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Nº DOI: 10.18065/RAG.2018v24n3.

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SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E A REFORMA


PSIQUIÁTRICA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Unified Health System and Psychiatric Reform: challenges and perspectives

Sistema de Salud y Reforma Psiquiátrica: Retos y Perspectivas


Tatiana Benevides Magalhães Braga
Marciana Gonçalves Farinha

Resumo: Este artigo apresenta as transformações no processo de constituição da saúde mental e suas aproximações e
distanciamentos com a Saúde Coletiva no Brasil, em especial entre os movimentos das reformas psiquiátrica e sanitária.
Analisando os paradoxos, lacunas, impasses, desafios e perspectivas da construção da autonomia do sujeito em situação
de sofrimento grave, discute como as dificuldades encontradas na desinstitucionalização psiquiátrica entrelaçam-
se em campos de consonância e conflito. Nesse contexto, torna-se fundamental a desconstrução e desnaturalização
das perspectivas epistemológicas dificultadoras da autonomia do sujeito, cabendo resgatar importantes influências
do pensamento fenomenológico que percorreram o processo de reforma psiquiátrica e continuam a se fazer ouvir na
consideração da totalidade da existência dos sujeitos e no questionamento do determinismo sobre a subjetividade.
A articulação de propostas de problematização e reinvenção das relações humanas nos dispositivos substitutivos
permitem a crítica a uma miscigenação das concepções manicomiais nos próprios serviços de saúde mental.
Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica, SUS, sofrimento existencial

Abstract: This article presents the transformations in the mental health constitution process and their approximations
and distancing with the collective health in Brazil, specially between the Psychiatric and sanitary reform movements.
Analyzing the paradoxes, gaps, impasses, challenges and perspectives of the subject autonomy construction in a grave
suffering situation, discuss how the difficulties found in the psychiatric deinstitutionalization intertwine themselves
on consonance and conflict fields. In this context, it becomes fundamental the deconstruction and denaturalization
of the epistemological perspective that difficult the subject’s autonomy, fitting to rescue important influences of
the phenomenological thought that went through the psychiatric reform process and are still making themselves
to be listened in the consideration of the subjects existence totality and in the questioning of the determinism over
the subjectivity. The proposals articulation of the human relations questioning and reinvention in the substitutive
devices allows the critic to the manicomials conceptions miscegenation in the same mental health services.
Keywords: Mental health, Psychiatric reform, Single Health System, deinstitutionalization, Existential suffering

Resumen: Este artículo presenta los cambios en la constitución del proceso de salud mental y sus similitudes y diferencias
con la salud pública en Brasil, especialmente entre los movimientos de la reforma psiquiátrica y la reforma sanitaria. El
análisis de las paradojas, las lagunas, callejones sin salida, retos y perspectivas de la construcción de la autonomía de la
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persona en situación de peligro grave, discute cómo las dificultades encontradas en entrelazar desinstitucionalización
psiquiátrica en campos de las líneas y los conflictos. En este contexto, es esencial para deconstruir y desnaturalizar
causan dificultades perspectivas epistemológicas de la autonomía del sujeto, dejando de rescate influencias importantes
del pensamiento fenomenológico que pasaron por el proceso de reforma psiquiátrica y continuar con el conocimiento
en consideración de la totalidad de la existencia de los sujetos y cuestión del determinismo sobre la subjetividad.
El interrogatorio conjunto de propuestas y reinvención de las relaciones humanas en los dispositivos sustitutivos
permitió la crítica a un mestizaje de los conceptos de los manicomios en los propios servicios de salud mental.
Palabras-clave: Reforma Psiquiátrica, SUS, desinstitucionalización, sufrimiento existencial

A herança histórica: loucura, purificação e saúde mental e saúde coletiva - em especial entre
exclusão social reforma psiquiátrica e sanitária. Busca-se assim
compreender o pano de fundo da permanência de
O estudo problematiza impasses vividos pela práticas manicomiais na rede substitutiva.
reforma psiquiátrica brasileira a partir de um per- Inicialmente cabe resgatar a construção histó-
curso que realça: 1) a construção histórica de posi- rica do olhar da psiquiatria clássica, já que histori-
cionamentos epistemológicos diversos para o cha- camente a loucura não foi sempre compreendida a
mado terceiro momento da reforma psiquiátrica, partir da noção de doença mental. Na Antiguidade,
que comporta a reformulação das concepções em associava-se com o divino: os oráculos, o destino
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torno do sofrimento existencial grave; 2) a influên- das tragédias gregas, os demônios expulsos na Bí-
cia da perspectiva fenomenológica, relevante e ain- blia (Serrano, 1986), ou a aspectos orgânicos liga-
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da pouco conhecida no Brasil e 3) o cenário político dos aos hábitos e à harmonia com o cosmos, como
brasileiro, tanto em termos de investimento estatal em Hipócrates, Platão e Galeno (Pessotti, 1994; Cos-
quanto de aproximações e distanciamentos entre ta-Rosa, 2000). Na Idade Média, a loucura passa a

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ser assimilada nas comunidades ou vinculada ao caráter agudo ou crônico, alternâncias de sintomas.
sobrenatural no chamado de Deus ou na presença Instituem-se, assim, ligações entre sintoma e neu-
do demônio, para a qual eram endereçadas purifi- rohipótese, visando garantir à loucura o status de
cações rituais: exorcismos, peregrinações, orações e doença e à psiquiatria o status de medicina em sua
penitências (Foucault, 2014). lógica clássica: classificação do sintoma, indicação
No fim da Idade Média, o ideal de homem ra- de relações de causa e efeito entre sintoma e agen-
cional e autocontrolado, ligado à organização mone- te causador e, enfim, a delimitação da doença, com
tária, cultural e produtiva do capitalismo nascente, agentes definidos, sintomas relacionados, previsão
operou a exclusão de aspectos desviantes: os afetos, de evolução e definição de tratamento.
a morte, a loucura... Inicia-se então a exclusão dire- Tome-se como exemplo a esquizofrenia. Em
ta: os transportados nas naus dos loucos não conse- 1860, Morel tipifica na demência precoce um grupo
guiam asilo permanente nos burgos e o louco torna- de sintomas que inclui delírios, alucinações, pensa-
-se itinerante, sem pertença fixa (Foucault, 2014). mento bizarro, tem início na juventude e evolui para
Desde a alta Idade Média, os leprosos eram inter- a perda de funções cognitivas. Sustenta a neurohipó-
nados nos leprosários em isolamento permanente tese da degeneração cerebral. Hecker, em 1871, agru-
e sem tratamento. No século XV, junto à errância pa na hebefrenia (do grego, alma infantil) sintomas
dos loucos, a prática de evitar contágio extingue a semelhantes, mas não exige evolução para a demên-
lepra da Europa, tornando a exclusão social meto- cia, destaca a puerilidade e hipotetiza falhas no de-
dologia de saúde: a separação entre doentes e sãos senvolvimento cerebral. Em 1874, Kahlbaum agrupa
na erradicação da lepra gerou bases para uma cisão tais sintomas como catatonia destaca embotamento
dualista entre normal e patológico (Foucault, 2014). afetivo e autismo e associa parte deles à sífilis.
Contida a lepra, os leprosários assumem entre os Com Kraepelin, na virada do século, as neu-
séculos XIV e XVII a internação de doentes vené- rohipóteses migram da anatomia cerebral para a fi-
reos e, posteriormente, degenerados e desviantes de siologia: se de início considera a demência precoce
toda espécie – inválidos e idosos na miséria, pros- processo degenerativo, posteriormente toma-o como
titutas, pobres, vagabundos, presidiários e ‘cabeças metabólico (Elkis, 2000). Kraepelin reagrupa os diag-
alienadas’ (Foucault, 2014, p. 6), numa cultura de nósticos anteriores em subtipos da demência precoce
trabalho forçado e disciplinamento pelo castigo e (hebefrênica, catatônica, paranóide e mais tarde ou-
pela ordem. Germina-se um olhar sobre a loucura tros). Separa subgrupos pela perda ou aumento da
como objeto de correção, análise e manipulação, atividade cerebral e os associa a 48 sintomas. Embora
que resultará, no século XIX, em seu diagnóstico e reconhecesse cura em 25% dos casos e propusesse
tratamento. A loucura figura então como o negativo diagnóstico longitudinal, observando a evolução dos
do trabalho e da razão - antítese do ideal humano da sintomas no tempo (Foucault, 2000, Elkis, 2000), rea-
cultura burguesa em constituição. firma seu caráter orgânico. No início do século XX e
Ao fim da Idade Moderna, a Revolução Francesa sob influência de Freud, Bleuler passa a considerar
destitui os sistemas de internação, considerados sím- aspectos psicológicos no diagnóstico do conjunto
bolo do antigo poder autoritário. Porém os mantém patológico que ele renomeia esquizofrenia. A jun-
para o louco, avaliado pela razão iluminista como ção das palavras gregas esquizo (dividido), e frenos
perigoso se liberto (Foucault, 2014). No ideário racio- (alma), aponta para a ênfase bleuriana na cisão entre
nalista, Pinel, ligado ao grupo revolucionário, reor- pensamento, emoção e comportamento nos sujeitos

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ganiza os hospitais franceses e toma o louco como afetados (Elkis, 2000). Haveria sintomas orgânicos e
objeto tanto de disciplina quanto trato médico. Tal psíquicos, todavia considerar aspectos psíquicos não
ato inaugura a psiquiatria clássica, que nasce como significou alterar pressupostos: os sintomas funda-
paradoxal reforma: livre de correntes e punições, o mentais seriam orgânicos, pois refletiriam uma alte-
louco perdura ainda mais assentado ao espaço fecha- ração cerebral, enquanto os sintomas psíquicos são
do (Foucault, 2014; Basaglia, 2001) - sua patologia é denominados “acessórios”, meras reações à condição
tida como inerente, oposta ao normal, seu tratamen- adoecida e expressão secundária dos sintomas primá-
to é um ajuste a modelos sociais de conduta. rios. Além disso, Bleuler considera a possibilidade de
ocorrer agravamento, estacionamento ou regressão
dos sintomas, porém nunca sua remissão completa.
A psiquiatria clássica e a biologização Perdura a tentativa de articular a conduta do louco e
epistemológica da loucura substratos orgânicos correspondentes, ainda que tais
nexos não fossem precisamente demonstráveis. Nesse
No binômio normal-patológico, a psiquiatria paradigma, a loucura é abarcada pela noção de “doen-
estipula elos entre condutas do louco e funciona- ça mental”, que pressupõe um grupo de sintomas de
mento orgânico. À guisa da medicina orgânica, a base orgânica e causas identificáveis por exames e
medicina mental a princípio alocou a essência da acompanhamento clínico (Foucault, 2000).
doença em grupos de sintomas, criando uma sin-
tomatologia e uma nosografia (Foucault, 2000). Na
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sintomatologia, referem-se nexos entre doença e ex- Epistemologias ampliadas: fenomenologia e


pressão mórbida: a alucinação torna-se sintoma de saúde mental
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uma estrutura orgânica delirante; a confusão men-


tal, sintoma de uma estrutura demente. Na noso- No fim do século XIX, já brotavam aborda-
grafia, analisa-se a evolução da doença: variantes, gens psicopatológicas não biologizantes, que bus-

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cavam considerar o sujeito para além do âmbito A acepção de uma racionalidade deficitária de
estritamente orgânico. Breuer e Freud (1895/1990) cunho orgânico permitiu, ainda, o controle moral,
propuseram a relação entre sintomas neuróticos e a deslegitimação e a negação dos discursos daque-
experiências vividas e representadas no psiquismo. les classificados como doentes mentais (Amarante,
Embora haja contribuições da psicologia analítica, 2016; Foucault, 2000). Goffman (2001) descreve di-
de Reich, da psicanálise e de outros autores, o pre- versos mecanismos pelos quais o interno é levado
sente texto discutirá a influência da fenomenologia a assumir a identidade social construída institucio-
no questionamento do olhar da psiquiatria tradi- nalmente no espaço do hospital psiquiátrico: a per-
cional sobre a loucura, menos conhecida no Brasil. da de contato com o mundo externo, a destituição
Pouco depois dos primeiros escritos de Husserl que da identidade civil e assunção ritual da identidade
fundam a fenomenologia, ela fecunda a psicopato- institucional, a perda do estojo de identidade, a per-
logia. Em Psicopatologia Geral (1913/2003), Jaspers turbação da economia, a consideração de quaisquer
desconstrói várias acepções sobre a loucura cimen- reações fora do padrão esperado como sinais inde-
tadas ao longo de sua história de exclusão. Critica léveis que atestam a condição de doente do sujeito.
noções forjadas na Idade Moderna que aproximam Também Basaglia (2010) aponta relações de domina-
loucura e animalidade, reputando a loucura à des- ção baseadas na violência como principal caracterís-
razão; toma o delírio como alteração do juízo e afir- tica das instituições asilares tradicionais. No cená-
ma que apenas aqueles os de julgar seriam capazes rio do hospício, a organização dos espaços-tempos
de delirar, situando a loucura como eminentemente é promotora de identidades cronificadas (Lancetti,
humana; critica ainda a noção estrutural de per- 2011). O modelo forjado pela psiquiatria no fim do
sonalidade, afirmando que o homem não pode ser século XVIII, dominante até a década de 1960 e ain-
concebido como coisa com propriedades, mas como da presente no século XXI, carrega a herança de um
“ser em seu mundo” (Jaspers, 1913/2003, p. 21), em profundo processo de exclusão e assujeitamento dos
desenvolvimento e diferenciação de si; critica o indivíduos considerados desviantes, coopera na de-
método quantitativo de classificação dos sintomas gradação e segregação dos diagnosticados, levando-
como único modo de saber sobre a doença, advo- -os ao aprisionamento social no lugar de estigmatiza-
gando pelo método fenomenológico e pela escuta do e, portanto, cronificado, da doença mental.
dos relatos de pacientes, entre outros temas.
Entre 1930 e 1950, Binswanger (2009, 2013)
cria a Daseinsanalyse, método conjuntamente com- Abordagens ampliadas e o início da reforma
preensivo e terapêutico dos fenômenos psicóticos. psiquiátrica
Influenciado por Husserl e Heidegger, propõe sus-
pender conceitos prévios da psicopatologia e rejeita O advento de críticas teóricas ao binômio sin-
pensar o sofrimento como cisão entre fatores inter- toma-base orgânica não operou a mudança imediata
nos e externos, pois reforçaria a cisão entre sujeito da práxis dominante. Foi sobretudo após a Segunda
e objeto que a noção husserliana de intencionali- Guerra Mundial que o cenário de tratamento e com-
dade procura ultrapassar. Para Binswanger, (2013), preensão do sofrimento humano transformou-se
o homem é existência em sua história de vida e o significativamente (Amarante, 2016, Pessoti, 2006).
fenômeno psicopatológico não é isolado, mas pro- Várias condições socioeconômicas e históricas en-
cessual: existir no mundo articula o sentido dos trelaçaram-se no estabelecimento de novas expe-
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estados psicopatológicos, enquanto alterações nas riências para lidar com a loucura: o contexto de
condições ontológicas da existência – experiência guerra tornou cara a manutenção da estrutura asilar
temporal, espacialidade, corporeidade, etc. (Tatos- e aumentou a demanda psiquiátrica e por reabilita-
sian & Moreira, 2012). Numa fenomenologia genéti- ção em geral, o desmonte dos campos de concen-
ca que toma a existência como presença no mundo, tração levou à desconfiança quanto às instituições
Binswanger descreve os pacientes propondo alguns totais, o crescimento dos movimentos populares e
modos de experiência, como mania, melancolia (Ta- das mudanças na estrutura política aumentou a rei-
tossian & Moreira, 2012), extravagância, excentrici- vindicação por direitos e à formação do Estado de
dade e amaneiramento (Binswnager, 2009), ligan- Bem-Estar Social europeu.
do-os às dificuldades do fluir da experiência. É no contexto da Segunda Guerra Mundial que
O pressuposto somático diretamente ligado à surge a experiência socioterápica, primeiro ensaio
manifestação sintomatológica havia feito persistir, de reestruturação asilar, pelas comunidades tera-
no século XIX e na primeira metade do século XX, pêuticas desenvolvidas por Maxwell Jones na Escó-
a primazia da ótica epistemológica de tratamento cia (Jones, 1972), a partir de 19381. Com a escassez
e intervenção no corpo, excluindo esferas relacio- de recursos e a crescente demanda por atendimen-
nais, condições materiais de vida ou lugares sociais to, Jones passou a propor que os próprios pacientes
dos diagnosticados. A consolidação de um olhar participassem da organização institucional, basea-
negativo sobre a doença mental (o doente mental da no acordo coletivo e em assembleias, e ainda na
como deficitário em relação ao indivíduo são que,
-

portanto, perde algo de sua própria humanidade), 1 Também na primeira metade do século XX surgiram nos Estados Uni-
dos as experiências de Comunidades Terapêuticas de cunho religioso. Seus
forjou bases das relações de violência concreta e
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pormenores não serão discutidos nesse breve histórico apresentado sobre


simbólica instituídas não apenas no espaço asilar, a reforma psiquiátrica no plano internacional, porém sua influência será
mas no convívio entre o então doente mental e os reconsiderada adiante, quando for abordado o problema das comunidades
profissionais, familiares e atores sociais. terapêuticas no panorama da reforma psiquiátrica brasileira, considerando
suas tensões frente à discussão político-epistemológica em torno da resso-
cialização atinente aos dispositivos governamentais e de saúde.

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forma grupal de diversas atividades terapêuticas, profilática, privilegiando ainda a epistemologia de


enfatizando a troca de experiências. As comuni- um sofrimento exclusivamente orgânico, muitas
dades terapêuticas adotaram como princípios: uso vezes serviu à patologização das experiências hu-
da organização institucional como método tera- manas. Com a classificação psiquiátrica, indivíduos
pêutico, democratização das relações institucio- com relativa integração a seu contexto passaram a
nais, apreciação do potencial terapêutico de todos vivenciar a deslegitimação social. Com sua expe-
os vínculos desenvolvidos, acepção de que a tole- riência reduzida ao sintoma, ampliaram estatísticas
rância e o acolhimento de experiências disruptivas de internação psiquiátrica ao invés de preveni-las
compõem o ambiente terapêutico, ênfase na quali- e reduzi-las. Revela-se a potência estigmatizante e
dade comunicacional, na realização de atividades e redutora da lógica organicista criando profecias au-
experiências produtoras de sentido e na promoção torrealizadoras no meio social.
de retorno rápido ao meio aberto. Enquanto as propostas de reforma asilar e psi-
Ainda no âmbito asilar, a análise institucio- quiatria profilática voltaram-se à reformulação do
nal buscou transformar as instituições hospitala- atendimento, abordagens mais avançadas de refor-
res aliando teoria e prática pela reflexão sobre os ma partiram do questionamento da própria episte-
procedimentos comuns no interior dos espaços ins- mologia psiquiátrica (Puchivailo, Silva, & Holanda,
titucionais de internamento das pessoas em sofri- 2013). Ao desenvolver alternativas à lógica biolo-
mento existencial, propondo intervenções não cen- gizante sobre a loucura, tais abordagens retomam
tradas no poder autoritário do saber médico (Passos, o caráter historicamente paradoxal dessa lógica,
2009). As experiências de psicoterapia institucional revelando-a como ideologia social que mescla trata-
nas propostas francesas de Jean Oury e François mento e exclusão (Basaglia, 2001, 2010). Propostas
Tosquelles propunham uma mudança efetiva de como a esquizoanálise (Deleuze & Guatarri, 2015),
perspectiva no tratamento. Todavia, mormente se a antipsiquiatria (Laing, 1991; Cooper, 2013) e a psi-
limitaram a sanear os hospitais com maior limpeza quiatria democrática (Basaglia, 2001, 2010) articu-
e organização, ampliar a oferta de serviços externos loam a racionalidade psiquiátrica ao próprio capita-
de assistência aos enfermos, de modo amiúde ainda lismo, afirmando a necessidade de um olhar sobre
autoritário, abrir visitas nas instituições, e diminuir a loucura que não se restrinja ao âmbito biológico e
o tempo de internação (Passos, 2009). individual, mas compreenda a experiência humana
Tais experiências se limitaram a reestruturar na totalidade de suas interfaces de constituição, tra-
o âmbito asilar, visando considerar a perspectiva zendo à baila dimensões de ordem psíquica, social
dos atendidos e muitas vezes integrá-los à gestão e política (Foucault, 2006, Serrano, 1986).
institucional cotidiana. Seu aspecto mais significa- Para a antipsiquiatria (Laing, 1991), a crise seria
tivo residiu na consideração dos sujeitos para além a emergência de vivências caladas pelo sujeito fren-
do lugar da doença, que foi elemento chave para te à necessidade de adaptação social. A psiquiatria,
a ampla melhora dos pacientes, bem como para procurando controlar sintomas, incidiria no mesmo
impedir processos de cronificação frequentes nos processo gerador da crise, cronificando-o. Para a es-
manicômios tradicionais. As propostas socioterápi- quizoanálise (Deleuze & Guattari, 2015), as vivências
cas, posteriormente expandidas para outros locais de crise e sofrimento estão agudamente ligadas à res-
do mundo, demonstraram na prática a presença trição de experiências e laços sociais potencializa-
de uma profecia auto realizadora na racionalidade dores no contexto do capitalismo. Já para Basaglia

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psiquiátrica: ao tomar como prognóstico altamente (2010), a prática psiquiátrica funcionou como dispo-
provável a cronificação considerada exclusivamen- sitivo de opressão das classes pobres, desconsideran-
te orgânica e destituir o interno de qualquer respon- do a gênese multidimensionada do sofrimento e sua
sabilidade, escolha sobre si ou liberdade sobre a articulação com o contexto social mais amplo.
construção de sua subjetividade, o próprio discurso Na Europa, tais experiências levaram a refor-
psiquiátrico produziria cronificação. Refutando tal mulações profundas que deslocaram o debate do
lógica em favor da autonomia e do acordo coletivo âmbito meramente técnico para o campo político,
e assim obtendo melhores resultados, a experiência envolvendo trabalhadores, movimentos sociais e
socioterápica permitiu construir uma base episte- sociedade em geral. Em nossa análise, abarcamos
mológica e prática para a Reforma Psiquiátrica. a perspectiva de Foucault (2006), para quem a an-
A despeito de seus resultados, a reestrutura- tipsiquiatria e a psiquiatria democrática consistiam
ção asilar não alcançava o momento posterior à não apenas em tentativas de melhorar os serviços
internação, gerando amiúde uma situação na qual de saúde, mas em um autêntico rompimento com
os atendidos permaneciam em boas condições en- a lógica disciplinar da psiquiatria clássica. Consi-
quanto estivessem internados, porém voltavam derando ainda que a Psiquiatria Democrática con-
a entrar em crise no contato com as dificuldades sistiu não apenas na experiência de um serviço,
vividas anteriormente à internação. Isso eviden- mas numa ampla alteração da política pública ita-
ciou a necessidade de atenção territorial, gerando liana em saúde mental, muito influente na reforma
experiências como a psiquiatria de setor e a psi- psiquiátrica brasileira, e que seu pensamento teve
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quiatria preventivo-comunitária, que buscaram a relevante inspiração fenomenológica, optou-se por


profilaxia do sofrimento psíquico, projeto que “não destacá-la. Foi a partir da problematização da ar-
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visa simplesmente à terapêutica e à prevenção das ticulação entre prática psiquiátrica e relações de
doenças mentais, mas constrói um novo objeto: opressão que o caráter de reinserção social foi ins-
a saúde mental” (Amarante, 2016, p. 89). A ótica tituído na reforma psiquiátrica italiana, passando a
constar na lei 180 (Basaglia, 2010).

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Assistência em saúde mental no Brasil: atenção básica e na medicina comunitária e contro-


panorama político e diretrizes epistemológicas le popular da gestão, que se refletem na definição
legal dos princípios de universalidade, integralida-
No Brasil, a reforma psiquiátrica inicia-se no de, equidade, descentralização, regionalização, hie-
final da década de 1970, num cenário em que diver- rarquização e participação popular do SUS. Com a
sos movimentos sociais se entrecruzavam reivindi- abertura política do período, o movimento sanitário
cando o fim da Ditadura Militar (1964-1985), aber- inicia uma estratégia de ocupação dos cargos do Es-
tura política e ampliação de direitos. Para entender tado para efetivar o estabelecimento de um sistema
o atendimento público em saúde mental anterior universal de saúde. A princípio crítico quanto à re-
à reforma, importa destacar que isso consiste num lação entre saúde e sociedade, com questionamen-
hiato de trinta anos em relação à Europa: enquanto tos sobre a cientificidade do saber médico, a neu-
a reforma avança e estatiza-se na Europa nos anos tralidade das ciências, a validade das práticas de
1970, amplia-se o parque manicomial brasileiro saúde não oficiais, etc., (Amarante, 2016), o movi-
na Ditadura Militar. Em 1974, o governo assinou mento sanitário paulatinamente volta-se a sistema-
o Plano de Pronta Ação, convênio com hospitais tizar as ações de saúde, com maior ênfase na admi-
psiquiátricos privados que repassava-lhes recursos nistração do sistema. Simultaneamente, no plano
públicos destinados à assistência psiquiátrica, che- internacional, a expansão das políticas neoliberais
gando a absorver mais de 90% das verbas voltadas a partir da década de 1980 leva a uma desarticula-
à saúde mental no país (Waidman & Elsen, 2006; ção das forças promotoras de uma visão de saúde
Vecchia & Martins, 2009). Com ele, o número de voltada ao contexto social, pressionando pela dimi-
leitos psiquiátricos cresceu exponencialmente: em nuição das ações dos Estados voltadas aos direitos
1961, havia 140 hospitais psiquiátricos, sendo 86 de cidadania, tendendo a tornar filantropia o que
privados; em 1971, esse número subiu para 340, era considerado o direito social (Heimann, 2005).
com 277 hospitais privados; em 1981, só na rede Tal conjuntura contribuirá para as dificuldades de
privada eram 425 hospitais (Messas, 2008, p. 93). ampliação do investimento público em saúde e con-
Nessa expansão, não foi garantida a qualidade do sequente fortalecimento do SUS, refletindo-se so-
serviço prestado, e sobejaram violações aos direi- bre os problemas de abrangência do atendimento
tos humanos: o holoucausto de Barbacena (Arbex, e sobre a escolha por serviços institucionalizados
2013), a internação de foragidos políticos (Arbex, em detrimento de práticas individualizadas e terri-
2013) e a escravização de pessoas em condição de toriais, temas discutidos adiante.
deficiência mental do estado de Goiás (Meirelles, A princípio denominado Movimento dos Tra-
2016) ilustram esse panorama. balhadores de Saúde Mental (MTSM), o Movimento
Na década de 1980 a junção de diversos fatores Antimanicomial tem como marco a crise na Divisão
constrói um panorama histórico propício à Reforma Nacional de Saúde Mental (DINSAM), que adquiriu
Psiquiátrica: na esfera política, a redemocratização projeção nacional, com denúncias e reivindicações
anima a discussão sobre os direitos do usuário de que incluíam problemas como corrupção, violên-
serviços públicos de saúde mental, no campo eco- cia, tortura, negligência, ausência de recursos, etc.
nômico a recessão e a hiperinflação levam à crise do A princípio com um caráter corporativista, reivin-
modelo previdenciário (Jorge, 1997) e à dificuldade dicando melhores condições de trabalho aos pro-
de manter os altos custos estatais com manicômios fissionais da área, o movimento progressivamente
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particulares, favorecendo a reforma psiquiátrica direcionou-se para a reformulação profunda dos


(Andreoli, Almeida Filho, Martins, Mateus & Mari, paradigmas sobre a loucura e sua assistência, em
2007). Nesse cenário, dois movimentos ligados à que a violência das instituições psiquiátricas se
saúde se destacaram: o movimento sanitário, que relaciona de modo mais amplo com a violência do
buscou estabelecer a saúde como direito de toda a Estado militar contra os cidadãos. Diversos auto-
população, criando um sistema amplo e participati- res importantes visitaram o Brasil como Foucault,
vo, e o movimento antimanicomial, que questionou Guattari e Basaglia, influenciando o processo de re-
o paradigma do modelo clássico da psiquiatria. Li- forma psiquiátrica brasileira, e diversos núcleos do
gados a instituições universitárias como o Centro movimento antimanicomial foram formados. Cabe
Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), a Asso- observar que o próprio movimento antimanicomial
ciação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e é grandemente heterogêneo, não havendo consenso
o Movimento de Renovação Médica (REME), às Co- nem sobre o direcionamento da Reforma Psiquiátri-
munidades Eclesiais de Base e a outras instâncias ca, nem sobre a noção de loucura ou o processo de
redemocratizantes, ambos os movimentos tinham reinserção social. Se por um lado essa diversidade
origens vinculadas e viram sua relevância crescer enriquece as possibilidades de pensar o processo
para além do campo da saúde, alçando a cena polí- terapêutico, enfraquece politicamente a implemen-
tica geral do período. tação de ações.
O Sistema Único de Saúde (SUS) nasce então Do início a meados da década de 1980, surge
da reinvindicação popular por um modelo de assis- o plano de reorientação da Assistência psiquiátri-
-

tência baseado na garantia de direitos, promoção da ca, bem como diversos modelos de gestão compar-
cidadania e perspectiva de integração das diversas tilhada e a constituição dos Sistemas Unificados
A r t i g o s

dimensões de saúde, numa conjuntura nacional de e Descentralizados de Saúde (SUDS), embrião do


fortificação dos direitos sociais. O movimento sa- Sistema Único de Saúde (SUS). Inserido no Estado,
nitário propõe universalização da saúde, ênfase na o movimento sanitário realiza a 8ª Conferência Na-

Phenomenological Studies - Revista da Abordagem Gestáltica - XXIV(3): 366-378, set-dez, 2018 370
Sistema Único de Saúde e a Reforma Psiquiátrica: Desafios e Perspectivas

cional de Saúde, que pela primeira vez conta não Entre o final da década de 1980 e meados da
apenas com técnicos e burocratas, mas com a so- década de 1990, o movimento pela reforma psiquiá-
ciedade civil, e torna a expressão Reforma Sanitária trica distancia-se do Movimento Sanitário, voltan-
“lema nacional” (Amarante, 2016, p.92). Integran- do-se para o viés desinstitucionalizante, adotando a
tes do MTSM também realizam conferências regio- estratégia de problematização da loucura junto à so-
nais e a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental ciedade e preocupando-se não apenas com a siste-
(CNSM). O evento é marcado pela tensão: a DIN- matização dos serviços, mas com a possibilidade de
SAM e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) redirecionar o ato de saúde na própria relação entre
buscam restringir a participação da população e a profissional e usuário. As tensões entre movimento
implantação de novas formas de organização da as- sanitário e movimento antimanicomial são para-
sistência, enquanto as articulações do MTSM pres- digmáticas de algumas questões que envolvem o
sionam por maior voz popular e mudanças estru- campo da saúde mental em sua relação com o SUS.
turais, enfrentando resistências que Basaglia (2010) Embora possamos tomar esse campo como relativo
chegou a denominar de “culto do pessimismo”. à saúde, sua reorientação em direção à reinserção
Assim, a estratégia sanitarista assumia a di- social exige a crítica aos paradigmas sedimentados
reção de realizar pequenas modificações sem uma pela medicina tradicional. Inicialmente, reconhece-
mudança estrutural, que atingisse o âmago da ques- -se que a relação entre sintoma e substrato orgâni-
tão: o paradigma psiquiátrico pautado na relação co, bem como a fragmentação do corpo, presente
entre ajustamento/opressão social e saber médico/ no racionalismo médico, foi o eixo dos processos
especializado. Após a 1ª CNSM, inicia-se o período de exclusão social intermediados pela psiquiatria.
da “desconstrução/invenção” (Amarante, 2016, p. A possibilidade de uma nova relação com a loucura
93). No 2° Congresso Nacional dos Trabalhadores implica a consideração dos “muitos corpos” (Basa-
de Saúde Mental, institui-se o lema “por uma so- glia, 2010) pelos quais somos formados: dimensões
ciedade sem manicômios”, o Dia Nacional da Luta psicológicas, sociais, materiais, culturais, biológi-
Antimanicomial e a intervenção na Casa de Saúde cas que não podem ser considerados elementos se-
Anchieta e a posterior criação do Núcleo de Aten- parados, mas compõem a totalidade da existência.
ção Psicossocial (NAPS), serviço substitutivo que Nesse sentido, substitui-se o termo “doença
visa oferecer atendimento diário a usuários com mental” pelo termo “saúde mental”, visando evitar
sofrimento existencial que precisem de tratamento, o aprisionamento simbólico do indivíduo na condi-
e elabora-se o projeto de lei 3.657/89, embrião da ção de doente e a conotação de disfunção biológica
lei 10.216/2001 (Lei Paulo Delgado), que formaliza presente na noção de doença, bem como enfatizar a
a Reforma Psiquiátrica (Brasil, 2004). promoção de melhores condições de saúde. Porém,
Em 1992, o Brasil assina a Declaração de Cara- ambas as expressões, “doença mental” e “saúde
cas, pactuando com a reestruturação da assistência mental”, precisam ser problematizadas, possuin-
em saúde mental para assegurar direitos dos usuários do dois complicadores: mantêm o binômio saúde-
(Hirdes, 2009) e regulamenta os Centros de Assistên- -doença, que tende a biologizar a loucura buscando
cia Psicossocial pela portaria 224/92 (Brasil, 2004). causas orgânicas nunca claramente identificadas, e
Assim, embora na década de 1990 diversos pontos promovem a separação entre corpo e mente, como
da reforma estivessem já em expansão, assiste-se à se o surto dissesse respeito apenas à “mente”, seja
contradição entre a diretriz prevista no processo e ela compreendida como consciência ou mera ativi-

E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s
sua efetivação. A pressão política do setor privado dade cerebral. Tais termos tendem a desconsiderar o
atrasou a aprovação da lei e levou a alterações de fenômeno multidimensional implicado na loucura,
dispositivos significativos do texto, como a previsão excluindo elementos sociais e mesmo psicológicos.
de extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos A intersecção entre atenção ao sofrimento gra-
privados (Pinto & Ferreira, 2010; Amarante, 2016). ve e sistemas e paradigmas da saúde em geral gera
A demora em oficializar a reforma levou à criação diversos conflitos. Embora o movimento de ques-
de portarias pelo ministério da saúde visando ope- tionamento dos paradigmas da psiquiatria clássica
rar mudanças na estrutura de assistência. Elas de- tenha produzido diversas experiências substituti-
terminavam: inserção de equipes multiprofissionais, vas de cuidado, é a mesma catalogação de sintomas
espaços para recreação, terapias complementares na produzida pela psiquiatria clássica que permane-
internação, parâmetros de adequação das acomoda- ce no Código Internacional de Doenças (CID) e no
ções, restrição do tempo de internação a 60 dias (Ri- Diagnostic and Statiscal Manual of Mental Desor-
beiro, Martins, & Oliveira, 2009), criação de NAPS e ders (DSM). No CID, o grupo das esquizofrenias
ambulatórios de saúde mental com assistência volta- obedece, em grande parte, a classificação de Krae-
da à reinserção social (Brasil, 2004). Todavia, as ten- pelin, mesmo suas neurohipóteses não tendo sido
tativas de implementação da reforma pelo executivo comprovadas, mas estimadas a partir da quantifica-
também encontravam dificuldades, como demonstra ção sintomatológica (Foucault, 2000, Elkis, 2000).
o Programa de Apoio à Desospitalização (PAD), de Assim, a reforma psiquiátrica e os serviços
1992, que pretendia utilizar os recursos economiza- substitutivos trazem uma ambiguidade semântica:
-

dos com a desativação de leitos hospitalares para o ora designam a simples tentativa de recuperação
retorno de pacientes longamente internados às fa- do potencial terapêutico da psiquiatria clássica, ora
A r t i g o s

mílias de origem, repassando um salário mínimo e denotam a intenção de reformulação profunda na


meio a elas, porém nunca foi efetivamente concreti- compreensão das situações de crise existencial gra-
zado (Andreoli et al., 2007). ve e do lugar social ocupado por seus personagens.

371 Phenomenological Studies - Revista da Abordagem Gestáltica - XXIV(3): 366-378, set-dez, 2018
Marciana Gonçalves Farinha; Tatiana Benevides Magalhães Braga

Vários serviços substitutivos brasileiros surgiram cobertura dos serviços instalados resta insuficiente,
inspirados em processos de reforma psiquiátrica havendo ainda despreparo de profissionais, famílias
no âmbito internacional, tais como experiências de e comunidades para o convívio com pessoas em si-
análise institucional, comunidade terapêutica no tuação de sofrimento grave (Brasil, 2004).
modelo de Maxwell Jones, residências terapêuticas,
programas de geração de renda, centros de atendi-
mento comunitário e de convivência inspirados na Desospitalização, desinstitucionalização e
Psiquiatria Democrática italiana, programas de ação desafios da reforma psiquiátrica
territorial baseados na Psiquiatria Comunitária e na
Psiquiatria de Setor, experiências de acompanha- Ao abordar o desmonte do hospital psiquiá-
mento terapêutico baseadas na proposta argentina. trico de Santos, Lancetti afirma que “a clínica rea-
Outras propostas surgem a partir de demandas bra- bilitativa é imanente ao processo de desmontagem
sileiras, embora sob influxo epistemológico de cor- manicomial” (2011, p. 21), sendo necessário con-
rentes internacionais. Tais experiências convivem templar ações que vão além da centralização no
no atual cenário de cuidado em saúde mental, no modelo biomédico, priorizando tratamento, rea-
qual encontramos desde espaços asilares clássicos, bilitação psicossocial, clínica territorial e projetos
de cunho manicomial, até experiências que articu- terapêuticos individualizados (PTI) (Hirdes, 2009).
lam promoção da saúde e promoção da cidadania, No entanto, no Brasil a diminuição de leitos nos
enfatizando a crise como restrição do compartilha- hospitais psiquiátricos não acompanhou a criação
mento de experiências. de vagas na rede substitutiva; além disso, o sistema
A Reforma psiquiátrica brasileira conhe- possui fragilidades em termos de abrangência, aces-
ce maior avanço após a promulgação da lei sibilidade e diversificação (Alverga & Dimenstein,
10.216/2001 (Brasil, 2004): entre 2002 e 2012, hou- 2006). Por outro lado, dispositivos abertos, embora
ve queda sistemática no número de leitos psiquiá- evitem alguns elementos cronificadores ligados às
tricos (de 51.393 para 29.958) e no percentual de instituições totais, só permitem reabilitação psicos-
gastos com a rede hospitalar (75,24% para 28,91%), social e extinção do preconceito mediante crítica
acompanhados de aumento do número de Centros da lógica organicista, resgatando a diferença entre
de Atenção Psicossocial (CAPS) (de 424 para 1981), desospitalizar e desinstitucionalizar. Longe de sig-
aumento de gastos com serviços abertos (de 24,75% nificar apenas alterações nos serviços, a desinsti-
para 71,09%), aumento de 68% no investimento em tucionalização requer o reposicionamento episte-
CAPS (de 460 milhões para 776 milhões) e aumento mológico da loucura, situando-a nas relações entre
dos recursos destinados à saúde mental (de 619 mi- sujeito e mundo, a fim de “desconstruir/construir
lhões para 1,8 bilhão). Assim, a avanços têm ocor- – o cotidiano das instituições” (Basaglia, 2001, p.
rido, como a instalação de serviços substitutivos, a 94). Reinventam-se os modos de olhar e lidar com
diminuição de leitos em hospitais psiquiátricos e a as questões apresentadas pelos indivíduos, num
criação de leitos em hospitais gerais (Brasil, 2007). “processo ético-estético, de reconhecimento de no-
Além disso, em 2004 foi implantado o Programa vas situações que produzem novos sujeitos, novos
Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde, para sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos”
garantir qualidade mínima das instituições públi- (Amarante, 2016, p. 1).
cas e privadas que recebem verba pública. No geral, Nesse sentido, é fundamenta uma capacitação
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

evolui-se de 13 Núcleos de Atendimento Psicos- profissional focada na desconstrução da concepção


social (NAPS) ou Centros de Atenção Psicossocial fragmentada e biológica de doença mental e do mo-
(CAPS) e 80 mil leitos psiquiátricos em 1989 para delo assistencial dela decorrente, que tome o sujeito
820 CAPS e 45 mil leitos em 2011 (Lancetti, 2011). enquanto constituído nas diversas relações, em seu
A mudança no repasse dos recursos expressa âmbito familiar, social e cultural e inclua o cuidado
solidamente mudanças no modelo de atendimento, em saúde mental em todas as esferas do SUS e da
passando a enfatizar inclusão social e promoção da rede de apoio psicossocial. Cabe lembrar a crítica
autonomia. Nesse quadro se desenvolvem progra- de Rotelli (1991): nos últimos vinte anos, muitos
mas e serviços voltados à desinstitucionalização e à países ocidentais tentaram reformar seus sistemas
criação de estratégias substitutivas em saúde mental. psiquiátricos pela estratégia de construir serviços
Porém, estabelecer novos espaços não significa por externos ao hospital psiquiátrico. Todavia, as mu-
si só reformular o modelo assistencial. Permanecem danças alcançaram poucos resultados em termos
em parte as contradições entre as iniciativas polí- de reabilitação, melhoria da assistência, e redução
ticas e sua efetivação já encontradas na década de da população internada, na Inglaterra, na França,
1990. A Lei 10.708/2003 institui o programa de volta nos países Escandinavos e na Alemanha. No pro-
para casa e a Portaria GM 106/2000 institui residên- cesso estadunidense, a desospitalização dos doen-
cias terapêuticas (Brasil, 2004), porém a ressociali- tes mentais tinha como objetivo reduzir despesas
zação de pessoas institucionalizadas pouco avança: estatais (Kantorski, 2001), não se comprometendo
ao contrário da implementação dos CAPS, os dispo- com a implementação de serviços substitutivos que
-

sitivos envolvidos não chegam a sistematizar uma permitissem avaliar comparativamente sua atua-
rede nacional. Do mesmo modo, a lei 10.216/2001 ção. Para serem efetivas, assim, a discussão sobre
A r t i g o s

prevê a criação de oficinas de trabalho protegido e a pluralidade de dimensões ligadas ao sofrimento


unidades de preparação para a reinserção social, que e o próprio processo histórico de estigmatização
não chegam a ser implantadas sistematicamente. A da loucura deve transcender modelos preestabele-

Phenomenological Studies - Revista da Abordagem Gestáltica - XXIV(3): 366-378, set-dez, 2018 372
Sistema Único de Saúde e a Reforma Psiquiátrica: Desafios e Perspectivas

cidos não em termos apenas organizacionais, mas previstas na Portaria 1169/2005 (Brasil, 2010). Em-
na perspectiva do cuidado, integrando o processo bora a portaria 3088/2011 habilite todos os níveis
terapêutico. Tal transformação exige diálogos junto de atenção do SUS a atuar em saúde mental, situa
ao paciente quanto a critérios sobre a capacidade de apenas o Consultório na Rua, a Atenção Residencial
autonomia dos pacientes e a necessidade de atendi- de Caráter Transitório e os Centros de Convivência
mento fora do setting tradicional (Lancetti, 2011), como serviços voltados à saúde mental na atenção
questionando a hierarquia pautada na relação mé- básica, sendo os dois primeiros mais direcionados
dico-paciente e incluindo de projetos culturais, de à população residente na rua. Na atenção secundá-
geração de renda, etc. ria, a portaria 3088/2011 (Brasil, 2010) institui ape-
No campo da saúde em geral, embora tenha nas os CAPS como serviço especializado, omitindo
possibilitado um planejamento racional do sistema, outros dispositivos voltados à população em sofri-
a hierarquização contribuiu para o enrijecimento e mento existencial grave porém sem crise aguda, tais
burocratização das redes (Campos, 2010), fragmen- como hospitais dia, acompanhantes terapêuticos,
tando o atendimento e dificultando o acesso. No serviços de readaptação laboral e dispositivos de
campo da saúde mental, a hierarquização implica atendimento comunitário intensivo. Assim, usuá-
um agravante: ela contrapõe-se à lógica do CAPS, rios que não se adaptem à proposta institucional,
em que um serviço atua em diferentes níveis, pos- ao ambiente relacional ou aos serviços oferecidos
sibilitando que o usuário em crise grave mantenha no CAPS de sua região têm dificuldades de acolhi-
seus vínculos (Zambenedetti & Silva 2008). Assim, mento nesse nível de atenção.
obriga a classificar tipos de crises, coloca o hospital Na atual sistematização da Rede de Atenção
como gerenciador da crise grave, podendo agravá- Psicossocial, diversos dispositivos já consagrados
-la ao romper vínculos em razão da internação, e em experiências de reforma psiquiátrica são pou-
ainda leva à compreensão do hospital como trata- co explorados nas diretrizes governamentais para
mento mais complexo, quando a maior complexida- a reforma psiquiátrica brasileira. O Acompanha-
de reside em manter o usuário em meio aberto. Há mento Terapêutico, desenvolvido no próprio país,
muitos impasses na interface entre saúde mental e nem mesmo é citado pela portaria do 3088/2011
atenção básica, como priorizar casos graves e ainda (Brasil, 2010) como recurso na construção da rede
atuar em promoção de saúde, estabelecer atendi- de apoio em saúde mental; o diálogo aberto, meto-
mentos compartilhados e evitar práticas que levem dologia de prevenção à internação e psiquiatrização
à psiquiatrização e medicalização frente à grande no contexto da primeira crise amplamente utilizado
demanda e tendência à padronização e autonomiza- em diversos países da Europa, possui apenas expe-
ção dos serviços, entre outras (Brasil, 2011). riências isoladas no contexto brasileiro, geralmen-
Um último aspecto a considerar é que a esco- te ligadas ao campo acadêmico (Kantorski, 2017).
lha governamental, via portaria do Ministério da Ateliês de reabilitação para o trabalho e o recurso
Saúde (Amarante, 2003) dos CAPS como referência a famílias acolhedoras remuneradas pelo estado
de atendimento, em detrimento de propostas como para receber pacientes com alguma autonomia, que
acompanhamento terapêutico, consultórios de rua compõem a rede de saúde mental francesa, não
ou Centros de Convivência e Cultura (CECCO), pri- possuem correspondência sistematizada no Brasil.
vilegiou a instituição como lócus do tratamento, Na Itália, o trabalho é considerado eixo fundamen-
aumentando percalços para desinstitucionalizar e tal da reinserção social, sendo a rede formada não

E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s
riscos de manicomializar o atendimento, num pro- apenas por centros de tratamento específico, mas
cesso que Amarante (2003) denominou de “capsiza- por cooperativas mistas de trabalho, diretriz que
ção”. A partir de 2011, a portaria 3088/2011 institui não possui a mesma ênfase político-epistemológica
a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que reorien- na reforma psiquiátrica brasileira. Assim como ou-
ta o cuidado em diferentes níveis de assistência. Na tros documentos oficiais voltados à saúde mental,
Atenção Básica, propõe o atendimento a partir dos a portaria 3088/2011 enfatiza diretrizes como “di-
serviços na Unidade Básica em saúde, Equipes de versificação das estratégias de cuidado” (art. 2, VI)
Saúde da Família, Consultório na Rua, Serviços de e “desenvolvimento de atividades no território, que
Atenção Residencial de Caráter Transitório e seus favoreça a inclusão social com vistas à promoção de
serviços de apoio, Centros de Convivência e Cul- autonomia e ao exercício da cidadania” (art. 2, VII),
tura. Já em Atenção Secundária temos os Centros porém pouco explora dispositivos essenciais para
de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diferen- tais diretrizes, promotores de ressocialização mista,
tes modalidades. Compõem a Atenção de Urgência que integram pessoas não usuárias de serviços de
e Emergência: Serviço de Atendimento Móvel de saúde mental no percurso terapêutico do paciente
Urgência (SAMU), Sala de estabilização, Unidade e criam estratégias de autonomia financeira e so-
de Pronto Atendimento (UPA), que funciona 24 ho- cial necessárias para a desinstitucionalização efeti-
ras, hospitais gerais com leitos. O tripé composto va. Dispositivos baseados em experiências exitosas
pelos Serviços de residenciais terapêuticos (SRT), internacionalmente, tais como os supracitados, fo-
pelo Programa de volta para Casa (PVC) e pelo Pro- ram incluídos em documentos elaborados durante
-

grama de Redução de Leitos Hospitalares de Longa o processo de reforma psiquiátrica, mas acabaram
Permanência articula a desinstitucionalização de negligenciados devido à influência política de re-
A r t i g o s

pacientes longamente internados (Brasil, 2008). Fi- presentantes contrários à reforma e nunca foram
nalmente, Iniciativas de Trabalho e Renda com em- sistematizados e oferecidos de maneira abrangente
preendimentos solidários e cooperativas sociais são e contínua na RAPs (Brasil, 2010).

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Marciana Gonçalves Farinha; Tatiana Benevides Magalhães Braga

Elementos subjacentes às tensões da reforma, sicionamento de Basaglia (1980), para quem todos
como a consideração aos fatores socioeconômicos os fenômenos nesse campo requerem um olhar que
envolvidos na situação de crise e o investimento privilegia a relação entre sujeito e mundo, partilhan-
estatal na garantia de direitos possuem grande in- do a mesma crítica epistemológica à noção de doen-
fluência na organização dos dispositivos da rede, ça mental, que fragmenta a existência na sintoma-
havendo experiências em que a lógica manicomial tologia Nesse sentido, o uso de álcool e drogas não
subsiste, apesar da mudança de serviços, devido à é considerado uma experiência à parte no contexto
estrutura ofertada. Por exemplo, embora o Ministé- do sofrimento existencial grave, mas uma de suas
rio da Saúde tenha deliberado um CAPS para cada expressões. Isso não significa desconsiderar aspec-
150/200 mil habitantes, há regiões com um CAPS tos históricos e políticos singulares dos sujeitos e si-
para uma população muito maior, dificultando a tuações, mas compreendê-los na relação eu-mundo.
efetividade da rede substitutiva (Macedo, Abreu, Diante de um mundo em que o consumo e a adicção
Fontelle, & Dimenstein, 2017). Ao atender deman- são elementos cotidianos, pode emergir a vivência
das muito superiores à capacidade dos serviços, do abuso de substâncias psicoativas, assim como
compromete-se a individualização da assistência para Deleuze & Guattari (2010) a fragmentação social
no Projeto Terapêutico Singular e torna-se inviável das experiências liga-se à vivência esquizofrênica.
o que Spohr e Schneider (2009) denominam aten- O processo de disseminação de comunidades
ção integral nas dimensões de vida do sujeito. Nes- terapêuticas no Brasil pode ser situado na própria
se contexto, assiste-se a uma aliança entre o desin- tensão entre concepções disciplinares e promoto-
vestimento do Estado e as concepções de saúde que ras de autonomia. Originalmente, as experiências
trabalham na ótica de distanciamento do sujeito de comunidade terapêutica baseiam-se na concep-
(Puchivailo et al., 2013) e biologização da loucura. ção de autogestão, participação e responsabilidade
No quadro ora delineado, a reforma psiquiá- coletiva, compreendendo o atendimento enquanto
trica brasileira enfrenta uma questão estrutural: a criação de novos modos de relação com o outro e
luta pela extensão da assistência a toda a popula- apropriação do espaço social, apoiado sobre os
ção e pela implementação de serviços para além “pressupostos que tendem a desconstruir o princí-
do tratamento medicamentoso já demanda grande pio da autoridade na tentativa de programar uma
mobilização para tornar-se efetiva, relegando fre- condição comunitariamente terapêutica” (Basaglia,
quentemente a segundo plano a importante discus- 2001, p. 117). No entanto, atuando principalmente
são sobre o olhar epistemológico sobre a loucura. no interior do espaço asilar, mesmo quando pro-
Embora isso seja inteligível como decorrente da põem modos democratizados de interação e a des-
ausência de condições adequadas de assistência e construção das relações de violência, as comunida-
cobertura, é um grande risco, pois ofusca um dos des terapêuticas tendem a criar um espaço paralelo
eixos mais importantes para garantir a promoção e desarticulado do contexto externo de vida dos in-
efetiva de autonomia e inserção social nos serviços ternos, constituindo-se como modelo idealizado de
prestados. Essa questão pode auxiliar a compreen- vida em grupo, à medida que separam o paciente do
der porque, embora muito influente, a contribuição seu mundo social (Serrano, 1986).
fenomenológica na reforma psiquiátrica ainda seja É no contexto do risco disciplinar que a apro-
pouco conhecida no Brasil. Por outro lado, é fator priação das comunidades terapêuticas por insti-
importante para compreender a ambiguidade insta- tuições de forte tradição religiosa pode reproduzir
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

lada nos serviços abertos, nos quais as tentativas de a segregação social ao associar o uso de drogas ao
reformulação do olhar sobre a loucura e de reinser- descrédito moral e à ideia de pecado. As primeiras
ção social convivem com práticas e discursos mani- comunidades terapêuticas religiosas fundam-se nos
comiais, tais como a ênfase na medicação e no diag- Estados Unidos na década de 1930. Da primeira ex-
nóstico e a manutenção da concepção do usuário periência de amplo atendimento realizada pelo gru-
de serviços de saúde mental como “um sujeito que po de Oxford, voltado a restaurar os princípios da
não sabe de si, sem liberdade nem responsabilida- vida comunitária e caritativa cristã, originam-se ex-
de sobre si” (Puchivailo et al., 2013, p. 232). Nesse periências focalizadas na adicção: a Irmandade Al-
sentido, serão discutidos a seguir dois dispositivos coólicos Anônimos e o programa da Synanon, que
paradigmáticos: as Comunidades Terapêuticas e os sistematizou um modelo posteriormente difundido
CAPS. A escolha de tais dispositivos justifica-se em diversos países (Fracasso, 2008). Essa diretriz
pela importância que assumiram na rede substi- religiosa é a mais difundida no Brasil: em pesquisa
tutiva brasileira e por sua vinculação histórica aos na base de dados SCieLO em novembro/2017, foram
debates epistemológicos em torno da loucura e das encontrados 57 artigos sobre comunidades terapêu-
relações de poder na psiquiatria clássica. Os CAPS ticas. À exceção de um artigo histórico, todas as co-
tornaram-se o eixo organizador da assistência em munidades terapêuticas eram voltadas ao tratamento
saúde mental no Brasil. Já as comunidades terapêu- de álcool e drogas e possuíam caráter religioso.
ticas tornaram-se o principal dispositivo das orga- Embora deva-se reconhecer a ampla importân-
nizações da sociedade civil e, em muitas regiões, cia social dessas iniciativas, em geral todas pressu-
-

consistem no principal espaço de institucionaliza- põem o uso de substâncias psicoativas como doença
ção de usuários de álcool e drogas, senão no único. incurável, embora controlável, e a aceitação de uma
A r t i g o s

Embora possamos encontrar diferenças na as- figura divina como elemento constituinte do proces-
sistência ao uso de álcool e drogas frente a outras so de recuperação, assemelhando-se à proposta de
demandas de saúde mental, considera-se aqui o po- Maxwell Jones apenas pelo aspecto de autogestão de

Phenomenological Studies - Revista da Abordagem Gestáltica - XXIV(3): 366-378, set-dez, 2018 374
Sistema Único de Saúde e a Reforma Psiquiátrica: Desafios e Perspectivas

algumas experiências pontuais. Em meio à tradição trica aliados aos interesses do mercado no campo
social autoritária brasileira, cujas experiências no da saúde mental reintroduzem discursos e práticas
âmbito da saúde mental foram frequentemente ex- manicomiais no cotidiano da assistência à saúde. A
cludentes e repressoras (Antunes, 2014). O modelo massificação dos atendimentos, dificultando a ela-
de autogestão, proposto até mesmo nas comunidades boração desses projetos e uma maior atenção à crise
terapêuticas religiosas originais, foi distorcido pela dos sujeitos acompanhada em seu território, ocorre
larga inserção de práticas manicomiais. A proposta em resposta ao avanço do modelo neoliberal de pro-
de Comunidade Terapêutica de responsabilidade co- dutividade por número de atendimentos na saúde. A
letiva exige refletir constantemente sobre as relações centralidade na medicação psiquiátrica, sob influên-
entre os participantes. A concepção hierárquica do cia do processo de medicalização da sociedade e car-
tratamento e dos saberes permanece atuante numa regando interesses tanto da indústria farmacêutica
sociedade em que as desigualdades se encontram no quanto de desinvestimento do Estado na melhoria
cotidiano. Nesse quadro, a equipe responsável mui- de condições de vida da população, coopera para a
tas vezes determina as atividades, regula interações reprodução de um olhar focado na ideia de doença
com o meio externo, o uso de objetos do cotidiano mental, que destitui a autonomia e muitas vezes gera
e até mesmo as práticas relacionadas às crenças re- dúvidas, entre a equipe, sobre uma atuação voltada
ligiosas ou ideológicas dos internos. Desinvestindo ao cuidado ou à tutela e à disciplina.
num ambiente gerador de autonomia e do sujeito e Há ainda dificuldades de diferentes ordens
contradizendo os propósitos iniciais das comunida- para encaminhar o usuário para outros espaços, o
des terapêuticas, tais práticas podem levar à “a des- que exige o efetivo funcionamento da RAPS. Pri-
qualificação do interno como sujeito responsável, meiramente, a privatização dos aparelhos de saúde
portanto, como um sujeito de direitos” (Conselho mental via organizações sociais que prestam servi-
Federal de Psicologia, 2011, p. 193). ços ao Estado, gera uma fragmentação no direcio-
Assim, muitas instituições que recebem a namento das políticas públicas. A centralidade dos
denominação de comunidades terapêuticas estru- CAPS na rede, anteriormente discutida, relega a
turam relações autoritárias com os internos e por- segundo plano o investimento em importantes dis-
tam-se como “mini-hospícios”, não rompendo com positivos de cuidado no território, abrangendo edu-
a demarcação de espaço para a sanidade e loucura cação, cultura, capacitação e facilitação do acesso
(Conselho Federal de Psicologia, 2011). Estes mo- para o trabalho, esporte e lazer, etc, não havendo
delos de atendimentos comunitários criam dificul- vagas suficientes. Além disso, nem sempre há espa-
dades nos processos de reinserção social: não ha- ços estruturados na rotina de comunicação entre os
vendo um processo de construção da autonomia, CAPS e outros dispositivos da rede, o que facilita-
os indivíduos podem apresentar dificuldades em ria a criação de cuidado no território acompanhada
retomar o cotidiano ao sair da instituição. pelo CAPS conforme uma lógica de corresponsabi-
O CAPS é um serviço ambulatorial especia- lidade. Não havendo um fluxo de encaminhamento
lizado em saúde mental, que visa o tratamento à devido ao estancamento do atendimento no próprio
pessoa em sofrimento existencial em suas diferen- CAPS, o número de pacientes tende a aumentar, in-
tes manifestações. Em sua concepção teórica, pre- tensificando os processos de massificação e dificul-
coniza o cuidado do indivíduo no território que ele tando o cuidado singular.
ocupa, respeitando sua subjetividade, a concretude A longa permanência no CAPs, cronifica as

E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s
de sua vida com seus problemas, seu trabalho, rela- próprias relações terapêuticas, podendo abrir espa-
ções com a família e a comunidade, seus projetos e ço para uma repetitividade das práticas oferecidas
anseios (Costa-Rosa, 2000). Sob tal prisma, a saúde que leva à perda de seu sentido e sua potencialidade
não é compreendida a partir de normativas externas para promoção da autonomia, reproduzindo apenas
– princípios biomédicos, convenções governamen- o lugar social de “doente” ocupado por usuários e o
tais ou supre governamentais – mas como constru- lugar de saber ocupado por técnicos. É no contexto
ção dialogada com os sujeitos a partir do que lhes da cronificação que assistimos ainda outro fenô-
faz sentido em sua perspectiva de cuidado e socia- meno: as constantes reinternações de pacientes em
bilidade. É nesse contexto que o território emerge hospitais. Avanços de discursos como internação
como uma força viva de relações dinâmicas – con- compulsória e medicalização, que conferem novas
cretas e imaginárias – estabelecidas pelo indivíduo roupagens ao pensamento manicomial e aumento
tanto com outros indivíduos como com dispositivos das reinternações psiquiátricas (Bezerra & Dimens-
de saúde, educação e cultura (Amarante, 2016). As- tein, 2011) frente à escassez de propostas de cuida-
sim, a perspectiva inicial de atendimento no CAPs do efetivo no território. A possibilidade de institu-
se faz na construção de um percurso iniciado num cionalização torna menos urgente a necessidade de
tratamento mais intensivo e que caminha para re- uma crítica das práticas de saúde e das dificuldades
ferências da atenção básica conforme os laços, o de efetividade terapêutica do atendimento. É nesse
apoio psicossocial e as práticas de cuidado vão se sentido que Rotelli (1991) chama a atenção que a
construindo no território. proibição da recuperação em hospital psiquiátrico
-

No entanto, ainda hoje vemos alguns CAPS que italiana relaciona-se diretamente à crítica realizada
atuam em uma lógica que não conseguiu romper ao saber, poder e operacionalidade da psiquiatria
A r t i g o s

com práticas tutelares. Diversos problemas tradu- que historicamente legitimou a exclusão de milhões
zem a multiplicidade de meios pelos quais as bre- de cidadãos, geralmente oriundos de classes menos
chas e interrupções no processo de reforma psiquiá- favorecidas.

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Marciana Gonçalves Farinha; Tatiana Benevides Magalhães Braga

Considerações finais mais condizentes com um processo de reinserção


social requer um questionamento das relações es-
O movimento da Reforma Psiquiátrica no Bra- tabelecidas e das estruturas classificatórias da con-
sil teve avanços na desinstitucionalização, mas duta que se direciona não apenas ao atendimento
muito ainda precisa se efetivar, numa reavaliação direto, mas também a uma problematização social e
constante das práticas vigentes no sentido de um cultural dos processos de exclusão, em que a Rede
cuidado à pessoa em sofrimento existencial que tra- não é apenas de serviços, mas implica toda rede de
ga para uma efetiva possibilidade de autocuidado e relações da sociedade, criando novas possibilidades
no qual haja instrumentalização dos trabalhadores de vida, cultura, afeto, experiência.
de saúde e saúde mental, políticas que assegurem
direitos e uma contínua preocupação com a qua-
lidade do cuidado. Atuar tendo como perspectiva Referências
a reinserção psicossocial significa promover ações
que intentem repensar as relações entre os dispo- Alverga, A. R., & Dimenstein, M. (2006). A reforma psi-
sitivos institucionais, a equipe e os integrantes da quiátrica e os desafios na desinstitucionalização
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tem à própria dificuldade de se construir relações
pautadas no diálogo e na responsabilização coleti- Amarante, P. (2003) (Org.). Saúde mental, políticas e ins-
va. Numa sociedade que cria classificações e hierar- tituições: programa de educação à distância. Vol.
quias para as experiências e os pontos de vista, pro- 1-10 Rio de Janeiro: Fiotec/Fiocruz.
lifera a instituição de preconceitos e a construção Amarante, P. (2016). Loucos pela vida: a trajetória da re-
de relações de dominação que subjugam o outro, forma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz.
reencontrada em instituições de saúde mental na
argumentação pelo estabelecimento de hierarquias, Andreoli, S. B., Almeida-Filho, N., Martin, D., Mateus,
nas proibições, nas práticas tutelares, no controle e M. D., & Mari, J. J. (2007). Is psychiatric reform a
na repetição das atividades cotidianas dos internos, strategy for reducing the mental health budget? The
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tadas em relação a um padrão social de conduta, Antunes, M. A. M. (2014). A Psicologia no Brasil: leitura
no qual aqueles que não correspondem a um ideal histórica sobre sua constituição. São Paulo: Uni-
racional, produtivo, heteronormativo, disciplinar e marco: EDUC.
adaptativo são considerados socialmente desvian-
tes. Nesse sentido, quando a reforma psiquiátrica Arbex, D. (2013). Holocausto Brasileiro. São Paulo: Gera-
deixa de se politizar e de problematizar a própria ção Editorial.
concepção epistemológica da loucura, corre o risco
Basaglia, F. (1980). Em busca das necessidades perdi-
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delo único de compreensão das singularidades ne-
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sileira.
culturais que consideram as questões do sofrimento
psíquico em termos de doença ou marginalidade. Basaglia, F. (2001). A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal.
É nesse sentido que a perspectiva fenomenológica
vem a contribuir, no questionamento de interpre- Basaglia, F. (2010). Escritos selecionados em saúde men-
tações sedimentadas sobre a existência e num posi- tal e reforma psiquiátrica. Organização: Paulo
cionamento epistemológico que parte dos fenôme- Amarante. (J. A. d’Á. Melo Trad.). Rio de Janeiro:
nos e da relação com o outro. Garamond.
Tal desconstrução necessita ainda de interven-
ções institucionais que permitam a reelaboração de Bezerra, C. G., & Dimenstein, M. (2011). O fenômeno da
práticas e perspectivas em direção à promoção da reinternação: um desafio à Reforma Psiquiátrica.
cidadania e da dignidade dos sujeitos, criando es- Mental, 9(16), 303-326.
paços que suscitem compreensões e sejam geradas
transformações no modo como é entendida a prá- Binswanger, L. (2009). Tres Formas de La Existencia Frus-
xis, além de novos sentidos para as vivências. Sem trada. Buenos Aires: Amorrortu.
a articulação entre as propostas de problematização Binswanger, L. (2013). Sonho e existência. Rio de Janeiro:
e reinvenção das relações humanas nos dispositivos Via Verita.
substitutivos e a reconstrução das relações sociais
-

no território, corre-se o risco de, paulatinamente, Breuer, J. & Freud, S. (1895/1990). Estudos sobre a his-
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