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UMA INOVAÇÃO PARA ALÉM DOS MESTRES DA

SUSPEITA UM CAMINHO HISTÓRICO PARA SER E


TEMPO
AN INNOVATION BEYOND THE MASTERS OF SUSPICION A
HISTORICAL PATH FOR BEING AND TIME

Ernildo Stein*

Resumo: Depois das mudanças na concepção do ser humano produzidas


por Darwin, Marx e Freud, no campo do conhecimento científico,
Heidegger desenvolveu, com a analítica existencial, uma alternativa ou
uma correção da visão biologista do homem. Há uma longa história de
mudanças que vem do século XIX e, através de Nietzsche e da escola
histórica, chega aos anos 20, que conduz a uma visão antropológica
nova e a uma mudança do conceito de mundo, em Ser e Tempo.

Palavras-chave: Heidegger - Ser e tempo - Nietzsche - Analítica


existencial.

Abstract: After the changings on the conception of the human being


produced by Darwin, Marx and Freud, on the field of scientific knowledge,
Heidegger developped, with the existencial analytic, an alternative or a
correction of the biologistic vision of the man. There is a long history of
changings that comes from the nineteenth century and, through Nietzsche
and the historical school, reaches the twenties, that leads to a new
anthropological view and to a changing of the concept of world in Being
and Time.

Keywords: Heidegger – Being and Time - Nietzsche - Existencial


analitic.

Para compreendermos a revolução paradigmática que


Heidegger introduziu com a analítica existencial, faremos primeiro
uma análise das mudanças na concepção de ser humano e do
conhecimento em alguns autores marcantes da segunda metade
do século XIX.
A distinção entre ontológico e ôntico, entre existenciais e
categorias, é uma questão que, de certo modo, teve que ser
inventada por Heidegger, já que esse tipo de diferenciação não

*
Professor do PPG em Filosofia da PUCRS.
CULTURA E FÉ | 124 | Janeiro - Março | ano 32 | p. 64-72

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era feita antes e, se o era, não era utilizada no sentido
heideggeriano. Vamos perguntar pelo estatuto da analítica
existencial dentro da tradição filosófica e, sobretudo, dentro da
filosofia moderna e contemporânea. Este estatuto tem sua
especificidade e se volta contra 70 anos de certas correntes
filosóficas que tatearam e experimentaram com mudanças na
filosofia. O que significa isso?
Desde a morte de Hegel, em 1831, e desde as três afirmações
fundamentais de três dos mestres da suspeita (Darwin, Marx e
Freud), foram levantados problemas filosóficos sobre o homem e
sobre a história que antes não eram nem possíveis de serem
pensados ao modo como esses três autores começaram a
perguntar. Esse panorama novo foi consequência de um tipo de
fim das filosofias sistemáticas. Poderíamos dizer fim das filosofias
onto-teológicas, se o disséssemos com certo cuidado, porque
Marx, Darwin e Freud diminuíram a dimensão grandiosa que a
filosofia tinha, até o século XVIII, do ser humano. Em Darwin,
mostrou-se que não somos tanto do espírito, mas que temos uma
determinação biológica muito maior do que até então se pensava,
sobretudo na questão da evolução das espécies e das mudanças
biológicas e – na época não se dizia assim – mudanças genéticas.
Ao lado dele, Marx levantou uma questão referente aos
determinismos materiais que também atingem em cheio a idéia
de que o ser humano estava, de alguma maneira, posto como
um ente que sobre pairava a certas questões econômico-sociais.
Com isso, surgiu um tipo de historicismo, que Marx começou a
esboçar, do seu jeito, nos Grundrisse (uma espécie de primeiro
ensaio do Capital) e depois no próprio Capital. Ele introduziu
aquilo que nós poderíamos denominar uma possibilidade de olhar,
através de um historicismo materialista, com otimismo a evolução
da espécie humana. A história, assim, passou a ser pensada como
determinada pelas forças materiais, e não mais pelas condições
das grandes cabeças, das grandes mentes, dos grandes líderes da
história.
Depois, em Freud, houve a descoberta que emerge de uma
intuição fundamental que pode ser formulada na expressão: “O
reprimido retorna como sintoma”. Com isso, Freud revelou que a
liberdade com que pensamos comandar nossos atos, muitas vezes
é uma liberdade diminuída ou quase anulada, porque somos
determinados, por exemplo, por aspectos compulsivos em que
as escolhas parecem livres, mas nascem de processos psíquicos
fundamentais inconscientes.
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Então, com o fim da filosofia sistemática, com a afirmação
da diminuição do status do ser humano no nível biológico, no
nível de sua subsistência, e no nível da sua auto-representação,
essas hipóteses trouxeram mudanças fundamentais na concepção
do homem.
A Escola Histórica Alemã, desde Droysen, Dilthey, Herman
Nohl e outros menores, tentou substituir a epistemologia kantiana,
ou o projeto epistêmico kantiano da razão pura, por um projeto
epistêmico da razão histórica. O livro de Droysen, Historik, era
uma espécie de epistemologia da história. Ou seja, já não se
acreditava tanto nos neokantianos, nas formas a priori do Eu
transcendental, mas se aceitava ainda a questão do sentido e das
formas a priori que precedem toda compreensão dos entes, dos
fenômenos.
A Escola Histórica esboça um projeto epistêmico, no qual
levantou a questão da passagem para o histórico na questão do
conhecimento, já que os projetos absolutos e sistemáticos haviam
chegado ao fim. Devemos procurar uma espécie de elemento
epistemológico no centro, no coração da história. A filosofia
estava, em grande parte, dependente de um processo intuitivo,
de um processo interpretativo da história, através de indivíduos
que tivessem preparação suficiente, que fossem sábios e próximos
do gênio na história. Não é por nada que, nos últimos 50 anos
do século XIX, na Europa, os grandes conselheiros dos políticos
eram os historiadores.
Essa questão da Escola Histórica é muito importante, porque,
no século XX, ela representará o cerne do famoso conflito das
duas dimensões do conhecimento científico: o conflito entre as
ciências positivas e as ciências históricas. O efeito do afastamento
das ciências empírico-matemáticas da filosofia já se havia dado,
enquanto as ciências históricas ainda estavam profundamente
ligadas à filosofia. Sobretudo pelo tipo de interpretação que Hegel
fizera da história, era muito difícil libertar da filosofia a leitura da
história, dos fatos históricos. A discussão da questão da
historicidade, a partir de situações contingentes, propunha auxiliar
o conhecimento com as formas a priori de caráter histórico.
Tudo isso foi proposto, sobretudo, com influências muito
fortes da tradição hermenêutica, da tradição que vinha dos
predecessores de Dilthey, sobretudo de Schleiermacher. A questão
da hermenêutica passou a ser uma dimensão que tomou o lugar
da dialética na filosofia. Podemos dizer que, de certo modo, em

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Schleiermacher ainda há certa dialética e, muitas vezes, nos livros
da época, a hermenêutica era um pequeno apêndice dos volumes
da dialética. Foi muito difícil a Escola Histórica libertar-se da
tradição maior (a idealista), que relacionava história e dialética.
A frase de Nietzsche, que podemos chamar o quarto mestre
da suspeita, “Não há verdade, tudo é interpretação”, antecipa a
frase de Adorno (“a verdade é o não-todo”) contra Hegel, que, na
Fenomenologia, dizia: “a verdade é o todo”. Se a verdade não é
mais o todo, não temos mais como estabelecer a verdade através
de uma leitura do todo. Então, só conseguimos chegar à verdade
através da interpretação.
Essa foi a marca do final do século 20 e podemos ainda nos
perguntar: Não houve atrás de cada uma destas quatro intuições
fundamentais – Darwin, Marx, Freud e Nietzsche – uma espécie
de paradigma filosófico que teria o papel de ser o paradigma
determinante de cada um destes quatro mestres da suspeita?
Por muito tempo, tentei ver como poderíamos isolar esse
elemento novo diante do paradigma da representação, da
subjetividade, da relação sujeito-objeto. Tentei encontrar nos
Grundrisse de Marx, sobretudo no prefácio ao primeiro volume,
o elemento paradigmático ligado a uma compreensão de práxis
e de interpretação, uma espécie de paradigma do mundo prático.
Assim como também tentei ver em Darwin, em alguns de seus
principais textos, elementos deste tipo de manifestação de um
paradigma, por mais que se quisesse falar que o evolucionismo
não seria nada mais que a negação do espírito. Mesmo que o
evolucionismo fosse uma concepção que não defende mais
nenhum paradigma, há, entretanto, na concepção do processo
da evolução, uma tentativa de introduzir um dinamismo na
ontogênese. Na filogênese, esse dinamismo é claro, expresso pelo
processo evolutivo. Mas também haveria uma espécie de
dinamismo na ontogênese, portanto, no nível da ontologia
também haveria um elemento de caráter dinâmico – uma
“ontologia dos indivíduos”. Poderíamos dizer que isso, talvez, era
um paradigma filosófico. O mesmo aconteceria também em Freud,
não no sentido do manifesto e do oculto da psicanálise, nem no
sentido do velamento e do desvelamento de Heidegger, mas no
sentido de uma intuição que exigia uma desconstrução da razão,
do eu. Essa deveria levar a outra compreensão do eu, na medida
em que a consciência que sustentava sempre todo o eu passaria
a ser um dos elementos componentes do ser humano. Portanto,

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teríamos três instâncias, compostas pelo super-ego, pelo ego e
pelo id, que visavam uma desmontagem do psiquismo, não
negando o eu, mas levando-o a ocupar o lugar de mais uma
instância ao lado das outras.
Ao lado destas três hipóteses fundamentais, teria um quarto
elemento abordado por Nietzsche. Em momentos de maneira
brilhante, ele representaria uma espécie de novo paradigma, uma
nova proposta de como colocar o problema filosófico depois da
morte dos sistemas e da superação da pretensão de totalidade.
Em Nietzsche, isso vai aparecer em várias de suas obras principais.
Nelas, ele enumera as diversas instâncias pelas quais passou a
razão humana até chegar em Kant, passa pela dúvida entre
representação e representado e, no fim, diz que apenas a
representação é real, para restar então só a representação quando
nada mais é. Nietzsche introduz, assim, a idéia de um niilismo,
por um viés epistemológico restrito contra a pretensão de
totalidade da ontologia.
O que quiseram todos esses quatro autores? Quiseram pensar
o ser humano. Contudo, todos o pensaram pela exacerbação de
algum aspecto biológico; uma vez rejeitado o ontológico, a
alternativa era o biológico. Mas, a expressão do elemento
biológico era feita pelo conceito de vida, porque, no fundo, era
o problema da origem da vida ou da evolução da vida que estava
em jogo. Esse conceito, apropriado pela Escola Histórica e retirado
destes quatro mestres da suspeita, trouxe para a história uma
concepção que não mais se harmonizaria com a zoé ou o bíos
de Aristóteles e que deveria ser construída pelo conhecimento
das ciências históricas.
A vida, em Dilthey, não é mais a vida de Darwin, Marx,
Freud e Nietzsche. O conceito de vida passa a representar uma
idéia de “transcendentalidade fraca”, se pudermos chamar assim,
marcada fundamentalmente pelo elemento que queria se redimir
em todos estes quatro autores: o elemento da história.
É possível perceber, sem entrar em detalhes, que, em todos
os quatro mestres da suspeita, o elemento da história é o elemento
fundamental. E, justamente, a Escola Histórica passa a introduzir
um elemento da história junto com o conceito de vida. Este, por
sua vez, passa a perder sua idéia de uma teleologia natural, como
toda tradição filosófica o fizera desde Aristóteles. Mas, a teleologia
foi substituída por um tipo de conquista de uma esfera histórica,
em que o espírito na história representava a vida que não se

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refletia a si mesmo, como consciência de si em Hegel e no
idealismo alemão, mas a vida que tinha certo voltar-se sobre si
mesmo, na emergência das formas históricas, das etapas históricas.
Assim como elas podem aparecer na análise de períodos
históricos, ela pode aparecer também na análise de indivíduos. É
nesse período que Dilthey começa a fazer biografias filosóficas,
porque se tentava encontrar uma espécie de unidade, um lado
mais biográfico e, portanto, não mais biológico: a vida.
É nesse momento que, nos anos 20, aparece Heidegger
com a seguinte frase: “Não mais vida, mas Dasein”. Ele, no entanto,
não quer desfazer todas as conquistas anteriores, mas também
não quer consagrar o conceito que estava escondido no vitalismo
e que estava presente em todos eles (em Nietzsche, muito
fortemente, e em Dilthey, muito mais nitidamente, já com um
viés de saída). Vida, portanto, foi substituída por Dasein. Mas
trocar vida por Dasein poderia ser uma troca sem sentido, se eles
fossem somados simplesmente como sinônimos. O que estava
escondido na idéia heideggeriana de Dasein, num primeiro
momento, não era ainda o elemento analítico da existência do
Dasein. O que estava em questão era uma tentativa de libertar a
filosofia de qualquer possível recaída num fato de natureza, quando
se falasse sobre o ser humano. Dasein, então, opõe-se ao conceito
de natureza.
O cerne da questão, no entanto, havia sido abordado por
Husserl, nas suas Investigações lógicas, com um projeto, não de
uma lógica, como outros em torno dele fariam, mas um projeto
de uma genealogia da lógica. Portanto, um lugar onde aquilo
que era concebido como as formas puras a que se chegaria para
justificar o pensamento, não deveriam partir da psicologia, mas
da lógica. Essa genealogia da lógica estava presente em outros
autores, como Hans Lipps, que escreveu, por exemplo, a famosa
Lógica hermenêutica, na qual está presente a idéia de que toda
lógica incide num compreender. Então, não será mais genealogia
da consciência ou uma genealogia dos atos conscientes, como
Husserl sugeria, mas seria uma determinação de um espaço onde
reside aquilo que vai se explicitar depois no nível dos enunciados.
Quer dizer, essa idéia de Heidegger é importante, porque não há
mais, como havia em todos os outros, um projeto epistêmico.
Há, porém, um projeto pré-epistêmico, de uma fenomenologia
do conhecimento, isto é, de busca das raízes de qualquer projeto
epistêmico possível. Isso é o que vai marcar Ser e Tempo: as

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raízes de qualquer projeto epistêmico estarão ligadas a um modo
de ser-no-mundo.
Isso implicava em outra questão fundamental. O interpretar
em Nietzsche e o compreender em Dilthey são dois conceitos
pelos quais se tem acesso não à verdade como tal, ou seja, não
são mais o acesso à realidade como dada ontologicamente. O
interpretar e o compreender passaram a sugerir a existência de
sentido que precedia o ôntico. Para Heidegger, foi muito fácil,
neste momento, ver o que da matriz neokantiana e destas outras
tentativas se queria salvar, quando se dizia que toda afirmação
pressupõe uma idéia de sentido. Heidegger, a partir daí, inspirou-
se em outro filósofo que escrevera livros sobre lógica, falecido
prematuramente nos campos de batalha da Primeira Guerra
Mundial e cujo argumento era de que não se pode compreender
os entes sem certo sentido – e o sentido se dava pelo neokantismo.
Esse filósofo era Emil Lask. Heidegger, porém, substitui o sentido
pela idéia de ser. Portanto, ele, de alguma maneira, inspirou-se
em Lask para conceber a idéia dessa distinção entre ser e ente,
que depois viria a ser a diferença ontológica ou a relação entre
ôntico e ontológico.
Como essa distinção não é mais de caráter descritivo da
realidade, mas é a descrição fenomenológica de um modo de
aparecer do ôntico e do ontológico, tinha que se ver onde é que
se dá esse modo de aparecer. Esse modo só pode se dar num
compreender ligado ao Dasein. Mas, esse modo de compreender
não é mais o compreender que apenas se opõe à lógica, mas é
um compreender que tem uma estrutura nem apenas psicológica,
nem apenas histórica, mas uma estrutura ontológica. O
compreender tem um valor e uma importância – dito assim
isoladamente – absoluta em Ser e Tempo, porque passa a ser
visto no nível de um modo de ser que não é objetivado. O
compreender é um modo de ser-no-mundo. E é por isso que,
pela idéia da compreensão e do sentimento de situação, serão
consolidados os existenciais: os pontos de união entre as
dimensões do ontológico, procurados desde o final da filosofia
de Hegel até Heidegger. Eles deveriam descrever aquilo que era
vida, aquilo que era bíos. Os gregos não conseguiram pensar o
ser humano a não ser como uma soma entre o lógico e o zoé;
não conseguiram pensar o bíos e o lógico de uma maneira em
que não ficassem presos a uma ontologia num sentido objetivista.
Heidegger faz, então, depender o ser e os entes do compreender,

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elevando toda a compreensão a outro nível. Mesmo que olhemos
os textos de outros autores que vão se seguir, todos eles não
conseguiram pensar uma ‘antropologia dogmática’ sem cair ou
numa abertura para transcendência personalizada ainda ligada à
tradição ou numa queda no biologismo, em algum elemento
naturalista. Era justamente isto que Heidegger queria impedir:
que se caísse de volta para uma dimensão substancialista, em
que a vida fosse reduzida ao biológico, a um elemento de caráter
material. Ele introduz, então, o conceito de existência.
Naturalmente, se quisermos determinar o Dasein ou a existência
do ponto de vista de características e propriedades, temos que
deixar claro que não estamos lidando com categorias lógicas,
mas com existenciais que têm um sentido ontológico. Mas,
ontológico não tem um sentido tradicional, porque é pensado
no sentido da compreensão de ser.
Isso que esquematizamos é a introdução de um espaço, de
uma diferença, que se sobrepõe a todo esforço feito pelos
antropólogos e pelos epistemólogos dos anos 20, que procuravam
encontrar o elemento característico do ser humano, que não se
confundisse com a simples condição biológica ou zoológica.
Heidegger introduz a distinção que, de um lado, redimiu o ser
humano para sempre, no seu autocompreender-se, da possibilidade
de queda numa condição de ‘coisidade’; de outro lado, deu-lhe
a possibilidade de ultrapassar a dimensão de coisa, que é
determinada por categorias para um auto-compreender-se e auto-
explicitar-se através dos existenciais descolados da dimensão de
coisa.
Era um novo caminho para a filosofia, que de uma maneira
radical salvou todo o pensamento filosófico do século XX dos
riscos de um naturalismo, de um vitalismo ou de um biologismo,
através de uma idéia que introduziu a diferença. Porém, essa
diferença tem algo da tradição kantiana. Não no sentido do
conteúdo, mas no sentido da forma, na medida em que o único
modo de se introduzir os existenciais era introduzi-los de maneira
transcendental. Porém, não o transcendental no sentido clássico
da subjetividade, mas do transcendental ligado à existência, ao
modo ontológico do compreender. Primeiro é transcendental o
compreender; depois é transcendental aquele que se compreende.
Foi a partir dessa transcedentalidade (histórica ou historial), que
se mostrou o nível em que Heidegger demonstrou a superação
do que foi dito até então.

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Temos, assim, a apresentação dessa espécie de “antropologia
dogmática” na forma de uma antropologia existencial. Esse seria
o lugar com as condições dadas para fazer qualquer tipo de
interpretação do ser humano: se não dermos conta dessas
condições existenciais/transcendentais, inevitavelmente
resvalamos para o campo de um naturalismo, de uma teleologia,
de um vitalismo, de um biologismo. E, contudo, a idéia de
compreensão do ser pressupõe tudo isso: o ôntico e o ontológico,
o existencial e o categorial. Este é, portanto, o panorama de
uma mudança que veio se preparando até chegar ao texto, a um
livro que não pretendia resolver a questão do conhecimento ou
das origens das formas puras. Procurava as condições de
possibilidade da construção de qualquer genealogia da lógica,
de qualquer teoria do conhecimento. Era essa a idéia fundamental
de Ser e Tempo.

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