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VIII Simpósio de Geologia da Amazônia – Manaus – Amazonas.

9 a 13 de novembro de 2003

A GÊNESE DOS NÍVEIS SILICIFICADOS DA FORMAÇÃO ALTER DO CHÃO,


CRETÁCEO SUPERIOR DA BACIA DO AMAZONAS

Nogueira, A.C.R.; Silva Júnior, J.B.C. da; Horbe, A.M.C., Soares, J.L.; Monteiro A.D.
Departamento de Geociências – Universidade Federal do Amazonas

RESUMO Níveis silicificados da Formação Alter do Chão são interpretados como silcretes de
clima úmido desenvolvidos principalmente em paleossolos e depósitos lacustres de um sistema
fluvial entrelaçado. A intensa lixiviação de grãos instáveis do arcabouço sob condições de
intemperismo foi sucedida pela precipitação da sílica amorfa, impregnada por óxidos e
hidróxidos de ferro, em ambiente mais ácido. A recorrência destes horizontes silicificados na
sucessão estudada sugere alternância de fases climáticas úmidas e secas que prevaleceram na
Amazônia Ocidental durante o Cretáceo Superior.

INTRODUÇÃO Níveis silicificados da Formação Alter do Chão tem sido descritos na região
nordeste do estado do Amazonas, entretanto, poucos trabalhos em escala de detalhe foram
efetuados sobre o paleoambiente deposicional e a origem da silicificação. A Formação Alter do
Chão (Kistler 1954, Caputo et al. 1972) é composta por sedimentos siliciclásticos avermelhados
que incluem argilitos, folhelhos, siltitos, arenitos e conglomerados. Interpretações regionais
consideram a Formação Alter do Chão um paleoambiente flúvio deltaico-lacustre para a
deposição da referida unidade (Caputo et al. 1972; Cunha et al. 1994; Dino et al. 1999; Nogueira
et al. 1999). A denominação de "Arenito Manaus" para os níveis silificados, foi dado por
Albuquerque (1922) e muitas vezes tem sido utilizada com senso litoestratigráfico, embora seja
apenas uma fácies da Formação Alter do Chão. A determinação da idade desta Formação, foi
efetuada com base em dados de palinomorfos, que datam do intervalo Albiano-Cenomaniano
(Deamon & Contreiras 1971, Deamon 1975, Dino et al. 1999), entretanto idades terciárias foram
cogitadas (Travassos & Barbosa Filho 1990; Cunha et al. 1994).
Estudos paleoambiental e diagenético sobre os níveis silicificados da Formação Alter do
Chão ainda são raros (Franzinelli & Rossi 1996) e este trabalho pretende contribuir no
preenchimento dessa lacuna, com base em estudos sedimentológicos-petrográficos, realizados
em Manaus (Praia da Ponta Negra) e km 14 da rodovia BR-174 (Fig.1).
FÁCIES DEPOSICIONAIS E ASPECTOS PETROGRÁFICOS Na área estudada os níveis
silicificados da Formação Alter do Chão são caracterizados por quartzo-arenitos médios a
grossos, caulínicos, e pelitos subordinados, geralmente representativos de depósitos de planície
entrelaçada e lacustre (Fig.1). O topo da unidade apresenta-se intemperizada e caracterizam-se
por arenitos feldspáticos/caulínicos inconsolidados.
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B
(m)

Ba rra s d e c a n a is
fluvia is
8 ICNOFÓSSEIS LITOTIPO
Tubos em galerias Arenito

Ta e n id iu n m Arenito Fino
A 7
CONTATOS
Conglomerado

Siltito
D e p ó sito d e Planar / Transicional
(m) 6
6 p la n íc ie flu via l Erosivo COR
Vermelho
ESTRUTURA
5 5 Acanalada
Rosa
Ba rra s d e c a n a is
Estratificação Incipiente Branco
fluvia is
4 Gretas Profundas TEXTURA
4
BIOTURBAÇÃO Acamamento Maciço

Abundante Micro-Brechada
3 3 D e p ó sito d e
Raro
p la n íc ie flu via l SILICIFICAÇÃO
Ausente ou
Silicificado
não observado
2 2 Não Silicificado
RESTOS VEGETAIS
FALHAS E
Detritos vegetais/ FRATURAS
Madeira Silicificada
1 1 Ba rra s d e c a n a is
Estrias e espelho de falhas
fluvia is Traço de Raízes
Fraturas e Vênulas
(Preenchidas por Sílica)
0 0 Mosqueamento de cor
vermelha intensa
PALEOCORRENTE
S F M G C P F M G C

AREIA AREIA
GRANODECRESCÊNCIA
ASCENDENTE

Figura 1 – Seção esquemática de afloramentos da Formação Alter do Chão, estudadas no km-14


da BR-174 (A) e praia da Ponta Negra (B).
Planície Fluvial Entrelaçada: Os depósitos de planície entrelaçada são organizados em ciclos
granodecrescente ascendente constituídos por conglomerados com estratificação cruzada
acanalada e plano-paralela, marcando a base erosiva do canal, geralmente retilínea a ondulada.
Os clastos de argila e quartzo de diâmetros que variam de 1 a 20 cm marcam base de canal ou
ocorrem nos planos de estratificações planas ou cruzadas, muitas vezes fornecendo a aparência
de uma lâmina contínua argilosa. Fragmentos de madeira de até 10 cm comprimento ocorrem
principalmente associados aos estratos cruzados e, dependendo do grau de alteração. encontram-
se completamente ferrruginizados. O porte da estratificação cruzada diminui para o topo até
passar para laminação cruzada, muitas vezes, cavalgante. A granulometria também diminui para
o topo predominando arenitos médios a finos, algumas vezes, intercalados com pelitos. Esse
conjunto de granulometria mais fina, com laminações e geralmente associadas com bioturbação é
interpretada como depósitos de planície de inundação. A bioturbação é predominantemente
endicnial, encontra-se disseminada nos depósitos de canais, e é mais abundante nos depósitos de
planície de inundação. São caracterizadas por tubos horizontais, verticais e oblíquos,
predominando o icnofóssil Taenidium.
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Os depósitos de planície entrelaçada abandonada são caracterizados pela ocorrência de


paleossolos marcados principalmente por marcas de raízes (fitobioturbação), estruturas
pediformes, gretas de contração profundas e bioturbação. São geralmente enraizados na fácies de
canais/planície entrelaçada e encontram-se silicificados assim como os depósitos lacustres,
representados por pelitos e arenitos finos intensamente bioturbados. A bioturbação é semelhante
àquela encontrada nos depósitos de planície de inundação com predominância de Taenidium.
Petrograficamente, os arenitos são principalmente quartzo-arenitos de granulação fina a
grossa, com predominância de grãos subarredondados e, algumas vezes, subangulosos.
Predominam o tipo de quartzo monocristalino (70%) sobre os policristalinos (30%) e,
subordinadamente, ocorre fragmentos líticos (sílex, siltito e vulcânica) e argilo-minerais
(caulinita, ilita e esmectita). Os contatos intergranulares são pontuais ou tangenciais e retilíneos.
Cimento sintaxial sobre os grãos de quartzo é denunciado por contatos de compromisso. Os
grãos mostram-se freqüentemente corroídos (angulosos) constituem um arcabouço aberto
composto por porosidade agigantada e alongada preenchida por cimento sílico-ferruginoso.
Lacustre: Consistem em ciclos granocrescente ascendentes formados por siltitos e argilitos e
arenitos finos a médios, com laminação plano-paralela e acamamemnto maciço. Estes depósitos
apresentam fragmentos de madeira silicificada, intensa bioturbação monoicnoespecífica de
Taenidium. Sob o microscópio as fácies finas são impregnada por óxidos e hidróxidos de ferro,
com grãos de quartzo arredondados disseminados (granulação areia fina a média). A bioturbação
é indicada por poros circulares de diâmetro milimétrico com concentração anômala de grãos de
quartzo, imerso em uma matriz de granulometria mais fina, às vezes, desenhando meniscos
atribuídos ao icnofóssil Taenidium.
A predominância de argilas, intensamente bioturbadas, fragmentos vegetais, sugere
deposição em ambiente oxidante de baixa energia com influxo de fitoclastos. Grãos de quartzo
de granulação fina, esféricos e arredondados sugerem influxo eólico durante a deposição de
argilas em ambiente lacustre raso.
ASPECTOS DIAGENÉTICOS Os principais processos diagenéticos identificados seguindo os
critérios de Choquette & Pray (1970) e Tucker (1994) foram desenvolvidos principalmente no
estágio eodiagético e telodiagenético, enquanto que a fase mesodiagenética foi pouco
desenvolvida, destacam-se as seguintes fases 1) infiltração mecânica de argilas (presença de
cutículas), pedogênese (Fase úmida: dissolução de grãos instáveis, corrosão de quartzo, fito e
bioturbação, aumento da porosidade); Fase seca: cimentação de sílica amorfa com ferro, 3)
compactação mecânica incipiente (empacotamento frouxo, microfraturas e pseudomatriz
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pontuais), 4) compactação química (raros contatos intergranulares côncavo-convexos), 5)


cimentação de sílica (sobrecrescimento sintaxial de quartzo).
SILICIFICAÇAO A presença de paleossolos sugere condições climáticas úmidas e
bisialitizantes e uma vegetação densa que gerava ácido carbônico que favoreceram a dissolução
parcial a total de siliciclásticos instáveis do arcabouço. Este processo é indicado pelos raros
grãos de feldspato, às vezes, esqueletais, pela corrosão do quartzo e fábrica flutuante. Este
processo favoreceu o enriquecimento em SiO2 e subordinadamente ferrro nos fluídos percolantes
advindos das flutuações do lençol freático. Sob condições de pH baixo (~4; Summerfield 1983),
a sílica retida no horizonte de intemperismo pouco drenado, seria precipitada como cimento
amorfo em poros agigantados, substituindo também a argilominerais, gerando silcrete. A fito e
bioturbação teria favorecido a intensa percolação dos fluídos e explicaria o maior grau de
silicificação destes horizontes. Estágios de drenagem reduzida nos paleossolos, onde a migração
de ferro e manganês levou a acumulação de óxido e hidróxidos (Retallack 1990). Posteriormente
o ferro foi assimilado pelas soluções silicosas. A geometria horizontal dos silcretes seguindo
aproximadamente o acamamento sugere um provável controle do lençol freático no processo de
silicificação. A cimentação precoce facilitou a preservação dos silcretes, principalmente aos
processos erosivos dos canais, o que explica a continuidade lateral por muitos metros e seu topo
pouco erodido.
No ambiente lacustre a origem da sílica pode ser atribuída a dissolução parcial de grãos
de quartzo e argilo-minerais devido os altos valores de pH que torna as águas supersaturadas
com respeito a sílica amorfa. Analogamente aos paleossolos a intensa bioturbação aumentaria a
percolação dos fluidos no sedimento. A evaporação sazonal levaria ao decréscimo do pH,
causando a sua precipitação (Peterson & Von der Borch 1965).
Fases mais secas alternaram-se com fases mais úmidas durante o Cretáceo Superior
indicado pela ocorrência de gretas profundas e de illita e esmectita nos depósitos estudados. Esta
inferência é reforçada pela recorrência dos paleossolos na sucessão e indica lagos rasos e
emergentes dentro do sistema deposicional da Formação Alter do Chão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As interpretações paleoambientais permitem sugerir que os níveis
silicificados da Formação Alter do Chão estão associados a depósitos de rios entrelaçados com
áreas abandonadas, razoavelmente estáveis, com peleossolos e lagos sujeitos à variação sazonal
quente e úmida. Os silcretes foram formados durante a pedogênese/eodiagênese com fase
mesodiagenética pouco desenvolvida. Os processos que deram origem aos níveis silicificados da
Formação Alter do Chão fornecem importantes inferências paleoambientais para o entendimento
dos eventos climáticos do Cretáceo Superior na Amazônia Ocidental.
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REFERÊNCIAS
Caputo, M. V.; Rodrigues, R. & Vasconcelos, D. N. N. 1972. Nomenclatura estratigráfica da
Bacia do Amazonas. In: Congresso Brasileiro de Geologia, 26. Belém. Anais...SBG. 3: 36-
46.
Choquette, P.W. & Pray, L.C. 1970. Geologic nomenclature and classification of porosity in
sedimentary carbonates. Bull. Am. Ass. Petrol. Geol. 54, 270-250.
Cunha, P. R. C.; Gonzaga, F. G.; Coutinho, L. F. D. e Feijo, F. J. 1994 Bacia do Amazonas. B.
Geoci. PETROBRÁS. 8:47-55.
Daemon, R. F. 1975. Contribuição à datação da Formação Alter do Chão, bacia do Amazonas.
Rev. Brasil. Geoci. 5: 58-84.
Daemon, R. F. & Contreiras, C. J. A. 1971. Zoneamento palinológico da Bacia do Amazonas.
PETROBRAS, Rel. Interno, Belém (PA).
Dino, R., Silva, et al. 1999. Caracterização palinológica e estratigráfica de estratos cretáceos da
Formação Alter do Chão, Bacia do Amazonas. In: Simpósio. sobre o Cretáceo do Brasil, 5.
Rio Claro, UNESP, 557-565.
Kistler, P. 1954. Historical resume of the Amazon Basin. Belém, PETROBRAS/RENOR
(Relatório Interno).
Nogueira, A.C.R.; Vieira Lucieth Cruz & Suguio, K. 1999. Paleossolos da Formação Alter do
Chão, Cretáceo-Terciário da Bacia do Amazonas, Regiões de Presidente Figueiredo e
Manaus. Simpósio sobre o Cretáceo no Brasil. 5, 261-266.
Peterson, M.N.A. & Von der Borch, C.C. 1965. Chert: modern inorganic deposition in a
carbonate-precipiteting locality. Science, 149, 1501-1503.
Retallack, G.J. 1990. Soils of the past: an introduction to paleopedology. Boston, Unwin Hyman,
520p.
Summerfield, M.A. 1983. Silcrete as a paleoclimatic indicator: evidence from southern Africa.
Paleogeogr., Paleoecol., Paleoclim.. 41, 65-79.
Travassos, W.A.S. & Barbosa Filho, C.M. 1990. Tectonismo terciário na área do rio Tapajós,
Bacia do Amazonas. Boletim de Geociências PETROBRÁS, 4: 299-314.
Tucker, M.E. 1994. Sedimentary Petrology: an introduction to the origin of sedimentary rocks.
2nd ed.

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