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AULA Nº 5 – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO (PRIMEIRA PARTE)

Com os estudos realizados até esta semana, adquirimos vocabulário


e conhecimento suficientes para abordarmos o sistema constitucional
tributário brasileiro, examinando os princípios e regras constitucionais que
regem o nosso Direito Tributário.

Os artigos 145, 148, 149 e 149-A tratam das espécies tributárias, e


foram examinados na aula anterior. Hoje começaremos o estudo dos
demais dispositivos, prescritos sobre a forma de princípios. Mas antes,
precisamos pensar um pouco sobre como funcionam a interpretação e a
aplicação de princípios constitucionais.

5.1 ARGUMENTANDO COM PRINCÍPIOS

Para o início da nossa reflexão, devemos lembrar que,


semanticamente, princípio é o que está presente na essência de um
fenômeno. Ou seja, no caso, seriam os raciocínios básicos e fundantes do
nosso direito. É uma norma deduzida logicamente do próprio sistema,
nele fundada historicamente de forma bastante clara, destinada a manter
a unidade e completude deste mesmo sistema.

Após a promulgação da Constituição de 1988 houve uma verdadeira


revolução nesta área, com o progressivo reconhecimento de que ela teria,
explícita e implicitamente, um gigantesco número de princípios, que
também poderiam (ou melhor, deveriam) não apenas suprir as lacunas do
nosso ordenamento jurídico, como também, muitas vezes, serem
invocados como fontes diretas do direito.

Entre os antigos princípios gerais de direito (que nunca foram


abandonados) e os princípios constitucionais (que vieram se somar a eles),
o que há de comum é a ideia de que eles têm um conteúdo axiológico
(valorativo) maior que as regras comuns, pelo que deveriam ser sempre o
ponto de partida de um raciocínio jurídico destinado a compreender a
aplicação da regra no caso concreto.

No entanto, as mudanças acima descritas se fizeram acompanhar de


um muito grave problema metodológico: pode-se argumentar com
princípios do mesmo modo que se argumenta com regras? Princípios são
‘super-regras”?

E a cada dia, advogados, juízes e tribunais, seduzidos por uma


suposta “fluidez” dos princípios, que seriam moldáveis exclusivamente
pela retórica, procuram mais e mais abandonar os textos legais em prol de
uma interpretação amplíssima do texto constitucional. Esta ausência de
consolidação (definição do exato conteúdo de cada princípio) tem gerado
uma brutal insegurança jurídica, com a nítida impressão dos envolvidos de
que estes princípios são usados aleatoriamente, com a simples intenção
de dar um lustro a seus argumentos.

5.1.1. PRIMEIROS PRESSUPOSTOS PARA UMA HERMENÊUTICA


DOS PRINCÍPIOS

Em comparação com os Estados Unidos e os países da Europa


Ocidental, no Brasil, o Direito Constitucional demorou a assumir um lugar
central em nosso ordenamento.

Ainda pensando no campo político-jurídico, temos a transformação


de um “Estado da Lei” em “Estado de Direito”, com as consequências
hermenêuticas que debateremos a seguir.

Em linhas gerais, primeiramente é preciso dizer que a própria Carta


Constitucional reconhece que ela própria contém algumas normas que são
mais amplas e genéricas que outras, a conter suas ideias germe,
estruturantes, as vigas do ordenamento jurídico que ela pretende fundar.
Este raciocínio está contido no artigo 60, §4º da Constituição, que
procura resguardar seu núcleo mais íntimo, mencionando ideias que não
têm especificidade para serem classificadas como regra, mas às quais as
regras devem necessariamente obedecer. E também em outros artigos,
como naqueles de número 25, 34,VII e 37, que chegam a usar
expressamente o termo “princípios” para se referirem a comandos
genéricos contidos na Carta. Especificamente no Direito Tributário, os
princípios estão contidos no artigo 150 (há outros, esporadicamente, em
outros artigos).

Os princípios constitucionais são a manifestação de ideias


racionais fundamentais da Constituição disponíveis para tratar de
situações práticas que se encontrem fora da reserva legal. Servem para
fundamentar futuras regras, derivem elas de uma nova manifestação
legislativa ou de uma decisão judicial. Mas também comunicam o limite, o
horizonte possível para essas duas atividades estatais.

“No conjunto de ideias ribas e heterogêneas que procuram


abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de
normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e
regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a
formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento
de uma teoria dos Direitos Fundamentais edificada sobre o fundamento
da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação
entre o Direito e a Filosofia.”1

5.1.2. AS DIFICULDADES DA HERMENÊUTICA COM PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS

As dificuldades da compreensão dos fatos e textos jurídicos a partir


da ideia de princípios constitucionais são várias, como já vem sendo
enunciado.

1
Luís Roberto Barros, em Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil., Revista De direito Administrativo, volume 240, p. 6
As principais são:

a) Distinguir entre princípios e regras

Tanto os princípios quanto as regras são normas e são coercitivos


(obrigatórios).
Nossa dúvida mais importante, contudo, é, como diferenciá-los?
Sem dúvida o problema que mais merece nossa atenção. A única distinção
entre princípios e regras sobre as quais há razoável consenso, é que as
regras são normas que têm um campo prévio de aplicação preciso e
definido, enquanto os princípios não o têm, ou têm mais de um 2, sendo
vetores de um sentido de interpretação, mas sem a indicação em seu
próprio texto da consequência jurídica da sua aplicação.

Deste modo, as regras demandariam uma argumentação mais resumida


para serem aplicadas, enquanto os princípios demandariam uma
argumentação mais extensa a justificar sua adequação ao campo que se
pretende. Pense no seguinte exemplo, para ilustrar:

1. A aposentadoria será paga àqueles que atingirem 65 anos de idade


e 35 anos de contribuição: REGRA – dificilmente consegue-se imaginar
outra aplicação para esta norma que já não esteja evidente em seu
conteúdo; necessidade de pequena carga de argumentação para fazê-la
incidir (demonstrar que o beneficiário atendeu os requisitos);

2. Os idosos brasileiros devem ser assistidos pelo Estado e pela


sociedade. PRINCÍPIO – antevê-se sua aplicação no direito da seguridade
social e no direito de família, no mínimo. Para atuação em um caso
concreto, extensa carga argumentativa: a partir de que idade se é idoso?
O que um idoso precisa? Qual parte da assistência é do Estado, qual é da
sociedade? E daí em diante....

2
Ricardo Guastini, Das Fontes às Normas, p. 187
2) Separar princípios de valores pessoais ou valores de um grupo
específico:

É muito comum a ideia de que princípios carregam ou mesmo são


valores da sociedade . “Mas o que são valores?” Será que valores
não são apenas gostos subjetivos, inalcançáveis externamente?
Confundir princípios com valores pessoais ou de um grupo
específico é apenas permitir que o intérprete dê um nome mais
aceitável às suas próprias preferências morais e políticas.

Se algum valor pode ser invocado como fundamentação de uma


interpretação de princípios, deve ser demonstrado muito
claramente que este valor pode ser extraído do texto da
Constituição.

3) Controlar a variação de conteúdo dos princípios:

Exatamente por não ter um campo de aplicação restrita


previamente determinado, um mesmo princípio pode ser utilizado em
uma multiplicidade de situações. Seu uso indiscriminado pode levar a uma
situação de banalização e descrédito, assim como também a uma situação
de grande incerteza jurídica, verdadeira loteria judicial.

É preciso um esforço argumentativo para que, a cada pergunta


posta em torno de um princípio, alcança-se a decisão mais correta,
fugindo-se:
a) da completa discricionariedade – o decisionismo que é a
formação de decisões judiciais sem nenhuma referência ou
ligação com qualquer norma válida, decisão formada apenas e
tão somente a partir da posição de autoridade do julgador;

b) do relativismo – criação de exceções à aplicação da norma, que


normalmente não passa do “lustramento” de opções
extrajurídicas do julgador.
Em suma, a utilização dos princípios deverá (ou deveria) produzir
decisões/interpretações coerentes e previsíveis, e não o contrário, sob
pena de grave insegurança jurídica: no limite, sob pena de dissolução da
própria ideia de direito.

4) Retroatividade da norma deduzida do princípio. Impossibilidade de,


principalmente, a Administração atuar a partir dos princípios.

Lembremo-nos que os princípios constitucionais são invocados


tanto para o suprimento de lacunas quanto para a extração direta de
direitos da Constituição.

No entanto, em sua abstração, não tratam previamente de uma


situação específica (pois, senão, seriam regras, como visto no item
anterior). Vemo-nos, então, em uma situação que desafia a
irretroatividade das normas (essência da nossa dogmática jurídica), pois o
detalhamento do que fazer a partir do princípio invocado somente surgirá
a partir da interpretação deste mesmo princípio depois de acontecido o
fato que está em discussão.

Esta dificuldade lógica é especialmente dramática para a


Administração Pública, que, também por princípio, somente pode atuar
de acordo com a legalidade estrita.

5.1.3. Considerações Finais sobre os princípios constitucionais

Nenhum princípio, nem mesmo o direito à vida, é absoluto. Seu


exercício estará sempre sujeito a limites, que devem ser construídos
argumentativamente3, a partir do texto da Constituição e dos fatos em
análise. O objetivo final, no pós-positivismo, é se alcançar uma decisão
que interprete o texto (não o abandone nunca, não crie outro texto),
mas o faça, com a devida fundamentação, reintroduzindo a ideia de uma
aplicação justa sua no caso concreto.
3
Em uma construção que ultrapasse o silogismo, que apresente razões de todos os tipos (e não apenas
formais) para aplicação do princípio discutido.
No direito brasileiro, esta obrigação foi positivada no artigo 489 do
Novo Código de Processo Civil, que traz alguns critérios mínimos de
controle da racionalidade da decisão judicial. Na atividade concreta, o Juiz
(e também as partes) deverá (deverão) justificar não somente a aplicação
dos princípios à decisão, mas também a extensão em que o faz (em):

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso,


com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências
havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de


direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as


partes lhe submeterem.

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela


interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,


sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo


concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes


de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem


identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente


invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os


critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a
interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão.
§ 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de
todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Observem que o Código impõe que cada palavra utilizada seja


explicada, não admitindo a invocação genérica de um princípio, logo
seguido de uma consequência, sem nada que os una. Neste aspecto, foi
muito bem, buscando impedir os graves problemas que vimos acima,
comuns quando se trata da aplicação de princípios.

Passemos ao estudo dos princípios constitucionais tributários

5.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Reflexo da divisão constitucional de poderes, o princípio da


legalidade tributária, constante do artigo 150, I da Constituição, é o mais
relevante limite ao Estado-Administração em sua atividade tributária.

Trata-se do próprio fundamento do Direito Tributário. Sem a


exigência da legalidade estrito senso para se criar ou majorar tributos,
não há que se falar em Direito Tributário, e, em grande medida, nem
mesmo em segurança jurídica. E no limite, nem em Estado de Direito.

No Direito Brasileiro, o princípio da legalidade tributária significa


que qualquer inovação em matéria de avanço do Estado sobre o
patrimônio dos contribuintes deve passar necessária e
4
indispensavelmente pela(s) casa (s) legislativa (s) do Ente Federado que é
sujeito ativo do tributo. Lembrando que tributo não é apenas o imposto,
mas todo gama de espécies estudada na última aula.

Importante destacar que, segundo a Constituição, não apenas a


criação ou aumento de tributos depende de lei estrita, mas também
qualquer forma de sua extinção ou redução, a teor do disposto no artigo
150, §6º.

4
Na União, pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Nos Estados Federados e Distrito Federal,
pelas Assembleias. E nos Municípios pelas Câmaras de Vereadores.
A legalidade a que se refere o texto constitucional é suprida, como
regra, por lei ordinária. Excepcionalmente, e apenas quando a
Constituição o exija expressamente5, por lei complementar.

Os artigos 150, I e §6º da Constituição são regulamentados pelo


artigo 97 do CTN, que define com clareza as possíveis modificações na
estrutura de um imposto que podem redundar em seu aumento ou
diminuição.

Com esta regulamentação, podemos concluir que o constituinte e o


legislador complementar optaram pela chamada tipicidade cerrada, pela
qual todos os elementos da obrigação tributária serão dados pela lei. Não
é lícito no Brasil que a lei instituidora delegue a Decreto do Poder
Executivo nenhum dos elementos previstos no artigo 97 do CTN 6.

Em relação às obrigações tributárias acessórias, como vimos na aula


03, há precedente vinculante do STJ (Tema Repetitivo 761) no sentido de
não estarem elas submetidas ao princípio da legalidade.

Pelo disposto no artigo 62, §1º, IV e §2º da Constituição, é


admissível o uso de medidas provisórias para fins tributários, como
sucedâneo de lei ordinária. No entanto, como as medidas provisórias em
qualquer outro assunto, têm que ser votadas no prazo constitucional e
serem convertidas em lei, sob pena de perda completa de seus efeitos.

5.2.1 Correção Monetária e Juros de Mora. A SELIC.

A atualização de um tributo por índice oficial de correção monetária


não depende de lei em sentido estrito. Neste sentido o artigo 97, §2º do

5
Sendo o exemplo mais importante a instituição de impostos pela União no exercício de sua
competência residual, artigo 154, I da Constituição. Outros exemplos: artigo 153, VII (imposto sobre
grandes fortunas), 148, I e II (empréstimos compulsórios), 195, §4º (contribuições sociais em
competência residual).

6
Veja-se que não está entre estes elementos a data de vencimento dos tributos, havendo vários
julgados do STF no sentido de ser possível sua fixação por Decreto. Veja, por exemplo, o julgamento do
RE 195.218.
CTN, bem como sua aplicação na Súmula 160 do Superior Tribunal de
Justiça, que trata dessa situação relativamente ao IPTU, e cuja ratio pode
ser estendida a qualquer outro imposto7.

O acréscimo de juros de mora, no entanto, é questão diversa, pois


não corrige monetariamente o valor do imposto, mas lhe acresce valor
real. Acreditamos que, em vista disso, variações da taxa de juro aplicável a
impostos em atraso também devem ser submetidas à legalidade estrita.

Os tributos federais em atraso estão submetidos, desde 1996, ao


acréscimo da taxa SELIC. A taxa SELIC é um misto de correção monetária e
juros de mora utilizada para correção da dívida pública. Em vista desta
característica de também incluir juros de mora, qualquer alteração em sua
composição ou aplicação aos tributos também está submetida à
legalidade tributária.

5.2.2 – Exceções Constitucionais à legalidade tributária estrita

A Constituição, em seu texto originário, no artigo 153, §1º, previu a


possibilidade de o Poder Executivo alterar, independentemente de lei, as
alíquotas (e tão somente elas) de quatro impostos: imposto sobre a
importação de produtos estrangeiros (II), imposto de exportação (IE),
imposto sobre produtos industrializados (IPI), e imposto sobre operações
de crédito, câmbio e seguros (IOF) 8. O objetivo é extrafiscal, facultando ao
Poder Executivo uma rápida intervenção na economia, quando necessário.

O artigo 177, §4º da Constituição, introduzido pela EC 33/01,


estendeu esta prerrogativa do Poder Executivo à CIDE – Combustíveis.

Fora da competência da União, a única possibilidade encontra-se


com os Estados Federados, no tocante ao ICMS dos combustíveis (artigo
155, §4º), com as balizas ali firmadas.
7
É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de
correção monetária.

8
O artigo 21 do CTN mencionava a possibilidade alteração também da base de cálculo, o que não foi
recepcionado pela Constituição de 88.
5.3 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA

Previsto no artigo 150, III da Constituição. O princípio trata do


momento a partir do qual a lei tributária passa a ter eficácia, ou seja, a
partir de quando a alteração legislativa que cria ou majora o tributo pode
ser exigida. Neste sentido, também é um reforço à segurança jurídica,
protegendo o contribuinte de surpresas tributárias.

Desde 2004 (EC 42/03), o princípio da anterioridade é, como regra,


formado pela combinação de dois critérios: a) a norma que institui/majora
o tributo deve ter sido votada no exercício anterior àquele em que se
pretende cobrá-lo; b) entre a publicação e o início da cobrança deve haver
pelo menos 90 dias (atenção que o texto fala em 90 dias e não três
meses!).

O primeiro critério, contudo, não se aplica às contribuições sociais


para a seguridade social previstas no artigo 195, tendo em vista o
disposto no artigo 195, §6º da Constituição. Para elas, vigora apenas o
critério nonagesimal, podendo ser cobradas no mesmo exercício que
instituídas, se o fim deste estiver a mais de 90 dias da publicação da
norma.

Destacamos que o princípio da anterioridade foi reconhecido pelo


STF como cláusula pétrea constitucional, no julgamento da ADI 939-7, que
em 1993 impediu a instituição de um imposto (IPMF) sem a observação do
princípio, mesmo a exceção tendo sido prevista na emenda constitucional
que o criou.9

Também por construção jurisprudencial do STF, as reduções de


benefícios fiscais que provoquem aumento de tributo também devem

9
Para nós, nesta mesma linha, o STF deveria ter julgado inconstitucional a flexibilização do princípio da
legalidade tributária por meio de Emenda Constitucional, como no caso da CIDE-Combustível acima
discutido. No entanto, nunca houve julgamento neste sentido, não obstante não haja nenhuma razão
específica para se considerar o princípio da anterioridade tributária superior ao da legalidade tributária.
observar o princípio da anterioridade, somente passando a viger no
exercício fiscal seguinte a que forem publicadas10.

A diminuição da carga tributária de qualquer forma não está sujeita


ao princípio da anterioridade, podendo ter eficácia imediata após a
publicação. Tampouco a norma que meramente altere prazos de
pagamento dos tributos (Súmula Vinculante 50 do STF).

Tampouco estão sujeitos após princípio da anterioridade qualquer


ato administrativo normativo que não importe em aumento ou instituição
de tributo (confira, a respeito, os artigos 101 a 103 do CTN).

Por fim, esclarecemos que o princípio da anterioridade não trata da


vigência da norma, mas apenas da eficácia de seus dispositivos que
instituem ou aumentem tributos (daí a expressão “cobrar” no dispositivo).
Todo o restante da norma, que trate de qualquer outro assunto, entra em
vigor nos termos da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.

Admite-se a utilização de medida provisória para


instituição/majoração de impostos, desde que ela seja convertida em lei
até o último dia do ano em que foi editada (artigo 62, §2º da
Constituição), independentemente do prazo constitucional de que ela
ainda dispunha para ser votada pelo Congresso Nacional.

5.3.1 Anterioridade Nonagesimal, antes e depois de 2004

A Emenda Constitucional 42/03 introduziu uma alínea “c” no artigo


150, III, que ampliou a garantia conhecida como anterioridade
nonagesimal.

Até aquele momento, por força da combinação entre o artigo 150, II


e o 195, §6º da Constituição, apenas as contribuições sociais sujeitavam-se
à anterioridade nonagesimal.

10
Veja-se a decisão do STF no RE 564.225/RS, em http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?
id=280150704&ext=.pdf, acessada em 04.03.2020.
Ao introduzir a alínea “c” no artigo 150, III da Constituição, a
Emenda Constitucional 42/03 harmonizou os dois critérios para todas as
espécies tributárias, com exceção das contribuições sociais previstas no
artigo 195, por força da exceção prevista em seu parágrafo sexto.

5.3.2 Princípio da anterioridade ou anualidade?

O que existe na Constituição Brasileira é o princípio da


anterioridade anual (para todas as espécies tributárias, menos
contribuições sociais, sujeitas à nonagesimal).

Como efeito prático, isso significa que a norma que institui/majora


o tributo pode ter sido publicada poucos dias antes da cobrança11.

Entre 1946 e 1965, e posteriormente entre 1967 e 1969, vigorava


entre nós o princípio da anualidade, pelo qual a instituição/majoração do
tributo teria que ser prevista na lei orçamentária que vigoraria no ano
subsequente.

No entanto, esta exigência não encontra mais fundamento no


direito constitucional brasileiro.

5.3.3 Exceções ao princípio da anterioridade

O texto da própria Constituição traz uma lista de exceções ao


princípio da anterioridade.

No artigo 150, §1º são excepcionados o imposto de importação (II),


imposto sobre a exportação (IE), imposto sobre produtos
industrializados (IPI), imposto sobre operações financeiras (IOF), o
Imposto Extraordinário de Guerra (IEG), e o Empréstimo Compulsório
com fundamento em calamidade pública ou guerra externa.
11
Uma norma tributária publicada em 30 de dezembro autoriza a cobrança a partir de 1º de janeiro do
ano imediatamente subsequente, por exemplo.
Em 2001, foram acrescidos a esta lista pela Emenda Constitucional
33 a CIDE-Combustível e o ICMS-Combustível.

Em 2003, a Emenda Constitucional 42/03 modificou a redação do


artigo 150, §1º, e excepcionou apenas do critério nonagesimal (mantido o
critério anterioridade comum) as alterações de base de cálculo do IPTU e
IPVA. Ou seja, elas entram em vigor no ano seguinte, se votadas e
publicadas até 31 de dezembro do ano anterior.

5.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE/ISONOMIA ENTRE OS


CONTRIBUINTES

Previsto no artigo 150, II da Constituição, o próprio texto do


princípio adianta-se em esclarecer qual, entre as várias noções de
igualdade possível, ele adota.

Em harmonia com o restante da Carta de 88, ele reconhece que a


desigualdade material é um problema crônico na sociedade brasileira, e,
por isso, não pode adotar uma igualdade absoluta entre os contribuintes.
Tanto posto, admite que a igualdade de tratamento somente é uma
exigência em relação a “contribuintes que se encontrem em situação
equivalente.”

A cláusula em questão permite, dessa forma, o escalonamento de


cobranças tributárias pelo critério da renda do contribuinte, sem que se
possa cogitar de perturbação ao princípio. Pelo contrário, essa distinção
representaria mesmo sua realização em concreto.

Mais duvidosa, e sujeita a um exame bastante severo seria o


estabelecimento de diferenças tributárias por outros critérios, como
gênero ou raça.
E completamente proibidas, já pelo texto do princípio, qualquer
discriminação em razão da ocupação profissional ou função exercida pelo
contribuinte12.

5.4.1. ISONOMIA É SINÔNIMO DE RESPEITO À CAPACIDADE


CONTRIBUTIVA DO CIDADÃO?

Estas duas expressões, isonomia e respeito à capacidade


contributiva do cidadão estão relacionadas, mas não são sinônimos
perfeitos.

A isonomia, por nós discutida até o momento, prevista no artigo


150, II da Constituição enfatiza a equidade entre os contribuintes em um
corte horizontal: todos os contribuintes que possuam igual capacidade de
pagar deverão contribuir com a mesma quantidade pecuniária aos cofres
do Estado.

O princípio da capacidade tributária está localizado na Constituição


em outro dispositivo, o artigo 145, §1º 13. Além de limitar sua aplicação
literal aos impostos apenas14, bem como conter uma curiosa cláusula
condicional (se possível), o dispositivo enfatiza a equidade vertical, pela
qual contribuintes que possuam desigual capacidade de pagar deverão

12
Exemplificativamente, não se pode cobrar uma alíquota maior de imposto de renda de alguém por ela
ser banqueiro ou empresário, mas tão somente em função da efetiva percepção de uma renda maior.
Por outro lado, não se pode deixar de cobrar, ou reduzir impostos para beneficiar uma categoria
específica, como policiais ou juízes, por exemplo. Tributos somente podem ser regulados em função da
maior ou menor expressão de riqueza, este é o conteúdo da norma.

13
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos
termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
14
Existe apenas um julgado do STF (ADI 948, julgada em 1995) que estende este princípio às taxas
(especificamente a taxa judiciária), por interpretação extensiva. Mais recentemente, em 2016, o STF ao
julgar a ADI 4762, estendeu este princípio às contribuições de interesse de categorias econômicas ou
profissionais (“anuidades de conselhos”), sinalizando que a correta interpretação do dispositivo é
mesmo a extensiva, no qual a palavra específica imposto deve ser compreendida como a genérica
tributo.
contribuir com diferentes quantidades pecuniárias aos cofres estatais.
Indivíduos e pessoas jurídicas com rendas maiores deverão contribuir,
proporcionalmente, com mais recursos que aqueles com rendas menores.
Sua proposta é redistributiva.

A Emenda Constitucional 20/98, que introduziu o §9º no artigo 195


da Constituição, estendeu o princípio da capacidade contributiva para as
contribuições sociais previstas naquele artigo15.

5.4.2 A PROGRESSIVIDADE NA TRIBUTAÇÃO

A progressividade é uma técnica de realização do princípio da


capacidade contributiva, pela qual se eleva a alíquota do tributo em
função da demonstração geral (valor do bem tributado) ou específica
(riqueza em geral do contribuinte) de capacidade econômica.

A expressão “caráter pessoal” que consta do artigo 145, §1º da


Constituição fez com que a jurisprudência imediatamente posterior à
promulgação da Constituição de 88 recusasse a possibilidade do caráter
progressivo de impostos sobre a propriedade (IPTU, ITR, IPVA, ITBI, ITCM),
tidos como impostos “reais” e não “pessoais”. Neste sentido, por
exemplo, a Súmula 656 do STF 16 de 2003, cuja ratio pode ser estendida a
todos os demais.

A possibilidade da cobrança progressiva precisou passar a constar


expressamente do texto constitucional especificamente para cada tributo.

Especificamente em relação ao IPTU, a questão foi contornada por


uma emenda constitucional (29/00) que autorizou expressamente a
progressividade deste imposto em função do valor da propriedade do
imóvel (ver artigo 156, §1º, I da Constituição)

15
Este parágrafo já está na sua terceira redação, desde então. Não obstante, todas mantiveram o
princípio.

16
É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão
inter vivos de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel.
Outra Emenda Constitucional (42/03) fez o mesmo em relação ao
IPVA (ver artigo 155, §6º, II), ainda que de modo mais modesto, pois não
se referiu à distinção em função do valor do bem automóvel, mas do seu
tipo (popular, médio, luxo, superluxo, etc).

A Emenda Constitucional 42/03 também determinou


expressamente que o ITR passe a ser cobrado com alíquotas progressivas,
apontado como um possível critério a produtividade do imóvel rural
(artigo 153, §4º, I). Em 2018, no julgamento do RE 1.038.357, o STF
admitiu que também o tamanho da propriedade rural pode funcionar
como critério de progressividade, ainda que não expresso no dispositivo
constitucional.

Após a promulgação destas emendas constitucionais, e com a quase


completa alteração da composição do STF na primeira década deste
século XXI, a Corte parece sinalizar alteração de sua posição quanto ao
assunto, tendo admitido em 2014 a progressividade do ITCMD por simples
lei estadual, independentemente de emenda constitucional17.

Em relação ao imposto pessoal por excelência, que é o imposto de


renda, não há dúvidas sobre a possibilidade da progressividade, embora
ela, na realidade, seja exercida de forma muito modesta (há apenas duas
faixas de alíquotas na legislação atual).

5.4.3. A SELETIVIDADE NA TRIBUTAÇÃO

A seletividade é a forma de realização do princípio da capacidade


contributiva nos impostos indiretos, aqueles que incidem sobre o
consumo (ICMS e IPI). Assim como a progressividade, ela também se
manifesta por meio da elevação da alíquota.

Para o ICMS, a previsão consta do artigo 155, §2º, III, podendo a


alíquota ser diminuída ou aumentada em função da essencialidade do
produto.
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RE 854.869, no qual admite a progressividade em função do valor do imóvel, mas nega a possibilidade
de tanto em função do grau de parentesco dos herdeiros, ao examinar lei do Estado de Pernambuco.
Para o IPI, a autorização está no artigo 153, §3º, I, com o mesmo
critério.

São exemplos de tributação em função da essencialidade bens


como cigarros, bebidas e perfumes. A aplicação da alíquota seletiva é uma
faculdade do Ente Federado e não uma obrigação.

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