comuns e
autoridades públicas, o que remete à crise do poder pessoal na sociedade brasileira. Esta
hipótese foi sustentada sobretudo pelo exame do contexto e dos cenários que armam tais
acontecimentos, constituídos às voltas da criminalidade urbana violenta cuja emergência e
extensão nos bairros populares do município e da região metropolitana de São Paulo
promoveram ao longo da década de 1980 acentuados desarranjos no tecido social urbano
colocando em confronto tête-à-tête modalidades rústicas e plebéias de distribuição de justiça e
modalidades oficiais de aplicação das leis penais.
No curso desta análise foi possível responder às quatro indagações iniciais: quem tem
direitos violados, quem viola direitos, quais as relações hierárquicas entre os protagonistas e
quais cenários sociais desencadeiam as modalidades observadas de violação de direitos
humanos. As respostas a estas indagações apontaram para a importância de uma detida análise
do papel do Estado, através de suas agências de contenção da violência e de pacificação social,
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na reprodução daqueles acontecimentos. Tudo indica que a crise do poder pessoal está
relacionada ou toma a forma de crise do sistema de justiça criminal diante da escalada da
violência urbana. A seqüência desta análise buscou responder a duas questões: o que fez o
Estado diante destes casos, o que equivale a indagar como as agências de justiça criminal
promoveram a apuração da responsabilidade penal? Com quais resultados intervieram? Puniram
ou não os agressores?
Para responder a estas indagações, a análise que se seguiu teve por objeto a morfologia
da intervenção judicial/judiciária. Buscou-se descrever com minúcia e acuidade todos os aspectos
implicados na ação do poder público em suas atribuições de pacificação social e de controle
repressivo da violência dentro dos limites da legalidade própria do Estado democrático. Ao fazê-
lo, o percurso analítico promoveu três recortes: o primeiro privilegiou a observação da justiça
formal. Neste recorte, o enfoque recaiu sobre as estruturas formais da justiça penal, suas formas
de organização e funcionamento, seus rituais institucionais, suas atribuições, funções e
competências, a par de uma análise do fluxo do processo penal e de seu subjacente sistema de
produção da verdade jurídica, materializado em um sistema de provas o qual, por sua vez,
sustém o contraditório penal.
O segundo concentrou sua atenção na observação dos atores que põem o sistema de
justiça criminal em funcionamento. Neste segundo recorte, cuidou-se de examinar como os
operadores do direito se apropriam das regras formais, interpretando-as subjetivamente quer sob
a ótica de suas experiências sociais mais gerais, quer sob a ótica de suas experiências
profissionais, portanto mais próximas e diretamente referidas ao objeto empiricamente observado.
Institui-se deste modo uma sorte de justiça virtual que diz respeito ao modo como as formalidades
judiciais sofrem acomodações, ajustes, adaptações que se traduzem em normas de orientação da
conduta diante de casos e situações concretas, como são aqueles relatados nos processos
penais examinados. Do ponto de vista analítico, este segundo recorte adotou como estratégia
comparar permanentemente a justiça ideal com a justiça real. Esta estratégia possibilitou uma
espécie de “mensuração qualitativa” das distâncias que se estabelecem entre o mundo abstrato
das leis e o mundo concreto das normas, entre a justiça que pretende o monopólio da violência
física legítima e a justiça que claudica diante de obstáculos intransponíveis, que vacila em suas
atribuições investigativas e de apuração da responsabilidade penal, que hesita em punir e que, no
limite, abdica de exercer a soberania que lhe deveria facultar aquele monopólio.
Por fim, o terceiro recorte justapôs estruturas e atores. Neste nível, todo o esforço
analítico enfocou o andamento do processo penal e seu correspondente desfecho processual.
Inicialmente, abordaram-se as dificuldades e óbices na produção de provas judiciais que remetam
à identificação de réus penalmente responsáveis. Contemplou-se aqui um exame dos requisitos
legais e processuais pertinentes às diligências, à junção de provas, às perícias técnicas e seus
correspondentes laudos bem como a outras providências que deixam de ser cumpridas ou são
cumpridas de modo inadequado com flagrantes equívocos técnico-administrativos. O ponto
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Palavras-chaves: direitos humanos; violência; justiça penal; Estado de Direito; violência policial;
assassinatos de crianças e adolescentes; grupos de extermínio; linchamentos; violência rural.
Brasil e Estado de São Paulo, 1980-1989.
PARTE I
CONTINUIDADE AUTORITÁRIA E
CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA
CAPÍTULO 1
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Nancy Cardia
1
Esta perspectiva difere de outras por considerar que as instituições decorrem da estabilidade
social e política e que portanto exigem a consolidação e não o contrário que é a visão mais
consensual de que a consolidação exige como condição prévia, a institucionalização de
procedimentos, acordos e processos.
2
Exceto em circunstâncias muito especiais como nas transições impostas externamente como na
Alemanha e no Japão após a segunda Guerra Mundial.
3
Um exemplo disso estaria, no caso brasileiro, na democracia vivida no período entre 1946-1964,
que teria sido um regime misto de democracia e autoritarismo devido a cultura política herdada do
período 1937-1945 (Weffort, 1992).
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2. A consolidação da democracia
A democracia estável pode ou não ser o resultado deste processo de
transição, podendo haver ainda (Morlino, 1986) diferentes graus de consolidação
e de debilidade ou força da democracia. Isso vai depender de uma série de
fatores que serão examinados a seguir. É possível que o regime não se consolide
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4
Alguns autores defendem que estas características não são pré-condições mas conseqüências
da democracia é o caso, por exemplo, de Karl e Schmitter (1991).
5
Em Singapura, por exemplo, a população tolera que o governo interfira profundamente na vida
privada: determine o número de filhos que podem ter, tipo de casamento que devem fazer, o
número de carros que podem comprar, etc. A dissidência política é praticamente proibida, aqueles
que ousam discordar são punidos não com prisão (que geraria reclamações da organizações de
defesa de direitos humanos) mas com penas financeiras determinadas de modo a levar os
dissidentes à ruína financeira (Simons, 1991). Estes regimes do Sudeste Asiático, apesar de
todos os desafios que apresentam para a teoria da democracia, parecem não provocar o
interesse dos estudiosos da relação entre democracia e economia de mercado e, menos ainda,
da relação entre desenvolvimento econômico e social e democracia.
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6
Nessas sociedades a introdução do direito de propriedade e dos mecanismos de mercado não
seriam percebidos como sendo do interesse do conjunto da sociedade, mas como beneficiando a
poucos, sem garantias de que a longo prazo tais benefícios irão ocorrer.
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7
Róna-Tas,1994; Szelényi et al, 1995; Szelényi e Szelényi, 1995; Rose, 1996; Hanley et al.,
1995; Fodor et al, 1995; Böröcz e Róna-Tas, 1995; Eyal e Townsley, 1995; Wasilewski e Wnuk-
Lipinski, 1995.
8
A transição na Alemanha e no Japão no pós-guerra exigiu uma troca radical de todo o pessoal
envolvido com o regime nazista, na Itália também ocorreram mudanças, mas no judiciário onde
não havia possibilidade de se trocar todos os juízes, levou muitos anos para isto ocorrer, o que foi
considerado um elemento responsável pela demora na estabilidade política e nas mudanças nas
práticas de nepotismo dos partidos políticos (Colombo, 1993) .
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Esses indicadores tem sofrido quedas no leste europeu, em especial a expectativa de vida que
na Rússia tem declinado rapidamente em conseqüência do stress e das dificuldades de vida
provocadas em grande parte pela incapacidade do Estado em garantir salários, pensões e
aposentadorias.
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economia viável, mas provavelmente levará 60 anos para criar uma sociedade
civil". (Dahrendorf, 1990).
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Benhard (1993); Lloyd (1993); Guenov (1991); Geremek (1992) e Kolarska-Bobinska (1991).
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Há uma diferença grande entre participar de uma dissidência a atuar no parlamento,
examinando e questionando propostas de governo, negociando conflitos, e estabelecendo
compromissos (Rose, 1993). Os grupos devem organizar-se, recrutar pessoas, estabelecer
programas partidários, levantar fundos, estabelecer regras de conduta para seus representantes e
vínculos com o eleitorado.
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Uma pergunta que guiou a revisão da literatura foi sobre qual o papel dos
direitos humanos na transição para a democracia nos países do Leste da Europa:
as violações e as garantias aos direitos humanos não aparecem na literatura
sobre transição ou consolidação- quer como um dos fatores desencadeadores do
desencanto com o regime anterior, quer sobre o que representa para a
consolidação da democracia. Pode-se dizer que os direitos humanos não são um
tema da transição no Leste da Europa, apesar da experiência de controle e
punição da dissidência durante o regime anterior. Essas lacunas são alimentadas
pelo fato de que as tentativas de reforma das polícias e da magistratura, quando
ocorrem têm sido realizadas com a assistência de profissionais dessas áreas
vindos do Ocidente: por exemplo, as polícias americanas e canadenses têm
colocado suas expertises à disposição dos países do Leste, assim como as
associações de juristas e de advogados. Tentativas de mudanças e de reformas
têm ocorrido sem o acompanhamento de pesquisadores e acadêmicos mas
movidas por esses profissionais, com resultados muito heterogêneos. O
essencial é que até o momento não se percebem mudanças substanciais nas
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práticas desses grupos e com freqüência o Estado é descrito como não detendo
o controle sobre as forças de coerção e de repressão (que continuariam a agir
contra a população e não para deter a atuação das máfias). É razoável imaginar
que as graves violações não tenham desaparecido, mas que, assim como na
América Latina, o alvo preferencial agora seja outro, o das populações com
menos poder e não mais a dissidência política. Se isto for verdade, o impacto
sobre a democracia é ignorado e esta lacuna pode estar indicando uma
normalização destas violações.
12
Rial (1991); Cavarozzi (1991) e Cammack (1994).
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13
da perda da legitimidade por fracasso econômico, pela violência da repressão ou pelo fracasso
em empreitada militar, ou até porque o sucesso econômico levou a uma abertura paulatina
(Roniger, 1989),
14
No Chile, por exemplo, a transição levou a uma democracia protegida, segundo Flisfich (1989)
com a tutela dos militares. Na Argentina, após o julgamentos dos militares, o regime democrático
parecia ter estabelecido o controle civil das forças armadas esta impressão foi afetada pela anistia
concedida aos militares, após a insurreição por membros das forças armadas (Cheresky, 1990).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 24
15
Este fenômeno da conversão dos políticos conservadores, no Brasil, é muito bem abordado por
Bonfim (1993) descrevendo a conversão dos monarquistas à República no dia seguinte da
proclamação da mesma: "Trava-se uma nova batalha, desaparece finalmente a monarquia; a
batalha é incruenta, proclama-se a República, ninguém protesta; ninguém se espanta mesmo ao
ver que, no dia seguinte - literalmente no dia seguinte, toda a gente é republicana. O instinto lhes
diz que a República vem a ser o que era a monarquia; não há razão para que fique alguém de
fora. A República, dentro da qual há uns raros republicanos e democratas, traz algumas
veleidades de reformas (....) mas tem contra si, logo, alguns dos que a fizeram. (...) Já vemos
confundidos, de um lado e do outro, republicanos de ontem e de hoje. Agora, neste primeiro
momento, não se trata verdadeiramente de combater os revolucionários e democratas, mas sim
de conquistar um lugar entre eles: ir entrando, entrando, até superá-los e absorvê-los. Não se
quer combater a República, e sim conquistá-la". (pg.278).
16
Como mostra O'Donnell (1988), ao contrário do que ocorreu em outros países latino-
americanos o regime autoritário ao manter eleições para postos não majoritários, ao manter as
câmaras municipais, assembléias legislativas estaduais, e o Congresso Nacional, e ao manter
partidos políticos permitiu a continuidade do tipo de política que se fazia antes do regime
autoritário e a presença da maioria dos políticos que não ameaçavam a nova ordem. Estes
políticos sobrevivendo ao período autoritário, não sentem neste regime uma ameaça a sua
existência, logo não têm incentivos para fazerem uma opção irreversível pela democracia, pois
este não é o único regime no qual podem existir como tal.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 25
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Um exemplo está na aceitação, por amplos setores da população, da elite à classe
trabalhadora, do confisco determinado pelo Plano Collor. É interessante que, em geral, há pouca
crítica, por parte da elite econômica, a qualquer política econômica quando de seu anúncio, quase
como se a dissidência neste tema fosse algo que devesse ser mantido privadamente.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 26
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Pesquisa realizada pelo IBOPE (1990/1989) para a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo,
em São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, mostrou que apesar a maioria das pessoas nestas
cidades considerarem que é freqüente (ou sempre) políticos se elegerem só porque têm mais
dinheiro na campanha, isto não é considerado como muito grave. Estes dados sugerem uma
aceitação da transformação da desigualdade econômica em desigualdade política.
19
Esta continuidade dos atores não é privilégio do caso brasileiro, mas é um fenômeno observado
nas transições latino-americanas (e também nas do Leste Europeu, como já citado). Garretón
(1991) elaborou longamente sobre os efeitos deste tipo de continuidade sobre a consolidação.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 27
O Executivo e o Judiciário
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Exemplos disto têm sido muito freqüentes, além do impeachment do ex-presidente Collor, no
Brasil, tivemos o impeachment do ex-presidente Andrés Perez na Venezuela e em uma mesma
semana de setembro de 1995 a imprensa noticiava as seguintes investigações pelos parlamentos
dos respectivos países: do ex-presidente do Peru (Alan Garcia), do ex-presidente de Honduras
(por corrupção), do ex-presidente da Venezuela e do presidente (por suspeita de envolvimento
com a falência fraudulenta de bancos), do presidente da Colômbia (financiamento de campanha
pelos narcotraficantes), do presidente da República Dominicana (por corrupção), do vice
presidente do Equador (por corrupção) e a destituição do Ministro da Economia do Equador (por
tráfico de influência).
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Cheresky (1990); Jelin (1989); Boron (1989); Franco, (1990) e Garretón, (1991).
22
Processo semelhante parece ocorrer na África do Sul com a atuação da Comissão pela
Verdade e Reconciliação.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 31
23
Esta interpretação não é consensual, Boron (1989), por exemplo discorda e acha que a anistia
aos militares provocou um desencanto generalizado.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 32
24
Flisfich (1989); Lechner (1991); Rial (1991); Jelin (1992); Cheresky (1990); Garretón (1991) e
Abregú, (1993).
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25
Como mencionado a continuidade destas violações também é ignorada pelos estudiosos da
transição e da consolidação no Leste Europeu e pelos teóricos da transição e da consolidação em
geral.
26
Outros autores, como Sanderson (sem data), acham que a omissão do Estado brasileiro no
caso da violência no campo é funcional. Esta violência por parte de latifundiários, e políticos locais
serviria para "manter a ordem" entre os posseiros, sem terras, poupado o Estado de usar seu
recursos para a manutenção da paz.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 34
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A ideologia autoritária na vida cotidiana, subprojeto da pesquisa: "Continuidade autoritária e
consolidação democrática I" NEV/CNPq 1990-1994.
28
Os brasileiros seriam, entre os povos latino-americanos, aquele que menos preferência tem
pela democracia. Segundo pesquisa realizada pelo IDESP em maio/junho de 1995 apenas 41%
dos entrevistados, no Brasil fazem questão da democracia em qualquer circunstância enquanto
86% dos uruguaios e 76% dos argentinos têm esta posição.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 35
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Como descreve Bonfim: "para garantir a cobrança desses tributos e tornar efetivos os seus
privilégios, os governos da metrópole mandam cá seus representantes, espalham por toda a
colônia uma rede de agentes, opressores e vorazes, impostos como diretores da vida pública; e
desde logo é defeso às novas sociedades o organizarem-se espontaneamente, segundo os seus
interesses e inclinações... o governo da coroa deixa ao colono toda a plenitude da ação para o
mal; ele é livre para fazer o que quiser, contanto que pague e não pense em modificar o regime
social e político."(Bonfim, 1993, pg.142).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 37
30
Um dos aspectos menos explorados da manutenção tanto da assimetria como da submissão,
refere-se ao tipo de legitimidade que os dominados dão para a dominação e os "ganhos" que dela
retiram, ou seja ao processo de introjeção da submissão quando, em teoria, não mais existem
elementos claramente voltados para a coerção: polícias secretas, de segurança interna etc.
31
Ainda segundo Bonfim, o Estado na colônia: "tem por função, apenas, cobrar e coagir ....A
justiça aparece para condenar os que se rebelem contra os Estado ou contra os parasitas criados
e patrocinados por ele" (pg.142) "Fora disto, não há mais nada: nem polícia, nem higiene, nem
obras de interesse público, nada que represente a ação benéfica e pacífica dos poderes
públicos.... O estado existe para fazer o mal, exclusivamente; e esta feição ...tem uma influência
decisiva e funestíssima na vida posterior destas nacionalidades; o Estado é o inimigo, o opressor
e o espoliador; a ele não se liga nenhuma idéia de bem ou de útil; só inspira ódio e
desconfiança... Tal é a tradição; ainda hoje se notam estes sentimentos, porque ainda hoje, ele
não perdeu o seu caráter duplamente maléfico-tirânico e espoliador." (Bonfim, 1993, pg 143).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 38
A não punição ratifica não só a desigualdade perante a lei mas até mesmo
a ausência das leis. Se isto ocorre porque os responsáveis pelas graves
violações são agentes do governo, a impunidade reforça a "legalidade truncada"
e de certo modo encoraja a crença na maior eficácia das soluções de cunho
individual: o clientelismo. Se a impunidade protege um igual ou hierarquicamente
inferior, encoraja-se a justiça pelas próprias mãos. Nas duas circunstâncias a
impunidade estará alimentando a continuidade das graves violações e, através
destas práticas autoritárias, dificultando o surgimento de uma cultura política
democrática.
32
Não é só na Argentina que o Judiciário tem um importante papel na socialização política. Nos
Estados Unidos decisões da Suprema Corte têm tamanha credibilidade que mesmo aqueles que
discordam do conteúdo das decisões reformulam suas opiniões na direção destas decisões.
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CAPÍTULO 2
O PASSADO NÃO ESTÁ MORTO: NEM PASSADO É AINDA33
33
Este texto foi originalmente publicado em DIMENSTEIN, Giberto (1996) Democracia em
Pedaços. Direitos humanos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
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Direitos políticos
Há uma tendência do senso comum a constatar que as instituições
políticas estão consolidadas e que persistem problemas apenas na esfera dos
direitos civis e dos direitos sociais e econômicos. Como veremos, nem as
instituições democráticas - tanto da representação política quanto aquelas ligadas
ao exercício do monopólio da violência física legítima, como a polícia e o sistema
judiciário atendem os requisitos mínimos da formalidade democrática. As
instituições políticas de representação da cidadania apresentam diversas
limitações, definidas sob o regime autoritário - desenhadas com o intuito de
limitar o poder das áreas urbanas e mais populosas muitas mantidas na
Constituição de 1988 .
mesma família para burlar a exigência legal que proíbe a concentração de mais
de dez concessões de televisão por proprietário. Não se pretende obviamente
estabelecer vínculo mecânico entre o acesso dos políticos à mídia e sua
influência política, mas chamar a atenção para mais um aspecto do desrespeito à
lei, com a conivência dos legisladores, garantindo-se a impunidade. Essas falhas
na democratização do acesso à mídia - essa incapacidade das novas
democracias, como o Brasil, em tornar a mídia “independente e
responsabilizável, livre e justa”, como diz Jorge Castañeda - , somadas a falhas
no sistema de representação, restringem a publicidade da política, diminuem as
possibilidades de accountability, criando obstáculos para o desenvolvimento
humano e para as possibilidades de organização da sociedade civil.
dedicados à luta pela observância dos direitos humanos no país.” O novo governo
tem aprofundado essa política com a apresentação do Relatório Inicial Brasileiro
relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, realizado em
colaboração, inédita na área, com o Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo. A criação do Departamento de Direitos Humanos e
Assuntos Sociais no âmbito do Itamaraty pelo governo Fernando Henrique
Cardoso constitui um claro sinal do aprofundamento da política de transparência.
O aprofundamento dessa política foi assinalado pelo embaixador Luís Felipe
Lampreia, ministro das Relações Exteriores, quando do lançamento daquele
Relatório: “O compromisso do governo brasileiro com os direitos humanos é um
corolário necessário e insubstituível da democracia e do nosso desejo de
transformar para melhor a sociedade brasileira, seus padrões sociais e até sua
estrutura econômica. Esse compromisso não é simples resposta ao interesse
internacional, é um reflexo da cidadania que se consolida no país.”
Violência e desigualdade
Como vimos, os direitos políticos estão diretamente intrincados com as
condições de vida da população. O que obriga a colocar a questão – ainda que
este livro não pretenda tratar de modo específico dos direitos econômicos e
sociais – sobre poderem os direitos civis e políticos ser adequadamente
protegidos em países como o Brasil, nos quais as “violações estruturais” dos
direitos sociais, econômicos e culturais parecem ser uma característica da
sociedade .
A implementação dos direitos sociais e econômicos não pode ser
considerada separadamente ou como adicional à consolidação da democracia: a
realização da cidadania, essencial para a democracia política tornar-se ela
mesma realidade, requer reformas sociais e econômicas. O que é urgente não é
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 52
Ainda que a violência ilegal esteja disseminada pelas áreas rurais e pelo
interior do Brasil, as manifestações mais visíveis dessa “violência endêmica”
ocorrem nas áreas urbanas. Na maior parte das regiões metropolitanas há uma
coincidência entre os lugares onde os pobres vivem e a violência: ali a morte é
principalmente provocada por causas violentas. O padrão da cidade de São
Paulo se repete em outras áreas metropolitanas. Há clara correlação entre as
condições de vida, violência e as taxas de mortalidade, onde confluem violações
de direitos civis e políticos e violações de direitos sociais e econômicos – a
violência é claramente uma parte significativa da privação social.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 53
Enquanto esses bloqueios não forem superados, em face dos direitos civis
constitucionalmente definidos pelo texto de 1988, pelas obrigações assumidas
por parte do Estado brasileiro perante a comunidade internacional, as violações
de direitos humanos devem ser coibidas e seus responsáveis processados. O
Estado federal é responsável pela promoção e realização da proteção aos
direitos humanos, não podendo alegar a carência social e econômica ou
dificuldades internas do sistema político ou jurídico para desatender às
obrigações assumidas. No caso brasileiro, situando-se o país entre as dez
maiores potências industriais, as alegações de falta de recursos pelo
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 55
2. Instituições e impunidade
A avaliação estrita das instituições do controle do crime revela formidável
descompasso entre o texto constitucional, os princípios das convenções
internacionais ratificadas pelo Brasil e o funcionamento efetivo das agências de
controle do crime, como as polícias, o judiciário e o Ministério Público, tanto no
âmbito federal como estadual. É evidente que as situações variam em cada
região ou estado, entre o nível federal e o estadual, e seria inexato deixar de
registrar os avanços que em todas as instituições foram feitos depois do retorno
às eleições direitas para governador e presidente, provocados por governantes
mais sensibilizados para a necessidade de promover o estado de direito. O
quadro legal definido pelo Constituição, se guarda continuidades – o “entulho
autoritário” da legislação, na expressão do então senador Fernando Henrique
Cardoso em 1985, está longe de ter sido integralmente removido -, permitiu
conquistas de autonomia por parte de várias instituições e aperfeiçoamentos em
sua atuação. Um largo elenco de novas ações legais foi posto ao alcance da
sociedade para pressionar pela concretização dos dispositivos constitucionais .
Muitas graves violações de direitos humanos seriam drasticamente diminuídas
mediante reformas políticas, um melhor controle sobre os aparelhos repressivos
e um melhor funcionamento do aparelho judiciário, mesmo no presente quadro
legal.
O sistema policial
A polícia civil. No direito criminal brasileiro a peça básica para o processo
criminal é a investigação da polícia, realizada sob a presidência do delegado de
polícia. Ora, na maioria dos estados os inquéritos policiais são realizados de
forma precária, com carências enormes de pessoal e de equipamento.
policiais em alegados confrontos: muitas vezes uma pessoa leva um tiro quando
fugia da polícia ou, porque foi morta deliberadamente, levará outros tiros até
morrer. Mesmo quando morta, a vítima será levada para o hospital, para fazer de
conta que se prestaram socorros, quando na realidade o que estão fazendo é
obstruir a investigação.
nacional não está ameaçada pela guerra social. A retórica da guerra civil anda de
mãos dadas com sociedades que são extremamente hierarquizadas e assoladas
pelo racismo e pela desumanização dos pobres.
Não obstante todos esses erros, a operação militar no Rio de Janeiro foi
prorrogada durante o ano de 1995, apesar de todas as vezes que o exército se
retirou dos morros a situação ter permanecido a mesma. Os traficantes e o crime
organizado em geral continuarão se armando porque a operação não colocou em
prática esquemas eficazes de fiscalização e controle do comércio de armas, de
repressão ao contrabando e não implantou o controle individual das armas
utilizadas pelos agentes do Estado. De pouco adianta “limpar a área”, como
parece ter sido pretensão do governo e dos comandos militares, sem melhorar as
condições de vida daquelas populações, alargando sua cidadania.
Prisões
Se a polícia e o judiciário pouco foram afetados por reformas nesses dez
anos de governo civil, uma outra instituição crucial para o enfrentamento da
impunidade no Brasil, o sistema penitenciário, padece carências que se
acumulam há décadas. No Brasil, a prisão e a detenção ilegais, apesar de todas
as restrições claramente definidas pela Constituição de 1988, continuam de todo
banalizadas em seu emprego contra a maioria da população trabalhadora, pobre
e não branca. As regras apenas são seguidas em proveito dos que detêm alguma
parcela de poder ou riqueza, em geral brancos – mas mesmo em relação a esses
contingentes abusos são comuns. Em razão da forma indiscriminada com que a
detenção e a prisão são realizadas em nosso país, há um desrespeito deliberado
e continuado, apesar da democracia, dos preceitos constitucionais e dos direitos
internacionais de direitos humanos, válidos para a lei interna.
A maior reclamação dos presos em todo país, além, é claro, das próprias
condições de cumprimento da pena, é a falta de assistência judiciária. A imensa
maioria, 98% segundo o censo nacional analisado neste livro, não dispõe de
recursos para contratar advogados particulares, dependendo das assistências
judiciárias dos estados, em sua maior parte com escassos recursos, ou de
advogados nomeados pelos juízes. Em especial depois da condenação, a
assistência judiciária é praticamente nula, apesar do esforço de se aperfeiçoar
esse atendimento por parte das procuradorias dos estados, e os presos sem
recursos ficam abandonados a sua própria sorte. As expectativas dos presos
sobre o retorno a sua vida em liberdade fundam-se praticamente sobre suas
possibilidades individuais. O censo penitenciário mostra que, de cada cinco
presos, apenas dois elaboram projetos de vida futura a partir da família, queixam-
se da solidão, de supressão da vida afetiva e da ausência de vínculo familiar
permanente. Desse modo, a prisão no Brasil é uma instituição ineficiente, com
recursos mal administrados e dominados pela corrupção, inútil para a reinserção
social do condenado ou para a segurança da população. Em conseqüência da
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 67
Uma dificuldade que deve ser levada em conta para entender esses limites
presentes na atuação das ONGs de direitos humanos é a das populações mais
pobres de reconhecerem os direitos humanos como sendo seus próprios direitos.
Essa limitação, combinada com um alto nível de aceitação das práticas ilegais
dos agentes do Estado – que cometem arbitrariedades alegando proteger essas
populações –, tem como conseqüência uma aquiescência generalizada, como
forma de, apesar de serem essas populações as vítimas preferenciais da
violência, se distanciarem dos marginais e dos criminosos. Mas essa
aquiescência não é monolítica nem está cristalizada. Pesquisas realizadas por
ocasião da matança no Carandiru, São Paulo, em 1992, mostram índices de
desaprovação de mais da metade da população; em relação à chacina da
Candelária essa tendência se confirmou.
4. Perspectivas
As atuais violações de direitos humanos serão debeladas se a atual
administração federal aprofundar o curso da reforma das instituições de controle
da violência e da legislação apenas esboçado no governo Itamar Franco e
continuar assumindo suas responsabilidades perante a comunidade
internacional. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tem dado
muitos sinais de empenho em tornar realidade a promoção das garantias
fundamentais e dos direitos humanos. Esse engajamento do governo federal
poderá contribuir para que as administrações estaduais, assim como o Poder
Judiciário, o Ministério Público e o Poder Legislativo, se mobilizem para a
promoção dos direitos humanos. A sociedade espera que a disposição indicada
pelo apoio do atual governo a uma política externa de transparência dos direitos
humanos – traduzida pela criação do Departamento de Direitos Humanos e
Assuntos Sociais do Itamaraty – seja prolongada na ordem interna por atos e
reformas urgentes das instituições de controle da violência.
CAPÍTULO 3
VIOLÊNCIA URBANA E CRIME NO BRASIL : O CASO DE SÃO PAULO34
34
Texto originalmente preparado para o Wold Bank, agosto de 1998. Dada a natureza deste
relatório, foram suprimidas do texto original as últimas partes relativas às iniciativas para
prevenção da violência.
35
Adorno, Sérgio. ”O Gerenciamento Público da Violência Urbana: A justiça em Ação”, paper
Seminário São Paulo Sem Medo, maio 1997, p.5-6.
36
Utilizamos o termo “epidêmico” no sentido utilizado nas abordagens da criminalidade inspirados
na perspectiva da saúde pública. Ver por exemplo Rober Sampson, sociólogo da Universidade de
Chicago: “Once crime reaches a certain level, a lot of gang violence we see is reciprocal [...] Acts
of violence lead to further acts fo violence. You get defensive gun ownership. You get retaliation.
There is a nonlinear phenomenon. With a gang shooting, you have a particular act, then a counter
response” in Gladwell, Malcom. “The Tipping Point”. The New Yorker, June 3, 1996, p. 32-38.
37
Gilligan, M.D. Reflections on a National Epidemic. New York, Vintage, 1997, p. 92.
38
idem, p. 94.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 74
determinantes atuam como uma “rede de causas” que precisa ser posta em
evidência: na presente análise queremos apreender fatores pertinentes que
possam ser capazes de contribuir para entender as múltiplas causalidades39. De
qualquer modo é impossível - basta examinarmos as populações que estão na
prisão - ao tratarmos da violência física e da criminalidade não nos damos conta
da pobreza extrema e da discriminação que caracteriza a maior parte dos
indivíduos que recorrem à violência40.
39
Goldberg, Marcel. “Este obscuro objeto da epidemiologia” in Costa, Dina Czeresnia,
org..Epidemiologia. Teoria e Objeto.São Paulo. São Paulo, Hucitec/ Abrasco, 1994, p. 104.
40
Gilligan op. cit. p.191.
41
John Galtung in Violence and its Causes. Paris, Unesco, 1981.
42
Essa discussão de risco é retomada de “ O que risco afinal ?” CEDEC/MJ[ Ministério da
Justiça]. Mapa de Risco da Violência: cidade de São Paulo. São Paulo, CEDEC, 1996, p. 3.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 75
43
idem.
44
ibidem, ver observações do médico Marcos Drummond, um dos coordenadores do PRO-AIM.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 76
45
Ver Maillard, Jean de, “Citoyenneté et Pratiques civiques” in Damon, Julien[org.] La politique de
la ville. Problèmes Politiques et sociaux, n.784, 9 mai 1997op.cit,p.45-50.
46
Ver a respeito Pinheiro, P.S. “Democratic Consolidation and Human Rights in Brazil”. Kellogg
Institute. Working Paper,256, june 1998.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 77
No Brasil
Desde a década de 1980 há no Brasil um crescimento generalizado das
taxas de homicídio por 100.000 habitantes, segundo os dados do Sistema de
Informações sobre mortalidade do Ministério da Saúde48. Os estados de
Rondônia, Roraima, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São
Paulo em 1981 já apresentavam altas taxas de homicídio ainda que bem
inferiores as de 1990.
47
Yunes, J & Zubarew,T. “Mortality from Homicides in Adolescents and Young People: A
challenge for the region of the Americas”, paper, Seminário São Paulo Sem Medo, May 1997.
48
O SIM-MS [Serviço de Informação sobre Mortalidade - Ministério da Saúde] reúne informações
sobre mortalidade geradas em todas as unidades da federação. Os atestados de óbitos,
obrigatoriamente registrados em Cartório do Registro Civil, são agregados pelos órgãos
competentes. Cada óbito apresenta a seguintes variáveis: tipo do óbito, mês do óbito, ano do
óbito, estado civil, sexo, idade, local de ocorrência, município por ocorrência, ocupação habitual,
naturalidade, grau de instrução, causa básica do óbito segundo a Classificação Internacional de
Doenças. Para causas externas de mortalidade existe a especificação entre acidente de trabalho
e tipo de violência, sendo que esta última pode ser subdividida em suicídio, acidente e homicídio.
Segundo o MS os dados do SIM-MS representam 80% dos óbitos do país, estando entre os seus
principais problemas a cobertura incompleta do sistema nas regiões Norte, Nordeste e Centro
Oeste e o sub-registro de óbitos. Com respeito ao sub-registro, especialistas ponderam que
ocorre de forma bem menos acentuada em relação às causas externa, inclusive homicídios,
devido à própria visibilidade do evento. Ver Ratton Jr., José Luiz de Amorim. Violência e Crime no
Brasil Contemporâneo. Brasília, Cidade Gráfica e Editora, 1996,p. 25-26.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 78
recurso à violência nas interações pessoais nas áreas rurais tem características
diferentes e os números de homicídios em termos absolutos e mesmo relativos
(dada a menor densidade demográfica) são menores.
Nas cidades
Se considerarmos somente as capitais do estado, 17 apresentam
crescimento de mais de 50% nas taxas de mortalidade por homicídio entre 1890
e 1991; entre estas, 12 apresentam aumentos superiores a 100% e 7 delas
apresentam queda das mesmas taxas. As capitais com quedas são Belo
Horizonte, Salvador, Florianópolis e Rio de Janeiro, com quedas moderadas, e
Fortaleza, Natal e João Pessoa com quedas acentuadas. Quanto ao Rio de
Janeiro deve-se levar em conta que as taxas para este estado já eram elevadas
no início da década de 1980 e permanecem elevadas no final da década. Note-se
que Aracaju, Belém, Boa Vista, Brasília, Goiânia, Maceió, Manaus, Porto Alegre,
Recife, Rio Branco, São Luís, São Paulo e Vitória, ou seja mais da metade das
capitais, apresentam taxas acima de 25 homicídios/100.000.
São Paulo
49
Yunes and Zobarev.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 79
50
“Brazil’s troubled megalopolis”.The Economist May 23, 1998, p.34.
51
Sobre o crime em São Paulo valho-me aqui de Feiguin, Dora e Lima, Renato Sérgio de, “Tempo
de violência, medo e insegurança em São Paulo”, São Paulo em perspectiva, 9(2), 1995.
52
: idem, p.75-78.
53
Marinheiro, Vaguinaldo. “Cidades Titanic””. FSP [ Folha de S.Paulo], 23.2.98, p.2.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 80
Rio de Janeiro
Se forem considerados, como foi feito para São Paulo, os crimes contra a
pessoa, como o homicídio doloso, a tentativa de homicídio e a lesão corporal
dolosa, constata-se que para esses crimes entre 1985 e 1989 há uma tendência
54
Feiguin e Lima, op. cit,p. 77).
55
Pinheiro, P.S. Adorno, Sérgio e Cardia, Nancy, “Chacinas: a violência epidêmica”. FSP,
19.6.98, p. 1-3.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 81
56
As autoridades passaram a exigir a indicação do número de vítimas e não apenas de registros,
que podem incluir uma ou várias vítimas. Em média foi calculado a partir das diferenças
observadas em 1991 e 1992, anos em que ambas as indicações foram oferecidas, houve cerca
de 8% de redução, quando a referência são os registros, mas várias delegacias confundiram-se
durante o ano da implantação da nova codificação misturando vítimas e registros. Ver Soares,
Luiz Eduardo et al. “Criminalidade urbana e violência: o Rio de Janeiro no contexto internacional”,
in Soares, Luiz Eduardo, et. al. Violência e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Iser/
Relume Dumará, 1996, p.172-174.
57
Essa divisão do estado do Rio de Janeiro corresponde à divisão em que opera a Polícia Civil,
responsável pelos dados dessa pesquisa: município do Rio de Janeiro; baixada, composta pelos
municípios de Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu e São João do Meriti; interior, que
abrange todos os demais municípios inclusive Niterói e São Gonçalo, nota 4, Soares et al, op. cit.,
p.172.
58
Um índice foi construído como média aritmética de dois indicadores: percentagem de chefes de
família com uma renda igual ou maior a dois salários mínimos e percentagem de chefes de família
com primeiro grau completo. Ver MJ[ Ministério da Justiça] CEDEC [Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea] Mapa da Violência cidade do Rio de Janeiro, São Paulo, CEDEC, 1997, p. 7.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 82
Os homens jovens
Os jovens em toda a América Latina tem sido o alvo preferencial da
criminalidade violenta nas maiores cidades da América Latina. In São Paulo, an
average of 102 youths between 15 and 24 years of age are murdered for every
100.000 inhabitants in that same age60.
In some poor neighborhoods in São Paulo, the figures for this age group
qual grupo also reach epidemic proportions of up to 222 homicides per 100.000 -
more than five times de national average. The same happes with the homicide
rates for youths between 20-24 years (precisely that group with the highest rates
of homicides in the city of São Paulo: if we compare the violent deaths among that
age group in Santo Amaro District (with the highest rate, 175,40 homicides per
100.000) with Leste-Penha District (with lowest rate, 48,7 per 100.000) those
youth who live in Santo-Amaro have a risk probability of being killed 3.6 times
greates than those that live in Leste-Penha61.
59
É preciso ter em conta que os dados da polícia aparecem registrados espacialmente segundo o
lugar onde aconteceu a violência e não segundo a residência das vítimas: logo esses dados tem
um valor meramente ilustrativo ver M.J./CEDEC. Mapa de Risco da Violência. Cidade do Rio de
Janeiro. São Paulo, CEDEC, 1997, p. 7-11.
60
Yunes, J & Zubarew,T. “Mortality from Homicides in Adolescents and Young People: A
challenge for the region of the Americas”, paper, Seminário São Paulo Sem Medo, May
1997,p:14-15.
61
Idem.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 83
Young people, 20 to 24 years, represents the group with the highest rates
(197 per 100,000 in 1994), increasing mortality from external causes by 47%
during that period. Females, 15 to 24 years of age having maintained a stable
rate, approximately 24 per 100,000. The increase in mortality from external
causes in Brazil among adolescents and young people is primarily a resulta of an
increase in deaths due to traffic accidents and homicides, and secondarily from an
increase in suicides in the total population. The increase in the homicide rate is
especially noteworthy in the 15 to 19 year age group62.
62
Yunes, J & Zubarew,T. “Mortality from Homicides in Adolescents and Young People: A challenge
for the region of the Americas”, paper, Seminário São Paulo Sem Medo, May 1997,p:14-15.
63
idem.p.325.
64
ibidem.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 84
taxas de 20,5 por mil habitantes enquanto a população rural de jovens crescia a
taxas de 5,5 por mil habitantes, contribuindo para formar cinturões de miséria e
marginalidade na periferia das grandes cidades, somadas à baixa qualidade de
vida, aquisição de doenças e produção de mortes).
65
Outras causas foram: acidentes de trânsito de veículo a motor, 246 ou 13,4%; neoplasias,
6,5%; doenças do aparelho respiratório, 5,6%; seguidos de suicídios (38), Aids (24), acidentes de
trabalho (11) e complicações de gravidez, parto e puerpério (11), ver “Adolescentes: A violência
em questão”, PRO-AIM [Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade do
o
Município de São Paulo], n.22, 1996 [dados referentes ao 4 . trimestre/95].
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 85
As mulheres
Os homicídios de mulheres jovens entre 15 e 29 anos têm crescido do
município de São Paulo entre 1993 (121) e 1997 (188), ano em que foram a
segunda causa de morte, vindo logo depois das doenças em geral (441), sendo a
primeira entre as mortes por causas externas67.
66
ver nota 18.
67
Dados PRO-AIM (Programa de informações sobre mortalidade) in reportagem de Vieira,
Adriana e Michelotti, “Droga de amor””, Revista da Folha, 28.6.1998, p.8.
68
Bernardes, Betina. “Crime contra mulheres é cometido por parceiro”. FSP, 15.3.1998, p. 3-9
Ver também Oliveira, Dijaci David ; Geraldes, Elen Cristina; Lima, Ricardo Barbosa, orgs.,
Primavera já partiu. Retrato dos homicídios femininos no Brasil. Petrópolis, Editora Vozes, 1998.
69
idem.p. 329.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 86
70
Inspiramo-nos aqui em Weisburd, David. “Reorienting Crime Prevention Research and Policy:
From the Causes of Criminality to the Context of Crime”. National Instituto of Justice, Research
Report , 1996, p. 7-8.
71
Mapa da Violência etc. As taxas de homicídio (/ 100.000) foram produzidas com dados de
mortalidade (1995) fornecidos pelo Programa de Aperfeiçoamento das Informações de
Mortalidade (PRO-AIM) da Prefeitura Municipal de São Paulo.
72
Para compor as notas sócio-econômicas dos distritos foram utilizados os indicadores do
CENSO IBGE 1991, como percentuais de chefes de família sem rendimento, com renda acima de
vinte SM, com 1 a 3 anos de estudo; número de pessoas por domicílio, por banheiros, acesso
precário à rede de água, de esgoto, à coleta de lixo, e indicadores do Banco de Dados do Mapa
de Exclusão Social da Cidade de São Paulo, como taxa de emprego. Foram criados ainda dois
outros indicadores: potencial de renda e potencial educacional que mediram a discrepância intra
distrital entre os dois extremos de renda e educação. Ver Mapa da Violência, Cidade de São
Paulo, p.4.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 87
73
Sem, Amartya. “The Economics of Life and Death”, Scientific American, May 1993, p. 46.
74
CEDEC/ Ministério da Justiça, Brasil, Mapa de Risco da Violência: Cidade de São Paulo”. São
Paulo, CEDEC, 1996, 12 p.
75
Anuário Estatístico do Brasil / Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE,
vol.55. Rio de Janeiro, IBGE, pp.2-12, 2-13.
76
A taxa de urbanização mais alta, 88%, é da região Sudeste, a mais populosa do país,
abrigando 62,7 milhões de brasileiros. Seguem-se a região Nordeste, 60,65% e 42,4 milhões de
pessoas; a região sul com 74,1 % urbanos e 22.2 milhões e a região Centro-Oeste, com 9.4
milhões, com 81.28% em área urbana. Ver entrevista com o chefe do Departamento de população
da Fundação IBGE, Luiz Antônio Pinto de Oliveira Durão, Vera Saavedra “Aumenta a população
das periferias dos grandes centros urbanos nos anos 80”. Gazeta Mercantil, 29.12.94.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 88
77
A participação da população total da periferia das regiões metropolitanas cresceu
substancialmente na maioria delas: em 1980, o total das 9 regiões metropolitanas somava 11,9
milhões, que subiriam para 16,6 milhões em 1991. Na região metropolitana de São Paulo, que
concentra 15,4 milhões de habitantes, 34,89% estão na periferia. Em toda a região Sudeste, a
mais populosa do país, a participação da população periférica nas regiões metropolitanas (11.5
milhões em vez de 8,6 milhões) é de 69,48% e de 65,67% nas capitais. Na região sul, a periferia
das regiões metropolitanas concentra 14,73 de seus habitantes ou 2.4 milhões, em vez de 1.5
milhão em 1980, e 9.87% nas capitais tenderá a se agravar caso os habitantes da zona rural
continuem a emigrar para as cidades. Ainda que esses fluxos tenham diminuído na direção do Rio
e de São Paulo, continuaram no começo dos anos 1990 a deslocar-se do interior do Nordeste
para as próprias capitais nordestinas, razão do crescimento de sua taxa demográfica idem n.4.
78
Pattarra e Baenninger, 1992, cit. Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz e Lago, Luciana Corrêa.
“Brésil: évolution métropolitaine et nouveaux modèles d’inégalité sociale.Problèmes d’Amérique
Latine, N. 14, juillet-septembre 1994, p. 270-274.
79
Toledo, José Roberto de, ”Assassinato aumenta em novos bairros”, FSP, 7.9.97,p.3-4
80
(Ribeiro e Lago, 1992) cit. Queiroz,op.cit.,p. 271.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 89
Antes mais nada devemos levar em conta que esse fenômeno não é
específico a São Paulo ou a outras cidades brasileiras, mas universal: quanto
mais aumenta a densidade populacional, especialmente quando há situação
aguda de carência e pobreza generalizada a violência tende a aumentar. A
população metropolitana foi especialmente atingida pela crise dos anos 1980, na
medida em que os ramos de produção mais dinâmicos e sensíveis às
81
idem, p.271.
82
ibdem p.271.
83
ibidem.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 90
84
Queiroz op. cit. P. 273.
85
Inspiro-me aqui de Wacquant, Loic J.D “Banlieues françaises et ghetto noir américain: de
l’amalgame à la comparaison”. French Politics and Society, Harvard, n.4, vol. 10. 1992,pp.81 -
97(extraits) in Damon, Julien[org.] La politique de la ville. Problèmes Politiques et sociaux, n.784,
9 mai 1997, p.12-16.
86
ibidem, ver análise proposta pela professora Nancy Cardia nessa matéria.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 91
Alguns dos distritos que mais receberam população entre 1991 e 1996
tiveram saltos em número de homicídios entre seus moradores. Por exemplo
Anhanguera foi o distrito paulista que mais cresceu nessa década: sua população
dobrou num período de apenas cinco anos e o número de homicídios cresceu de
forma ainda mais acentuada. Segundo o Pro-Aim em 1994 não se registraram
homicídios em Anhanguera: em 1995 houve 11,85/100.000 e em 1996 a taxa
dobrou para 21,03. Na zona noroeste em Brasilândia houve um crescimento
populacional oito vezes maior do que a média da cidade, 3,1 ao ano e o
coeficiente de homicídios do distrito saltou de 50,04 homicídios para 57,31/100
mil no ano seguinte e 78,19/100 mil em 1996. Os distritos que apresentam em
São Paulo o maior número de homicídios são aqueles com maior crescimento
populacional 87.
87
Idem.
88
Pinheiro, P.S; Adorno; S. e Cardia, N. Relatório “Continuidade Autoritária e Construção da
Democracia”[ Projeto Integrado de Pesquisa, FAPESP], no.3, vol. 1995/1997, p.189-193,
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 92
89
idem p.183-184.
90
Idem.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 93
91
Valho-me aqui da entrevista com a professora Eloísa Guimarães, “Escola depredada atrai o
tráfico”. Jornal do Brasil , 13.6.98, p.6.
92
Para ver a comparação com outros países na relação com 100.000 hab.: Rússia,690; EUA 529;
Escócia, 110; Portugal 125; França (95), Inglaterra (100), Espanha (105); Grécia, Irlanda e
Noruega (55), segundo levantamento feito pelo ILANUD, em 1997. Ver Cabral, Otávio. “ Um em
cada 503 paulistas está preso”. FSP, 20.3.98, p.3.1.
93
“Déficit nas prisões chega a 96 mil vagas”. FSP. 20.3.1998, p. 3-3.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 94
94
Dados preliminares da pesquisa Dieese/Seade, maio 1998 ver Dimenstein, Gilberto; Rossetti,
Fernando. “Sem estudo e trabalho, jovem cai no crime”.FSP,3-1.
95
ver “Sonho do menino de rua é trabalhar”, FSP, 21.6.98 p.3-2.
96
idem Felícia Madeira, diretora de análise sócio econômica do SEADE.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 95
97
A expressão é de Defert, Daniel, “Peut-on parler dúne epidémie spécifique aux banlieues ?.
Libération, 282.1998.
98
Daly and Wilson, cit. Wright, Robert. “The Biology of Violence”, The New Yorker, March 13,
1995, p.72 -73.
99
Retomo aqui a argumentação desenvolvida por Daly,Martin and Wilson, Margo. Homicide. New
York, Aldine de Gruyter, 1988, especialmente no capítulo 12 ”On Cultural Variation”, a parte
“Subcultures of Violence”, p. 286-291.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 96
economic inopportunity, and that is mere happenstance that the poorer classes in
industrial society exhibit more face-to-face violence than the privileged, rather
than the reverse”100.
100
Idem.
101
ver Krahn,H., Hartnagel, T.F and Gartrell, J.W(1986) “ Income inequality and homicide rates:
Cross-national data and criminological theories”. Criminology, 24, 1986, 269-295 também cit. Daly
and Wilson.
102
Daly and Wilson, op.cit.,p. 288.
103
Gilligan, Reflections on a National Epidemic.New York, Vintage, 1997, p.102.
104
É a proposta de Gilligan, James., op. cit. p. 61.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 97
105
idem p. 112-113 Gilligan ainda faz referência a uma terceira pré-condição: “the person lacks
the emotional capacities or the feelings that normally inhibit the violent impulses that are
stimulated by shame”. Essa pré-condição torna clara a razão pela qual quanto mais severamene
punimos os criminosos, ou crianças, mais violentos eles se tornam: “the punishment increases
their feeling of shame and simultaneously decreases their capacities for feelings of love for others,
and of guilt toward others”.
106
Idem.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 98
claro que essa violência não se restringe aos jovens, pois se alastra igualmente
por outros grupos etários: mas entre os adolescentes essa violência adquire
características peculiares pois este grupo está sujeito a transformações
biológicas e sociais que marcam sua transição para a vida adulta107.
107
ver nota 18.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 99
108
Americas Watch. Violência Policial no Brasil. Execuções Sumárias e Tortura em São Paulo e
no Rio de Janeiro. São Paulo, OAB/SP-NEV/USP, 1987.
109
idem,p. 195.
110
Pinheiro, P.S et al. [ Revista da USP] p. 196.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 100
Muitas dessas mortes podem ser caracterizadas como chacinas, como são
chamadas as execuções de grupos de pessoas em casas, em bares ou em
111
Ver Peralva, Angelina. ”Démocratie et violence à Rio de Janeiro”. “Le Brésil entre réformes et
blocages” Problèmes de l’Amérique Latine, 23, octo.-déc. 1996, p. 82.
112
Hanashiro, Olaya, Sinhoretto, Jacqueline et Singer, Helena ”Linchamentos: a democracia
mudou alguma coisa ?”Direitos Humanos no Brasil, 2, NEV-USP, 1995.
113
Ver Adorno, Sérgio and Cardia, Nancy. “The Judicial System and Human Rights Violations”
(São Paulo, Brazil, 1980 -1990). Paper presented at the 14th World Congress of Sociology.
Montréal (Québec), University of Montréal, Canada. 26 July/02 August 1998.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 101
lugares ermos. Explicar as razões dessas chacinas tem sido um grande desafio
para a pesquisa e para as políticas públicas de segurança. Pouco se sabe a
respeito e há muitas hipóteses que não podem ser descartadas. É bem provável
que esse crescimento esteja relacionado, direta ou indiretamente, com o novo
perfil do crime organizado, em especial no entorno do narcotráfico, que vem
dominando as regiões da periferia da cidade e se expandindo para os municípios
da região metropolitana, implicando cada vez mais o envolvimento de jovens e
até mesmo de crianças. É claro que esse novo perfil introduziu um novo potencial
de conflitos interpessoais pelo controle do comércio, cuja estrutura de
funcionamento é praticamente desconhecida. O quanto esse perfil dos conflitos
pesa nos homicídios em geral e nas chacinas em particular é ainda objeto de
pesquisas em curso. A ausência de informações conclusivas para entender-se a
perversa dinâmica da escalada das taxas de homicídios, e de outros fenômenos
como as chacinas, não exclui a necessidade premente de uma reflexão exaustiva
sobre o papel das instituições do Estado – polícias, Ministério Público, Judiciário
e sistema prisional – na prevenção da mortalidade violenta, que no estado de
São Paulo, como já apontamos, é verdadeira epidemia. 114
7. Violência e mídia
Ainda que toda relação direta de causalidade entre mídia e violência deva
ser descartada, a mediatização da violência urbana, especialmente na mídia
eletrônica, tem alguma responsabilidade. A informação por melhor que ela seja,
tem pelo menos três efeitos perversos. Por um lado, ela contribui a manter,
quando não gera, acirra na opinião pública um sentimento de insegurança sem
relação com a realidade. Por outro lado, o foco da mídia se concentra sobre a
delinqüência na periferia e nos bairros pobres, realçando somente as disfunções
e uma imagem social negativa, freqüentemente racista. Finalmente, muitas vezes
os jovens delinqüentes instrumentalizam a mídia e dessa cobertura tiram alguns
benefícios psicológicos ou sociais115.
114
Pinheiro, P.S., Adorno, Sérgio e Cardia, Nancy. “Chacinas: a violência epidêmica”. FSP,
19.6.98, p. 1-3.
O Banco de Dados do NEV/USP tem coletados 463 casos de grupos de extermínio durante os
anos 1980 envolvendo adultos, mais 68 casos nos quais as vítimas são crianças e adolescentes e
1316 casos no Brasil para o período 1990-1996 que resultaram em 4856 vítimas, entre as quais
92% fatais. A maioria desses casos ocorreram em São Paulo (788) seguidos pelo Rio de Janeiro
(774).
115
Faget, Jacques. “Violence urbaine: faire la part du feu”. Libération [Débats] 15.1.98.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 102
CAPÍTULO 4
116
Ver Pinheiro, P.S. “ Médias, violence et droits de l’homme”in Institut International des Droits de
l’Homme. Défis Actuels. Actes & Documents, 1. 1996,p.71-86.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 103
Sérgio Adorno
Wânia Pasinato Izumino
117
Positividade porque o direito moderno exprime a vontade de um legislador soberano o qual,
por intermédio de meios jurídicos de organização, regulamenta as atividades da vida social.
Legalidade porque “não reconhece outro ordenamento jurídico que não seja estatal, e outra forma
de ordenamento estatal que não seja a lei” (Bobbio, 1984). Formalidade porque o direito moderno
define o domínio onde se pode exercer legitimamente o livre arbítrio das pessoas privadas (cf.
Habermas, 1987, t.1).
118
“...o pensamento político moderno fez (distinção) entre pactum unionis, resultante do acordo
celebrado entre os homens no sentido de se unirem visando à consolidação de seus interesses
privado comuns, e o pactum subjectionis, através do qual os homens, ao se unirem, delegam
poderes de representação desses interesses a indivíduos escolhidos segundo expedientes
eletivos. A esses indivíduos é atribuída a função de proteger esses interesses e torná-los imunes
às investidas, tanto do poder despótico, quanto daqueles estranhos ao elenco de interesses
conveniados no pactum unionis. Essa distinção deu margem a que o pensamento político
moderno considerasse a realidade da vida social em dupla dimensão: por um lado, a sociedade
civil, esfera das pessoas privadas, regulada pelo direito que se aplica aos iguais, isto é, direito
civil; de outro, a sociedade política, esfera do cidadão, regulada pelo direito que se aplica aos
desiguais, isto é, o direito público” (Adorno de Abreu, 1985: 23-24). Uma concepção diferente de
público e privado encontra-se em Arendt (1987) e Habermas (1980). Para uma crítica dos
conceitos de sociedade civil e sociedade política, reporto-me a Santos (1995, pp. 115-133).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 105
direito positivo, fruto da vontade racional dos homens, voltado, por um lado, para
restringir e regular o uso dessa força e, por outro lado, para mediar os
contenciosos dos indivíduos entre si. A eficácia dessa pacificação relacionou-se,
como demonstrou Elias (1990 e 1993), com o grau de auto-contenção dos
indivíduos, ou seja, sua obediência voluntária às normas de convivência, bem
como se relacionou com a capacidade coatora do Estado face àqueles que
descumprem o direito.
(Adorno, 1988: 28). Um mundo marcado por rígidas hierarquias cuja quebra das
normas consuetudinárias e cuja transgressão das fronteiras sociais constituíam
sério estímulo ao recurso à violência como forma de repor laços e elos rompidos
na rede de relações sociais.
119
Um balanço analítico dos primeiros resultados alcançados com o Plano Nacional dos Direitos
Humanos encontra-se em Pinheiro & Mesquita Neto (1997).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 109
Não sem motivos, a década foi palco do aumento da violência policial. Não
há dados confiáveis para o Brasil em seu conjunto. Na cidade de São Paulo,
aumentou significativamente o número de civis mortos em confrontos com a
polícia, no período de 89-92 enquanto que o número de policiais mortos tem se
mantido constante (exceção dos anos de 1990-91 que variaram bruscamente).
Nos últimos 15 anos morreram 15 vezes mais civis do que policiais nesses
confrontos. No ano de 1992, essa razão foi de 23 vezes mais civis. A média de
mortos, nessas circunstâncias, nesse ano, foi 3,7/dia, o que significa um
homicídio a cada 6h (excluídos os 111 mortos na Casa de Detenção). Enquanto a
PM paulista matou 1140 civis, nesses confrontos, no ano de 1991, a de New York
- onde as taxas de criminalidade violenta são elevadíssimas - feriu 20 e matou 27
(NEV-USP, 1993)120. Embora essa modalidade de violência policial tenha
oscilado a partir de 1993, ela foi constante e voltou novamente a crescer no curso
de 1998, conforme apontam registros oficiais e especialmente os relatórios da
Ouvidoria da Polícia, instituto criado pelo governo do estado de São Paulo, em
1996, justamente para o monitoramento desses casos.
120
Para uma análise complementar da violência policial, consulte-se Pinheiro e outros (1991).
121
As fontes que servem de subsídios para mensurar os óbitos por causas externas, nisto
compreendidos os homicídios voluntários, comportam igualmente uma série de problemas.
Embora a implantação do Sistema de Informações sobre Mortalidade/SIM tenha representado
uma grande avanço no sentido da melhoria substantiva dos dados estatísticos e indicadores
disponíveis de mortalidade, estima-se que os registros abranjam cerca de 75% dos casos de
óbitos nessas circunstâncias. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste acredita-se que parte
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 111
dos óbitos não é submetida a registro civil, em cartório ou o próprio cartório deixa de comunicar o
fato ao Ministério da Saúde. Ademais, é elevada a proporção de causas mal definidas, o que
acaba por inflacionar a categoria “demais causas externas”, agrupamento indicativo de indefinição
quanto à natureza da violência. Cf. Camargo e outros (1995). Ademais, há sérios problemas de
compatibilização de informações entre fontes diversas, como os dados fornecidos pelo Ministério
da Saúde, aqueles contabilizados pelo PROAIM, da Prefeitura Municipal de São Paulo e os
registros policiais. Cf. Feiguin & Lima (1995).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 112
Ocorrem, com maior freqüência, nos bares, nos lares e nas ruas. Os bares
parecem ser espaço privilegiado onde os homens se confrontam. Um olhar
atravessado, um desafio lançado, uma opinião mal acolhida, tudo serve de
pretexto para o desencadeamento de uma luta que pode - como de fato ocorre -
evoluir para um desenlace fatal, ainda mais se apenas um dos contendores
estiver armado e encorajado por bebida alcoólica. Nos lares, o desfecho se dá
como ponto culminante de tensões que vem se desencadeando no dia-a-dia. A
suspeita de uma traição amorosa, as desconfianças de uns em relação a outros,
a imposição de regras de comportamento mal aceitas por um ou algum dos
residentes, a irritação diante de uma criança que chora ou diante de um idoso
que reclama permanentemente de tudo e de todos, são cenários que constróem
oportunidades de confronto verbal violento que, vez ou outra, ultrapassa os
limites do tolerável e culmina com a supressão física de alguém. Nas ruas, as
mortes ocorrem por terem sido premeditadas em outros espaços de realização
social, como festas comunitárias e bailes públicos, ou resultam de conflitos no
tráfego.
Para a seleção das notícias foi definida uma lista de temas que se dividem
em dois blocos. O primeiro bloco agrega os temas relacionados ao projeto
“Continuidade Autoritária e Construção da Democracia”: violência policial,
linchamentos, execuções sumárias, violência praticada por outros agentes do
Estado e violência rural. O segundo bloco reúne temas que foram incorporados
ao Banco de Dados a partir de 1990, com o objetivo de ampliar a cobertura do
noticiário sobre as violações de direitos humanos (ver lista em Anexo)
122
Eventualmente são anexadas também notícias dos jornais Gazeta Mercantil, Jornal da Tarde e
Folha da Tarde. A coleta nesses periódicos não é sistemática, mas ocorre quando há a
publicação de algum tema de grande interesse para as pesquisas do NEV/USP.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 122
Informatização de Dados
O projeto inicial do banco de dados previa que sua informatização deveria
permitir não apenas armazenar e recuperar dados, mas também realizar
cruzamentos e confeccionar tabelas que possibilitassem uma análise do
comportamento da imprensa em relação à violação dos direitos humanos. Por se
tratar de uma fonte de dados com características próprias123, foram necessárias
várias discussões visando conceituar a natureza e perfil do banco.
O banco de dados foi criado a partir do programa Access 2.0, for Windows,
tendo como ponto de partida o formulário desenvolvido para o registro dos dados.
O resultado foi um banco de dados inter-relacional que tem como unidade
referencial os casos retirados da imprensa, ou seja, para cada bloco de
123
Por um lado, deve-se considerar a deficiência de informações sobre algumas variáveis, por
exemplo, quanto ao perfil dos agentes. Por outro lado, deve-se também considerar que uma
informação pode ser atualizada rapidamente e que um mesmo caso pode aparecer na imprensa
durante meses, requerendo que seja recuperado a atualizado.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 124
caracterizações definidos no formulário, foi criada uma tela de entrada dos dados.
Todas as telas estão interligadas pelo número do caso.
Figura 1
BANCO DE DADOS - VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
1980-1996
Objetivos Objetivos
1a. Fase características geo- (2a. Fase)
gráficas
Freqüência
Intervenção sociedade
civil organizada
124
Trata-se de uma estimativa realizada a partir dos casos de violência policial, violação que tem
o maior número de casos no período aqui tratado e a única para a qual havia o registro do
número de notícias por caso.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 126
125
Cf. Listagens contidas no relatório anterior.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 128
Figura 2
Seleção de Casos de Violação de Direitos Humanos para Reconstrução
Brasil
1980-1989
5000 notícias
3519 casos
1208 casos
repercussão
818 casos
interessantes
162 casos
muitos
interessantes
35 casos para os quais
houve recuperação de
64 casos em documentação oficial
São Paulo
Quadro 1
Distribuição dos casos segundo o tipo de violação
Brasil, 1980-1989
Quadro 2
Distribuição dos casos segundo o tipo de violação
São Paulo, 1980-1989
126
Sobre o conceito de “física” dos acontecimentos, vide considerações metodológicas neste
capítulo.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 134
127
Uma análise um pouco mais detalhada desta cesura entre justiça formal e justiça virtual
encontra-se na Parte V deste relatório.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 135
128
Uma das entrevistas foi realizada com dois delegados simultaneamente apesar de ter sido
inicialmente marcada apenas com um.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 136
Para a escolha dos agentes judiciários o critério mais importante foi o seu
local de trabalho pois restringimos a amostra à cidade de São Paulo, local onde
ocorreram cerca de 30% dos casos escolhidos para reconstrução. Por esta
delimitação, não foram abrangidas as regiões da Grande São Paulo (onde
ocorreram a maioria dos casos da pesquisa) e as do interior do estado. Com este
procedimento, procurou-se reduzir a possibilidade de envolver um agente que
tivesse trabalhado com qualquer um dos processos analisados e, uma vez
entrevistado nesta etapa, não pudesse ser abordado em momento posterior,
conforme previsto no projeto.
Figura 3
Reconstrução de Casos de Violação de Direitos Humanos
Estado de São Paulo e Brasil
1980-1989
+ + +
Entrevistas Entrevistas Entrevistas
Figura 4
Análise de Casos de Violação de Direitos Humanos no Brasil
São Paulo e Brasil
1980-1989
RECONSTRUÇÃO DE CASOS
Polícia Civil
Quem viola Agressores Perfil Estado Polícia Militar
direitos? dos Guarda Municipal
Agressores Polícia Federal
Forças Armadas
Indivíduos
Profissionais remunerados ou
Sociedade não (pistoleiros, justiceiros)
Amadores
Organizados
Grupos
Não-organizados
129
Não há, no Brasil, estudos de vitimização, tal como eles se desenvolveram nos Estados
Unidos, Canadá e em diferentes países europeus. O inquérito anual da PNAD para o ano de 1987
procurou levantar o perfil das vítimas de crimes bem como o acesso à Justiça. (Cf. IBGE-PNAD,
1988) A despeito da importância deste levantamento, não se pode rigorosamente classificá-lo
nesta categoria dado que empregou técnicas distintas das habituais nos estudos de vitimização.
Um primeiro estudo desta ordem encontra-se em curso no Instituto Superior de Estudos da
Religião - ISER (Rio de Janeiro).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 143
130
Diga-se quase totalidade pois que, mesmo neste caso, há suspeitas de sub-notificação. Ver, a
respeito, as observações de Feiguin e Lima (1995) e Camargo, A.B.M.; Ortiz, L.P.; e Fonseca,
L.A.M. (1995).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 144
131
Os operadores do direito serão sempre tratados no masculino, ainda que o entrevistado possa
ter sido um profissional do sexo feminino.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 146
alguma atuação relevante no processo criminal, desde a fase policial até à fase
judicial. Consideraram-se atuação relevante as seguintes situações: abertura de
inquérito ou relatório final - no caso dos delegados; pedido de arquivamento do
inquérito, oferecimento da denúncia, alegações finais e libelo-crime acusatório -
no caso dos promotores; recebimento da denúncia, sentença de pronúncia ou
impronúncia e sentença final - no caso dos juízes.
Dos 28 casos selecionados para a reconstrução deveriam ter sido
entrevistados 65 operadores do Direito, posto que alguns deles trabalharam em
mais de um processo. Foram entrevistados, ao todo, 46 agentes: 13 delegados,
18 promotores e 15 juízes. Entre as entrevistas não realizadas, os motivos
variaram desde a recusa em receber a equipe ao cancelamento no momento da
entrevista. Quatro operadores já se encontravam aposentados e não foram
localizados pela equipe, e para outros três não se obteve nenhuma informação.
As entrevistas com a comunidade tiveram por objetivo perceber aspectos
da cultura política de comunidades que vivenciaram violações de direitos
humanos, observando-se com maior ênfase a percepção de justiça e de polícia,
as relações entre violência e reprodução da estrutura de poder, a presença de
um processo de exclusão moral. O roteiro da entrevistas compreendeu: 1) uma
descrição do entrevistado sobre o bairro, seu dia-a-dia; 2) sua opinião sobre
temas envolvendo: situação do país, violência, atuação da polícia e da justiça e
dos governos em relação à violência, atuação de justiceiros, linchamentos,
direitos humanos; 3) conhecimentos do entrevistado sobre leis e sobre os órgãos
e agentes públicos de pacificação da sociedade; 4) constatar se os entrevistados
revelavam algum conhecimento do caso enfocado e; 5) em caso de resposta
positiva, obter a narrativa dos acontecimentos.
Foram realizadas, ao todo, 140 entrevistas. Entrevistaram-se 5 pessoas
para cada um dos 28 casos selecionados. Os entrevistados foram escolhidos
aleatoriamente, entre aqueles que moravam ou trabalhavam próximos do local
onde ocorrera a violação. O perfil dos entrevistados variou bastante,
compreendendo homens e mulheres; jovens e idosos; moradores da região;
trabalhadores.
As primeiras entrevistas foram realizadas no centro da cidade de São
Paulo, mais especificamente nos arredores da Rua Senador Paulo Egydio, na
Praça da Sé e na Liberdade, entre as estações de metrô Liberdade e Vergueiro.
Foram feitas, ainda, entrevistas em outras duas localidades: Lapa e São
Bernardo do Campo, consideradas regiões de fácil acesso.
Esta fase demorou dois meses para ser finalizada, devido aos inúmeros
obstáculos encontrados. Nestes primeiros contatos, a equipe se dirigia em duplas
até a localidade, e tentava entrevistar as pessoas que ali trabalhassem ou
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 147
4. Considerações metodológicas
As considerações metodológicas que se seguem dizem respeito:
Figura 5
Análise de Casos de Violação de Direitos Humanos no Brasil
São Paulo e Brasil
1980-1989
RECONSTRUÇÃO DE CASOS
O que fez o Polícia Estadual e Observância dos Inquérito Policial Polícia civil
Estado? Federal
procedimentos Denúncia Ministério Público
Ministério Público
Estadual e Federal legais Julgamento e Justiça civil
responsabilização
Poder Judiciário penal Justiça Militar
(Justiça civil estadual
e federal
Justiça Militar)
Organizações profis-
sionais
Caracterização da linguagem
Além do mais, a imprensa pode ser considerada uma das fontes para a
reconstrução dos casos selecionados visto ser um dos elementos chaves na
circulação e difusão de representações sociais. Por tudo isso, entende-se que a
imprensa é fonte indispensável para contextualizar e aprofundar a compreensão
das reações das comunidades que vivenciaram ou testemunharam casos de
violações de direitos humanos. Nesta análise da imprensa, privilegiou-se a
observação dos seguintes tópicos: (a) características da linguagem, em particular
o tipo de relato (descrições, análises, críticas, editoriais); (b) expressões
utilizadas; (c) equilíbrio no uso de fontes de informação (polícia, promotoria,
justiça, testemunhas, familiares, entidades de defesa dos direitos humanos, etc.);
(d) o acompanhamento dos casos, entre outros aspectos. A propósito, previu-se
análise mais detalhada da imprensa na parte final da pesquisa.
132
A consulta às fontes oficiais - ou seja, a registros policiais e judiciais - não permite distinguir,
entre os casos de homicídios dolosos, aqueles que compreendem o universo empírico de
investigação. Devido à forma como esses registros se encontram organizados, seria necessário
levantar todos os registros oficiais relativos a essas ocorrências para identificar mortes
provocadas pela violência policial, pelos linchamentos, pelos grupos de extermínio e pelos litígios
rurais. Ademais, sabe-se que mesmo esses registros oficiais (policiais e judiciais) oferecem não
poucos problemas relacionados à sub-notificação. Veja-se, a propósito, os esclarecedores
estudos de Feiguin e Lima (1995) e de Camargo, Ortiz e Fonseca (1995).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 151
notar que os casos de violência policial que mais têm repercussão não envolvem
em grande número ações da ROTA apesar de ser este o grupamento policial que
mais aparece no noticiário sobre violência policial. Estes casos são paradoxais
porque, a despeito dos agressores serem conhecidos, não há contestação da
versão apresentada sobre a natureza da vítima.
dados, percebeu-se que esta classificação estava sendo insatisfatória, posto que
ora ela se apoiava nos padrões de autoria - justiceiro, pistoleiros, grupos de
extermínio - ora se apoiava nos motivos - conflitos decorrentes do crime
organizado. Desta forma, para a continuidade do Banco de Dados, a definição do
tema Execuções Sumárias está passando por nova reformulação, com vistas à
superação de suas limitações metodológicas.
A segunda modificação referiu-se ao tema violência contra a criança e
adolescente. Na composição da base de dados para a pesquisa, privilegiou-se a
situação de menoridade da vítima, condição a partir da qual eram examinadas as
violações - violência policial, linchamentos e grupos de extermínio e outros
agentes do Estado - contra crianças e jovens. O objetivo dessa classificação era
identificar especificidades nas violações dos direitos humanos desses segmentos
da população, além de identificar diferenças no tratamento dispensado pela
imprensa a esses casos. Com esse procedimento, pretendeu-se facilitar o
tratamento e quantificação dos dados devido ao excessivo volume de notícias
reunidas.
A análise desses casos revela a natureza dos litígios que via de regra
tendem a convergir para desfechos fatais. A análise enfatizou a caracterização
dos protagonistas, a caracterização dos contextos e cenários que estimulam tais
acontecimentos e a caracterização do encadeamento e do nexo de ações que
redundam nas modalidades observadas de resolução de litígios. Buscou-se
explorar a hipótese segundo a qual conflitos tais como os observados tendem a
explodir no contexto de agudas rupturas nas relações hierárquicas entre cidadãos
comuns e autoridades públicas, o que remete à crise do poder pessoal na
sociedade brasileira. Esta hipótese foi sustentada sobretudo pelo exame do
contexto e dos cenários que armam tais acontecimentos, constituídos às voltas
da criminalidade urbana violenta cuja emergência e extensão nos bairros
populares do município e da região metropolitana de São Paulo promoveram ao
longo da década de 1980 acentuados desarranjos no tecido social urbano
colocando em confronto tête-à-tête modalidades rústicas e plebéias de
distribuição de justiça e modalidades oficiais de aplicação das leis penais.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 160
Sob essa ótica, o drama pode ser observado em seu duplo registro: por
um lado, em sua tradução jurídica, em que os acontecimentos são ordenados
segundo códigos pré-estabelecidos, nos termos de regras fixas e formais; por
outro lado, em sua versão moral, na qual os acontecimentos são reconstruídos a
partir de normas sociais não escritas, informais, nos termos de quem julga e de
quem processa. Tratam-se de versões que podem estar ora em conflito, ora
justapostas, ora convergentes. No cômputo final, no momento em que o ritual
judiciário proclama sua verdade, todas as versões se reencontram, compondo o
desfecho processual que tanto pode resultar em condenação quanto em
absolvição.
simbólicos, dos cidadãos que compõem o corpo social, não importando suas
diferenças de raça, de classe, de etnia, de sexo e de cultura”133.
133
Trecho extraído de Adorno, S. “Violência urbana, justiça criminal e organização social do
crime”. Revista Crítica de Ciências Sociais. Coimbra: CES, 33: 145-56, outubro, 1991.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 162
134
Deve-se ressaltar , porém, que uma análise dos prazos e das formalidades, ainda que possa
ser realizada abstraindo-se os depoimentos, não pode prescindir inteiramente da história que está
sendo narrada, uma vez que é necessário conhecer o crime que está sendo apurado para que se
possa entender as solicitações formuladas pelos operadores do direito nas diferentes fases da
investigação, além de entender qual o ônus que a demora em atendê-las pode acarretar para o
desfecho processual. Não se trata aqui de avaliar a validade das solicitações, ou julgar o mérito
das decisões judiciais, mas entender qual é a trajetória das investigações e como as provas
solicitadas contribuem para a apuração das responsabilidades.
135
O Código do Processo Penal - CPP - descreve os procedimentos e as formalidades que
devem ser seguidas na condução de um processo penal. É este código que estipula todas as
fases pelas quais deve passar a apuração das responsabilidades por um crime e como deve ser
efetuado o julgamento do ponto de vista formal. Ele ainda determina prazos para o cumprimento
das providências e dos atos do processo. A tipificação dos crimes é constante de outro código, o
Código penal Brasileiro - CPB.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 163
Q uadro 3
Andamento do processo no Tribunal do Júri de acordo com a
situação do réu (prazos extraídos do CPP)
A leitura dos processos havia revelado que, além dos prazos formais, a
condução dos processos também se pauta pelas práticas jurídicas, ou seja, pelo
cotidiano dos cartórios, nos fóruns e nas delegacias, que permitem criar
exceções às regras do CPP, bem como formalizar novos procedimentos à
margem do que a legislação estabelece. Foi justamente com o objetivo de
conhecer essas práticas institucionais que se recorreu à realização de entrevistas
com os operadores do direito, conforme descrição contida no item anterior. A
realização dessas entrevistas durante essa fase da pesquisa foi muito importante,
pois ajudou na compreensão de procedimentos que, se à primeira vista
causavam estranheza, quando observados da ótica dos entrevistados se
revelaram como práticas rotineiras e incorporadas aos ritos processuais.
136
Nos capítulos subseqüentes deste relatório, será realizada análise mais pormenorizada dos
“tumultos” no andamento processual e de seus possíveis efeitos no desfecho judicial do caso.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 165
5. Plano de análise
INTRODUÇÃO
A IMPRENSA E A VIOLÊNCIA
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 169
Sérgio Adorno
Embora seu emprego pelos cientistas sociais não seja recente, ele parece
ter se intensificado ao longo desse processo de amplo desenvolvimento
tecnológico no campo das comunicações de massa. Nos mais diferentes campos
temáticos, em especial a imprensa escrita tem sido uma fonte privilegiada seja
porque permite acompanhamento sistemático de problemas sociais determinados
até com certo detalhamento, seja porque permite adentrar e perfilar os contornos
do contexto social enfocado.
Além do mais, dirão outros que não há quaisquer garantias de que os fatos
relatados pela mídia correspondam à realidade. Suspeita-se que muitas vezes as
informações sejam destorcidas ou até mesmo inventadas, não havendo
quaisquer mecanismos de controle por parte da sociedade civil ou de parte de
algum organismo encarregado de fazê-lo. A isto, acrescentar-se-ia argumentos
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 171
de ordem ideológica. Os casos são veiculados por agências noticiosas que não
apenas possuem interesses de mercado - isto é, interesse em vender a notícia
como mercadoria que possui valor de troca -, mas também dispõem de perfis
ideológicos demarcados que influenciam o modo pelo qual os casos são
relatados. Assim, por exemplo, uma agência com perfil liberal inclinar-se-ia a ser
menos condescendente para com a violência institucional, denunciando
desmandos no funcionamento das instituições encarregadas de controle da
ordem pública e responsabilizando-as pelo crescimento da violência. Uma
agência de perfil mais conservador e mais identificado com as classes populares
tenderia a ter um comportamento oposto. Não havendo neutralidade político-
ideológica na veiculação de casos, não estaria assegurado um dos fundamentos
da objetividade do conhecimento científico.
137
Conforme já apontaram inúmeros estudos, as estatísticas oficiais de criminalidade padecem de
graves dificuldades metodológicas. Embora elas venham sendo utilizadas, pelos analistas sociais,
como indicadores de mudanças experimentadas nos níveis e nos padrões de criminalidade, elas
se prestam mais a identificar efeitos de mudanças na legislação penal bem como declínios na
eficácia que se espera do desempenho das agências de controle da ordem pública. Sobre as
dificuldades metodológicas, ver, entre outros: Gurr e outros (1977), Curtis (1985), Robert e
Fogeron (1980), Wright (1987), Paixão (1983), Fundação João Pinheiro (1986).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 172
CAPÍTULO 5
LINCHAMENTO: JUSTIÇAMENTO COTIDIANO NO BRASIL
Helena Singer
Jacqueline Sinhoretto
Débora Pereira Medeiros
Célio Luís Batista Leite
OS LINCHAMENTOS NA LITERATURA
Para poder selecionar as notícias e reconstruir os casos, foi necessário,
antes de mais nada, chegar a uma definição precisa dos linchamentos. Isto
porque a palavra “linchamento” é usada de modo indiscriminado pela mídia, o
que cria uma série de dificuldades para a seleção de casos em uma pesquisa
que tenha este fenômeno como recorte. Um mesmo caso pode ser definido por
um órgão da imprensa como linchamento, em outro aparece como homicídio
cometido por “grupo de extermínio”, por outro jornal é qualificado como “chacina”,
ou ainda “justiçamento”. Além do uso variar entre jornais, um mesmo jornal usa o
termo linchamento para designar os mais diferentes tipos de delitos, quase
aleatoriamente. Desse modo, torna-se primordial estabelecer uma definição do
conceito que deixe claros os tipos de casos ali enquadrados. Mas essa também
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 176
não é uma tarefa simples no que se refere aos linchamentos. Uma revisão da
literatura sobre o tema ajuda a identificar as dificuldades.
138
Problematizações dos linchamentos no interior destas duas linhas ficam mais claras nos
trabalhos de LE BON, 1910; HOBSBAWN, 1958; e CANETTI, 1960, sendo que os últimos dois
não falam exatamente em linchamento mas sim em "turbas urbanas" e "massas de perseguição"
respectivamente. Mais recentemente, a perspectiva da psicologia das multidões tem sido criticada
por negar a influência das mudanças sociais no comportamento das massas e por reforçar os
esquemas etnocêntricos de análise. Ver a respeito REICHER, 1997; ALMEIDA, 1997.
139
Nos dias que correm, os linchamentos como prática de controle social de um grupo sobre os
demais foram substituídos, nos Estados Unidos, pelos chamados “crimes de ódio”, que se referem
a agressões (estupros, maus-tratos, agressão física, intimidação, incêndio, destruição ou
vandalismo de edifícios públicos ou privados e, algumas vezes, até homicídios) motivadas pelo
ódio contra uma raça, religião, orientação sexual, deficiência, etnia ou origem nacional. Não raro
membros da mesma Ku Klux Klan estão envolvidos nestes casos e os afro-americanos continuam
sendo as vítimas preferenciais (U. S. Department of Justice, 1997).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 178
grupo efêmero, ou seja, que se reuniu exclusivamente para praticar aquele ato
(LITTLE & SHEFFIELD, 1983).
Alba Zaluar não fez propriamente uma pesquisa sobre linchamentos, mas
teve que enfrentar o tema quando realizou estudo de campo em um conjunto
habitacional da zona Sul do Rio de Janeiro. Ali, ela percebeu que os
linchamentos decorriam de conflitos emergentes entre a ética do trabalho e a
140
Exceção no Brasil é o caso do estado da Bahia, cuja Secretaria de Segurança Pública tem
produzido totalizações a respeito dos casos ocorridos na Região Metropolitana de Salvador e no
estado como um todo, como veremos adiante.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 181
141
Exemplo claro desta confusão é o caso ocorrido em 1982 em Ribeirão Pires. O alto grau de
violência do bairro levou vários dos moradores a irem, no dia 05 de janeiro, à delegacia,
acompanhados de um vereador da cidade, pedir reforço policial. Naquela mesma noite,
desacreditando da promessa do delegado de encaminhar solução, armaram-se de pedaços de
paus, porretes, foices e revólveres para fazer o patrulhamento por conta própria. O grupo foi
então encontrado por policiais civis que o advertiram, tendo então se dispersado. Cinco dias
depois, no entanto, um grupo de moradores, portando paus, porretes, armas de fogo e facas
domésticas, saiu à caça de "bandidos". Nessa operação, o grupo deparou-se com dois jovens -
um adolescente branco e um negro um pouco mais velho -, suspeitou tratar-se de delinqüentes e
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 183
passou a persegui-los. Ao alcançá-los, rendeu a ambos. O primeiro a ser sacrificado foi o jovem
negro. Recebeu um tiro na região frontal da cabeça além de socos e pontapés. Enquanto
vitimizavam o negro, mantiveram o adolescente branco imobilizado. Concluída a primeira morte,
discutiram rapidamente entre si se deveriam sacrificar o segundo. Decidiram fazê-lo, a golpes de
paus, porretes, socos e pontapés. Os corpos foram abandonados em terreno baldio. No dia
seguinte, ao amanhecer, alguém divulgou a descoberta dos cadáveres.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 184
120
100
No. de linchamentos
80
60 Registrados
Noticiados
40
20
de casos no eixo Rio-São Paulo indica que a imprensa dita nacional de fato
privilegia os acontecimentos nos locais em que ela é produzida.
150 142
100
Casos
76
68
52 55
50 43 44
33 36 32 34 37 36
30 29
25 23
0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996
Entre 1990 e 1996 foram noticiados 380 linchamentos no Brasil, com pico
de ocorrências em 1991 (37% dos casos dos anos 90). Este pico certamente
resulta da maior atenção dada pelos meios de comunicação de massa ao
fenômeno do linchamento após a eclosão de um grande caso no final de 1990,
no Mato Grosso142. Este caso estimulou a veiculação pela imprensa de muitos
outros pelo país todo, mas o estado de São Paulo manteve-se com o maior
número de casos (35% nos anos 90).
142
No dia 23 de novembro, na pequena cidade de Matupá, três assaltantes fizeram reféns em
uma casa, que foi então cercada pela polícia e pela população local. Os assaltantes acabaram
por render-se e foram baleados pelos policiais e linchados pela população, que ateou fogo às
vítimas ainda vivas. Um cinegrafista amador filmou os acontecimentos e as imagens foram
divulgadas pela televisão e pela imprensa, o que trouxe muita visibilidade ao caso.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 187
*No gráfico acima excluiu-se os casos que não trouxeram informação sobre a idade da vítima
143
Cf. análise apresentada por Suely Carneiro no painel “Sociedade e Proteção dos Direitos
Humanos”, integrante do colóquio “Direitos Humanos no Limiar do Século XXI”, no Centro
Universitário Maria Antônia (USP), 08 de julho de 1997.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 188
informam a etnia das vítimas são aqueles em que a polícia não conseguiu
identificá-la e por isso fornece aos jornais apenas a sua descrição física.
144
Os quartéis foram inseridos na categoria instituições de controle social porque os linchamentos
que ai ocorrem se referem a atentados da população contra policiais militares presos, tal como
ocorre nas demais instituições de mesmo tipo.
145
Quando um linchamento decorria de mais de um crime, considerávamos o mais grave de
acordo com a maior exacerbação da violência.
146
De acordo com o Código Penal, o roubo é o ato de subtrair bens mediante o uso da violência.
Mas nesta pesquisa, foram enquadrados nessa categoria apenas os casos em que o uso da
violência era latente - tipicamente ameaça mediante o uso de armas - ficando os casos em que a
violência foi manifesta com agressões à integridade física na categoria lesões corporais. Do
mesmo modo, nesta categoria lesões corporais incluíram-se os casos de seqüestro, que são
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 191
considerados, pelo Código Penal, atentado ao patrimônio. No entanto, a violência contra a pessoa
é o fator que mais parece instigar a ira da população.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 192
79,3
80,0
40,0
9,4 6,6
2,2 0,5 0,8 1,2
0,0
147
Neste item, a ausência de informação corresponde a 79% dos casos e por isso a análise tem
que ser feita com base nos totais válidos (que excluem a não informação).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 193
Agressores
A genérica categoria populares ultrapassa os 40%. Esta categoria é
utilizada nos casos em que as notícias são muito vagas, não possibilitando
qualquer identificação dos agressores, tratando-se possivelmente de transeuntes,
anônimos que passavam pelo local e reagiram a algum apelo de perseguição a
suspeito, formando o mob lynching mencionado anteriormente.
148
Esse predomínio marcante de trabalhadores das extrações mais pobres da população
ultrapassa em muito a fatia representada por essa população no Brasil. Em 1987, as famílias que
ganhavam até 3 salários mínimos compunham 16% da população e a mesma porcentagem era
apresentada pelas famílias de 3 a 5 SMs. Já os linchamentos de pessoas de mais alta renda
ficam bastante abaixo da proporção de famílias brasileiras com mais de 30 SMs, que é de 10% e
também da proporção de chefes de família com nível superior, que é de 13% (Cf. Pesquisa de
Orçamentos Familiares do IBGE, 1997).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 194
L in c h a m e n to s s e g u n d o p e rfil d o s a g re s s o re s , B ra s il 8 0 -
89
0 ,7
8 ,0
2 ,7
2 ,2
1 ,9
7 ,2
3 4 ,5
4 2 ,9
0 ,0 1 0 ,0 2 0 ,0 3 0 ,0 4 0 ,0 5 0 ,0
P op u la re s /tra ns e u n te s M orad o re s d o lo c a l
F req u en ta do re s d o lo c a l P re s o s /d e ten to s
P as s ag e iro s d o tra n s po rte p úb lic o T rab a lh ad o re s dive rs o s
T a xis ta s N ã o in fo rm a
F o n te : B a n c o d e D a do s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
Atuação do Estado
Os casos em que a polícia estava presente no momento do linchamento
tentando impedir a sua consumação foram classificados como polícia presente e
reagindo e representam 41% do total noticiado nos anos 80. Este dado é
importante, pois contraria a idéia de que os linchamentos só ocorrem em
ocasiões e localidades em que a polícia não está presente. Em uma parcela
considerável de casos a polícia pôde evitar o confronto e salvar a vítima.
Observa-se assim que na maior parte dos casos em que a polícia está presente,
ela age no sentido de salvar a vítima. Entretanto, em 38% dos casos noticiados a
polícia estava ausente do local no momento do linchamento.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 195
Os casos em que a polícia assiste a violação mas não intervém para salvar
a vítima, por estar num grupo muito pequeno ou não dispor de meios para a
intervenção imediata, definem a categoria polícia presente e impotente. Estes
casos somam pouco mais de 10% do total e aparecem com muito menor
incidência no estado de São Paulo (1,8%) do que nos demais (20%). Esses
casos são, geralmente, aqueles ocorridos em pequenas cidades, em que a
população local vai para as delegacias - normalmente, pouco equipadas e com
pequeno número de policiais, buscar o “justiçamento” de algum preso.
A tu a ç ã o d a p o líc ia n o m o m e n to d o lin c h a m e n to ,
B r a s il 8 0 -8 9
4 5 ,0
3 0 ,0
3 8 ,5 4 1 ,2
1 5 ,0
1 0 ,6 1 ,2 8 ,4
0 ,0
A u s e n te R e a g in d o Im p o te n te C o n iv e n te N ão
in fo r m a
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
A tu a ç ã o d a p o líc ia a p ó s o lin c h a m e n to , B r a s il 8 0 -8 9
6 0 ,0
4 0 ,0
5 1 ,1
2 0 ,0
3 2 ,3
8 ,9
4 ,3 3 ,4
-
B. de I n q . P o l ic ia l P r is ã o S o c o rro N ã o in fo r m a
o c o r r ê n c ia
B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
149
Essa alta incidência de linchamentos contra os mais pobres ultrapassa consideravelmente as
proporções representadas por esses segmentos na população: entre 1980 e 1984, as famílias
pobres e miseráveis, na região metropolitana de São Paulo, representavam respectivamente 43%
e 19% da população (LOPES & GOTTSCHALK, 1990).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 200
Essa análise aponta que os casos ocorridos fora do estado de São Paulo
ganham espaço nos jornais nacionais quando são “grandes casos” de
linchamento, em que há participação de muitas pessoas e também várias vítimas.
São casos que resultam em morte, às vezes provocada de forma
exageradamente cruel, nos quais a polícia se vê incapaz de intervir, mas que,
devido ao seu grande impacto local, geram uma resposta do aparato judicial, sob
forma de investigações, indiciamentos e prisões. Essa tendência dificilmente
pode ser comprovada com dados quantitativos, na forma como está organizado
este Banco de Dados. No entanto, a experiência do trabalho qualitativo, realizado
em outras pesquisas, permite observar que trata-se de casos de grande impacto
local.
50,0
40,0
30,0 46,7
39,1
20,0
10,0 6,1 5,6 2,5
-
Inquérito Socorro Prisão Boletim de Não
Policial Ocorrência informa
Entre 1990 e 1996 foram noticiados 380 linchamentos no Brasil, com pico
de ocorrências em 1991, ano que concentra 37% do total. Este pico certamente
resulta da maior atenção dada pelos meios de comunicação de massa ao
fenômeno do linchamento após a eclosão de um grande caso no final de 1990,
em Mato Grosso, conhecido como “linchamento de Matupá”150.
D is t r ib u iç ã o d o s lin c h a m e n t o s p o r e s t a d o , B r a s il 9 0 - 9 6
26% 35%
24% 15%
S ã o P a u lo R io d e J a n e ir o B a h ia O u tro s e s ta d o s
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a N E V -U S P
150
No dia 23 de novembro, na pequena cidade de Matupá, três assaltantes fizeram reféns em
uma casa, que foi então cercada pela polícia e pela população local. Os assaltantes acabaram
por render-se e foram baleados pelos policiais e linchados pela população, que ateou fogo às
vítimas ainda vivas. Um cinegrafista amador registrou os acontecimentos e as imagens foram
divulgadas pela televisão e pela imprensa, o que deu mais impacto ao caso.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 203
Ao longo dos anos 90, observamos que metade dos casos resultou na
morte da vítima. Atentando-se apenas para os linchamentos que não tiveram um
desfecho fatal, vemos que as tentativas apresentam incidência duas vezes maior
que as ameaças - 34% e 16% respectivamente. Desse modo, verifica-se uma
tendência de a imprensa noticiar casos com maior violência.
27,9
2,1
5,3
2,4
7,9
3,4
26,6
1,1
23,4
Vítimas
Do total de 594 vítimas nos anos 90, 75% foram identificadas. No entanto,
assim como para os anos 80, a construção do perfil das vítimas de linchamentos
dos anos 90 é, em alguns aspectos, prejudicada pelo alto índice de ausência de
informação.
Agressores
A categoria moradores do local, que se aproxima mais do vigilantism
americano, representa 57% dos agressores nos anos 90. Também semelhante a
esse tipo de linchamento, são aqueles provocados por trabalhadores diversos
que somam 9% das ocorrências. Finalmente, o último tipo de linchadores que
apresentam a característica de conhecerem-se previamente ao ato é formado
pelos presos e detentos.
151
Ver nota 11.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 206
Atuação do Estado
Não há mudanças importantes em relação aos anos 80 no que se refere à
atuação da polícia durante o linchamento. Também predominam os casos em
que a polícia aparece como presente e reagindo: 39%. No entanto, em 41% dos
casos noticiados a polícia estava ausente do local no momento do linchamento.
45,0
30,0
41,1 39,2
15,0
11,3 0,8 7,6 %
0,0
Ausente Não Conivente Impotente Reagindo
Informa
Bem diferente do ocorre com a média do país, ao longo dos anos 90, em
São Paulo, observamos que as tentativas de linchamento constituem a maior
parte dos casos (44%), sendo seguidas pelos linchamentos consumados (38%) e
as ameaças (19%).
152
Aconteceu no interior de São Paulo, Itatinga, quando vereadores da cidade sofreram ameaça
de linchamento por aprovarem a formação de uma CPI para iniciar um processo de cassação ao
mandato do prefeito, acusado de comprar máquinas sem licitação. Uma multidão calculada em
duas mil pessoas cercou o prédio da Câmara Municipal e obrigou os vereadores a saírem de lá
sob escolta policial.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 208
Dentre as 175 vítimas de linchamentos em São Paulo nos anos 90, 78%
foram identificadas, mas a falta de informação sobre aspectos que permitam
caracterizar essas vítimas é bastante alta. Apesar disso, percebe-se que o perfil
da vítima em São Paulo não é substancialmente diferente do restante do país.
Entre os casos que informam a sua ocupação, por exemplo, permanece o
predomínio de trabalhadores pouco qualificados (29%).
153
Na cidade de São Paulo, a taxa de homicídios está em 49,8/100.000 habitantes; mas entre os
jovens de 15 a 24 anos, ela sobe para 209,3/100.000 habitantes. (CEDEC, Mapa de Risco da
Violência, São Paulo, 1996)
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 209
154
Ao analisarmos o município de São Paulo como centro de uma região metropolitana e os
municípios que compõem a Grande São Paulo como sua periferia, estamos fazendo
generalizações redutoras. De fato, no município de São Paulo, também há linchamentos que
ocorrem nas suas regiões periféricas, assim como nos demais municípios, linchamentos ocorrem
em seus centros. Em relação ao primeiro aspecto, temos alguns dados, embora em mais de 8%
dos casos dos anos 90, não haja informação sobre o bairro em que ocorreu o linchamento. Na
região central ampliada (que abrange a região mais rica e bem estruturada da cidade) ocorreram
cerca de 18% dos linchamentos; nas região Sul, 22%; na região Leste, 26%, na região Norte,
24%; na região Oeste, 1,4%. Entretanto, a massa de dados para cada uma dessas regiões é
muito pequena para se fazer uma análise que considere tais distinções.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 210
3,0
6,0
9.8
10 ,0
10 ,0
15 ,2
45 ,0
0,0 25 ,0 50 ,0
m orad ores /vizin h os p op u lares
p res id iá rios c ateg orias p rofis sion ais
freq ü en tad ores d o loc al n ã o in form a
p as s ag eiros
F o nte : B a nc o de D a do s da Impre ns a do NE V-US P
F o nte: B an co de D a do s d a Im pren sa do N E V -U S P
80,0
60,0 76,7
40,0 15,7
5,3 2,3 %
20,0
-
Boletim de Inquérito Policial Prisão Não informa
Ocorrência
L in c h a m e n to s s e g u n d o m o tiv o d e s e n c a d e a d o r ,
R io d e J a n e ir o 9 0 -9 6
27
3 0 ,0 25
20
16
2 0 ,0
%
7
1 0 ,0
2 2 2
-
A t e n t a d o s a p a t r im ô n i o E s tig m a
E s t u p r o / A t e n t a d o v io l p u d o r H o m i c í d i o / L a t r o c í n io
L e s õ e s C o r p o r a is O u tro s
V á r io s c r im e s N ã o in f o r m a
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
68,5
80,0
60,0
40,0
4,1 4,1 4,1 8,2 6,8
20,0 1,4 1,4 1,4 %
0,0
Excluído do mercado Mercado informal/serv gerais
Prof liberais /nível superior Proprietários
Funcionários de nível médio Setor industrial
Setor de segurança Setor de serviços
Não Informa
D is t r ib u iç ã o d o s lin c h a m e n t o s p o r m o t iv o
d e s e n c a d e a d o r e r e g iã o , B a h ia 9 0 - 9 6
A
maior
6 0 ,0 parte do
casos
6 0 ,0
de
lincham
2 0 ,0 1 6 ,7 ento na
% 3 0 ,0 5 0 ,0
0 ,0 0 ,0 3 ,3 Bahia,
0 ,0
1 5 ,0
tanto em
1 3 ,3 8 ,3
1 ,7 5 ,0 6 ,7
0 ,0
Salvado
A te n ta d o s a H o m ic íd io N ã o in fo r m a r (68%)
p a tr im ô n io
quanto
S a lv a d o r In te r io r no
F o n t e : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V - U S P interior
do
Estado (50%), foi praticada por moradores do local. Ressalta o fato de que a
maior parte dos casos de Salvador, realizada por moradores do local, foi causada
por atentados contra o patrimônio. Assim, tem-se que os casos de linchamento
que contam com organização prévia, em que os linchadores se conhecem,
também vitimaram, em grande medida, pessoas suspeitas de terem cometido
assaltos, roubos e furtos.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 217
L in c h a m e n to s s e g u n d o a g r e s s o r p o r re g iã o ,
B a h ia 9 0 -9 6
8 0 ,0
50
24
69 15
% 4 0 ,0
6 6
0
7 6 2
2 15
0 ,0
Moradores/Vizinhos
Freqüentadores do
Populares
transporte público
Não informa
profissional
Categoria
Passageiros do
local
S a lv a d o r I n t e r io r
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
6 0,0
4 0,0
5 8,2
2 0,0
1 8,7
8 ,8 1 ,1 1 3,2
%
-
A u s en te N ão In form a C on iv e nte Im p oten te R ea gin d o
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 218
A tu a ç ã o d a p o líc ia a p ó s o lin c h a m e n to , B a h ia 9 0 -9 6
6 0 ,0
4 0 ,0
4 2 ,9 4 8 ,4
2 0 ,0
3 ,3 5 ,5
0 ,0
B o le tim d e I n q u é r it o P r is ã o N ã o in fo r m a
O c o r r ê n c ia P o l ic ia l
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
*
À exceção de Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, os demais estados do país não permitem
análises desagregadas, devido ao pouco número de casos coletados. Por isso, utilizamos o termo
outros estados para podermos denominá-los.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 219
L in c h a m e n to s s e g u n d o o p e rfil d o a g re s s o r, O u tro s E s ta d o s 9 0 -9 6
N ã o in fo rm a 10
F re q ü e n ta d o re s d o lo c a l 2
P re s id iá rio s 6
P o p u la re s 9
C a te g o ria p ro fis s io n a l 15
57
M o ra d o re s /v iz in h o s
0 ,0 2 0 ,0 4 0 ,0 6 0 ,0
%
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
45,0
30,0
45,0
30,0
15,0
11,0 13,0
1,0
0,0 %
Reagindo Ausente Im potente Conivente Não
inform a
A t u a ç ã o d a p o líc ia a p ó s o lin c h a m e n t o , O u tr o s E s t a d o s 9 0 -9 6
9 0 ,0
6 0 ,0
1 3 ,0
3 0 ,0 5 ,0 4 ,0 3 ,0 1 ,0 7 4 ,0
0 ,0
F o n te : B a n c o d e D a d o s d a Im p re n s a d o N E V -U S P
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 221
9. Conclusões
A maioria das vítimas é composta por jovens, cuja faixa etária concentra-
se até os 29 anos, sendo de 10 anos a idade mais baixa que aparece entre as
vítimas. Não houve mudanças importantes em relação a esse aspecto.
CAPÍTULO 6
EXECUÇÕES SUMÁRIAS: ACERTO DE CONTAS E JUSTIÇAMENTO PRIVADO NOS GRANDES
CENTROS URBANOS BRASILEIROS
Adriana Tintori
Iolanda Évora
Maria Inês Caetano Ferreira
Mônica Aparecida Varasquim Pedro
Introdução
É cada vez mais freqüente o noticiário sobre corpos encontrados em vias
públicas dos grandes centros urbanos brasileiros, indicando a efetivação de uma
prática violenta que opõe grupos ou indivíduos isolados e visa a resolução de
conflitos sem a intervenção das instâncias legais. A opinião pública tem se
familiarizado com essas ações de extermínio praticadas por esquadrões da
morte, justiceiros, pistoleiros, grupos de extermínio, grupos ligados ao crime
organizado ou quadrilhas de roubo. Essas diferentes denominações indicam não
apenas a diversidade de protagonistas que podem estar envolvidos nas
execuções sumárias, como também a existência de diferentes motivações e
cenários para a sua prática. Referem-se ainda a origens e causas que devem ser
procuradas tanto nos contextos atuais de violência dos grandes centros urbanos,
como na própria história das práticas de vingança e justiçamento privado no país.
Tantos anos depois, observa-se que, nos dias atuais, em vez de estar
legitimado o papel do Estado como a instância responsável pela resolução de
conflitos interpessoais, persiste o autoritarismo como forma de controle e defesa
sociais, podendo-se dizer que se fortaleceu e se tornou mais complexo com sua
disseminação nos centros urbanos. As análises sobre o fenômeno das
execuções sumárias no Brasil das últimas décadas atribuem particular ênfase às
causas sócio-econômicas, destacando que tais ações são a ponta visível de
processos sociais e da estrutura da sociedade que mantém marginalizada grande
parte da sua população, sobretudo nos centros urbanos. Porém, como aponta
Martins (1996), é certo que tais práticas não representam, apenas, a mera
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 227
que fornece são aquelas que constam nos boletins de ocorrência , como o nome
e o sexo da vítima, seu antecedente criminal, a indicação genérica sobre o
agressor e, por fim, os motivos do crime, que se resumem a um provável conflito
entre as partes, ambas envolvidas com algum tipo de delinqüência ou infração.
Nos casos raros em que se pode contar com outras versões, como depoimentos
de amigos e familiares, sobretudo nos casos do Rio de Janeiro, estas não
coincidem com as da Polícia, ao contrário, apontando-a como participante das
ações.
Entrou em cena também um elemento não muito novo, mas que passou a
chamar a atenção devido ao seu crescimento no período 1990-96, que foram as
execuções, também citadas como chacinas, ocorridas em situações de disputa
entre grupos de traficantes de drogas ou de bicheiros. Estes casos de crime
organizado tiveram em alguns momentos a participação de grupos de extermínio
e/ou pistoleiros contratados por traficantes para executar outros traficantes, além
de alguns poucos casos em que os traficantes atuavam de forma muito
semelhante a dos justiceiros, como mediadores em conflitos entre a população
onde o crime organizado é reconhecido como poder local.
155
Pelos critérios adotados inicialmente, os casos ocorridos no período 1980-89 apenas eram
incluídos no Banco de Dados do NEV quando a notícia fazia menção explícita a uma violência
que podia ser atribuída a um grupo de extermínio.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 231
36%
58%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP – Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
1500
750
0
Brasil São Paulo R. de Janeiro Outros estados
Anos 80 580 252 262 66
Anos 90 1308 604 522 182
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP – Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
250
200
150
100
50
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
SP RJ OE
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP – Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Janeiro superou o de São Paulo entre 1980-83 e no ano de 1987. Nos demais
anos da década, predominam os casos ocorridos em São Paulo156. No Rio de
Janeiro, no início da década, a imprensa noticiou amplamente a movimentação
civil em torno do “caso Marly”157 e também a atuação da Comissão Especial para
investigar crimes dos esquadrões da morte, criada no início do governo Brizola.
Em 1987, a constituição de uma Comissão Especial durante o governo Moreira
Franco também contribuiu para que a imprensa noticiasse mais casos de grupos
de extermínio. Em São Paulo, crimes cometidos por esquadrões da morte foram
investigados por uma Comissão Especial durante o governo Montoro, no período
1983-85 e durante o governo Quércia, entre 1987 e 1989.
156
O total relativo a outros estados (66 casos) não permitiu a elaboração de perfis e nem a sua
comparação com os dados relativos a São Paulo e Rio de Janeiro.
157
No final dos anos 80, um jovem do subúrbio carioca foi morto por policiais. Em busca de
justiça, Marly, irmã desse jovem morto, denuncia os policiais envolvidos, exigindo a punição dos
mesmos. A própria Marly foi ameaçada de morte por causa de suas denúncias.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 235
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Agressores
No período analisado, a imprensa não forneceu qualquer informação que
permita traçar o perfil de 35,3% de todos os agressores mencionados nas
notícias, limitando-se a denominá-los, genericamente, de esquadrões da morte.
Entre aqueles agressores sobre os quais há mais informações 46% podem ser
definidos (gráfico 5) como justiceiros, grupos de civis ou matadores isolados.
Aqueles que foram descritos como membros de grupos formados por policiais
militares, civis ou de outras corporações somaram 34%. A incidência de
agressores considerados de perfil duvidoso foi de 10%, incluindo, neste grupo,
indivíduos que poderiam ser justiceiros, pistoleiros ou marginais, conforme a
descrição feita pelas fontes. A suspeita de serem de grupos formados por ex-
policiais militares, assaltantes ou traficantes somam 4% dos casos com
informação, e aqueles em que se suspeita o envolvimento de policiais somam os
6% restantes. Nota-se que há uma forte participação de policiais, o que sugere
uma institucionalização dessa violência.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 236
34%
46% 6%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Em relação aos justiceiros, nos anos 80, a imprensa descrevia uma forma
de atuação em geral “anunciada”, que resultava num crime praticado no lugar de
moradia e de atuação da vítima (normalmente um “suposto bandido”) ou do
agressor. A carreira do justiceiro costumava se iniciar com um primeiro crime,
ligado a uma situação original de vingança pessoal por afrontas recebidas por
parte da vítima. A partir da eliminação da vítima, o justiceiro começava a “firmar”
a sua atuação no bairro, passando a ser reconhecido por todos. Não havia o
anonimato do agressor nem da vítima no bairro, embora a comunidade pudesse,
posteriormente, negar qualquer conhecimento sobre as atividades do justiceiro. A
imprensa também relatou casos de grupos de moradores não profissionalizados
que se juntavam para eliminar alguns “bandidos” no bairro. Os casos envolvendo
justiceiros ganhavam atenção quando o justiceiro se “enganava” e matava uma
vítima “errada”, sendo obrigado a interromper a sua carreira ao ser preso ou
morto por outro matador profissional ou policial. Esta situação podia ser ou não
acompanhada por manifestações da comunidade contra ou a favor da morte do
justiceiro.
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Manifestação Pública
Em geral, as ocorrências envolvendo grupos de extermínio ou justiceiros
durante os anos 1980-89 não mobilizaram as entidades. Aquelas que
mobilizaram a sociedade o fizeram sob a forma de protestos, denúncias ou
manifestações de apoio à violação. A imprensa não noticiou nenhuma dessas
ações com relação a 71,8% dos casos noticiados. Dos casos de maior
repercussão junto à sociedade civil, 18,3% provocaram a manifestação de
entidades e, em apenas 7% dos que foram informados houve protesto ou
denúncia pelo ocorrido (gráfico 7). O apoio à violação foi a manifestação
noticiada em 3% dos casos em que outros atores se mobilizaram.
80,0
40,0
0,0
Protesto/Denúncia Apoio à violação Não informa
% 25,3 3,0 71,8
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 239
Considerações Finais
Os 580 casos de ações praticadas por grupos de extermínio no Brasil,
veiculados pela imprensa entre 1980-89, concentram-se no final da década, no
período de 1987 a 1989, e ocorreram sobretudo nos estados de São Paulo e Rio
de Janeiro. A vítima foi predominantemente descrita como bandido/marginal, e a
categoria de agressores mais freqüente foi justiceiros, grupos de civis ou
matadores isolados, seguida dos grupos formados por policiais militares, civis ou
de outras corporações. O noticiário não informou sobre as providências tomadas
pelo Poder Público em relação à maioria dos casos. Nas poucas ocasiões em
que veiculou essa informação, referiu-se a medidas da fase policial. Quanto às
manifestações públicas motivadas pelos casos, poucas foram registradas pela
imprensa.
80
40
0
Norte Sul Leste Oeste
Casos 3 73 16 9
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 240
120
60
0
Grande São Interior do Não
Capital Litoral
Paulo estado informa
Casos 101 97 4 4 5
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 241
6%
13%
49%
Grupos formados por policiais militares, civis ou de outras corporações
Suspeita de policiais não identificados
Justiceiros, grupos de civis ou matadores isolados
Perfil duvidoso: justiceiros, pistoleiros, marginais
Grupos formados por ex-PMs, assaltantes, traficantes
Não informa
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Manifestação Pública
Seguindo a tendência geral para o país, em 82% dos casos não há
informações sobre alguma participação da sociedade civil. Entidades protestaram
por causa da violação em 6% dos casos, mesma porcentagem verificada para
manifestações de apoio, sobretudo por parte da comunidade.
Considerações Finais
No estado de São Paulo, a maior parte das ações de grupos de extermínio
registradas pela imprensa entre 1980-89 ocorreu na capital (especialmente na
Zona Sul) e na Grande São Paulo. O ano de 1988 foi o que registrou o maior
número de casos. Neste ano, em São Paulo, atuou o “Grupo Anti-justiceiros”,
organizado pelo governo Quércia para investigar os crimes dos esquadrões da
morte e punir seus integrantes, o que explica o maior interesse da imprensa em
divulgar as ações desses grupos. O noticiário não fornece dados sobre o perfil de
quase metade das vítimas e, quando o fez, a descrição mais incidente foi
bandido/marginal. Os agressores foram predominantemente descritos como
justiceiros, grupos de civis ou matadores isolados. A atuação do Poder Público foi
noticiada com maior freqüência do que em relação ao Brasil, mas também se
refere majoritariamente à fase policial. As poucas manifestações públicas
registradas pela imprensa vieram de entidades.
casos, um deles envolvendo criança como vítima. Como foi referido, os anos de
maior incidência coincidem com os de uma atuação oficial em relação aos crimes
cometidos.
Vítimas
As notícias não informam o perfil de 52% das vítimas no Rio de Janeiro.
Quando esta informação é veiculada, ao contrário de São Paulo, onde se destaca
a marginalidade, no Rio de Janeiro, 26% das vítimas foram descritas como
trabalhadores, ou na notícia havia a informação de que estas vítimas não tinham
antecedente criminal. Bandidos/marginais e matadores ou justiceiros foram os
termos usados para descrever 22% das vítimas, conforme gráfico 13.
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Agressores
Para a maioria dos casos ocorridos no Rio de Janeiro, não há informações
que permitam qualificar os agressores e esta ausência é total nos anos de 1984 e
1986 (gráfico 14). Nos casos em que a descrição existe, o perfil mais típico é o de
grupos formados por policiais militares, civis e de outras corporações, ou, ainda,
grupos em que há a suspeita de participação de policiais (30% e 6% dos casos,
respectivamente). Estes grupos têm presença marcante no noticiário dos anos do
início e do fim da década. Do total de casos, 11% dos agressores foram
qualificados como justiceiros, grupos formados por civis ou matadores isolados.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 244
30%
53%
6%
11%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 245
MANIFESTAÇÃO PÚBLICA
A intervenção de outros atores não foi noticiada em 63% dos casos e,
quando ocorreu, ao contrário de São Paulo, sempre foram de repúdio à violação.
O registro de manifestações foi maior nos casos ocorridos no início e no final do
período, com maior incidência nos anos de 1980 a 1983. Dos casos que
provocaram alguma manifestação, as entidades foram responsáveis por 78% das
denúncias e os 22% restantes referem-se às denúncias ou protestos promovidos
pela comunidade, por amigos ou por parentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os 262 casos de autoria de grupos de extermínio no estado do Rio de
Janeiro entre 1980-89 concentram-se no início e no final da década,
respectivamente os períodos de repercussão do “caso Marly” e da vigência das
investigações empreendidas por uma comissão especial, coordenada pelo
governo, para investigar crimes de esquadrões da morte. As vítimas foram
preferencialmente descritas como trabalhadores, ao contrário de São Paulo, onde
o perfil mais comum foi bandido/marginal. O perfil predominante dos agressores
no Rio de Janeiro é o de esquadrões da morte, grupos formados por policiais e
militares e civis, que podem agir com outras forças policiais ou até mesmo com o
exército. O perfil da sua ação e a constituição dos grupos de extermínio parece
não sofrer mudanças significativas ao longo do período. A suspeita da atuação de
policiais não identificados costuma ser levantada por testemunhas ou pela própria
Polícia durante as investigações. Outra característica importante é que a
imprensa levanta a suspeita desses grupos atuarem em conivência com o crime
organizado. Paralelamente a este perfil predominante, encontramos outro que
descreve a atuação de justiceiros ou grupos formados por civis ou matadores
isolados. Assim como em São Paulo, a imprensa pouco informou sobre as
providências tomadas pelo Poder Público em relação aos casos, e quando
veiculou esse dado, se ateve com mais freqüência à fase policial. As
manifestações públicas, embora não informadas para a grande maioria dos
casos, foram mais freqüentes do que em São Paulo e, de acordo com o
noticiário, e quem mais se manifestou frente à violação foram as entidades.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 246
200
150
100
50
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
O palco principal das ações, como mostra o gráfico a seguir (gráfico 17),
foram os locais de circulação (43,1%), principalmente a rua, indicando um tipo de
“socialização” da violência que obriga as comunidades a conviverem com essas
ações, atingindo direta e indiretamente um número elevado de pessoas,
moradoras das periferias das grandes cidades. No período 1990-96, as
ocorrências em locais de moradia (28,6%) ultrapassam as que foram realizadas
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 247
G r á fic o 1 7 - D is tr ib u iç ã o d o s c a s o s d e E x e c u ç õ e s S u m á r ia s
s e g u n d o o lo c a l d e o c o r r ê n c ia , B r a s il 1 9 9 0 -1 9 9 6
50
25
0
In s t. d e In s t. Loc. de L o c a is d e Loc. de Loc. de L u g a re s M e io s d e
M e io r u r a l
c o n t r o le fe c h a d a s c ir c u l. la z e r m o r a d ia tr a b a lh o e rm o s tr a n s p .
% 1 ,3 1 ,2 4 3 ,1 7 ,4 2 8 ,6 0 ,9 1 5 ,5 1 ,2 0 ,8
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Tentativa de Homicídio
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 248
8% 0,5%
4%
0,5%
6%
4%
2% 49%
26%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
VÍTIMAS
A presença de um corpo (ou corpos) é o principal indicador (às vezes o
único) de que ocorreu uma execução sumária, ação que, geralmente, se mantém
envolta em silêncio. As vítimas atingidas pelas execuções sumárias somam 5048
pessoas, quase todas (88,3%) vítimas fatais, como mostra o gráfico abaixo. A
maioria das ações (59%) atingiu mais de uma vítima, tendo registrado, em média,
3,8 vítimas (gráfico 20). Parece haver uma relação entre a identificação da vítima
e o local de ocorrência da ação, pois boa parte das vítimas identificadas (20%) foi
morta ou em sua casa ou na favela. Assim, a vítima é conhecida na comunidade,
e seu nome é revelado pelos próprios moradores à imprensa.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 249
600
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Nº de vítimas 530 1160 484 994 697 543 640
Nº de vít. Identific. 198 520 260 263 284 287 377
Nº de vítimas fatais 472 1069 414 910 589 473 534
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Entre as vítimas das execuções sumárias que tiveram seu sexo informado,
88% eram do sexo masculino. Aquelas que tiveram sua idade noticiada eram,
preferencialmente, jovens entre 18 e 24 anos (28,4%), como mostra o gráfico
abaixo.
mais de 45 7%
de 40 a 44 4%
de 35 a 39 7%
de 30 a 34 10%
de 25 a 29 13%
28%
de 18 a 24
de 15 a 17 22%
de 8 a 14 7%
de 0 a 7 3%
0 15 30
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 250
22 %
38 %
3%
37 %
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Agressores
O número de agressores envolvidos nos 1308 casos do período é de 3586,
o que corresponde, em média, a 2,7 agressores por caso. Do total de agressores,
apenas 20% foram identificados nas notícias (gráfico 23).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 251
350
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Nº de agressores 239 642 564 624 378 637 502
Nº de agr. identificados 55 154 93 148 87 144 61
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
21%
5% 17%
Bicheiro/traficante Grupo formado por policiais
Grupos de composição mista Grupos de extermínio
Infrator Justiceiros
Mandante da ação Pistoleiro
Profissão Suspeito
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
158
Esta categoria inclui policiais e ex-policiais civis e militares, delegados e sargentos do Exército.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 253
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Manifestação pública
Apesar do caráter público que parece caracterizar as execuções sumárias,
foram registradas apenas 107 manifestações160, quase exclusivamente de
denúncia ou protesto pelo ocorrido (94%), conforme gráfico 27.
159
O número de andamentos informados não coincide com o número de casos, pois um caso
pode ter tido vários andamentos noticiados.
160
Alguns casos provocaram mais de uma manifestação.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 254
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Considerações Finais
Foram noticiados 1308 casos de execuções sumárias no Brasil entre
1990-96. O período de maior ocorrência coincide com o da vigência da “CPI
Destinada a Investigar o Extermínio de Crianças e Adolescentes no Brasil”,
coordenada pela Câmara dos Deputados, entre 1991 e 1992. As violações se
deram na maior parte em locais de circulação e foram motivadas pelo
consumo/tráfico de drogas ou vingança, de acordo com os dados da imprensa.
Das 5048 vítimas, a maioria foi fatal e quase metade foi identificada. O perfil de
vítima mais comum foi do sexo masculino, entre 18 e 24 anos, trabalhador com
pouca qualificação e descrito no noticiário pela profissão ou como infrator. Do
total de 3586 infratores, apenas 20% foram identificados, e eram
majoritariamente do sexo masculino, com idade variando entre 18 e 29 anos e
descritos pela imprensa como bicheiro/traficante na maior parte dos casos,
embora não deva ser negligenciada a incidência significativa de grupos de
extermínio e grupos formados por policiais. Embora seja pequena a porcentagem
de agressores cuja informação a respeito da ocupação tenha sido veiculada, é
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 255
São Paulo, por vezes foi utilizado armamento pesado como, por exemplo, armas
de calibre 12 ou 76,5.
“Rui executado em frente da família, à noite/ na rua/ Pq. Sto Antônio/ dirigia
seu Gol/ no carro, mulher, filho e sogros/ perseguido por dois pistoleiros numa
Kombi/ fechou/ falaram alguma coisa/ teco pegou na cuca/ matadores fugiram numa
boa/ morto não era nenhum santo/ segundo a Polícia, tinha sido condenado pela
justiça/ um dia antes de morrer, fora preso e liberado/ para policiais, assassino de
aluguel.” (Notícias Populares, 30/08/91).
6,5
0,4
60,0
17,3
VÍTIMAS
Os 604 casos no Banco de Dados de Execuções Sumárias registrados em
São Paulo vitimaram 1.829 pessoas, das quais 86,8% foram vítimas fatais. As
vítimas identificadas somam 58,2% do total de vítimas (gráfico 29).
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
de 40 a 44 2,1%
de 35 a 39 6,1%
de 30 a 34 11,2%
de 25 a 29 12,2
32,7%
de 18 a 24
de 15 a 17 17,8%
de 8 a 14 10,4%
de 0 a 7 2,1%
0 10 20 30 40
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 260
0,4%
9,4%
2%
36,3% Pessoas envolvidas com grupos de execuções
sumárias
Criança/adulto em situação de rua
Infrator/presidiário
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça.
Agressores
O número de agressores relatados pelos jornais chega a 901. Deste
contingente, foram identificados 22,6% dos agentes (gráfico 32). Os
antecedentes de 93,6% destes agressores não são conhecidos, conforme as
notícias recolhidas.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 261
Gráfico 32 - Distribuição dos casos de Execuções Sumárias
segundo os agressores, São Paulo 1990-96
300
150
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Nº de agressores 63 254 83 78 94 148 181
Nº de agr. identificados 15 31 9 24 41 52 32
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
mais de 45 6,1%
de 40 a 44 4,9%
de 35 a 39 8%
de 30 a 34 13,5%
de 25 a 29 23,3%
de 18 a 24
33,7%
de 15 a 17 9,8%
de 8 a 14 0,6%
0 20 40
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria Nacional
de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 262
1%
28%
38%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
que foi assassinado pela quadrilha do Douglas - um dos bandidões que deitam e
rolam na zona norte. O tal de Douglas e mais três companheiros/ teria sido morto
porque tentou reaver uma televisão de uma de suas vizinhas/ histórias que policial
militar ouviu de quem o adorava/” (Notícias Populares, 26/10/90).
MANIFESTAÇÃO PÚBLICA
A pressão da sociedade civil tem se revelado importante elemento na
atuação vigorosa do Poder Público para o esclarecimento destes crimes, mas os
dados revelam que são poucas as manifestações da sociedade civil a propósito
das execuções sumárias; dos 604 casos coletados, houve apenas 18
manifestações a respeito da violação. As denúncias foram o principal tipo de
manifestação, houve ainda protestos contra a ocorrência e apoio à violação.
22,2%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Considerações Finais
Os 604 casos de execuções sumárias no estado de São Paulo entre 1990-
96 que compõem o Banco de Dados se concentram nos anos de 1991, 1992 e
1996. Nesses dois primeiros anos, a alta incidência pode ser explicada pela “CPI
Destinada a Investigar o Extermínio de Crianças e Adolescentes no Brasil” e pela
inclusão dos casos noticiados pelo Notícias Populares. Já em 1996, a maior
freqüência pode ser explicada pela introdução do Diário Popular como fonte de
dados. A maioria das ocorrências noticiadas se deu na capital e em municípios
limítrofes, motivadas principalmente por rixas entre pessoas da região e vingança
e executadas em locais de circulação na maior parte dos casos. Entre as 1829
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 267
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
G rá fic o 3 9 - D is trib u iç ã o d o s c a s o s d e e x e c u ç õ e s S u m á r ia s
s e g u n d o o m o to v o d e s e n c a d e a d o r , R io d e J a n e iro 1 9 9 0 -9 6
6 ,7 %
8 ,1 %
5 ,4 % 3 6%
2%
3%
3 8,7 %
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 271
Vítimas
Na década de 90, a imprensa noticiou 2043 vítimas de execuções
sumárias, aproximadamente 4 vítimas por caso, no Estado do Rio de Janeiro,
sendo que 85,6 % foram fatais. Apenas 42% do total de vítimas para esse Estado
foram identificadas (gráfico 40).
500
250
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Nº de vítimas 256 295 283 469 341 194 205
Nº de vítimas ident. 99 132 146 158 122 105 96
Nº de vítimas fatais 234 266 238 415 274 161 161
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
mais de 45 8,4%
de 40 a 44 5,8%
de 35 a 39 8%
de 30 a 34 9,4%
de 25 a 29 17,4%
27,9%
de 18 a 24
de 15 a 17 16,6%
de 8 a 14 6,5%
0 15 30
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 272
39,3
40,8
3,2
16,5
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Das vítimas, cabe ressaltar ainda que, entre aquelas qualificadas pela
profissão, há uma incidência de membros das Polícias e/ou Forças Armadas, isto
porque quando ocorre uma ação policial numa favela ou morro para inibir ação de
traficantes e há troca de tiros, é comum que algum membro da Polícia saia ferido
ou morto. Numa espécie de guerra que parece não ter fim, é comum por parte da
Polícia a prática de extorsão, cobrança de pedágio, roubo de armas e drogas, o
que gera vingança de traficantes, que executam os policiais infratores. Então,
também é freqüente a vingança dos policiais que pertenciam ao grupo dos que
foram mortos pelos traficantes. Um exemplo é o caso de Vigário Geral. Policiais
também costumam ser mortos por companheiros do mesmo batalhão ou distrito
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 273
Agressores
Durante o período analisado, o noticiário registrou, pelo menos, 1874
agressores envolvidos em execuções sumárias no Estado do Rio de Janeiro, isto
porque em 191 casos (36,6%) não foi possível precisar o número de agressores,
pois as notícias informaram apenas que eram “vários” os agressores. Do total de
agressores de execuções sumárias no Rio de Janeiro, apenas 21,5% foram
identificados (gráfico 43).
200
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Nº de Agressores 133 268 357 346 220 295 256
Nº de Agressores identif. 25 68 70 104 21 41 10
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
161
No dia 12 de janeiro de 1992, a doméstica Diva Dias de Souza, 50 anos, foi torturada e
executada a tiros por 15 homens ligados ao traficante Nael, na favela Jacarezinho. O motivo seria
a delação e recusa de abrigo ao traficante. Seu corpo foi colocado num carrinho de mão e
transportado pelas ruas da favela, como demonstração de punição a quem transgride a lei do
tráfico (GARCIA, Antonio e MENDES, Antônio José - Os tribunais implacáveis do tráfico”. Jornal
do Brasil, 18/02/92, Cidade - pág. 1). É comum traficantes instituírem “toque de recolher” nos
morros e favelas em situações de confrontos acirrados com grupos de traficantes rivais ou com a
Polícia, que deve ser obedecido pelos moradores sob pena de serem confundidos com policiais
ou alemães (inimigos), e portanto, de serem executados (CARVALHO, Happy - “Toque de
recolher aterroriza morro” - O Estado de São Paulo, 19/11/1993, p.C-3).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 274
Foi informado o sexo de 85,3% dos agressores, sendo que, entre os que
tiveram esse dado fornecido, 99,2% eram do sexo masculino. O antecedente
criminal de quase todos os agressores não foi informado.
mais de 45 8,7%
de 40 a 44 4,7%
de 35 a 39 8,7%
de 30 a 34 11,8%
de 25 a 29 23,6%
36,2%
de 18 a 24
de 15 a 17 4,7%
de 8 a 14 1,6%
0 20 40
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Manifestação Pública
Embora o número de casos de execuções sumárias no Rio de Janeiro
noticiados pela imprensa seja muito alto (522), foram relativamente poucas (59)
as manifestações públicas em relação aos casos.
Os amigos/moradores do local/familiares e a comunidade somaram 37%
das manifestações, o que é de certa forma surpreendente, pois são pessoas
pertencentes ao mesmo círculo social das vítimas, e que portanto correm o risco
de sofrer represálias quando desrespeitam a “lei do silêncio”. Entretanto, essa
atitude pode ser interpretada como uma demonstração de indignação em relação
à realidade violenta em que vivem. Outro fato importante é que os casos de
execuções sumárias no Rio de Janeiro ocorrem, muitas vezes, nos morros
cariocas, onde há uma organização maior da sociedade civil.
162
As categorias que constam na tabela de manifestantes foram agrupadas em categorias mais
genéricas para efeito de análise:
Entidades de Defesa dos Direitos Humanos: Americas Watch, Anistia Internacional, CDDPH -
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Forum contra a Violência, Movimento de
Meninos e Meninas de Rua, Núcleo de Estudos da Violência e Ordem dos Advogados do Brasil.
Sociedade Civil Organizada: Associação das Favelas do Rio de Janeiro, Astral - Associação dos
Travestis e Liberados do Rio, Movimento Negro, Movimento Viva Rio, PT, Sindicato.
Igreja: Centro de Defesa do Adolescente da Igreja católica, Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor.
Órgãos públicos: Legislativo, Judiciário, Executivo, Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 277
5%
17% 25%
3%
3% 7%
20% 20%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No período de 1990-96, foram noticiados 522 casos de execuções
sumárias no estado do Rio de Janeiro, a maior parte em 1992 (“CPI Destinada a
Investigar o Extermínio de Crianças e Adolescentes no Brasil”) e 1993 (chacinas
de Candelária e Vigário Geral; disputas acirradas entre Comando Vermelho e
Terceiro Comando por pontos de venda de drogas). A maior parte das
ocorrências se deu na capital e no Grande Rio, e o motivo mais freqüente foi o
consumo/tráfico de drogas, diferente de São Paulo, onde as rixas entre pessoas
da região foram apontadas como a principal causa do crime. No Rio de Janeiro,
as execuções se caracterizam pela atuação do crime organizado e pela ação de
grupos de extermínio de crianças e adolescentes, principalmente no início da
década, com intensa participação de policiais. Embora o número de casos com
uma vítima seja maior, as chacinas também tiveram incidência significativa,
principalmente aquelas com três ou quatro vítimas. Ao contrário de São Paulo,
onde as execuções ocorreram na maior parte em locais de circulação, no Rio de
Janeiro foram mais comuns os locais de moradia. As 2043 vítimas apresentaram
índices de fatalidade e identificação semelhantes aos do Brasil. Assim como em
São Paulo, são na maioria do sexo masculino e possuem entre 18 e 24 anos,
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 278
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Vítimas
O total de vítimas nos 182 casos de execuções sumárias dos Outros
Estados é de 1176 pessoas ao longo do período estudado. Do total, 1124 foram
fatais, o que representa 95,6% do total de vítimas (gráfico 49). O alto número de
vítimas fatais para Outros Estados em comparação com São Paulo e Rio de
Janeiro parece ser uma característica do fenômeno das execuções sumárias
nestes locais. Isto porque, como já foi dito, trata-se quase que exclusivamente de
casos cujas ações são de pistoleiros profissionais e/ou de grupos de extermínio
que buscam a execução de suas vítimas, agindo de maneira mais eficaz do que
em São Paulo e Rio de Janeiro. A pistolagem nos estados do nordeste brasileiro,
por exemplo, é tratada, segundo César Barreira163 como uma forma de crime
organizado, cujos atores envolvidos têm seus papéis sociais distintamente
delineados dentro de um quadro social e político muito mais amplo, destacando
as relações políticas e familiares que estão no centro destas ações
(Barreira,1992). Esta capacidade de organização que está por trás das ações de
execuções em Outros Estados parece explicar sua eficácia.
163
Barreira, C. 1992. “Pistolagem e Política: a morte por encomenda”, Revista da Associação
Brasileira de Reforma Agrária - ABRA, vol 22, Jan/Abr de 1992.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 282
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Para 65% das vítimas não há informação sobre sexo. Quando há esta
informação, observa-se que a maioria das vítimas é do sexo masculino (86,4%).
A faixa etária mais freqüente, de acordo com o gráfico 50, é dos 15 aos 24 anos
(50,5%) sobressaindo-se as vítimas menores de idade (15 a 17 anos), que
representam 23,6 %. Essa foi a taxa mais alta - entre vítimas menores de idade -
encontradas nos três recortes. Em outros estados, pode-se afirmar que os grupos
de extermínio privilegiam a execução de crianças e adolescentes, fato que
explica também o aparecimento de vítimas entre 0 e 7 anos de idade (3,8%). Há
também um índice relativamente alto de vítimas com mais de 25 anos, que
somam 35,8 % e são, em geral, as vítimas de pistoleiros.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 283
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
AGRESSORES
Os agressores dos casos de Execuções Sumárias totalizam 810 pessoas,
sendo que apenas 34,5% foram identificados, como mostra o gráfico a seguir. Em
25% do total dos casos não há informação precisa quanto ao número de
agressores, apenas que são vários agentes. Duas explicações para a falta de
informação sobre os agressores seriam o fato de estes grupos ou indivíduos
normalmente estarem encapuzados e não serem identificados pelas
testemunhas, ou pelo medo de vingança ou porque não há testemunhas do
crime.
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
(31,8%), seguida pela faixa entre 30 e 34 anos (18,2%), como mostra o gráfico
53.
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
- Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 287
Dos 182 casos com o intenso envolvimento de forças policiais, como já foi
dito, há a informação de apenas uma condenação do agressor e em apenas
3,9% das atuações do Poder Público há notícias da expulsão do policial da
corporação. Apenas uma atuação relata a exoneração/afastamento/ transferência
do policial. As fontes notificaram a instauração de inquérito policial militar em
apenas 2,3% das intervenções.
Manifestação pública
Dos 182 casos, há registro de apenas 27 manifestações públicas sobre
estas violações. Entre as manifestações, 51,9% são de protesto contra a atuação
dos agressores e 48,1% dizem respeito a denúncias contra a ação de grupos de
extermínio.
família/ comunidade
Representantes do Estado
CNBB
15% Sindicatos
62%
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ Ministério da Justiça
Considerações Finais
A figura do pistoleiro é parte da história do país e já foi discutida por uma
extensa literatura. Grupos, em uma determinada localidade, contratam homens
para matar opositores como forma de encerrar um conflito. Em grande parte dos
casos constatados pelo Banco de Dados, os pistoleiros mataram personalidades
públicas, como advogados, jornalistas, políticos, promotores etc. responsáveis
por denúncias de corrupção ou outros crimes, patrocinados por elites políticas,
econômicas ou do sistema de justiça. Certamente, o número de pessoas sem
projeção pública que morrem vítimas de pistoleiros é elevado, entretanto, a
imprensa destaca personalidades que despertam a atenção da população.
Numa primeira leitura, pode-se pensar que não há ligações estreitas entre
o pistoleiro e as execuções realizadas pelos policiais. Afinal, o primeiro é
contratado geralmente por membros da elite para eliminar algum inimigo. Os
policiais, por outro lado, geralmente estão envolvidos na “limpeza social” de
bandidos da região. No entanto, em muitas notícias informou-se que os policiais
estavam ligados a vários tipos de delitos, como tráfico de drogas, extorsão, entre
outros. Neste caso, por motivos ligados a interesses criminosos, como queima de
arquivos e outros, eles podem passar a matar os cidadãos legítimos também por
contrato.
5. CONCLUSÕES
Uma verdadeira guerra parece estar contida no fenômeno das execuções
sumárias no Brasil desde os anos 80. Esse conflito parece recrudescer com o
tempo e tem, à primeira vista, um certo ar de “gratuidade”, pela ausência de um
motivo que possa ser indicado como estopim para a agressão. Entretanto, os
motivos que orbitam em torno do fenômeno devem ser procurados numa análise
dos fatos sociais, das condições de vida oferecidas às populações daqueles
centros urbanos onde as execuções sumárias são mais freqüentes e nas esferas
que integram os indivíduos ao universo social e cultural do grupo a que
pertencem.
Desde os anos 80, uma geração cada vez mais jovem tem sido atingida
pelas execuções sumárias, numa fase de desenvolvimento em que deveria estar
protegida. Jovens pobres que convivem com a violência desde cedo acabam por
tornar-se seus protagonistas ou testemunhas. Durante o período analisado, tem
aumentado a participação de crianças e adolescentes nas execuções sumárias,
também como agressores, o que é um indicador importante da interiorização e
banalização da violência. Esses jovens que possuem poucas oportunidades de
inserção no sistema escolar e, mais tarde, no mercado formal de trabalho,
parecem estar sendo atraídos mais e mais para atividades ilícitas como, por
exemplo, o crime organizado, no qual podem desenvolver “carreiras” que
garantem a sobrevivência e lhes permitem adquirir um certo status perante a
sociedade pelas compensações financeiras e prestígio que oferecem.
CAPÍTULO 7
VIOLÊNCIA POLICIAL: A AÇÃO JUSTIFICADA PELO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER
Introdução
O BANCO DE DADOS DA IMPRENSA SOBRE A VIOLÊNCIA POLICIAL abrange 17
anos de história da sociedade brasileira e reúne o maior número de casos
identificados na pesquisa: 4181 casos.
164
Estudos sobre o uso da força física pela polícia, desenvolvidos nos Estados Unidos, corroboram esta
definição. (Cf. McEwen, T. 1996; Greenfeld, L.A. et al. 1997)
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 295
A Polícia Militar é uma força fardada que tem por atribuição o policiamento
ostensivo e a preservação da ordem pública; pode prender suspeitos apenas em
flagrante delito, devendo levá-los imediatamente à delegacia para que seja
registrada a ocorrência.
Para cada período, foram feitas análises separadas para os estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Os demais estados da federação encontram-se
agrupados sob a rubrica de Outros Estados.
2800
2400 2614
2000
1600
1567 1980-89
1200
1990-96
800
400
0
Nº de Casos
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos. NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
9 3000
43
5 27
19 7 2500
6 11 2 1
16 4 2
4 7 21
21 2000
0
4 3
7
5
7 2 5
6
4 113 1500
55
5 7 14 1000
30 11
9
5 8 500
32 4
7 2.036
196 0
27 817 478 BR SP RJ BA OE
22
1980 1990
7
27 6
17
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
-Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Para a Bahia, a redução gira em torno de 50%, e pode ser explicada pela
maior incidência, durante os anos 80, de casos envolvendo policiais “fora de
serviço”. Também é relevante destacar a criação, em abril de 1979, de um
Grupamento Especial de Prevenção que tinha como objetivo a prevenção do
crime, mas de maneira violenta, nos mesmos moldes da Rota paulistana. Isto
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 300
Populares a par da maior cobertura dada pela imprensa nacional aos casos
ocorridos neste estado contribuíram para aumentar a freqüência daqueles casos
de violência policial cotidiana, ou seja, durante o policiamento ostensivo. Em
virtude destas circunstâncias, tudo leva a crer que se logrou obter um perfil da
ação policial bastante próximo da realidade, uma vez que os dados não se
referem apenas aos casos de maior repercussão.
Gráfico 2: Distribuição dos casos de Violência Gráfico 3: Distribuição dos casos de Violência
Policial por região do município de São Paulo Policial por região do estado de São Paulo
Município de São Paulo, 1980-1996 São Paulo, 1980-1996
35 80
30
25 60
20
15 40
10
5 20
0
Não
Centro Leste Norte Oeste Sul 0
Informa Município Grande SP Interior Litoral Não Informa
1980 10,8 34,3 15,7 9,8 29,4 1980 68,9 22,2 5,5 2 1,5
1990 13,8 19,6 12,6 15 30,5 8,5 1990 71,8 17,9 6,4 1,5 2,4
Gráfico 4: Distribuição dos casos de Violência Policial por tipo de ação policial
São Paulo, 1980-1996
80
70
60
50
40
30
20
10
Fonte: Banco de Dados
0 da Imprensa Sobre as
Ação contra
Ação Cotidiana Fora de Serviço Repressões Não Informa Graves Violações dos
Inocentes Direitos Humanos -
1980 13,3 73,7 7,1 2,1 3,8 NEV/USP -Secretaria
Nacional de Direitos
1990 15,2 62,8 6,2 6,9 8,9
Humanos/MJ
mortes decorrem de ações arbitrárias de uma polícia que decide “fazer a justiça
com as próprias mãos” (HRW/Americas, 1994 apud Neme 1997). Nestas
situações, segundo Pinheiro et al. (1991) nota-se que a polícia age com
disposição para matar, matando sempre mais do que fere. Chevigny (1991 e
1994) - em estudos que comparam a violência praticada por policiais de grandes
cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York, Los Angeles, Buenos Aires e
México - mostra como, no Brasil, a Polícia Militar se destaca por utilizar a
violência fatal, exacerbando dos padrões de violência aceitáveis em outras
democracias.
166
A partir dos anos 90, com a redefinição de alguns critérios do banco de dados e a introdução
de outras variáveis, casos como estes passaram a ser classificados como ações cotidianas, e a
informação de que a vítima foi atingida por engano passou a ser recuperada pelo motivo
desencadeador – que no caso seria a categoria por engano. Outro indicador para esta
classificação, foi a presença de informações, nas notícias, que contradiziam a versão policial.
Enquanto a polícia, na tentativa de justificar o erro cometido, esforçava-se em difamar a vítima
que era descrita como “marginal”; familiares e amigos esforçavam-se em denunciar as
arbitrariedades da ação policial, resgatando a boa imagem da vítima. Esta estratégia da polícia
torna explícita a idéia de que a violência, quando é utilizada contra “marginais”, não só é
justificável, como é amplamente aceita pela sociedade.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 305
3,7
41,4
9,4
10,8 0,5
3,2 1,8
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos- NEV/USP-Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 306
90
Gráfico 6: 80
Distribuição
70
dos casos de
60
Violência
Policial por 50
tipo de delito 40
São Paulo, 30
1980-1996 20
10
0
Homicídio/ Lesões Tortura s.
Outros Tortura
Tentativa Corporais morte
1980 81,8 13,1 1,8 2,8 0,5
1990 79 14,8 1,8 3,7 0,7
Fonte:
Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP -Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 307
167 A tortura foi definida pela Constituição Federal de 1988 como crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia. O projeto de lei foi aprovado na Câmara dos
Deputados em 1996, e lei de tortura foi regulamentada em 1997 (Lei nº 9.455, de 07/04/1997), apesar de o compromisso ter sido assumido internacionalmente em
1989, na Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificada pelo Brasil (Human Rights Watch,
1997).Segundo a legislação, constitui crime de tortura: " I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou
mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em
razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso
sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo".
168 Lemgruber (1987), referindo-se aos casos de tortura praticada por policiais civis durante o trabalho de investigação de fatos criminais, afirma que “ao contrário
do promotor de justiça, dos juízes e de outros funcionários, o policial toma decisões legais em contexto de pouca visibilidade, o que, de resto, favorece a
arbitrariedade”. Mingardi (1996) observa que a prática da tortura está muitas vezes relacionada à corrupção dentro da instituição policial, “pois é impossível
extorquir um delinqüente sem saber o que ele fez”. Sharpe (1995) corrobora esta opinião, afirmando que a violência policial é estrutural, porque a organização
policial admite certas atitudes ilegais, como por exemplo: a fabricação de provas, a extração de confissões mediante ameaça, a produção de evidências sobre um
suspeito, entre outras. Tais atitudes são aceitas, segundo Sharpe, porque beneficiam a instituição policial, isto é, porque auxiliam a apuração criminal. Este autor
afirma ainda que é a própria estrutura hierárquica da corporação policial que coage seus membros a cometerem atos ilegais. Para Pinheiro et al. (1991), a tortura
aparenta ser uma prática clandestina que, quando se torna pública, assume caráter de denúncia, e desencadeia “medidas de averiguação, correção e prevenção”.
A tortura é cometida principalmente pelas polícias civil e federal no cumprimento de suas atribuições de polícia judiciária.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 308
100
80
80
60 60
40 40
20 20
0 0
Guarda Polícia Polícia Tático Rádio Não
Não Informa Polícia Civil Rota Outros
Metropolitan Federal Militar Móvel Patrulha Informa
Anos 80 0,9 3,3 9,5 0,1 86,1 Anos 80 21,8 16,2 14,2 5,5 42,3
Anos 90 2,7 4,9 11,4 0,1 80,9 Anos 90 15,1 3,3 4,2 9,1 68,3
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
-Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Ainda, entre os casos que envolveram policiais militares, nos anos 80,
3,2% envolveram policiais pertencentes a outros batalhões, tais como a Tropa de
Choque, chamada a intervir na repressão a manifestações públicas ou quando
ocorrem rebeliões em cadeias e presídios. Além disso, compreendem também
alguns casos envolvendo soldados do corpo de bombeiros, da polícia rodoviária e
polícia florestal. Nos anos 90, estes casos corresponderam a 7,4% do total. Este
aumento está relacionado ao maior número de casos de repressão a
manifestações públicas e repressão a rebeliões que, neste período, representou
um crescimento de 4,7% em relação ao período anterior.
169
No ano de 1996, das 183 mortes registradas para o estado de São Paulo, a Rota foi responsável por 46
mortes apenas na cidade de São Paulo. Nos primeiros 29 dias do ano de 1997, a unidade matou 11 pessoas
no município paulista (FSP 30/01/97).
170
Lei Municipal nº 10.272, de 06/04/1987; art.2º.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 310
Assim como para todos os outros perfis, observou-se que os casos sem
informações sobre a corporação dos policiais que participaram dos casos de
violência policial sofreram um pequeno aumento nos anos 90.
60
50
40
30
20
10
0
Infrator/ Qualificado Moradores de
Suspeitos Não Informa
presidiário Profissão rua
1980 59,2 8,8 17 15
1990 40 5,4 19,4 33,4 1,8
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP -Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
classificadas aquelas vítimas que “ao contrário dos casos que se referem a
assaltos, rebeliões, atitudes suspeitas etc., são qualificadas segundo sua
ocupação profissional: operários, estudantes, trabalhadores e profissionais
liberais” (Izumino & Loche, 1995). Barcellos (1992) se surpreendeu com o
número de inocentes mortos pela Polícia Militar, segundo esse autor “a maior
parte dos civis mortos pela PM em São Paulo é constituída pelo cidadão comum
que nunca praticou um crime: o inocente”. Além disso, em geral são estas as
notícias permitem fazer a crítica à violência dos policiais, apontando contradições
nas versões que, freqüentemente, apresentam para justificar suas ações
violentas. São também os casos envolvendo vítimas consideradas inocentes
aqueles que atingem maior repercussão na imprensa.
Uma categoria que surge nos anos 90 é a dos moradores de rua (crianças
e adultos). Esta categoria representa, no geral, 1,3% das ocorrências. Apesar de
compreender um número pequeno de casos, tem sido constante ao longo dos
sete anos analisados, o que sugere que este fenômeno surge com o
agravamento da exclusão social.
Nos anos 90, as ações policiais em São Paulo vitimaram 2587 pessoas,
sendo que em 59,7% dos casos apenas uma pessoa esteve envolvida. As ações
envolvendo de duas a cinco vítimas somaram 35% dos casos. As notícias
apresentaram a identificação de 34,9% do número total de vítimas. Observa-se,
com relação a esta variável, o oposto do que foi apresentado para os agressores.
Enquanto, entre as vítimas, apenas 31,8% dos casos não trazia nenhuma
identificação, para agressores essa porcentagem foi de 73,2%.
100
100
80
80
60
60
40
40
20
20
0
0 apoio à violação contra a violação
Sim Não 1980 1,5 98,5
1980 9,8 90,2 1990 2,4 97,6
1990 15,6 84,4
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP -Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
27,4 9,5
19,6
6,7
15,6 6,1
1,1 4,5
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP -Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Nos anos 90, no perfil dos agentes que se manifestaram nos casos de
violência policial, considerou-se também sua qualificação. Além das vítimas que
registraram seus protestos em 27,4% dos casos, destaca-se a participação dos
familiares (19,6%). A sociedade civil organizada registrou a sua participação em
15,6% casos. Nesta última categoria, agrupam-se sindicatos, associações
comerciais, associações de classe, tais como a OAB, entre outras. As entidades
de defesa de direitos humanos171 foram responsáveis por 9,5% das
manifestações
Gráfico 13: Distribuição dos casos de Violência Policial por manifestação segundo o tipo
de ação policial
6,3
São Paulo 5,5
1990-1996 29,9
8,7
6,3
43,3
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
-Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ
171
Para a análise, as entidades de defesa de direitos humanos não foram consideradas como sociedade civil
organizada porque defendem exclusivamente causas relacionadas às violações de direitos humanos,
enquanto que a segunda compreende associações que defendem também com outras causas.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 315
Gráfico 14: Distribuição dos casos de Violência Policial segundo a atuação do Poder
Público - São Paulo, 1980-1996
F
onte: 70
Banco de
Dados da 60
Imprensa
Sobre as 50
Graves
40
Violações
dos 30
Direitos
Humanos - 20
NEV/USP
-Secretaria 10
Nacional
0
de Direitos Esfera Policial Esfera Judicial Outras Medidas Não Informa
Humanos/
MJ 1980 66 2 3,1 28,9
1990 32,2 1,5 4,1 62,2
S
obre as medidas tomadas na esfera policial, há mais informações sobre: registros
de boletins de ocorrência (25,8% nos anos 80, e 13,7% nos anos 90); e
instauração de inquérito policial (27,2% nos anos 80, e 7,8% nos anos 90).
em bairros pobres das zonas Leste e Sul do município de São Paulo. Na Grande
São Paulo, as maiores freqüências foram registradas nos municípios de Osasco,
Guarulhos, Carapicuíba e nos municípios de São Bernando do Campo, Santo
André e Diadema, localizados na região do ABCD.
Quanto à atuação do Sistema Judicial, observou-se, nos anos 90, maior porcentagem de casos
sem informações a respeito das medidas que foram adotadas nas esferas policial e judicial no
sentido de punir os agressores. Nestes casos, a falta de informações reforça, de um lado, a
percepção de que vigora a impunidade para os agentes que cometem a violação dos direitos
humanos; e, de outro, reforça-se a percepção segundo a qual prevalece, nestas circunstâncias, a
negligência das autoridades responsáveis por investigar e sancionar os agentes institucionais
envolvidos nestas práticas violentas (Zambrano, 1995). Deste modo, estas percepções
contribuem para aumentar também o descrédito na justiça e o sentimento de insegurança e medo
entre todas as camadas da população.
Apesar da falta de informações sobre a atuação do poder público em casos de violência policial,
no estado de São Paulo algumas medidas têm sido tomadas pelas autoridades públicas para
coibir essa violência.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 319
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
nº oficiais de confrontos - - 360 437 671 876 596 452 363 667 836 1140 1787 - 783 551 412
nº casos da imprensa 126 291 124 99 373 296 172 169 198 188 117 366 98 63 49 48 76
Fontes: Polícia Militar do Estado de São Paulo; Secretaria de Segurança Pública do Estado de São
Paulo; Jornal O Globo (06/04/1997). Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves
Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP -Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ.
(Obs: Não há dados oficiais disponíveis para os anos anteriores a 1982 e para o ano de
1993).
Estas são as medidas que vêm sendo tomadas ao longo destes 17 anos
para coibir as arbitrariedades praticadas por policiais. Ainda que não tenham
logrado resultados eficazes, revelam o esforço das autoridades introduzir
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 321
100
80
60
40
20
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Casos da Imprensa 13 32 52 19 9 10 6 25 9 21 32 58 64 73 62 91 98
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
-Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 322
Os anos com maior número de casos foram 1982 (26,5%) 1995 (19%) e
1996 (20,5%). Assim como no estado de São Paulo, o governo do Rio de Janeiro
sempre atuou de duas formas frente às ações violentas da polícia: apoiando ou
coibindo as suas ações.
Nos anos 80, estas duas políticas se alternaram, mas o pico da violência
policial ocorre em 1982, quando o estado era governado por Chagas Freitas,
governador biônico, que assim como seu contemporâneo em São Paulo - Paulo
Maluf - apoiava o uso da força ainda que excessiva pelas polícias.
Gráfico 17: Distribuição dos casos de Violência Policial no Rio de Janeiro segundo
a região - Rio de Janeiro, 1990-1996
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 323
83,9
90
80
70
60
50
40
30
20 7,9
3,6 0,8 3,6
10
0
1990
Município Grande Rio de Janeiro Interior Litoral Não Informa
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Além desses casos, 3,6% ocorreram em municípios do interior do estado e para 3,8% não foi
possível obter informações sobre a região.
Gráfico 18: Distribuição da Violência Policial no Rio de Janeiro por Tipo de Ação Policial
Rio de Janeiro, 1980-1996
70
60
50
40
30
20
10
0
Ação contra
Ação Cotidiana Fora de Serviço Repressão... Não Informa
Inocentes
1990 42,3 33,7 7,1 3,6 13,3
1980 66,3 17,8 3,3 5,7 6,9
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 325
1,5 6,9
14,2 1
13
11,7
13,2 20,1
14 4,2
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 326
Para cerca de 10% dos casos não foi possível obter informações que
permitissem definir o local de ocorrência, e 9,8% dos casos noticiados ocorreram
em outros locais, tais como bares e residências.
Gráfico 20: Distribuição dos casos de Violência Policial no Rio de Janeiro segundo
o Delito
Rio de Janeiro, 1980-1996
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Homicídio/ Lesões Tortura seg.de
Outros Tortura
Tentativa Corporais morte
1980 59,7 23,5 5,6 8,2 3,1
1990 70,3 20,9 4,6 3,1 1
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
à descrição da corporação a qual pertencem, sem que tenha sido possível, como
ocorreu em São Paulo com relação à Polícia Militar, identificar o batalhão ou
tropa em que atuam.
Gráfico 21: Distribuição dos casos de Violência Policial no Rio de Janeiro segundo
o Agressor
Rio de Janeiro, 1980-1996
70
60
50
40
30
20
10
0
Guarda
Polícia Civil Polícia Federal Polícia Militar Não Informa
Metropolitano
1980 0,5 21,8 2,9 68,9 5,8
1990 2,1 23,7 3,1 64,3 6,9
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
É interessante notar que há, nos anos 90, uma maior participação de
agentes da Polícia Federal e da Guarda Civil Metropolitana nas ações violentas
da polícia, compensando a queda registrada na participação de policiais militares.
Quanto aos casos sem informação do tipo de polícia envolvida nas ações
violentas, verificou-se um aumento no número de casos.
Para os anos 90, em 60% dos casos não há informação do número exato
de policias que participaram da ação. Nos outros 40%, observou-se o
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 329
60
50
40
30
20
10
0
Infratores/ Qualificados pela
Suspeitos Não Informa Moradores de rua
presidiários Profissão
1980 31,6 8,7 39,3 20,4
1990 50,5 7 22,8 19,5 0,2
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Além do tipo de ação policial, é com relação ao perfil das vítimas que a
violência policial no Rio de Janeiro apresenta suas principais características.
Neste estado, nos anos 80, cerca de 40% dos casos envolveram vítimas -
inocentes enquanto que em 31,6% dos casos as vítimas foram qualificadas como
infratores/presidiários. O que se deve destacar é a inversão que ocorre entre
estas duas categorias, que se adequa à mudança ocorrida no contexto da ação
policial no Rio de Janeiro, que passa a ser o confronto no morro e que atrai mais
a atenção da imprensa nos anos 90.
A violência policial no Rio de Janeiro, nos anos 90, envolveu 1169 vítimas,
das quais 50,6% foram fatais. Em 49,8% dos casos ocorridos neste estado
apenas uma pessoa foi vítima da violência policial. Ações da polícia envolvendo
de duas a cinco vítimas somaram 43,9% dos casos.
70 100
60
80
50
40 60
30
40
20
10 20
0
Sim Não 0
apoio à violação contra a violação
1980 49.5 50.5
1980 1 99
1990 33.3 66.7
1990 1.2 98.8
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/ USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 331
Gráfico 25: Distribuição dos casos de Violência Policial no Rio de Janeiro segundo
a identidade do manifestante
Rio de Janeiro, 1990-1996
6,8
16,3
7,9
35,8
7,9
4,2
1,1
14,2 5,3
amigos comunidade
entidades de direitos humanos familiares
igreja órgãos públicos
sociedade civil organizada testemunhas
vítimas
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos - NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 332
Gráfico 26: Distribuição dos casos de Violência Policial por manifestação segundo
o tipo de ação policial
Rio de Janeiro, 1990-1996
3,6 0,6
10,2
3,6
45,2
36,7
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
-Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ
70
60
50
40
30
20
10
0
Esfera Policial Esfera Judicial Outras Medidas Não Informa
1980 39,3 7,1 7,1 46,4
1990 23,1 2,2 6,5 68,2
Fonte: Banco de Dados da Imprensa Sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos - NEV/USP
-Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ
Nos anos 80, entre os casos com informações sobre a atuação do Poder
Público, a maior parte deles - 39,3% - referia-se às providências adotadas na
esfera policial: 25,5% com informações sobre a instauração de inquéritos
policiais, 1,5% em que foram instaurados inquéritos para os infratores, e em 6,1%
dos casos havia informações sobre a prisão dos agressores.
O que chama a atenção para este estado são as AÇÕES CONTRA INOCENTES,
ou seja, aqueles casos em que as vítimas são qualificadas por suas atividades
profissionais, ou simplesmente como inocentes. Também se destacam os casos
de tortura, e a maior participação da polícia civil nas ocorrências, principalmente
naquelas operações de combate ao narcotráfico nos morros cariocas. A maior
freqüência com que estes casos foram noticiados no Rio de Janeiro diferenciam
este estado dos outros recortes analisados.
120 1980
100 1990
113
80
60
40 55
20
0
nº de casos
Fonte: Banco de Dados das Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 336
Gráfico 29: Distribuição dos casos de Violência Policial na Bahia por Tipo de Ação
Bahia, 1980-1996
120
100
80
60
40
20
0
Ação Ação Fora de Não Repressõe
Totais
Cotidiana C.Inocente Serviço Informa s
Anos 80 113 55 22 14 2
Anos 90 55 26 14 2 10 3
Fonte: Banco de Dados das Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP- Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Uma das características da ação policial na Bahia, nos anos 80, pode ser
apontada no número de ações violentas que envolveram policiais FORA DE
SERVIÇO. Diferente do que se observou em São Paulo, neste estado os policiais
não se encontravam no desempenho de outras funções remuneradas, mas
agiram durante seus horários de folga. Estes casos sofreram uma grande
redução nos anos 90, o que pode ser atribuído a um viés da imprensa que teve
menos interesse em noticiá-los, do que a uma mudança no fenômeno.
5
3
1
2
11
6
Fonte: Banco de Dados das Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP - Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
173
Criado em abril de 1979, o Grupamento Especial de Prevenção tinha por objetivo prevenir a
criminalidade, mas de forma violenta. A sua atuação acabava sendo mais repressiva do que preventiva.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 338
100
80
60
40
20
0
Homicídio - Lesões Tortura s.
Totais Outros Tortura
tentativa Corporais morte
Anos 80 113 78 12 9 9 5
Anos 90 55 43 3 2 5 2
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações dos Direitos Humanos. NEV/USP-
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 339
120
100
80
60
40
20
0
Polícia Polícia Polícia Não
Totais
Militar Civil Federal Informa
1980 115 76 31 1 7
1990 61 26 19 16
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Gráfico 33: Distribuição dos casos de Violência Policial na Bahia por Vítima
Bahia, 1980-1996
120
100
80
60
40
20
0
Infrator/ Qualificadas pela
Totais Não Informa
Presidiário Profissão
Anos 80 113 17 43 51
Anos 90 55 21 19 17
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP –
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/ MJ.
150
100
50
0
Totais Sim Não
Anos 80 113 27 88
Anos 90 55 10 45
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP –
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
120
100
80
60
40
20
0
medidas
Total esfera policial esfera judicial não informa
administrativas
Anos 80 115 33 1 9 72
Anos 90 55 10 2 6 38
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Em mais da metade dos casos, para os dois períodos, não havia nas
notícias nenhuma informação sobre a atuação da polícia ou da justiça para a
investigação dos crimes e a punição dos acusados.
Gráfico 36: Distribuição dos casos por período. Outros Estados, 1980-89, 1990-96
Outros Estados, 1980-1996
300
250
200 269
150 217 anos 80
100 anos 90
50
0
nº de casos
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Quanto à distribuição por estado, nos anos 80, aqueles que apresentaram
maior número de casos foram o Pará (16%); Minas Gerais (11,2%); Rio Grande
do Sul, Ceará e Paraná (10%). (Mapa 1)
Para os anos 90, a distribuição dos casos por unidade federativa revela
que os estados que registraram mais casos de violência policial foram: Minas
Gerais (14,8%); Paraná (10,1%); Pernambuco (9,7%) e Amazonas (8,8%).
60
50
40
30
20
10
0
Ação Contra Fora de
Ação Cotidiana Não Informa Repressões
Inocentes Serviço
nos 80 51.3 13.4 8.6 21.9 4.8
nos 90 23 30 3.2 18 25.9
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Nos anos 80, em 21,9% dos casos não havia nas notícias informações que
permitissem qualificar o tipo da ação policial. Nos anos 90, este percentual ficou
em torno de 18%.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 347
A freqüência destas ações nos outros recortes foi bastante inferior. Deve-
se ressaltar que a maior ocorrência de ações de repressão a manifestações não
significa que nestes estados as manifestações públicas sejam mais freqüentes do
que no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas por tratarem de questões que
atingem à sociedade como um todo há um maior interesse da própria imprensa
em divulgá-las nacionalmente. Dificilmente um leitor teria interesse em saber que
um assaltante foi morto por policiais do Pará após tentar roubar uma residência.
Gráfico 38: Distribuição dos casos segundo o motivo desencadeador das ações.
Outros Estados, 1990-96
3,2 0,5
2,3
13,8
16,1
21,7
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Nos anos 90, uma análise dos motivos desencadeadores dessas ações
revelou que em 17,1% dos casos as ações foram motivadas por crimes contra o
patrimônio, enquanto que em 16,1% foram desencadeadas pelas manifestações
públicas. A reação/resistência à ordem policial foi descrita como motivo
desencadeador em 15,7% dos casos. Além das manifestações públicas, cabe
ressaltar como característica das ações policiais nos Outros Estados a falta de
informações sobre os motivos que levaram a polícia a agir presente em 21,7%
dos casos.
60
40
20
0
Homicídio Lesão Tortura
Outros Tortura
s Corporal Seg.de
Anos 80 53.2 20.4 4.5 13.8 8.2
Anos 90 49.8 29 2.3 15.7 3.2
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
50
40
30
20
10
0
Guarda
Não Informa Polícia Civil Polícia Federal Polícia Militar
Metropolitana
Anos 80 9,3 38,3 4,1 48,3
Anos 90 1,3 14,4 20,3 4,2 59,7
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 350
Nos anos 80, em 38,2% dos casos foi noticiado o envolvimento de policiais
civis em casos de violência o que tornou a presença desta polícia mais freqüente
neste recorte do que nos outros observados. Para os anos 90, houve uma
redução e a Polícia Civil apareceu como responsável por ações violentas em
aproximadamente 20% dos casos, freqüência de casos inferior àquelas
observadas para os estados do Rio de Janeiro e Bahia, neste período. Ainda em
relação aos outros recortes realizados, para os Outros Estados encontrou-se a
maior a freqüência dos casos envolvendo policiais federais que aparecem em
4% dos casos noticiados para cada período.
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Moradores de Infrator/ Qualificados
Não Informa Suspeitos
rua Presidiário Profissão
Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Da leitura dos casos publicados pela imprensa foi possível verificar que,
apesar de inseridas na mesma categoria, há uma diferença entre os casos
noticiados para os anos 80 em relação aos anos 90. No primeiro período, parte
dos casos envolvendo vítimas inocentes são casos que, devido ao contexto e
circunstâncias em que ocorreram – torturas em delegacias por exemplo - foram
classificados como AÇÕES COTIDIANAS. Nestes casos, mesmo quando a polícia
alega que a vítima era suspeita de envolvimento com algum delito, a imprensa
tende a descrevê-la por sua profissão uma vez que as acusações que pesam
contra elas são bastante inconsistentes. Já nos anos 90, este número pode ser
explicado pelo maior número de casos de repressão a manifestações públicas
registrado em Outros Estados. Estes casos são, em geral, greves trabalhistas, e
as vítimas foram qualificadas como trabalhadores.
semelhante foi encontrado para aqueles casos em que não havia informações
que permitissem qualificar as vítimas: 22,6% dos casos.
60
40
20
0
Sim Não
Anos 80 33,1 66,9 Fonte: Banco de Dados da Imprensa sobre as
Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP -
Anos 90 36,6 63,4 Secretaria Nacional de Direitos Humanos/MJ
Curioso observar que, nos anos 90, foram registrados o mesmo número
absolutos de casos (89) de manifestações, das quais 69 foram de denúncia e 17
foram de protesto contra a ação policial. O apoio à violação foi registrado em três
casos.
14,4 7,8
2,2
1,1
20
18,9
1,1
5,6 22,2
Comunidade Entidades de Def.Direitos Humanos Fonte: Banco de Dados da
Familiares Igreja
Órgãos Públicos Outros
Imprensa sobre as Graves Violações
Sociedade Civil Organizada Testemunhas de Direitos Humanos. NEV/USP –
Vítima Secretaria Nacional de Direitos
Humanos/MJ
Gráfico 44: Distribuição dos casos segundo manifestação por tipo de ação policial
Outros Estados, 1990-1996
11,6
21,7
60
50
40
30
20
10
0
Medidas
Esfera Policial Esfera Judicial Não Informa
Administrativas
Anos 80 32,8 5,7 12,7 48,8
Anos 90 28,8 2,5 14,8 53,5
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP – Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Nos dois períodos observa-se que a maior parte dos casos não apresentou
informações sobre as medidas adotadas pelo Poder Público para punir os
agentes responsáveis pelas violações. Isso ocorreu em quase metade dos casos
noticiados para os dois períodos, verificando-se um aumento em relação à falta
de informações veiculadas pelas notícias nos anos 90.
Para a maior parte dos casos não houve qualquer tipo de manifestação,
nem da comunidade, familiares ou da sociedade civil organizada. Entre os casos
em que houve manifestação, estas foram de denúncias que partiram de
familiares e da própria vítima. Nos anos 90, além de um aumento nas denúncias
contra as arbitrariedades policiais, verificou-se também a participação de órgãos
públicos, em especial do Poder Legislativo através de suas comissões de Direitos
Humanos. Estes foram os que mais se manifestaram nos casos de violência
policial ocorridos em Outros Estados.
7. Considerações Gerais
De tudo o que foi apresentado, apesar das diferenças entre os perfis,
pode-se afirmar que de 1980 a 1996 o desrespeito aos direitos humanos - em
especial o direito à integridade física – marcou a atuação de muitos destes
policiais que protagonizaram os 4181 casos de ações violentas da polícia que
foram noticiados pela imprensa.
Gráfico 46: Média de Vítimas e Agressores por caso segundo o tipo de ação policial
Brasil, 1990-96
800
80
700
70
600
60
50 500
40
400
30
300
20
10 200
0
Ação100
c. Fora de Rep.Manif.Pub Rep.a
Ação Cotidiana Não Informa
Inocentes Serviço . Rebeliões
0
vítimas/caso 2.5 2
Homicídio 1.8
Lesão Corporal 6 Outros 10.7 11.6
T ent. Homic. T ortura T ort.Seg.Morte
Ação c. Inocentes 108 89 15 16 40 5
agres/caso 4.3
Ação Cotidiana 23.9
766 3.1 74 3.8 12 73.6 31 77.4 29 9
F ora de Serv iço 57 8 2 7 2
Não Informa 98 22 6 11 12 6
Rep. Manif. Públicas 4 75 7 1
Repressão Rebeliões 31 19 4 1
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP – Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Gráfico 47: Distribuição dos casos segundo o tipo de delito e tipo de ação policial
Brasil, 1990-96
Fonte: Banco de Dados sobre as Graves Violações de Direitos Humanos. NEV/USP – Secretaria
Nacional de Direitos Humanos/MJ
Plano Nacional
Medidas de curto prazo
• Propor projeto de lei regulando o uso de armas e munições por policiais nos
horários de folga e aumentando o controle nos horários de serviço.
• Estimular o aperfeiçoamento dos critérios para seleção, admissão,
capacitação,treinamento e reciclagem de policiais
• Incluir nos cursos das academias de polícia matéria específica sobre direitos
humanos.
• Estimular a criação e o fortalecimento das corregedorias de polícia, com vistas a
limitar abusos e erros em operações policiais e emitir diretrizes claras a todos os
integrantes das forças policiais com relação à proteção dos direitos humanos.
• Propor o afastamento nas atividades de policiamento de policiais acusados de
violência contra os cidadãos, com imediata instauração de sindicância, sem prejuízo do
devido processo criminal.
Medidas de Médio Prazo
• Incentivar programas de capacitação material das polícias, com a necessária
e urgente renovação e modernização dos equipamentos de prestação da segurança
pública.
• Apoiar as experiências de polícias comunitárias ou interativas, entrosadas
com conselhos comunitários, que encarem o policial como agente de proteção de
direitos humanos
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 361
Plano Estadual
• Incentivar experiências de polícia comunitária, definindo não apenas a
manutenção da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio mas
também e principalmente a defesa dos direitos da cidadania e da dignidade da pessoa
humana como missões prioritárias das polícias civil e militar.
• Ampliar a atuação das polícias, orientando-as principalmente para as áreas de
maior risco de violência,por meio do aumento e redistribuição do efetivo policial
• Aperfeiçoar critérios para seleção e promoção de policiais, de forma a valorizar e
incentivar o respeito à lei, ao uso limitado da força, a defesa dos direitos dos cidadãos e
da dignidade humana no exercício da atividade policial.
• Apoiar o projeto de lei federal, agravando as penas para crimes dolosos,
praticados por policiais ou contra policiais, no exercício de suas funções.
• Dar continuidade ao Programa de Acompanhamento dos Policiais Envolvidos em
Ocorrências de Alto Risco, da Secretaria de Segurança Pública, que afasta do
policiamento de rua os policiais envolvidos em ocorrências que tenham como resultado a
morte de civis, obrigando-os a realizar cursos de reciclagem.
• Regulamentar e aumentar o controle sobre o uso de armas e munições por
policiais em serviço e nos horários de folga, exigindo a elaboração de relatório sobre
cada ocorrência de disparo de arma de fogo.
• Rever os regulamentos disciplinares das polícias, notadamente o da Polícia
Militar, compatibilizando-os à ordem constitucional vigente.
CAPÍTULO 8
VIOLÊNCIA RURAL: UMA DÉCADA DE CONFLITOS EM TORNO DA TERRA
Introdução
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 363
174
Esta pesquisa apresentou dados e análises sobre Violência Policial, Linchamentos, Execuções
Sumárias e Violência Rural para os anos 80 e 90.
175
CPT: entidade religiosa, com sede nacional em Goiânia, que ajuda na organização dos
camponeses e na defesa dos seus direitos, além de registrar e intervir em casos de violência
rural. A CPT publica anualmente um relatório sobre a Violência no Campo.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 364
176
Instituição que já na sua origem no Brasil teve atuações repressivas contra os movimentos
messiânicos camponeses
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 365
177
Muito sucintamente, renda capitalista da terra é um componente particular da mais-valia que
vai para o proprietário da terra (Cf. OLIVEIRA, 1995: 73), através do pagamento seja em trabalho,
em dinheiro ou em produtos agropecuários por aqueles que trabalham na sua propriedade.
178
Há três importantes técnicas de expropriação. A grilagem, técnica utilizada para falsificar
títulos de propriedade. O cercamento, recurso conhecidamente utilizado por fazendeiros para
dominar áreas que não lhes pertencem. A terceira é a transformação de agregados em
assalariados e sua a posterior despensa sem o pagamento dos “direitos costumeiros” do
agregado.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 366
fiscais do governo militar na década de 1970. Entre estes incentivos pode-se citar
a concessão de grandes áreas para empresas multinacionais e nacionais.
Acrescenta-se a esses incentivos as obras governamentais, visando fornecer
infra-estrutura a esta região. Também José Vicente Tavares dos Santos179,
(1992), mostra, pelos dados da própria CPT, que a grande maioria dos conflitos
de terra hoje em dia começaram na década de 70.
179
Este autor que também estuda casos de violência rural, trabalha de outra forma. Nos seus
trabalhos, a violência rural assume 5 dimensões: violência contra a natureza, violência
costumeira, violência política, violência programada e violência simbólica.
180
Segundo os critérios adotados pela CPT, a ocorrência de trabalho escravo se dá pelo regime
de “barracão” no qual, obrigatoriamente, o “peão” tem que comprar alimentos e objetos no
armazém da empresa, sendo que recebe seu pagamento em vales para serem trocados no
armazém. Os altos preços dos produtos do armazém, em comparação com a remuneração do
“peão” não lhe permitem pagar suas contas. Com isso, os “peões” se endividam e são impedidos
de deixar a propriedade. Essa sujeição do trabalhador é um critério para a caracterização de
trabalho escravo.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 367
No entanto, esta resistência dos trabalhadores rurais não ocorre sem uma
contrapartida por parte dos proprietários. Assim, segundo os trabalhos de
Almeida (1988), Sigaud (1987) e Santos (1992), a violência no campo, a partir da
segunda metade da década de 1980, pode ser entendida como sendo uma
reação armada dos proprietários, através de milícias privadas, à organização dos
trabalhadores rurais em sindicatos, federais e confederações e às suas
reivindicações por uma reforma agrária que respondesse às inúmeras famílias de
trabalhadores sem-terra e, se tornasse uma via regular de acesso à terra.
Por sua vez, Medeiros (1996), fazendo uma análise da “cultura política”
brasileira, apresenta a violência costumeira como algo a ser combatido pelo
Estado democrático. Segundo ela, a permanência desta violência, mesmo no
Estado democrático, está na não-consolidação, no Brasil, de uma esfera pública.
Por isso, os conflitos seriam resolvidos de forma privada, com o uso da violência
física. Ainda segundo a autora, o Poder Judiciário estaria comprometido com a
defesa dos interesses dos proprietários de terra. Este comprometimento pode
inviabilizar uma saída institucional para a violência.
181
O autor baseia sua análise em Barrington Moore Jr., Injustiça - as bases sociais da obediência
e da revolta.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 368
182
Estes delitos foram agrupados numa única categoria devido à sua inexpressividade numérica.
183
A CPT classifica seus casos de violações em vários tipos de conflito, tais como: terra, trabalho,
trabalho escravo, política agrícola, garimpo, terra de questão indígena, questões sindicais e seca.
Mas as ocorrências expressivas estão presentes nas categoriais definidas a seguir.
184
Apesar de ser diferente a definição de caso entre os anos 80 e 90, como será descrito a
seguir, pode-se visualizar os níveis dos diferentes conflitos neste período de dez anos.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 369
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
A idéia inicial foi construir um banco de dados sobre violência rural, a partir
da imprensa, para acompanhar sistematicamente esta violência. Contudo, para
os anos 80, utilizou-se como fonte de dados as listagens produzidas pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT), devido à coleta na imprensa nacional185 ter
apresentado um pequeno número de relatos de agressões. Estas listagens
produzidas pela CPT reúnem denúncias feitas pelos trabalhadores rurais e
missionários que trabalham nos locais onde estão ocorrendo conflitos, além de
uma pesquisa diária realizada tanto em jornais de circulação nacional, quanto
naqueles de circulação local. Decidiu-se trabalhar apenas com os homicídios
ocorridos durante os anos de 1987, 88 e 89, uma vez que eram os números
mais abrangentes.
185
Imprensa nacional foi a designação dada a um conjunto de jornais, de São Paulo e Rio de
Janeiro, que teriam uma maior capacidade para noticiar um abrangente número de casos de
violação de Direitos Humanos no Brasil: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do
Brasil e o Globo.
186
Ao todo, as listagens da CPT para os anos de 1987 a 1989, apresentam 1937 casos de todos
os tipo de conflito acompanhados por esta entidade.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 370
Para os anos 90, com a coleta diária de jornais, foi possível estabelecer o
acompanhamento da violência rural pelo próprio NEV.
187
Se as vítimas feridas em ocorrências de homicídio forem consideradas como vítimas de
tentativa de homicídio os números passam a ser 199.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 371
jornais: Folha de São Paulo (FSP), O Estado de São Paulo (OESP), Jornal do
Brasil (JB) ao longo de todo este período188.
188
O jornal Notícias Populares (NP) foi utilizado como fonte para os anos 90, 91, 92 como
também algumas notícias da Folha da Tarde e do Gazeta Mercantil, mas sem coleta sistemática.
189
César Barreira define o crime de aluguel ou pistolagem com sendo aquele que tem a estrutura
básica do autor material, o pistoleiro, e o autor intelectual, o mandante. (Cf. BARREIRA, 1992).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 372
190
Como o Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em maio de 1985, Brasília/ DF, as
ocupações de terra e as denúncias de propriedades improdutivas e de desrespeito aos direitos
dos trabalhadores rurais.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 374
que se consolidou nacionalmente nos anos 80, passando a ser conhecido como
Movimento dos Sem-terra (MST). Nos anos seguintes, este movimento foi
responsável pela organização de trabalhadores rurais sem-terra na luta por
desapropriações e assentamentos, utilizando como estratégia ocupações de
prédios públicos, sede de instituições governamentais, e ocupação de terras que
são consideradas improdutivas pelo MST. Para definir se a área é produtiva ou
não, o próprio MST faz, antes de cada ocupação, uma avaliação das áreas a
serem ocupadas. Em alguns casos, o MST, como estratégia de luta, resiste à
desocupação mesmo com ordem judicial já expedida.
191
Imposto, que por lei, deve ser pago anualmente pelos proprietários de terra. O valor a ser pago
é calculado com base no preço da propriedade e na sua produtividade.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 375
192
Além da criação do Ministério, destacam-se entre as principais medidas do pacote: tramitação
no Congresso, em regime de urgência dos projetos de lei do rito sumário (“Segundo a proposta do
Poder Executivo, a expedição de mandado de posse das terras desapropriadas deveria ser feita
em até 48 horas. Hoje, o INCRA costuma demorar até 90 dias para concluir o processo”);
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 377
Um outro fator que chamou atenção, ao longo dos sete anos pesquisados
na imprensa da década de 90, foi o uso crescente de ocupação de prédios
públicos pelos trabalhadores rurais e por índios como estratégia de luta. Os alvos
mais freqüentes dessa estratégia foram os prédios do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da FUNAI, da Secretaria da Fazenda e
das Secretarias da Agricultura dos Estados. Essa prática fica no limite entre ato
político e violento, já que é uma manifestação pública e, ao mesmo tempo, uma
forma de agressão aos funcionários destas agências públicas.
urgência na aprovação do projeto de lei que prevê a transferência da Justiça Militar para a Justiça
Comum do julgamento de crimes praticados por policiais militares em serviço; emenda
constitucional transferindo das justiças estaduais para a Justiça Federal os julgamentos dos
crimes contra os direitos humanos; adoção de medidas de cautela nas decisões sobre
reintegração de posse em conflitos coletivos. (Gazeta Mercantil, 23/04/96)
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 378
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça, e Cadernos Conflitos no Campo, CPT
193
Correspondem respectivamente aos artigos do Código Penal: 121 combinado com 14, II; 147,
148, 149, 129 e “outros”, que não podem ser enquadrados num único artigo. Vale salientar que a
associação da violência noticiada e a sua tipificação em um delito é uma indução de inteira
responsabilidade da pesquisa. Quer dizer, não se classificou o enquadramento na lei penal
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 379
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça, e Cadernos Conflitos no Campo, CPT
dessas violências noticiadas com base na ação do agente do Estado responsável para tal, o
delegado.
194 º
Palestra proferida por Alfredo W. B. de Almeida no 1 Simpósio de Geografia Agrária, FFLCH/
USP, em 28/05/98.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 380
final dos anos 60. Este trabalho analisa como posseiros confrontaram-se com
policiais e empregados de uma empresa privada, por causa do cercamento da
terra, antes utilizada pelos posseiros, pela empresa.
A Sul, para os dois períodos, foi a região do país com menor registro de
casos, com 5% e 11,1% dos totais de casos, respectivamente. O estado com
maior número de casos, nos dois períodos, foi o Paraná onde há uma forte
organização do MST promovendo ocupações de terras.
Na região Sudeste houve 10,7% do total de casos dos anos 80 e 9,8% dos
anos 90. O estado que se destacou, por ter os quatro tipos de conflito e por ter
diminuído a informação sobre o número de casos, foi Minas Gerais. Neste estado
o fenômeno da expulsão de agregados e sitiantes das fazendas se dá com maior
intensidade desde a década de 70 (MOURA, 1986). Em São Paulo não teve
nenhum caso notificado para os anos 80. Isto talvez se deva a CPT possuir um
maior acompanhamento nas regiões Norte e Nordeste do país. No entanto, nos
anos 90 foram noticiados 19 casos, tendo grande repercussão as ocupações de
terra na região do Pontal do Paranapanema. Casos estes predominantemente de
lesões corporais.
Vale acompanhar a análise do geógrafo Ariovaldo U. de Oliveira (1997)
sobre os conflitos na região do Pontal do Paranapanema porque demonstra uma
vertente que a luta pela terra está assumindo em todo o país. Segundo ele, o
MST atua sistematicamente na região do Pontal do Paranapanema, oeste do
estado de São Paulo. A área total é de 900 mil hectares, sendo que
aproximadamente a metade constitui-se de terras devolutas, isto é, públicas.
Houve em 1886 uma grande grilagem que formou a fazenda Pirapozinho/ Santo
Anastácio, com mais de 560 mil hectares. Em 1958, o governo do estado de São
Paulo apurou a falsidade dos títulos de propriedade e ganhou a ação de
devolução das terras. "Passados 37 anos, vários decretos de desapropriações
foram assinados pelos governos estaduais atingindo uma área de 46169 ha, que
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 384
6. Atores
Os atores foram analisados como vítimas e agressores e como grupos em
conflitos. As vítimas e os agressores foram classificados por ocupação. As
categorias são: proprietário (categoria que inclui proprietários acusados de
grilagem), funcionário de fazenda, lideranças (são lideranças de trabalhadores
rurais; a maioria é formada por sindicalistas, mas há também políticos,
advogados e religiosos), trabalhadores rurais (esta categoria agrega os termos
sem-terra, trabalhador rural, camponês e posseiro utilizados na imprensa),
segurança privada (pistoleiros e jagunços), segurança pública (agindo sob ordens
superiores ou com abuso de autoridade; a maioria é formada por policiais
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 385
Os vitimados
No período de 1987 a 1989, foram assassinadas 317 pessoas, inseridas
no total de 177 casos computados. No gráfico abaixo, os números exibidos são
as médias anuais dos anos 80 e dos anos 90 das vítimas de homicídio por
ocupação. Essas vítimas são trabalhadores rurais195 e lideranças (65,7 + 9,7),
índios (16,3) e, em terceiro lugar, os agentes de segurança privada (4,0). Além
destes, nota-se que os conflitos geraram mortes por todo o espectro de
personagens da violência rural, mas, sabidamente, as populações alvo foram,
predominantemente, os trabalhadores rurais e os índios. Apenas seis vítimas não
foram classificadas por ocupação, devido a falta de informação para fazê-lo.
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
195
Nos anos 80 a categoria trabalhadores rurais agrega madeireiros e garimpeiros, o que não
ocorre nos anos 90.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 386
Tipo de conflito
Tipo de Delito Dados GA QI TE TR Total
Ameaça de morte Vítimas 10 155 70 111 346
Média de vítimas 3,33 11,92 2,26 55,50
Casos 3 13 31 2 49
Cárcere privado Vítimas 7 321 963 1291
Média de vítimas 7 20,06 80,25
Casos 1 16 12 29
Homicídio Vítimas 71 147 621 9 548
Média de vítimas 4,18 2,77 5,50 3
Vítimas fatais 66 112 236 8 422
Média de vítimas fatais 3,88 2,11 2,09 2,67
Casos 17 53 113 3 186
Lesões corporais Vítimas 19 47 424 6 496
Média de vítimas 4,75 3,92 11,78 6
Casos 4 12 36 1 53
Outros Vítimas 16 768 784
Média de vítimas 2,67 96
Casos 6 8 14
Tentativa de homicídio Vítimas 2 18 54 1 75
Média de vítimas 2,00 2,25 1,74 1
Casos 1 8 31 1 41
Trabalho escravo Vítimas 1 2576 13243 15820
Média de vítimas 1,00 429,33 281,77
Casos 1 6 47 54
Total de vítimas 110 3280 2900 13370
Média de vítimas 4,07 28,77 12,55 247,59
Total de casos 27 114 231 54
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP
Ministério da Justiça
Os agressores
O número de pessoas que cometeram homicídios nos 177 casos do
período de 1987 a 1989 foi de 437 indivíduos, sendo que 175 destes não foram
passíveis de serem qualificados numa ocupação. O perfil da ocupação dos outros
agressores é o seguinte: agentes de segurança privada (35%), proprietários
(7%), agentes de segurança pública (5%), trabalhadores rurais (4%) e outros. Os
agentes de segurança privada foram os maiores agressores nos conflitos de TE,
TR e QI e a segurança pública foi a categoria de ocupação com maior incidência
como agressor nos conflitos de garimpo.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 389
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
Os grupos em conflito
A dinâmica da violência rural, conforme foi retratada pela imprensa de
1990 a 1996, pode ser mais elucidada quando se apresentam os grupos
majoritariamente em conflitos.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 391
7. Atuação do Estado
Como os dados levantados nesta pesquisa se agrupam em torno dos
casos de violência rural, a verificação da atuação do Estado se deu apenas em
relação à resposta dada aos delitos cometidos.
196
Existem de denúncias de corrupção de funcionários da Funai. Nestes casos , os funcionários
vendem madeira ou permitem o acesso de madeireiros e garimpeiros às reservas indígenas.
197
Ver Soares (1993) sobre a migração e a transformação de lavradores em garimpeiros.
198
Há informações dos casos presentes nas listagens fornecidas pela CPT até 29/04/94. Isto leva
a acreditar que até este momento a CPT vinha acompanhando o andamento de todos os casos
na justiça.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 393
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
199
Vale ressaltar que os dados usados pelo NEV (1992) são resultantes de um enquadramento
penal pelas autoridades responsáveis. Enquanto que, nesta pesquisa, os dados originários da
imprensa passaram pela nossa interpretação e “enquadramento” como delito.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 395
8. Atuação de Entidades
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
Uma outra coisa que chama atenção é que só em 15 dos 114 casos de
questão indígena houve a participação de entidades indígenas. Os indígenas são
tutelados pelo Estado e suas terras são consideradas, constitucionalmente, bens
da Nação. Isto implica uma necessária intervenção do Estado, pela figura da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como intermediária nos litígios. No entanto,
a imprensa informa que este órgão público muitas vezes age no sentido que
damos à “entidade” porque se manifesta contra ações violentas.
Pelos dados que dispomos para os anos 90, a atuação de entidades nos
casos que chegaram a ter alguma atuação do Estado, chama atenção que dos 7
casos que foram julgados, 5 tiveram a atuação de entidades, que no caso em
que houve absolvição nenhuma entidade atuou e que nos 13 casos que
chegaram à denúncia, 10 tiveram a participação de entidades. Fica assim
registrado que há uma maior apuração pelos poderes públicos nos casos em que
também há manifestação de entidades, o que parece significar que a pressão da
sociedade civil é fundamental para o Estado agir. Esta pressão é exercida em
particular pelos trabalhadores rurais organizados em sindicatos, que já vem
reivindicando a atuação do Estado contra a violência rural desde meados da
década de oitenta (SIGAUD, 1987).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 399
Fonte: Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos, NEV-USP / Secretaria
Nacional de Direitos Humanos - Ministério da Justiça
9. Conclusão
Para concluir este trabalho será feita uma discussão em cima de cincos
pontos: disputa, conflito, litígio, Estado e sociedade civil.
Estas disputas presentes nas áreas rurais se dão nas relações de trabalho,
patrões e empregados, e na competição por domínio. O que significa esta
competição por domínio? Significa que os agentes estão envolvidos em disputas
por controle sob uma área de terra. Estas disputas podem se dar entre herdeiros
de uma propriedade de terra, entre trabalhadores rurais por uma vaga num
cadastramento de assentamento pelo Incra ou entre garimpeiros e indígenas em
torno de uma área indígena que é ocupada pelo garimpo.
200
Conforme dados da década de oitenta, 54% da área agrícola era ocupadas por menos de 2%
do total de fazendas. Por sua vez, pelo menos 15 milhões de pequenos agricultores trabalhavam
em estabelecimentos agrícolas com menos de 10 hectares cada (AMERICAS WATCH, 1991: 8).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 401
CAPÍTULO 9
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 403
SÉRGIO ADORNO
Quadro
Objetivos da investigação
1. Casos Selecionados
201
O termo morfologia está sendo aqui empregado no sentido durkheimiano, isto é, de descrição
“objetiva” dos fatos segundo a fonte documental pesquisada. Cf. Durkheim (1895; ed. Bras. 1975).
202
O perfil social compõe-se de informações quanto a: idade, sexo, cor, escolaridade,
naturalidade, ocupação, local de moradia e antecedentes criminais.
203
Entende-se aqui por etnografia dos acontecimentos a descrição dos locais de habitação e dos
fatos, a descrição das zonas de aglomeração e lazer dos protagonistas, a descrição dos móveis
dos linchamentos, bem como sua dinâmica.
204
Compreendem: diligências (para localização de agressores e de testemunhas); junção de
documentos (laudos periciais, antecedentes criminais, certidões diversas); exames da vítima
(corpo de delito no caso de lesões corporais e laudo necroscópico no caso de vítima fatal); perícia
técnica do local; apreensão de objetos (que possam servir como prova de autoria); qualificação do
indiciado (pode ser feita por vias diretas, quando o indiciado está presente ou foi localizado) ou
por vias indiretas, quando não o foi.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 404
Local
Casa de cômodos na Água Branca (Barra Funda - Lapa) onde residem
cerca de 30 pessoas, sendo que somente quatro são mulheres. A região da Lapa
é formada fundamentalmente por bairros tradicionais de trabalhadores e de
classe média. A Prefeitura de São Paulo define a Administração Regional da
Lapa a partir dos seguintes distritos: Barra Funda, Perdizes, Lapa, Vila
Leopoldina, Jaguara e Jaguaré. Esta região corresponde a uma área de 40,1Km2,
que acompanha as várzeas dos rios Pinheiros e Tietê. Sua população é de
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 406
205
Os dados relativos à Administração Regional da Lapa foram coletados junto à Secretaria
Municipal de Planejamento (SEMPLA): Base de Dados para Planejamento - Cadernos Regionais -
Administração Regional da Lapa, agosto de 1993.
206
Os dados relativos ao distrito da Barra Funda fazem parte do Mapa da Exclusão da Social da
cidade de São Paulo, Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, 1995. A SEMPLA
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 407
Vítima
Desconhecido, com cerca de 38 anos, negro. Foi reconhecido pelos
linchadores como assaltante da pensão.
Indiciados
Sete moradores da pensão que teria sido invadida pelo suposto assaltante.
O primeiro réu tem 21 anos, é branco, solteiro, ajudante geral, com primeiro grau
incompleto, natural de Picos (estado do Piauí, NE). O segundo réu tem 29 anos,
é pardo, solteiro, ajudante geral, com primeiro grau incompleto, natural de Nossa
Senhora do Socorro (Sergipe, NE). O terceiro réu tem 22 anos, é pardo, com
primeiro grau incompleto, natural de São Raimundo Nonato (estado do Piauí,
NE). O quinto réu tem 48 anos, é branco, solteiro, aposentado por invalidez com
primeiro grau incompleto, natural de Lagarto (Sergipe, NE). O quinto réu tem 22
anos, é branco, casado, ajudante geral, com primeiro grau incompleto, natural de
define como Barra Funda uma região muito maior, não inteiramente compreendida no limite da
Administração Regional da Lapa.
207
Cf. Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1º e 4º Batalhões. Folha de S. Paulo. São Paulo,
03/03/96, p. A-5.
208
Convém destacar que a conversão de uma ocorrência policial em inquérito não significa
necessariamente que a apuração da responsabilidade penal seja levada até suas últimas
conseqüências. Embora não se disponha de dados estatísticos precisos, alguns estudos sugerem
ser alta a taxa de inquéritos arquivados. Cf. Adorno (1994).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 408
São Raimundo Nonato (Piauí, NE). O sexto réu tem 26 anos, é branco, solteiro,
ajudante geral, com primeiro grau incompleto, natural de Arcoverde
(Pernambuco, NE). O sétimo réu é do sexo masculino (não há outros atributos no
processo). “Transeuntes” ou “populares” que participaram do evento, segundo
relato dos réus e testemunhas, não foram indiciados.
Testemunhas
Foram arroladas 12 testemunhas. Dessas, cinco testemunhas foram
ouvidas apenas no Inquérito Policial. As demais foram também ouvidas na
Instrução Criminal. Entre estas, seis são testemunhas de acusação e apenas
uma testemunha de defesa. Todas as testemunhas são moradoras da pensão.
Onze testemunhas são do sexo masculino, apenas uma do sexo feminino. As
testemunhas do sexo masculino possuem idade entre 20 e 44 anos. Quanto à
cor, 10 são brancos e um é pardo. No que concerne ao estado civil, a maior parte
é solteiro, havendo um amasiado e um casado. Relativamente à procedência, a
maioria é de estados do NE: 3 de Pernambuco, 2 da Bahia e 4 do Piauí. Um
provém de Minas Gerais e outro de São Paulo. No tocante à ocupação, 2
declaram-se desempregados; 1 no comércio (balconista), 2 no setor de prestação
de serviços (barbeiro, garçom), 4 serviços gerais (ajudante geral), 1 aposentado
por invalidez e 1 policial militar. A única mulher tem 34 anos, é negra, amasiada,
do lar, natural de Andirá (Paraná, Sul). Não há menção quanto à escolaridade
das testemunhas.
Contextos/Cenários
Os fatos desenrolam-se no espaço compreendido entre a Casa de
Cômodos, a padaria e a rua. Os moradores alertados saíram do interior de seus
quartos e puseram-se, na rua, a perseguir o suspeito. Populares que se
encontravam na padaria, no momento da perseguição, se associaram aos
moradores. Alguns transeuntes fizeram o mesmo.
em dezembro do ano anterior, declara-se que a polícia não foi informada desse
acontecimento.
Observações finais
A vítima é frequentemente referida como um indivíduo ou elemento de cor
preta. O defensor de um dos réus, em suas alegações finais, declarou tratar-se o
caso de “linchamento de marginal”. Outro defensor afirma, na mesma direção: “A
vítima, um marginal, foi linchada...”. Observe-se que não há informações no
processo quanto à existência de antecedentes criminais, pois a vítima sequer
chegou a ser identificada. Os defensores assumem, assim, a lógica dos
depoimentos das testemunhas e dos réus.
Local
O linchamento ocorreu no bairro Parque Aliança, do município de Ribeirão
Pires, este integrante da Região Metropolitana da Grande São Paulo. O
município desenvolve alguma atividade industrial, embora efetivamente
desempenhe as funções de município-dormitório em geral de trabalhadores sem
especialização ou com baixa qualificação, empregados em São Paulo ou nos
municípios do ABCD. Há moradores antigos que são proprietários do terreno
onde construíram suas habitações.
209
Os dados sobre Ribeirão Pires foram conseguidos junto à EMPLASA e os mais recentes
referem-se ao ano de 1991.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 411
Vítimas
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
dela. Na versão de que haveria mais dois ou três indivíduos sendo perseguidos
pelo grupo, menciona-se o fato de eles terem se escondido na casa de uma das
testemunhas. Ressalte-se que alguns depoimentos informam que a área não era
policiada.
O irmão de uma das vítimas afirma que foi ameaçado uma semana antes
dos fatos por um indivíduo que desejava namorar sua irmã. Circularam rumores
de que, na verdade, este rapaz seria o verdadeiro alvo e seu irmão teria sido
morto em seu lugar, mas o ameaçado continuaria sob esta condição.
Observações finais
Este viés não pode ser compreendido sem se considerar o fato de que os
moradores tinham contato prévio com a delegacia, tendo lá comparecido uma
semana antes dos fatos, acompanhados por um vereador, para pedir reforço
policial. Naquela mesma noite, esses moradores foram encontrados por policiais
civis, armados, fazendo a ronda no bairro. Segundo seus próprios depoimentos,
esses policiais os aconselharam a voltar para suas casas, conselho que teriam
atendido. Apesar desta atitude desafiadora das instituições de controle, o próprio
delegado e um dos policiais que os encontrou são categóricos em afirmar que
aqueles moradores não se envolveram no "linchamento". Dentre os cinco que
foram à delegacia pedir reforço, apenas um foi indiciado, o único que confessou a
participação. Os demais foram arrolados como testemunhas.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 414
Local
O Jardim Míriam, o bairro onde aconteceu este linchamento está na divisa
de São Paulo com o município de Diadema e integra o distrito de Cidade Ademar,
sendo parte da Administração Regional de Santo Amaro, também formada pelos
distritos de Itaim Bibi-b, Campo Belo, Santo Amaro, Campo Grande e Pedreira.
estrutura urbana e em 1935, Santo Amaro foi anexada a São Paulo. Com a
implantação de indústrias ao longo do canal de Jurubatuba no pós-guerra, Santo
Amaro consolidou-se como um dos grandes pólos de emprego industrial na
metrópole.
Vítima
Testemunhas
Contextos/Cenários
O linchamento aconteceu diante da cena do crime supostamente cometido
pelo linchado: no córrego onde boiava o corpo esquartejado da menina. Foi para
lá que os policiais conduziram o suspeito, depois de o terem detido em sua casa.
Suspeito, policiais e familiares rumaram em direção do córrego, onde já se
aglomerava uma multidão de curiosos diante do corpo.
Observações finais
A promotoria assume a perspectiva dos linchadores ao requerer o
arquivamento do IP, mencionando o "hediondo" crime praticado pelo linchado e
desistindo da localização dos agressores. A polícia parece pactuar com o silêncio
das testemunhas. Vários disseram ter presenciado o crime, mas serem incapazes
de identificar os autores, algo pouco provável uma vez que se trata de moradores
da mesma vizinhança, conhecidos de longa data. Quanto à eventual participação
dos familiares da vítima em seu linchamento, contradições não foram
consideradas pela polícia: enquanto algumas testemunhas disseram que os
familiares estavam no local, mas de lado, observando a cena, alguns dos
próprios familiares disseram que haviam retornado para casa, nada vendo -
também pouco provável uma vez que a cena toda parece ter transcorrido em
poucos minutos, segundo o depoimento dos policiais.
Local
Terreno baldio, na rua dos Romeiros, sem número, Jardim Alice,
Carapicuíba, na Região Metropolitana da Grande São Paulo. Carapicuíba é uma
espécie de continuação do município de Osasco, embora seja bem mais pobre e
menos industrializado. Está localizado às margens de grandes rodovias que se
dirigem para outros estados da federação. Possui áreas de elevada densidade
demográfica. Em 1984, ano do linchamento, a população de Carapicuíba era de
291050 habitantes. Em 1980, 36,25% não eram ali nascidos, sendo a maior parte
proveniente da região central do país, e moravam na cidade há menos de 10
anos. Atualmente a população da cidade está em 283661 habitantes (1,84% da
Grande São Paulo), havendo predominância das crianças e adolescentes. Em
1980, a população se dividia por faixa etária da seguinte forma: 40,39% de 0 a 14
anos; 30,47% de 15 a 29 anos; 22,04% de 30 a 49 anos; 6,17% de 50 a 69 anos;
0,89% de 70 anos ou mais.
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Nenhuma testemunha é arrolada.
Contextos/Cenários
Observações finais
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 421
Local
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
Local
Parelheiros abrange parte da zona rural sul de São Paulo e constitui uma
das mais importantes áreas verdes de que o município dispõe, ocupada por
chácaras de recreio, clubes de campo, olarias, jazidas de extração de areia e
áreas de produção agrícola. Possui 52 núcleos urbanos dispersos, sendo alguns
antigos como Colônia e outros mais recentes resultantes de loteamentos
clandestinos. O distrito é cortado de norte a sul pela avenida Teotônio Vilela, ao
longo da qual há vários pontos comerciais.
Vítima
Sexo masculino, 21 anos, branco, natural de São Paulo (SP, Sudeste), lustrador.
Sem antecedentes criminais. Residente no Jardim Itajaí.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 430
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
Há procedimentos que poderiam ter sido realizados, mas que não foram
levados a cabo: 1) algumas testemunhas dizem que os linchadores eram
moradores do bairro, uma diz inclusive que conhece alguns agressores de vista.
Todos, no entanto, afirmam não saber declinar nomes. Não houve diligências
para identificá-los; 2) o promotor não tomou providência no sentido de localizar
testemunhas e identificar suspeitos; 3) não é localizado o outro assaltante que
acompanhava a vítima no momento do linchamento. Ressalte-se que a
promotoria classificou o crime como lesão corporal seguida de morte e não
homicídio. Esta tendência da promotoria foi levada às últimas conseqüências com
o pedido do arquivamento realizado quase dois anos depois do ocorrido.
Data: 14/08/84
Resumo do caso
O linchamento ocorreu em 14 de agosto de 1984. Foi motivado pelo
assassinato de um comerciante, ancião, pessoa bastante conhecida e estimada
no bairro, durante a tentativa de assalto. Segundo a versão dos réus e das
testemunhas o assassino foi preso e colocado em liberdade por falta de provas.
De volta ao bairro, passou a provocar os moradores - parentes e amigos do
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 432
Local
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Os moradores do bairro vão buscar a vítima na casa de sua irmã, onde ela
estava escondida. Os donos da casa saem, não se sabe se por medo ou por
conivência com a agressão. A população tira o indivíduo de dentro da casa e
começa a surra do lado de fora, local mal iluminado. Logo em seguida o levam
para um local um pouco mais afastado, onde continuam a agressão. O corpo é
encontrado em um amplo terreno a cerca de 100 metros da margem direita da
Rodovia BR 116, pista Curitiba-São Paulo, parcialmente coberto por vegetação
rasteira. O caso foi muito noticiado e várias dessas notícias foram anexadas ao
processo.
Observações finais
Este caso é uma exceção entre os casos de linchamento, posto que seu
desfecho é uma condenação, apesar de esta condenação ser bastante leve se
considerada a gravidade do crime de homicídio: em 11/10/91, os réus são
condenados a 4 anos de reclusão em regime aberto. Este desfecho deve-se à
desclassificação do crime de homicídio para o de lesões corporais, ocorrida cinco
anos após o linchamento, que é solicitada pela defesa e apoiada pela promotoria.
"honestos" atribuídas aos réus, apesar de que vários deles tinham antecedentes
criminais.
8. Linchamento em Campinas
Data 10/07/85
Resumo do caso
O fato teve lugar no Jardim Profilurb, periferia de Campinas, na noite de 10
de julho de 1985. As vítimas fatais foram três rapazes, sendo dois irmãos, e um
quarto jovem que escapou com vida. A imprensa noticiou o caso, informando que
os familiares dos linchados haviam incendiado a casa de um dos agressores. O
crime é classificado como tríplice homicídio mais tentativa. Consta também como
vítima um rapaz de 13 anos que recebeu um tiro durante os acontecimentos. O
registro policial dá conta de que o linchamento, de autoria de “três elementos ali
moradores” ocorreu em represália a um roubo. Informa ainda que a mãe de uma
das vítimas e uma das testemunhas declararam ter visto, momentos antes do
linchamento, um comerciante local seqüestrar os três jovens vitimados. No início
das investigações, tudo convergia para confirmar a hipótese de que as vítimas
teriam assaltado um bar, cujo proprietário procurou se vingar do roubo.
Posteriormente, esta versão é substituída por outra, segundo a qual o motivo da
vingança não era um assalto, mas a tentativa de abuso sexual contra uma
adolescente, sobrinha desse comerciante. Suspeita-se que os três jovens teriam
promovido vingança contra a jovem que, dias antes, impediu que eles entrassem
em sua residência para fugirem de perseguição policial. Ameaçaram retornar e
dela abusar sexualmente. De fato, teriam retornado, obrigaram-na a despir-se e
cheirar cola, embora não a tivessem violentado. Como represália, o comerciante,
tio da jovem, mancomunado com outros parentes e moradores, teria iniciado o
linchamento. O processo encontra-se em andamento. De agosto de 1985 a maio
de 1995, o processo ainda não havia sido concluído. Houve sentença de
pronúncia para os acusados. Foram expedidas as citações do réu e mandados
de prisão contra réus revéis. A partir de junho de 1995, não há mais informações
quanto ao prosseguimento da ação penal.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 436
Local
Vítimas
Observações finais
Vale notar que quatro pessoas são mencionadas nos depoimentos como
tendo participado dos acontecimentos, mas não são arroladas nem como
indiciados nem como testemunhas. Mas o mais importante a respeito da atuação
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 439
diminuição do número de hospitais fez com que a média de 352 habitantes por
leito, registrada para anos anteriores, se elevasse para 593, em 1988. No que se
refere à educação, a população alfabetizada atualmente é de 77,78% e, em
1988, 16,84% dos alunos do primeiro grau da rede pública de ensino
ingressavam no segundo grau.
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
Data: 15/10/89
Resumo do caso
em andamento e ainda não havia sido concluído. O único indiciado havia sido
pronunciado.
Local
Vítimas
Indiciado
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 443
Testemunhas
Contextos/Cenários
Os linchadores primeiro dirigiram-se ao barraco de uma das vítimas,
retiraram-na de lá e a mataram do lado de fora. Depois dirigiram-se à casa da
outra vítima, cerca de 500 metros adiante, adotando o mesmo procedimento.
Observe-se que as vítimas moravam a cerca de um quilômetro de onde ocorreu o
estupro seguido da morte da manequim.
Observações finais
entre os envolvidos, com antecedentes criminais e este fato pode ter contribuído
para ele ter sido o único indiciado.
3. Protagonistas
Quem são os protagonistas principais dos casos de linchamentos
observados? Por protagonistas está-se compreendendo todos os atores sociais
cuja ação, de um modo ou outro, influencia o curso dos acontecimentos que
redundam nessa modalidade de violação de direitos humanos. Compreendem
atores posicionados de modo diferenciado na divisão social do trabalho, situados
em distintos pontos da rede de relações sociais, desempenhando variados papéis
e funções nas articulações sociais. Identificam-se como vítimas, agressores,
testemunhas ou autoridades públicas.
Do mesmo modo, sob a ótica oficial parece pouco plausível que conflitos
nas relações hierárquicas fundadas no gênero e na geração desempenhem
alguma influência significativa. Embora se possa acreditar que este tipo de
conflitos seja freqüente e presente na vida cotidiana de qualquer um - não há por
que suspeitar que nas comunidades observadas fosse diferente -, eles não
parecem estar no cerne dos linchamentos. Entre os casos analisados nesta
pesquisa, nenhuma mulher foi identificada entre os linchados. Tal observação
encontra respaldo nos resultados em pesquisa conduzida por Martins (1995 e
1996), a qual detectou uma proporção muito reduzida de vítimas do sexo
feminino. Em geral, quando elas aparecem, ou porque estão envolvidas com a
prostituição local que se quer ver erradicada da comunidade ou porque foram
arrastadas no turbilhão irracional dos fatos que redundaram em linchamento. Ao
que tudo indica, a sociedade brasileira desenvolveu, ao longo do tempo,
mecanismos exclusivamente privados de punição das mulheres que se rebelam
ou não se ajustam aos padrões considerados dominantes de relações
hierárquicas entre os gêneros, conforme aponta a literatura especializada
(Azevedo, 1985; Gregori, 1993; Saffiotti e Almeida, 1995; Izumino, 1996).
Tabela 1
Recursos humanos existentes na Polícia Civil: cargos policiais e cargos
administrativos
Taxas de crescimento - Estado de São Paulo, 1987-1996
Cargos Administrativos
Secretaria de Segurança Pública -11,90
De outros órgãos 22,44
Fonte: Secretaria de Segurança Pública - Polícia Civil
Tabela 2
Taxa de Conversão de ocorrências criminais em Inquéritos Policiais para os
anos estudados - Município e Grande São Paulo, 1984-1989
(em porcentagem)
LOCAL 1984 1989
Lapa 16,19* 9,87
Ribeirão Pires 21,27* 9,15
Jardim Miriam ** **
Carapicuíba 9,94 14,21
Praça da Sé 13,52 16,44
Jardim Noronha 9 10,25
Itapecerica da Serra 18,42 14,8
Campinas ** **
Osasco 12,49 15,16
Mauá 10,67 14,29
Média 13,94 13,02
* Dado relativo ao ano de 1992.
** Dados não disponíveis.
Fonte: Estatísticas de Ocorrências e Inquéritos Policiais. Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados - SEADE.
Nas duas últimas décadas, todo esse equilíbrio parece ter sido posto à
prova. Um conjunto complexo de transformações sociais concorreram para
alterar esse cenário, entre as quais conviria destacar: profundas mudanças no
tamanho e na composição das populações urbanas; intensa mobilidade social
entre grupos, segmentos e classes sociais acompanhada simultaneamente do
bloqueio dos mecanismos convencionais de ascensão social; crise fiscal afetando
a capacidade do Estado em formular e implementar políticas sociais capazes de
atender às demandas sociais emergentes; retorno ao Estado democrático de
Direito, cuja vigência impôs novas instituições como mediadoras das relações
entre sociedade civil e política; emergência de problemas sociais, alguns dos
quais endêmicos outros novos, uns herdados do regime autoritário outros
nascidos no curso do processo de globalização, cuja magnitude apanhou de
supresa não somente as autoridades constituídas pelo voto popular como
também as próprias instituições existentes ou criadas para debelá-los. Este é
particularmente o caso da criminalidade urbana violenta.
CAPÍTULO 10
EXECUÇÕES SUMÁRIAS EM SÃO PAULO
Helena Singer
1. Casos selecionados
Data 04/05/82
Resumo do caso
Local
Vítima
Indiciado
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
Apesar de o caso não ser típico dos crimes de justiceiros - a vítima era
trabalhador e o assassinato decorre de um desentendimento - o desenrolar dos
fatos acaba sendo influenciado por este dado, sendo o mandado de prisão
decorrente de outro crime. O réu teve um pedido de prisão decretado em outro
processo e o promotor aproveitou esta informação para reforçar o pedido feito
neste processo. Foi o mesmo promotor que atuou nos dois casos e os pedidos
foram formulados com poucos dias de diferença.
Local
213
Os dados relativos à Administração Regional da Lapa foram coletados junto à Secretaria
Municipal de Planejamento (SEMPLA): Base de Dados para Planejamento - Cadernos Regionais -
Administração Regional da Lapa, agosto de 1993.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 486
214
O índice de leitos por habitantes recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de 4
para 1000 habitantes.
215
Os dados relativos à Favela Nova Jaguaré foram compilados pela pesquisa “Crianças e
Adolescentes em Situação de Rua: o caso USP”, coordenada por Rosa Castro, no Núcleo de
Estudos da Violência (USP), com apoio da Fundação Ayrton Senna, de 1996 a 1998.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 487
Vítima
Indiciado
Testemunhas
Contextos/Cenários
As notícias de jornal à época, que não foram anexadas nos autos, tratam
do caso como sendo um assassinato cometido por um justiceiro e esta
possibilidade é reforçada pelo fato de ele ser indiciado em outro homicídio
ocorrido quatro meses depois deste crime.
Observações finais
Chama a atenção o fato de a polícia e a promotoria estarem convencidas
da autoria do crime por parte do réu (de acordo com o relatório do delegado e a
denúncia) e mesmo assim o processo estender-se por mais de quatro anos até
ser arquivado devido à morte do justiceiro.
1.3.Justiceiro de Osasco
Data14/10/85
Resumo do caso
No dia 14/10/85, por volta das 22:00 horas, na estrada Velha de Osasco, o
indiciado desferiu vários golpes de faca contra a vítima, provocando-lhe a morte.
Consta que o indiciado, em outra oportunidade, havia assassinado um amigo da
vítima e naquele dia ambos vieram a brigar por causa daquele assassinato,
terminando com o esfaqueamento. O acusado, que já estava indiciado por causa
do outro assassinato, foi preso e morreu, também assassinado, na cadeia, quase
três anos depois, quando ainda estava em andamento o processo.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 489
Local
Vítima
Indiciado
216
Os dados sobre Osasco foram conseguidos junto à EMPLASA e os mais recentes referem-se
ao ano de 1991.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 490
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
Data 28/03/84
Resumo do caso
Finalmente a última versão é a que o crime foi uma vingança pessoal: sete
dias após a vítima ter se mudado para aquela residência, um outro inquilino deu
uma surra em sua mulher e nos filhos; a mulher fugiu e pediu ajuda da vítima,
que foi até a casa deles e, após discutir com o marido dela, acertou-lhe um tiro; o
crime teria sido praticado então pelos familiares deste vizinho. Outra história de
vingança pessoal narrada nos depoimentos informa de um roubo praticado pela
vítima tempos antes de seu assassinato, que teria então sido cometido pelas
pessoas por ela roubadas.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 492
Local
217
Os dados referentes ao município de Guarulhos foram conseguidos junto à Prefeitura local.
218
Fundação SEADE, 1980.
219
IBGE, Censo Demográfico, 1980.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 493
Vítima
Indiciados
Testemunhas
220
Jornal da Tarde, 29/11/84.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 494
Contextos/Cenários
Finalmente a última versão é a que o crime foi uma vingança pessoal: sete
dias após a vítima ter se mudado para aquela residência, um outro inquilino deu
uma surra em sua mulher e nos filhos; a mulher fugiu e pediu ajuda da vítima,
que foi até a casa deles e, após discutir com o marido dela, acertou-lhe um tiro; o
crime teria sido praticado então pelos familiares deste vizinho. Outra história de
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 496
Observações finais
Data 23/10/84
Resumo do caso
Dois jovens residentes no Jardim Jacira eram tidos como marginais pela
população bairro. No dia 23/10/84, às 22h00, foram executados a tiros.
Inicialmente o caso foi considerado como de autoria desconhecida, mas com as
investigações concluiu-se que o proprietário de um empório no bairro, o seu
empregado, um sobrinho de 17 anos, outro adolescente e um indivíduo não
identificado foram os autores do delito. Em seus depoimentos, várias das
testemunhas afirmaram que foram os moradores do bairro, diante de tanta
violência, que resolveram se unir para criar um grupo de combate à
criminalidade, com métodos próprios. O idealizador de tal grupo teria sido
justamente o padrasto de uma das vítimas. O estopim para a formação do grupo
de combate à criminalidade teria sido um assalto, acontecido cinco dias antes, à
casa de um morador do bairro, que foi também agredido pelos assaltantes.
Local
221
Os dados sobre Itapecerica da Serra foram conseguidos junto à EMPLASA e os mais recentes
referem-se ao ano de 1991.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 498
Vítimas
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
elas e outra testemunha declarou que uma das vítimas havia sido reconhecida
como autora na casa do eletricista.
Observações finais
Resumo do caso
Local
222
Sobre São Bernardo do Campo, ver Maria Aparecida Lealdini Tedrus, “Jovens: trabalho nas
ruas e experiências de sociabilidade”, dissertação de mestrado apresentada junto ao
Departamento de História e Filosofia da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, 1996. A
autora colheu os dados junto à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 502
naquele ano foi de 21.354 e o de inquéritos policiais, 2.147 (10,05% dos BOs).
Segundo o juiz que, após a tentativa de linchamento, pediu a remoção dos
presos, "a Comarca vem sendo palco de bárbaros homicídios praticados por
`bandos' de `justiceiros', a par da enorme e incontida violência que torna quase
impossível a vida nesta Comarca."
Vítimas
Linchadores
224
Parte II “As Graves Violações de Direitos Humanos e a Imprensa (1980-1996)”, capítulo 5
“Linchamentos: justiçamento cotidiano no Brasil”, sub-item “Perfil dos linchamentos em São Paulo
nos anos 90”.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 504
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
denunciado. Esse descaso talvez possa ser explicado pelo fato de se tratar de
agressão entre presos, o que, por um lado, não suscita muita indignação da
opinião pública e, por outro, deveria levar à apuração das responsabilidades dos
encarregados da cadeia. Também é suscetível de questionamentos a decisão de
prender os acusados na mesma cadeia e no mesmo pavilhão do irmão de uma
das vítimas. Depois do episódio, os agredidos foram transferidos, mas a eclosão
do conflito certamente poderia ter sido prevista e evitada. Esta falta de empenho
da polícia no caso estendeu-se também à justiça, fazendo com que o processo
se desenrolasse muito vagarosamente por seis anos até que o denunciado
morreu.
Data 27/09/85
Resumo do caso
Local
em 1980 de 19/1000 habitantes; em 1985 esta taxa caiu para 16/1000 habitantes;
mas em 1989 havia subido novamente para 25/1000 habitantes - entre 1980 e
1989 a taxa subiu, portanto, 31%. Em 1980, a taxa de nascidos vivos por óbitos
de crianças de menos de um ano era de 54/1000 habitantes; em 1985 esta taxa
diminuiu para 35/1000 habitantes - entre 1980 e 1989 a taxa caiu 41%.
Vítimas
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Os três indiciados decidiram-se pelo crime depois que um deles teve sua
casa arrombada e furtada por três vezes. Acreditando-se sabedor de quem eram
os autores dos furtos, reuniu seus dois cunhados, para executá-los. Na versão
dos indiciados, eles dariam “apenas” uma surra nos supostos assaltantes, mas
estes fizeram gestos que os levaram a crer que sacariam de suas armas, o que
os levou a atirar.
Observações finais
Data 21/04/88
Resumo do caso
Local
Vítimas
Indiciados
Testemunhas
225
Os dados relativos à Administração Regional de Campo Limpo e ao distrito de Capão Redondo
foram coletados junto à Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA): Base de Dados para
Planejamento - Cadernos Regionais - Administração Regional de Campo Limpo, maço de 1993.
226
Os dados sobre as faixas etárias mais próximos do ano das execuções referem-se a 1991.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 511
Contextos/Cenários
Diante do júri, o único réu pronunciado alegou que havia sido torturado
para confessar o crime. Mas no programa de rádio “Gil Gomes”, para o qual
concedeu entrevista, ele assumiu o assassinato.
Observações finais
Ressalte-se ainda que também a denúncia de tortura feita pelo réu não é
apurada, não chegando a ser interrogado sequer o policial cujo nome ele cita
como um dos torturadores.
2. Justiceiros e matadores
roupa, que colocou fim à cena que lhe era desagradável. Dirigiu-se, calmamente
para o seu carro e foi para casa.
De todo modo, ressalta o fato de, apesar de nos três casos aqui
analisados, os agressores não terem sido condenados pela justiça, acabaram
tendo suas carreiras encurtadas por mortes prematuras, eles próprios vítimas de
outros “empreiteiros do Senhor”, atestando a constituição de uma justiça
inteiramente paralela em relação ao Poder Judiciário, muitas vezes com respaldo
da própria população como a comunidade do Jaguaré deixou claro.
nordestinos e três mineiros), solteiros (nove deles), brancos (oito). Informa-se que
seis tinham antecedentes criminais e que seis tinham primário completo e dois,
primeiro grau completo. Excetuando-se os dois comerciantes, todos os demais
exerciam trabalhos sem especialização, com destaque para os balconistas,
empregados dos negócios dos líderes. Além das relações de trabalho, os
agressores apresentavam ainda ligações familiares. Destaca-se o fato de que
três deles foram assassinados, ainda durante o transcorrer dos autos.
Este perfil coincide com o das vítimas dos casos analisados por Mesquita:
adolescentes, do sexo masculino, com profissão ou ocupação definidas (a autora
considera que as vítimas tinham uma profissão quando as atividades exercidas
exigiam um aprendizado anterior, já as ocupações se referem às atividades
desenvolvidas em fase de aprendizado, como os auxiliares de marcenaria ou o
estudante do caso em questão).
Os acusados foram então presos e na prisão tiveram que passar por uma
segunda punição: a vingança do irmão de um dos adolescentes, que estava
preso e conseguiu mobilizar os demais encarcerados do mesmo pavilhão. A
tentativa de linchamento contra os acusados da execução evidencia que, para o
código moral dos presos, a violência contra crianças e adolescentes é
inadmissível, apesar de não ser sempre assim para as comunidades e para a
sociedade como um todo, tal como atesta a aquiescência da direção da
Associação para com o vigilante. Myriam Mesquita também se defrontou com
esta dubiedade, registrando o alto grau de tolerância das comunidades – até
mesmo as mais organizadas – com a violência contra crianças, em contraste com
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 522
5. As vítimas sacrificiais
227
Sobre a transformação das crianças em situação de risco em vítimas sacrificiais no Brasil, ver
Coelho, 1996.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 523
próprios vítimas sacrificiais, pessoas que precisavam ser mortas para fazer
cessar a violência e cujas mortes não incorreriam em represálias para seus
autores.
CAPÍTULO 11
VIOLÊNCIA POLICIAL EM SÃO PAULO
Helena Singer
1. Casos selecionados
1.1.Violência da polícia militar em Campo Limpo
Data: 16/03/82
Resumo
Na noite do dia 16/03/82, um metalúrgico foi morto durante tiroteio com
policiais, em sua residência no Parque Regina. O fato iniciou-se em razão dos
homicídio de Jesus e Sílvia, ocorridos no bairro, alguns dias antes. Solicitou-se à
Delegacia de Homicídios e após diligências efetuadas no local, a Equipe de
Homicídios dirigiu-se à residência do operário, em companhia de dois irmãos de
Jesus. Um investigador foi até a porta da casa do metalúrgico e chamou-o para
esclarecimentos, pois seria suspeito de haver praticado o crime. O operário não
atendeu ao chamamento e recusou-se a sair de casa. Foram solicitadas outras
unidades policiais, juntando mais de 100 policiais. Travou-se um violento tiroteio,
culminando com a morte do metalúrgico, de um PM e ferimentos de outros três
PMs. Não ficou comprovado se o tiro que matou o policial saiu da arma do
operário.
Local
Vítimas
Cinco foram as vítimas do tiroteio, sendo duas fatais. Uma das vítimas
fatais era um metalúrgico empregado há quatro anos na mesma empresa,
branco, de 27 anos, casado, pai de quatro filhos de um a oito anos de idade,
228
Os dados a respeito de Campo Limpo provêm de publicação produzida pela Secretaria
Municipal de Planejamento (SEMPLA): Base de Dados para Planejamento - Cadernos Regionais:
Administração Regional de Campo Limpo (Serviços e Equipamentos Sociais), de março de 1993.
229
Os dados relativos às taxas de criminalidade violenta de Campo Limpo são da Secretaria de
Segurança Pública/ Delegacia Geral de Polícia/ Equipe Técnica de Estatística/ Fundação SEADE.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 527
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
no pescoço, dizendo qualquer coisa. Este fato foi presenciado pelo operário, que
também se aproximou de Jesus, referendando a ameaça. O pedreiro, segundo
seu próprio depoimento, também se juntou a eles e solicitou ao desconhecido
que tirasse a faca do pescoço de Jesus, o que foi feito. Com o tchaco, o pedreiro
golpeou o cotovelo de Jesus, mandando que se retirasse de perto deles.
Observações finais
1) Não foram apreendidas, no dia dos fatos, as armas dos três PMs
pedidas pelo Promotor de Justiça. A arma da vítima teria sido extraviada durante
a ocorrência policial, em conseqüência da invasão de sua casa por grande
número de policiais civis e militares e pessoas da imprensa, quando qualquer
uma delas poderia ter-se apropriado da mesma; 2) um dos réus afirma que quis
entregar o seu revólver juntamente com os dos de dois tenentes, mas a
autoridade do 37º DP não quis apreendê-los.
Mas ainda outras falhas podem ser apontadas: a não oitiva de nove
pessoas mencionadas nos depoimentos e não arroladas coma testemunhas,
inclusive os dois prováveis assassinos de Jesus e Sílvia; a imprecisão dos laudos
no que se refere à origem das balas que causaram os ferimentos e as mortes nas
vítimas.
Data: 10/08/82
Resumo
Na madrugada do dia 10/08/82, um tenente, três PMs e demais
componentes de um Tático Móvel, realizaram um cerco envolta da residência de
n.º 78 da Rua Cachonilha, Jardim Marta, Itaim Paulista, e enquanto alguns
policiais arrombaram a porta dos fundos, outros, pela frente, passaram a atirar
para o interior daquela residência, acabando por cravejarem de balas um livreiro,
provocando-lhe a morte. O fato foi decorrente de outro acontecido dois dias
antes, quando um comerciante foi assaltado. Este comerciante avisou PMs,
amigos seus, sobre o acontecido, indicando os suspeitos. Os policiais passaram
então a procurá-los. Assim é que lhes fora indicada a residência de n.º 74, à Rua
Cachonilha, como aquela em que estaria um ajudante geral, suposto colega de
um adolescente, com quem realizava delitos na área. Entretanto, a casa
arrombada não era a de n.º 74, e sim de n.º 78, e não morava ali o tal ajudante
geral, e sim o livreiro. Tão logo executaram a vítima, jogaram-na dentro da
viatura, levando seu corpo para o Pronto Socorro, e voltando, mais tarde, por
volta das 5:00 horas, para recolher gaiolas de passarinhos e outros bens. Mais
tarde deram ao comerciante aqueles bens, alguns pertencentes a ele, outros à
família da vítima.
Local
230
Os dados a respeito de São Miguel Paulista provêm de publicação produzida pela Secretaria
Municipal de Planejamento (SEMPLA): Base de Dados para Planejamento - Cadernos Regionais:
Administração Regional de São Miguel Paulista (Serviços e Equipamentos Sociais), de março de
1993.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 532
872 denúncias de lesão corporal, 55 estupros.231 Naquele ano foram abertos 958
Inquéritos Policiais, o que corresponde a 19,61% dos BOs. Observando esses
números ao longo da década de 80, percebemos uma tendência ao aumento da
violência fatal simultânea a um decréscimo da violência não fatal, o que sinaliza
uma maior determinação dos agressores para matar suas vítimas, conformando
um cenário mais propício a atos de execução sumária. No início da década de
90, as taxas voltam a cair, mas as tendências permanecem. Deste modo, entre
1981 e 1993: o total de BOs caiu 8%; o de IPs caiu 13%; já os homicídios
subiram 53%; as tentativas de homicídio subiram 58%; mas as lesões corporais
caíram 67%; os estupros caíram 38%.
Vítima
Indiciados
Testemunhas
231
Os dados referentes às taxas de criminalidade de Itaim Paulista são do 50º Distrito Policial.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 534
das testemunhas residiam na região do crime, o Jardim Marta e a Vila Itaim; uma
morava na Vila Esperança, Penha, também na zona Leste; uma residia no Centro
da cidade, uma na Vila Diva e a última em Santo André.
Contextos/Cenários
Observações finais
Data: 03/07/83
Resumo
Em Taboão da Serra, no dia 03 de julho de 1983, por volta das 9h00, dois
soldados da PM dispararam contra três jovens, matando o mais novo deles, de
apenas 10 anos. Os PMs estavam respondendo a uma chamada de rádio para
apreender suspeitos que teriam depenado um veículo abandonado num lixão. Ao
chegarem lá, encontraram os rapazes observando o auto e logo mandaram que
colocassem as mãos na cabeça e, em seguida, começaram a atirar o que causou
a fuga das vítimas. O garoto de 10 anos foi atingido na nuca por uma bala
enquanto corria, caindo gravemente ferido. Os PMs passaram por ele mas
continuaram correndo atrás dos outros que só conseguiram escapar porque se
esconderam no matagal. Após, os jovens foram totalmente dominados. Aos
soldados juntaram-se outros três PMs, sendo um sargento, que os auxiliaram a
colocar os rapazes numa viatura com o desígnio de forçá-los a admitir serem os
responsáveis diretos pela morte do menino e ainda admitir a existência de um
revólver com o qual teriam resistido a tiros à ordem de prisão dos policiais. Esta
viatura foi conduzida a um local ermo no município de Embu, onde os rapazes
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 536
Local
O caso aconteceu em Taboão da Serra, que integra a Região
Metropolitana da Grande São Paulo, fazendo limite com as regiões Sul e
Sudoeste da capital e com os municípios de Embu, Cotia e Osasco.
232
Os dados referentes a Taboão da Serra foram conseguidos junto às secretarias municipais.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 537
Vítimas
Quatro foram as vítimas deste caso, sendo uma vítima fatal, de apenas 10
anos de idade. As demais tinham 13, 17 e 28 anos. Todos eram do sexo
masculino e residiam na própria Taboão da Serra. Os dois mais velhos eram
respectivamente ajudante de pintor e catador de papéis. Dois eram brancos, um
pardo e o último, negro. Dois eram paulistas, um paranaense e o outro, mineiro.
Indiciados
Testemunhas
233
Apesar de alta, esta diferença tem que ser matizada pelo fato de os números referentes ao
primeiro grau incluírem as escolas particulares e os do segundo grau restringirem-se à rede
oficial.
234
Os dados de criminalidade em Taboão da Serra são do 1º Distrito Policial.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 538
Contextos/Cenários
A execução do menino aconteceu em um trecho de uma avenida, próximo
a uma rua de terra. Dali as outras três vítimas foram levadas para o Jardim São
Marcos, no município vizinho de Embu. A região toda apresentava alto grau de
violência, com elevado índice de assaltos, furtos e também crimes cometidos
pela própria polícia. Uma carta aberta à população, da Comissão de Defesa dos
Direitos Humanos da Região de Itapecerica da Serra, intitulada “Grito de
Violência”, afirmava que vivia-se ali “uma onda de violência tanto de bandidos
como de policiais”. A vítima do roubo que motivou a execução disse que fato
semelhante já havia ocorrido com um Volkswagen, no mesmo local, próximo à
sua residência. Do mesmo modo, outras testemunhas relataram assaltos sofridos
no bairro.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 539
um policial falou para o outro: “Está doce como mel. A parada já está resolvida.
Você vai lá e coloca o negócio lá embaixo no morro”. Logo após, foram à
delegacia de Itapecerica. Ao chegarem, os policiais disseram que o menino
estava passando mal, mas tinha sido socorrido. Depois os policiais foram à sua
casa e perguntaram por ele para sua mãe como se não soubessem de nada.
Observações finais
Uma das testemunhas disse ter visto toda cena, inclusive quando o
menino foi atingido pelas costas mas ainda assim, ele disse não ter certeza de
quem partiu os disparos, se da polícia ou de civis. Segundo declarou outra
testemunha, aquela primeira era “ladrão conhecido” no bairro de Vila Iazi, Taboão
da Serra, e é amigo dos policiais da DP de Taboão, que lhe dão cobertura, sendo
que sempre andava junto com os policiais e até dirigia viaturas. Certa vez foi
preso por furto de carro, ficou detido no DP por apenas oito ou doze dias, tendo
sido solto em virtude da ordem ou do pedido do então prefeito de Taboão da
Serra. Não é possível verificar se a história é verdadeira porque não há ficha de
antecedentes criminais daquela testemunha no processo.
Data: 11/8/83
Resumo
No dia 11 de agosto de 1983, por volta das 23:00 horas, dois soldados da
PM efetuaram a detenção de quatro indivíduos na boate “Bar Típico Boa
Esperança”, à Rua Antônio Teles, nº20, Jardim Vera Cruz, São Mateus. Na
ocasião, revistaram os rapazes, não constando estarem os mesmos armados.
Depois, os conduziram numa perua Kombi azul até a estrada 3º Divisão, onde
efetuaram disparos de revólveres da Polícia Militar contra os quatro detidos,
mirando sempre na cabeça. Três das vítimas faleceram no próprio lugar, o quarto
indivíduo, ferido, permaneceu na U.T.I do PSM do Tatuapé, onde veio a falecer
uma semana depois.
Local
Vítimas
235
Os dados atuais de São Mateus integram a publicação Mapa de Risco da Violência - Cidade
de São Paulo. São Paulo: CEDEC/Ministério da Justiça, 1996. Os dados são estimados para
1995.
236
Os dados a respeito da divisão etária em São Mateus foram conseguidos junto à prefeitura de
São Paulo e têm como base o ano de 1991.
237
Os dados de criminalidade em São Mateus são do distrito policial.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 543
havia sido internada na FEBEM, por prática de assalto, que supostamente teria
cometido junto com o outro rapaz. Finalmente, o último, que tinha 18 anos, era
branco e trabalhava em uma padaria.
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
A irmã da vítima de 18 anos contou que, aos quinze anos, ele conheceu e
se apaixonou por uma prostituta e, "por ela não largar a prostituição, passou a
beber, fumar maconha e a furtar." Foi quando seu pai decidiu encaminhá-lo à
FEBEM, "para receber orientação de especialistas", ali permanecendo durante
quatro meses, até dia 08 de agosto de 1983. Na ocasião do internamento, o
jovem foi conduzido por um dos indiciados. Ainda segundo a irmã, na noite em
que ele foi morto, teria ido à boate para tentar encontrar a amada. Outra das
vítimas também havia sido internada na FEBEM, por prática de assalto, que
supostamente teria cometido junto com o outro rapaz.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 545
Observações finais
Data: 22/04/85
Resumo
No dia 22 de abril de 1985, por volta de 22:30 h, à Rua Vergueiro, n.º 683,
bairro da Liberdade, um sargento da PM atirou contra um vendedor ambulante,
causando-lhe a sua morte. Segundo ficou apurado, o vendedor encontrava-se em
uma lanchonete, ocasião em que ali adentrou o sargento, ordenando-lhe que
levantasse as mãos. Porém, sem que o vendedor pudesse esboçar qualquer
reação, o sargento, com a arma que portava, efetuou um disparo.
O sargento foi preso, mas no dia 08/05/85 foi solto, por determinação do
juiz. No dia 28/02/90, o indiciado foi pronunciado. Em 04/06/92, o Conselho de
Sentença o condenou a quatro anos de reclusão em regime domiciliar, por não
haver prisão albergue no estado, pela prática de homicídio privilegiado.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 546
Local
Vítima
Indiciado
Testemunhas
Contextos/cenários
Observações finais
Data: 05/06/82
Resumo
Trata-se de um caso de denúncia de torturas que teriam sido praticadas na
delegacia de Campos do Jordão por dois investigadores e um carcereiro. A
vítima, um pintor de paredes, procurou pelo presidente da Comunidade Eclesial
de Base, logo após ser libertada. Havia sido detido ilegalmente por 10 dias,
quando foi submetido a uma sessão de torturas. Foi submetido a um exame de
corpo de delito na Santa Casa local, por um médico, mas o resultado final
apontou ausência de quaisquer lesões recentes. O caso foi noticiado à imprensa
e à OAB local. O pintor explicou que foi detido num sábado, 05/06/82, e liberado
no dia seguinte pelo delegado adjunto, porém, foi interpelado por um dos
investigadores, que alegou que ele não poderia sair por ordem do delegado
titular. No dia seguinte, quarta-feira, a vítima teria sido levada, de madrugada,
para a sala de visitas onde foi torturada pelos investigadores e pelo carcereiro. As
testemunhas indicadas, que eram as duas pessoas que se encontravam na
mesma cela da vítima no dia dos fatos, não foram localizadas. Para uma das
testemunhas, um estrangeiro, preso por se encontrar ilegalmente no país, foi
pedido pela OAB um Habeas Corpus preventivo para que este pudesse
testemunhar antes de ser obrigado a deixar o país, porém o pedido foi negado e
a testemunha não mais foi localizada.
Local
238
Os dados populacionais sobre o município de Campos do Jordão integram o Anuário
Estatístico do estado de São Paulo, realizado pela Fundação SEADE. Os dados mais recentes
referem-se ao ano de 1991 e os mais próximos do caso são de 1980.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 551
Vítima
Indiciados
Testemunhas
239
Os dados sobre a infra-estrutura urbana do Campos de Jordão foram conseguidos junto às
secretaria municipais.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 552
Contextos/Cenários
No dia dos fatos, por volta das 18h00, estavam dois investigadores da
polícia nas imediações do Grande Hotel, local conhecido como ponto de
“viciados”, quando encontraram o pintor de paredes, tido por eles como
“marginal, desocupado, traficante e viciado” (Um dos indiciados afirmou que a
vítima fazia parte de uma lista de 27 “viciados” construída pela polícia). Alegando
ter informações, que o pintor estava envolvido em furtos e tráfico de maconha,
abordaram-no. O pintor negou tudo mas, mesmo assim foi levado para a
delegacia.
quando ela foi removida, viram quando esta voltou em estado físico lamentável
sendo preciso massageá-la para despertá-la.
Observações Finais
O promotor não ofereceu a denúncia logo no primeiro IP. Ele pediu que
novas diligências fossem feitas como a re-oitiva dos depoentes, inclusive, dos
parentes das testemunhas que estavam com a vítima na cela, para que os fatos
fossem melhores elucidados, contrariando a conclusão do delegado, que era de
pedido de arquivamento do caso “por falta de provas”. Entretanto, depois a
promotoria insiste nas diligências a fim de encontrar os dois companheiros de
cela da vítima. Não sendo estas encontradas, ela pede pelo arquivamento do
processo em 10/09/85, reconhecendo as demais provas como insuficientes.
Ressalte-se que o promotor leva em consideração a mesma argumentação
discriminatória dos policiais, deixando claro que a versão dos policiais vale mais
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 554
Data: 23/07/83
Resumo
O caso refere-se à morte de indivíduo de 31 anos de idade recolhido ao
50º DP no dia 23/07/83, ali conduzido por uma viatura da Polícia Militar. Na
mesma ocasião foram à delegacia dois rapazes que apontaram a vítima, como
autor de um roubo, ocorrido dois dias antes, em uma farmácia do bairro, para a
qual trabalhava um deles. Ambos, falaram com o delegado de plantão, da sua
convicção sobre o delito e sobre a autoria, e então a vítima foi recolhida. Ficou
detida de 23 a 28/07/83, quando foi conduzida, por policiais da própria distrital, ao
PS de São Miguel Paulista, onde permaneceu até o dia 03/08/83 e daí para o PS
do Jabaquara, vindo a falecer no dia seguinte, 04/08/83. Cinco presos dos
próprios xadrezes do 50º DP prestaram depoimentos e confirmaram a versão de
que a morte da vítima foi decorrente de espancamentos e torturas sofridos na
delegacia, sendo seus autores quatro investigadores, dois carcereiros, dois
delegados e um inspetor de quarteirão.
Local
Vítima
Indiciados
240
Para mais informações sobre o Itaim Paulista, ver resumo do caso 2.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 556
Testemunhas
O total de testemunhas deste caso foi 41, sendo que a grande maioria (35)
era composta por homens. Suas idades variavam do seguinte modo: dez entre 19
e 29 anos; oito na casa dos 30; onze na dos 40; oito tinham entre 50 e 67 anos;
para as cinco restantes, não há informação. Quanto às ocupações, 7 exerciam
trabalhos braçais ou sem especialização (recepcionista, motorista, balconista,
técnico de TV, cobrador); 5 estavam ligadas ao setor de vendas (comerciante,
corretor de imóveis); 16 eram profissionais com nível superior (médico, jornalista,
juiz, promotor, delegado, advogado); 3 eram policiais militares; 3 donas de casa;
5 estavam presos; um deputado estadual e um arcebispo. Em relação à cor, há
informação somente para catorze testemunhas: 9 brancas, uma negra, 4 pardas.
Sobre o grau de instrução, também a ausência de informação é alta: entre as 17
que informaram, duas eram analfabetas e as demais tinham nível superior. No
que se refere à naturalidade, temos 9 nordestinos (Paraíba, Bahia, Pernambuco),
20 paulistas, um mineiro, um gaúcho e 2 estrangeiros (da Itália e do Líbano). A
grande maioria (34) residia em São Paulo, sendo 20 na zona Leste, 9 na Sul, 3
na zona Norte, uma na Oeste e uma no Centro; duas na Grande São Paulo; 3 no
interior do estado; uma em Londrina (Paraná); a última não informou.
Contextos/Cenários
O 50º DP, onde ocorreu o caso, contava com apenas uma viatura. Um
comerciante local fornecia peças para as viaturas. Quanto ao número de presos,
a delegacia tinha em média de cinco a seis correcionais, mas o número
aumentava aos sábados e domingos. A Delegacia estava encarregada, na época
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 557
A saga cumprida pela vítima teve seu início nove anos antes do desfecho
trágico. Naquela altura, um rapaz de 22 anos de idade foi preso e condenado a 9
anos de reclusão por crime de assalto. Depois de cumprida a pena, deixou a
cadeia, em abril de 1983, e foi morar com seu tio, em cujo ferro velho foi
trabalhar. No dia 19 de julho, o rapaz não apareceu na casa do tio e nem o
avisou onde estaria. No dia 23 daquele mês, ambos estavam em uma padaria
quando, inesperadamente, ali surgiram dois militares acompanhados de um
senhor e o mesmo logo apontou o rapaz como sendo o autor de um assalto à sua
farmácia, ocorrido justamente no dia 19. Em seguida, os militares efetuaram a
detenção do rapaz e se retiraram.
Observações finais
Data: 14 e 16/02/85
Resumo
No dia 14/02/85, uma chácara de Cotia foi assaltada. A principal
testemunha do assalto, caseiro da chácara, informou à polícia que havia visto
aqueles assaltantes em companhia de outros dois caseiros vizinhos, uma
semana antes. Os policiais levaram-no então para reconhecer os caseiros e ele
reconheceu apenas um deles. Dois dias depois, este foi levado para a delegacia
e torturado afim de fornecer a identificação dos assaltantes.
Esses fatos levaram a vítima a procurar o Centro de Defesa dos Direitos
Humanos de São Paulo e o de Osasco, de onde foi conduzido ao Fórum de
Cotia. Por força da intervenção de órgãos de defesa de direitos humanos, o fato
alcançou grande repercussão na imprensa e culminou com a interferência do
Ministério Público. Durante as investigações, houve o encontro e apreensão de
uma “maquininha elétrica” em um armário da Delegacia de Polícia.
Foi aberta sindicância administrativa, pela Delegacia Seccional de Osasco,
concluída no dia 26/04/85, com a recomendação de arquivamento do caso. O
inquérito policial, por sua vez, indiciou um escrivão, um investigador da polícia e o
proprietário da chácara roubada. No dia 13/11/86, foi determinado o
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 560
Local
241
Os dados referentes ao município de Cotia foram conseguidos junto à prefeitura.
242
Os dados quanto à naturalidade da população provêm dos anuários produzidos pela
EMPLASA e se referem ao ano de 1980.
243
Os dados quanto à distribuição etária referem-se ao ano de 1991.
244
Os dados quanto à alfabetização referem-se ao ano de 1991.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 561
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
português, solicitar ajuda. Na ocasião, esse senhor ter-lhe-ia dito para que
entregasse os bandidos. O caseiro resolveu então procurar ajuda em outro local.
Observações finais
Data: 30/03/87
Resumo
A Guarda Civil Metropolitana, por determinação superior, foi incumbida de
desalojar das áreas próprias municipais, ocupantes que lá estavam, construindo
suas casas. Num local denominado Jardim Nazaré, houve confronto com a
Guarda, composta de uma força de cerca de cento e cinqüenta homens. Esses
homens estavam armados com revólveres calibre 38. No conflito, um pedreiro
caiu atingido por um disparo de arma de fogo, e em conseqüência, faleceu. O
projétil transfixou o crânio da vítima, perdendo-se e diligências no sentido de
localizar o projétil foram realizadas, sendo que a confrontação do projétil
encontrado com as armas apreendidas deu um resultado negativo. Quatro
testemunhas reconheceram como autor dos disparos um guarda metropolitano,
que foi indiciado. Um tenente, também indiciado, nega a utilização de arma
particular, apesar de ser claramente visto em gravação da TV Gazeta, portando e
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 565
atirando com arma não pertencente à Corporação. Além destes, foram indiciados
o Secretário Municipal da Defesa Civil (coronel que comandava a ação) e um
outro guarda municipal. Outras três pessoas foram vitimadas, uma dona de casa,
um conferente e um motorista, que sofreram ferimentos, cuja autoria não foi
apurada. Alguns guardas metropolitanos também foram feridos, mas não há
dados a respeito nos autos.
Local
245
Para mais informações sobre o Itaim Paulista, ver resumo do caso 2.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 566
Vítimas
Quatro foram as vítimas deste caso, sendo uma fatal. Esta era um
pedreiro, de 39 anos de idade, pardo, nascido em Caculé, na Bahia, casado, pai
de quatro filhos. As outras três, feridas durante a ação da Guarda Metropolitana
eram: um conferente, pardo, também baiano (natural de Juazeiro), com a mesma
idade - 39 anos, residente em Guaianazes (zona Leste de São Paulo), presidente
da Sociedade Amigos de Bairro da Vila Primeiro de Outubro. Uma dona de casa,
vizinha do local do conflito (residente no bairro havia cerca de sete anos),
atingida do lado de fora de sua casa, branca, de 46 anos de idade, sem
antecedentes criminais. Finalmente, um motorista, ocupante do terreno, de 24
anos, nascido em Aracaju (SE), residente no Jardim Camargo Velho.
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
246
“Mapa de Risco da Violência” produzido pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea,
São Paulo, 1996.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 573
247
Ver Parte II “As Graves Violações de Direitos Humanos e a Imprensa (1980-1996)”, capítulo 7.
“Violência Policial: a ação justificada pelo estrito cumprimento do dever”, subitem. “Perfil dos
Agentes das Violência Policial em São Paulo”.
248
Atualmente, os homicídios cometidos por policiais militares passaram a ser julgados pela
Justiça Comum.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 574
As vítimas dos casos ora analisados eram três homens, na faixa etária dos
30 anos, brancos, trabalhadores braçais. O pintor de paredes e o ajudante do
ferro velho tinham antecedentes criminais, o primeiro por porte de drogas, furtos
e lesões corporais e o segundo havia cumprido recentemente pena de nove anos
de prisão por roubo. Este último e o caseiro eram baianos e o pintor de paredes
era nascido na própria Campos do Jordão, onde se deu o caso. Todos moravam
com familiares: o pintor e o caseiro eram casados, o ajudante morava com seu
tio, dono do ferro velho em que trabalhava.
são construídos os autos no Brasil, como salienta Kant de Lima. Aqui, são
incorporados aos autos os depoimentos e confissões feitos sem a presença de
advogados. Assim, mesmo se for comprovado o uso da tortura, o conteúdo das
confissões é conhecido pelo juiz e pode ser considerado para a formação de
indícios que comprovem a culpa do indiciado. Paradoxalmente, a inclusão nos
autos de peças desse tipo é justificada pela neutralidade e pela racionalidade do
julgamento. “O juiz é visto como um ser superior, capaz de formular um
julgamento racional, imparcial e neutro, que descubra não só a `verdade real’ dos
fatos, mas as verdadeiras intenções dos agentes. É claro que (...) num sistema
como esse, somente a confissão pode assegurar ao juiz e ao público o absoluto
acerto de sua `sentença’” (KANT DE LIMA, 1997: 177). É por isso que cabe ao
juiz formular os quesitos, extremamente técnicos, segundo os quais os membros
do Tribunal do Júri irão afirmar ou negar a comprovação da materialidade do
delito e os indícios de autoria do crime.
classes médias baixas dos bairros tradicionais das zonas Norte e Leste (Pierucci
In BRANT, 1989: 206-207).
O conflito do Jardim Nazaré não foi exceção nem pela época nem pela
região em que aconteceu. Entre 1981 e 1984, ocorreram 61 ocupações de terra,
envolvendo dez mil famílias e atingindo cerca de dois milhões de metros
quadrados. Em 1987, ano do caso em questão, 18.619 famílias foram
cadastradas pela Companhia do Desenvolvimento Habitacional de São Paulo
(CDH) nas áreas ocupadas, que atingiram então cerca de cinco milhões de
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 579
Uma das pessoas que ficou ferida durante o confronto com a Guarda
Municipal era presidente da Sociedade Amigos de Bairro da Vila Primeiro de
Outubro. Tratava-se de um conferente, pardo, de 39 anos. Além dele foram
feridos um motorista, de 24 anos e uma dona de casa, branca, de 46 anos, que
morava no terreno vizinho ao local do conflito havia sete anos. A vítima fatal do
caso foi um pedreiro, de 39 anos, pardo, casado, pai de quatro filhos. Os três
homens envolvidos no conflito, além de terem em comum ocupações pouco
especializadas, eram nordestinos.
CAPÍTULO 12
VIOLÊNCIA NO CAMPO: O BRASIL RURAL
Helena Singer
1. Casos selecionados
Data: 18/11/87
Resumo
No dia 18/11/87, um lavrador feriu um garrote pertencente a um fazendeiro
e discutiu com um dos responsáveis por esse animal. Voltou para sua casa,
enquanto o empregado da fazenda contava para seu irmão o que havia
acontecido. Este saiu então em direção à casa do lavrador e seu pai pediu que o
irmão fosse alcançá-lo. Segundo testemunhas, os dois chegaram juntos à casa
do lavrador e deram-lhe quatro tiros. A vítima ainda deu um tiro com a espingarda
que estava em seu colo, tiro este que feriu um dos irmãos, mas pouco depois o
lavrador morreu. Quando, em seguida, o pai dos agressores chegou ao local, a
comunidade tentou linchar os três que, no entanto, conseguiram fugir.
Local
Vítima
Indiciados
Testemunhas
249
A análise da violência rural no Maranhão provêm da pesquisa “Ambigüidades do Aparelho
Judiciário e Construção da Democracia”, realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência, entre
1990 e 1994, sob coordenação do professor doutor Sérgio Adorno. Os principais resultados da
pesquisa encontram-se em SINGER & SCHINDLER, 1997. Como referências específicas para o
Maranhão, cita-se Americas Watch, 1991 e ANDRADE, 1992.
250
Os números relativos à violência no Maranhão provêm dos relatórios anuais divulgados pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT-Goiânia) e também do relatório da Sociedade Maranhense de
Defesa dos Direitos Humanos, Conflitos de Terra, São Luís: SMDDH, 1993.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 585
Contextos/Cenários
Observações finais
Três anos após os fatos, juiz os condena à prisão, mas eles não chegam a
ficar um ano presos, já que são absolvidos pelo Tribunal do Júri.
Resumo
O caso refere-se a crime de homicídio ocorrido no dia 29 de dezembro de
1988, por volta das vinte horas, na residência da vítima (um agricultor), na
fazenda de Gurugi II, município de Conde, tendo como indiciados o administrador
de fazenda que estava em litígio com os trabalhadores e um outro agricultor que
exercia a profissão de motorista.
praia de Jacumã. Este indiciado desconhecia que o percurso que fora coberto
pelo carro já havia sido investigado, levando à conclusão de que ele dera
inclusive uma parada nas proximidades da casa da vítima, encontrando-se com
outro veículo, desligando os faróis e seguindo depois em direção à praia de
Jacumã, enquanto o outro veículo retornava em sentido oposto ao que chegara.
Após o encontro dos dois veículos surgiram dois vultos de pessoas, e um minuto
após, ouviu-se o disparo fatal. Algumas testemunhas afirmam terem visto outros
dois agricultores nas imediações da casa da vítima.
Relato da CPT informa que três meses depois da morte deste agricultor,
cerca de 70 trabalhadores rurais foram protestar em frente ao Fórum de
Alhandra, a comarca mais próxima, pedindo a prisão do administrador da fazenda
que estava foragido. O tio deste, então, jogou sua caminhonete por três vezes
sobre os manifestantes e em seguida atirou contra eles. Uma moradora do local
faleceu e outras 23 pessoas ficaram feridas. Mais de mil pessoas participaram do
enterro. O homicida foi denunciado, preso e, em 28 de fevereiro de 1992,
condenado a prisão pelo Tribunal do Júri
Local
251
Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual da Paraíba (IDEME), Plano Diretor de
Desenvolvimento Municipal de Conde, dezembro de 1992. Todos os dados referentes ao
município de Conde bem como as informações mais recentes sobre o caso foram coletados por
Marcelo Gomes Justo, como parte de seu projeto "A Luta pela Terra e O Direito à Vida",
desenvolvido junto ao Departamento de Geografia da FFLCH/USP.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 589
Vítima
Indiciados
Testemunhas
eram moradores do local que foram acusados pelas testemunhas que forneceram
o álibi dos réus.
Contextos/cenários
Em meados do século XX, a vila era estruturada por uma pequena área
urbana e uma vasta área rural dividida entre três grandes proprietários -
Francisco José das Neves (que adquiriu Gurugi I entre nos anos 40), Nelson
Pimentel (que adquiriu a parte de S. Paizinho e D. Hia, Gurugi II, entre nos anos
50) e a família Lundgren - e o Estado, que possuía parte abrangendo do Gurugi I,
arrendada por Francisco José das Neves.
252
Há duas versões para a origem do nome da cidade: ou seria uma homenagem ao Conde
Maurício de Nassau ou à fruta do conde. Ver a respeito Núcleo de Documentação e Informação
Histórica Regional (NDIHR), 1996, Uma história do Conde.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 593
Gurugi I foi adquirido pelo Estado e dividido entre os posseiros que logo
receberam os títulos de posse, ao passo que Gurugi II foi desapropriado, mas os
posseiros ainda não haviam recebido os títulos. Dentro do Gurugi II localiza-se o
sítio Ipiranga que ficou sob a posse dos pequenos proprietários. Ao todo, são
mais de cem famílias morando na área.
O antigo administrador da propriedade, que até três anos antes havia pago
durante 30 anos o arrendamento aos antigos proprietários, não aceitou o novo
sistema de posse. Ele mantinha sob seu domínio uma área de terra no terreno
desapropriado, onde trabalhavam pessoas, trazidas por ele de municípios
vizinhos, pelo regime de arrendamento. Com a desapropriação, a comunidade
entendeu que este sistema não deveria continuar. No dia 26/12/88, um mutirão,
do qual a vítima tomou parte, plantou 3000 pés de inhame em uma área cultivada
por um agricultor, havia mais de 15 anos. Reivindicando os direitos do antigo
proprietário, o administrador e seus companheiros resolveram destruir a
plantação. Reuniram cerca de sessenta homens para executar este trabalho, que
foi feito por volta das 14 horas, quando não se encontrava nenhum posseiro no
local. Os posseiros só chegaram ao local quando os primeiros já haviam se
retirado. A orientação para a destruição partiu do administrador numa reunião
entre os arrendatários, dentre os quais contavam-se cerca de 20 moradores.
Essa parte da comunidade organizava-se em torno da Fetag (Federação dos
Trabalhadores da Agricultura), ao passo que os demais organizavam-se em torno
da Comunidade Eclesial de Base, sendo a vítima um dos líderes, além do frei
ligado à CPT (Comissão Pastoral da Terra).
253
Este relato histórico também proveio da publicação do IDEME. Ele aparece nos autos, mas de
modo fragmentado e confuso. Nas entrevistas realizadas por Marcelo Gomes Justo, esta
reconstrução é recorrente para explicar os acontecimentos que culminaram na morte do lavrador.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 594
Observações finais
Resumo
No dia 21 de outubro de 1988, um fazendeiro e seu primo, que havia sido
também seu empregado, deram vários tiros de arma de fogo contra três
agricultores, atingido mortalmente um deles. Segundo as declarações do filho da
vítima, esta veio acompanhada por ele e mais dois outros homens, quando surgiu
um veículo Ford F-1000 com cinco indivíduos que pararam e já saíram atirando,
tendo o seu pai sido atingido mortalmente e outro agricultor fugido pelas matas
com o primo do fazendeiro em sua perseguição. O fazendeiro colocou então a
bicicleta da vítima no carro e levou para sua propriedade.
do outro que fugiu pela mata. Os demais ocupantes do carro foram arrolados
como testemunhas.
Local
Vítimas
dias antes. Este último lavrador era casado, pai de três filhos, com 26 anos,
natural de São Paulo, criado em Conceição de Piancó (PB), residente em
Malvinas desde 1985.
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
queixa de que sua residência fora invadida, na manhã do dia 10, por quatro
pessoas desconhecidas, armadas. Por volta das 17:00 horas, teria aparecido o
próprio fazendeiro, dirigindo seu carro, junto com o motorista e outras pessoas na
boleia. Dias depois, o fazendeiro encontrou os filhos do agricultor, menores de
idade, apontou uma arma contra eles dizendo que os mesmos fossem embora,
se não os mataria um por um. Algum tempo antes, o fazendeiro teria contratado
dois matadores, em ocasiões diferentes, pagando ao primeiro 200.000,00
cruzados e ao segundo 1.500.000,00 cruzados, para matar o agricultor.
Observações finais
Resumo
O caso refere-se a homicídio ocorrido no dia 22/05/89, por volta das 16
horas, no portão de acesso à localidade Cariman, município de José de Freitas,
que tem como acusado o proprietário da localidade Alívio. Não houve testemunha
ocular do fato, mas várias pessoas o acusam como autor ou mandante. Todas as
pessoas que moram naquela região conheciam a vítima e sabiam que o único
inimigo que ela tinha era o proprietário, o qual já vinha a ameaçando havia muito
tempo. A arma do crime, no entanto, não foi encontrada. Mais tarde, apontou-se
também a participação de um “biscateiro” como o autor material do homicídio. O
proprietário acabou confessando o crime, mas depois alegou ter sido torturado –
versão reforçada por testemunhas que o viram nos dias seguintes e pelo fato de
não ter sido feito exame de corpo de delito, apesar da solicitação da defesa. A
Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetag) assumiu a assistência da
promotoria.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 604
Local
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/ Cenários
Observações finais
Resumo
Às 06.45 horas do dia 06 de junho de 1988, segunda-feira, à margem da
rodovia Amaral Peixoto (RJ-106), Km 123, o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Cabo Frio foi atingido por cinco projéteis de arma de
fogo, disparados de revólver calibre 32, por um motorista e um policial militar. O
sindicalista foi perseguido e derrubado. Os autores do crime foram motivados
pelo pagamento de Cz$ 50.000,00 e mais a promessa de pagamento de Cz$
150.000,00 feita por um lavrador, um empregado da fazenda Campos Novos, e o
administrador da fazenda, que intermediou o homicídio a mando do proprietário,
que vivia conflitos de terra com um grupo de posseiros, entre os quais estava a
vítima. Os assassinos apreenderam uma maleta preta portada pela vítima, com
documentos relativos ao conflito de terras, que foram entregues ao delegado
encarregado do caso que, no entanto, não anexou aos autos. Estes documentos
seriam levados para uma audiência com a direção superior do MIRAD em
Brasília, no dia 08 de junho.
Local
257
Os números relativos à violência no Rio de Janeiro provêm dos relatórios anuais divulgados
pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-Goiânia), entre 1986 e 1989, e do relatório produzido pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Assassinatos no campo - crime e impunidade
1964-1985, São Paulo, 1987.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 609
apenas 535 famílias em 21.912 hectares, sendo que o prometido era assentar
16.000 famílias em 250.000 hectares no estado do Rio de Janeiro.
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
A região é toda dominada pelo conflito de terras que, não raras vezes, se
desdobra em ameaças e até atos de violência. Ressalta o fato de os conflitos de
terras serem também atravessados por relações de parentesco, assumindo,
freqüentemente, a forma de conflitos de famílias. Neste contexto, o comércio
ilegal de armas é comum e episódios de ameaças, atentados e assassinatos
envolvendo moradores da região são recorrentes não só no município de Cabo
Frio, como também nos vizinhos Rio das Ostras, Macaé, São Pedro da Aldeia e
outros. O medo é dominante, o que levou até mesmo algumas testemunhas do
caso a não comparecerem às oitivas.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 611
Observações finais
Resumo
O caso refere-se a massacre de índios Tikuna, em 28 de março de 1988,
em terras disputadas com posseiros e um madeireiro ali residente havia mais 30
anos. Parte da área, a que pertencia ao madeireiro, havia sido desapropriada
pela FUNAI, no entanto, ele não aceitara a indenização, ficando o processo em
trâmite na Justiça. O clima estava tenso havia algum tempo, já tendo ocorrido
denúncias de ataques de ambos os lados, até que os fatos culminaram no
massacre.
Local
Havia pouco mais de quatro anos que fora instalada a primeira escola
municipal no local. Na área da saúde, os únicos médicos que algumas vezes
apareciam eram do Campus Avançado do Alto Solimões.
Vítimas
Indiciados
Treze homens foram indiciados neste caso. Nove deles não tinham
antecedentes criminais; o líder, um madeireiro proprietário de um armazém, tinha
antecedentes por receptação e contrabando. Além do madeireiro, os outros eram
9 agricultores, um pescador, um professor e um funcionário de serraria. Todos
eram amazonenses, assim como as vítimas, a maior parte (11) era de nascidos
em Benjamim Constant, um em Tabatinga e um em Fonte Boa. Todos residiam
na própria Boca do Capacete, três deles havia mais de 25 anos e dois, mais de
258
CPT, Rompendo o cerco e a cerca - Conflitos no campo, 1989, p. 19.
259
CPT, Conflitos no campo - Brasil, 1988, p. 48.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 617
quatro anos. A maioria (8) era casada, com filhos; 4 eram solteiros; e o último
amasiado, com enteados. Suas idades concentravam-se na faixa dos 22 aos 32
anos (sete deles), 4 estavam na casa dos quarenta anos, e o madeireiro tinha 73
anos de idade.
Testemunhas
Havia relações hierárquicas entre os réus, dado que dois deles cultivavam
terras na propriedade do madeireiro. Havia também relações de parentesco entre
alguns dos envolvidos: um dos réus era casado com uma Tikuna, uma das
testemunhas era parente de um dos réus e de uma das vítimas. Quatro
testemunhas eram parentes das vítimas e 16 eram parentes, amigos ou
fornecedores de madeira para os réus. Entre as testemunhas, 17 foram vítimas
de lesões corporais. Seis testemunhas presenciaram os fatos, outras 3 eram
moradoras da região.
Contextos/Cenários
Observações finais
Resumo
O caso integra uma série de conflitos no estado do Mato Grosso
envolvendo a posse e a exploração pela terra entre várias tribos indígenas
(Gavião, Arara, Cinta Larga, Suruí e Zoró), posseiros, garimpeiros, madeireiros,
grandes proprietários e grileiros.
No dia 16 de outubro, posseiros que haviam sido atacados por índios três
dias antes estavam entrincheirados em Paraíso da Serra, quando foram
informados que os índios estavam queimando e saqueando casas na beira da
estrada que liga Paraíso da Serra/MT a Boa Vista do Pacarana/RO. Os posseiros
formaram então dois grupos e, utilizando-se de duas camionetas, uma Toyota
azul e uma Pick-up vermelha, saíram no encalço dos índios. Encontraram no
caminho quatro grupos de índios, travando com eles acirrada batalha, resultando
na morte de um cacique Suruí. Após o matarem, jogaram seu corpo na mata e
atearam fogo.
As investigações levaram à indicação dos seguintes suspeitos: um
agricultor residente na reserva Zoró, um tratorista autônomo, um motorista, um
operador de máquinas pesadas, um pequeno pecuarista, um açougueiro e dois
garimpeiros, que até o dia do crime exploravam um garimpo localizado na
estrada do Jacaré, no Distrito de Paraíso da Serra/MT.
Local
260
Os números relativos à violência no Mato Grosso provêm dos relatórios anuais divulgados pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT-Goiânia), entre 1986 e 1989, e do relatório produzido pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Assassinatos no campo - crime e impunidade
1964-1985, São Paulo, 1987.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 621
Também não foi atípico o fato de a vítima deste caso ser um cacique:
assim como as lideranças dos trabalhadores rurais, as lideranças indígenas são
as mais visadas nos ataques.
Vítima
Indiciados
Testemunhas
Contextos/Cenários
Observações finais
261
Conforme foi visto na Parte II “As Graves Violações de Direitos Humanos e a Imprensa (1980-
1996)”, capítulo 8. “Violência Rural: uma década de lutas em torno da terra”.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 625
Segundo José Vicente Tavares dos Santos, este plano foi limitado embora
tenha significado um avanço em relação aos sessenta anos precedentes. O
maior número de assentamentos - entre 1985 e 1989 foram assentadas 75 mil
famílias, o que correspondia a 40% do que foi assentado nos 60 anos anteriores -
não foi capaz de impedir o acirramento dos conflitos no campo. Este acirramento
deveu-se, por um lado, ao aumento da exclusão social decorrente da progressiva
retirada do Estado da política de bem-estar social no campo e, por outro, à
tentativa de universalização do complexo agro-industrial.
*.*.*.*.*
Por outro lado, o perfil das vítimas e dos agressores nestes processos
ilustra o “conflito clássico” 262 entre proprietários e trabalhadores, que predomina
na cena da questão agrária brasileira, na qual a região Nordeste se destaca
como pólo de concentração dos conflitos.
262
Parte II “As Graves Violações de Direitos Humanos e a Imprensa (1980-1996)”, capítulo 8.
“Violência Rural: uma década de lutas em torno da terra”, subitem 6. “Atores”.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 628
263
Parte II “As Graves Violações de Direitos Humanos e a Imprensa (1980-1996)”, capítulo 8.
“Violência Rural: uma década de lutas em torno da terra”, subitem 4. “Cenário: a lógica da
expansão”.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 631
garimpeiros foram também apontados como agressores, mas não foram mais
localizados.
INTRODUÇÃO
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 636
Sérgio Adorno
264
Extraído parcialmente de: Adorno, S. (1996). A gestão urbana do medo e da insegurança.
Violência, crime e justiça penal na sociedade brasileira contemporânea. São Paulo, mimeo. Tese
de Livre-Docência, FFLCH/USP, 207-222.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 637
ao cenário que apresentam as agências policiais, não é menos certo que pareça
haver um permanente contraste entre os fundamentos burocrático-legais que
regem a divisão de papéis e de competências entre os diferentes manipuladores
judiciais e as estratégias adotadas por esses atores no curso do processo penal.
Ao que tudo parece indicar, essas estratégias apelam não raro para argumentos
extraídos de fontes estranhas à lei e aos fundamentos jurídicos, mais
propriamente argumentos fundados na moralidade pública. Nesse sentido, o que
parece estar em jogo nos julgamentos, especialmente aqueles que têm lugar no
tribunal do júri, é a maior ou menor adequação das vítimas e agressores aos
modelos de comportamento julgados "normais" e "universais". Se é assim, essas
estratégias tendem a reforçar arranjos pessoais na solução de pendências
intersubjetivas. Nessa perspectiva, prevalece o modelo patrimonial de
administração judiciária, que reproduz modalidades de ação herdadas da
tradição, pouco compatíveis com as exigências de controle social próprias da
moderna sociedade urbana, caracterizada por amplas e complexas bases
demográficas e por formas coletivas de organização criminal.
CAPÍTULO 16
JUSTIÇA FORMAL: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL265
Sérgio Adorno
265
A análise que se segue aproveita parte do capítulo 2, parte II, de Adorno (1996), citado.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 643
266
Para um conhecimento das raízes histórico-sociais da organização policial e judiciária no Brasil
reporto-me ao clássico livro de Leal (1975). No que concerne ao estado de São Paulo, o estudo
de Heloísa Fernandes (1974) sobre a formação do aparato militar repressivo permanece a mais
completa referência sobre o assunto.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 645
267
Trata-se de uma “lógica-em-uso” reforçada pelas tradições inquisitoriais do direito penal
brasileiro. Sobre o assunto, ver Kant de Lima (1989, 1990 e 1994).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 647
268
De acordo com a Portaria 1/81, de 14/5/81, do Juiz da Vara das Execuções Criminais, da
Corregoria dos Presídios do Estado e da Polícia Judiciária da Capital, presos à disposição da
justiça passam a ficar recolhidos nos xadrezes dos distritos policiais face à superpopulação da
Casa de Detenção. Essa situação tendeu a se agravar na medida em que muitos desses
recolhidos encontram-se sentenciados, cumprindo pena em estabelecimentos inadequados.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 648
269
Trata-se do art. 54 da Constituição do Estado de São Paulo, das Leis-Complementares no. 35,
de 14/3/79 e 225, de 13/11/79, da Lei no. 3947, de 08 de dezembro de 1983 e do Provimento no.
29, de 20 de fevereiro de 1984, da Presidência do Tribunal de Justiça.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 649
270
Havia, no período observado, onze foros regionais (Santana, Santo Amaro, Jabaquara, Lapa,
São Miguel Paulista, Penha, Itaquera, Tatuapé, Vila Prudente, Ipiranga, Pinheiros).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 650
pelos corredores dos tribunais e para exacerbar sentimentos de medo diante dos
poderes ilimitados da autoridade judiciária: a capacidade de mandar prender a
qualquer deslize, mesmo se motivado pelo desconhecimento das regras formais
(cf. Marques Jr., 1994).
CAPÍTULO 17
JUSTIÇA VIRTUAL: O INQUÉRITO POLICIAL E O PROCESSO PENAL SOB A ÓTICA DOS
OPERADORES DO DIREITO.
Nancy Cardia
Introdução
As entrevistas com os operadores do direito tiveram por objetivo identificar
de forma exploratória os critérios que esses operadores utilizam para avaliar seu
próprio desempenho e o de seus colegas. A análise dos processos penais, dos
casos selecionados para a reconstrução, prevista no plano de pesquisa, envolve
entre outras uma avaliação da atuação desses operadores na fase de inquérito
policial e no decorrer do processo penal. Um dos critérios de avaliação é o que
está estabelecido no Código de Processo Penal. A decisão de entrevistar os
operadores partiu da suposição de que além, dos critérios formais, poderiam
existir critérios informais, socialmente compartilhados pelos operadores de direito,
sobre o que constitui um inquérito e um processo ideais, e cujo conhecimento
poderia enriquecer a análise dos processos. Optou-se então por realizar um
número reduzido de entrevistas com profissionais da área (conforme descrição
metodológica contida no capítulo 4 deste relatório). Estas entrevistas tiveram por
objetivo explorar os obstáculos para a realização de um inquérito e de processos
ideais no caso de crimes contra a vida.
O inquérito policial ideal leva a uma denúncia que é aceita pelo judiciário e
em última instância ajuda a obter uma condenação ou uma absolvição quando se
trata de legítima defesa.
O tempo
O inquérito policial ideal no caso de homicídio deveria ser ágil. Essa
agilidade, posta em números, significaria 90 dias e não os 30 dias previstos no
Código de Processo Penal. É um consenso entre os entrevistados quer sejam
delegados, promotores ou juízes, que nos dias de hoje é muito difícil que um
inquérito policial referente a homicídio se encerre em 30 dias. Isso só seria
possível nos casos em que ocorre prisão em flagrante, onde há testemunhas do
ocorrido que tenham credibilidade e disposição para testemunharem em juízo e
quando os laudos estejam prontos rapidamente. Assim o prazo de 30 dias é
descrito como “um prazo teórico” (promotor 4) que seria adequado às
características do que era a sociedade, do perfil e da incidência da criminalidade
e às condições de trabalho da polícia na década dos anos 40. Hoje o prazo
mínimo deveria ser de 90 dias.
O inquérito deveria ser ágil para se garantir que o processo como um todo
seja rápido sem que se deixe de respeitar os direitos dos envolvidos mas de
modo a garantir que a justiça se efetive. A justiça efetiva é, no entender dos
entrevistados, mais do que a justiça formal. A justiça formal em termos dos
trâmites do inquérito (e posteriormente do processo) no entender dos operadores
do direito sempre ocorre. Mas a justiça efetiva, com a condenação dos
responsáveis ou absolvição daqueles que praticaram homicídio em legítima
defesa, exige agilidade dos operadores do direito: "Se você julgar muito tempo
depois, você não vai conseguir reproduzir a verdade... Então você fica, às vezes
fazendo da justiça um símbolo de alguma coisa essencialmente formal. Você
instaura o inquérito, chega a uma conclusão e dá uma sentença. Mas você não
resolveu a questão. Você não promoveu a justiça, você não apurou nada. Mas
formalmente você tem, estatisticamente o processo decidido direitinho." (juiz 1)
A agilidade é necessária para garantir a solidez das provas e para que não
haja perda de informações. Com o passar do tempo aumenta o risco de
mudanças na equipe que informa o inquérito desde sua instauração e com isso
crescem as chances de perda de informações. Aparentemente não existem
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 659
“procrastinação desnecessária”: "Eu vejo o que estão fazendo. O que é que foi
feito entre uma concessão de prazo e outra para ver se eles não estão jogando
lá. Vejo quem está sendo acusado, quem é o indiciado, a classe social, réu
potentado a gente tá de olho ali mesmo, para ver se não há nenhuma
procrastinação desnecessária" (promotor 1).
De modo geral o inquérito policial ideal contém provas fortes e essas são
prioritariamente as provas técnicas, os laudos produzidos pelo Instituto de
Criminalística e pelo Instituto Médico Legal ou ainda pelos Departamentos de
Medicina Legal de universidades. Mas não exclui outros tipos de provas: filmes,
fotografias, fitas gravadas, e até mesmo provas testemunhais quando fornecidas
por testemunhas com credibilidade.
Essas informações são, então, básicas para a atuação dos promotores e dos
juízes.
Essas perguntas exigem uma definição clara da causa mortis e uma
reconstrução o mais fiel possível dos eventos que levaram à morte. Para que isso
ocorra são necessários laudos necroscópicos completos com informações sobre
peso e altura da vítima, uso de drogas (exames toxicológicos), e eventual uso de
armas (exames residuográficos) por parte da vítima. São necessários ainda
informações sobre a trajetória das balas, a distância dos disparos, exames
datiloscópicos e teste de armas, quando apreendidas, para identificar se são as
responsáveis pelos disparos que causaram os ferimentos.
A preservação do local é uma etapa essencial para que boa parte dessas
informações constem do inquérito e o tempo entre o momento da ocorrência e a
chegada das equipe é um fator de grande importância para a obtenção das
provas listadas acima: "Tem que ser uma coisa rápida entendeu? Porque está
tudo ali naquele momento. Daqui a dez minutos pode não ter mais nada"
(delegado 4). Outra condição é a disponibilidade de equipes de policiais civis, de
peritos e do Instituto Médico Legal chegarem rapidamente aos locais de
ocorrência, pois mesmo com o local preservado algumas provas ou evidências
são modificadas pelas condições climáticas.
coisa também muda. Lá o réu confessou, mas chega aqui em juízo o réu diz:
‘não, eu não confessei. Eu só assinei aquilo’. É o que normalmente se fala, ‘só
assinei porque eu tomei choque, eles me bateram bastante. Então eu nem li o
que lá estava escrito, só assinei pela promessa de que se eu assinasse eles
parariam de me bater’. Isto é uma coisa meio...Então, depende do lado em que
você está” (juiz 2).
Esse inquérito é o ideal por ser essa uma delegacia especializada o que garante
a acumulação de conhecimento. Suas equipes são percebidas como bem
treinadas, e motivadas. Cuidando de um caso do começo ao fim, as informações
não se perdem. Dispondo de seus próprios peritos, obtêm com facilidade e
agilidade exames e laudos.
O tempo
Assim como o inquérito policial o processo penal não deveria ser
demorado. Os entrevistados revelam que, em média (considerando-se as duas
situações, réu solto e réu preso), o processo penal não deveria durar mais de
dois anos ou até dois anos e meio. Isso é um consenso entre juízes e
promotores: “Em torno de um ano mais ou menos, é a média. Uns vão mais
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 668
depoimentos. Visto que maior peso é dado às provas técnicas o processo ideal
contém mais provas periciais (que sobrevivem ao tempo) e técnicas do que
testemunhais. "As provas periciais não tem a falibilidade da prova oral, porque?...
pois são provas exclusivamente técnicas. Obviamente elas podem estar ai
sujeitas a alguma crítica, mas se nós pudéssemos ....dar um índice para a prova
oral e para a prova técnica, naturalmente, que a prova técnica teria um índice
muito maior do que a prova oral. O aspecto é técnico e guarda vinculação com a
perícia.. Isto para um juiz é um dado concreto que se fica sujeito a crítica. Não
fica na mesma medida em que fica a falibilidade do ser humano “ (juiz 2).
Um dos entrevistados sugeriu que o Brasil deve ser o único país do mundo
em que é permitido ao réu mentir. No processo ideal, o indiciado não poderia
mentir em seu interrogatório: “Aqui parece que é o único país em que o réu pode
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 671
mentir é no Br. ...Não tem nenhuma pena pra isso, aqui é considerado o
interrogatório dele não como uma prova, mas como meio de defesa, é meio do
réu se defender, então ele pode mentir. Eu também acho que tá errado, devia ter
uma pena... Mentiu, ele vai ter a pena agravada, qualquer coisa assim, e se ele
confessar ele pode ter a pena atenuada, tem, se ele mentir não vai ter a pena
agravada" (juiz 3).
Hoje, isto está sendo percebido como um artifício pouco eficaz, pois de
qualquer modo o depoente ouve a pergunta que o promotor/advogado faz ao juiz.
Além da técnica ser confusa, ela faculta múltiplas interpretações. O juiz interpreta
o que o promotor/advogado perguntou e interpreta a resposta do depoente. Os
depoimentos assim obtidos não são considerados fiéis ou precisos e podem dar
margem a discrepâncias entre a informação que foi levantada no inquérito e as
provas em juízo: "quem dita as declarações aqui é o juiz e na delegacia é o
delegado, quer dizer pode haver uma simples divergência pelo fato de duas
pessoas diferentes estarem ditando" (juiz 3). Há uma preocupação, entre os
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 672
As etapas do processo
No processo ideal deveria haver maior poder para o juiz simplificar o
processo de instrução sem com isso pôr em risco as garantias de ampla defesa
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 673
outros países você faz direto, a produção da prova ele é feita automaticamente,
concomitantemente à instalação do procedimento penal. Quer dizer, você tem um
procedimento num juízo preliminar de admissibilidade da acusação.... já vamos
ouvir as testemunhas perante o juiz” (promotor 4).
Plenário do júri
O corpo de jurados deve ser idôneo, não ter laços de parentesco com os
operadores do direito, não ter vínculos com vítima e/ou agressores, ter
capacidade de compreender os debates e os quesitos que terão que responder.
dos envolvidos. Não bastaria esclarecer quem é o autor; seria necessário que o
promotor dispusesse de elementos sobre o comportamentos da vítima e do
agressor para que possam "remexer os valores das 7 pessoas do povo"
(promotor 3). Se o promotor não "preencher a lacuna das circunstâncias, o
advogado de defesa vem e preenche” (promotor 1) e, nesses casos, sempre em
vantagem do acusado.
mesma coisa. No meu modo de pensar você tirar uma vida é muito mais grave do
que tirar de uma carteira 10 reais” (juiz 5).
São vários os fatores que contribuem para que os inquéritos sejam longos
e inconclusivos. Eles envolvem rotinas de trabalho, recursos humanos e
materiais, não só da polícia civil como de outras instituições de apoio (Polícia
Militar, IC. IML), divisão de tarefas e de responsabilidades entre instituições,
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 681
O tempo
O inquérito policial real, no caso de homicídio, tem como prazo limite o
tempo de prescrição desse delito. Como esse tempo é de 20 anos, esse é o
tempo que os operadores percebem como o prazo limite do caso. No Código de
Processo Penal, como dito anteriormente, esse prazo é de 30 dias. Nos dias de
hoje esse prazo é considerado como impossível de ser preenchido. “O Código de
Processo Penal diz o seguinte que estando no caso do homicídio, o réu, o
indiciado solto, eu tenho 30 dias pra investigar. Sendo que eu posso, diante da
complexidade das investigações, solicitar maior prazo. E, normalmente, quando a
gente pede prazo pra o poder judiciário, eles vão concedendo pra gente. A gente
só tem que tomar cuidado com a prescrição do crime. No caso de homicídio
prescreve em vinte anos. Mas outros crimes, contravenções, prescrevem em um
tempo muito menor. Às vezes, um ano. Então a gente tem que ter esse cuidado
pra não prescrever” (delegado 2).
são dois anos para você concluir, até o final do processo. Mas se em um ano,
dois anos você... O promotor já começa a mandar carta malcriada.....Aí o que
acontece, muitas vezes acaba expirando o prazo no próprio Fórum, entendeu?”
(delegado 4).
militares. A Polícia Militar também não estaria treinada para colher todas as
informações sobre testemunhas presentes na cena do crime para que a Polícia
Civil possa, posteriormente, localizá-las: “Uma das dificuldades que nos temos
hoje, né, falando abertamente, é a preservação do local, que não há uma
conscientização, mesmo da população e mesmo de policiais que primeiro
atendem o local, com esta preocupação na preservação. Então, é um problema
que a gente vem encontrando, mas a gente vem ai com palestras na Academia
de Polícia vai tentando ai levar a consciência a todos” (delegado 6).
folgam mais um dia e no terceiro dia de trabalho (5o. dia consecutivo) cuidariam
de investigar os casos que atenderam no plantão e que constituem “seus casos”.
Em teoria, após cada dois plantões, teriam um dia para encaminharem as
investigações relativas a inquéritos em andamento. Mas, como esse tempo não é
suficiente, acabam tentando dar continuidade aos inquéritos durante os plantões.
Procuram conduzir as atividades internas tais como: solicitação de exames e
perícias, pedidos de dilação de prazo, tomada de depoimentos de testemunhas
citadas, entre outras. Mas os delegados, nos plantões também têm que cuidar
das ocorrências, dos flagrantes, tomar providências em relação ao Distrito e,
portanto, da carceragem além de todas as tratativas relativas aos presos. Um
delegado entrevistado, descrevendo seus plantões, relatou que tem, em média, 3
ou 4 flagrantes além das ocorrências comuns (média de 25 a 30 por plantão) que
devem ser registradas nos Boletins de Ocorrência. Como os crimes estão
aumentando, vem crescendo o número de inquéritos em andamento e se
ampliando o descompasso entre a rotinas de trabalho e a necessidade de se
investigar os delitos: “Nós temos um dia só para trabalhar nos inquéritos, só que
infelizmente um dia só não dá, devido ao volume de serviço, você tem que fazer
isso nos outros dias de plantão também...O plantão é de, são de doze horas. ...Aí
você descansaria 24 horas .. e no terceiro dia (de trabalho), que nós falamos, a
gente volta pra delegacia. Às vezes na parte da tarde, para fazer os inquéritos,.....
Então, você acaba nos plantões atendendo as partes, cuidando da carceragem e
tocando os inquéritos” (delegado 4).
271
Nem mesmo o encaminhamento dos casos de autoria desconhecida para o DHPP garantem
que esses serão resolvidos. O que tende a ocorrer é que, quando os casos de autoria
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 687
desconhecida chegam ao DHPP, já se passou muito tempo e isso reduz em muito a probabilidade
de serem resolvidos. Mesmo no DHPP há um expressivo volume de trabalho: cada delegado
chefia, em média, cerca de 150 inquéritos. A diferença entre eles e os distritos policiais é que
podem se dedicar só a investigar esses casos, todos exclusivamente de homicídio.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 688
conseguir executar. Então nem todos os casos, a maioria não dá mesmo pra
fazer investigação. Eu estaria mentindo se estivesse falando que dá. Alguns
casos a gente consegue esclarecer, alguns casos que a gente tem informações
anônimas. Esses casos a gente dá preferência pra investigar" (delegado 2). Os
casos de repercussão levam a pressões sobre a equipe: “Então, se, se houver
um crime que dependa muito de investigação, esse crime não vai ser
esclarecido....Não será esclarecido, a não que seja um crime de ampla
repercussão. Aí nós somos cobrados....Então, não tem jeito. Aí tem que ir atrás...
Talvez nem esclareça, mas dar-se-á mais atenção àquilo...” (delegado 3).
272
Os distritos policiais aparentemente estão “especializados” abrigando cada um deles um tipo
de detento: alguns distritos têm em seus xadrezes só mulheres, outros têm só homicidas, outros
só traficantes de drogas e assim por diante. Ou seja, procura-se manter uma população
homogênea no distrito em termos do tipo de delito que cometeram e pelo qual cumprem pena.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 689
delas podem afetar suas carreiras, há um forte incentivo para não deixarem seus
postos: “(sem carceragem) ...você pode, às vezes, sair do plantão pra se
deslocar para um local e fazer uma diligência mais demorada, sem receio da
carceragem. Às vezes você sai para um local, como eu te falei no caso da
(delegacia) 93 que teve a fuga, você sai pro local e quando você volta não tem
mais os presos! Aí, você fala, pô, agora você não sabe se você sai para fazer a
diligência ou se você sai esperando que os presos fujam, ou....Você tem essa
preocupação de acontecer alguma coisa na carceragem. Aí isso vai gerar uma
sindicância administrativa ou um processo administrativo, entendeu?... Somos
responsabilizados. Então, eu vou sair daqui e se foge um preso? Então, você fica
com aquele receio” (delegado 4).
você ficar atrás de alguém sem ser, sem ser visto.. E campana não é tão simples.
Nós não temos condições de fazer. Porque aqui tem que ficar no mínimo quatro,
cinco investigadores na delegacia diariamente. Não pode ter rebelião.... A
qualquer momento pode um preso matar outro...” (delegado 3). Com o tempo,
aqueles profissionais que tinham habilidade técnica perdem essas habilidades
por “falta de uso” enquanto os novos policiais sequer chegam desenvolvê-las.
cérebro. A coisa mais gostosa que tem é você brincar com a mente do criminoso,
então aprender, inclusive é beneficio prá eles inclusive na vida particular deles,
vão raciocinar melhor, aquele exercício de pensamento que causa, vem dentro
de uma lógica, o camarada sabe se posicionar, isso vai trazer beneficio pro
inquérito” (delegado 6).
• Rotatividade de pessoal
um inquérito que deixaram anos atrás, quando esse chega, ainda sem solução, a
um departamento especializado (DHPP): “eu tenho um caso meu aqui. Eu atendi
um suicídio que não convencia o distrito que era suicídio e...enfim, quando fui
removido de lá e assumi meu posto aqui no Departamento de Homicídios,
continuei minha vidinha normal... O inquérito lá não foi relatado. Hoje aportou
aqui o mesmo inquérito. Então...até o meu despacho inaugural que foi:
‘Reassumo, porque eu inaugurei aquele inquérito...’”(delegado 5).
• As testemunhas
• A polícia e a comunidade
esse aí é difícil...identificar, ninguém fala. Mas os outros foram todos...e não são
muitos também" (delegado 1).
273
É importante notar que todas os comentários sobre a atuação da diferentes instituições foram
espontâneos; o roteiro de entrevista não abordava esse tema.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 702
Corregedoria dos Presídios, eles que têm que ver onde o réu tá preso e
encaminhar pra autoridade policial pra que ele seja apresentado. Mas muitas
vezes o réu é transferido nas vésperas do julgamento, é transferido de um
presídio pra outro e, por exemplo, a Casa de Detenção recebe e ao invés de nos
comunicar que nos comunicar que transferiu para o Centro de Observação
Criminológica, não nos comunica, então ele simplesmente não nos é
apresentado. O Centro de Observação não tá sabendo e a Detenção já não tem
como nos transferir porque o réu não tá lá" (juiz 3).
274
Percebem-se como assistentes sociais, como juízes de paz, conselheiros familiares,
administradores do portal do inferno (cadeias), operário do direito penal, entre outros.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 706
Nessa disputa onde os dois lados querem garantir que o público esteja
protegido, é justamente o público que estará mais vulnerável como reconhece um
delegado: “É, e quem sofre com isso não é a polícia, quem sofre com isso é as
pessoas que perdem os entes queridos, aqueles que perdem seus veículos,
aqueles que perdem seus amigos... eles que sofrem tanto com isso porque eles
gostariam de, de ver esclarecido e recuperar seu bem, né? Quem... A pior coisa
que tem é você sair daqui agora, vai pegar seu carro e tem um vazio no lugar do
seu carro. Cê olha aquele vazio e fala ‘Pô, ali é meu carro, era meu carro’, né?
Isso acaba com você” (delegado 3).
ocorre com freqüência. Então ocorre o sujeito se responsabilizar por atacado, por
vários processos. Num dia só, num único dia eles resolvem 20 casos que estão
pendentes....(...) Que crédito eu, juiz, vou dar prá uma confissão que algum réu
tenha dado numa situação dessas? Nenhum! ..... (...) ele possivelmente tenha
praticado alguns daqueles fatos, possivelmente possa ter praticado até todos,
como pode ter não ter praticado nenhum....” (juiz 5). Os delegados entrevistados
percebem que a imagem de violência associada a polícia decorre da suspeita do
uso da tortura, mas eles revelam também uma ambigüidade em relação ao seu
uso: “Porque na época da repressão se praticou muitas arbitrariedades, mas
também se esclareceu muitos crimes, pelo que eu sei. Hoje... às vezes entra uma
pessoa de flagrante em crime de roubo, furto... A gente não tem como... meios
pra investigar essa pessoa e descobrir se ela praticou outros crimes. E ela acaba
respondendo só aquele caso de flagrante. Quando que antes você conseguia,
das formas que se utilizava, se esclarecer uma porção de crimes. Tá? Se
esclarecia 10, 20, 30 crimes que aquela pessoa praticou. Com apreensão de
objetos, recuperação do que foi subtraído... Seria óbvio que eu sou contrário aos
meios que se ... trabalhavam... que se usavam naquela época pra trabalhar. Não
sou favorável a isso...Então a população por isso tem medo da polícia. Pelo
pouco que a gente faz a... o esclarecimento dos fatos... se esclarece muito
pouco...” (delegado 2). Esse entrevistado reconhece a “eficiência” da tortura e a
inexistência de métodos adequados para um competente trabalho policial. Sua
fala revela certa nostalgia por uma técnica cujo uso ajudou a comprometer a
imagem da polícia. As críticas ao uso da força pela polícia são rechaçadas por
outro delegado ao comentar as suspeitas que seriam levantadas sempre que a
polícia prende alguém: “imediatamente questionam se não aplicaram alguma
violência contra o preso...preferem acreditar no defensor do que na polícia...mas
tem pessoas que não podem ficar em liberdade, porque ele vai praticar o mal em
outras pessoas. Se ela ficar encarcerada, o mal menor é de praticar o mal a
alguém ...mas prá algum companheiro de cela, no máximo, né” (delegado 3).
Outro delegado, ainda ao final da entrevista, perguntou aos entrevistadores se
não iam lhe perguntar sobre o uso da tortura: “Vocês não vão perguntar se a
polícia bate, espanca e tortura? Nós gravamos tudo justamente para não chegar
em juízo e dizer: ’eu confessei, mas fui ameaçado, fui torturado’” (delegado 5).
Autoria desconhecida
O aumento dos casos de homicídio com autoria desconhecida está
preocupando os promotores entrevistados. Todos eles revelaram-se insatisfeitos
com esse aumento. O crescimento da “autoria desconhecida” e conseqüente
arquivamento de casos de homicídio é coerente com os obstáculos citados para
a realização dos inquéritos policiais. O que é deveras preocupante é o fato dos
delegados entrevistados não parecerem considerar esse aumento um problema,
pois dele não fizeram qualquer menção; é quase como se isso fosse dado como
normal. Esse crescimento se dá majoritariamente nos casos de homicídios
investigados pelos distritos policiais. O que estaria ocorrendo é que os casos
mais complexos, que exigiriam mais investigação mais acurada, vão ficando de
lado. Tanto tempo se passa que, ao serem enviados para o DHPP ou para a
promotoria, a única providência possível é pedir o arquivamento. Como o
percentual parece alto aos promotores - eles suspeitam que entre 50 e 60% dos
casos de homicídio estariam sendo arquivados como autoria desconhecida -,
estaria de certo modo aumentando a impunidade. O agravante é que, segundo
um dos promotores, são os homicídios mais terríveis as chacinas, os crimes
planejados os que ficam impunes: "Então, na prática, o que acontece é que a
repressão é muito boa quando tem prisão em flagrante, porque ... já prende, é
uma coisa rápida, dez dias já conclui o inquérito, já começa o processo. Acontece
justamente no caso de crimes, digamos assim, que são os menos escabrosos, os
menos graves, os que não são ligados a crime organizado, a quadrilhas,
né...geralmente um crime passional, ou mesmo uma briga de vizinhos. Então...é
mais comum que isso aconteça com...pessoas...menos perigosas, digamos
assim...Porque, o homicídio é sempre um crime grave, mas a gente vê que tem
coisas que são horríveis, planejadas, praticadas por motivos péssimos ... E quem
é preso mesmo acaba sendo aquele que não planejou, que não tem uma
quadrilha, aquele que não tem prática de saber que já tem que fugir, que tem que
não deixar rastro, essas coisas. E por outro lado, os ... muitos dos crimes que são
gravíssimos, chacinas, permanecem com autoria desconhecida e os inquéritos
rodam por muitos anos, né" (promotor 3).
nós não temos uma estrutura ágil, os crimes ocorridos na periferia de São Paulo
os autores são mais do que conhecidos, porém não delatados. .... É a ‘lei do
silêncio’.... eu incluo aqui algumas queimas de arquivo praticadas por policiais
que se transformam em autorias desconhecidas. É 'feeling', é cheiro. Você vê é
um inquérito que não foi investigado, você vê que falta ouvir pessoas, quando vai
para o DHPP é tarde demais" (promotor 5).
O tempo
275
Como se sabe, o “turn-over” de operadores do direito constitui sério obstáculo ao andamento
regular do processo.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 715
que você vai conceder a ele liberdade provisória? Amanhã ele vai no mesmo
farol, no mesmo local e vai fazer a mesma coisa, e aí nós não vamos ter uma
vítima, vamos ter duas. Então, o importante é o seguinte, a prisão preventiva é
uma exceção e ela não pode, os motivos da decretação dela não podem ser
estendidos, porque senão vai cair na arbitrariedade” (juiz 4).
• Volume de trabalho
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 716
• Condições de infra-estrutura
quatro juízes, eu sou o titular e tem três auxiliares e nós dividimos os finais de
processo pelos quatro. Então, os processos que eu estou acompanhando a
instrução, que eu recebi a denúncia, ouvi as testemunhas, dei a decisão de
pronúncia, eu vou marcar depois o júri numa vaga na minha pauta. Essa é a
regra geral, mas eu posso fazer o júri pra um colega, o colega fazer um júri pra
mim, não tem problema, nós temos competência total aqui” (juiz 3).
se acha réu, é zona rural, né, sítios, chácaras” (juiz 3). À medida em que passa o
tempo aumenta a probabilidade de que a testemunha mude de residência e aí a
localização fica comprometida. Isso pode comprometer até mesmo o desfecho do
processo se essa testemunha fôr muito importante para esclarecimento dos fatos:
“Às vezes acontece de uma vítima se mudar, mas não é a regra,.. é claro, que
uma testemunha dessas que não seja localizada, muitas vezes, se isso acontece,
vai levar a uma absolvição, porque uma testemunha fundamental pra que
demonstrasse a autoria de determinado réu... isso acontece, mas não é a regra.
...mas via de regra não, por incrível que pareça as vítimas são localizadas, as
testemunhas comparecem. Acho que vocês tiveram mais tempo, hoje até que tá
tranqüilo, mas 1:00 hora da tarde o andar fica lotado de pessoas pra serem
ouvidas e tal, É uma coisa gratificante saber que funciona” (juiz 4).
• desfecho da instrução
Nessa análise, não basta, por exemplo, que o indiciado tenha confessado
na delegacia; é essencial que as provas constantes do inquérito corroborem os
termos da confissão: “eu acredito que apenas a confissão na polícia é difícil pra
você levar o réu a júri, se depois em juízo ele nega. Você tem que analisar se a
confissão dele, com base nas outras testemunhas, com base na prova técnica,
nos laudos. Se ele confessa na polícia que ele deu três tiros na vítima, dois pelas
costas, um na cabeça, aí depois de dois meses, vem um laudo que prova que a
vítima foi morta com dois tiros nas costas, um na cabeça e em juízo ele vem e
fala que não foi ele? Então, a gente tem que analisar aquela confissão como
certa, porque tá condizente com a prova técnica” (juiz 3).
276
O juiz pode ainda desclassificar o delito, e absolver sumariamente o acusado.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 723
O julgamento
O júri é interpretado pelos promotores como sendo o momento do reviver o
que foi o delito: “Júri é um teatro no sentido mais sério da palavra... Então,
quando a gente vive este teatro que é o dramalhão da morte, da orfandade e do
peso da própria violência, você acaba incorporando o personagem. Então, não
tem como se faça Júri sem se morrer também, sem se buscar, até interpretar o
mal, o dano da violência, a dor da violência e isto é terrível, precisa ter uma
cabeça assim, muito controlada“(promotor1).
Estando o réu presente o julgamento tem início com a escolha dos jurados.
Essa escolha também é dotada de algumas peculiaridades: em cada vara de júri,
é feita, no começo do ano, uma escolha dos jurados que atuarão ao longo de
todo o ano, naquela vara. A cada mês, um mesmo grupo de pessoas atua como
jurado em mesmo local. Assim, um promotor e um juiz contarão com um mesmo
corpo de jurados em diferentes julgamentos. Isso não é um fato neutro; essa
presença de um mesmo grupo de jurados afeta o desempenho do promotor,
como se verá a seguir. O procedimento de escolha dos jurados é o seguinte: “é
feita uma lista no começo do ano, um menor sorteia aqueles que vão figurar
durante todo o ano na lista dos jurados da cidade ou da comarca. E daí são
sorteados por sessão aqueles que vão participar daquela sessão, eles participam
da primeira e assim por diante, eles são sorteados pra cada julgamento” (juiz 4).
A lista deve conter uma “amostra” da sociedade: “Veja bem, ela é feita de
forma com que apareçam pessoas de diversos grupos sociais. Então existem
funcionários públicos, então existem é profissionais liberais, então existem de
todas as camadas sociais, porque senão você não tá representando a sociedade.
A idéia do júri é o julgamento pelos seus próprios pares, então esses nomes que
aparecem na lista, ainda mais comunidades pequenas, é muito fácil de ser feito.
São pessoas idôneas, ninguém com antecedente criminal, ninguém com qualquer
processo tramitando, nada disso, mas representantes da população, professores,
médicos, engenheiros” (juiz 4).
• Produção da prova
tá mentindo. Ela não vai se lembrar a quantos metros a vítima estava do réu,
quantas cadeiras tinham e tal. E começa (o advogado de defesa) a se perguntar
coisas desse tipo para tentar desacreditar sim” (promotor 5).
na cadeia ... eu não sei quantos anos ele tem, não conheço o caso assim com
mais especificidade, peguei ao acaso. Mas, pelo que eu conheço do advogado,
pelo que eu sei ele não pega caso assim... de gente perigosa, nem nada. Então
ele vai ter essa argumentação em seu favor, né. É claro que num julgamento
mais rápido, no calor dos acontecimentos, beneficia a acusação, quer dizer: a
vítima tá fresquinha, o fato tá fresco, as provas tão colhidas agora” (promotor 5).
• Quesitos
atenuantes a favor do réu. Se o jurado responder que sim, o juiz também diminui
a pena, pode aumentar a pena como agravante, se o homicídio foi cometido por
motivo torpe é uma qualificadora, o juiz tem que agravar a pena. Então, com base
nessa... nas respostas ele vai fixar a pena” (juiz 3).
Significado do júri
Ao descreverem o julgamento de casos de homicídio, os juízes e
promotores também falaram sobre o que acham da instituição tribunal de júri. Há
uma diferença sensível entre os juízes e promotores nesse tópico: os promotores
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 735
fazem uma forte defesa do tribunal de júri enquanto os juízes têm dúvidas quanto
à pertinência desta instituição.
grande, né. ...o Júri tem esse lado mais, o lado do apaixonante, o lado do
dinâmico, que normalmente você não observa, no dia-a-dia dos outros
processos” (promotor 4).
Já, os juízes temem que os jurados, sendo pessoas leigas, não tenham a
imparcialialidade necessária para julgarem, ou não tenham o discernimento
requerido para avaliar as provas. Os jurados não estariam imunes aos efeitos dos
meios de comunicação e de outras pressões que podem ocorrer: “são pessoas
leigas que vão julgar seus próprios pares. Hoje em dia é muito, seria
praticamente impossível você não admitir que um jurado possa sofrer esse tipo
de influência. (meios de comunicação) Todo mundo hoje em dia, por mais
humilde que as pessoas sejam, tem uma televisão em casa ou conhece alguém
da casa ao lado que tem uma televisão, então as pessoas assistem esse tipo de
notícia. Existem jornais especializados na televisão em passar notícias desse
tipo. Muitas vezes o júri já está de uma certa forma pré-concebido contrária ou às
vezes favoravelmente a uma pessoa. Às vezes também a imprensa faz o papel
inverso, tá, com determinada estória ou uma situação. Então, o júri popular, às
vezes ele, justamente por serem pessoas leigas se deixam influenciar pelo meio,
e isso pode ser positivo ou pode ser negativo em certas situações. Então é isso”
(juiz 4).
público, que tinha tido faixas, mas ... é uma inibição psicológica aos jurados, né.
pra acusação é difícil lidar com as convicções arraigadas que as pessoas têm,
então ... tenho certeza que um dos jurados é ... votou pela absolvição dele
provavelmente com o pensamento: ‘ele matou e fez muito bem em matar, eu
também teria feito isso’. Era uma pessoa que tinha um irmão policial que foi
morto por um bandido. Eu não sabia isso antes, evidente! Senão teria recusado
esse jurado...às vezes a pessoa acha...ele é culpado, mas que por esse
crime...ele não deve ser condenado...né, embora tenha praticado. Então, é...a
gente acaba lidando com vários fatores externos, né. Mas também ficou preso
durante algum tempo, então...com esses elementos que eu tinha eu...ia ser difícil
recorrer” (promotor 3).
comete o crime. Só ele que vai pra prisão, né? Por isso, acho que você já ouviu
falar daqueles três 'pês' do direito penal, né?.. Aqui literalmente é isso” (juiz 1).
As formalidades que não têm uma utilidade no processo penal vão ajudar
a manter a sobrecarga da polícia, do Ministério Público e do Judiciário garantindo
a continuidade do congestionamento atual e a manutenção da impunidade: “você
tem um processo penal que não se atina mais com o nosso tempo, porque esse
processo era um processo burocratizado para aquele tempo, que não havia
computador, .....não eram cometidos tantos delitos. Hoje não, enquanto você tá
perdendo tempo resolvendo esse caso, já ocorreram 3, 4 casos naquele espaço
de tempo e você tem que dar respostas e você acaba não conseguindo dar
respostas. Então isso gera impunidade, porque os casos não são julgados.. ..A
justiça penal é justiça de .... o número de pobre que vão aos tribunais criminais é
cerca de 90% de gente pobre. Isso é uma coisa que vem da tipificação do delito”
(juiz 5).
parece que isto demora mais para apurar que um homicídio, que é um crime
extremamente grave, homicídio triplamente qualificado, onde o réu foi preso em
flagrante, tá certo? E que todo mundo tá ali, viu, foi preso em flagrante tem dez
segundos. Podia trazer na hora, mudar o sistema e trazer na hora e resolver isto
na hora, você tá entendendo? Então, este..., vincular o procedimento à gravidade
do crime, me parece que hoje é alguma coisa ultrapassada” (promotor 1).
relativa a execução das penas também deveria mudar para se garantir seu
cumprimento integral: “eu acho que a prisão poderia temporária poderia ser
decretada por nós delegados....Prisão temporária é para fins de investigação.
Quem investiga é a polícia civil, por que nós delegados não poderíamos decretar
a prisão temporária comunicar com quem se encontra aqui para que o juiz
apenas ratifique posteriormente e nós faríamos aquilo que o juiz pede (...) isso
não tem problema. Outro caso também seria uma leve busca e apreensão”
(delegado 2). A outorga desses poderes aos delegados poderia agilizar o
inquérito policial, dizem os delegados: “daria maior celeridade ao inquérito
policial, é, determinhadas ações que são tolhidas para a autoridade policial.
Como exemplo: a busca e apreensão familiar que já foi outrora... o ato do
delegado de polícia e que hoje é um ato do juiz de direito. Então o que acontece
na busca? Muitas vezes, a arma do crime tá dentro daquela moradia, uma...outro
tipo de prova, uma carta, uma roupa da vítima, enfim, qualquer objeto, qualquer
forma de prova que a gente possa trazer pros autos. E também acho que é uma
bruta responsabilidade o juiz de direito, sem estar vendo o que está acontecendo,
ele como autoridade judiciária, ter que determinar o que se passa pela busca.
Sendo que é a autoridade policial que tinha, que detinha esse poder, deixou de
ter por interesses é, é, é...políticos e de algumas facções da sociedade. Também
porque em certa época houve abusos. Mas, eu acho que hoje nós temos uma
polícia renovada, nós temos homens, como também tínhamos em outros tempos,
é, é...de caráter e de hombridade” (delegado 5).
Qualquer que seja a pena ela deveria ser cumprida para reduzir as
sensação de impunidade: “O que deveria ser mudado na minha opinião é o
critério das penas. O indivíduo que, por exemplo, está sem habilitação, se a lei
diz sem habilitação, pena é de tanto, tem que cumprir essa pena, né? Então, nos
pequenos casos é que se verifica se há no país a impunidade ou não”(delegado
3).
matar, se eu, se eu ficar agora, aqui, se eu me perder com você, uma briga que
eu te mato, quem é que vai, quem é que ia dizer que eu ia te matar? Quem que
vai num bar... quem que vai dizer que alguém vai tirar um revólver e matar o
outro ou dar uma paulada no outro? É, é, imprevisível o homicídio, né? Então,
não há como você evitar policialmente falando. Agora, há como evitar
educacionalmente falando. Acho que deveria existir uma maior atenção do
Estado na parte de educação, pra, pras pessoas. Bom o, o homicídio é, na minha
opinião, o, o crime mais desconcertante na nossa vida social. Não há um meio de
impedir a sua prática. Muitas vezes a gente ouve é, pessoas não, não
especializadas dizer que, que homicídio poderia ser prevenido.....Uma falácia,
não é verdade. Ninguém sabe o momento que alguém vai ter um, um dissabor,
uma desavença......vai ter o sistema nervoso abalado e vai praticar um homicídio.
Então, é aquele sistema nervoso que, que pediu que ele prati..., que ele deixasse
de praticar essa ação, é, sistema nervoso, é aquela falta de um, de uma maior
orientação familiar... Né? E talvez tivesse uma escola, alguém que dissesse, um
currículo, uma matéria que dissesse é, qualquer momento de, briga, qualquer
discussão, “Não se perca, não se perca! Vamo fazer um teste aqui na sala! Você,
xinga ele: desgraçado! Não, não responda, calma!”. Então, quanto ao homicídio,
muito difícil nós prevenirmos, e é muito difícil também nós reprimirmos” (delegado
3).
Sem poder prevenir, sem poder prever quem se perderá nos meandros de
suas emoções, aos operadores do direito restaria lidar com as conseqüências
sem poder atuar sobre as causas: “Veja, nós combatemos o efeito. Nós temos
que esperar acontecer a morte de alguém prá investigar. Nós não trabalhamos na
prevenção. É outra coisa, você não pode falar numa prevenção propriamente
dita, de homicídio, por que você nunca sabe o que passa na cabeça de alguém.
O pensamento não paga imposto, então você não sabe o que está ocorrendo na
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 744
claro que acontece essa dificuldade de estruturação, mas isso também não é
uma coisa exclusiva do Brasil, muitos países tem, problema carcerário então é
problema mundial, dificuldade de volume de pessoas encarceradas” (juiz 4) .
aplicar a pena que a lei lhe confere aplicar. É um fato inegável porque os distritos
policiais, como nós sabemos, estão super lotados e não há nenhum tipo de
atividade de reeducação e ressocialização efetiva do preso”(juiz 2).
CAPÍTULO 18
JUSTIÇA REAL: A JUSTIÇA NO TEMPO
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 749
Sérgio Adorno
Wânia Pasinato Izumino
Jacqueline Sinhoretto
Fernado Salla
Luís Antônio Francisco de Souza
De tudo o quanto foi dito até agora, pode-se depreender que o desfecho
processual resulta de uma complexa operação institucional para a qual
concorrem decisivamente as práticas dos operadores do direito em suas tarefas
de apuração da responsabilidade penal e de distribuição de sanções consoante
condições previamente dadas, isto é determinadas pela estrutura e
funcionamento do sistema de justiça criminal. Viu-se que, embora o campo de
atuação institucional esteja delimitado por códigos e formalidades normativas, os
operadores técnicos do direito transformam-no, ora alargando-o ora restringindo-
o, introduzindo adaptações e arranjos “locais” de sorte a acomodá-lo diante das
pressões do mundo externo, provenham elas das mudanças sociais em curso -
entre as quais, a emergência e crescimento da criminalidade urbana violenta e
seu impacto sobre o sistema de justiça criminal -, ou de outras fontes como a
crise fiscal, como interesses políticos em torno da manutenção de um estilo
tradicional e convencional de exercício do controle social ou ainda de demandas
por preservação de privilégios corporativos. Deste modo, entre o inquérito ideal e
real bem como entre o processo penal ideal e real, traduzem os operadores do
direito uma justiça potencial em justiça virtual, mediante permanente e contínua
interpretação das possibilidades reais e concretas de aplicação dos preceitos
legais.
277
Não se dispõem, pelo momento, de dados a respeito das relações entre funcionários e número
de processos penais. Suspeita-se que a taxa seja muito baixa em comparação com a de outras
sociedades do mundo ocidental capitalista. De qualquer modo, dados relativos à relação entre
juízes e população indicam que, no Brasil, o déficit é bastante acentuado. Assim, enquanto nesta
sociedade a relação é de um magistrado para cada 29.542 habitantes, na Alemanha é de um juiz
para cada 3.448 habitantes; na Itália, um para cada 7.142 habitantes (cf. Sadek & Arantes, 1994,
p. 39).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 752
2. Os processos de linchamento
A junção de documentos
Problemas desta ordem, com seus impasses e dilemas, manifestam-se
com certa clareza nos processos penais, em particular nas tarefas de reunião de
provas documentais e de provas orais bem como nos trâmites burocráticos e nas
operações técnicas do direito penal. São freqüentes os problemas relacionados à
junção de documentos, como ausência de anexação, anexação incompleta ou
com flagrantes erros de informação ou ainda ausência de solicitação de
documento vital para esclarecimentos dos fatos, identificação de suspeitos e/ou
de testemunhas. No linchamento da Lapa, a vítima sequer chegou a ser
identificada. Inexistiam registros clínicos no hospital para onde ela havia sido
transferida quando resgatada por policiais militares das mãos de seus
linchadores. Do mesmo modo, pesquisa dactiloscópica não localizou qualquer
registro no Instituto de Identificação Criminal em São Paulo. A despeito da
ausência completa de informações, não se deu prosseguimento às investigações
mediante consulta aos Institutos de Identificação Criminal de outros estados da
Federação. Suspeitas de antecedentes criminais não chegam a ser investigadas.
No linchamento em Carapicuíba, a folha de antecedentes do indiciado somente é
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 753
278
Não se conseguiu saber, até o momento, se esta exigência constitui formalidade legalmente
instituída ou se trata de mera rotina, respaldada pela cultura organizacional.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 754
peritos não reconheceram emprego de meio cruel. Situação idêntica ocorre com
a vítima do linchamento na Praça da Sé. Idem com a vítima de linchamento em
Osasco. Em Campinas, ao contrário, os laudos dos exames necroscópicos
descrevem ferimentos muito graves concentrados no tórax e na cabeça das
vítimas. Neste caso - que, de resto, não é muito diferente dos demais casos
observados -, os peritos reconhecem que a morte foi produzida por meio
insidioso ou cruel, circunstância relevante para caracterizar o homicídio como
crime qualificado, dotado por conseguinte de circunstâncias agravantes.
falar sobre o que ouviu dizer ou sobre o que sabe a respeito da criminalidade
local, a propósito dos fatos que estimularam o linchamento ou mesmo sobre a
identidade das vítimas. Mais difícil, é encontrar quem se proponha a depor contra
os indiciados e réus. Uma outra dificuldade reside na elevada mobilidade da
população. Por um lado, há uma mobilidade estimulada por processos sociais
mais amplos, como alterações (inclusive geográficas) no mercado de trabalho ou
fluxos migratórios e que alcançam cidadãos comuns os quais eventualmente
possam estar envolvidos, como vítimas, agressores ou testemunhas, nos
linchamentos. Por outro lado, a simples possibilidade de qualquer cidadão
comum ser notificado pela polícia ou pela justiça penal para depor em inquérito
penal ou em juízo já constitui forte pressão para mudar de bairro ou desaparecer,
mesmo que temporariamente. Esta circunstância é certamente facilitada pelo
próprio ritmo e andamento dos feitos processuais cuja morosidade contribui
decisivamente para a dispersão de testemunhas.
Trâmites burocrático-administrativos
A par de todos esses problemas que contaminam a produção de provas,
há problemas relacionados aos trâmites administrativos. Em uma justiça pública,
orientada por princípios burocrático-legais que apelam para comunicação escrita
como requisito para assegurar direitos, é de se esperar que os trâmites
administrativos não constituam óbice ao cumprimento dessa exigência. Ao
contrário e em particular no processo penal, esses trâmites devem ser de molde
a garantir a execução do contraditório penal de forma a que se possa reunir e
articular todas as provas e contra-provas de cujo confronto resulta o ato de julgar,
mais propriamente o convencimento do juiz manifesto em sentença decisória.
Mas, esse cenário não parece ser regra nos casos observados. A par dos
pesados e embaraçosos trâmites previstos em legislação processual penal, a
cultura organizacional encarrega-se de adicionar outros tantos tornando o
andamento do processo um verdadeiro cipoal. No linchamento da Lapa, o
processo circulou durante cinco meses em vara criminal de tribunal singular.
Entre idas e vindas, um novo promotor designado para o caso “descobriu” que os
autos cuidavam de homicídio razão por que deveriam ser remetidos a uma vara
do tribunal de júri. No linchamento do Jardim Miriam, o laudo necroscópico foi
enviado equivocamente para um outro distrito policial que não aquele por onde
corria o caso. Antes de alcançar definitivamente o distrito policial de origem, o
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 763
laudo teve que ser remetido à seccional regional, como aliás é feito com todo o
trâmite administrativo de inquérito, embora esse fluxo pouco parece fazer sentido
pois que nenhuma providência é adotada nessa divisão, exceto a de tumultuar o
andamento dos feitos.
Existência de informalidades
279
Esta situação merece ainda comentário adicional. O Ministério Públicou pleiteou consulta aos
registros civis de 1980 até março de 1988. A resposta foi negativa. Insistiu uma vez mais por
entender que somente havia sido consultado o livro de 1980. O oficial maior consultou o juiz sobre
como proceder. Este determinou consultar novamente o Ministério Público. Foi novamente
enviado ofício ao cartório de registro civil, cuja resposta é idêntica à anterior. Inconformado, a
promotoria insiste na continuação das diligências para localização do atestado de óbito. Por fim,
como não lograsse qualquer êxito, desiste de ouvir esta testemunha.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 764
Se, por um lado, os trâmites são tumultuados, por outro lado é possível
identificar informalidades no curso do processo penal. Em um ou outro caso,
flagra-se o Ministério Público alegando que promoverá diligências por conta
própria e com seus próprios meios, o que parece estranho já que este órgão não
os dispõe. É o que se verificou, por exemplo, no caso da Praça da Sé. Não há, no
processo, descrição de quais são esses meios e recursos. Em geral, tais
diligências são infrutíferas. Não é mesmo improvável que se trate de um
expediente adotado para enfrentar o acúmulo de serviço, amenizando o volume
de inquéritos e processos penais aguardando encaminhamento para desfecho
decisório. Mais curioso ainda é constatar informalidades na intimação de réus e
de testemunhas. No caso de Mauá, onde se verificou verdadeiro tumulto na
localização de réu preso, fato já relatado anterioriormente, funcionário do cartório
informou que havia deixado de expedir um ofício - certamente relativo à
determinação do juiz para que o réu permanecesse finalmente na Cadeia de
Mauá - pois “em contato telefônico com a Cadeia Pública local, o funcionário C.
comprometeu-se em providenciar a escolta para o réu ser apresentado na
audiência designada às fls. retro, tudo conforme determinação verbal”. Nestas
circunstâncias, é muito difícil avaliar o quanto iniciativas desta ordem contribuem
para acelerar os trâmites processuais sem comprometer e agredir direitos
assegurados pela legislação penal.
Junção de documentos
Dado interessante, que aponta para uma certa acomodação das relações
entre a polícia e a justiça, diz respeito aos pedidos de dilação de prazo. Em
quase todos os processos analisados sempre que houve solicitação, da parte do
delegado, de dilação do prazo de conclusão do Inquérito Policial ela foi atendida
sem maiores problemas.
Dentre os casos analisados, o caso da Zona Sul foi o único que teve a
realização do exame perinecroscópico, feito com o cadáver ainda no local do
crime. Porém, o laudo só foi anexado um ano e um mês depois de tal forma que
nenhuma contribuição forneceu uma vez que quando de sua junção aos autos
estava às vésperas do julgamento do júri, não sendo utilizado nem pela defesa
nem pela acusação.
ela teria tido participação ativa no caso; essa testemunha era conhecida no bairro
como preso albergado que andava armado e com a proteção de policiais. Devido
às denúncias de outras testemunhas, finalmente e apenas na fase judicial, o
delegado que presidira o inquérito resolveu indiciar esta testemunha; durante as
investigações, no entanto, ela foi baleada e faleceu. Algumas vezes,
aparentemente para tornar o inquérito mais rápido, o delegado sequer ouviu as
testemunhas.
Trâmites Burocráticos-Administrativos
Portanto, não obstante os poucos exemplos dados aqui, pode-se dizer que
os procedimentos burocráticos e administrativos implicados no processo penal, e
cuja responsabilidade cabe aos cartórios, não parecem ser levados com
seriedade. Basta lembrar, além dos problemas arrolados, que não há, nos
processos, mecanismo de averiguação de responsabilidades ou de punição dos
responsáveis pelos atrasos ou pelas ausências de cumprimentos de despachos
judiciais. Estranhamente, os motivos que forçam a imprecisão das ações judiciais
ou que provocam demoras inaceitáveis não são passados em revista pelas
autoridades que deveriam zelar pela qualidade material e legal do processo.
poderia ter solicitado a prisão preventiva do indiciado, mas não o fez. Neste caso,
ainda, nos autos não há quanto às formas pelas quais a polícia localizou uma das
testemunhas, nem quanto aos procedimentos e solicitações formais, não só na
fase de inquérito como também na de instrução criminal.
Atos da defensoria
o defensor pediu afastamento e o réu constituiu outro, logo depois o réu fugiu. Os
defensores públicos - dos demais réus - na fase de alegações finais,
ultrapassaram em muito o tempo regular que tinham, o que revela no mínimo
despreocupação com o caso. Apenas um defensor buscou outras formas de
atuação, quando interpôs recurso. O réu 4 também constituiu defensor que
sequer apresentou defesa prévia nem arrolou testemunhas. O defensor tentou
contradizer uma testemunha numa audiência, no que foi interrompido pelo juiz
que presidia a mesma.
CAPÍTULO 19
O TEMPO DA JUSTIÇA: A QUESTÃO DA MOROSIDADE PROCESSUAL
Sérgio Adorno
Jacqueline Sinhoretto
Wânia Pasinato Izumino
280
Os operadores técnicos do direito compreendem todos aqueles atores que dispõem de saber
especializado, adquirido em formação profissional própria, exercitada em ensino de terceiro grau
(universitário). Por operadores não-técnicos compreendem-se funcionários, que não foram
submetidos ao mesmo tipo de treinamento profissional, em cujo saber é adquirido através da
manipulação das rotinas administrativas do serviço. A diferença é aqui significativa, como se verá
mais a frente, pois que se cuidará de identificar agentes - atores e práticas institucionais -
responsáveis pela morosidade processual.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 782
2. Os processos de linchamento
Gráfico 1
Linchamentos em São Paulo, 1980-1989
Duração total dos processos (em meses)
CA M PIN A S 120,33
LA PA 101,41
M AUÁ 68,48
PRA Ç A D A SÉ 61,11
JA RD IM N O RO N H A 22,52
JA RD IM M IRIA M 20,40
O SA SCO 11,29
ID EA L 10,16
legal em outros países, como se constata pela leitura do quadro 14, a seguir
transcrito:
Quadro 14
Morosidade comparada (processos cíveis)
Caso fosse possível abstrair todas essas ponderações que turvam o rigor
que se deve imprimir às análises comparativas, seríamos necessariamente
levados à conclusão segundo a qual a morosidade processual nos casos de
linchamento observados nesta pesquisa está muito além da morosidade nos
países relacionados. Mesmo comparando com a de Portugal, o país onde a
morosidade é mais acentuada face aos demais, ainda assim nosso lapso de
tempo é três vezes maior; ou seja, no intercurso de tempo necessário para o
julgamento de um caso de homicídio doloso resultante de linchamento (ocorrido
no município de São Paulo ou em sua região metropolitana), em Portugal são
julgados três processos cíveis.
Tabela 5A
Morosidade em processos julgados em Varas Criminais segundo a natureza do crime
Município de São Paulo
1990
Tabela 5B
Morosidade em processos julgados em Varas Criminais segundo natureza do crime
Município de São Paulo
90
Tabela 6
Morosidade em crimes dolosos contra a vida segundo desfecho processual
Município de São Paulo, IV Tribunal do Júri, Fórum Regional da Penha
1984-1988
Tabela 7A
Morosidade em crimes dolosos contra a vida segundo desfecho processual
Município de São Paulo, III Tribunal do Júri, Fórum Regional de Santo Amaro
1984-1989
Tabela 7B
Morosidade em crimes de lesão corporal segundo o desfecho processual
Município de São Paulo, 1ª Vara Criminal, Fórum Regional de Santo Amaro
1984-1989
281
Essas limitações provêm de duas circunstâncias. Em primeiro lugar, nessa pesquisa -
“Discriminação racial e justiça criminal” - a observação dos processos penais foi encerrada com a
decisão judicial em primeira instância. Não se considerou a existência de recursos a instâncias
superiores. Convém observar, contudo, que a proporção de processos nessa condição não é tão
elevada, como talvez se pudesse suspeitar. Em segundo lugar, é preciso lembrar que os crimes
de competência dos tribunais singulares têm seus procedimentos processuais abreviados quando
comparados com aqueles de competência do tribunal do júri.
282
Uma conclusão desta ordem, para ser generalizada, estaria a merecer exame de séries
históricas, além de análises mais aprofundadas do que se está em condições de fazê-lo, pelo
momento. De qualquer modo, neste nível, parece que as desconfianças do cidadão na justiça
relevam de outro lugar; talvez, não resultem efetivamente da morosidade, embora ela seja tema
freqüentemente presente nos debates públicos e nas pesquisas de opinião, porém do pequeno
número de casos que efetivamente chega ao conhecimento do juiz, é submetido a julgamento e
acaba por merecer sentença judicial decisória. Grande parte das ocorrências policiais sequer
chega a se converter em inquérito policial, aliás como já se sublinhou anteriormente; entre os
inquéritos, é elevada a proporção de feitos arquivados. A respeito, vide Adorno (1994b).
283
De acordo com Foucault, "cada sociedade tem o seu regime de verdade, sua 'política geral' de
verdade; isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, as
maneiras como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados
para obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como
verdadeiro". (Foucault, 1979: 12). V. também Foucault (1980: 17).
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 794
284
Cf. Izumino, W.P. Justiça Criminal e Violência contra a Mulher. (O papel da Justiça Criminal na
solução dos conflitos de gênero, 1991-1996). São Paulo, mimeo. Mestrado em Sociologia,
FFLCH/USP, 1996.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 796
psicológica ou moral) de quem quer que seja, e/ou ainda ameacem o patrimônio
público ou privado, a saúde pública, valores preservados como símbolos de uma
identidade grupal ou nacional etc. Essa representação do homem enquanto
sujeito portador de razão e responsabilidade, capaz tanto de obedecer quanto de
agredir, constituiu o sólo no qual modernamente se erigiu, em diferentes
sociedades do mundo ocidental, uma sorte de justiça penal sustentada no triplé:
materialidade do delito, autoria e nexo entre materialidade/autoria. Todo seu
modelo normativo e a cultura judicial que o pôs em funcionamento convergem
portanto para a “individualização” da responsabilidade penal sob o argumento de
que as motivações são necessariamente restritas à órbita do indivíduo em seu
mundo privado.
O dispêndio do tempo
O gráfico 2, a seguir transcrito, indica como o tempo judicial é consumido
entre as distintas fases do processo penal. Considerando o tempo estimado para
a morosidade necessária nos casos de linchamento observados (52,36 meses),
poder-se-ia dividir esse lapso idealmente do seguinte modo: 2,63 meses na fase
policial; 4,16 meses para a fase intermediária; 27,5 meses para a primeira fase
judicial; e 18,06 meses para a segunda fase judicial. Essa distribuição ideal
corresponderia às proporções de 5,04%; 7,94%; 52,52%; e 34,49%
respectivamente.
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 798
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 799
Não parece haver, por conseguinte, uma razão primordial que explique
esta variabilidade no consumo do tempo judicial. A “lógica” que preside a
morosidade processual não reside nas diferentes fases judiciais. Certamente,
distintas circunstâncias, em cada caso, concorrem para que o processo emperre
Núcleo de Estudos da Violência – NEV/USP 800
Tabela 8
Processos Entrados e Julgados na Justiça Criminal
Brasil e Estado de São Paulo
1º trimestre de 1991
Tabela 9
Número de Habitantes, Cargos e Juízes, Por Região
São Paulo e Brasil
Dezembro, 1991
Referências
ao final desse lapso temporal. Há, por conseguinte, um acúmulo progressivo que
tende a agravar ainda mais o cenário da morosidade e da eficácia da justiça
penal brasileira. Concorre para explicá-lo a relação, extremamente desfavorável
quando comparada com a de outros países, entre o número de juízes por
habitante. No Estado de São Paulo, essa relação é nove vezes inferior à da
Alemanha; quatro vezes inferior à da França e da Itália. Não é, portanto, de
estranhar que a morosidade seja ainda mais agravada naqueles casos em que a
violência parece pouco se ajustar aos parâmetros ditados pela legislação penal
vigente, como nos casos de graves violações de direitos humanos.
Quadro 15
Distribuição do número de agentes que atuaram em cada processo de linchamento
1980-1989
Campinas 7 9 9
Carapicuíba 4 13 5
Itapecerica da 2 15 11
Serra
Jardim Miriam 6 5 2
Jardim Noronha 3 2 3
Lapa 7 10 10
Mauá 1 7 6
Osasco 2 3 1
Praça da Sé 3 7 14
Ribeirão Pires 5 9 10
Fonte: Poder judiciário - inquéritos policiais e ações penais
Pesquisa NEV/USP (1993-1997)
CAPÍTULO 20
O DESFECHO PROCESSUAL: AS DECISÕES JUDICIAIS E PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
Sérgio Adorno
Fernando Salla
Luís Antônio Francisco de Souza
1. Os processos de linchamento
No quadro 16, que segue abaixo, podem ser constatadas as estreitas
relações entre morosidade processual e impunidade.
Quadro 16
Desfecho Processual
Linchamentos em São Paulo, 1980-1989
Quadro 17
Desfecho Processual
Grupos de Extermínio e Justiceiros em São Paulo, 1980-1989
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