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P.

• CHARLES GRIMAUD

A M ULHER ..

ENCANTO DO LAR
(Obra premiada pela Academia Francesa)
(•Prémio Fabien• 1929)

(Versão da 29.a edição francesa)

Edição da .:união Gróíi03•


R de Santa Marta, 46
L I S B O A

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NJHIL OBSTAT

Olisipone, 28 Aprilis 1952

Michael A. de Oli'l.'eira

IMPRIMATUR

Olisipone, 30 Aprilis 1952

t EM., Card. Patriarcha

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PREFÁCIO
URANTE os meses que precederam o seu casa­
D mento, a noiva procurou instruir-se sobre a
natureza e importância dos deveres que sobre
ela recairiam logo após a união matrimonial, e pre­
parou-se para cumprir as obrigações dessa união
derivadas.
Agora, a ·situação é outra. Agora já não é ela
noiva mas esposa. Agora iá não olha de longe
para o lar, como outrora Moisés, avistando com
os seus olhos alvoroçados, a Terra Prometida.
Agora, ei-la introduzida no lar como rainha nos seus
domínios. Teve de deslocar-se, talvez mesmo des­
cer, das regiões do sonho para as da realidade.
Presentemente o seu dever não é entregar-se a
uma pura contemplação das virtudes domésticas
mas pô-las em prática.
Mais do que uma rapçrriga, alegremente ingres­
sada no estado conjugal, se tem sentido, a breve
trecho, tomada de certa surpresa, talvez mesmo de
estupefacção, perante os deveres duma situação
para ela pràticamente desconhecida. Para algumas,
esta situação de começo irá- quem sabe?- tal­
vez até ao pavor, como aquela terna rapariga que;
casada, aliás, com um excelente rapaz, se foi lançar
nos braços da mãe, confidenciando-lhe, banhada
em lágrimas, que se via perdida no dédalo das suas
novas obrigações. Muito mais numerosas serão as
que, sem chegarem a tão dolorosa impressão, nas"
cida de um passageiro desconhecimento do seu pa-

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pel, não vêem, todavia, com clareza dentro da sua


nova mansão. Todas essas - e serão a maioria das
jovens casadas - concordariam decerto com estas
palavras que escreveu uma recém-consorciada:
«Casada, há apenas algumas semanas, aprecio
agora mais do que nunca assuntos de educação .. .
mas, se pensamos nos filhos e nos deveres que os
pais têm a cumprir para com eles, não será preciso
também pensar nos deveres das mulheres para com
os seus maridos? . .. Há, na verdade, motivo para se
perguntar se estará à altura da sua missão uma
rapariga que, logo após o seu casamento, se en­
contra numa situação totalmente diferente daquela
em que se encontrava na véspera . ..».
Foi para corresponder ao desejo de muitas jo­
vens casadas que se escreveu este livro. Propõe-se
ele satisfazer a sua legítima avidez de conselhos
na matéria e proporcionar-lhes directrizes tanto
mais desejadas quanto é certo que, na hora grave
da entrada no lar, não têm geralmente ninguém
que lhas dê.
O simples título deste trabalho indica o fim que
tem em vista: «A mulher, encanto do lar». Se o
marido é o chefe, o defensor, a providência da casa,
a mulher deve ser o encanto que torna o ninho deli­
cioso, o íman que para ali atrai, o laço que ali
prende os corações. Ela deve, pois, dispor de um
poder de coesão tanto mais irresistível quantq actua
no interior, tal como aquele vigor que concentra as
energias do grão para dele fazer nascer uma planta
e uma flor. Tudo o que vive no lar deverá inclinar-se
com respeito diante deste poder de sedução: o ma­
rido, por uma verdadeira admiração para com
aquela que lhe embeleza a vida; os filhos, honran­
do profundamente a mãe com a efusão dos seus
carinhos e ternuras: os servos, subjugados pela sua

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doçura e bondade . «A mulher, encanto do lar»,


. .

que belo programa/


É este o ideal que estas páginas vão fazer con­
templar. Determinarão elas, em primeiro lugar, os
«Motivos de simpatia». Há tantos segredos que tor­
nam a jovem casada atraente, sedutora, ao seu
marido! É preciso que ela conheça esses segredos
para aplicar-se a procurá-los e a pô-los em acção.
Mas será preciso, também, mencionar as «Cau­
sas de aversão» que são, infelizmente, muito nu­
merosas e demasiado poderosas porque encontram
ardorosas cúmplices nas tendências da natureza
decaída, a ponto de fàcilmente produzirem lamentá­
veis estragos em alguns lares. Apontando-as, mos­
traremos o seu odioso e incutiremos o seu horror.
Finalmente, para exercitar-se no cultivo das cvir­
tudes atraentes» e na extirpação dos «defeitos gera­
dores de antipatia», a jovem casada deverá ir pro­
curar a coragem e o amor do sacrifício na sua ver­
dadeira fonte que é a religião bem compreendida.
Em tal estudo, a jovem casada aprenderá o verda­
deiro segredo da «Conquista da realeza no lar»
que muitas outras em vão procuraram.
Estarão as leitoras deste volume dispostas a se­
melhante empresa? Esta é, por certo, de molde a
tentar as que, um dia, se deixaram seduzir pelo
desejo de possuir o seu quinhão de realeza no lar,
para um maior amor de Deus, para a felicidade
dos maridos e para o bem dos seus filhos.

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PRIMEIRA PARTE

·OS MOTIV�OS DE SIMPATIA

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Quando o rapaz namorava a rapariga que escolhe·
ra, sentia-se atraído para ela como que 'por um irresis.
tível impulso. Primeiramente irreflectido, este ímpeto foi
sendo pouco a pouco submetido, pelo coração apaixonado,
a um começo de análise psicológica. E eis um fenóme­
no curioso que se verificava: à medida que o jovem in­
vestigava as causas da sua atracção para a noiva, parecia·
-lhe ir sempre deparando com outras até ali desconheci­
das; às qualidades exteriores, primeiramente notadas, vi·
nham agora juntar-se, como espigas a uma gavela, os
talentos do íntimo, que uma observação mais profunda
daquela alma lhe fazia descobrir. Trasbordava ele então
de alegria por estar convencido de ter encontrado um te­
souro escondido.
Nessa altura, a tarefa da rapariga não apresentava
qualquer dificuldade. Ela podia, quase sem custo, fazer
brotar, no íntimo do seu noivo, sentimentos de admira·
ção pelas suas qualidades. Ela encontrava-se ainda na·
quela fase em que o amor se nutre quase exclusivamente
de palavras e quase não reclama actos... E, verdade se
diga, esse papel de promitente, ela sabe representá-lo ad.
miràvelmente! Com que encantos não sabe ela ornar, com
que meiguices não consegue ela tornar entusiásticos os
seus augurios sobre o futuro do seu lar I
Mas semelhante tarefa muda de fisionomia no dia em
que o marido exigir que lhe seja entregue aquele íntimo
que lhe fora prometido. Ontem aprovara ele apenas sim­
ples projectos; hoje quer penetrar em morada bem ajei-

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tada e cenfortável . . . A jovem consorte encontra-se, por


certo, em condições de lha proporcionar, pois tem as vir­
tudes do lar, os talentos naturais, as qualidades adqui­
ridas. E, no entanto, hesita . . . Falta-lhe qualquer coisa: a
habilidade.
A primeira parte deste volume vai esforçar-se por
colocar-lhe nas mãos esse saber prático que lhe falta. Os
capítulos que vão seguir-se terão .por fim ensinar à recém­
�casada como deve servir-se dos «motivos de simpatia)p
de que ela tão abundantemente dispõe.
Para bem pormenorizar a obra que a mulher casa•
da tem a realizar, será preciso, primeiramente, determinar
o estado dos espíritos no lar, as suas aspirações, as suas

tendências e as suas necessidades. Para tal, estudaremos


((0 estado das almas logo após o casamento». Depois, parl.

poder realizar aquele ideal que entrevira, terá a jovem


casada de aplicar-se ao estudo das «suas qualidades na.
turais)), a fim de as desenvolver; recorrerá, ainda com o
mesmo fim, aos seus «talentos adquirjdos>); e, finalmente,
reflectirá sobre as «Virtudes da mulher casada)), para as
pôr em prática. Quando, ao terminar este exame de cons­
ciência, tiver verificado os opulentos e poderosos recur­
sos de que dispõe, fàcilmente se convencerá de que, para
ser o «encanto do lar)), só uma coisa lhe é precisa: querer.

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CAPITULO PRIMEIRO

O ESTADO DAS ALMAS LOGO APóS O CASA·


MENTO

S ·bastante complexa a psicologia dos jovens casados.


Ela despista, com frequência, não só os pais e amigos
íntimos mas por vezes até os próprios casados, que não
conseguem entender-se e que vivem num doloroso equí­
voco que só mais tarde se desfará. Para o marido,
certas maneiras de proceder da jovem consorte apresen­
tar-se-ão como que enigmáticas; para a mulher, certas
atitudes do marido, totalmente imprevistas, produzirão
a sensação que se experimenta diante dum mistério. Mas,
como de parte a parte há boa vontade e muita afeição,
suportam-se mutuamente sem se queixarem. Não ousan­
do perguntar razões com receio de magoar, cada um se
confina no seu silêncio e procura esconder, com um sor·
riso nos lábios, as leves feridas do coração ...
Foi assim que, por não terem sabido compreender­
-se, bastantes jovens casados só conseguiram harmonizar
perfeitamente as suas almas e os seus .feitios à custa de
atritos dolorosos que fàcilmente se poderiam ter evitado,
se alguns conselhos amigos lhes tivessem mostrado as
causas dessa falta de :harmonia. Pode mesmo afirmar-se
que teria bastado à jovem casada conhecer a receita dos
bálsamos e unguentos capazes de cicatrizar estas primeiras
feridinhas para que aqueles sofrimentos íntimos, às vezes
tão pungentes, fo5sem imediatamente suavizados. Pois não
é a ela que cabe o papel de prodigalizar cuidados e curar
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doenças? Se ela se entregar, logo após o casamento, a
esta nobre e cativante função, logo será olhada pelo ma­
rido corno verdadeiro anjo do lar.
Mas, para· realizar esta arte tão delicada, importa que
ela se instrua sobre a evolução psicológica que, oculta­
mente, se vai produzindo nestes primeiros anos de vida
em comum. Conhecendo bem as fases por que passam
habitualmente os novos lares, não terá ela dificuldade em
fazer o seu diagnóstico e em lançar mão dos remédios
que a situação reclama.
Siga ela, pois, atentamente, as páginas deste pri­
meiro capítulo nas quais vamos tentar dar um esboço do
que se poderia chamar «O estado das almas logo após o
casamento)),

*
*.

O sentimento predominante nos recém-casados é o


desejo da felicidade. Durante o período do namoro olha­
ram-se um ao outro como o meio providencial que Deus
lhes mandava para assegurar a sua felicidade neste mun­
do. Isso explicava que ambos exultassem, nesses dias ines­
quecíveis, com a perspectiva sem fim das futuras delí­
cias do seu lar.
E tinham, por certo, razão, pois se, como ensina o
Catecismo, a finalidade primária do casamento é a so·
brevivência da raça pela procriação dos filhos, o seu se­
gundo fim é «assegurar a felicidade dos esposos)), O ho·
mern e a mulher são feitos para se completarem e para
suportarem, ambos por igual, os encargos familiares de
modo mais fácil e suave. ccNão convim que o homem
viva só)) (1), disse Deus antes da criação de Eva e, me·
lhor do que ninguém, podem os jovens casados com•

{1) Genes. II, 13.

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preender o sentido desta palavra divina e apreciar a feli­


cidade de serem dois.
Mas- coisa curiosa!- a própria intensidade da sua
ventura impede-os de reparar nas \micas condições em que
ela é possível. Semelhantes àqueles que, encandeados
por uma luz, não conseguem enxergar qualquer objecto,
tais esposos perdem de vista, n o deslumbramento da sua
satisfação, aqueles obscuros nadas de que se alimentam
tais gozos neste mundo, aqueles esforços constantes, aque­
les sacrifícios, ora leves ora pesados, que são a moeda
com que se compram as nossas satisfações. Se este ((rever­
SO)) lhes passa despercebido, é porque não querem ou não

conseguem dar fé dele. Aquela, por exemplo, dirá, no


início da sua vida conjugal, coisas que farão sorrir as ((an­
tigas»: ((que a sua felicidade é trasbordante!... nem pode­
ria ser doutra forma com um marido tão bom. .. Felicidade
que ela apanhará aos braçadas ... � só abaixar-se e co­
lher...» O marido, por sua vez, dirá coisas no mesmo
estilo: ((que encontrou o seu ideal. .. com uma mulher
assim tem a felicidade garantida... é só deixar-se levar ao
sabor da vida.. . >>
Tais palavras, ditas por certo com sinceridade, não
podem ser mais ingénuas. A felicidade não se deixa apa­
nhar com a facilidade que estas crianças imaginam. Tam­
bém ela quer ser cortejada e dedicadamente procurada.
Quando, por vezes, ela tarda, não será porque os es­
posos se deixaram embalar pela ilusão da ((felicidade sem
custo>>?

"
....

E, todavia, estes jovens esposos têm uma certa des­


culpa de terem acreditado nesta miragem enganadora.
Tinham tantas razões a convencê-los da possibilidade de
uma ((felicidade barata>> que não podemos recriminá-los

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de nela terem acreditado, contanto que, logo após o ca­
samento, acalmadas as primeiras efusões, se disponham
a ouvir os conselhos da sabedoria.
·Para evitar a temível ilusão da (<felicidade sem custo.,
é necessário, antes de mais, desconfiar daquele sentimen­
to a que se dá o nome de admiração m1ítua. Tal senti­
mento é tão vulgar nos principiantes na vida conjugal
que dificilmente se encontraria algum que lhe não tives­
se experimentado os efeitos. Quantas jovens casadas não
verão sinais de superioridade nos menores gestos do ma•
rido, mesmo naqueles que não passam de autênticos de­
feitos? Quantos maridos não admirarão nas suas mulheres
as próprias excentricidades?
Por certo que, em toda a natureza bem inclinada, e
sobretudo cristã, há aspectos dignos de admiração, talen­
tos naturais, virtudes sobrenaturais, que encantam quem
as observa. E, sem dúvida, nenhuma jovem casada terá
culto demasiado pelas boas qualidades do seu marido. Mas
ela cairia num erro lamentável se fosse classificar como
bens os defeitos, as injustiças, as faltas do marido...
E, no entanto, é até aí que .o amor ameaça arrastá­
-la. Moliere já o tinha notado numa passagem célebre
do Misanthrope (1\.
Observava ele, com finura, que os namorados se ga­
bam sempre da escolha que fizeram. As próprias fealdades
físicas são para eles verdadeiros encantos:

A pálida é, na brancura, ao jasmim comparada.


A magra possui altura e liberdade
A gorda tem no seu porte majestade ...

(1) Acto II, cena IV.

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E os defeitos morais transfiguram-se em qualidades�

A pouco limpa e de encantos pouco dotada


Toma o nome de beleza desmazelada

E a ilusão vai até fazer dos vícios. virtudes:

A altiva tem coração digno de uma coroa


A pérfida tem graça no dizer ...

E assim conclui o perspicaz observador que um •:o­

ração apaixonado

Gosia até dos defeitos daquele que ama ...

:É preciso que um amor inteligente saiba impedir


esta perversão do juizo, esta decadência do sentido moral,
esta ausência de gosto estético que uma. admiração sem
limites, n ascida de uma exagerada paixão, fatalmente pro­
duz. E, todavia, quantos exemplos desta aberração que
Moliere pôs em cena, se não encontram na vida corrente!
Um recém-casado, que censura àsperamente as indecên­
cias da moda das outras mulheres, achará, por exemplo,
muito decente o despido «ultramoderno>> da sua .... e
aquela jovem esposa, filiada, talvez, em alguma «Liga d a
Boa Imprensa» achará absolutamente normal que o marido.
leia maus jornais . . . Aqueloutra não virá, por exemplo, a
preocupação de saber se o seu marido se engana ou não,
se é honesto ou pouco escrupuloso nos seus negócios, se

falta ou não à prática da caridade elementar, etc., etc.


Certas mulheres, incapazes, na sua vida de solteiras, de
assistirem a um espectáculo um tanto duvidoso, não terão.
qualquer repugnância em ir a um espectáculo licencio­
so, pretextando que «Se o seu marido lá vai é porque o
espectáculo não é mau» . . . E tantas outras que, a des-

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peito dos princípios da moral recebidos, acham perfeita,
mente boas as ideias que o marido professa e põe em prá,
tica a respeito do dever conjugal!...
Está,se a ver até onde pode levar esta admiração
«mÚtua e sem discernimento», que faz achar tudo belo e
bom na pessoa -amada, as qualidades e defeitos, as fra,
quezas, e até os próprios vícios. Esta perpétua aprova,
ção de ideias e de actos levará os dois esposos is indi,
gnidades mais incríveis. Sem darem por isso, irão fazendo
concessões um ao outro sempre no sentido do bem in,
ferior . e, por isso mesmo, no sentido de uma inferior
felicidade. ·
É -fácil, com efeito, ver o caminho escorregadio por
onde enveredam os esposos que se deixam levar- desta
aceitação contínua de tudo o que apetece ao consorte, sem
<jualquer resistência em favor do dever e da prossecução
de um Ideal superior. Tais esposos, admiradores de si
próprios, não reparam, desde o começo, para onde vão
c
. . . continuam a caminhar. Pois se o caminho não sobe,
não é arenoso, nem é difícil e não reclama esforço!.. . .

'É o que verdadeiramente se pode chamar o caminho da


:t!felicidade sem custo».
Cuidado, porém, com a curva que se aproxima! As
nuvens vão encastelar,se no horizonte! Aquela que acha,
va perfeitamente bem as leituras imorais do marido nota,
:não sem algum pavor, que ele começa a perder a fé; a
que, pela sua complacente aceitação, arrastava o marido
a espectáculos imorais, começa agora a suspeitar de que

a sua felicidade. está a ceder... ; ·aqueloutra, saída do con,


fessionário, arrependida e esclarecida, dá ao marido uma
amorosa repreensão mas entrevê, pela resposta, que terá
de lutar, de futuro,_ contra o terror do pecado mortal,
no cumprimento das suas obrigações matrimoniais. É o
castigo de ter dado a entender ao marido que o belo pra,
zer deste tomava o lugar do dever... felizes daqueles

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t�daquelas que. prevenidos destes primeiros pertgos, ti­


veram a coragem de arripiar caminho!
:E: necessária, todavia, no lar, uma admiração recípro­
ca, desde que não seja cega. Nem o homem nem a mu­

lher devem esquecer que {<a perfeição não é coisa deste


mundo». Devem, portanto, reconhecer que cada um tem
os seus defeitos, as suas tinetas, os seus caprichos, as suas
esquisitices. Considerar estes aspectos menos atraentes,
sem se deixar iludir sobre a sua importância, não é, de
forma algúma, faltar ao amor conjugal. Lá estará a admi­
ração sincera, nascida das grandes qualidades do marido
ou da mulher, para contrabalançar qualquer impressão
desagradável, para fazer com que a recusa e a repreen­
são permaneçam sempre suaves, afectuosas e pacientes,
tanto quanto for necessário. Um amor esclarecido torna­
rá os cônjuges de parte a parte perseverantes e unidos na
tarefa de sufocar o gérmen do mal, que. deixado medrar
no seu peito, tornar-se-ia o parasita da sua felicidade.

*
* *

Quando os cônjuges que não reagem contra a cega


«admiração mútua» não vêem a catástrofe aproximar-se
é que têm os olhos vendados por um outro sentimento
que se chama «confiança desmedida».
Esta confiança exagerada é uma consequência na­
tural da admiração sem limites que muitos esposos pro­
fessam um pelo outro. Pois, se tudo é perfeito no ser que
se ama, p<?r que não se a1bandonar totalmente nas suas
mãos? Nã� será ele capaz de resolver todas as dificul­
dades? ... Não dispõe ele de talentos e de habilidade su­
ficientes para os pôr em acção, se for preciso?...
Tal maneira de raciocinar cria o grave perigo da «des­
preocupação». Os dois esposos, convencidos de que se bas­
tam um ao outro, não precisam dos auxílios nem mes'llo

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dos conselhos de ninguém. Eles, sàzinhos, serão suficien,


tes para tudo remediar! A sorte ser,lhes,á sempre faguei,
ra. Assim pensavam aqueles jovens esposos que, após o
casamento, se diziam: ((Dispomos de trezentos mil francos.
A sessenta mil francos por ano, teremos para cinco anos.
Para a frente, pois))! E bem impertinente seria quem,
nesse momento, lhes fizesse esta pequenina observação:
«Mas depois?... )) Pois não tinham eles o futuro diante
de si?!... E a sorte?!. .. E, quem sabe, talvez a fortuna
que, como diz o provérbio, ajuda os audazes?!. ..
Quantos, sem usarem linguagem tão crua, não dirão
pràticamente a mesma coisa?... Embalados pela cantiga
da despreocupação, que uma confiança doida na sua boa
estrela lhes sopra aos ouvidos, tais esposos adormecem.
Eles, que deviam viver de olho alerta e de ouvido à es,
cuta, aproveitando as suas energias para enfrentarem os
tempos difíceis, perderam todo o espírito de previdência.
Se o casal tem certa categoria social e vive com algum
desafogo, a mulher contará para tudo com o marido e
entregar,se,á à preguiça e ao prazer de viver... E ele,
por sua vez, mais embevecido com a sua felicidade do
que preocupado com o trabalho, repelirá todo o esforço,
certo como está do futuro que ele descortina apenas atra,
vés dos deslumbramentos do seu amor... Mas eis que, a
certa altura, os negócios começam a correr,lhe mal... Com
a sua falta de assiduidade ao trabalho, o homem deixou
a caixa ir,se esvaziando e ... no dia em que, verificada
a triste realidade, tem de confessar à mulher a :bancarro,

ta, irá encontrá,la como prostrada sob as ruínas dum ve,


lho castelo... Nem um nem outro haviam jamais pensado
que teriam um dia de trabalhar para viver. .. Ela nada
sabe fazer ou sente tanta vergonha em descer aos humil,
des serviços da casa que só o pensá,lo a revolta. E ele,
braços caídos, procura mas não consegue reencontrar a
sua «bela sitt�t�çãm>.

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História trágica, por demais verdadeira e infelizmen­


te pouco rara, que ensina aos jovens esposos esta grande
verdade: «O verdadeiro amor não é o louco mas o ajui­
zado>>. Por certo que nunca será de mais inculcar aos jo­
vens esposos a confiança mútua. Mas convém não con­
fundir uma confiança benéfica e inteligente com o opti­
mismo extático que descamba em fatalismo.
Quando se fala da Providência, costuma, às vezes,
dizer-se: «Trabalha, que Deus .te ajudará)). Aplicando es­
tas palavras aos casados, podemos dizer-lhes: «Trabalha,
que o teu cônjuge trabalhará contigo)>. A confiança amo­
rosa e total não admite a preguiça, reclama sim a colabo­
ração. O ardor no trabalho comum é a melhor prova de
uma dedicação afectuosa que um homem e uma mulher
possam dar-se mutuamente. Todas as iniciativas do mari­
do, os seus negócios, os seus êxitos, os seus revezes, serão
partilhados pela mulher. Examinarão os. dois os assuntos.
Ele perguntará, amigàvelmente, a opinião da mulher. Esta
dir-lhe-á, com simplicidade, o que .pensa, inspirando-se
de um são discernimento, do que aprendeu em casa dos
pais, do que lhe ensina já a sua curta experiência. A sua
opinião é, frequentemente, feliz. A intuição dá-lhe o que
o raciocínio dá ao homem. Por seu turno, o marido, ao

entrar em casa, procurará interessar-se por tudo o que se


passa no lar: as mínimas coisas lhe darão alegria, os mais
insignificantes mellloramentos lhe causarão prazer. E,
sendo preciso, por que não há-de ele dar à sua mulher
uma ajuda para mudar este movei, ajeitar melhor ou pôr
cm ordem aquele compartimento? Deverá ele ter em gran­
de apreço a ordem e a economia e não regateará louvo­
res à sua inteligente e dedicada dona de casa. Eis o
auxílio mútuo, a verdadeira e circunspecta confiança que
os esposos devem um ao outro.
*
* *

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Esta mútua colaboração na obra do lar é fecunda, ao


passo que a ilusão do abandono despreocupado nos braços
do consorte é estéril. Mas que cônjuge será capaz de di­
zer que não é um pouco vítima disso?... Se a maioria
dos novos casais, cede, por pouco que seja, a estas mira­
gens de começo, é porque são, cada um na sua medida,
vítimas da sua inexperiência.
«É preciso aprender em escola própria)), como se diz,
por vezes, ou ainda: «É preciso aprender à nossa custa)).
Esta verificação popular dá-se em muitos lares que pagam
caro, às vezes, a sua ignorância da existência real.
Há uma primordial noção prática, que os esposos
nem sempre tomam na devida conta. É a do valor do di­
nheiro. Quando os novos fundam um lar, julgam inex­
gotáveis os· recursos de que dispõem e convencem-se de
que as notas que puxam da escarcela suceder-se-ão inde­
fmidamente. O homem, que provàvelmente .viveu até ali
em casa dos pais e à custa deles, nunca tomou parte a
valer naquilo que se chama a <<luta pela vida)). Pois não
tinha ele a bolsa do pai quando a sua acusava falta de
dmheiro?... Embora teàricamente soubesse que as coisas
não haviam de correr sempre assim, o candidato a mari­
do nunca conheceu os penosos sacrifícios que nascem da
falta de dinheiro. Eis por que, nos primeiros tempos do
casamento, sente-se levado a gastar incessantemente, im­
pelido, de um lado, pelo desejo de causar prazer à mulher,
t: do outro, habituado como está a ver o maná cair do

céu.
A jovem esposa, por seu turno, não é bastante expe­
riente em assuntos de finanças para travar os esbanja­
mentos do marido. Na casa paterna, os pais jamais lhe
haviam feito sentir as preocupações materiais. Quando
saía para as compras levava as mãos ·recheadas de notas
que nada lhe tinham custado a ganhar. Ei-la, pois, na­
turalmente persuadida de que as coisas vão continuar sem-

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pre assim. Eis porque nem ouve aquele aviso que se ex,
pnme assim: uRepara bem no que fazes!?> E é desta for­
ma que, sem dar por isso, um casal, que .poderia juntar·
um bom pecúlio, se vê reduzido, por fim, a olhar para o
seu pé-de,meia vazio no canto do cofre . . .
Haveria remédio para esta falta de recursos se o jo,
vem casal não fosse vítima de outra inexperiência: o des­
conhecimento do valor do trabalho. Rapariga solteira, a
mulher fora menina mimalha ... não fw habituada a todos
os serviços. Ao entrar no seu lac, desconhece o valor dos
seus mínimos esforços. Persuadiu-se talvez de que, uma
vez no lar, passará a ser senhora. Mas não levará muito
tempo a convencer-se da sua ilusão. Depressa verificará
que o que não souber fazer terá de o pagar . .. e o que
ela não tiver vigiado será desperdiçado . . . Mas a escola
sair-lhe-á cara se os hábitos interiores estiverem de tal
modo arraigados que a experiência leve tempo a fazer
sentir a sua acção, ou se, ensinada pela vida, mas desti,
tuída de coragem para defrontar o trabalho, se demo.·ar
em sair da sua inércia.
Por seu lado, o marido não terá possivelmente, tarn,
bém, a experiência da luta pela vida. oDesconhecer-lhe-á,
talvez, o valor. Certo industrial, tra·balhador, estranhando
o pouco afinco de certos jovens ao trabalho, dizia: ((Não
compreendo que um principiante na vida não trabalhe
doze horas por dia!>> E ria-se daqueles jovens casados
que julgavam ter encontrado o seu ideal numa repartição
ou escritório onde estão das nove às onze e das catorze
.às dezoito e que lhes retribui a frouxa assiduidade com
magra subsistência. Ignoravam eles, acaso, que poderiam
empregar as suas energias, nas horas livres, em fazer tra,
balhos suplementares remunerados? . . .
Quando, mais tarde, a familia aumentada reclamar
o bocado, o pai, preocupado, compreenderá então que
urge preencher de trabalho os momentos disponíveis, ou,

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trora desperdiçados. iPor que há�de ele então esperar que a


necessidade o fustigue para compreender que a primeira
riqueza é a do trabalho?
E, quando se resolver a aumentar a sua tarefa quoti­
diana, estará ele então ainda em condições de o fazer?
Talvez não. É muito possível que ele, como a mulher,
tenham sido vítimas de uma outra inexperiência: o des­
conhecimento do valor da idade. A juventude é, gel·al­
mente, robusta e ardente e julga que o organismo pode
passar sem certos cuidados. Logo após o casamento, es­
quecem-se os dois da necessidade que há de moldar a vida
dentro de uma certa tranquilidade. Começam por uma
viagem de núpcias, por vezes demasiadamente longa, de
.que regressam extenuados. Depois estabelecem- aqueles
que têm meios para isso- um teor de vida em que do­
minarão em cheio a alegria e os passatempos. Vai-se ao
"teatro, ao cinema, às reuniões mundanas. O deitar, tardio.
A jovem esposa, para deitar figura em sociedade e na in-
1:enção de envaidecer o marido, julga conveniente exa­
gerar o nu da sua maneira de vestir, não receando expor­
�se assim a resfriamentos e outras funestas consequências.
Talvez, seja precisamente essa a época em que a jovem
-esposa espera o fruto do seu seio e em que mais precisaria,
'POrtanto, de calma, vida regrada, repouso e agasalho. Se
muitos recém-casados, avisados pelos pais ou por previ­
dência própria, evitam estes escolhos, muitos há que, pela
-vida fora, tiveram sempre a sofrer o resultado de tais
-imprudências. Poderíamos citar o caso daquele casal ele-
gante e rico que percorreu, em viagem· de núpcias, todo
IQ ·norte africano e regressou à França com a desoladora

verificação�e que a j�vem esposa contraira um mal de


.que não mais se curana.

*
* *

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25

Ao mesmo tempo que os jovens esposos, embalados,


nestes primeiros tempos da sua união, pelas mesmas ilu­
sões, são vítimas das mesmas inexperiências, conven�
cem-se de que as suas almas se fundem numa maravilho­
sa harmonia. Mas, dentro de pouco, à medida que a rea­
lidade vai dissipando a ilusão, não tardam em dar fé
de que, não obstante as aparências em contrário, a adap­
tação mútua ainda se não encontra realizada e que se
impõe à sua hoa vontade um trabalho de ajustamento.
As circunstâncias da vida quotidiana vão perfuran­
do, como outras tantas pontas de alfinete, aqueles ba­
lões cheios de vento que se chamam sonhos.. Os espíritos
.

terão de descer das nuvens ... Não será, por certo, sem
algumas decepçõezinhas que os cônjuges se verão força­
dos a contemplar horizontes que eles tinham por triviais.
Quanto mais alto tiver ido a ascensão, tanto mais penosa
será a descida ... 1Para os esposos sérios, virtuosos e acau­
telados, que sempre encararam o matrimónio como deve
ser encarado, isto é, como um grande dever cristão e so­
cial iluminado pelo amor, para tais esposos a obra da
adaptação das almas é depressa realizada por uma pronta
aceitação das concessões e sacrifícios de cada hora.
Mas para os esposos menos iniciados nas verdadeiras
obrigações da existência e cuja juventude se exaspera ao
ver fugirem-lhe os sonhos a que se tinham agarrado, o
trabalho do ajustamento dos génios entre si e com as
realidades práticas da vida será mais doloroso. É por isso
que nos diferentes lares esta segunda fase da vida comum,
a do ajustamento das almas, é menos agradável. Note-se,
porém, que esta crise não se manifesta sempre em igual
graú. Como outrora o mitológico Proteu, ela assume as
mais variadas formas e graduações, desde os lares em que,
graças à perfeita inteligência que os esposos têm da si­
tuação, é a custo perceptível. até àqueles onde cria grav�
dissensões. •

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E já que o presente capítulo é destinado a estudar eco
estado das almas logo após o matrimónio», torna-se ne­
cessário expor aqui os factores que sobre elas ·actuam, nes­
ses momentos de regresso à realidade. Oxalá que as espo­
sas compreendam o seu importante papel em tais con­
juncturas que são temerosas, sempre que -a jovem casada
se não encontre inquebrantàvelmente persuadida de que
é eco cimento do lar».

*
* •

Após aquelas semanas ·ou meses em que o marido e


mulher, deslumbrados pelo brilho que mutuamente se
irradiavam, nada conseguiam ver um do outro, começam
a verificar, ·� medida que as chamas do amor enfraque­
cem, alguns pormenores até ali esquecidos. A jovem es­
posa observa que o marido tem hábitos que a surpreen­
dem ... Da sua parte, o marido fica surpreendido com os
da mulher ... «Expulsai o natural e ele voltará a galope . >>
. .

�disse alguém. A intensidade da ventura que fabrica­


va uma fictícia e como tal passageira igualdade de cora­
ções, nos primeiros dias de casamento, expvlsara. por
assim dizer, o natural. Isso, poréi:n, só fez com que a volta
deste· seja mais impetuoso. Cada um dos . dois, ao insta:.
lar-se na sua vida quotidiana, retoma, com a maior natu­
ralidade, as suas maneiras e hábitos que antes tinha.
Bastará pensar nos simples actos automáticos que
praticavam e de que um longo uso só aumentou a neces­
sidade, para se avaliar a distância a que vão colocar-se os
espíritos, as vontades e a conduta de marido e mulher.
Imagine-se que ele e ela procedem de famílias diferentes
e foram educados em meios diferentes: ele no campo, ela
numa cidade; ele em casa de pais trabalhadores, ela em
casa de ·proprietários ociosos; ele na austeridade, ela no
máximo conforto. Ei-la agora, jovem esposa, transplan-
·

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27

tada da sua habitação citadina para uma instalação cam,


pestre. talvez rodeada de árvores no meio de uma grande
planície cuja exploração agrícola está a cargo de seu ma,
rido. De manhã, ao acordar, ouve o chilrear dos· passa,
rinhos mas... falta,lhe a rodagem dos veículos. Resolve
dar um passeio pela propriedade. Mas, em lugar dos sa,
patos última moda que calçaria para exibir,se na rua,
tem agora de calçar grosseiras botas para poder meter,se
por carreiras cheios de lama em que não encontrará as
suas queridas amigas vestidas pelo último figurino mas,
possivelmente, a caseira no meio das galinhas ou a dar
couves aos coelhos... Enquanto as irradiações do amor
conseguirem suprir tudo o mais, a jovem esposa vive
num idüio e estes dias parecer,lhe,ão perfumados de poe­
sia ... Mas� digam lá o que disserem, fazem-lhe falta os
seus antigos hábitos... E essa falta far,se,á sentir cada vez
mais, .à medida que as suas recordações citadinas, recal­
cadas durante algum tempo, retomarem imperiosamente
o seu lugar: - a visão das avenidas, as montras ilumi,

nadas, as festas, o movimento, que vem fixar-se-lhe per,


sistentemente diante dos olhos, acordam,lhe todos os ins­
tintos de citadina ... Ela avança pelo meio do campo,
que ela já não vê nem compreende porque a sua alma
está extasiada de visões...
Será, evidentemente, precisa à mulher casada uma
certa energia para lançar no esquecimento estas recorda,
ções que emergem do fundo da natureza e para as subs­
tituir por outras espécies de percepções. E esta tra.nsfor,
mação Íntima da natureza não se consegue fazer com a
rapidez com que se muda de vestuário. O hábito não faz
ó monge nem o vestido nupcial uma esposa perfeita...
Dir,se-á, talvez, que os hábitos dos cônjuges diferem
pouco frequentemente e que são até muitas vezes seme­
lhantes.
Assim, por exemplo, se aquela jovem citadina ti'ves-

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se casado com um jovem da mesma cidade ... do mesmo
bairro.. . do mesmo prédio . . . , corno não diminuiria a di�
ficuldade em fundir os seus hábitos com os do seu ma�
rido!
Ilusão! Por mais próximos ou parecidos que imagi�
nemos os esposos, jamais se conseguirá suprimir a diver�
sidade dos temperamentos estabelecida pelo próprio Deus.
Na verdade, está escrito: «Criou�os homem e mulher» !1).
Quer isto dizer que deu a cada um maneiras de ser
diferentes, correspondentes à sua constituição.
O marido gostará, por exemplo, dos negócios, do mo­
vimento, dos exercícios físicos, e gostará pouco de ficar
em casa. Ela, apesar de um tanto desportista -já que a
moda o exige- prefere os trabalhos femininos e, embora
o quisesse, a sua falta de força física e de resistência ja�
mais a deixariam acompanhar o marido para toda a parte:
para a caça, para a bola, para o clube, para o negócio, para
a Bolsa, pari! as reuniões públicas. Eis porque o marido

e a mulher não poderão fugir a esta primeira provação


que consiste em aceitar os sacrifícios necessários ao ajus�
tamento dos seus hábitos com vista a torná�los aceitáveis
de parte a parte.
Não obstante as precauções tomadas pelos que ha�
viam promovido aquele casamento para evitar os cho�
ques, jamais se poderá impedir que um rapaz e uma rapa­
riga sejam dois seres humanos :bem diferentes. Apresen­
ta-se, pois, no início de cada lar, um trabalho que exige
ser compreendido voluntária e afincadarnente para pôr
de harmonia, tanto quanto possível, os costumes de cada
um. Será necessário que ambos, graças à eliminação c4s
arestas susceptíveis de ferir o outro cônjuge, cheguem a
realizar, entre as variadas engrenagens da sua existência,

(1) Gen. V. 2.

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um atrito suave que permita viver uma vida comum com
cmáximo de facilidade e de alegria.

*
* *

Se 5Ó fosse preciso acertar os hábitos automáticos


adquiridos, seria ainda fácil a tarefa. Mas os casados têm
de chegar a um perfeito acordo sobre princípi-os.
Cada pessoa é portadora, segundo a educação que
teve e a experiência que adquiriu, de certas convicções
que considera definitivas. Tais convicções iluminam o es­
pírito que se deixa guiar p ela sua luz. Compreendem-se,
desde então, as dificuldades que podem surgir entre os
dois esposos, que caminham na vida nas diferentes di­
recções da sua luz respectiva.
Se quiserem caminhar de harmonia , terão de esco­
lher um caminho comum, mas a preço de que concessões
não terá de ser isso!
Raramente se tem em bastante conta a questão dos
princípios quando se aproximam dois noivos, de tal modo
se está convencido de que o amor bastará para tornar
as almas iguais! Na verdade, no período que decorre logo
após o casamento, essas previsões optimistólS parecem rea­
lizar-se. Nessas horas de entusiasmo, cada um é suficien­
temente discreto para calar as suas ideias pessoais. Tudo
que o consorte quiser será bom. Todas as vezes que ela
quiser, o marido acompanhá-la-á à missa, quantos jornais
E. revistas ela desejar, compra-las-á.

Só o causar-lhe prazer constitui para ele uma feli­


cidade que tudo· supre. Pois não se tem visto rapazes,
até ao casamento afastados das práticas religiosas, che­
garem a inscrever-se, logo após o casamento, na «1uven­
tude Católica» da terra, fazerem-se eleger presidentes da
mesma e afirmarem ao pároco que jamais renegarão a
bandeira que recebem das suas mãos? E ninguém duvida

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de que a sua palavra será sincera como o amor que têm


à mulher. Mas, ao dissiparem,se as primeiras emoções, )e,
vam consigo os bons desejos que unicamente sobre elas
se apoiavam. Deixaram a descoberto aqueles sentimentos
profundos que já estavam esquecidos porque cuidadosa,
mente escondidos. Uma vez reaparecidas, as convicções
passadas vingam,se: a mulher, de vontade fraca, deixou­
-se domin<�-r por elas.
É inútil dissimulá-lo: fora dos casos em que os dois
esposos estão de perfeito acordo quanto a ideias cristãs
e sociais, este risonho entendimento de começo sobre
questões de princípios é artificial, é forjado pela in­
ventiva da felicidade, que consegue impor silêncio às
opiniões discordantes. A vida prática, mais dia menos dia,
obrigará as convicções a manifestarem-se e nessa altura
ac.abará aquela fictícia união. Chega, por exemplo, o tem­
po da Páscoa. A jovem casada pede ao marido que a
acompanhe à mesa da Comunhão ... Quantas casadas não
terão encontrado aí uma das mais cruéis decepções da
sua vida!
Ainda mesmo que se não suponham tamanhas diver­
gências entre os esposos, pode gerar,se uma discordância,
por vezes bastante acentuada entre eles, mercê de certas
ideias derivadas da primeira formação. Assim, por exem­
plo, um terá, sobre as práticas religiosas, ideias largas; o
outro, concepções estreitas, quase jansenistas, e é fatal
que nas suas apreciações sobre o assunto nunca estarão
de acordo.
Nos lares católicos, tais discrepâncias a respeito da
vida religiosa são muitas vezes mais f.àcilmente atenuadas
do que as divergências sobre questões sociais e políticas.
Quantas vezes não ouvirá a mulher o marido pôr pela rua
da amargura os homens e as instituições pelas quais seu
pai se bateu! É,lhe necessária uma certa coragem para não
discutir ou, se o fizer, para não deixar azedar a questão.

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Mercê das opmtoes do marido, talvez se veja forçada a
.1drnitir na sua casa a entrada de pessoas que nunca te­
riam entrado em casa de seus pais.
Suponhamos agora que há acordo em questões de
religião e de política. Há ainda possibilidade de divergên­
<ia sobre os princípios que seguem a vida prática e a or­
�a.nização do lar. Ele terá; por exemplo, ideias rígidas �m
questões de administração e não será fácil em desatar os
cordões à bolsa. Tal era aquele pai de família milionário,
<JUe recusava à. mulher o dinheiro preciso para as necessi·
dades de cada momento e a obrigava, com tal procedi­
mento, a pedir dinheiro às amigas... Ela, pelo contrário,
espírito largo e beneficente, sofria por não permitir aos
seus o gozo de uma sitUação conquistada.
E se a compreensão em matéria religiosa, social e
doméstica for perfei�, haverá sempre um ponto em que
os cônjuges estarão em desacordo. Tem-se dito que «gos·
tos e cores.não se discutem)), Ele não gostará p.ada, por
exemplo, deste mobiliário, daqueles tecidos, daquelas bu­
gigangas que a mulher aprecia acima de tudo .. O sonho
.

dela será, talvez, passar temporadas na montanha; ele só


gosta do mar. . . O marido não pode privar-se de fumar
mas a mulher detesta-lhe o cheiro. A esposa trabalha­
. .

deira é talvez a mulher da manhã., disposta sempre a


trabucar desde a alvorada, ele será o homem da tarde,
passando o tempo a ler e a fumar cigarros até à meia-noi­
te, ou então, a jogar as cartas com a mulher, que não sente
nisso qualquer. gosto...

*
*.

Estas revelações, fornecidas pela experiência, não sur·


preendem os cônjuges porque já por elas esperavam. Sa­
biam eles que o conhecimento e compreensão mútuos não
se faria senão sob o peso das necessidades práticas mas

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que a vontade e o afecto encontrariam solução para todas
as dificuldades.
Surge, todavia, uma descoberta que nunca deixa de
surpreender os cônjuges porque jamais haviam querido
supô-la: a descoberta dos seus defeitos.
Todo o jovem, ao tomar estado, terá de prever certas
fraquezas naquela que escolhe para mulher, por inais
ideal que ela seja. Até no próprio Sol há manchas .. A
.
rapariga, por seu turno, não deverá ignorar que a esperam
certas esquisitices do marido. Eis porque nem um nem
outro deverá admirar-se nem escandalizar-se quando sur-1'. ·

girem diante de si estes aspectos escuros.


Será necessário tempo pará os descobrir, dado que
tanto um como outro tratarão de ocultar o mais que pu­
derem os seus aspectos desagradáveis, pois escondem-se
com mais cuidado os defeitos do que � :bolsa do dinheiro.
f: assim que, por exemplo, nos primeiros dias, o marido
será um cordeírinho... O receio de parecer irritado trava
os movimentos do seu temperamento. A esposa, por seu
lado, esconde por entre sorrisos a sua má disposição, pois
receia a valer perder a estima do marido... Mas lá vem
uma ocasião inesperada, muitas vezes insignificante, um
objecto que se partiu, uma carta que se esqueceu, urna
palavra mal interpretada, e o marido deixa espirrar a sua
grosseria e leva ao rubro a indignação. Instintivamente;
corno o passarinho que se faz num novelinho sob uma
rajada de saraiva, a mulher encolhe-se e fecha-se com­
pletamente. Mas o marido é tão bom como fogoso e, pas�
sada uma hora, o céu volta a ser calmo e radioso. Ela •.

porém, continua amuada. Envolve-lhe a alma persiste11te


névoa que o Sol não consegue rasgar. Serão precisos. 4ois,
três dias, talvez uma semana, para reconduzir o calrir e
alegria a este coração tão f.àcilmente enevoado de �essen-
tirnento. , ·•
Quando a bonança tiver voltado ao lar, cada �
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33 ·

mtrará em si. Os cônjuges cnstaos e senas sabem dizer


o seu mea culpa, reconhecer as suas injustiças e tomar a s
resoluções que a situação reclama. E d e futuro, o marido
saberá estar precavido para evitar as ocasiões de novas
crises. A mulher compreenderá que esforços terá de fazer
para vencer as suas tendências de ressentimento... E assim
caminhará o lar até ... à primeira, que estará tanto mais
longe quanto os cônjuges viverem vida cristã. E, nestes
combates, os esposos só crescerão em virtude e se eleva�
rão moralmente quanto mais calcarem aos pés os defeitos
aniq uilaàos.


••

Se a revelação das diferenças de carácter, das ma�


nias, das esquisitices, só traz a um casal bem unido um
<<sofrimento salutti,.,>- fecundo em frutos de aperfeiçoa�
mente e de santific-ação, não pode dizer�se o mesmo da
descoberta, -semprê trágica quando verificada, de quúl�
quer vício· até_ ali não suspeitado. •Para a esposa- pois é a
ela que, as· mais das vezes, acontece fazer tais verifica�
ções- �ses· factos são muitas vezes causa de desânimo,
de pavor·. e áté de desespero. Certo dia, por exemplo,
pouco após. a �nstalação no lar, quando as coisas funcio�
nam de .m:odo a que a esposa possa fiscalizar discreta�
( :
mente tudc o que se passa, verifica ela que o vinho de�
saparece... _O se1,1 primeiro pensamento cai sobre a cria�
da ... espreita�a, .. mas- ó pavor!- é o marido que o
bebe às esc�didas!... A outra, n ão será o vinho que de�
saparece mas o dinheiro... Para onde vai ele?... Pergu:1ta
com simplicidade ao marido se fez alguma despesa ex,
traordinária. .. ele titubia... contradiz�se... e acaba por
confessar que jogou na roleta!... Jogo... Vinho ... que
mais vícios será ainda possível descobrir?.. . Bastará ima�
ginar a situação íntima de uma pobre mulher que, apesar

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34

dos seus encantos, verificasse, tempos depois do casamen­


to, que o marido tem outro lar e o prefere!... Desolada,
ferida, vai naturalmente procurar bálsamo na amizade de
outras mulheres que a podem compreender porque pas­
saram pela mesma desdita!... Felizmente que a maioria
das esposas, especialmente as que casaram cristãmente,
r.ão conhecem semelhantes angústias. Dêem por isso mui­
tas graças a Deus.

*
• •

Todo o casal, após um período de entusiasmo, de


duração muito variável, é levado pela força das circuns­
tâncias a passar por uma fase de adaptação, de ajustamen­
t(). Esta fase, menos atraente que o jardim florido dos
começos, �. no entanto, olhada sem terror pelos esposos
sérios, certos como estão de que ela irá terminar-se nas
regiões da felicidade.
Seria erro grave da parte dos cônjuges desviar os
-olhares das dificuldades que têm de enfrentar e resolver.
Não querer vê-las, longe de as suprimir, multiplica-lhes
<Os perigos. Em vez de se deixarem embalar por ilusões
e quererem viver o mais possível no imaginário - que
não reclama esforço - o dever dos jovens cônjuges é de
colocarem-se um perante o outro, com toda a franquez.:t
c lealdade, e iniciarem, em boa harmonia, uma tarefa de

perfeito entendimento baseada sobre o princípio dos sa­


crifícios recíprocos.
Mas, se é certo que marido e mulher tem um im­
portante papel a desempenhar neste estabelecimento de
concórdia familiar, os bons resultados da empresa depen­
derão, na sua maior parte, das virtudes e qualidades da
mulher, em virtude da própria função que exerce no lar.
Pois não se parece ela com a que o Sol opera na Natureza,
atraindo-a a si para a alegrar?

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35

A esposa consciente da sua missão esforçar-se-á, pois,


por tornar-se o encanto e a alegria da casa. O marido, so,
bre quem pesam as responsabilidades exteriores, ganha o
pão de cada dia. Para isso vai, logo de manhã, para a fá­
brica, pan a oficina, para o escritório, a fim de ali se en­
tregar a penosas tarefas. Cansado do trabalho do dia, é
(Om alegria que vê o relógio marcar a hora de sair. Aon­
de irá ele precipitar-se? Naturalmente no seu lar, pois
sente necessidade de voltar a ver aquela que o espera des­
de que saiu de casa. E que satisfação de voltar a encon­
trar-se com ela! Ela não deixava de pensar nele. Para ser­
-lhe agradável, ela enfeitou, por exemplo, a chaminé com
um lindo ramo de flores ou excogitou qualquer surpresa.
Feliz do marido que, ao entrar no seu lar, experimenta
aquela impressão de acolhimento feliz, de .franca alegria,
de amor que não regateia sacrifícios! A esse jamais virá
o pensamento de lamentar o seu tempo de solteiro ou o

desejo de ir procurar noutra parte prazeres proibidos.


Num movimento instintivo, liga-se àquela cujas delic:t­
dezas, vínculos invisíveis mas poderosos, souberam pren­
der o seu coração por todos os lados. Junto dela, ele es­
quece as suas arrelias e inquietações, as fadigas a que se
sujeita para obviar às necessidades do lar. Quantas dificul­
dades não resolve esta estreita união! Como seria possí­
vel surgirem conflitos de certa gravidade entre dois seres
tão decididos a manter a harmonia entre si?


• *

Todavia, a paz só estará completamente assegurada


no dia em que a harmonia dos gostos, dos hábitos e dos
usos for completada com a identidade das ideias. A união
dos espíritos pela <ll=iaptação dos mesmos princípios é
benefício mais dificultoso de conseguir-se do que a união
dos corações. Ainda aqui, é a mulher chamada a desem -

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penhar primacial papel. Se ela souber empregar os meios,
poderá aplanar este terreno, tão acidentado, tão desigual,
das «maneiras de vern.
Que é que se passa, com efeito, em muitos lares mo­
dernos? Vê-se que, em geral, a mulher é ali mais cristã,
mais piedosa, do que o homem. O laicismo que envene­
na a nossa sociedade, encontra maior resistência na alma
da mulher do que na do homem. É uma superioridade
autêntica que o chamado se:ro fraco muito tem que agra­
decer a Deus. À esposa caberá, pois, muitas vezes a honra
tão subida como árdua, de aproximar o marido da re­
ligião.
Pode suceder que para isso não tenha a dispencier
grandes esforços. Pode ser que os sentimentos religiosos
do marido estejam apenas superficialmente cobertos de
uma espécie de ferrugem e que, ao contacto de mão ca­
ridosa, esta crosta caia desfeita em pó. Mas, mais fre­
quentemente, precisará a mulher de perseverança porque
as ideias religiosas do marido se encontram já profunda­
mente corroídas. Outras, finalmente, terão de lutar até
morrer para conseguirem que, sob a mão sacerdotal que
lança um último perdão, renasça uma alma nova do
meio dos escom'bros duma fé destruída.
Nenhuma dessas desanime porém ! Deus, que exige
o esforço mas não o êxito, é tão hom que paga cem por

um os sacrifícios das esposas cristãs. Todavia, para me­


lhor se assegurarem da vitória, não deverão travar com-
. bate sem primeiro terem estudado a táctica. As páginas
que vão seguir-se poderão ensinar-lha. Essa táctica con­
sistirá em tomar o seu espírito a um tempo largo e fir­
me, a sua piedade tão atraente, o seu carácter tão inalte­
rável, a sua virtude tão simpática, que a sua personalida­
de se imponha pela sedução, a todos os que a rodeiam.
Ela tornar-se-á assim uma apologia viva da fé e da moral
cristã.

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37

:a preciso ir até ao ponto de fazer com que o mari­


do e os filhos não possam evadir-se deste raciocínio: «Só
uma religião divina pode criar tais encantos e inspirar
tão sublimes virtudes». Esta demonstração visível, quoti­
diana, embora não a mais eficaz, saberá penetrar nos co­
rações pelo dom que possui de os tocar. Compreende-se,
pois, o poder de apostolado que a esposa adquire tornan­
do-se, pelos seus atractivos naturais e virtudes sobrena­
turais, o encanto do lar.

*
* *

Semelhante ideal é de molde a entusiasmar as almas


generosas.
Ardorosamente querem elas <<atirar-se como atletas
por estes caminhos» ( l) de sacrifício, compreendido e
alegremente aceite, com vista a garantir a harmonia dos
corações e dos espíritos na família. Não devem elas he­
sitar! Seguindo .por este caminho, por vezes áspero, subi­
rão até às calmas regiões da paz, levando após si todos
os que lhe são queridos, daquela « paz de Deus que ultra­

passa tudo o que imaginar se possan quando ela «guarda


cm Cristo os corações e as inteligências» (2) .

( 1 ) Ps. XVIII, 6.
(2) · «Pax Dei quae exsuperat onmem sensum, custodiat
cPrda vestra et i ntelligentias vestras in Christo Jesu». (Philip.
!'/, 7·

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CAPíTULO SEGUNDO

OS TALENTOS NATURAIS DA MULHER

Sendo as qualidades naturais as mais visíveis. de to­


das as que possuia a noiva, foram elas as primeiras que
se depararam ao noivo, despertando nele potenciais que
não deveriam normalmente afrouxar. Tais talentos con­
tinuarão, mesmo depois do casamento, a exercer uma
atracção poderosa. A jovem consorte, longe de as despre­
zar, deverá, ao contrário, fazer valer as qualidades que
Deus com ela repartiu e que lhe serão meios preciosos
de união no lar. Seria erro imperdoável sepultar tais
tesouros numa crassa negligência e abandono. Que es­
forços se poderia, aliás, esperar de uma mulher que não
tomava a peito valorizar os seus dotes pessoais? Todo
aquele que despreza o <maturaln priva o «sobrenaturaln
da sua base_. e será, acaso, lícito esperar que uma pessoa,
que deixa em baldio as suas aptidões e encantos, venha
a cultivar hábitos de virtude?

*
• *

Dentre as perfeições naturais de que era dotada a


mulher, .foram os encantos exteriores aqueles que, logo
de princípio, impressionaram o homem e o seduziram.
Na verdade, Deus, ao criar a mulher, revestiu-a de en­
cantos destinados a atrair o agrado do marido. E se o
Senhor do Unive-rso se comprazeu em adornar o sexo
feminino, não foi certamente sem ter para isso sábias e

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39

profundas razões. Não nos é possível perscrutá-las mas


uma jovem esposa poderá descobrir algumas e tal ciên­
cia será de grande proveito para lhe ensinar a usar con­
venientemente dos dons que o Céu lhe prodigalizou.
Seria pueril julgar que o Criador tenha dado a be,
leza à mulher pelo único prazer de a tornar formosa. Só
Deus é ·belo por si e para si mesmo. Nenhuns dos que
de Deus receberem um ar de beleza têm o direito de dela
se apropriar, gozando dela egoistamente. Incumbe-lhes,
muito pelo contrário, o dever de dela se servirem, como
de qualquer outros dotes, para atingir certos fins previs­
tos pelo Autor de todas as coisas e destinados, no fim
de tudo, a causar-lhe glória.
Com estes dados, poder-se-ia est.abelecer como prin,
cípio que «a mulher não recebeu a beleza semente para
ser formosa mas para, por meio dela, servir a causa da
família e, por tal via, a de Deus)).
Esta verdade que acabamos de enumerar, quandó
compreendida pela alma feminina e quando nela suscita
sólidas convicções, orientará a esposa cristã na utilização
dos seus encantos e evitar-lhe-á dolorosos equívocos e
cruéis desilusões. Servir os interesses do lar, eis, portan­
to, õ fim por Deus atribuído à beleza .feminina. Antes do
casamento, fora ela a causa exterior e visível da aproxima­
ção. Depois do casamento, deve ela contribuir para man;
ter a uni�o. conservando o marido sob a acção dos seus
encantos. Convém absolutamente que o marido se sinta
ufano da mulher que tem, que a prefira a qualquer ou,
tra, que fique preso da sua elegância. Da sua parte, no
desempenho do seu papel de sedução, a mulher deverá
procurar uma elegância de bom tom e cultivar os atrac,
tivos que proporcionarão ao marido as satisfações dum
certo brio marital que ele pode legitimamente desejar.
*
* *

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O conjunto dos meios de que a mulher dispõe para
suscitar a atracção do homem chama-se traje ou apresen­
tação. Nenhuma outrà arte reclama mais inteligência e
espírito cristão do que eSta. Vê-se por aqui quanto os
princípios que acima enunciámos são cheios de conse­
quências. Guiarão eles a mulher na escolha e na disposi­
ção dos seus adornos, dentro daquele gosto e decência
que convêm aos membros de Jesus Cristo.
Não temos a repetir aqui o que dissemos em Futu­
ras Esposas ( l), a respeito do vestuário e adornos femi­
ninos, do seu papel na vida familiar e social e do uso
legítimo que deles se pode fazer. As leitoras deste volu­
me tirarão proveito em consultar essas páginas, se ainda
a� não leram. Mas torna-se necessário agora, juntar-lhes
algumas reflexões, peculiares às pessoas casadas, a quem
é destinado este livro.
Marido e mulher são levados a cair em lamentáveis
ilusões sobre esta delicada matéria de adornos. Partem
eles, às vezes, do princípio inco �cusso que uma mulher
tem de andar sémpre ((último figurino». De outra forma,
tem aspecto de ((velhota » . Desde então, as jovens casa­
das, incitadas, aliás, a isso pelos seus maridos, empre­
gam as mais provocadoras maneiras de· vestir e aprovam ·
sem hesitação as maiores indecências. Certo sacerdote con­
tava, um dia, a atrapalhação em que se encontrou quando
um rapaz, seu dirigido, aluno duma grande escola onde
fora a edificação de todos os condiscípulos, lhe veio apre­
sentar a mulher. Verdade seja que era no verão ... Mas a
visita teve forçosamente de ser rápida porque nenhum
dos presentes estava à vontade E quando alguém per­
. . .

guntou ao pároco que aspecto tinha tal pessoa, respondeu


que (mão sabia, pois não pudera llcitamente olhar para
elan.

(1) Págs. 138 a qo.

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41

Quando esposos desta casta não descortinam a ma�


lícia que encerram semelhantes atitudes é porque são vÍ'­
timas duma inconsciência inadmissível em cristãos. Se
o marido .fosse mais instruído no que respeita aos seus

deveres, bem compreenderia os perigos a que se expõe


e a que expõe a mulher.

Esta juventude inexperiente não reflecte que abre,


dessa maneira, a porta a tentações, por vezes terríveis,
contra a fidelidade conjugal. Não quererá esta ostenta�
ção provocadora e desavergonhada significar que o novo
par, liberto de escriÚpulos e desprezando a decência,
não teme os danos que poderia vir a sofrer o seu pudo'\'?
Como não estranhar, desde então, que qualquer provoca�
dor, enganando�se sobre as intenções íntimas, tome como
convite esta desvergonha e vá até soprar aos ouvidos da
jovem esposa palavras indecorosas? A mulher, desorien�
tada, irá logo contar ao marido a sua aventura e confi�
denciar-lhe a humilhação sentida por a terem tomado por
mulher de vida duvidosa. Serão eles, ambos, ao menos
agora, capazes de compreender que há um género de
apresentação que não fica :bem a um casal honesto?
Mas, supondo mesmo que semelhante atrevido jamais
se apresente, nem por isso a j ovem casada deixará de ex­
perimentar, mercê das suas excêntricas indumentárias,
uma grave diminuição de que, mais tarde, o lar terá de
sofrer, por vezes cruelmente. Com efeito, o marido não
prevê que, incitando a mulher a alcançar semelhantes
êxitos, está a fazer crescer nela a «garridice>>, de que fa­
laremos mais adiante. Uma j ovem esposa, habituada a
atrair os olhares, acaba por se não contentar com os do
seu marido . . . Quer ser vista dos «outros>>, nas reuniões,
nos bailes, no teatro . . . E, por uma natural consequência,
a embriaguez da gloríola far�lhe-á aborrecer os encar­
gos da maternidade. Passará a temer ter filhos que, no
seu modo de ver, ihe desbotariam os encantos e a obri�

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gariam à vida dentro de casa. E assim fica, por motivos
fúteis, gravemente comprometido o futuro do lar.
Muito diferente é o pensar dos esposos sérios e cris­
tãos a respeito da ·beleza e do uso dos encantos femininos.
Sabem eles, por ensino recebido dos pai� ou dos confes­
sores, que os dons naturais, de que é dotada a consti­
tuição .física e moral da mulher, lhe foram atribuídos com
vista à sua missão familiar (1) . Ser querida do marido e,
por essa via, mãe de numerosos filhos, eis o fim que
Deus teve em mente ao adorná-la com tantos encantos.
Estes princípios orientarão a mulher casada no cultivo dos
seus atractivos. Pouco lhe importam os aplausos munda­
nos, contanto que ela agrade ao seu marido. Fará por
não ser especialmente notada nas reuniões mundanas e
consagrará a elas o menos tempo e dados possíveis. Re­
servará todos os cuidados para brilhar aos olhos daquele
a quem se entregou e a quem inteiramente pertence.
.Para ela, jamais ela se sentirá suficientemente gentil e
atraente; por ele, será sempre pouco o dinheiro que gas­
tar em sã elegância e sedução. Ela deverá ser a sedução
perpétua do seu marido, no intuito de o interessar o mais
possível na tarefa comum, que deve absorver todos os
seus comuns esforços : a procriação de numerosos e en­
cantadores filhinhos.

*
* •

Mas qualquer que seja a importância dos atractivos


exteriores, estes têm apenas um papel secundário em com­
paração com os ((dons interiores>> que têm por missão
fundir as almas muna só, como o c imento com a pedra.
O primeiro de todos é a inteligê11 cia.

(r) Ver Esposas de .... manhã, págs, 3� e seg., págs. 271 e


ser,.

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43

Nunca será demais que a esposa apreciará o valor


e utilidade desta faculdade mestra para a fidelidade da
sua união. Mas, ao invés, torna-se coisa perigosa quando
se não servir dela. f:, -pois, necessário que as jovens ca­
sadas se instruam e adestrem na maneira de utilizar,
para o maior bem do lar, esse tesouro interior que se
chama ((discernimento)). Não devem elas ignorar, com
efeito, que têm deveres intelectuais a cumprir a respeito
dos seus maridos.
A jovem casada aplicar-se-á, em primeiro lugar, ao
trabalho de conhecer o seu marido. Deverá ser esse o pri­
meiro uso que deve fazer do seu dom de compreensão,
que é também o mais preciso para a felicidade comum.
Talvez muitas leitoras se sintam admiradas desta reco­
mendação que lhe fazemos ! Acaso - dirão algumas -
não conhecerá a mulher naturalmente o seu marido?...
Se o não tivesse conhecido, como teria ela casado com
ele? .. . Não somos nós que contestaremos o que esta obser­
vação tem de verdade. Há, efectivamente, um conheci­
mento geralmente superficial, baseado sobre um estudo
histórico do marido, sobre as boas informações a seu res­
peito colhidas, sobre o convívio pessoal durante o namoro
por vezes longo den;tais. Tai conhecimento pode fornecer
a segurança indispensável para dar prudentemente o
passo · que leva ao casamento e proporcionar ao amor os
elementos necessários· ao seu desenvolvimento. Mas, nada
de ilusões: o rapaz e a rapariga, até esse momento ainda
se não revelaram um ao outro. Eles conservavam-se pre­
cavidamente alerta para não largarem as rédeas aos ins­
tintos do seu feitio natural. O que dissemos no capítulo
precedente deve ter-nos convencido disso. Resta-lhes ad­
quirirem um do outro um conhecimento verdadeiro,
aquele conhecimento que se não baseia sobre dados exter­
nos mas sobre a observação mútua das almas.
Será, então, necessário que a mulher seja sabida em

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44

psicologia? Por certo que sim, uma vez que, ela só será
útil e agradável ao marido na medida em que o compre�
.ender e, ao invés, o fará sofrer na- medida em que igno­
rar as suas necessidades. Quantos lares se não têm arras­
tado num longo desentendimento, causado por lamentá­
veis incompreensões! Suponhamos, por exemplo, que
aquela mulher tem um marido culto, artista, poeta, e não
suporta que ele se ponha a fazer versos, . . Em vez de
lh9s ouvir complacentemente, de lhos apreciar, de ihos
gabar, vai-se embora fazendo chacota . . . Talvez ele lh�
peça: «Ouve-me ao menos este soneto!>) E ela mimoseia­
-o com esta amabilidade: «Üs teus sonetos nunca mais
têm fimb) Aqueloutra nunca tomou a sério certas quei�
xas do marido referentes a sofrimentos físicos. «Aquilo
é imaginaçãob> dirá ela consigo. E decreta que se não deva
ligar mais importância ao caso p orque ele não está doen­
te. Outra ainda, não compreenderá, por exemplo, que a
devoção do marido não é tão grande que possa suportar
longas orações vocais e que, obrigando-o a certas minú­
cias, lhe vai tornar a religião insuportável. E assim, por
se terem recusado a comungar . nas ideias dos marid•Js,
quantas mulheres não terão envolvido a sua vida matri­
monial com nuvem escura que nada consegue dissipar !
E felizes serão quando esta nuvem sombria não rebentar
em trovoada . . . ..Sim porque, muitas vezes, as circunstân­
cias proporcionarão ao marido uma rapariga ou mulher
nova que o sabem compreender . . . Será talvez, a dacti­
lógrafa que trabalha a seu lado no escritório . . . Será-
· quem sabe?- a própria amiga da mulher que frequenta
assiduamente o lar conjugal . . . Essa ouve gostosamente os
seus versos . . . interessa-se pelos seus gostos de coleccio­
nador, arranjando-lhe selos raros . . . traz-lhe dos campos
belas borboletas . . . compadece-se das suas dores e indica­
-lhe remédios . . . Quem não vê o perigo? O coração huma­
no volta-se para onde é atraído.

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45

Velem as jovens casadas por que não sejam assi!TI


�uplantadas e apliquem-se ao grave dever de compreen­
der o coração dos maridos. Para o conseguirem terão de
desfazer-se, pessoalmente, das suas ideias preconcebidas
a respeito da vida matrimonial. Talvez elas tenham co­
metido o contra-senso de traçar no seu espírito o modelo
exacto do marido que desejavam, com o desígnio imu­
t.ivel de não aceitar outro. E como, nesta hipótese, o
tipo conseguido só muito imperfeitamente corresponde
ao tipo idealizado, não hesitarão em torturá-lo até que ele
caiba dentro da sua concepção rígida e imodificável,
como amarfanhariam um trapo volumoso para o intro­
duzir à força numa gaveta onde cabe a custo.
Este· erro psicológico é o percalço fatal das esposas
que não sabem praticar aquela virtude básica chamada «es­
quecimento de si próprio» de que adiante falaremos. Mui­
to diverso o proceder duma mulher inteligente e desejosa
de manter no lar uma união perfeita. Também ela sonhou
com um marido ideal. Mas também sabe ela que os seus
desejos não farão que o homem deixe de ser «O que é>>.
Por isso, está ela absolutamente resolvida a aceitá-lo tal
qual é., Ela sabe, dante mão, que ele ter.i as suas prefe­
rências físicas e intelectuais, os seus pequenos prazeres,
as suas inocentes extravagâncias. Pois bem, ela vai obser­
vá-lo para ver o que ele aprecia. Verá, por exemplo, que,
à mesa, prefere tais iguarias, que a pintura o encanta mais
do que a música, que ele prefere o mar à montanha, que
tem medo das correntes de ar . . .A mulher desposará as
suas maneiras de ver: fazer-lhe-á os acepipes de que ele
mais gosta, fechar-lhe-á as janelas, irá com ele aos mu­
seus, à praia. . . Pois, de que serviria contrariá-lo? Nada
ganharia com isso e tudo perderia. Comprometeria o bom
entendimento fechando-lhe o coração, que se contrai
mais com um leve atrito do que c om uma grande dor.
Acompanhando-o, ao contrário, nos seus gostos e prefe-

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rências, rasgará no coração do marido as grandes aveni­
das da alma, onde passeará com domínio indisputado.
Graças aos leves sacrifícios que se impôs, conquistou
o marido, ligou-o a si pelos vínculos invisíveis mas indes­
trutíveis duma afeição reconhecida. Outras mulheres po­
dem pôr à prova a fidelidade conjugal do marido mas
este nem sequer dará por ela, porque nenhuma será capaz
de proporcionar-lhe, em igual medida, aqueles mimosos
.
prazeres quotidianos de que a sua vida é entretecida.


. ..

Semelhante conquista de uma alma não é, no en­


tanto, tão fácil para a esposa como à primeira vista pa­
rece. Enquanto for questão de satisfazer simples gostos
ou necessidades intelectuais correntes, a jovem casada
'bastar-se-á para a tarefa Mas se o marido possuir uma
• .

cultura mais desenvolvida ou notàvelmente diferente da


da mulher, serão necessários a esta novos e muito dife­
rentes hábitos de espírito. Deverá ela ficar «isolada)), à
margem dos trabalhos do marido, como incapaz de o
acompanhar em domínios que ela desconhece?
Surge aqui um novo dever para a esposa: mais do
que compreender o marido, ser-lhe-á ainda necessário
interessar-se com tudo o que o preocupa, ou seja, com os
seus trabalhos, com as suas investigações, com as suas em­
presas. . .
S neste momento que a mulher casada saberá apre­
ciar aquela «cultura geral» que recebeu na sua juventude.
:É então que ela compreenderá e bendirá os que a obri­
garam a estudar, a fazer exame e talvez a frequentar o
liceu. Não, por certo, que ela tenha haurido nessa for­
mação, forçosamente sumária, tudo o que precisa de saber
hoje, qas adquiriu um <<instrumento mentabi que lhe
torna possível falar com o seu marido, engenheiro, co-

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47

merciante, químico, agricultor, industrial, etc., sobre as­


suntos que lhe interessam e em que ele vive. É possível
que ela não perceba nada dos trabalhos do marido. Ela
é, por exemplo, de origem citadina e casada com agricul­
tor rural, ou então filha de militar e casada com um
construtor de navios . . . 1}á se vê que nada sabe de agrt·
cultura . . . nada de navegação . . . mas terá talento para
ouvir. O casamento deu-lhe um novo professor. Ela dar­
-lhe-á prazer, aprendendo bem e ràpidamente, a lição
que ele lhe dá. E tal ensino penetrará nela com tant<t
maior facilidade quanto mais numerosos conhecimentos
ela tiver adquirido anteriormente. As suas leituras de
outrora, os seus trabalhos pessoais, as suas noções filo­
sóficas, se algumas adquiriu, dar-lhe.-ão uma grande fa­
cilidade de adaptaçã;o. Em seis meses de casamento, ela
tornar-se-á capaz de manifestar um interesse inteligente
por tudo o que interessa ao marido.
E, por seu lado, o marido gozará, de modo parti­
cular, da sua união. Ao ligar-se à mulher, não pretendia
ele ter encontrado uma sábia. Contava apenas com uma
dedicada companheira. E assim não esperava encontra�·
no seu contacto com ela esta doce ventura que consiste
em poder dizer tudo e ser entendido. Carregados de
preocupações sérias, os homens de negócios, . gostam de
abrir-se com quem possa avaliar a gravidade dos seus as­
suntos. No dia em que o marido tiver verificado que a
sua mulher é capaz de partilhar as suas inquietações, �
natural que não vá procurar, .fora, confidentes como se­
riam, por exemplo, uma empregada do escritório ou al­
guma mexeriqueira de ocasião. . .
Mas, se é verdade que toda a jovem casada se pode
liàcilmente adaptar à s ua nova situação graças a um con­
junto de conhecimentos gerais adquiridos, não é menos
certo que algumas esposas jamais conseguirão colocar-se
ao nível intelectual do marido. E essas são, em geral,

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aquelas que na sua juventude passaram o tempo no cul­
tivo da futilidade. Rir, dançar, gozar de horas bem pas­
sadas, eis o ideal dos anos moços . . . e, como ocupação
«instrutiva e sérian, se entregaram à leitura de romances
e novelas . . . como aquela rapariga que, conhecedora ape­

r, as dos rudimentos da ortografia, repelia, numa livraria,

um livro de história do seu país, alegando : ((O que eu


pedi foi um livro!» Quer dizer, um livro, para ela, era
sinónimo de romance . . E enquanto estas «virgens lou­
.

cas, descuidosas de prover a sua lâmpada de azeite para


receberem o esposo )) ll l se põem a malbaratar a sua juven­
tude, perdem um tempo precioso que nunca mais recu­
perarão. Poderiam elas encontrar um derivativo para as
suas labutas domésticas na leitura de excelentes obras que
se publicam hoje sobre história, pedagogia, vulgarização
científica, questões sociais e económicas, problemas reli­
giosos e morais, tão angustiantes na nossa época. E su­
pondo que lhes não fosse possível compulsar obras de es­
pecialidade, poderiam, ao menos, ter procurado o pasto do
seu espírito nas revistas sérias, em jornais católicos bem
redigidos, procurando neles - já se vê - mais qualquer
coisa do que os acontecimentos e o folhetim . . . Nutrin­
do assim a inteligência com alimentos ao seu alcance,
ter-se-iam tornado aptas a encontrarem-se, mais tarde, à
altura mental de qualquer marido •


• •

A mulher inteligente e culta não será, para o ma­


rido, só uma atenta e interessada ouvinte: aspirará a tor­
nar-se , a sua conselheira, conquistando assim o privilégio
de partilhar com ele as decisões que dizem respeito à boa
administração do lar. Os dois cônjuges, cuja união foi san-

( 1 ) Math . XXV, 3·

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49

tificada por Deus, constituem, por lei natural, o «conse­


lho familiar>), A jovem casada deverá, pois, ter em gran ­
de conta o seu quinhão nas resoluções a tomar, quinhão
que o casamento em direito lhe atribui mas que ela só
conseguirá exercer, na prática, na medida em que sou­
ber impor a sagacidade do seu critério. No equilíbrio do
seu espírito, estará o segredo da sua influência.
Como é .feliz uma esposa dotada de uma assisada
maneira de pensar ! Quando ela, no decurso da existên­
cia tiver de resolver dificuldades, serão o seu firme bom­
-senso, o seu espírito calmo e em ordem que lhe presta­
rão autênticos serviços e não o seu apetrechamento lite­
rário ou científico. A mulher de parecer ajuizado será o
mais precioso tesouro nos dias de provação. Quantas ve­
zes uma esposa prudente não evita que o marido tome
resoluções cujas consequências seriam nefastas! Sucede,
por exemplo, que, certo dia, o pobre volta para casa de­
sanimado por ter perdido, talvez, o emprego ou por maus
sucessos nos negócios ou por ter sido vítima de traficân­
cias de gente sem escrúpulos . . . E ela, que não andou me­
tida nas demandas, que não teve de suportar discussões
enervantes todo o santo dia, que não teve de lutar a pé
firme, sem resultado satisfatório, possui uma clarividên ­
cia q u e o marido não tem. Ela está e m condições d e de­
fmir as · situações com precisão e de apreciar as coisas no
seu justo valor.
Ela não cederá à tentação de pensar que está tudo
perdido pelo facto de terem falhado certos cálculos de lu­
cro nem de pensar que a honra se foi e a vida é impos­
sível só porque amigos falsos procederam velhacamente •.

É ele, que entra em casa s.cabrunhado, sente�se reconfor�


tado pela lógica tranquilidade que a mulher lhe incute.
Ele vai serenando pouco a pouco e acaba por reconhecer
que via negro um horizonte em que havia, afinal, alguns
pontos claros, que tomara por um crepúsculo o que pode;

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ria muito bem tornar�se numa aurora. No dia seguinte,
voltará para o negócio mais alegre e confiado e é ao j udi­
cioso bom-senso da mulher que o fica devendo.
Quer nestas horas de crise, quer no momento das
graves decisões çla vida prática, o juízo da esposa será
sempre uma luz no lar. Se o marido vacilar a respeito
dos deveres de religião, se for tentado de acompanhar
com amigos perigosos, se lhe vier a ideia de mandar os
filhos à escola ateia, verá sempre, no momento oportuno,
levantar-se diante dele, a reflexão perturbadora que o
«horn-senso>> da rnul'her lhe oporá. Talvez que ele não ti­
vesse entrevisto o escolho e ela faz-lho notar. Talvez não
tivesse medido bem as consequências dum acto e ela colo­
ca-lho numa perspectiva susceptível de o atemorizar. E
porque ele ama profundamente a sua mulher cuja rec­
tidão aprecia e não pode com razão contradizê-la, vê-se
forçado a inclinar-se perante as suas legítimas reivindi­
cações que ela tão oportunamente lhe sabe apresentar.

*
* *

Mas por que será que esta rectidão do juízo é uma


qualidade natural por vezes menos desenvolvida do que
as outras? Talvez seja porque, .frequentemente, se come­
te o erro de a não apreciar devidamente. Quantas vezes
se não vê na educação das raparigas, desenvÇ>lver facul­
dades menos úteis do que esta mas que cintilarão mais
exteriormente? Julga�se que uma «futura esposa)) não
triunfará na vida se não tiver o crânio ccatulhado» de
história, de química, de matemática e enquanto lhe in­
fundem este pomposo saber - cuja utilidade é, aliás, de
reconhecer - esquece�se de a ensinar a julgar! Ela entra­
rá assim na vida como uma viajante metida num com­
partimento rodeado de tanta bagagem que não sabe onde
a meter. Vai�a colocando em pilha ao acaso, e, vendo-se

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embaraçada com tanta inutilidade, desorienta-se no meio
desta inextricável desordem.
· E haverá maneira de formar o juízo? Será possível
rducá-lo? Com certeza. Seria grande infelicidade se o
,, bom-senso» fosse a •única das nossas riquezas intelec­
t uais que se não pudesse desenvolver! Mas o trabalho do
seu aperfeiçoamento é tam'bém mais delicado quanto é

certo que consiste em conseguir, na alma, a harmonia


perfeita das faculdâdes. Ora, a harmonia é um equilíbrio
que só se consegue estabelecer numa determinada ordem
fora da qual só se depararia com a instabilidade. Assim
como numa balança, só se consegue manter o ponteiro
vertical quando os pesos colocados nos pratos se corres­
pondem exactamente, assim também só o jogo irrepreen­
sível das faculdades garante a rectidão do espírito.
Não será possível dar aqui em poucas palavras a
súmula duma «educação do juízo». Bastará dizer às leito­
ras do presente volume o que elas precisam de saber pa­
r2 amadurarem aquele « horn-senso» em que as suas pm­

dentes mães as terão certamente já bem iniciado.


O que prejudica, geralmente, a segurança das deci­
sões é, para empregar uma expressão filosófica, a «ausên­
cia de objectividade». Não atentam suficientemente nas
realidades e concentram a atenção nas impressões. Um
espírito objectivo é o que se fixa nos objectos exteriores;
u m espírito subjectivo é o que apenas olha para o seu. in­

terior ou, como se costuma dizer, o que considéra apenas


o seu eu. Ora, a infelicidade de muitas pessoas é preci­
samente olharem só para o seu eu. Julgam-se o centro do
mundo, o único objecto digno da sua consideração. Para
além das suas doenças, das suas contrariedades, da sua
história, para além das suas necessidades presentes e dos
seus sonhos de futuro nada mais conhecem e de ninguém
mais querem saber. E a gente deste estofo é legião: não

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são objectivos. Na linguagem corrente, chamam-se sim,
plesmente egoístas>>.
Serão tais pessoas capazes de julgar sadiamente?
Todas as suas apreciações serão viciadas na raíz. Aplica­
rão, com efeito, a tudo uma bitola comum que não é mais
do que a delas próprias. Far-se-ão o padrão com que se
devem confrontar as dimensões do Universo, padrão abo­
minàvelmente exagerado, porque julgam vê-lo imenso
como todos os objectos que se aproximam demasiado dos
olhos, Pois não é verdade que uma pequena folha, em
face da pupila parece esconder a imensidade do céu! Daí,
em quantos erros não vão eles cair? A maior das coisas
tornar-se-á minuscula aos seus olhos já que não apreciam
segundo o que ela é na realida.de mas na medida em que
eles se consideram relativamente a ela!
Coisa inteiramente diferente é o espírito objectivo.
Este concentra-se sobre o exterior. Verifica que há, à ':>Ua
roda, indivíduos com interesses, desejos, ambições, sofri­
mentos. Estes factos externos são realidades que ele toma
na devida conta e cujo valor pondera cuidadosamente.
No seu entender, há outros seres que pensam, seres res­
ponsáveis que têm os seus · direitos e os seus deveres.
Ele próprio tem os seus. Cada qual tem o seu lugar no
mundo. Ele procurará ocupar o seu sem pretender tirar o
dos outros. E é claro que um espírito assim, que vê cla­
rividentemente os homens e as coisas, se encontra apto
para julgá-los sadiamente.
:e claro que uma mulher, que deseje impor-se ao
seu marido pela circunspecção dos seus const;lhos, deverá.
esforçar-se por ser dos espíritos objectivos que se colo­
cam frente à realidade e a vêem tal qual é. Mas quantos
esforços não terá de dispender para subtrair-se ao domí­
nio das suas impressões! Primeiro, a mulher é, como tal,
dotada de temperamento imaginativo, sempre pronto a
deformar a realidade, envolvendo-a em representações

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53

exageradas. Depois é jovem casada, embalada ainda nos


sonhos de que se falou no capítulo precedente. O seu
juízo enfrenta temíveis adversários: enquanto ele pede
calma, a imaginação faz irromper a tempestade das emo­
ções. .. Se deixar triunfar essa « louca da casa», a jovem
consorte será VÍtima das SUaS «fantasiaS>), será arrastada
a todas as extravagâncias e, longe de prestar ao seu �á­

rido o socorro da sua prudência, cansá-lo-á com as suas


exigências e aborrecê-lo-á com as suas conversas est·úpidas.
!Mas se, ao contrário, a jovem esposa, ensinada pela
experiência e esquecida de si própria, tiver coragem de
impor silêncio ao rumor interior para prestar ouvidos aos
apelos do exterior ; se ela se dispuser a não fazer cálcu­
los sobre si própria a respeito de tudo mas a considerar­
-se o que na realidade é, ou seja colaboradora e compa­
nheira dedicada ; quando ela não hesitar em suportar o sa­
crifício de certos gostos, os seus olhos, como que libertos
duma venda, começarão a ver com clareza no seu lar;
compreenderá o marido, em cuja intimidade penetra no
dia em que consentir sair de si mesma. E logo se torna
apta a discernir o que convém ou o que não convém à
felicidade, à prosperidade da família e à recta ordem dos
afectos. Será, doravante, um espírito que pensa, uma pru­
dência que se afina, numa palavra : o sustentáculo mo­
ral e religioso do lar.


* *

Com pôr em acção os seus dotes intelectuais, a mu­


lher casada não esgota os admiráveis recursos de que é
dotada para o bem da sua união. Ela possui ainda urna
vontade.
Não há faculdade mais preciosa para a felicidade dum
lar, quando ela se põe ao serviço dum são discernimento.
De ·nada serviria aos esposos reunirem-se em conselho a

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54

verem o bem a fazer, se não estivessem prontos a lançar


mãos à obra. Ora, é coisa de notar, por mais curiosa que
possa parecer , que o marido não dará, quase sempre, um
passo, se não sentir o apoio da mulher. É muitas vezes
impelido pela energia feminina que ele toma ânimo para
executar certas determinações. Dá-se o caso, por exem­
plo, de terem resolvido suprimir a assinatura dum mau
jornal. Será a mulher que tornará a iniciativa de escrever
à redacção dando ordem de supressão. Trata-se de
tirar o fil·ho da escola ateia ou neutra? Pois terá de ser
a mulher quem há-de ir falar com o professor porque ele
não seria capaz de lá ir ou, se fosse, não iria sem ela.
Os professores têm sempre de atender mais as mães do
que os pais. Elas vão dizer-lhes «0 pai quer que . . , de­
cidiu que . » , sendo assim as simples executoras dos .:le­
. .

sígnios paternos. De notar ainda que, em geral, quanto


mais os maridos são inflexíveis e expeditos nos seus negó­
cios mais deixam à mulher a realização das decisões con­
cernentes ao lar.
E não será, por ventura, esta maneira de proceder
perfeitamente natural? Tem-se dito, muitas vezes, que o
marido é o ministro de negócios estrangeiros, do comér­
cio, da indústria e da agricultura : a mulher é o ministro
do interior. Cada um tem a sua função: a ele compete
prover às necessidades do lar, a ela manter a ordem da
casa. As resoluções familiares são um pouco como as de
um governo: é o ministro do interior que aplica o de ·
creto.
Compreend�-se, desde então, o papel primacial que
a vontade da mulher casada desempenha · na promoção
da felicidade conjugal. Às qualidades de conselheira junta
ela a de executora. É possível que, ao entrar pela primeil·a
vez no lar, ela tivesse pensado que, feita humilde segui;
dora do marido, iria perder a vontade própria e a sua
personalidade. Mas a vida em comum breve dissipará tal

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55

ilusão. � vontade de Deus que uma mulher, posta no seu


lugar, exerça no lar uma verdadeira acção e ali realize
um apostolado. � a ajudante do marido e o seu braço
direito. Deve sentir-se ufana de uma tão nobre missão !

..
• •

Ponha ela, pois, mãos à obra, logo no início da sua


vida matrimonial, a fim de, nesse meio novo para ela,
completar a educação da sua vontade.
Com certeza que lhe ensinaram, na sua juventude, os
segredos dessa arte tão difícil mas tão fecunda em resul­
tados, de usar da liberdade .
Toda essa ciência de bem usar do livre alvedrio lhe
foi inculcada pelos pais, pelo director de consciência, pe­
los mestres . . . Ser-lhe-á particularmente ·útil relembrá-la
no início da sua vida conjugal. Se quiser, poderá fazê-lo
lendo, no nosso trabalho ((Futuras Esposas)), as páginas
em que se trata da importante questão da ((Educação da
Vontade)) OJ. E por que não propor ao seu marido que as
releia também? Tais verdades, verdadeiras luzes para a
juventude na luta contra os perigos que se lhe escondem
debaixo dos pés, são ainda mais úteis naquela idade em
que impende o dever não só de assegurar a salvaguarda
pessoal, mas de construir e proteger um lar.

*
• •

O primeiro resultado que uma sã educação propor­


ciona à vontade é o fornecer-lhe uma qualidade-mestra:
a energia.
Uma jovem casada desempenhará defeituosamente o

{ 1) Futuras Esposas, Prim. Parte, Cap. I, Noção da li­


berdade.

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seu papel se os actos da sua vontade forem flutuantes e
inconsistentes, Desde que, graças ao seu sentido nítido das
realidades, ela veja claramente o !bem, não deve hesitar
em prossegui-lo com uma energia inquebrantável. É um
erro pensar que a mulher é propensa à fraqueza. A cada
momento desmente ela essa ideia feita. O chamado sexo
fraco, quando se aplica a empresas proporcionadas à sua
natureza e compleição, pode dar lições ao pretenso sexo
forte. Quantas vezes, com efeito, o homem não mostra
uma insignificante resistência quando a mulher dá mos­
tras de uma tenacidade a toda a prova ! Quantos maridos
se não cansam depressa com os guinchos e choro dos miú­
dos! Quantos não recuam perante os cuidados a prodiga­
lizar-lhes e os jogam para o colo das mães que se não
recusam nunca! Onde haure o sexo mulheril esta indefesa
constância ! Na er1ergia de que é dotada a sua vontade.
Como procederia erradamente a jovem casada que
julgasse não ter de pôr em acção a sua vontade no lar!
Muito pelo contrário, a ordem da casa, o bem-estar inte­
rior, os encantos da convivência, as alegrias e satisfações
de toda a espécie que ela proporciona ao marido com o
fim de tornar-lhe o lar atraente, não são senão o fruto
de uma robusta energia. !Porque ((quer», não esquece
nenhum pormenor : tanto trabalha na cozinha como cuida
da sua cultura espiritual, tanto remenda a roupa como
cultiva relações . . . Uma mu1her sem energia deixa andar
a casa ao deus-dará. O Sol virá encontrá-la sempre na
cama, ao meio-dia ainda não terá acabado de arranjar­
-sé. Não proveu ao necessário da casa, não marcou tra­
balho aos criados, se os tem. A tarde é gasta em futilida�
des. Pobres dos jovens maridos a quem «calha>> uma mu­
lher de alma frouxa! Que felizes os que, ao contrário, en-­
contraram aquela companheira de sólida compleição mo­
ral, cujos encantos o Autor sagrado exaltava ao dizer:
((Quem será capaz de achar a mulher forte? Ela é mais

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57

preciosa do que tudo o que se possa ir buscar ao fim do


mundo» (1) .
Todavia, certas jovens casadas, levadas por uma ilu­
são assás vulgar, têm medo de ser enérgicas. É possível
que as suas mães lhes tenham traçado um quadro tétrico
das « vontades femininas» , suplicando-lhes que cedam
sempre ãos maridos para evitar maiores males.
Estas desastradas conselheiras eram vítimas, nas suas
exortações inoportunas, dum equívoco cujo erro a jovem
noiva, impressionada pela autoridade do discurso mn­
terno, não era capaz de desfazer. Uma e outra confun­
diam energia com violência, indolência e brandura. Nun­
ca se protestará hastantemente contra tão funesta con­
fusão de ideias.
Saibam as jovens esposas que a verdade é justamen­
te o contrário. A verdadeira energia é suave e, por seu
turno, a indolência leva à violência. A vida moral e psi·
cológica provam, cada dia, a verdade destas afirmações . .
.

A própria ordem física fornece-nos delas claros exem­


plos. Reparai num rebocador que navega contra a cor­
rente dum rio, arrastando uma pesada embarcação. Se
o cabo que liga as duas embarcações estiver :sempre

tenso, o barco rebocado deslizará sem sacudidelas. Mas,


se afrouxar o motor e o cabo se tornar bambo, a reto­
mada de tensão. será violenta: o cabo esticar•se-á brusca­
mente, produzindo uma sacudidela violenta que o pode ­
rá partir . . . E o mesmo pode acontecer ao fio que !iga
esses dois barcos que são a mulher e o marido. Enquanto
as suas vontades estiverem tensas num esfo"rço comum
ao serviço da virtude, navegarão juntos sem colisões, Se
um deles afrouxar, logo se fará, inevitàvelmente, sentir
um abalo cuja violência será proporcional à prévia dimi­
nuição da energia. Dá-se, por exemplo, o caso de a espo-

{ 1 ) Prov. XXXI, ro.

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sa ter deixado infiltrarem-se no lar as más leituras . . . ou
então, para não criar « sarilhos», suportou, embora de m:m
grado, que o marido mantivesse relações duvidosas . . .
ou não se importou mesmo que o marido chegasse às re­
feições com atrasos injustificados . . . A sua apatia fez com
que o mal crescesse, que os hábitos se enraizassem . . . até
ao dia em que a mulher, farta e cheia de sofrer sozinha
o seu aborrecimento, ou desorientada pelo perigo imi­
nente que corre a sua felicidade, se levante indignada,
num acesso de protesto que provoca uma cena terrível . . .
Será suficientemente forte o vínculo da afeição? Se for,
resiste. Mas se ele parte? . . . E é assim que a fraqueza
gera a violência. Ao passo que uma energia constante
c equili'brada teria mantido inalterável a união dos cora­

ções com uma tal suavidade de toque que o marido só


teria notado a pressão exercida sobre si por lhe ter gozado
as carícias.·


. ..

Se, como acabamos de yer, as brusquidões da von­


tade são causa dos seus maus êxitos, quem empreender
uma tarefa de importância deve ter o tempo como seu
principal colaborador. Eis porque a esposa deverá con­
vencer-se de que ((cada dia que passa trabalha para a
causa que ela defende».
A mulher cheia de ideal e desejos de constituir um
lar que seja um pequeno paraíso, iludir-se-ia, lamentà­
velmente; se pensasse que lhe hasta dizer «quero» para
conseguir tudo o que �ese'ja. Dizer «quero! » é, por certo,
o seu dever. «Quero a virtude no meu lar! . . . Quero no
meu lar o Reino de Deus! . . . Quero no meu lar um en-
tendimento perfeito e as prosperidades materiais! . . . Que-
ro no meu lar filhos educados e bem formados ! . . . )) To-

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59

dos estes desejos são legítimos e necessários. Eles são a


condição do esforço e do bom êxito no futuro.
Mas os «quero! )), de qualquer natureza que sejam,
só se realizam com a perseverança do esforço. Pois bas­
tará, acaso, ao marinheiro, por exemplo, formular um sim­
ples «quero ! )) para que o seu veleiro deixe um porto e
aporte a outro bem longínquo? «Quero ! )) é, por certo, a
palavra pronunciada pelo capitão, mas ele sabe que a
execução do seu desígnio depende de muitas manobras,
do concurso favorável de muitas circunstâncias, e, sobre­
tudo, do tempo e da paciência. Que faz ele então? Orien­
ta tudo o de que dispõe para a execução do seu projec­
to. Aproveita a monção; a corrente, põe as velas, deter­
mina a rota, viaja em diagonal quando não pode seguir
em linha recta . . . E - coisa maravilhosa ! � ao fim de
algumas semanas, entra no porto longínquo que deman­
dava. Como conseguiu triunfar dos ventos, das marés
que pareciam impedir-lhe o avanço? Porque obrigou o ;
elementos, mesmo os que pareciam mais rebeldes e hos·
tis, a colaborar com as determinações da sua vontade.
A mulher casada deverá inspirar-se neste exemplo.
Ela procurará servir-se de todas as influências de que pu­
der dispor, submetendo-as ao plano de organização que
ela idealiza para o seu lar. E, antes de mais, usará do po­
der, do afecto. O marido, porque a ama e por nada deste
mundo a quereria magoar, nada lhe recusará do que ela
deseja, se ela souber proporcionar os seus pedidos às pro­
habilidades de ser atendida. E visto que não espera obter
de uma só vez o que ambiciona, procederá aos poucos,
corno o marinheiro. Se o marido não se resolve a ir à mis­
sa, ela conseguirá, ao menos, que deixe ir os filhos . . .
Se se recusa a cumprir o preceito pascal, talvez consiga
que ele vá ouvir alguns dos sermões da pregação . . . Se ele
não quer ler um jornal retintamente católico, é possível
que assine uma folha em que a Igreja e a sua hierarquia

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6o

sejam respeitadas. E talvez que as mais imprevistas cir­


cunstâncias lhe venham, como vento favorável, dar uma
ajuda à sua perseverante paciência de esposa. Por exem­
plo, se um amigo de infância, regressado às suas práticas
religiosas, escrever ao seu companheiro de outrora dizen­
do-lhe que faça o mesmo . . . ou se uma doença grave
proporcionar a ocasião de cortar com certas convivências
perigosas . . . Outras vezes, acontecimentos, os mais opostos
em aparência ao objectivo que a mulher casada tem em
vista, podem exercer sobre o marido reacções de que ela
deverá saber aproveitar. Assim, por exemplo, a indignida­
de e injustiça para com a esposa de que se reveste o acto
dum amigo que procura divorciar-se pode tornar, àquele
espírito leal, as obrigações matrimoniais mais suaves c
agradáveis . . . Ou , então, é outro amigo que deixou as
lojas maçónicas, indignado pelas doutrinas lá expendidas
sobre a família «laicizada)) e que revoltavam o seu coração
fortemente unido à sua jovem companheira .
.Oesta maneira, o querer enérgico, que dispõe, como
arma .principal, de uma paciência sempre alerta, cantará
vitórias. E no dia em que o triunfo tiver recompensado
c. sua perseverança, a jovem casada não lamentará as lon­

gas esperas, como, por exemplo, aquela mãe de família


que não consegue do marido anuência a que os filhos
frequentem uma escola cristã senão quando o problema
se põe para o terceiro filho. Quando se tratou do primei­
ro, as razões que apresentou quase não foram tomadas
em consideração. Ela resignou-se mas sem deixar de, logo
que a ocasião se apresentasse, fazer notar o erro cometi­
do. Quando nasceu o segundo, voltou a expor as suas
razões que, se não foram aceites, também já não foram
desprezadas e foram mesmo admitidas a discussão pelo
marido, agora mais intranquilo, perplexo. A jovem esposa
continua na sua longa campanha surda, quase imperceptí­
vel. À terceira vez, o marido deixa quebrar a sua resis-

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6!

tência e de um modo tal que a decisão libertadora esteil •


de-se agora não só a um dos filhos mas a todos três.
Se ela tivesse sacudido bruscamente o marido à primeira
vez, talvez nunca mais tivesse conseguido nada dela.
Mas ela tivera o senso de refletir que, para se colher
um fruto, é preciso esperar que ele esteja maduro e que
a persuasão é o sol que faz amadurecer as vontades. ((Pa­
ciência e tempo fazem mais que força e raiva» - diz o
ditado. Mas tal paciência só pode ser o fruto de uma
perseverante «educação da vontade» .


* •

Mas esta perseverança depressa se cansaria se não


fosse sustentada .por aquela maravilhosa disposição que
se chama optimismo, que nasce de uma ampla confian­
ça no futuro, por mais longínquo e demorado que se :m­
teveja. Jamais se poderá desejar suficientemente o desen­
volvimento, na mulher, desta tendência, prenhe de con­
fiança, para a alegria e para a paz.
Como é consoladora para o marido a mulher que ­
sem exagero, já se vê - está sempre disposta a ver tudo
«cor-de-rosa» ! Esta tendência é o indício de uma alma
feliz, perfeitamente conformada com a sua sorte, dum
espírito indulgente que vê as coisas sempre pelo lado
agradável, duma vontade equilibrada capaz de moderar
os seus desejos, dum temperamento robusto que não re­
ceia fadigas.
O «{>essimismo» origina-se em causa bem opostas de
que as ambições desmedidas e insaciáveis não são as me­
nores. A jovem consorte, cujas fictícias necessidades de
apresentação, de luxo e de mundanismo são excessiva�.
queixa-se a todo o instante da «falta do necessário» . E
como não tem, a bem dizer, gosto pela sua vida domé:;­
tica, verifica também que não chega para o trabalho . . .

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declara que não pode aguentar com tudo . . . e julga-se in­
feliz sendo-o na verdade mas apenas pelas inquietações
que experimenta.
Podem :f.àcilmente calcular-se as devastações que é
susceptível de causar num lar um tal estado de espírito. O
marido não regressa a casa que não ouça lamúrias . . . que
não venha a saber que «está tudo perdido» . . O homem,
.

profundamente afeiçoado à mulher, tenta restituir-lhe a


alegria. Mas ·nada é capaz de o conseguir: nem os delica­
dos presentes que lhe traz e que ela recebe com um sor­
riso forçado, que no fundo quereria bem dizer que ela
merecia mais . . . nem o nascimento dos fillhos que a ater­
r oriza . . . Não será de temer que o marido acabe por fi­
car farto e cheio de dar corda a este relógio que -se recusa
obstinadamente a fazer ouvir o seu alegre carrilhão?
Muito diferente é a atitude da esposa optimista. Ess:1
é verdadeiramente o «encanto do lar». Ela quer ser fe­
liz e, apesar de todas as disposições contrárias que sente,
sê-lo-á, de facto. A sua reacção contra os aborrecimentos
ou provações será o sorriso. Em todas as coisas ela olha
sempre para os aspectos aceitáveis. O seu marido ganha
pouco? 1Pois ela contentar-se-á i:om menos em casa e vi­
ver-se-á ali ainda com mais desafogo do que noutros que
têm falta de tudo. O marido está doente? .Pois vai-se
tratar dele. Não será, acaso, alegria para uma esposa aju#
dá-lo a recuperar a saúde? Vêm os filhos? Pois serão re­
cebidos com alegria e quanto mais numerosos forem mais
alegre será o lar, mais assistida será mais tarde a velhice
dos pais. A Esposa mostra-se forte e robusta, senão de
saJúde ao menos de índole,_ pois vêem-se, por vezes, com­
pleições fracas darem provas de alegria de viver. Ela é
portadora de uma alma corajosa cuja divisa é: «Tudo há­
-de correr» !
:a compreensível que o marido, ao deixar o seu tra·
balho, sinta ter asas para regressa:: à sua casa. Assim era

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aquele pai de três filhos que, tendo casado com uma jo­
vem sem fortuna, vivia do seu magro ordenado. Todo o
santo dia se preocupava seriamente com isso mas, ao en­
trar à noite em casa, o acolhimento era tão agradável qu;!
sentia renascer a confiança: no seu coração. A mulher ti­
nha sempre qualquer coisa nova para mostrar-lhe, ,ti­
r.ha aproveitado tal retalho de fazenda para vestir os fi,
lhos, tinha melhorado o conforto da casa, preparado ex­
celentes acepipes, e dir-se-ia que, apesar da carestia da vi­
da, ela tinha o raro talento .de «fazer dum centavo qua­
tro ou cinco » . . . e o humilde lar vivia feliz.
Uma outra, mãe já de nove filhos, embora pouco
passante dos trinta anos, apoiava o lar com o seu robusto
optimismo. Era vê-la ab trabalho, toda ocupada a co­
mandar a sua pequena tropa com uma autoridade suave
c alegre e transfundindo ao seu marido aquela inque­

brantável confiança no futuro que ela trazia no peito. E


j.:mais era iludida na sua esperança porque esta se fun­
dava no abandono à Providência.
E por que não mencionar, neste quadro de honra,
aquela mãe de oito filhos que, viúva e quase sem meios,
rão perdeu nunca a serenidade? A sua coragem era tal
que, quando referia as dificuldades por que passava, :1s
lágrimas corriam-lhe pelas faces mas ela ria-se de ver
que chorava!
Nunca as mães habituariam demais os filhos a ad­
quirirem uma alma optimista, ensinando-lhes a verda­
deira força de vontade que é o amor do sacrifício. Se
a educação mode!êna não .fosse, como frequentemente é,
nestes tempos de laicismo, um convite contínuo ao pra­
zer, a nossa sociedade doméstica não contaria tantas
«desiludidas>> que, por seu turno, «desiludem>> os seus
jovens maridos e são a sua desdita. Não se hesite, pois.
em meditar na formação das «futuras esposas)) os capí­
tulos do Sacrifício, do Ardor no trabalho e da Acei-

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tação alegre dos encargos matrimoma1s. Faça-se-lhes
ver que está dentro do programa sofrer, e que as fa­
àigas de cada dia, quando generosamente aceites, são
a mo�da com - que se compra a felicidade. Incuta-se-lhes,
sobretudo, a noção prática e vivida de ((a-bandono» àque­
la ·Providência divina, à qual '' basta abrir a mão para
encher da sua abundância tudo o que respira» (1). Quan­
do as nossas jovens tiverem apreendido esta lição funda­
mental de «optimismo cristão)), possuirão, para si e para
o� maridos, o segredo da verdadeira alegria no lar.

( 1 ) P�. CXLIV, 16.

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CAPíTULO TERCEIRO

OS TALENTOS ADQUIRIDOS DA CASADA

Os «dons naturais» físicos, intelectuais e morais,


quando aplicados iàs diferentes finalidades da existência,
tornam,se a base de hábitos particulares que se chamam
talentos adquiridos. Eles revestem os mais variados as,
pectos, segundo a orientação que toma a vida de cada
qual, e diferenciarn,se segundo a propensão nativa, meio
social, costumes ancestrais, educação, etc. A sua varieda,
de, quase infinita, confere a cada indivíduo caracterís,
ticas por vezes bastante acentuadas.
Os <<talentos)) vêm, pois, completar, de modo feliz,
as faculdades humanas de cujo exercício nascem. Aten,
te,se, por exemplo, num dos órgãos que estão ao serviço
da alma: a mão, por exemplo. Não é ela, por si mesma,
um maravilhoso instrumento de ordem e de elegância?
A flexibilidade e a força dos dedos, a sua mobilidade,
a sua fácil e pronta adaptação a todos os objectos que
palpa, a delicadeza do seu tacto, enchem o naturalista,
c filósofo ou o simples observador, de admiração para

com Deus. Mas de que atractivos não é esta mão capaz


de revestir,se graças às novas aptidões que tiver adqui,
rido mercê do trabalho ! Agora, qual fada mágica, corre
vertiginosamente por sobre o teclado ou sobre as cordas
dum instrumento para arrancar,lhe os queixumes dum
coração que sofre ou os transportes dum cristão que ora;.
mais logo, laborillsa e ágil, segura a agulha para coser ou
bordar; depois, toma a pena e traduz, por meio de sinais.

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66

todos os cambiantes do seu pensamento; ou entregar�se�i.


ainda, obscuramente, aos trabalhos domésticos, execu�
tando com o mesmo ardor e delicadeza os mais baixos
como os mais elevados. Estes talentos acrescentam um
complemento maravilhoso de atractivos aos já tão gran�
des encantos naturais desta mão que deles é portadora.
Se se extender da parte ao todo, isto é, a toda J.
pessoa, esta noção de «talentos adquiridos>>, compreen�
der�se.-à de que predicados um tal conjunto de hábitos
embelezará a esposa e que auxílio lhe prestará para
poder tornar�se «O encanto do lan>. Ela multiplicará os
seus atractivos na medida em que tiver cultivado cada
um dos seus dons inatos para lhe desenvolver as aptidões.
Desde então, já não será ela aquela que não sabe · .fazer
nada, cujo marido anda sempre aborreciào por ela não
trazer ao lar a vantagem de qualquer iniciativa. Ela será,
muito pelo contrário, uma companheira ideal, de índole
corajosa e de energia indomável que «topa�a�tudo)), por�
que tanto sabe ((trabalhar a lã e o linho, fiar a roca, ta �
lhar vestidos de tecido precioso, como comprar um cam�
po, plantar uma vinha, vestir os seus criados, organizar o
serviço da casa, sem esquecer o cuidado com os po�
bres>> (1)

*
* *

De todos estes talentos adquiridos, que fazem o en�


anto do lar, um dos mais úteis e dos mais importantes
na vida prática é o da cozinha. Quis a Providência que,

em toda a escala dos seres vivos, cada ser corresse à pr:>�

cura do seu alimento, desde o mais pequenino dos pássa•


ros a que «Deus não falta com o alimento>> até ao leão
que o Salmista nos descreve «atirando-se na escuridão

(1) Prov. XXI, 12, passim.

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da noite para agarrar a presa que Deus lhe preparou» (1)
c até ao homem «condenado a comer o pão com o suor
do seu rosto» (2).
Uma mulher casada cometeria grande erro em não
cuidar a sério da preparação da comida, que o marido es­
pera com legítima impaciência ao cabo dos seus trahalhos
do dia, e com a qual conta restaurar as suas 'forças e re­
pousar-se. O poder de atracção da mulher sobre o marido
depressa diminuiria se ela não estivesse à altura de o ale­
grar com uma mesa que ele possa qualificar de «bem-pos•
ta», relativamente à sua situação económica. Como se
enganaria, pois, a jovem casada que se recusasse a ir para
a cozinha, alegando, com lágrimas nos olhos, que isso

lhe «encardiria os dedos» ! As suas belas mãos não tive•


ram força precisa para segurar o marido.
Pensem aquelas que receiam cultivar os seus talen­
tos de cozinheira, em velar de perto pelas coisas de cada
dia e em esmerar-se na confecção dos pratos, na elen­
ção que essa tarefa, sem razão desdenhada por muitas,
reveste, pelos fins superiores que serve.
Quis Deus que o prazer da comida fosse um dos
�ozos legítimos da humanidade. Eis porque o Criador
parece ter-se industriado em cumular o homem de ali­
rr:entos suculentos: «Dou-vos - diz Ele a Adão e Eva ­
todos os legumes, todas as árvores frutíferas, todos os
animais que andam sobre a terra, todos os pássaros do
ar, tudo o que tem vida . . . para que vos sirvam de ali­

mento .(3). Que generosidade admirável! .Poderá acaso su­


por-se que Deus, ·falando assim, desconhecia os aromas
contidos nos · frutos, a finura das carnes, a suavidade de
todas as iguarias? Ele fornecia a Eva e às suas filhas os
elementos que deviam constituir a arte culinária e tor-

( 1 ) Ps. CIII, 22.


(2) Gen., 19.
ú) Gen. 'I, 28, 29.

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68

nar-se nas suas hábeis mãos um dos maJores prazeres


da vida familiar.
Eis porque uma boa cozinha ocupou, em todos os
tempos, um lugar importante no destino dos lares. Para
só citar um exemplo entre mil, bastará dizer que Deus
dispôs que a sorte da descendência de que devia sair o
próprio Jesus Cristo, dependessê dum � bom prato». O ve•
lho Isaac, tendo cegado, pediu ao seu filho Esaú que
fosse à caça e matasse qualquer animal para com ele lhe
preparar <<aquele excelente acepipe de que ele tanto gos­
tava» · (1) e em troca do qual o seu velho pai lhe daria,
antes de morrer, a sua «bênção» patriarcal. Esta bênção
era então considerada o testamento pelo qual o chefe da
família legava os seus hens e conferia o direito de pri­
mogenitura. Rebecca, mulher de Isaac e mãe de Jacob
e de Esaú, apreciava as nobres qualidades de 1acob e pre­
feria que fosse ele o herdeiro. E sabe-se o que sucedeu
depois. A conselho da mãe, Jacob correu a um rebanho,
tscolheu um cabritinho e trouxe-o à mãe, que, como ex­
celente cozinheira que era, fez, com o maior mimo, a
iguaria favorita do marido. Isaac móstra-se contentíssimo
com o delicioso acepipe. Fiéa admirado de que a caça
tivesse sido tão rápida e, enganado pela cegueira, «aben­
çooU>> Jacob em lugar de Esaú. Ao chegar; Esaú louco de
desgosto, pede ao pai que retire a Jacob a bênção patriar­
cal que lhe dera e com ela a herança. Mas o ancião, com­
preendendo que o equívoco fora permitido por Deus por
motivos superiores, manteve em favor de >Jacob todos os
direitos que ele usurpara ao irmão: �<Dei-lhe tudo a ele,
nada tenho para te dar>> ,(2).
Consideradas as devidas proporções, quantas jovens

{ 1 ) Gen. XXVII, 4 «Fac mihi inde ·pulmentum, sicut me


vell� nostin.-
{2) Gen. XXVII, 37·

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casadas, colocadas em circunstâncias melindrosas como as
de Rebecca, não devem ao seu saber culinário o remédio
da sua situação! � possível que se não trate, como no caso
bíblico, de assegurar a um filho uma herança, mas é ur­
gente, por exemplo, subtrair o marido às sugestões de .
certa enredeira ou à companhia de amigos que lhe insti­
lam o tédio pelo lar . . . Nesta conjuntura, toda a habilida­
de duma Rebecca não é demais para garantir a vitória
do direito legítimo. Felizes as jovens esposas que, forma·
das na arte da cozinha, forem capazes de acrescentar aos
encantos de que enchem a sua casa, o de uma mesa que
faz o marido esquecer por completo a ementa do restau•
rante! . . . Felizes os maridos que encontram na sua casa
iguarias, não só agradáveis ao paladar, mas sobretudo
suaves ao coração, porque trazem na sua finura a prova
do amor sincero e da dedicação contínua que presidiram
à sua confecção.


* *

Os outros cuidados domésticos deverão completar os


da cozinha. A arte de consertar a roupa, de passar a fer­
ro, de costurar, não deverá ter segredos para a jovem
consorte desejosa de possuir um lar agradável e de neíe
fazer reinar a ordem e a economia. A conservação e a
limpeza da casa deverá merecer a sua atenção e diligente
actividade. Importa que o lar seja um paraíso.
Não temos a dar aqui instruções sobre costura, corte
ou modo de varrer. Em casa dos pais, e depois na escola
de preparação doméstica, de que foi, talvez, uma das
alunas mais aplicadas, a então futura casada, apreendeu
tudo o que importava saber. O que precisa de adquirir
agora, não é o ((talento>> pois que já o possui, mas o
amor do trabalho para o pór em acção.
Muitas donas de casa, especialmente das que ocupam

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uma certa pos1çao social, não dão ao arranjo do seu la1·
o tempo e os cuidados que ele exige, porque se sentem
paralizadas pelo pensamento de que ((esses pormenores
não são dignos delas . . . e que ficariam demasiado humi­
lhadas abaixando-se a eles». Desde então, para pretensa­
mente se manterem ao nível da sua situaçãiJ e para cor­
responderem às exigências dum marido «distinto>>, não
descem a essas minudências, limitando-se a lançar-lhes um
olhar, por alto e de longe, como quando se olha para
uma folha de erva que se vai calcar debaixo dos pés . . .
Esta orgulhosa maneira de pensar dá origem a consequb­
cias p<>r vezes desastrosas e imprev�tas. A jovem casada
gasta um dinheiro louco com mulheres de costura e de
serviço que, acabam, afinal, por fazer um serviço mal
feito. O marido, que paga caro e se vê mal servido, vai
discretamente manifestando os seus queixumes que não
são, de resto, tomados em consideração pela mulher. Se
ele não ousa insistir é sàmente para evitar maiores abor­
recimentos. Mas um dia chega em que ele não pode
mais . . . Numa reunião distinta, acontece-lhe, por exem­
plo, puxar por um lenço que aparece cheio de buracos . ·.
.

ou então, ouve reflexões pouco agrad�veis sobre a sua


maneira de apresentar-se. . . De regresso a casa, explode
numa tempestade de cólera. . . A mulher pôr-se-á então,
talvez a gaguejar e a suplicar que se não faça cavalo de
batalha de um simples «descuido» que pode acontec-�r
a qualquer. . . Descuido sim, mas que pode tornar-se tra­
gédia, como acontece em casa de muitíssimos infelizes que
fogem do lar porque se vêem ali forçados a viver na
negligência e na iridecência.
Visto que o bom arranjo das coisas do lar é sus­
ceptível de ter tão graves consequências, a mulher não
pode legitimamente desdenhá-lo, mesmo nos seus mí­
nimos pormenores. Nada do que contribui para pren­
der o marido ao lar é pequeno ou de pouca irnportânci:t.

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71

Eis porque ela deverá ter extremo cuidado com a roupa


branca, com o vestuário e com a ordem dos seus apo,
sentas. O sexo masculino, que quase não liga importân,
Lia a adornos, é, no entanto, geralmente exigente no que
toca à correcção da sua maneira de se apresentar e re,
ceia, seriamente, não ter o lugar que lhe compete nas suas
relações comerciais ou de amizade. A mulher envidar:i,
pois, os seus esforços no sentido de que, em qualquer
parte, o marido se possa apresentar «como convém». Ela
deverá sentir brio dele e jamais tolerará que ele se apre,
sente em público com vestuário cheio de nódoas, rasga­
do ou enlameado . . . Enquanto o marido se entrega às
suas ocupações, trate a mulher das suas. Dê lustro aos
móveis e, nos armários, disponha as pilhas de lençóis
e toalhas, brancos e rescendentes a alfazema . . . Quando

o marido regressar àquela casa graciosa, ridente, perfu­

mada, sentirá dilatar-se-lhe o coração e sentirá a alegria


de viver. A sua sorte será bem melhor do que a do in­
feliz que, não ousando dirigir à mulher amargas recrimi­
nações, para evitar cenas, se limitava a escrevê-las com
o dedo, na poeira de que estava coberto o mármore do
fogão de sala . . .
A esta razão de interesse natural - agradar ao ma­
rido - a mulher deve j untar um motivo sobrenatural
que a estimule aos tr<tbalhos do lar: cumprir a vontade
de Deus. .Para desenvolver em si esta convicção, deverá
ela contemplar o exemplo dado a todas as mulheres Ccl­
sadas pela Sagrada ·Família de Nazaré. Transporte-se
ela, pelo pensamento, até junto daquela Mãe admirável
que, durante trinta anos, numa humilde casa, desem­
penha as funções domésticas mais humildes e custosas.
Como qualquer das nossas mulheres, ela cozinhou as re­
feições e arranjou a casa, ela que era descendente de reis . .
.

E, nos seus momentos vagos, quando os trabalhos de


costura, de conserto da roupa, da cozinha, da barrela,

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lhe deixavam qualquer momento de repouso, ela, segundo
c costume das mulheres do seu tempo ((que costuravam
elas próprias o vestuário dos homens» <1l, aplicava-se com
ardor a fazer para o seu .Filho, j á jovem crescido, ((uma
túnica sem costura e de uma só peça de alto a bai­
xo» . . . (2). Ela fazia essa malha como hoje as mães dos
sacerdotes bordam a alva que os seus filhos vestirão no
dia da sua Missa-Nova, E não foi, por ventura, aquela
túnica inteiriça a alva com que Jesus celebrou a grande
missa de Gólgota? Essa preciosa vestimenta · sacerdotal
couhe em sorte, intacta, a um dos soldados que estavam
de vigia junto da cruz e qua era talvez boçal de mais
para poder apreciar a 'fina obra saída das mãos da Mãe
de Deus.

*
* .

Algumas mulheres casadas, a quem os trabalhos


ordinários da casa não esgotam a actividade, acrescen­
tam à sua tarefa quotidiana a prática de certas indústriJ.s
domésticas susceptíveis de melhorar a sorte do lar,
O marido admira-se, muitas vezes, de ver o dinhei­
ro desaparecer tão depressa. Não entregara ele, ainda on­
tem, à sua conscienciosa dispenseira, uma soma assaz re­
chonchuda! . . . Como se volatilizou ela tão ràpidamen­
te? . . . A mulher, responde-lhe mostrando as facturas pa­
gas: a nota do sapateiro, de consertos, a do tintureiro,
de limpezas nos fatos, a do decorador e pinto� duns
arranjos num quarto, etc . . . Perante estes documentos,
só resta ao marido inclinar-se e . pagar. Mas a sua de�
. .

clicada companheira sonha como aliviar a tarefa que


impede sobre o marido para obviar aos crescentes en-

(r) Esdras IV, 7 ·


(2) Joan. XIX, 23.

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73

cargos da casa. Ela esforçar-se-á, pots, por prescindir de


ajudas de fora, fará ela própria o trabalho e será ganho
certo. E i-la , pois, a consertar os sapatos dos filhos . . . co­
mo aquela mãe de família que reforçava as galochas com
solas protectoras cortadas de velhos pneus: e assim CO.il•
seguia ela maior duração ao mesmo tempo que menos
barulho em casa.
Outra empreende, na sua casa, a tarefa de tingir e
limpar os fatos e, após algumas tentativas e ensaios, aca­
ba por triunfar maravilhosamente. Uma outra ainda,
consertará as lombadas caídas dos livros de escola, far­
-se-á hábil << encadernadora>> e, se tanto for necessário,
far-se-á <<encaixilhadora» . Às vezes, as circunstâncias obri­
gam a mulher casada a manejar o pincel de pintor ou a
escova do tapeteiro, talvez até o diamante de vidreiro,
e com que destreza !
E que surpresa não vai causar ao marido! Anunciar­
-lhe-á, triunfalmente, que vai encontrar em casa qualquer
coisa de novo. Deixa-o procurar durante instantes. . . e
leva-o ao pé desse movei que reluz graças a uma inte­
ligente camada de tinta de esmalte.. . ou então mostra­
-lhe �ma peça de vestuário que mudou a cor desbotada
num ' belo negro de azeviche . . . ou um quadro que ela
consertou lindamente . . . ou um livro que .ficou· como no•
vo . . . Tais iniciativas suscitam no marido verdadeiras ale­
grias. A coragem, a inteligência, o ardor da sua compa­
nheira no trabalho, encantam-no, incutem-lhe confian­
ça no futuro. Pois - reflexionará ele - que reservas de
energia não revelam estas qualidades? O modo de pro­
ceder da mulher é para ele um poderoso estímulo ao es­
forço e à economia e será então com prazer que ele
trará para casa lucros que ele já sabe serão bem empre­
gados. Mais do que nunca se sente atraído para o seu
lar pelo qual experimente uma paixão correspondente
aquela de que a mulher dá provas cada dia.

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7·t

A mulher casada tem, pois, no complemento de de­


safogo que estas indústrias suplementares trazem ao lar,
um meio de criar mais um vínculo à volta do marido
para o prender à vida em comum. No entanto, muitas
jovens casadas, dedicadas e bem intencionadas aliás, con�
fessam�se incapazes de lançar mãos a uma tal empresa.
Esta não tem a saúde suficiente para aguentar com este­
acréscimo de trabalho, outra não tem tempo, a outra
ainda falta�lhe o «jeiton. A sua inexperiência é tal que­
não ousaria sequer experimentar uma espécie de traba�
lhos que não aprendeu a fazer. Nenhuma dessas casadas
se preocupe. Ser�lhe-á desculpável não serem sapateiras,
marceneiras, pintoras ou tintureiras, desde que compen­
sem essas lacunas de préstimo com um suplemento de
dedicação, de atenção e de actividade nas suas ocupações
estrictamente domésticas que são, afinal, a sua principal
razão de ser.

*
* �

Entre esses deveres domésticos a que uma pessoa


não pode pretender eximir-se, deve contar-se a obriga•
ção que lhe incumbe de instruir-se a respeito dos cuida·
dos a .Prodigalizar aos filhos. De todos os talentos adqui­
ridos, a « puericultura», como hoje se chama, impõe�se
de modo muito particular ao zelo de toda a jovem mãe.
Durante muito tempo, a arte de criar recém-nasci�
dos permaneceu no domínio da ·experiência irreflectida.
Cada um seguia os seus costumes que «habitualmente»
resultavam bem, sem procurar saber a razão dos seus bons
ou maus resultados. Por isso, a mortalidade infantil era
um flagelo devastador. Leia-se a história da gente que vi�
veu nos séculos passados e verificar-se-á com espanto a
enorme proporção de crianças que morriam de pequena
idade, em cada família. Hoje, felizmente, os pais não se

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75

vêem limitados a ess� empirismo desastroso e podem dis,


por de uma «ciência)) ao serviço do maior Jbem da sua
família e do seu país. Os princípios de higiene, de ali,
mentação, de terapêutica, descobertos pela medicina, são
de um óptimo resultado, para arrancar um grande nú,
mero de frágeis pequenos seres aos acidentes mortais.
Mas todo este saber permanecerá inútil se as mães se
não tornassem capazes de usá,lo. É preciso, pois, que a
jovem casada receba instruções apropriadas à sua missão.
Para isso se instituiram, nos Os Institutos de vida domés,
tica serviços de <<Puericultura)) . Tem,se publicado livros
<<da jovem mãe)), numerosos e bem redigidos; as revistas
femininas prodigalizam,se em numerosos e prudentes con,
selhos. As mulheres casadas têm assim toda a facilidade
em adquirir ideias precisas sobre os deveres resultantes
da sua maternidade. •
E, no entanto, que ignorância se não encontra ain,
da mesmo naquelas cuja juventude, isenta de preocupa,
ções, teria proporcionado ocasião asada de se instruirem!
Más elas preferiam, talvez, ler romances, a adquirir co,
nhecimentos indispensáveis, tranquilizadas como estavam
com o preconceito de que o «instinto materno seria mais
que suficiente para as guiar)), Mas quem não vê o ridí,
culo duma tal suposição? É certo que, nos animais, o
Criador suprimiu, com o instinto, a falta de discemimen,
to e lhes deu um conhecimento inato mas mecânico e
fatalista que lhes permite velar pelos filhos. Mas, a:o mes,
mo tempo, Deus «constituía,nos homens desde o come,
ço)) e dava,nos, ao contrário dos animais, uma alma ra,
.cional e nos "abandonava nas mãos do nosso próprio
conselho)) <li. É•nos, pois, necessário, a nós, seres inte,
ligentes e livres, reflectir, estudar e raciocinar para reali,
zarmos, com perfeição e elevação, juntando,lhes os mo,

{ r ) Ecdi. XV; 4·

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tivos morais e sobrenaturais, certos actos que os ani­
mais executam de modo material e inconsciente. Eis por­
que a mãe de amanhã deve, sacudindo preguiça e pre­
conceitos, preparar-se para cuidar dos filhos com uma
dedicação esclarecida.
Ela não deve, de resto, alimentar ilusões. Com o seu
saber «puerícola)), contribuirá poderosamente para a fe­
hcidade comum do lar. O nascimento dum filho reves­
te-se para os pais de deliciosos encantos:
«Quando a criança aparece, o círculo de família
Aplaude em altas vozes. O seu suave olhar que brilha
Faz brilhar os olhos de todos )) (1)
. . .

Mas estas alegrias de repente se transformariam em


cruéis sobressaltos se o «reizinho da festa» caísse doente
c viesse a debater-se com a morte, mormente se tal ca­

tástrofe se originasse na imperícia materna. Ao contrário,


que afectuosa estima e que admiração não sentirá o marido
pela esposa dedicada que tem o dom de fazer prosperar
aqueles pequeninos seres ! De manhã e à. noite, ela dará
ac> marido ocasião de verificar o estado florescente dos

seus lindos .filhinhos, de beijar-lhes as róseas faces e de


apreciar a sua boa disposição e alegria. Pela sua previ­
dência e competência, industria-se em assegurar ao b.r
noites calmas e dias cheios de paz . . . Uma tal esposa,
que não receia trabalhos e cuja inteligência se iguala à
dedicação, sabe dar aos filhos não só a vida mas também
a alegria de viver.

*
* .

A mulher c;sada possui ainda outros segredos de di­


fundir à sua volta . este prazer de viver. Entre os inesgo­
táveis recursos que Deus lhe concedeu com vista à fe-

:( 1) Vítor Hugo. A criança, Folhas de Outono.

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77

licidade do lar, deve ela atribuir grande valor e estima


aos talentos artísticos de que se sinta dotada.
A arte introduz no lar uma quantidade de satis­
fações que lhe multiplicam os encantos. Toda aquela que
desprezasse o culto do Belo, envolveria a sua casa de uma
sombra soturna de prisão. Pense-se, com efeito, numa ca�
sa sem qualquer preocupação de ordem artística. Nas ja­
nelas nenhuma cortina que lembre um arabesco . . . nas
paredes nenhuma tapeçaria policroma que deleite os
olhos . . . na sala nem piano nem qualquer instrumento
de música . . . nas paredes nenhum quadro . . . na chaminé
r:.enhum vaso de flores amortecidas sequer. . . os móveis,
sem moldura, de madeira vulgar, sem ornatos . . . Uma
tal mudez do lar nem sempre é a consequência forço­
sa da m iséria material, pois até pobres honrados e di.
gnos se não dispensam de certas manifestações artís­
ticas, conservando, por exemplo, com estimação um crú­
cifixo esculpido, lembrança de antepassados, umas gra­
vuras, um armário antigo e, na falta do melhor instru­
mento de música, um velho acordeão . . . Trata-se mas é
'

de uma miséria moral nascida do abandono de tod;t


a sensibilidade artística, que denota a existência de E;S•

píritos demasiadamente aviltados para se poderem elevar


acima do mais baixo ordinário, ou então, é que estamos
em presença do castigo do vício que corrompe as inte­
ligências e degrada os corações.
Eis por que as almas sadias e puras se deverão esfor­
çar, como necessidade da sua natureza, por fazerem flo­
rescer as artes no seu lar (l) . Tudo o que contribuir pa·
ra tornar o seu lar menos vulgar corresponderá ao de­
sejo intenso, de que elas se sentem possuídas, de tor­
nar a sua vida « idealn e de «sentir entusiasmo)) por
qualquer coisa.

{r) Cf. Futuras Esposas, .págs. 216 e seg.

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Mas deve aqui a mulher casada compreender o pa­
pel importante que lhe compete Ela pode considerar-se
• .

no lar o «Ministro das Belas-ArteSJJ, Sem o seu concur­


so e aprovação, não poderá ali florescer qualquér ele­
gância. Qualquer gosto que o marido tenha das «coisas
belas)) não poderá cultivá-las com oposição da mulher.
Dá-se, por exemplo, o caso de o marido ter comprado,
por algumas moedas, tiradas às suas inocentes extra- ·
vagâncias, uma linda <<antigualhaJJ, uma consola . antiga,
um castiçal, uma estatueta . . . Triunfante, traz o objec•
t,") do antiquário, saboreando de ante-mão o prazer que
vai causar à mulher com tão amoroso e engraçado pre­
sente . . . Mas mal ele desembrulha o pacote, a mulher
manifesta-lhe o seu desagrado, censura-lhe despesas inú­
teis, arma talvez uma cena, e força-o a ir devolver aque­
la « fealdadeJJ ao ferro-velho. Eis porque o marido não
deverá meter-se a ornar o lar contra o parecer da mu­
lher. Não deverá cultivar a música se o «ruído)) exas­
perar os nervos da esposa, como aquele pobre marid;:�
que, tendo sacrificado o seu violino em holocausto à paz
conjugal, aliviava as suas penas lendo partituras que ele
trquteava sàzinho . . . Pôr-se-á ele a cultivar a poesia ou
a pintura, sabendo que estes inocentes passatempos lhe

trazem a guerra a casa? . . . A não ser que ele vá exerci.­


tar o seu «astro de trovadorn em companhia de outras
pessoas mais acolhedoras, com grande perigo da união
familiar.
Para evitar tais infelicidades, a mulher deve com·
preender, ao penetrar na vida conjugal, que, se a arte
tem cabimento no lar, não poderá ter lá esse lugar se­
não' por ela. Correspondendo a arte, pelas suas múlti­
plas formas, àquela sede do belo elevado, que devora
o espírito humano, deve ela esforçar-se por saciar esta
necessidade comum. Proporcionando ao marido alimento
artístico, ela concitará a seu favor o seu reconhecimen-

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79

t<' e a sua afeição, mais talvez do que quando lhe pre�


para o alimento corporal. Ela torna,lhe a vida no lar
cheio de delícias de alta elevação, levantará o nível da
existência, que as necessidadeS de cada dia tem tendên,
c ia para :baixar. Ela dará provas de habilidade e de sa,
gacidade não desprezando o amável concurso que as
« belas,artes'' dão para a paz deleitosa da sua união.

*
• •

Não hesite, pois, a esposa em tesolver,se a favore�


cer, com todas as graças, o reino da arte no seu lar. E
se puder, assuma o papel não somente de admiradora
mas de «crítico de arte»
Tendo a mulher, geralmente, uma grande delica�
deza de gosto junto a uma emotividade superior à do
homem, pode, com uma certa cultura, tor.nar,se ràpida,
mente uma judiciosa apreciadora do belo. No dia em que
ela souber distinguir as razões das suas impressões es,
téticas e justificar o seu veredicto, terá, por isso mesmo,
conquistado junto do marido, o direito de o aconselhar
e até de o guiar na escolha das suas satisfações artísticas.

Com a prática, a jovem casada ficará em breve co,


r.hecendo as vantagens que proporciona ao lar a auto,
ridade preciosa que ela soube granjear para si no do,
mínio da ((crítica)), Um excessivo número de jovens
casadas cometem o erro de declinar toda a competência
em matéria de arte «porque - dizem elas - têm mais

que fazer». Elas não imaginam a importância que assu,


me o critério da esposa neste assunto de prazeres esté,
ticos em casa.
E, antes de mais, o juízo, sempre acatado, da douta
conselheira repelirá com energia toda a expressão ar,
tística que .não respeite a decência, Pode acontecer, com
efeito, que o marido, sem qualquer malícia, não seja

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8o

muito escrupuloso nesta matena. Quando a gente passou


pela caserna ou andou na guerra não é peguilhento por
aí além . . . Mas a mulher, ao contrário, ressente-se, com
a · frescura da sua alma, de toda a ameaça aos bons cos­

tumes, como seria, por exemplo, a exposição de nudis­


mos no quarto. Não será tal exibição . de natureza a es­
candalizar ·e perturbar certas imaginações, e sobretudo,
a escandalizar as crianças? Nunca levará uma mãe dema­
siadamente longe o cuidado da sua vigilância. É caso
para perguntar, às vezes, porque aberração certas donas
de casa permitem, no seu lar, sob pretexto de estética,
verdadeiras solicitações aos pensamentos impuros e aos
desejos maus. Como é que uma casa de jantar de certo
honrado comerciante, católico prático, com os filhos em
colégios católicos e honrando-se de ter clientela ecle­
siástica, pode ostentar um enorme quadro representan­
do u m grupo de náiades saindo do banho, . . . Com um
pouco de decisão não poderia aquela mãe de família
relegar tal <(monstruosidade)) para o subterrâneo ou parJ.
as águas-furtadas?
E não são sõmente a escultura e a pintura que de­
vem sentir no lar o peso de uma censura criteriosa; mas
também as maneiras de vestir, a que a esposa moderará
os excessos, segundo as regras da verdadeira elegância
feminina. Ela recusar-se-á, por exemplo, a vestir as fi­
lhas ao gosto de uma moda que consiste em cortar maa­
gas e rodas de saia até ao limite extremo, pela boa razão
que com isso tanto ficará ofendida a estética como a ver­
gonha, Um marido que se prese de ter gosto do�ra:­
-se-á a tais razões (1),
Coerente con,sigo mesma, a mulher velará ·por que

( 1 ) Cf. o aviso dado às Mães cristãs .por Mons. Quillet,


bi;po de Li1le, em 1 de Dezembro de 1 923 : «As meninas devem
trazer vestidos que passem dos ;oe!hos para bai:ro. . . Mães cris­
tãs, não vistais as "Z:ossas filhas {i maneira pagã!».

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nunca se introduzam na sua apresentação pessoal tais
« fealdades)) ridículas, inventadas por corruptores do pú,
blico, para darem às pessoas honestas o exterior de vul,
gares provocadoras.
O se u papel de «apreciadora arte» levará a mulher
casada a emitr a sua opinião a respeito de «danças», quan,
do, forçada por aborrecidas exigências sociais, se vê obri,
gada a tolerá-las em casa. Certos filósofos contam a «coreo,
grafia» entre as belas-artes. Há, portanto, princípios supe,
riores de beleza a respeitar nas reuniões mundanas. A mu­
lher criteriosa sabe muito bem que a arte verdadeira não
admite a pouca vergonha. Em nome do belo, ela procu ,
rará, pois, de acordo com o marido, correr com esses bai­
laricos modernos e indecentes que são ocasiões próximas
do pecado (1). Como o belo verdadeiro coincide sempre
necessàriamente com o verdadeiro bem, será fácil à mãe
de família sanear as suas reuniões e dar a certas pessoas,
cujo espírito de fé é demasiado nulo para compreender
os motivos sobrenaturais da castidade cristã, esse argu.

mento de estética, ao qual as pessoas mundanas se enver­


gonhariam de se não dobrar (2) •


• *

Não obstante a sua importância, as preocupações :lr­


tísticas não podem ocupar, na vida da mulher casada, se­
não um lugar acessório. E serão, forçosamente, relegados
para o ·último plano, na vida daquelas que, para adqui•
rir ·meios de subsistência, se vêem na necessidade de pôr
em acção os talentos adquiridos.
Certas jovens casadas, de instrução desenvolvida, pro-

{ 1 ) Sobre os motivos de condenar estas danças, ver Futu­


ras Esposas, .págs. 176 e seg.
(2) Ver Futuras Esposas, A Arte no Lar, págs . 216 e seg-.

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curam no magistério a ajuda indispensável à vida quoti.
diana. Umas ensinam a língua pátria, outras, o latim e até
mesmo o grego ; <1l outras dão lição de música e, se dis .
põem de bela voz, ensinarão também o canto. Muitas
destas mestras prestam grandes serviços à família.
Estas funções são, por vezes, lucrativas e alguns jo­
ve�s lares tiram delas grande proveito, Mas o exercício
dessas funções traria vários inconvenientes se os seus exa­
geros não fossem moderados por uma prudência sempre
alerta, A jovem esposa, absorvida pela sua profissão, teria
tendência para desprezar o interior do seu lar, por falta
de tempo livre, e a desdenhar as ocupações caseiras, menos
elevadas - no seu entender - do que as ocupações in•
telectuais. O resultado não se faria esperar : em breve o
marido sentiria dentro de si aquele mesmo sentimento de
indiferença da mulher, pelo lar que ele se tinha proposto
amar. Já aí encontra menos satisfação e vai-a perdendo
sempre ià medida que verifica que a companheira sente
também menos atractivos.
Para obviar a este perigo, só com grande prudência e
tacto deverá a mulher casada. entregar-se a trabalhos Jo
exterior. Se lhe é n ecessário ganhar a vida, faça-o mas sem
sacrificar totalmente a vida no lar. rDe outra forma, não
seria vender por uma ridicularia a posse da felicidade
que nada no mundo pode pagar? Eis porque, em princí­
pio, ela só deverá aceitar trabalhos compatíveis com os
seus deveres de dona de casa. Se quiser dar lições, pro­
curará as que possa dar em casa, de preferência a lições
.a domicílio. Deverá, sobretudo, suspender, sem qualquer

relutiância, as suas funções professorais logo que se apro­


xime a maternidade, pois representaria verdadeira infe­
licidade se, cedendo ao engodo do ganho ou da gloríola
intelectual, a mulher se deixar dominar pela tentação de

{1) O autor refere-se às professoras francesas . . . {N. do T.) .

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recear ser mãe, sob pretexto de. que isso significava o fim
dos seus empregos lucrativos . . .
A maioria das jovens mães não têm dificuldade --'-- de­
vemos reconhecê-lo -:- em abandonar, ou ao menos espa­
çar, as suas ocupações professorais. Mas há, todavia, uma
certa classe d.e casadas que sentiriam grande custo quer em
consentir serem mães quer em restringir a sua actividade
exterior depois do nascimento dos filhos, para poderem·
cuidar deles. São as que, tendo garantidas as suas situações
na medicina ou na advocacia, sentem que a prole é uma
ameaça à sua clientela. Desde logo se vê a difícil situa-.
ção em que ficàm, relativamente aos deveres matrimo­
niais, a mulher advogada, a mulher médica, a mulher ar­
quitecta, a mulher engenheira. Elas foram, antes de tudo
o mais, destinadas por Deus para esposas e mães. Ao casa­

rem, aceitaram volunt:Jàriamente este destino e só perma­


necendo fiéis a esta missão providencial poderão ser ver­
ciadiúramente o «encanto do lar». A jovem «doutora•>,
J jovem ccjurisconsulta», não podem, pois, alegar um pre­

tenso bem ccsocialn para justificar a sua profissão. A Pá­


tria e a Igreja exigem-lhe filhos e filhas, criados e bem
educados. Os serviços que possam prestar à sua clientela
jamais poderão compensar os danos causados à Sociedade
pelo abandono dos lares (1) •


• •

Algumas jovens casadas, coagidas pela necessidade,


mas sem disporem, mercê de «talentos adquiridos», de
recursos intelectuais para exercerem as funções <<liberais»,
entram para os escritórios como empregadas, para os ar­
mazéns cotno caixeiras ou para uma fábrica como operá­
rtas.

( 1) Sobre este ponto, Cf. Futuras Esposas, pág. 75·

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É, evidentemente, adversa a sorte que cabe a tais mu­
lheres e absolutamente desfavorável ao cumprimento dos
seus deveres de donas de casa. É fatal que o interior do
seu lar venha a sofrer com a sua prolongada ausência
quotidiana, que não é geralmente contrabalançada por um
acréscimo de actividade nos momentos em que lá se en­
contra. Como será, na verdade, que uma operária, can­
sada de um dia de trabalho intenso, poderá ter gosto
e prazer para, à noite, cuidar da sua casa? Que mdho­
ramerttos lhe pode introduzir? Que refeições há-de poder
preparar ao marido? Algumas vezes, entrará ela em casa
apenas alguns minutos antes dele, faminta como ele, en­
contrando o fogo apagado na ' lareira, em vez de uma
«sopa» que deveria já estar a fumegar em cima da mesa . . .
Não é , pois, de admirar a verificação de que, excep­
to casos privilegiados (em que, por exemplo, uma avó ou
uma tia garantiriam o serviço da casa), lares em que a
mulher é operária ou empregada, vêm o seu interior sa­
crificado. E se acontece encontrarem-se, por vezes, boas
operárias ou empregadas, que, apesar de arrancadas co;l­
tlnuamente à sua casa, se não queixam da sua sorte, será,
talvez, porque nos seus momentos disponíveis têm ainda
ânimo e gosto para terem a sua · casa em ordem, ou . . . tal­
vez, porque nunca conheceram a ventura de viver em ca­
sa e de gozar as delícias dum lar ajeitado.
Os conselhos a dar a estas esposas deverão variar se­
gundo o peso das razões que as obrigam a procurar no
exterior o pão de cada dia. Motivos mais que discutíveis
levam certas mulheres a empregar-se longe da sua casa,
como aquela recém-casada que, ha:bituada desde a juven­
tude a trabalhar na fá!brica, se aborrecia em casa e aban­
donava-a para voltar à oficina, alegando que «lá era mais
alegre e que lá tinha companhia>>. Escusado será dizer
que o seu lar roçava pelo pardieiro. Aqueloutra quer
ganhar dinheiro para · ter diversões e assim, ao domingo,

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o par queima, no teatro, no cinema, em passeios, as eco­
nomias da semana. Tais maneiras de proceder trazem coa­
sigo trágicos resultados. Esta classe de gente é, geralme!l­
tc, pouco carregada de filhos porque. . . não quer ser
((incomodada», Não economizam nada e, quase sempre,
apesar da sua primeira educação religiosa, não vão à igre­
ja. E contra uma tal maneira de proceder só o que se
pode fazer é protestar. Tais mulheres tinham um dever
imperioso a cumprir: integrarem-se no espírito cristão
que deve inspirar toda a sua vida. Elas veriam, a essa luz
sobrenatural, o erro que é o seu amor desordenado dos
prazeres, a sua esterilidade voluntária, e o seu covarde
egoísmo . . .
Mas, como por certo, não são essas que hão-de ler es­
tas linhas, é preferível abandoná-las à sua sorte, sem pro­
curar dar-lhes as lições que lhes seriam preciosas. Urge,
no entanto, denunciar os falsos princípios por que se
guiam e inspirar o horror de tais máximos às esposas de­
sejosas do bem, que, apesar da necessidade em que se
encontram de trabalhar, têm a legítima ambição de serem
as rainhas dum lar encantador. Essas serão levadas ao es­
critório ou à fábrica, por motivos infelizmente mais do
que legítimos: vêem-se forçadas a manter a casa com a
força do seu braço porque têm o marido doente ou pol·­
que, não sendo especializado, não pode ter emprego su­
ficientemente remunerado, ou ainda porque, tendo-se a
prole tornado numerosa, o ganho de um só .não basta. Pe­
rante estas razões, é forçoso curvarmo-nos. Mas tais di­
ligentes trabalhadeiras carecem que lhes dêmos conse­
lhos preciosos. Em primeiro lugar, lembrar-lhes-emos os
princípios sobrenaturais que regem toda a vida cristã. Só
o amor de Deus e o religioso culto do dever, podem,

com efeito, dar a uma natureza humana a coragem su­


ficiente para cumprir uma tarefa duplicada e bastar, por
assim dizer, a duas existências: a de operária e a da dona
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de casa. Felizmente que se vêem mães de família a quem


nada faz desanimar por<J.ue haurem na fé a sua indomável
energia. Regressadas da oficina, começam um novo dia
de trabalho <J.Ue só alta noite .findará. A cozinha, o con­
serto da roupa, o arranjo da casa, nada disso lhes desagra­
da. O interior do seu lar, :brilha, a sua mesa está sempre
bem posta embora com simplicidade, os filhos têm ·bom
aspecto, a alegria dilata as faces de todos. Era assim a
humilde morada duma pobre operária <J.Ue, não obstante
o seu penoso trabalho, dispendido num ((barco-lavadou­
ro» (ll foi distinguida com um prémio instituído pela
municipalidade para as casas pobres mais bem arranjadas.
As mulheres desta têmpera são, felizmente, ainda nume­
rosas nos meios imbuídos de sentimentos cristãos.
� para desejar que tais mães, condenadas a ((traba­
lhos forçados», encontrem na caridade cristã auxílio eficaz.
Aquela boa mulher de que acima se -falava era auxilia­
da, material e moralmente, pela Conferência de S. Vi­
cente de Paulo. Tinha também a ajuda dum «Abrigo dos
PequeninoSJJ que lhe cuidava dos filhos. Um ((jardim de
Infância» paroquial recolhia-os . depois até que, estando na
idade requerida, pudessem frequentar a escola dos Irmãos
ou das Religiosas. Quando a filha mais velha chegou à
idade conveniente, aprendeu a ocupar-se nos cuidados
da casa, a olhar pelos pequenos, a preparar a comida.
Em breve, acompanhando a mãe no «barco-lavadouro»,
ganhou alguns ceitís para auxiliar os seus irmãos a ini·
ciarem a sua aprendizagem. V m dia, a digna e laiboriosa
mulher, podendo contar com o ganho dos seus filhos,
tomou-se-lhe possível ficar em casa e consagrar-se in·
teiramente ao seu lar cuja :boa ordem e limpeza jamais

(1) Em Paris, há, no rio Sena, umas lanch2s nas quais


as lavadeiras lavam a roupa. Os parisienses chamam-lhes <tbd·
;e;;.ux à laven> que traduzimos por «·barco-lavadouro·> .(N. do T.)
.

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haviam conhecido falhas. Era uma aposentação >bem me,
recicla. Nessa altura, essa admirável mãe de família agra­
deceu, profundamente reconhecida, aos membros da Con­
ferência de S. Vicente de Paulo e pediu-lhes que suprimis,
sem o auxílio que lhe vinham dando para destiná-lo a
outros mais pobres do que ela. 'Pois não era ela agora
«rica>> pondo os seus filhos ao abrigo da necessidade?
Era assim que devia terminar o «trabalho exterior»
a que certas mulheres casadas se vêem obrigadas: por
um regresso definitivo a casa, logo que possível, logo
que a Divina Providência o permitisse. Todas as manhãs,
ao deixar a casa, a mulher trabalhadeira mas consciencio­
sa deve sentir um verdadeiro pesar e alimentar uma es­
perança : pesar de deixar aquelas telhas de onde a neces­
sidade a desterra durante longas horas; esperança de lá
permanecer logo que possa, para consagrar-lhe todas a s
forças e todo o seu tempo. Essa sabe, com efeito, que o
seu lugar é no lar, como o do comandante do navio é n a
ponte do barco.

*
• *

Além destas operárias da oficina ou de escritório, há


uma outra classe laboriosa mas essa privilegiada e fàcil­
mente feliz: é a classe das casadas que põem em acção
os seus talentos, sem sair de casa, ajudando o marido nas
suas empresas ou fazendo pequenos negócios em casa
enquanto o marido trabalha fora.
:e, por certo, invejável a sorte destas casadas desde
que saibam organizar a sua vida. Não obstante as suas
obrigações, podem elas dispor do mais precioso de todos
os bens que é o da independência. Dispõem da facilida­
de de estabelecer as suas horas de assistência no escritório
do marido, ou no seu armazém, segundo as necessidades
familiares, os cuidados a prodigalizar aos filhos e o cui-

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dado com as refeições. O não terem de sair de casa, per,


m ite,lhes observar a todo o momento, tudo o que se pas,
sa em casa, vigiar os exercícios escolares dos filhos, diri,

gir. a cozinha, evitar a desordem, impedir o desperdício .


.E se a sua tarefa for demasiada para uma só pessoa, têm
ainda a possibilidade de prover-se de uma auxiliar, como
aquela honrada mãe de família que podia administrar a sua
mercearia graças a uma 'boa rapariga que tinha como cria,
da e que, podia com facilidade passar da cozinha ao bal,
cão para ajudar, quando n ecessário fosse, a patroa.
Uma casa organizada desra maneira não é susceptí,
vel de vir a ser prejudicada com o trabalho da mulh�r.
Os lucros, geralmente abundantes, que o negócio pro­
dl!z contribuem eficazmente para a educação dos filhos,
evitando assim que os pais rec�iem uma prole numerosa.
As necessidades da numerosa prole que começa a dese.l,
volver,se incitam a alargar o comércio e a melhorá-lo. E
nessas ocasiões aparecem, geralmente, rapazes ou rapari,
gas, que outra coisa não desejam senão colaborar na em,
presa e concorrer para ela com a sua quota parte de in­
teligência e dedicação. Tem-se ·visto muitas posições co­
merciais, iniciadas com pequenas iniciativas de pais tra­
balhadores, tomarem um desenvolvimento espantoso sob
o impulso jovem dos filhos. Deus abençoa de modo par',
ticular o trabalho realizado em família.
Mas, tanto nisso como noutras coisas, a dona de casa
deve acautelar-se de não se deixar influenciar por exage,
ros que seriam prejudiciais ao bem comum. Apesar de vi­
ver em casa, pode, se se deixar dominar pelo engodo do
lucro, correr o risco de desprezar os cuidados do lar. Nes,
se caso, faltaria .à sua missão e prepararia a infelicidade

dos seus. O que o marido procura na mulher não é tanto


uma sócia comercial como uma companheira, uma confi­
dente Íntima, uma mãe que cuide dos filhos. Ele ficaria
tristemente desiludido se a mulher, invertendo a ordem

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natural das coisas, se julgasse «vendedeira, caixeira, con­
tabilista ou gerente» em lugar de dona de casa. Não obs­
tante o seu desafogo ou mesmo riqueza, o marido sen­
tiria que vive à margem da verdadeira felicidade, e, pen:t­
lizado de não ter encontrado na sua mulher aquela que
ele sempre desejara unir :à sua alma - que não à sua cai­
xa ! - inveja_rá a sorte de amigos, talvez menos abasta­
dos, mas que conseguiram o seu ideal, encontrando uma
mulher capaz de compreender a sua vocação: tudo esque­
cer para se consagrar ao seu lar.

*
* *

Se se pode considerar privilegiada a mulher «comer­


ciante», que não havemos de dizer da mulher do campo?
Bastantes raparigas instruidas e distintas casam hoje
com agricultores. Seus maridos, instruidos e bem educa­
dos, não desdenham conduzir a charrua, a roçadeira ou a
ceifadeira.
Desejam, com isso, demonstrar aos cultivadores que
o rodeiam e que sofrem da terrível tentação de desertar
da aldeia, a nobreza do trabalho dos campos e a sua fe­
cundidade. A terra-mãe é, na verdade, pródiga de bens
para quem a revolve com sa'ber e inteligência.
Enquanto o marido se entrega ao seu penoso traba­
lho, a mulher põe em acção os seus talentos de dona da
quinta. Cuida dos galinheiros e vela pela boa ordem da
casa. Assim era aquela mulher que escrevia estas linhas
cheias de simplicidade encantadora: «0 meu marido :m­
da, neste momento, às voltas com os regos, com aqueles
regos que abriram os seus antepassados, pois a terra que
cultivamos pertenceu aos nossos maiores desde há dois
séculos. A nossa situação material poderia dispensar-nos
de trabalhar, limitando-nos apenas a velar pelas proprie­
dades. Mas, nestes tempos em que tanto se fala do re-

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go

gresso à terra, devemos dar o exemplo. � por isso que .;,


meu marido trabalha na terra com os criados de lavoura
e eu vou dirigindo as minhas criadas em casa. Tenho a
meu cargo as cortes e a capoeira e tenho ainda o cuidado
ele alimentar o pessoal com uma comida sadia e agradá­
vel. Tudo caminha bem, sob a protecção do Sagrado Co­
ração, que entronizámos, como Mestre e Amigo, ·no nosso
lanJ,
Ao ler estas linhas, vêm-nos imediatamente à me­
mória aquelas palavras do poeta Virgílio: «Üs campone-
_ses seriam extremamente felizes se soubessem apreciar os
seus bens)) (l) . Será possível havet situações de casada
superiores à de uma mulher que vive no campo e cola­
bora com o seu marido nos trabalhos agrícolas?
Neles encontra ela, em primeiro lugar, a saúde do
corpo, ao mésmo tempo que a abundância dos bens
materiais: ar puro, exercício sadio, alimentação excelente.
Mas encontra, sobretudo, a saiÚde moral. Está ao abrigo
dos prazeres malsãos, dos teatros e dos cinemas, das reu­
n iões mundanas, dos ócios perigosos, das frequentações
duvidosas ; o ruído da cidade fica lá tão longe que ela o
não ouve ; e ·quando vai à capital do distrito, como que
lhe falta o ar naquelas ruas e precisa de regressar quanto
antes à sua terra onde não é atenazada pela etiqueta e
onde goza de verdadeira liberdade.
Quando as citadinas são arrastadas, todos os domin­
gos, para mil divertimentos que as desviam do serviço de
Deus, a grande atracção da rural é a igreja. Ali, no seu
:banco do costume, que pertence à família há já várias ge­
rações, ela dá exemplo de piedade cristã. Toma parte ac­
tiva na acção paroquial, apoiando as obras católicas com
a sua influência e fazendo-se colaboradora dedicada do
pároco.

( 1 ) Viq;flio, Georgicas, II, 458-459·

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Como não haveria ela d e adquirir, e m ambiente tão


favorável à sua alma, as virtudes e os talentos que dela
fazem ((0 encanto do lar))? Ela será o apoio e a alegria do
marido; e quando os filhos vierem, terá toda a facilidade
em os criar. Ela terá a possibilidade de deles se ocupar,
visto que o seu género de ocupações a não obriga a sair
de casa; poderá tirar o tempo necessário para lhes ensi­
nar o catecismo, vigiar os seus exercícios escolares e não
permitir, nos dias feriados, a ociosidade que extravia tan­
tas almas. Pois não é verdade que na quinta há semp�e
trabalho para todos, pequenos e grandes? Mas esta inte­
ligente e laboriosa mãe saberá inculcar à sua prole o amor
pela sua situação e pela vida do campo, fazendo-lhes
compreender que quem deserta dos campos não faz senão
deixar mais largueza aos que ficam. . . E desta maneira
terá exercido u m fecundo apostolado, posto a salvo a
virtude dos seus filhos, convencendo-os de que as famí­
lias rurais são as que gozam de melhor quinhão sobre a
terra.

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CAPíTULO QUARTO

AS VIRTUDES DA MULHER CASADA

Para ser verdadeiramente ((0 encanto do seu lar)), a


mulher casada deve j untar às qualidades naturais e aos
talentos adquiridos a prática das virtudes cristãs.
Sem elas, não reinaria, a paz no interior doméstico.
Que razões, com efeito, seriam capazes de impor, de ma­
neira constante e inalterável, a uma mulher, o culto do
bem, que não fossem inspiradas num motivo sobrenatu ­
ral?
Ela poderia, é certo , manter-se fiel ao dever, durante
algum tempo, por esses ((impulsos humanos)) que se cha­
mam o sentimento da honra, o receio do ((que se dirá?)),
o terror de causar desgosto ao marido e, sobretudo, o
amor, que os mundanos consideram uma força invencí­
vel. capaz por si só, de arrastar aos maiores heroismos
conJugats.
Por certo que os motivos naturais não são de despt·e­
zar! Numa certa medida, convém recear a opinião pú­
blica, adquirir boa reputação e haurir no amor nobres it:n­
pulsos para o bem. Mas que fracas barreiras tais razões de
interesse opõem às tendências viciosas ! Quantos e quan­
tas, não desprezam a censura do mundo para satisfaze­
rem uma paixão ! . . . Quantos maridos e mulheres que se
tinham reciprocamente jurado fidelidade se não amarga­
raram um ao outro ! . . . Quantos apaixonados não tem dei ­
xado de se amar ! . . . pois, o amor, essa divindade adorada
por tantos pagãos modernos, é invencível enquanto dut·a,
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mas, como qualquer outro sentimento, não têm em si ga­


rantias de perenidade . . . E se, desprezando as virtudes que
lhe devem servir de alicerce, ele se apoia apenas «na
carne e no sangue>> está condenado a uma rápida deca­
dência.
Por isso, que lamentável espectáculo, n os oferece ho­
jl" o mundo «<aicizado» ! Todos aqueles que se unem ape­
nas em nome da lei e diante do funcionário do registo
civil, ou mesmo os que, movidos por um resto de tradi­
ção cristã, vão ao pé do altar apenas para cumprir uma
formalidade vazia de sentido, numa palavra: todos os
cônjuges que, sem nenhum respeito por Deus, perdem de
vista os motivos sobrenaturais da sua união, fornecem nu­
merosos elementos !à legião dos divorciados ou à legião
ainda mais n umerosa dos que, sem se «descasarem» oficial­
mente, mantêm, � margem do seu lar, uniões pecami­
nosas.
Pode afoitamente estabelecer-se este princípio: «Ma­
trimónio sem virtude, lar sem segurança». A rapariga qu'!,
actualmente, case com um destes jovens « laicistas», tão
em voga hoje em dia, corre grave risco de deparar com
sérias decepções no decorrer da sua vida comum. Por seu
turno, um homem que escolhe uma «modernizante» edu­
cada sem quaisquer preocupações cristãs e privada de qual­
quer contacto com o sobrenatural, coloca-se numa situa­
ção não menos lamentável. Em nome de que princípios
racionais poderia uma jovem casada, cujo ideal é apenas
o gozo imediato e sem limitação, rejeitar aquele que lho

promete cada vez mais?


Eis por que, num trabalho destinado a instruir a jo­
vem casada sobre os segredos que poderão fazer dela «O
encanto do lar» se deve de modo especial chamar a sua
atenção para o capítulo das «Virtudes da mulher casada».
Será na medida em que se inspirar nos motivos sobrena­
turais, ditados pela Religão e pelo amor de Deus, que a

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mulher cristã exercerá sobre o coração do marido um:1


autoridade indiscutível, conseguirá incutir-lhe uma pe< ·
feita segurança e proporcionará ao seu lar aquela severi­
dade, único ambiente em que as almas podem saborear
as delícias da paz.


* *

Em qualquer estado de vida cristã há uma virtude­


-mestra que reclama o concurso das outras e cujo exercí­
cio confere à alma que a pratica um ((mérito especial'·' ·
f absolutamente compreensível que; numa Religiosa Car­
melita, por exemplo, todas as virtudes se concentrem à
volta do espírito de oração, que num missionário este­
jam ao serviço do zelo; um juiz brilhará pela justiça ; u m
governante pela sua grande prudência . . . !Para a casada,
toda a glória lhe vem da sua fidelidade conjugal.
O estado santo do matrimónio repousa, com efeito,
sobre o respeito inviolável do contracto feito ao pé do
altar. Eis uma verdade que outrora não havia necessida­
de de lembrar. por demasiado evidente, mas sobre que
temos de insistir no nosso paganizado século que elevou
o divórcio à categoria de instituição social.
Temos, pois, de recordar aos jovens-casados as ra­
zões que lhes impõem a rigorosa e perpétua fidelidade
ao lar que escolheram. As suas convicções sobre este pon­
to nunca serão por demais nítidas e fortes. Tornaram-se
indispensáveis aos cônjuges modernos sentimentos pro·
funáamente gravados na alma para poderem resistir
eficazmente aos assaltos incessantes que constantemente
recebem da literatura em voga, do teatro, dos jornais, das
conversas mundanas e, sobretudo, da legislação ímpia que
nos governa (1) .

{ r ) O autor alude à legislação francesa (N. do T.).

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Digam o que disserem os adeptos do divórcio, o ma­


trimónio cristão permanece uno e indissolúvel Quer di­
..

zer que um cônjuge só pc:ide ter um único cônjuge ao


qual fica irrevoglàvelmente ligado. E isto já o sabia a jo­
vem casada. Ela já sahia que aquele usim)) solene e deci­
sivo, por ela proferido no dia do casamento, criava entre
ela e o marido um vínculo que só a morte poderia des­
truir.
As primeiras instruções por ela recebidas sobre este
grave assunto remontam ao tempo da sua primeira Co­
munhão. Mas, nesse tempo, estava ela muito longe de
entrever o alcance prático que esta ulei da indissolubili­
dade» assumiria para ela. Daí para cá, teve ela ocasião de
meditar longamente sobre este assunto. Mas, sobretudo,
nas vésperas do noivado, naqueles momentos especial­
mente graves em que foi preciso decidir da escolha. acei­
tar ou recusar o pedido de casamento, ela amadurou, no
íntimo de si própria, as suas convicções a respeito ria
grande questão do vínculo matrimonial.
Folheando, por ventura, os seus apontamentos de
instrução religiosa, teve ela ocasião de reler que Nosso
Senhor tinha expressamente retirado aos judeus a facul­
dade, por Deus concedida na Antiga Lei uem razão de
dureza dos seus corações», de repudiar as esposas (1). Ve­
rifica que :Jesus Cristo restabeleceu na sua Igreja a família
sobre as suas verdadeiras bases que são a união e a in­
dissolubilidade, enunciando este princípio irreformável:
uO homem jamais poderá separar aquilo que Deus uniu»
(2),
Prosseguindo o seu estudo, a futura casada leu, após
esta declaração de Cristo, o comentário que dela nos dá
S. Paulo: «Aqueles que estão unidos pelo matrimónio

(1) Math. XIX, 8.


(2) Math. XIX, 6.

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gfi

ordeno ou, melhor, não eu mas o Senhor, que a mulher


se não separe do marido e, separando,se, não case com
outro, ou então procure reconciliar,se. Do seu lado, o
marido não tem direito de repudiar a mulher!> <1).
Estas palavras, cujo sentido não compreendia ou­
trora, deparam,se,lhe, nas vésperas do casamento, prenhes
de consequências para ela. Nelas reflectiu longamente e
quando, por vezes, no decurso dos seus anos risonhos, o
seu rosto se entristecia ao falarem,l:he em algum rapaz,
era talvez porque lhe acudia repentinamente à mente o
pensamento do vínculo indestrutível.
Assim prevenida, foi com o firme desígnio de per•
tencer ao seu marido, e só a ele para sempre, que ela
consentiu em casar. Abrindo, para o futuro,, o seu cora·
ção ao amor do seu marido, fechou,o para outra qualquer
afeição humana. Mas importa saber a custo de que aten·
tas precauções ela conseguirá manter fechado o jardim
do seu coração. Por pouco que ela se descuide, solicita­
ções de toda a espécie não deixarão de a v.,ir provocar. Ora
ela não tem direito de lhes dar ouvidos. Pois não leu ela
no Evangelho aquela terrível palavra de Nosso Senhor:
" Todo aquele que lançar sobre uma mulher casada um
olhar de mau desejo já cometeu adultério no seu cora ..
ção» '<2)? E ela conclui que a inversa é tamtbém verdadei­
ra: «a mulher casada que olhe para um homem com mau

desejo deliberado já cometeu adultério no seu coração».


Por isso ,- repetimos - de que vigilante atenção não
deverá ela rodear os seus sentidos, que são os caminhos
de acesso aos seus pensamentos e vontades!


• •

.( 1 ) I Cor., VIl, xo.


(2) Math. V, 26.

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97

A jovem casada entrevê, perfeitamente aliás, ;ts con­


sequências fatais que lhe adviriam de qualquer melindre
ocasionado a esta virtude da· fidelidade conjugal. As con­
versas íntimas, em que a sua mãe lhe dava lições de pru­
dência para o futuro, acodem-lhe à memória, nestes mo­
mentos presentes em que a felicidade do lar depende, na
sua maior parte, dos «encantoS>> que ela lá souber difun­
dir. � seu desejo ter uma família bem orientada, filhos
piedosos e bem educados, uma <:oncórdia perfeita com o
marido? Pois todos estes benefícios serão garantidos com
segurança se ela desempenhar com perfeição a sua missão
de esposa . . . Mas se, ao contrário, ela revelar negligência .
nessa matéria, dando, por exemplo, a peceber o aborre­
cimento ou fastio da sua situação, deixando sobretudo per­
ceber ao marido que suspira por «OUtra coisa», não será
isso abrir, com atitude insensata, a porta por onde ele se
sentiria convidado a evadir-se? . . . Seria isso o fim da fe­
licidade e o começo de aventuras cujo desfecho final po­
deria resultar numa autêntica tragédia.
As sinistras perspectivas que se apresentam ao espí­
rito de toda a mulher séria que sabe reflectir na infelici­
dade dos casais sem virtude, são de molde a inspirar-lhes
horror pelas infracções à fidelidade conjugal. A visão des­
se inferno terrestre que é um lar «atraiçoado» tiram-lhe o
apetite de ceder à miragem de solicitações proibidas. E.
ao contrário, o conhecimento das alegrias tão suaves que
embalsamam o íntimo dos lares unidos, entusiasma o co­
ração de toda a jovem casada que quer realizar o seu
ideal de vida feliz. Compreende-se, daí, o ardor inven­
cível com que as almas puras e bem intencionadas se apli­
cam à prática da fidelidade que Deus estabeleceu como
condição essencial do matrimónio cristão. Por isso, de
quantas resoluções �<para sempre» não foi apoiado aquele
"sim» pronunciado, não sem comoção, ao pé do ministro
sagrado! Todo aquele que pusesse em dúvida a sua pe;·,

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severança, infligiria grav� injúria à jovem consorciada.
Ein que· conta a teriam se a julgassem capaz de infringir,
no mínimo que fosse; os seus solenes compromissos?!

*
* *

Como será possível, no entanto, não duvidar da sin­


ceridade de certas recém-casadas, ao vermos as atitudes
que elas tomam logo após o casamento? .Pois não encon­
tramos nós, ao lado de mulheres sérias que se dedicam
exclusivamente ao íntimo do seu lar, outras que, atraídas
pelo prazer como a borboleta pela luz, se arriscam a quei­
mar as asas? A quantos perigos não expõem tais esposas
a sua fidelidade conjugal? Não faltam às reuniões e pro­

curam dar na . vista. Enquanto o marido anda a braços


com os negócios, certas casadas, que podem dispor de
tempo, volitam de casa em casa, onde· se vêem rodeadas
de um círculo de entusiásticos admiradores que é afinal,
sempre o mesmo. As suas conversas fúteis não deixam a
impressão de que elas tinham compreendido suficiente­
mente o seu papel de mulheres casadas e de mães. Faça­
mos-lhes a justiça de as julgarmos incapazes de dizer in­
.conveniências . . . Mas, mesmo no caso de se absterem de
palavras provocadoras, não o são elas já pela simples ma­
neira como se apresentam? Nunca se proclamará com de­
masiada insistência que os «despidos)) modernos têm por
fim provocar irresistíveis tentações nas imaginações mas­
culinas . . .
Alegar-se-á, talvez, ·que «a mulher que frequenta
o mundo não vê tão ao longe . . . que o frequenta com

ingenuidade . . . que a própria inocência de que vai ani­


mada lhe permitirá atravessar todos esses perigos sem
sequer dar por eles . . . )) Tal reflexão tem de verdade ape­
nas isto: que muitas mulheres modernas, no estonteamen­
- to e na indecência do seu vestuário, têm a inconsciência

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99

de imaginar os outros tão ingénuos como elas. Mas de­


senganem-se as pobres iludidas! . . . A sua candura, que
não é o dote dos que a lisonjeiam, será presa deles dentro
de pouco. A sua vaidade, loucamente adulada, poderia
pregar-lhes aquela partida de que foi vítima a mãe Eva,
no dia em que, inchada de orgulho, julgou que poderia
« tornar-se semelhante a Deus)) (1) .
Muito diferente é a conduta da mulher cristã, seria­
mente convencida de que «a fidelidade conjugal é digna
dos maiores sacrifícios». Essa procut'ará evitar tudo o que
seja capaz de, sem diminuição do afecto devido ao marido,
criar uma ameaça de sedução exterior. Eis porque só apre•
ciará do mundo o que dele se vir obrigada a utilizar e, se
o tiver de frequentar, não será sem a companhia do mari­
do, salvo raríssimas excepções. Ela terá particular cuidado
e sentirá aversão a certos lisonjeadores que «têm mel nos
;b eiços» (2) mas cujos desígnios são amargos como o a:bsin­
to)) (3J. E ela está exposta a encontrar destes intriguistas
por toda--a parte. Não é só nas festas e nos bailes que eles
aparecem ; as mais vulgares circunstâncias da vida pro-.,ro­
cam a presença desses indivíduos cujo pensamento e cora­
ção nem sempre estão animados de rectas intenções. En­
contrá-los-á tanto entre os amigos do seu marido como en­
tre os homens de negócios que ele traz a casa para discutir
questões de interesses. !Poderá encontrá-los até - o caso
tem-se verificado algumas vezes, infelizmente! - entre
aqueles a quem ela podia legitimamente dar a sua con­
fiança, pois tinham missão de cuidar dela ou de gerir os
seus bens . . .
� preciso, pois, que a jovem casada se mantenha

{r) Gen. IH, 5·


{2) Prov V. 3•
..

(3) lbid. 4·

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1 00

constantemente alerta.. se quiser preservar «mesmo de


simples aparência de mal» Ul a sua fidelidade conjugal.
O seu princípio de conduta deve ser este: «Nunca
suspeitar de ninguém, recear de todos». Deverá, pois,
manter-se circunspecta, j unto daqueles com quem está
relacionada, não deixando a conversa derivar para assun­
tos íntimos ou sentimentais. Afável com correcção, nunca
afectuosa nem confiando e ainda menos abandonando-se,
a mulher casada reservará todos os seus desabafos só
para aquele a quem pertence o seu coração, pois «OS es­
tranhos não têm direito de ter quinhão na sua felicida­
de» (2). Revelará ao marido todos os- seus pensamentos.
Para ele não terá segredos. Deverá mesmo contar-lhe as
conversas que teve com este ou aquele, pois não seria
capaz de admitir excepções àquela regra de bom-senso
q ue lhe impõe o dever de «nunca dizer a outrem o que
ela não seria capaz de referir ao marido».
Esta atitude nobre e cristã será sublinhadâ pela apre­
sentação cheia de :bom gosto e decência da mulher. Con­
vencida da máxima: «agradar não é provocar>>, evitará,
na sua maneira de vestir, tudo. o que possa atrair olhare!>
indiscretos. Se ela tiver compreendido que o vestuário
é «a muralha da castidade» (2), nada desprezará para ser
irrepreensível na sua maneira de apresentar-se. Da sua
beleza não deve deixar aparecer senão o necessário para
que o marido se sinta honrado na sociedade. Esse dom
não tem ela o direito de o dilapidar. Deverá reservá-lo
para aquela intimidade do lar em que os encantos nun­
ca serão por demais brilhantes, para que, segu.ndo o
poético conselho da Escritura, «O marido viva na ven-

(r) Th ess V, 22.


.

(r) Prov. V, 17.


(2) Cf. Futu·ras Esposas, o vestuário, muralha da castidade.
págs. 1 43, e seg.

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101

tura d a mulher que escolheu como uma corça muito es­


timada ou como um ganso muito apreciado (l) •

..
* *

Não são os lisonjeadores das intenções perversas


os únicos que armam ciladas à virtude da mulher casada.
Há temíveis conselheiros, tanto mais temíveis quanto é
certo que se podem consultar em segredo: os livros. Se
ela não tiver cuidado com a sua selecção, dentro de pou•
co ter-lhe-ão arrancado toda a estima pelo vínculo ma­
trimonial.
O romance moderno apostou-se em urdir uma con­
jura contra a fidelidade conjugal. Ao ser votada pelos ini­
migos da Igreja, a lei do divórcio era impopular porque
ia de encontro à tradição cristã, . já idosa de dezanove sé­
culos. Era preciso procurar meio de tomar esse novo
«direito» aceite pela opinião pública como o tinha sido
pelas Assembleias legislativas. Então, semelhantes a gaivo­
tas e abutres, caiu sobre o país uma chuva de produções
literárias unicamente consagradas a fazer a apologia da
((liberdade de se descasar» . E desde então, a invasão des-'
ses <<corvos» jamais acabou. Sob a forma de folhetins,
de brochuras baratas, e, para a clientela mais rica -
-

de fascículos ilustrados, livros de luxo «COm tiragem nu­


merada em papel Japão», fez-se ouvir por toda a parte
ü grito do «An imal a que foi dada uma boca orgulhosa

para proferir blasfémias. . . e declarar guerra aos san­


tos» (Z). E esse grito penetra na mulher do operário co•
mo na mundana elegante. A mulher casada honesta
e cristã a custo dela se resguarda.
E que é essa sinistra canção, que uma voz, men•

{r) Prov. V, r8-rg.


(2.) Apoc. XIII , 5 e 7·

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1 02

sageira de infelicidade, vem repetir a todos os lares da


França, em apoio de leis corruptoras? Os ritmos são va­
riados mas o estribilho é sempre o mesmo: «felicidade
fora da prisão conjugal, as cadeias do casamento são insu­
portáveis». Os personagens que em tais perniciosos ro­
mances vivem em união livre saboreiam - a acreditar no
que dizem esses mentirosos - uma alegria sem remor­
sos . . . Terminarão eles por regularizar a sua situação com
um matrimónio legítimo? Esbarrarão com as mais terrí­
veis dificuldades, a que o divórcio fornecerá pronto e
decisivo remédio.
A jovem casada que ouve esses palradores sabe :bem
que eles iludem. Ela sabe que a indissolubilidade da união
conjugal é uma condição indispensável à felicidade do
lar, à sua segurança, ao ·bom entendimento dos cônju­
ges, ao nascimento dos filhos, à sua educação. As suas
propensões, os seus desejos, o seu amor pelo marido, pro­
testam energicamente contra esses pregadores de fals::ts
doutrinas. E apesar disso, ela lê . . . desculpando-se o me­
lhor que pode. . . Está convencida de que «essas pági-
r.as a não impressionam . . . que sabe o que convém tomar
e o que convém deixar . . . que precisa de informar•se . . . ))
Supondo que estes pretextos tenham valido parJ.
um primeiro romance, a experiência demonstrou am­
plamente a sua inanidade e, sob a influência dissolvente
da leitura, as convicções desfizeram-se no funào da alma.
Ela permanece, é certo, ainda dedicada ao lar, por há­
bito, por respeito 'humano, por afeição para com o ma­
rido e os filhos, por avers�o às bruscas mudanças de
situação, mas sem se ter por obrigada a · isso por causas
superiores. E se, de modo geral, ela permanece fiel cede
facto» , julga-se ((de direito» isenta desse dever. E tal
estado de espírito é, entre as pessoas chamadas ccbem
pensantes», mais frequente do que se julga, na nossa
sociedade hodierna. Ao lado daquela jovem casada que

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1 03

declarava, com um sorriso céptico, que <<era melhor não


pensar nesses assuntos)), outras proclamam desavergo,
r.hadamente os seus direitos ao divórcio, como aquela ca..;.
sada que, ao sair de um sermão sobre o casamento, ale,
gava que ((perante as necessidades actuais da vida, os
argumentos que acabara de ouvir tinham perdido o
seu valor)) .
A esposa cristã, desejosa de praticar com perfeição
a virtude da fidelidade, compreende bem qual deve
ser a sua conduta. :Por isso se imporá a si própria o sa ...
crifício total da literatura dissolvente. E, para que vozes
enganadoras não venham soar aos ouvidos do marido.
ela proibirá a entrada no seu lar a todo o pregador de.
ideias subversivas. Nenhum jornal com folhetim sus,
peito penetrará em sua casa. Toda a brochura imoral.
por mais artística que seja, será impiedosamente lançada
ao fogo. Que bela chama não projectarão estes maldi,
tos papéis sob a acção do fogo, iluminando o lar com
o seu clarão quente e alegre! Desta maneira, a jovem

consorciada, firme e vigilante, terá posto a salvo a sua


felicidade. Sem qualquer custo encontrará ela, em profu,
sa quantidade, nas livrarias católicas, livros sãos, extre,
mamente interessantes, capazes de fornecer à sua alma e
à do seu marido o alimento espiritual, de nutrir,lhes
a alma e o coração. Jamais se arrependerá ela dos seus

esforços quando, da janela do seu lar, construído sob o


rochedo da indissolubilidade, vir correr para os tribunais
os requerentes do divórcio, ou avistar, em horas escuras,
maridos infiéis esgueirando,se na rua, para irem gozar.
longe de casa, da sua perversa <<liberdade».

*
* *

As guardas exteriores da fidelidade conjugal são,


como acabamos de dizer, a fuga dos tentadores, quer

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1 04

sejam de carne e osso ou somente de papel. Mas a esta


virtude, glória do lar, é necessária ainda uma protecção
íntima e poderosa que deverá ser o que S. Francisco
de Sales chama «honestidade do leito nupciah> ( ll .
O matrimónio foi instituído, antes de mais, pal'a
garantir a perpetuidade da raça graças .à procriação da
prole, Mas tem, em seguida, outro fim secundário: «pro­
teger a virtude dos esposos)), permitindo-lhes satisfazer
legitimamente as tendências afectuosas da natureza. A
delicada virtude da <<Castidade conj ugal», ao mesmo tem­
po que mantém os cônjuges dentro do dever imposto
por Deus, protegerá a sua fidelidade, poupando-os à ten­
tação de procurar fora do lar prazeres proibidos.
Antes de entrar no casamento, a noiva foi decer­
to prudentemente instruída por sua mãe a r�speito
das graves obrigações impostas pela bela virtude da
«honestidade nupciah> . E por certo que ela não esque­
ceu os preciosos ensinamentos que lhe ditavam com
precisão o seu dever (2).
Se ela sabe muito bem que Deus dotou providen­
cialmente cada um dos nossos actos com satisfações pro­
porcionadas à sua importância e alcance para que seja­
mos incitados a exercer as funções necessárias à existên­
cia, que certamente não exerceríamos se elas não tives­
sem para nós qualquer atractivo. Assim,. se o comer causa
tanto deleite, é porque ele é indispensável à vida do in­
divíduo que come. Se as tendências para a geração são
ainda mais fortes, é porque elas têm por m issão assegu-

{ 1 ) Introd. à Vida Devota, 3 · " Parte, Cap. XXX·IX. Es: !


<apitulo suprimido opela maioria dos editor<'s que <•se .propõem"
corrigir o Santo Doutor, encontra-se na edição crítica das Obns
-Completas do Mosteiro de Annecy, ou na edição popular Nel­
�on, 6 1 , Rue des S. S • .Peres, Paris .
(2) Futuras esposas, 3 · a Parte, Cap. 11. Iniciação matrimo­
nial.

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1 05

rar a sobrevivência não só do indivíduo mas também da


espécie.
O prazer justifica-se, pois, pelo fim honesto e bom
que o legitima. Mas logo que seja desligado do fim lou­
vável que serve, fica privado da sua nobreza. Procurado
em si mesmo, degenera em gozo degradante: o prazer
de comer e de beber torna-se gula, glutoneria, embria­
guez . . . e os instintos da procriação passam a ser devassi­
dão e libertinagem.
Destes princípios resulta uma conclusão evidente:
Sendo o fim primário do casamento a sobrevivência da
humanidade, o dever conjugal só pode ser praticado
«dentro da ordem estabelecida por Deus com vista a dar
nascimento a uma descendência». Os cônjuges têm o di­
reito no acto procriador, e na sua preparação, de desejar
e sentir o prazer mas com a condição expressa de que
a sensação do gozo não será nunca separada da prosse­
cução dos fins honestos do casamento e «terminará pela
obediência completa às leis que Deus estabeleceu para
presidir à geração)).
Por conseguinte, toda a tentativa de qualquer dos
esposos, ou dos dois simultâneamente, para frustrar a
fecundidade do acto gerador constituirá um pecado grave.
Violariam gravemente a ordem estabelecida por Deus e
atentariam contra os direitos da família e da sociedade.
Esforçando-se por monopolizar, em proveito próprio, o
gozo sem lhe assumir os encargos, querendo usufruir o
prazer sem lhe aceitar as obrigações, os cônjuges asse­
nhoreiam-se do que lhes não pertence e parecem-se com
u feitor infiel que levanta o dinheiro antes de fazer o

trabalho.
Nunca seria demais que se estigmatizassem as teo­
rias muito em moda, sopradas pelo paganismo mais abjec­
to, que apregoam aos cônjuges, através de uma literatu­
ra imunda, abstenções voluptuosas e cálculos infames. O

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laicismo moderno, produto das lojas maçónicas e do in­


ferno, teve o talento raro de introduzir, sob as aparências
de honestidade, a devassidão no seio das famílias legiti­
mamente constituídas e ciosas de guardar, a todo o tran­
se, o seu decoro exterior. Sob a capa de ordem e de ho­
nestidade, o seu veneno hipócrita destruiu assim dupla­
mente a raça: primeiro, corrompendo as almas dos pro­
criadores fraquejantes no dever e, depois, impedindo a
vinda ao mundo de filhos que teriam feito a prosperida­
de dos lares e do país.
Nunca uma esposa cristã estabeleceria em si con­
vicções por demais arreigadas a respeito destes deveres,
tão graves para ela, e dos quais depende a sua felicida­
de, a do marido, o futuro da sua · descendência e a sua
salvação �terna. Sabe ela, por S. Paulo (1), que não deve
nunca recusar ao marido o cumprimento cristão do dever
conjugal e que, de igual modo, não pode jamais o ma­
rido opor-se aos seus legítimos desejos. Nem um nem
outro têm, com efeito, o direito de, por vontade maldosa,
expor o cônjuge a cair no pecado, ou a procurar noutra
parte uma culposa compensação_.

*
* *

Se é sempre proibido «usar pecaminosamente» do


casamento, pode, no entanto, em certas circunstâncias,
ser permitido «não usar dele» pela prática da continência.
Os esposos que tiverem esse desprendimento podem,
mediante consentimento mútuo, isto é, por um entendi­
mento cordial e livremente aceite, sem constrangimento
nem pressão de parte a parte, interromper, por algum
tempo, os seus direitos conjugais.
A razão que os move a tomar tal resolução pode ser

(1) Cor. Vl!, 5 ·

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107

a piedade, a mortificação, a intenção de m ethor se pre­


pararem para uma festa ou celebrá-Ia mais dignamente.
Podem também ser levados a esta abstenção por mo­
tivos de interesse, como sejam, por exemplo, poupar a
saúde, espaçar a prole, criar . condições de melhor educar
os filhos. É assim que certos esposos cristãos prolongam,
voluntàriamente, o afastamento forçado provocado pelo
nascimento dos filhos e retardam o mais possível o re­
gresso à intimidade. Como quer que seja, «a única res­
trição permitida à natalidade é a baseada na prática da
castidade perfeita>>.
Fora de casos muito raros, que se verificam com côn­
juges de escol, o que não deve ser sem o conselho ex­
presso do seu director espiritual, tal abstenção deve­
rá ser momentânea. ·É difícil reprimir, por muito tempo,
as exigências da natureza. Não se lhe deve impor restri­
ções que, prolongadas demais, poderiam tomar-se insu­
portáveis. O casamento, que é simultâneamente meio
de geração e remédio para a concupiscência, é o provi­
dencial sustentáculo que mantém nos caminhos da ho­
nestidade a maior parte da nossa humanidade frágil.
Se esta prática da continência no casamento, mesmo
durante períodos muito curtos, se afigura a alguns côn­
juges acima das suas forças, é talvez porque não sabem
rodear urna tão santa resolução das precauções indis­
pensáveis. Pensam que, em semelhante m atéria, hasta
dizer: «quero>>, quando o que era preciso era tomar
medidas eficazes, como · seriam, por exemplo, dormir se­
paradamente, fugir de todas as ocasiões susceptíveis de
despertar desejos que se desejam adormecidos, . sem es­
quecer, já se vê, os meios sobrenaturais e de todos os
rrtais importantes: a· oração e os sacramentos. Só por este
meio poderão os esposos conseguir conservar-se na con­
tinência.
*
• *

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1 08

Alguns conJuges julgam que, . passada a idade ou


perdida a possibilidade da fecundidade, deixam de estar
adstritos às santas leis que regem a geração humana . e
que lhes é devolvida a liberdade de procurarem, em si
mesmos, um prazer que, na sua maneira de pensar, j á
n ã o pode ter u m fim prático.
·

Tal erro, que uma propaganda infame sopra a tantos


ouvidos, vai diametralmente contra a vontade divina. Se
o Autor da vida j untou o prazer ao acto gerador, foi
apenas com vista ao seu exercício normal. Fora deste,
todo o gozo licencioso é proibido. A lei · permanece sem­
pre a mesma, mesmo para os esposos estéreis. Se se lhes
dissipou a esperança de terem filhos, pod.erão ter, é certo,
em vista a satisfação das suas inclinações naturais - fim
legítimo embora secundário do matrimónio - mas com
a expressa condição de que o seu acto se há-de manter
dentro da ordem imposta por Deus ao exercício dos di­
reitos conjugais. Toda a infracção inspirada pela paixão
ou pelo desejo desenfreado do gozo é gravemente cul­
posa e os esposos que têm a peito o cumprimento do de­
ver a isso têm de renunciar.
Eis por que são idênticas as obrigações para todos os
cônjuges, qualquer que seja a sua idade ou constituição.
Como diz S. Francisco de Sales, se ccem semelhantes
emergências a união corporal permanece santa e justa)),
só o poderá ser ccmediante a observância das regras da
geração, dado que nenhum percalço ou impedimento po­
de prejudicar a lei imposta pelo fim do matrimónio» <1> .

*
• •

Após o seu casamento, a jovem casada, iluminada


pela lição da experiência, compreendeu o alcance de to-

(x) lntrod. à Vjda Devota, lbid. Cf. Futuras Esposas, Ini­


ciação Matrimonial, p. 283 e segs.

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1 09

dos estes graves ensinamentos que recebeu quando era


aínda noiva. Longe de se atemorizar com eles e de pro­
curar fugir-lhes, compreendeu desde logo, que a sua exe­
cução, ao mesmo tempo que permitia assegurar ao mari­
do as legítimas satisfações que ele esperava do casamen­
to, seria para ela um poderoso meio de o prender ao lar.
E os acontecimentos deram-lhe razão. :e possível que
ela tenha conhecido à sua roda esposas timoratas, mal
elucidadas ou dominadas por falsas ideias, as quais, leva­
das por concepção errónea, recusaram cumprir um dever
cuja obrigação tinham assumido ao entrarem no casa­
mento. Não é difícil calcular o perigo que corre a fide­
lidade nos lares em que o marido, enganado, embate com
uma vontade hostil. Após um período de luta, a paciên­
cia esgota-se e vem-lhe a tentação de abandonar o lar.
Há quem se admire de que se desfaçam, por vezes, cer­
tos lares que, exteriormente, davam garantias de feli­
cidade, de fortuna, de saúde, da educação e de situação . . .

É que, debaixo dessas aparências, um verme roedor,


oculto aos olhos de todos, minava a felicidade íntima.
Uma desinteligência a respeito do dever conjugal, cuja
honestidade e necessidade a mulher se obstinava em não
compreender, conduziu à traição da união marital o ma­
rido que se considerava gravemente desfalcado nos seus
direitos.
A aceitação virtuosa dos deveres conjugais, mesmo
a preço de sacrifícios pessoais e do pesado encargo d e
sucessivas maternidades, será, para toda a j ovem casada,
um dos mais poderosos segredos do seu império no lar.
Não deve ela, pois, hesitar em ponderar todo o seu al­
cance. E que a alegria de alcançar para o seu lar o gran­
de benefício da união e do bom entendimento reduzam
ao silêncio, no seu íntimo, os cálculos egoístas, os receios
de todo injustificados, a fuga das obrigações que resul­
tarão duma numerosa descendência.

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I IO

*
* *

Na verdade, a «virtude conjugah> impõe aos côn­


juges o dever de nunca esquecerem, ao procurarem a
satisfação carnal, o fim primário da sua união que é o
nascimento dos filhos. Eis por que a jovem esposa deverá
alimentar no seu coração o vivo desejo da maternidade.
Ser mãe! Eis para a mulher casada o grito da natu­
reza! Após o desabrochar da razãor compreendeu a pe•
quenita que tinha nascido para ser mãe. São prova disso
os seus entretenimentos com a sua boneca. À medida que
crescia, ia verificando que «era feita», corporal e espi­
ritualmente, para ser mãe. Toda a sua educação, se foi
bem orientada, a preparou para a maternidade (l) . Por
isso também, agora que é chegado o momento do casa­
mento, poderão o seu pensamento dominante, o ideal
desta alma juvenil, ser desviados para outro objecto que
não seja a cena de se ver rodeada de filhos?
A este grito da natureza junta-se a voz do dever.
Se Deus instituiu o matrimónio para perpetuar a raça,
não será uma obrigação para c;>s esposos obedecer ao
«Crescei e multiplicai-vos» ? Por certo que ela receia as
longas expectativas que precedem o nascimento dos fi·
lhos, as dores do parto, os trabalhos da educação. Mas,
em compensação, ela compreende que a sua missão é a
mais bela de todas. É da aceitação desse papel que nas­
cerão a sua grandeza e a sua nobreza e é dos sacrifícios
suportados que lhe advirão os seus méritos e a sua re•
compensa eterna. Qual a jovem casada que, sob o impul­
so da sua razão e da sua fé, que dentro ' dela conspiram
'
num mesmo ideal, não sentirá grandes eiltusiasmos com
., pensamento da maternidade?

(x) Esta ideia foi longamente .-e xposta em «Futuras Espo­


sas», .p. 26 e seg.

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III

Esta firme convicção, gravada no espírito da esposa,


qual ideia fixa, exercerá, no que respeita à «honestida,
de do leito nupcia,l» , a mais precisa influência. Em pri,
meiro lugar, o desejo da descendência prenderá forte,
mente o marido à mulher. Com efeito, por uma conse,
quência lógica muito simples, o homem, cujas tendên­
cias naturais, análogas à da mulher, o levam a desejar a
paternidade, sentir,se-á feliz por ter encontrado uma co•
laboradora decidida a se não poupar a trabalhos nem
sofrimentos para dar-lhe uma bela posteridade que terá
o seu nome e lhe dará honra. Ele é agora tanto mais

feliz de se ver unido a uma mulher que o poderá amar


a um duplo título, como consorte e como mãe dos seus

filhos, quanto se teria sentido infeliz se tivesse ligado


os seus destinos a uma vaidosa mundana que se furtaria
a toda a maternidade por temor de perder a sua liber•
ciade ou de desbotar a cor do seu rosto.
A ardente aspiração à maternidade constituirá, poís,
um dos principais c<encantosn da mulher casada e será
uma das bases da ccfidelidade conjugal». Mas tal tendên­
cia, sentida tão vivamente, terá um outro efeito não me,
nos importante: será como que uma prudente modera­
dora das práticas conjugais íntimas, lembrando conti­
nuamente aos cônjuges que o respeito pelo filho que es,
peram deve comandar inteiramente o exercício dos di,
reitos conjugais.
Se a mulher não temer a maternidade, se souber
estimular no marido «O amor da família», se ela desco­
nhecer cálculos no que respeita aos novos rebentos, será
difícil ao maridó fugir à lei que impõe «aos prazere.S H,
citos da união matrimonial o dever de se terminarem na
obediência completa às leis que Deus estabeleceu para
reger a geraçãon. Nunca a esposa deixará que venha
ao espírito do marido a ideia de procurar um deleite
egoísta excluindo a poss�bilidade do nascimento dum fi,

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1 12

lho. Chamado assim, continuamente, pela mulher, ao


verdadeiro ideal que deve nortear a sua união, o marido
não esquecerá jamais os fins honestos do casamento e
subordinará a sensação do prazer ao respeito do dever
conjugal que ela cumprirá «fiel e lealmente)) na clara
expressão de S. Francisco de Sales .


* .

IPerante o dever de cumprir estas obrigações, quem


inspirará à esposa, aquela coragem que se poderia quali­
ficar de sobre-humana? As qualidades humanas pareceriam
aqui visivelmente insuficientes se não estivessem apoia­
das pela prática daquela admirável virtude cristã que se
chama o amor do sacrifício.
Esta virtude, que a nossa Santa Religião tão elo­
quentemente prega, adquire-se junto da Cruz. Foi a esta
escola que a mãe piedosa conduziu outrora a jovem fu,
tura esposa. Cada vez que se tornava necessário privar­
-se dum prazer ou empreender uma tarefa penosa, a
mãe punha-lhe as mãos para o Céu junto do Crucifixo,
lembrando-lhe que «ela deveria, se quisesse encontrar
a verdadeira felicidade, imitar a Nosso Senhor que tinha
aceite as mais dolorosas imolações)). Felizes das mães que
souberam inculcar às suas filhas estas preciosas noções!
Felizes das j ovens esposas que, tendo compreendido essas
graves lições, trazem gravado no seu coração a lei do
·

sacrifício!
Mas quantas mães que, por tradição apenas, ainda
deram ao Dívino Crucificado um lugar de honra na edu­
cação das suas filhas, não se esqueceram completamente
de deixá-lo exercer uma acção efectiva? Dir-se-ia isso,
ao verificar-se o medo que muitas almas, que se dizem
· cristãs, manifestam hoje pela prática da renúncia.
Talvez não tenha havido nunca, na história do

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1 13

mundo católico, urna época em que a ciência da (<a:bne.


gação» tenha sido tão desconhecida como a nossa. Por
isso, também não é de admirar que nenhuma outra te­
nha conhecido tão grande número de lares infelizes. Pen,
se-se, com efeito, na sorte dum lar cujos fundadores des­
prezam o bem comum, preocupando-se apenas com o seu
interesse pessoal. Em vez de constituírem um «entendi,
mento», tais indivíduos, não já unidos mas apenas justa­
postos, declaram guerra um ao outro, e, a partir de en­
tão, o seu lar, em vez do santuário de paz que podia
c devia ser, transforma-se num campo de batalha em

que se trava uma feroz «luta pela vida».


. Importa, pois, que a mulher casada tenha apren­
dido, desde longa data junto do Crucifixo, que, a partir
do dia do seu casamento, os seus interesses, os seus pra,
zeres e as suas conveniências, se identificam com os da
família. A «casada» deverá ter esquecido a «solteira».
Fsquecimento indispensável, mas tanto mais difícil quan,
to é certo que a «solteira» , muito mimalha talvez, pensa­
va demasiado em si mesma . . .
E, no entanto, um pouco de clarividência lhe teria
mostrado depressa as razões e os encantos do amor ao
sacrifício. Basta reflectir um instante para compreender
todo o alcance deste princípio: «Os cônjuges enganam-se
procurando cada um o seu prazer, pois a felicidade só
aos dois juntos se entrega». Verdade profunda que ilu­
mina a experiência quotidiana. Que alegria pode sentir
uma mulher egoísta? . . . Para ter aquele vestido quanto
não desgostou ela o marido! . . . Como aquele tecido vai­
doso, leve para as costas, lhe deve fazer peso sobre o co­
ração ! . . . Para se não privar de reuniões mundanas, de
que o marido não gosta, deixa-o ela vaguear, aos domin­
gos, pelas ruas e estradas, a alma envolvida numa nuvem
espessa, provocada pelo receio das decisões a que a so,
lidão incita . . . Para manter o seu luxo e o seu conforto

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114

ultramoderno, ela nega-se a dar-lhe os filhos numero­


sos que ele quereria, como aquela jovem casa a que ?
declarava peremptoriamente que ((Se contentana com
um rapaz e uma menina porque o automóvel só tinha
quatro lugares » Não serão semelhantes pensamentos
. . .

incompatíveis com a alegria interior?


Se estas estouvadas pretendem divertir-se, são in­
felizes, nada tendo compreendido em matéria de leis
da felicidade. A felicidade, como qualquer bem, tem de
ser comprada. A moeda que a paga são os passatempos
sacrificados. E a mulher terá de ser pródiga dessa' moeda,
senão quiser fazer sofrer os seus. Harpagon (1) que não
se podia privar de um Iuís para o jantar da família, fa,

zia os seus morrerem de fome. Assim faz a casada que,


tão cobiçosa dos seus prazeres pessoais, nenhum dispen­
!13. em favor do seu lar e condena assim o seu pessoal

:> penosíssimo jejum de felicidade.

Pelo contrário, a esposa cristã que, junto do Cruci­


fixo, compreendeu a lei do sofrimento e do ((resgate>>,
sabe que quanto mais se esquecer de si própria mais
cuidará dos outros e que, por uma singular retribuição,
a:o trabalhar pelo bem comum, · estará a garantir o seu
próprio bem. Eis porque ela não vacila perante os de­
veres do seu cargo, mesmo que, para os aceitar, tenha
de renunciar a prazeres de que ela jamais se havia julga­
do capaz de privar-se. E assim ela porá, quanto possí­
vel, os seus gostos, desejos e ocupações em consonância
com Ós do marido. sempre atenta às suas mais pequenas
necessidades, sempre dedicada. Nunca razões da sua pró­
pria pessoa a prenderão e na grave matéria da proge­
.•

nitura, aceitará generosamente o sacrifício da sua .<<vida

{1) Harpagon é o .protagonista de O Avarento, comédia de


Moliere. Designam-se ·por este nome os homens de dinheiro,
usurários consumados. Harpa.gon era tão económico qu� o pró­
'Drio bom dia não o dava: apenas o emprestava ... (N. do T.).

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I 15

pessoal» para a transformar em «vida dos outros». Pois


não deve ela ter ilusões: no dia em que os filhos co­
meçarem a vir, ela não terá um minuto para si própria,
perderá a sua liberdade e ficará amarrada à pequenina
gente que reclamará, com igual tirania, pão, vestuário,
cuidados e explicações de tudo. Mas a sua actividade
amorosa chegará a tudo. Nessa casa, onde mais que uma
vez as coisas estarão fora dos seus lugares e os móveis
<<amachucados», no meio dos «chorõezinhos» que deram
uma cabriola e rasgaram as blusas, reinará entre os dois
esposos a paz total do coração, um entendimento perfei­
to, que se exteriorizará por uma calma imperturbável,
por um maravilhoso domínio de si mesmos. Os filhos,
que são a soma material e viva dos trabalhos acumulados
e dos prazeres egoístas sacrificados, ter-lhe-ão trazido a

felicidade.
*
• •

A esposa cristã que consente de boa vontade em


sacrificar..,.se, compreende instintivamente que lhe não
seria possível esquecer-se de si própria se não estivesse
certa de tirar desse esquecimento fecundos resultados para
a família. !Pois de que serviria gastar-se até morrer por
um marido e por filhos se tal a:bnegação, resultando em
perda total, de nada lhe pudesse servir? ' E quem a lan­
çará na conta deles, senão Aquele que organiza o ba­
lanço de cada vida cccontando até os próprios ca<be­
los» (ll dos quais ccnem um só cai sem a sua permis­
são» (2) ? E eis como o Abandono à Providência .c;e tor­
na, no coração da esposa cristã, o corolário forçoso do
amor ao sacrifício.

{r) Luc. XU, 7·


{2) Luc. XXI. 8.

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u6

Lógica no seu abandono, pensa ela que, de todos


os cargos que recebe no lar, o que mais lhe custa, por
implicar para ela as mais pesadas consequências, a ma­
ternidade, deve ser a mais largamente «compensada» .
Ela sabe que uma prole numerosa foi sempre considera­
da por Deus como uma graça singular: "Multiplicarei
a tua raça como as estrelas do Céu ou as areias do

mar » '. (ll A Providência, que se não esquece do pas­


. . .

sarinho (2l e que lhe manda o pasto para os filhinhos,


haveria de esquecer o meigo nin!ho onde cresce uma fa­
mília cristã? Se a mão da Providência «se abre para
encher todo o ser vivo das suas bênçãos» (3) - e sabe­
mos que as bênçãos divinas não são palavras mas rea­
lidades não haveria ela de espal'har os seus melhores
-

e mais abundantes bens por aquele rancho de almas bap­


tizadas, sobre aqueles membros de Cristo, que enchem
a casa de alegres folguedos? Não é lícito qualquer he­
sitação à fé da mulher que pensa na Providência. Eis
porque ela admite, como expressão de verdade incontes­
tável, o adágio frequentemente repétido: "Deus ;tben­
çoa as famílias numerosas>> .


.. .

A mulher casada não leva muito tempo a compre­


ender, com efeito, e com ela o marido, que, à medida
que o seu lar se povoa, se realiza nele o ciclo das pro­
messas divinas.
Em primeiro lugar, reina na casa a alegria. Essa
alegria . trazem-na forçosamente os filhos. Esses peque­
nitos, sem preocupações, só sabem rir e brincar, n ão

{1) Gen. XXII, 1 7.


(2) Math. X, 29·
.(3) Ps. CXLIV, x6.

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1 17

tomam parte nas inquietações e dissipam da face dos


pais as negras arrelias e sobressaltos, nela fazendo renas,
cer a esperança. Quando, à noite, durante a oração em
comum, eles juntam candidamente as suas mãos «para
que o Senhor abençoe o pai e a mãe e dê o pão de cada
dia», os pais sentem que nada pode resistir a semelhan­
tes intercessores.
Quando, adormecido o grupo alegre e barulhento, os
pais se encontram sós para conversarem a respeito dos
interesses do lar, saboreiam juntos um 'novo hem: a per,
feita união dos corações. � raro, com efeito, que a Pro,
vidência, infinitamente boa, não aperte um contra o ou,
tro os corações de quem tanto trabalha pela sua glória.
Pois não será acaso a criança o «cimento» das uniões?
� sobre ela que convergem os pensamentos do pai e da
mãe, ao mesmo tempo que os seus corações se sentem
presos por essa algema comum ((mais forte que a mor,
te>> (1) que é a afeição natural e indestrutível dos pais
por aqueles que são pedaços da sua própria carne. Jun,
tos, contemplando o herço onde dormita o rechonchudo
pequerrucho, esquecem eles as suas diferenças de tem,
peramento, impõem silêncio à má disposição, esquecem
os erros e injustiças recíprocas. Pois não têm eles ali dian,

te de si um querer comum? Não têm agora as suas duas


actividades uma finalidade única a atingir: fazer da,
quele anjo, que ali dorme de punhos fechados, um ho,
mem de hem e de virtude, capaz de ocupar na sociedade
um lugar de honra? Eles permutam as suas maneiras
de ver, confidenciam,se mutuamente os seus sonhos de
futuro. Quantos desses pequenitos despreocupados não
têm sido anjos de paz! E quando e�ta influência bené,
fica se multiplica por seis ou dez? . . . E quando, por dez
vezes, os afectos do pai e da mãe convergem sobre os

(r) Cant. VIU, 6.

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I I8

herdeiros do seu nome e do seu « bom nomel), quando,


por dez vezes, o interesse comum exige comuns sacri­
fícios para proporcionar a estes filhos e filhas o saber e
a virtude que lhe garantirão um lugar ao sol, não estarão
então as pedras do lar unidas por .um cimento indestru­
tível? Seria interessante colher a estatística das separações
motivadas entre pais de familia pela prole numerosa. Se
existem, não passarão de excepções raras.


* *

Entregando-se à Providência, a mulher cristã, que


não recuou péi.��te os encargos maternos, encontrou em
recompensa o benefício da alegria e da união no seu
lar. Mas Deus não fica por aí: facilita-lhe a tarefa dan­
do-lhe auxílios muito especiais para que ela tenha filhos
bem educados.
A família numerosa proporciona, com efeito, aos
pais um notável valor edttcativo. As preocupações que
sobre eles pesam, os trabalhos a que tem de lançar-se
para obviar às múltiplas necessidades dessa juventude
que cresce, tira-lhe o gosto das mundanidades, afasta-os
dos divertimentos e da frivolidade. A sua vida é séria
c laboriosa. E muito raro é que não seja piedosa. As

almas que se encontram às justas com a necessidade sen­


tem o instmto de se refugiar em Deus. Compreende-se,
desde então, que� nessa escola da virtude doméstica que
é a «família numerosa)), os pais adquiram almas de edu­
cadores. Desprendidos de si próprios, esquecidos dos seus
prazeres pessoais, só têm uma preocupação: garantir o
futuro à sua prole, fornecendo-lhes os meios de ccven­
cetemll na vida, sobretudo o saber e a virtude, essas duas
riquezas que suprirão amplamente a falta do dinheiro.
Deste modo, sob a direcção de pais convencidos de que

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I l9

((foram feitos para os seus filhos», a educação assume o

seu verdadeiro carácter de ((formação desinteressada».


Muito ao contrário, os procriadores do filho único
são quase forçosamente dominados pelo sentimento opos­
to de que ((o seu filho veio ao mundo para o seu prazer
pessoah . Aliás, eles não o desejaram provàvelmente se•
não para si próprios. Eis por que fazem dele o objecto de
complacências egoístas e vaidosas: a sua _<_<boneca» dá num
" ídolon que se enfeita, que se exibe, que se lisonjeia,
que se adora . . . A educação deste menino incensado é
feita totalmente ao invés: ele é que é o ((pequenino dés.
pota» que manda nos pais, os quais têm de ceder sem•
pre ao que ele exige, como aquela mãezinha que, tendo
prometido ir assistir a uma cerimónia de ordenação sacer·
dotal, não compareceu, ' limitando-se a escrever ao neo­
·sacerdote, que a convidara, uma carta em que dizia, la­
mentando-se: ((Desculpe mas estou presa com ·Bo'b que
precisamente a essa hora tinha uma partida de ténis que
não quer deixar de maneira nenhuma». Verifica-se, em
política, que os homens de Estado, mesmo os mais enér·
gicos sentem os seus esforços aniquilados pelas institui­
ções quando elas são defeituosas e que, ao contrário, mi·
nistros de mediana inteligência são bem sucedidos com
uma Constituição bem ordenada. 1Pode verificar-se a
mesma coisa com a família: os esforços dos educadores
são reduzidos a nada num lar disposto ao gozo, ao passo
que pais mediocremente dotados realizam maravilhas num
lar tm que é necessária a prática da abnegação.

..
* .

Se a 'Providência confere aos pais de família nu­


merosa um acréscimo de ((valor educativo», ela dá, ao
mesmo tempo, aos filhos uma grande aptidão para re-

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1 20

ceberem a formação intelectual e moral, que os predis­


põe a serem bem educados.
Esses irmãos e irmãs preparam, pela força das coi.·
sas, aquela qualidade que melhor dispõe a toda a boa
formação: o hábito do sacrifício. São, com efeito, habi­
tuados a privarem-se. À mesa, servem-se pratos nutriti­
vos e abundantes, mas nunca requintados ; as doçarias
e guloseimas são ali quase desconhecidas ; luxo não há.
Os vestuários são simples e pouco preocupados da moda:
passam dos mais velhos aos mais novos, aproveitando es­
tes o que os mais velhos já não podem trazer.
Ao mesmo tempo que a vaidade é rechaçada dos
vestuários, o org��ho é combatido nos corações. Nenhum
membro da famíÍfu é posto nunca em evidência pela
clara razão que em parte alguma deve figurar isolado.
Nas visitas, a mãe vai acompanhada de alguns filhos; em
casa, são todos apresentados a quem chega. Qualquer
benefício, como qualquer guloseima, é repartido por to­
dos. O «eu)) antipático desaparece, cedendo o lugar ao
(mósn sempre simpático. A demais, todo o açambarcador
de gloríola, todo o gabarola, todo o indisciplinado seria
imediatamente chamado à atenção pelos censores intran­
sigentes que os rodeiam e que, sem o saberem, são elo­
quentes e práticos pregadores de humildade.
Eles são também angariadores de caridade. Pois não
será preciso que, a cada momento, irmãos e irmãs se de­
diquem uns pelos outros? Os irmãos deverão acompanhar
as irmãs quando estas tiverem de sair ou correr da _loja
às águas-furtadas :buscar o de que a mãe precisa; as irmãs
terão a prestar mil serviços, coser a roupa, consertar os
casacos rasgados, cozinhar ou aconchegar os pequerru­
chos. A casa cheia de gente é um cortiço em que todos
se ajudam uns aos outros, alegremente, desinteressada ­
mente, sem qualquer espectativa de paga. A sua quente
atmosfera é propícia 9. eclosão duma dedicação verdadeira.

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121

A família numerosa favorece tam1bém o amor do


trabalho. Em primeiro lugar, o zumbido incessante do en­
xame não deixa as abelhas preguiçosas dormirem. Será
preciso sacudir a preguiça e fazer qualquer coisa quando
todos os outros se dedicam pelo bem comum. E a este
entusiasmo pelo trabalho vem juntar-se o estímulo da ne­
cessidade. O rapaz, como a rapariga, sabem, p rimeiro por
o terem ouvido dizer e depois por verificação pessoal, que
serão, mais tarde na vida, «pobres de dinheiro», pois o
património dividido por todos os filhos não poderá pre­
servá,los da necessidade. Precisarão, pois, de ser <<ricos de
trabalho» e adquirir, com a força do seu braço, uma si,
tuação que lhes permita manter,se.
Cada filho, à medida que vai chegando a idade de
compreender em que condições o futuro s� lhe apresenta,
entregar,se,á com ardor à sua tarefa. Ajudado pelos pais ,
começa ele por escolher um modo de vida: este será sa,
cerdote, aquele será marinheiro, aquele outro, médico:
esta será religiosa, aquela casar,se,á . . . E cada um se es-
força por efectivar as suas aspirações . . . Citam-se frequen-
temente aquelas palavras dum sociólogo de Além-Reno:
«Üs sete filhos pobres da família alemã devorarão o fi­
lho único da família francesa)), Não compreenderá a fa­
mília francesa, melhor instruída dos seus deveres, que a
sua força e a sua felicidade . estão na sua vitalidade? . . .
Que é u m erro indispensável sufocar u m filho único sob
o peso esmagador da sua fortuna e do seu egoísmo? . . .
que é u m bem inapreciável gastar dinheiro, trabalho e
tempo em criar aquela escola de virtudes que ft um lar
povoado de numerosos filhos?


* .

Tais são os desígnios admiráveis da Sabedoria di,


vma. Deixando entregues a seus próprios meios aqueles

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1 22

que só confiam em si mesmos, ela cumula de toda a es­


pécie de bens os que nela confiam. «Deus lhes dê, como
o orvalho do céu e a gordura da terra, abundância de
pão e de vinho ! » (l l , Eis por que muitos esposos cristãos
admiram com reconhecimento as li:beralidades que a Pro­
vidência lhes prodigaliza em recompensa do seu atbando­
no a Ela, Aceitando os encargos familiares, era natural
que esperassem uma ajuda do Céu mas não a supunham
tão eficaz. Agora que palpam com as mãos os benefícios
derramados sobre a sua família por Aquele que «é bom
para todos os que o procuram>> (2) , não se arrependem
de terem acreditado nEle.
E, todavia, ainda não viram tudo. Deus reserva-lhes
ainda outras consolações. Eles verificarão um dia, quan­
d.: :mpossibilitados de trabalhar, que a sua dedicação re­
sultou em excelente cálculo, e que a sua prodigalidade
para com a prole foi a melhor das economias, "pois, por
reviravolta providencial das coisas, os filhos são o se­
guro dos pais contra os riscos da velhice.
Quando os progenitores do filho único atafulhavam
o rebento de guloseimas pagas a peso de oiro, a mãe de
família numerosa penosamente conseguia arranjar o ne­
cessário à vida dos seus. O alimento, o calçado, o ves­
tuário, a instrução, as doenças, esvaziavam-lhe as algi­
beiras. Por vezes, pela fronte dos pais passava uma nu­
vem. Aquela pergunta angustiante: ((Que será de nós
no fim da vida? » atravessava-lhes de chofre o pensamen­
to . . . Mas encontrava logo a resposta: H Deus proverá».
E, de facto, Deus provê. � vontade sua que o me­
lhor emprego de capital, o mais garantido, seja o que é
repartido por mais numerosas cabeças. O filho é um ca­
pital humano cujo rendimento é incalculável. Que é o

{ 1 ) Gen. XXVU, :28.


(:2) Tluen. Jll , :25.

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1 23

rendimento dum capital ou duma propriedade em com�


paração com os rec;ursos duma inteligência reforçada de
virtude? Eis por que não é raro verificar que os pais que
<<jogaram» no cálculo de um só filho vêm a experimen�
tar frequentemente os mais cruéis desgostos. �. por cer­
to, necessário reconhecer, que há honrosas excepções, di­
gnas do melhor apreço. Certos filhos únic;os - quase
sempre aqueles a quem a vontade de Deus se não dignou
dar irmãos e irmãs - conservam pelos autores dos seus
dias, o maior respeito, deferência e amor e proporcionam­
-lhes uma velhice feliz. Mas, ao lado deste espectáculo
consolador, quantas cenas lúgubres, trágicas ! Aqui é
um filho que casou rico e que recusa à mãe_ o alimento
indispensável, obrigando-a a ganhar penosamente a sua
joma, com esc.ândalo . de todo o bairro . . . ali é um filho
pródigo que dissipou o seu património «vivendo na de­
vassidão» (1) e que, gastas as notas do cofre e vendidas
as glebas, vive ociosamente � custa dos últimos vinténs
dos «velhotes» . . . além, a morte ceifou o herdeiro e com
ele todos os sonhos do futuro. Como tudo havia sido
gasto para ele, a fortuna ficou enterrada na sua sepultura.
A semelhantes pais a porta do cemitério deve lembrar a
porta do Inferno, pois ao entrarem por ele atrás do caixão
do filho, «terão de perder toda a esperança>> (2).
Enquanto estas desgraças caem sobre aqueles que
quase sempre desconfiam da •Providência, a alegria
reina no lar dos que a ela se abandonaram. � verdade
que os lutos atingem também as famüias numerosas. Mas
cerram-se as fileiras e os que ficam fazem por suprir os

( 1) Luc. XV, 1 3 .
(2) Dante, Divina !Comédia, O Inferno, cant. 5 · Na descri­
çãu que Dante faz do Inferno, no seu •]JOellla A Divina Comi­
dia, diz que na porta do .abismo inferna) estavam escritas estas
palavras: «Lasciate ogni speranz.a wi ch'entrate: perdei tod4 a
npuança vós todos que entrais aqui» (N. do T.).

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1 24

que desapareceram . . . Pode acontecer também que entre


os filhos haja um «pródigo)) que dila:pide a <<sua heran­
ça)) (1) mas os outros velarão pelo que é seu. Nunca a
perda é total e os riscos são repartidos por todos. É graças
a isso que os patriarcas duma geração hoje multiplicada
vivem rodeados de cuidados, de respeito e de haveres
pela «sociedade» sõlidamente estalbelecida dos seus filhos.
O primogénito, por exemplo, é médico, o segundo é ca­
pitão de mar e guerra, o terceiro agricultor, um dos seus
genros é notário, o outro comerciante. Com os pais ficou
a mais nova que nunca os quis deixar, e no claustro
e em longínquas paragens oram por eles a religiosa e o
missionário, . . Sem sobrecarregar demasiado o seu orça­
mento, cada filho, segundo as suas posses, dá o seu
modesto contributo que chega para as necessidades. E o
lar destes pais venerados nada tem daquela tristeza que
ensombra alguns lares em declínio, porque os netos ali
mantêm uma juventude perene. Não terá a expectativa
amorosa dos dons da Providência sido sempre recom­
pensada «com o cêntuplo neste mundo)) (Z) dos bens sa­
crificados em holocausto às leis de Deus, até que venha
a felicidade eterna?
Qual é a mulher cristã que, ao pensar nas bênçãos
que de diversos modos Deus envia aos que nEle confiam,
recearia no momento em que se trate de aceitar a ma­
ternidade, lançar-se corajosamente, num abandono total,
nos braços da Providência levando o marido a fazer o
mesmo (3l .

• •

( r ) Luc. XV, 12.


{2) Math. X I X , 20.
{3) Cf. Cardeal Mercier. Os Deveres da Vida Conjugal. Car­
ta Pastoral aos fiéis de Matines. Editado pela Obra das Opús­
culos, boulevard Anspach (4, passa-ge des Postes) Bruxelas.

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As virtudes da mulher casada: fidelidade conjugal,
obediência às leis do matrimónio, desejo da maternida­
de, abandono à Providência, são, afinal de contas, mani­
festações do Espírito de fé.
Sem a fé, que o Concílio de Trento chama «fun·
damento e raíz da santificação>� (l) ; a mulher casada sen­
tir-se-ia incapaz de cumprir as graves obrigações que so­
bre ela impendem. Vê-se por aqui a loucura de que são
possuídos os legisladores laicos que pretendem tirar à edu­
cação toda a ideia cristã e ocultar aos olhos inocentes
os motivos da crença em Deus e no seu Cristo! Pode cal­
cular-se, da mesma forma, a aberração de que são víti­
mas os pais que não deram à sua filha «futura esposan
uma sólida formação religiosa e nada se importaram com
obrigá-la a aprofundar as verdades religiosas. Não irá en­
contrar-se só a braços com as exigências matrimoniais e
familiares essa infeliz que, deixando de apoiar-se no
braço de Deus, só pode contar, para vencer os obstácu.
los, com a sua própria fraqueza? Por isso as suas quedas
só a poucos podem causar �urpresa. O público não �e
surpreende ao ver recuar perante o dever uma mulher
que os sentimentos religiosos não conseguem manter no
seu posto. Se ela, esquecendo os juramentos feitos, trair
a fidelidade conjugal; se, egoísta e ávida de gozos fáceis,

fugir da maternidade; se, recuando diante dos encargos


duma família numerosa, gastar tempo e dinheiro em fes­
tas e reuniões que a estonteiam, os mundanos, sempre
indulgentes nesta matéria, dirão que «afinal, ela vive a
vida »
. . .

Mas esses mundanos ficariam escandalizados se uma


esposa verdadeiramente cristã se esquecesse, por um mo·
mento, dos seus deveres, de tal modo o espírito de fé !>e
impõe ao seu respeito. A tal ponto se persuadem eles -

( 1 ) Cone. Trid. Sess. 6, can. 8.

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insensatamente, embora - que «tudo é possível ao cren­
te» (1) que esperam da mulher piedosa prodígios de he­
roismo no cumprimento dos seus deveres.
E nisto a opinião pública não se engana. Mas, por
que motivo não vai ela até exigir a supressão dos prin­
cípios laicos, que danificam tantas almas arrancando-lhes
a fé? . . . Por que não exige ela que todas as ccfuturas ca­
sadas» sejam melhor instruídas na religião e educadas
mais seriamente nas sólidas virtudes pela lógica aplica­
ção dos principias e consequências da fé na sua con-
duta? . . . ·

Ver-se-iam então multiplicar os lares felizes. Pois a


Fé esclarecida e viva� que faz a mulher casada ccportar-se
na presença do iDeus invisível como se O visse)) !2), cons­
titui o seu encanto fundamental e faz dela verdadeira­
mente o ccencanto do lar» fornecendo-lhe todas as vir­
tudes.

*
. "

Entre as ((Outras virtudes)) que o espirita de fé pro­


porciona à esposa, deve mencionar-se, de modo especial
aquela guarda vigilante da harmonia e, por tal via, da
fidelidade conjugal, que se chama a paciência.
Paciência vem da palavra latina pati, que quer dizer
((sofrer, suportar)), É a arte de ccsuportar» os grandes e
pequenos a1borrecimentos sem queixumes e, se possível,
com o sorriso nos lábios e uma sobrenatural alegria no
coração.
Qual será a mulher que, pouco depois do seu casa­
mento, não compreenderá que, em virtude da própria
situação em que se colocou, se lhe impõe o exercício des-

( r) Marc. IX, 22.


(2) Heb. XI, 27.

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1 27

ta virtude da paciência e que na medida em que a pra­


ticar nessa mesma medida reinará a paz no· seu lar?
Com efeito, logo a partir dos primeiros dias, teve ela
de fazer actos repetidos de paciência, pois, sendo um
mito o homem perfeito, o seu marido tinha as suas ma­
nias, as suas exigências, o seu egoísmo. Muito poucos
rapazes nos nossos tempos - desnecessário se torna frisá­
-lo - se aplicam à prática sobrenatural das virtudes deli­
cadas que amenizam as relações. Logo que casados, não
irão eles persuadir-se de que tudo lhes é devido? Muitos
estarão convencidos de que não serão obrigados a pagar
sacrifício com sacrifício, delicadeza com delicadeza ; rece­
berão as homenagens, as dedicações, as amabilidades,
convencidos de que, para a mulher já é bastante recom­
pensa � ter-se esforçado por lhe causar prazer.
Eis porque, ao percorrer estas páginas, as leitoras do
presente volume exclamarão, talvez por mais do que
uma vez: «Era aos nossos maridos que estas lições de­
viam ser destinadas ! n Prouvera a peus que eles delas to­
rnassem o seu quinhão! Oxalá que a curiosidade do sexo
forte - na realidade muito pouco inferior à do sexo fra­
co - levasse os maridos, por exemplo, a deitar umas
olhadelas por cima dos ombros das mulheres, sobre al­
guns capítulos deste livro ! . . . Pondo no género masculino
alguns conselhos aqui dados, e fazendo, no que respeita
aos outros, a transposição exigida pela sua situação no
lar, poderão eles haurir nestes conselhos uma verdadeira
ciência da virtude conjugal e as mais preciosas lições de
felicidade. Compreenderão que devem tomar a «Contra­
partida» de todas as obrigações da sua mulher, e de todas
as suas renrúncias. Seriam seriamente culpáveis e insen­
satamente imprudentes se deixassem que os generosos es­
forços da sua consorte se fossem amortecer, em pura per­
da, de encontro à sua indiferença, indolência ou cobar-

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1 2.8

dia, por eles levantados, qual grossa muralha, diante dr


tamanha abnegação.
E já que se trata aqui de paciência, ajudem eles a
mulher a praticá-la, poupando-lhes todas as ocasiões dt
sofrer quanto em seu poder estiver. O segredo da «mútua
tolerância''• como dizem os moralistas, ou da «perfeita
harmoniall, como diríamos em linguagem corrente, est;Í
no esquecimento de si próprio, junto com a preocupação
a respeito do outro, sob o olhar de Deus. Por motivo
sobrenatural, ou seja, para obedecer ao Omnipotente,
que dá vida e prosperidade à família, cada um dos cônju.
ges se esforçará por tornar o seu companheiro feliz, por
meio de brandura, de delicadeza e de caridade. S claro
que, para lá chegar, será _necessário suportar :bastant�s
incómodos, impor-se mortificações. Mas logo lhe ser.i
dada compensação pelos resultados alcançados: alegria Ín·
tima, paz no lar, afeição mútua, dedicação incansável.
Tais são os frutos da paciência cristã. ·

"'
* *

Mas nem sempre acontece que o marido compreend:t


estas verdades e as ponha em prática . . . Acontecerá mes·
mo que, por vezes, ele se revele um perfeito egoísta. Será
então necessário que a mulher, para pôr a salvo a união
no lar, leve a paciência até à abnegação.
Como se explica que um noivo, que se mostrara tão
afável, se tenha tão repentinamente mudado num mari•
do autoritário, tirânico? •Por que motivo dá ele a impres•
são de andar roído de ciúme que o leva a suspeitar cons.
tantemente da mulher e a proibir-lhe quaisquer relações
sociais? Ele que, outrora parecia tão «bom rapazll, trans•
formou-se, como por misteriosa metamorfose que a mu·
lher não sabe explicar, num temperamento arrebatado
até à violência, deixando-se dominar por cóleras terríveis

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com que injuria, blasfema, parte móveis e por pouco não
faz· o mesmo à mulher . . . Não se chega a perceber por
que é que este marido, outrora pródigo quando solteiro,
jaz ·agora sob a tortura de uma avareza sórdida, conde­
nando a mulher a penosas privações . . . ao passo que aque­
le, incorrigível nos seus hábitos gastadores, chega a idên­
tica situação de fome por ter reduzido à miséria, com os
seus esbanjamentos, aquela com quem ele tinha jurado
viver honrosamente. Por vezes, a mulher verifica que o
marido tem o seu coração dividido. Ela não se deixa ilu­
dir ·pelas mentiras que ele inventa para justificar as suas
ausências e sofre o mais cruel martírio que é possível
sofrer,se.
À medida que estas dificuldades aumentam, esta po­
bre mulher terá de dar provas de uma virtude cada vez
mais robusta para defrontar-se com a provação que se
agrava. A sua abnegação, haurida aos pés do Crucifixo,
mánifestar-se-á com um corajoso silêncio. Poi� de que ou­
tro meio poderá ela lançar mão para fazer triunfar a
causa do bem e do legítimo direito? As recriminações
não seriam bem recebidas, dariam origem a discussões
que envenenariam os ânimos «pois é mais fácil calarmo­
-nos do que nos não excedermos nas nossas palavras» O J .
T oda a sua habilidade consistirá em suportar e espe­
rar, na oração, a hora de Deus.
A alma que sofre é como um doente que se não deve
mover: a calma é o único lenitivo para as suas dores.
Até a própria alma que faz sofrer se aquieta perante o
silêncio: «guardar silêncio, diz a Escritura, é acalmar os
arrebatamentos>J (ZJ . O silêncio extingue o fogo da ira
para a qual as palavras seriam perigoso combustível.
Muito poucas mulheres casadas compreendem o imen-

{1) •Imitação, Liv. I, Cap. 20, n. 2.


(2) Prov. XXVI, 10.

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I JO

so. . poder do silêncio. Não possuem elas a compreensão


da lição que nos . deixou Nosso Senhor quando, perante
os seus acusadores empedernidos «Se calou» (tl . Calou-se,
não por desprezo nem por indiferença, mas porque o si­
lêncio é humilde e benéfico.
Este 'benefício do silêncio reveste-se de majestade.
«Não respondendo)) �2> não terá Cristo sido mil vezes
mais sublime que . se tivesse discutido, ponto por ponto,
retrucando às argúcias dos seus adversários para provar
que tinha razão? A sua causa defendia-se por si mesma:
não precisava de argumentos. Assim deve acontecer com
a esposa cristã. - Não precisando, para mostrar que é

boa, senão de parecê-lo, pode - e muitas vezes deve -


dispensar-se de falar. Que eloquência não possui cada um
dos gestos duma mulher dedicada, que serve o seu ma·
rido apesar da sua crueza e dos seus desprezos, que o
espera, que dele cuida, que lhe adivinha os desejos sem
nunca receber um agradecimento, e que não obstante
continua a sorrir-lhe!
Ela corresponde às suas injustiças, não com palavras
azedas, mas com uma .amabilidade . . . Não era, talvez, esse
o remoque que ele esperava mas o que lhe é dado é o
melhor. Pouco a pouco, sem talvez dar por isso, ele dei­
xar-se-á vencer, A Providência há-de dispor que, um dia,
um acto mais saliente seja a razão peremptória que lhe
tomará de assalto o coração . . . como aquele marido que,
depois de tratos indignos infligidos à mulher, foi, por
fim, conquistado pelos cuidados que ela, com a maior
delicadeza, lhe prodigalizou no decurso duma longa doen­
ça: «Perdoa-me - exclamou ele - eu não te conhecia l u
Lembrem-se a s esposas desejosas de manter a união
e a paz no seu lar, nos momentos em que a fidelidade

(1) Marc. XVI, 6 1 .


(2) Luc. XXlll , 9·

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IJI

conjugal se achar e m perigo pela maldade dos maridos,


àaquela palavra dos Livros Santos: «No silêncio estarão
a vossa força e a vossa esperança» (l). Tal silêncio é o
distintivo duma virtude invulgar, brotada do amor de
Deus, da prática da oração, da frequência dos sacrainen,
tos, numa palavra: duma intensa vida cristã. Nunca as
raparigas que se preparam para o casamento nem as jo,
vens esposas que nele já entraram se aplicarão demasiado
a adquirir as sobrenaturais energias que a fé produz. As

suas almas, saturadas da luz e do calor divinos, serão um


dia o sol que acabará por rasgar a'> nuvens mais densas
que se acumulassem sobre o seu tecto.

(I) lsaw. xxx. I ) .

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SEGUNDA PARTE

AS CAUSAS DE AVERSÃO

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A mulher casada dotada de todas as virtudes é um
(<encanto para o larH de que ela é o centro, !(a sua voz
é um grito de alegria)) (l) e por obra sua reina a ale­
gria na casa, na medida em que isso é possível, atento
o temperamento do marido. Mas, ao invés, quanto não
concorre para tornar uma casa desagradável uma mulher
que não compreende o seu papel ! Em lugar de ser men­
sageira de paz, provoca a guerra: não permite que se
estabeleça a boa harmonia; é rabujenta, e o marido, que
provàvelmente também não será paciente, sente ganas
de fugir a ter de a suportar; ou é ciumenta, e o ma­
rido, .que quer ter carta branca, não admite ser vigia­
do; ou desleixada, e o interior transforma-se num autên­
tico curral ; ou mal governada, e o lar caminha para a
miséria O simples pensamento das consequências a que
. . .

arrasta a falta de virtude na casada é de molde a fazer


estremecer quem quer firmar o seu lar sobre a paz e a
alegria.
Eis por que as leitoras do presente volume, após te­
rem reflectido nas páginas que acabam de mostrar-lhes o
ideal a realizar, irão prestar atenção, com não menos ar­
dor, às que lhes mostram os inconvenientes a evitar. As­
sim como o inferno foi criado por Deus sobretudo para
que o terror que incute nos impeça de nele sermos pre­
cipitados, assim . a visão desse outro inferno que é o lar
duma mulher e dum homem cheios de defeitos, deveria

( 1 ) Jerem. XVI, g.
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lançar as almas dos conJuges num terror salutar que os
levasse a criar para si próprios, custasse o que custasse,
um <<paraíso».
:.;: çom esta finalidade de «medicação preventiva»
que se escrevem estas páginas. Elas levam também o pen•
samento e o desejo de darem algum remédio a infelizes
situações que já existam. Com efeito, basta, por vezes,
saber que o mal é curável para suprimir o desânimo e
fazer surgir :boas resoluções susceptíveis de serem ime­
diatamente aplicadas. Têm-se visto lares passarem da de­
sordem à ordem, maridos vol-úveis entrarem no càminhQ
do dever, esposas levianas aplicarem-se aos trabalhos do�
mésticos, orçamentos domésticos equilibrarem-se depres�
sa, por se ter descoberto a causa da qesorgari.ização.
O objectivo do presente livro não dá lugar a que se
faça desenvolvida exposição das causas de aversão da par�
te do marido, o qual poderá, no entanto, encontrar al­
gumas lições 'úteis no estudo das que pro vêm da mulhel':
Para esta, as causas do descaminho nascem, as mais das
vezes, do fraco que tem de deixar a Mu,;danidade de­
vorar o seu precioso tempo e energias. Acontece frequen­
temente que, na frequentação de amigas frívolas, a jovem
casada, -esquecida do dever do trabalho e perdido o amor
ao sacrifício, se deixa arrastar a hábitos temíveis que ge­
ram nela o Mau Génio. E oxalá que ela não acrescentas ­
se a estes defeitos o Mau Governo que é causa de decep-
·

çces bem grandes!


Tais são as causas de aversão que a esposa se '!.plica­
rá a evitar. Semelhar�fes àqueles guias de montanha que,
ao mesmo tempo que ensinam o carreiro, fazem por evi­
tar as quedas no . abismo, estas páginas, mostrando aos
esposos cristãos os abismos cavados à direita e à esquerda
da sua existêncía, dar-lhes-ão - assim o esperamos -
um poderoso auxílio nessa jornada que conduz aos pín­
caros da felicidade.

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CAPITULO PRIMEIRO

O MUNDANISMO

Se Nosso Senhor pronunciou o terrível anátema :


(rAi do mundo ! )) foi porque o espírito mundano é um dos
maiores obstáculos que se opõem à perfeição cristã. E
sr ele paralisa bastantes impulsos para a virtude, não
poupa o de certos jovens esposos que sonhavam com uma
vida feliz e santamente fecunda no casamento. Eles ti­
nham prometido um ao outro fundar um lar onde o pri­
meiro lugar fosse para Deus, onde a harmonia fosse per­
feita, onde reinasse a ordem e o conforto, onde se sen:.
tisse prazer e benefício . . . e eis que todas estas ridentes
esperanças foram de encontro à barreira que lhes inter­
cepta o caminho: o «Mundanismo)), que lhes recusa a
passagem ao ideal. ·
Que pena nos não causa:m tantos lares assim para­
lisados nos seus progressos por esse terrível amor do
mundo! Talvez não cheguem eles a conseguir nenhuma
das alegrias que para si auspiciavam. Mas se o espírito
mundano espreita os lares para os invadir, é muitas vezes
pela mulher que ele lá consegue penetrar. A mulher ca­
sada está, com efeito, mais sujeita do que o marido às
suas sugestões. Ele, inteiramente entregue aos seus ne­
gócios, ao seu trabalho, aos seus estudos, nem sempre
tem tempo para procurar os êxitos munda11os. Aliás,
preocupa-o mais ser bem sucedido do que agradar, e o
tinir . das moedas ou o roçagar das notas do 1banco agra­
dam-lhe mais do que os aplausos da galeria. A .apresen-
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tação não o preocupa sobremaneira, as conversas abor­
recem-no: o positivo e o prático, eis o que o satisfaz. E é
por isso que ele deixará a mulher fazer visitas ou palrar
com as amigas. Enquanto ela faz isso, ele irá visitar os
seus clientes, estará à banca de trabalho no escritório, ou,
se estiver disponível, montará na bicicleta . . .
Sendo a mulher; mais do que o marido, atreita à
invasão do mundano, convém, pois, fazer notar às jovens
esposas o perigo a que estão expostas e dizer-lhes como
Nosso Senhor: «Tende cautela com o mundo. por causa
dos escândalosn (1). Foi, na verdade, o «Mundanismo>>
que, em muitos lares, constituídos, aliás, numa perspecti­
va de felicidade, a «causa de aversãon que desuniu os
cônjuges. A causa de todos os males foi não lhe terem
fechado a porta da alma. pois é sumamente imprudente
deixar a esse indiscreto visitante pôr o pé dentro de casa .
Percorrendo estas linhas. algumas leitoras do pre­
sente volume terão talvez a tentação de saltar por cima
das páginas que vão seguir-se, sob pretexto de que «O
espírito mundano, só é um escolho para os endinhei­
rados que têm tempo para perder e dinheiro a esbanjar
e meios para permitir-se « elegâncias capric"hosasn. Não de­

vem elas ceder a tais sugestões. Esposas de condição so­


cial mais modesta cairiam num erro grave se se julgassem
ao abrigo do «mundo>>. Cada um procura ter as «elegân­
cias)) que pode. Pois não se vêm acaso muitas mulheres
de operários ataviadas com mais espavento do que . prin­
cesas e, por vezes nada menos do que rainhas, terem a
sua corte? Quando se não têm poltronas para conversar.
dá-se à língua mesmo sentadas em simples cadeiras, e
quantas donas de casa, sem tempo nem d inheiro nem
conforto. não têm feito sala à vizinha no patamar da es­
cada ! Sem correr a chás nem concertos, a mais humilde

(1) Math. XVJJI, 7·

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1 39

mulher do povo ·pode ser mundana nas suas horas de


liberdade, conhecer o ponto de reuniões onde se dança
aos domingos e aí sorver, para toda a semana seguinte,
uma grande dose de mundanismo que envenenará os seus
pensamentos e os seus actos. Sim, «Ai do Mundo» dos
pequenos como dos grandes! O Mundo é um papão fácil
de contentar no que respeita à situação dos que quer
devorar.

"'
• *

Que sedução irresistível não possui esse animal feroz


que devora a felicidade de tantas existências? E como
consegue ele fazer-se por tal forma adorar?
O segredo do seu êxito é muito simples: faz cócegas
ao pendor da humanidade decaída, para o gozo e para
o orgulho.
O «espírito mundano» é, antes de mais, feito de in­
clinação para o prazer. A mulher é nova, é livre. O casa­
mento acaba de emancipá-la da tutela materna e de a :tr­
rancar .àquela vida, recatada na verdade, da rapariga que
vigia a sua conduta para que um passo mal dado lhe não
vá fazer perder um bom casamento . . . Não precisará ela.
pois, de aproveitar os anos felizes da sua entrada no es­
tado matrimonial para se expandir um pouco? :e por isso
que se procurarão as distracções e as conversas. Apare­
cem relações sociais encantadoras. Há outras mulheres
que o que desejam é ligar-se por amistoso convívio. Vão
umas a casa das outras. De tarde, enquanto os homens
estão nos seus trabalhos, tomam chá, vão passear ou as­
sistir a um concerto. À noite, os maridos, ainda na flor
da vida matrimonial e, também eles, desejosos da div�r­
são, vão ao baile, ao cinema, ao teatro, a uma conferên­
Cia . . .
Não será mais divertido para uma jovem casada pas-

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·
sar assim o tempo do que estar em casa, sõziriha, sentada
no vão duma · janela, a coser ou à bordár? As tardes pa­
recem.-lhe ·tão compridas sem o marido ! Oh ! , se ele es­
tivesse em casa ; bem gostaria ela de ali estar também !
Mas já que ele anda por fora, por que não há-de ela fazer
como ele? O melhor meio de sentir alegria ao entr.u
em casa não será ter saído? . . .
Arrastada assim pelo engodo das distracções, a jo­
vem mundana deita para o lado agulhas e tesouras. Por
certo que um remorso lhe atravessa a consciência quando,
jogando para um canto o seu avental e arrumando o seu
cesto de costura, ela enfia um trajo de sair. . . Ela sente
bem que deserta . . . que o dever não .é aquilo . . . que, se
estivesse disposta a prender-se a seu lar, lhe saborearia
os verdadeiros gozos: «a cela é agradável mas é para
quem · nela quer estar)), diz a Imitação . . . (l) , lembra-se,
enfim, que o seu programa era muito outro . . . Mas tais
perplexidades sacode-as ela lbem depressa dizendo lá con­
sigo que recuperará depressa o tempo perdido, que ama­
nhã fará o dobro do tralbalho . . . que seria ofensa faltar
à amiga que a espera . . . que, afinal, as relações sociais
podem ser tão úteis ao lar como a costura e os cuidados
de casa . . . E assim tranquilizada, ei-la a caminho , com
passo lento e coração contente. Pois não antevê ela uma
tarde radiosa? . . .
Se, no dia seguinte, ficasse em casa, tranquila, en­
tregue a si própria, como se havia determinado, as con­
sequências desta saída não teriam gravidade de maior.
Mas um prazer atrai outro, como os elos duma . cadeia,
Ela pensara, na verdade, ficar em casa onde a esperava
a roupa a brunir mas eis que uma jovem casada -' que
ela aliás não ·conhecia, - se encontrava em casa da amiga
quando ela lá foi. Essa desconhecida da véspera tinha-a

{r) Imit. Liv. I. ca.p. 20, n.0 5 ·

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convidado com tanta amabilidade e insistência que seria
ofensa não corresponder aos !leus primeiros convites . . . A
roupa a brunir que espere . . . haverá assim tanta pressa? . . .
·Para aquietar os seus escrúpulos, ela decide-se a pedir
à noite, ao marido que a leve ao cinema para ver o emo·
cionante drama que a dita nova amiga tanto lhe gabara
ainda há bem pouco . . . E o marido, sempre solícito em
fazer à felicidade da mulher, «acompanha-a» ao cinema
e aprova tudo de olhos fechados . , . E, no dia seguinte,
« ficará» a chave debaixo da porta» enquanto a dona de
casa se for entregar ao seu prazer favorito . . .
As ((atracções» multiplicam-se. Após a última, apa·
rece sempre uma com que se já não contava e que seria
« indelicadeza recusar» . Saltitando assim duns divertimen­
tos aos outros, a jovem casada corre a cidade inteira, co·
mo um rouxinol que, saltando de ramo em ramo, correu
as árvores todas duma floresta . . . Qualquer coisa de pare­
cido com aquela mulher, um tanto exagerada - have­
mos de concordar - que, no primeiro do ano, ainda não
tinha acabado as suas quinhentas visitas que ela registara
no seu canhenho . . .


* .

Se esta jovem casada sente tanto gosto em correr


áqui e acolá é porque nisso encontra - ou pelo menos
julga encontrar - o triunfo. Pois tais são os dois ele­
mentos constitutivos do espírito mundano: prazer e t•ai­
clade.
A jovem casadà é na verdade, muito sensível às li­
sonjas que ouve de todos os lados e que ela interpreta
como preitos duma admiração sincera. Pois não será evi ­
dente - vai lá ela dizendo consigo - que todos sentem
por mim viva simpatia? Se assim não fosse, como se ex­
plica que desejem tanto tornar a ver-me? . . . Ela pressen-

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te que lhe acham muita viveza de espírito e a prova é
que, quando fala, são todos ouvidos . . . E não é o seu
talento uma verdadeira sedução? Quando lhe pedem para
tocar piano, só a deixam levantar,se depois do segundo
ou do terceiro trecho . . . E no que diz respeito a beleza
plástica, ela sente,se verdadeiramente uma «estrela>> . . .
Pois não está ela convencida de que sobrepassa todas
as outras? . . . Aliás, o seu gosto requintado, os seus ves,
tidos, reclamam por tal modo os seus encantos que não
haveria razão alguma para que não fosse entusiàsticamen,
te apreciada.
E assim a imaginação vai alçapremando esse <5Ídolo»
que a pobre «adorará» e que outra coisa não é senão um
postiço embelezamento de si própria. Pois anda ela re,
dondamente enganada, tanto no que se refere às suas
qualidades pessoais como às apreciações feitas a seu res,
peito pela roda que frequenta.
Por certo que lhe não faltarão alguns encantos. Do,
tes de espírito também não. Ela é susceptível de conquis,
tar verdadeiras simpatias pois conseguiu prender o
coração do marido. Mas, a sua influência seria tanto
mais real e eficaz na medida em que ela limitasse o seu
campo de acção ao seu lar onde, longe de concorrentes
invejosos, tem o direito e o dever de agradar quanto ela
diminui agora a sua bagagem de dotes pretendendo sutb,
jugar as mundanas que escondem, nos seus sorrisos, o
azedo da sua rivalidade. Ah! se a mulher que acredita
nas palavras melífluas que ingenuamente toma por sin,
ceras, ouvisse as frases que se cochicham à sua volta quan ,
do sentada, por exemplo, ao piano, ela está de costas e os
acordes do piano encobrem as vozes ! . . . Os comentários
seguem,se então uns aos outros: «Que pedante ! . . . Que
interessante, se não fosse aquela afectação ! . . . Que mal ar,
ranjada l . . . Que figura vulgaríssima ! . . . » Acabado o tre,
cho, acabam também os remoques e, como por encanto�

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1 43

os rostos tornam-se radiantes, as palmas crepitam e, a


pedido, ela acede a tocar novo trecho, e os seus admi­
radores, como vingança da sua ingenuidade, continua1n
com os seus maldosos comentários . . .
O mundo é maldoso e cruel. Cada qual, por sua vez,
é nele carrasco e vítima. Corta-se ali na casaca, mas de
maneira tão hipócrita e de modos tão lisonjeadores que
o suplício sofre-se sem dor. . . Dificilmente o percebem

algumas que são devoradas, por tal modo é fácil de ador­


mecer a sua vaidade feita de confiança em si mesmas e
·

de crédito na .mentira que agrada . . .


Não cedam, pois, as jovens esposas, desejosas da fe­
licidade, à invasão do espírito mundano! Ele só lhes tra­
ria dissabores. A demais, se elas se resolvessem a conser­
var-se assíduas no seu lar, evitando reuniões inúteis, e
usando do mundo o estricto indispensável para respeitar
<>s costumes e causar satisfação ao marido, veriam, a bre­

ve trecho, do seu observatório de paz, a multidão dos in­


felizes que se debatem nas ondas desse oceano, prestes a
se afundarem. Elas veriam, nesse mar traiçoeiro, desen­
rolarem-se horríveis tragédias: batéis, tendo dentro jovens
esposas, se balouçarem como cascas de nozes e despeda­
çarem-se; vagas cheias de lodo rebentarem sobre jovens
esposas que avançavam ufanas da sua honra e da sua
beleza . . . infelizes arrastadas pelo fluxo e refluxo, como
joguetes, em fundos cheios de lama . . . Virá então ao espí­
rito das esposas que se mantêm fielmente presas ao seu
lar, aquela dolorosa reflexão do poeta latino : ((Como é
bom sentir-se em segurança sobre a praia enquanto nau­
fraga um :barco no meio do furor das ondas)) ! <l) .


• *

( 1 ) Lucrecio. De Natura Rer.um. Liv. II, vers. 1 e se&.

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1 44

Temos agora de considerar um pouco mais de perto


e -em pormenor, as várias e terríveis desgraças que esse
« mundo atroz>> inflige às suas vítimas, desgraças cuja
simples descrição é de arripiar.
O primeiro perigo a que ele as expõe é a deserção
do lar. O bom do La Fontaine disse: ((A ausência é o
maior de todos os males» (1) . A ausência de casa, à. me­
dida que se repete e se prolonga, acaba por tornar de­
testável o lar da mundana. Arrastada pelas distracções
e ocupações externas de toda a casta, a casada chega pouco

a pouco a não se aguentar em casa senão para dormir

e comer. Entra em casa, à pressa, alguns minutos apenas


antes do momento do regresso do marido. Às vezes, não
tem ela ainda tirado o chapéu e as luvas e o marido
já está a abrir a porta: vinha-lhe mesmo no encalço.
Claro que nada está pronto em casa. Tais como ficaram
os móveis, dispersos e em desordem, depois do almoço.
tais os encontra agora. .Pois assim como ela entra em
casa poucos minutos antes dele, assim poucos minutos
leva atrás dele ao sair de casa, como se o pavimento
'
da casa lhe queimasse as solas dos pés.
E assim é fatal que a casa tome, pouco a pouco, o
aspecto dum armazém de velharias. Os utensílios amon­
toam-se uns sobre os outros. Os pratos, as chávenas, os
copos, tirados do aparador, parecem não ter pressa de lá
voltar. . . Se o jovem casal não tiver meios de pagar a
uma criada e a sorte de ter achado uma que seja dedi­
cada e conhecedora do assunto, a loiça e a roupa arras­
.

tar-se-ão, a breve .trecho, por cima dos móveis e até pelo


soalho. E nas casas em que, por economia, se prescinde
de uma criada, a dona, para não faltar a nenhum encon­
tro, a nenhum convite, a nenhuma cerimónia, amontoa
no pavimento da cozinha os pratos sujos e, na hora de

.( 1) Fabulas, Livro IX, Fabula II, Os do-is pombos.

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se sentarem à ·mesa, passam-se ràpida·mente por água os


que têm de servir. . .
Nesta casa desleixada, qu� se torna repelente, há,
no entanto, um dia ou outro em que surge o ardor pela
limpeza : quando se tem de receber visitas ((para retribuir
delicadezas». A mulher chama então uma mulher a dias
e, no espaço duma man'hã, fica tudo no seu lugar. As
visitas, reconhecidas com a cordial recepção, maravilham­
-se deveras de enrontrarem tanta ordem em casa duma
mulher que «salta aqui, salta acoláll e . . ' admiram a acti­
vidade desta mulher que sabe tão bem casar deveres com
diversões.
Como os mundanl)s se deixam enganar, desde que
haja a arte de deitar-lhes poeirá aos olhos ! Se as visitas
tivessem a pequenina curiosidade de empurrar a porta
que dá comunicação da sala para o quarto de dormir,
ficariam logo excelentemente informadas da ordem da­
quela casa . . . Não havia ali de bem arranjado senão ape­
nas aquilo que as visitas pudessem ver. Em tudo o resto,
completa desordem ! Do outro lado, a roupa amontoava­
-se por remendar, as camas por fazer, o vestuário por cima
das cadeiras . . . Para tudo é preciso tempo: um acto pas­
sageiro não basta. Os cuidados do lar exigem minúcia
e as minúcias muitos minutos . . .

Como tem razão a jovem casada que se agarra à casa


c se recusa a sair sem verdadeira utilidade ! Ela verifica,

por experiência, que o seu trabalho nunca tem fim, ca­


deia de fusís contínuos, que está sempre a recomeçar . . .
.Por isso, não consegue ela compreender como é que
as suas amigas mundanas dizem que �chegam para tudo».
Mas, por caridade, prefere ela admirá-las ingenuamen­
te a suspeitá-las de mentirosas . . .

*
* *

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Esta deserção do lar, causada pelo espírito mundano,
não passaria dum dano material, reparável talvez, se não
trouxesse consigo, como çonsequência, o abandono do
marido.
Ao casar, o homem tinha sonhado com uma mulher
que fosse toda dele. Qual não é a sua decepção quando,
pela primeira vez, verifica as tendências estouvadas da
mulher I Manifestou-lhe a sua decepção. Mas ela teve res­
posta para tudo. Que tem ele a dizer-lhe? Acaso, já o dei­
xou ela, só, em casa? Não está ela sempre em casa, quan­
do o marido chega? Quando, ao domingo, ele vai para a
caça ou para a pesca, não vai ela sempre com ele? � claro
que, quando se encontram juntos, ela só tem prazer quan­
do ele concorda em irem ao teatro, ao cinema, à reunião
mundana . . . Mas por que se queixa ele de ·ela o levar às
diversões? A demais, não será injustiça recriminar as suas
relações, tão escolhidas quão numerosas? Ela torna o seu
marido conhecido, atrai para ele clientes e admiradores.
Não é um tanto ou quanto devido a ela que a situação
por vezes melhora?
O marido que se não deixa ludibriar com semelhan­
tes razões verifica que não tem meio de ser compre­
endido. Mas, como para fazer entrar uma ideia nesse re­
cipiente hermeticamente fechado, que é uma inteligên­
cia atafulhada de preconceitos, seria necessário partir o
vaso ; ele prefere, para salvar a paz, resignar-se e calar-se,
resolvido como está a contentar-se com que a sua mulher
concorde em proporcionar-lhe felicidade.
Mas, infelizmente, ela pouca lhe dá! Enquanto ela
lhe descreve, gulosamente, a delíéia da merenda ofere­
.cida, há bem poucas horas, em casa duma amiga, o po­
bre homem tem de resignar-se a comer um pouco de pas­
tel que ela comprou, pois não teve tempo de cozinhar
nada. Vai lá dizendo consigo que preferia ter antes na
;boca do que nos ouvidos os mimos que a mulher lhe

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descreve mas que ela nunca teve a generosidade de lhe


preparar, pois o seu jantar .é o mundo que lho come . . .
E assim termina melancolicamente a refeição, sempre com,
posta de iguarias saídas de expedientes da última hora,
raramente apetitosas, muitas vezes intragáveis.
E quando, ao passar da casa de jantar ao seu quarto,
.c maridQ quer vestir,se para aparecer em público, de,

parap1'se,lhe então os estragos do mundanismo sob a for,


ma de roupa esburacada, botões caídos, colarinhos por
engomar. Protesta, fazendo notar que, logo de manhã,
avisara de que era preciso arranjar o fato e aprontá,lo
para de tarde, A mulher desculpa,se alegando que não
teve tempo . . . mas que não vale a pena enervar,se: para
acender um ferro, enfiar uma agulha, é questão de um
minuto. . . Um pesponto dá,se depressa, um colarinho fica
a luzir num abrir e fechar de olhos. . . Ele espera, im ,
pacienta,se. O trabalho apressado sai sempre imperfeito.
Enquanto ele vê a mulher afadigar,se, vai pensando con, ·

sigo que ela poderia bem ter feito de manhã e com tem,
po um serviço que agora atamanca tanto à pressa! E sen,
te com isso profunda mágoa.

E está,se a ver a reacção com que o marido respon,


derá ao mundanismo da mulher. Para afastar a tristeza . . .
far,se,á também mundano. Já que ela foge de casa que a
aborrece e vai para reQniões que a deleitam, por que não
há,de ele «desenfastiar,se» também por seu lado? . . . A
assembleia ou o café o que pedem é a sua presença. Aí,
ao menos, encontrará pessoas amáveis. Dentro de pouco,
terá lá amigos que lhe suavizarão a existência. E ele ar,
ranja assim a «sua vidinha». Não entrando em casa �e,
não para comer - quando não é convidado para almoçar
no restaurante, o que sucede o mais frequentemente pos,
sível - a sua existência corre absolutamente parelhas com
a da mulher.

* *

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Pode, no entanto, suceder que estes mundanos se�
jam subitamente reconduzidos - ao lar e nele se tomem
assíduos, com o nascimento dum filho. Esse pequenino
ser cuja presença eles receavam - e diante da qual recua�
vam - com medo de que fosse um obstáculo aos seus
prazeres, acaba de vir ao mundo. Os pais, enlevados,
"voltam a unir,se>> ·à volta do recém,nascido, que amam
loucamente. Mais uma vez, na história das famílias, a
criança, sem o saber, terá sido o remédio dos corações
e o cimento da união. Junto do berço, se renovam os
juramentos, feitos ao pé do altar, e a verdadeira vida de
família, que deveria ter principiado com o casamento,
inicia,se com o baptismo do pequerrucho. O mal fica
reparado. Os esposos, até ali mundanos, voltam a subir
o declive fatal onde tinham escorregado, sobretudo se a
este primogénito se vêm jlUltar outros filhos. A mulher,
presa então à casa pelos pequenitos, necessitados e famin,
tos, cuja exigência a todos os instantes se manifesta, sa:bo,
reará, no meio dos gritos, das lágrimas e dos sorrisos,
as alegrias profundas da maternidade. ,Forçada a pensar.
a todos os instantes, nos outros, ela ver,se,á obrigada a
praticar aquela virtude, cuja falta era causa da sua des,
dita: o esquecimento de si própria, a abnegação.
Felizes as jovens mães que, após um momento de
futilidade, regressam assim à compreensão séria da vida!


• •

'Mas como é lúgubre a sorte das que, não tendo


sabido aproveitar desta lição providencial, fogem de casa
para voltarem ao seu teor de vida mundano ! . . . Quem
será capaz de . as fazer - voltar?
Após os dias que se seguem ao parto, a jovem mãe,
achando demasiado longas as horas de imobilidade, sus­
pira pela agitação. Ela declara então, sem rebuço, que
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1 49

não tem saúde (deveria dizer coragem) para alimentar


a criança. � que ela prevê as prisões que criaria a si pró­

pria assumindo tal encargo, que constitui, no entanto, pa­


ra ela um dever, e então trata de as partir.
Enquanto outras mães de filhos, essas profundamen­
te sérias mas de constituição mais frágil, sentem profun­
da pena de não poderem dar aos seus filhinhos o leite
dos seus peitos, esta exterioriza uma pena feita de enco­
menda que não ilude ninguém.
Mas, surge uma dificuldade: a quem confiar o filho?
Ele não pode ficar .só em casa . . . Se é rica, o problema
está ràpidamente arrumado: arranja-se-lhe uma nurse, já
que o termo ama é por demais corriqueiro . . . Se é pobre,
pedirá à mãe ou à sogra que se encarregue da criança . . .
Pois as avós são tão boas, tão dedicadas, sempre tão pron­
tas a prestar serviços! Além disso, sentem-se tão felizes
por se verem mães outra vez! Acaso não irá este reco­
meço dos seus antigos háhitos remoçá-las duns vinte e
cinco anos, como por encanto? E não lhes irão estes ser­
viços prestados conferir aquela autoridade no lar de que
elas foram tão dolorosamente esbulhadas a partir do dia
do casamento e de uma forma pelo menos :brusca para
não dizer brutal? . . . Não tinham elas verdadeiros tesou­
ros de experiência a transmitir? . . . .Pois nada perderam
com a espera e eis chegado o momento ém que vão reas­
sumir o ceptro de «rainhas-mães)) de que elas jamais ha-
. viam, aliás, abdicado.
Que preciosos benefícios não derramarão neste jo­
vem lar, se a sua longa prática da vida tiver dotado es­
tas boas avozinhas de uma consumada prudência! Em pri­
meiro lugar, porão a salvo a saúde da criança. Em mãos
experimentadas, tomará depressa aquele aspecto de pe­
querrucho rechonchudo que tanto lisonjeia as mães. De­
pois, quando soar a hora de começar a formar-se-lhe a
alma, a meiga avozinha instalará no seu espírito a sua

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fé, o seu amor de Deus, os seus sentimentos virtuosos . . .
E é assim que certas crianças, ficam, de uma geração, su­
periores aos pais em valor moral.
Mas estas veneráveis avós não limitarão a sua bené­
fica influência a estes pequenitos c ujos cuidados lhes fo­
ram de boamente entregues. Não poderão elas esquecer
que, se são avós, são mães e que, em qualquer estado da
vida, lhes incumbe orientar os seus filhos casados. Ora,
precisamente, elas sentem estar de posse, nesse momento,
de uma situação privilegiada : gozam de uma confiança
feita do valor multiplicado dos seus serviços quotidianos.
Exigem elas, pois, o pagamento desses serviços com
a moeda que será a reforma da mundanidade, o regresso

aos · interesses do lar, o apreço pela vida de família. Se


tudo isto lhe for feito, poderão então considerar-se por
muito bem pagas dos seus trahalhos .


.. .

Se as funestas consequências do abandono da crian­


ça podem ser vantajosamente compensadas pela interfe­
rência duma avó prudente e dedicada, estão ao invés, su­
jeitas a multiplicarem-se quando o recém-nascido é entre­
gue aos criados.
E, no entanto, certas mães não sentem qualquer es­
crúpulo em entregar os filhos a mãos estranhas. Nada
dispostas a renunciar às suas distracções, vêem-se mães
jovens andar à procura de «substitutas». Noutros tem­
pos ainda era fácil encontrá-las. Havia, no meio serviçal,
aquelas almas dedicadas, respeitadoras dos amos, dotadas
de fé robusta e de uma virtude tanto mais admirável
quanto mais humilde e desinteressada. Não se esgotou
completamente esse p�drão, mas tornou-se tão raro hóje
em dia que uma dona de casa, à procura duma criada cede
toda a confiança>>, pode convencer-se de que a não chega

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a descobrir. Ela irá, então ao escritório de colocações ou
orientar-se-á por indicações de amigas e tomará ao seu
serviço ' a pretendente que achar menos distanciada do
seu ideal mas que nem por isso andará dele muito pró­
xima . . . E assim foi uma mulher contratar uma criada
que serviu num café e sobre cujo passado evitou fazer
perguntas. Rapariga excessivamente activa, inteligente,
entendida em tudo, em cozinha como no arranjo da casa,
cuidou . muito bem da criança. Dentro em pouco, tinha
toda a confiança dos seus patrões que faziam vista gros­
sa a tudo o resto. Pois seria isso pagar demasiado caro
a vantagem da sua liberdade? . . . Mas, ao fim de três anos,
o patrão descobriu que ela tinha bebido o vinho da gar­
rafeira e a patroa verificava, por sua vez, que ela ensi­
nava à criança palavras indecentes e até 1blasfemas . . .
Com cambiantes mais ou menos variados, esta histó­
ria repete-se. :E: caso para perguntar-se, às vezes, qual a
causa a que se deve atribuir a afeição de certas crianças
por ideias opostas às dos pais. Como é que, tal filho de
família, penetrado de socialismo, comunismo, até aos os­
sos, sente vergonha da sua nobreza e das tradições da
sua família . . . Como se explica que certos jovens se com­
prazem em frequentações vulgares e maneiras triviais,
de que seus pais, distintos no seu modo de se apresentar,
julgavam tê-los dissuadido?. . . Quando se passa em re­
vista o passado, chega-se a descobrir que tais ideias eram
a> da aina e do criado de quarto . . .
Por isso, nunca será demais repetir às mães que só a
elas é dada graça de estado para tratar dos seus filhos,
e, se é legítimo procurar um auxílio, é culpável fazer-se
substituir! Não devem, pois, de forma alguma, descurar
o seu dever! Como seria possível que tivessem a sinistra
coragem de fechar os ouvidos à voz do seu anjinho para
escutar a do mundanismo? «De que lhes serviria terem
todos os êxitos do mundo, se viessem a perder a alma

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do seu filho?)) Entre o mundo que a chama e o filho que
lhe estende os bracitos, não há lugar para hesitação na
escolha. É à roda daquele berço que doravante decorre­
rá a sua «festa» sempre amimada, dela e do marido. Os
vagidos ou os sorrisos do inocente substituirão a orques­
tra, as vigílias serão as noites de baile . . . Todos os sacri­
fícios serão amenizados com um prazer inefável porque a
jovem esposa sentirá que, na companhia do marido, ca­
seiro como ela, trabalha na obra autêntica, única própria,
única duradoira,· da edificação do seu lar .

.
* .

Uma mulher que se furta ao munda,nismo nunca


sa:b erá apreciar suficientemente a felicidade que possui.
Se o pensamento de ter escapado a certos perigos que
lhe vêm à memória a enchem de satisfação, tal satisfa­
ção iria até ao entusiasmo se ela pensasse em muitos ou­
tros a que se teria arriscado, e que nem sequer lhe teriam
passado pela mente.
Os pecados da língua são uma das calamidades a que
a mundana mais se expõe e em que ela menos pensa. E,
no entanto, que miséria! S. Tiago diz que, «O que não
peca com a língua é homem perfeitOll <1>. E não será o
invés verdade também? «Aquele ou aquela que peca com
a língua é um homem ou uma mulher imperfeitabl O
perspicaz Esopo, ao dizer que a língua é a melhor· e a pior
das coisas, disse uma verdade tão velha como o mundo.
Não é, todavia, lícito, diminuir a mulher por causa
da língua. O homem não sente dificuldade nenhuma em
arvorar-se em «santinho'' em matéria de caridade para
com o próximo. Não tem dúvida alguma em pôr sobre
as costas de mulher todos os defeitos e pecados de língua

( 1) lac. 111, 2 .

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I 53

contra a justiça ou contra a verdade. Não deve ele e:��


quecer que é tão fraco como a mulher em matéria de ex­
cessos de língua. Deve ele recordar as palavras do fabu­
l ista:
« Sei até que, neste particular,
Muitos homens são verdadeiras mulheres " .(l>
e que talvez ofendam, nessa matéria, mais gravemente a

Deus. Com efeito, quem é que diz mais palavras in:::on·


venientes'? Quem é que se entrega, por vezes sem escrú­
pulos, a conversas obscenas? Quem é que, sem qualquer
hesitação, j unta às palavras indecentes verdadeiras blasfé­
mias? Como anda carregada de responsabilidade a língua
.de certos homens! A maledicência e a calúnia essas não
têm predilecções por este ou aquele sexo: são entusiàsti­
camente cortejadas pelos dois . . .
Frequentemente mesmo, o homem põe-se a dessegrir
o próximo com uma -brutalidade correspondente a toda

;:� potência do seu natural. A língua masculina actua mais

à maneira da espada do que de agulha, o que não quer


dizer que a vítima imolada às alfinetadas não sofra mais
do que a morta a golpes de espada.
Mas, então, se os dois sexos são igualmente frágeis
em matéria de «pecados de língua>> por que é que o tri­
bunal da opinião pública os não manda embora quites
em vez de condenar só a mulher? Este veredicto tem as

suas razões. «A ocasião faz o ladrão>>, isto é, a mulher é,


mais frequentemente do que o homem, levada pelas cir­
cunstâncias a bisbilhotar e, por tal via, a usar mal da lín­
gua. Daí os seus numerosos excessos, daí a sua desprimo­
rosa reputação. Enquanto o marido se entrega aos negó­
<.ios, ocupado em assuntos prosaicos, a mulher vai fazer
visitas. Nas visitas naturalmente mexerica, « pois que ha-

{ 1 ) La Fontaine, Liv. VIII, Fabula IV. As mulheres e o


segredo.

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1 54

veria ela de fazer numa visita se não falasse? ». Os as­


s·untos sérios a breve trecho estão esgotados. Aliás, que
encanto têm eles? Entra-se, pois, n a crítica e aí não falta
pano para mangas . . . Uma história traz outra, um comen­
tário provoca outro mais mordente. Como um « eléctrico ''•
;:; conversa vai rodando sempre cada vez mais cheia, me­
tendo dentro continuamente novos passageiros que ela
atira para o chão, quando não vai esbarrar, com todo o
seu peso, contra a fachada que fica defronte . . .
As maledicências . . . as ca�únias . . . seguem-se umas às
outras. Se os factos são verdadeiros na primeira boca que
os descreve, serão logo desvirtuados pela segunda. Cada

interlocutora acrescenta à história um dito engraçado,


uma anedota divertida, uma facécia sonor.a . . . A história,
insignificante de começo, tornou-se, a· breve trecho, uma
mentira atroz, susceptível de aniquilar a mais honrosa
reputação. ,
Estes carrascos elegantes, de maneiras tão delicadas,
com mãos de fada, não poupam ninguém . .Toda a gente
é liquidada no cadafalso . . . até os maridos . . . às vezes so­
bretudo eles!
Seria ilusão pensar que tais excessos de língua são o
pecado só da gente da alta roda. Também à gente do
vulgo se deparam as ocasiões e também ela sucum1be à
tentação. Quantas mulheres caseiras não têm denegrido a
reputação do próximo sobre a soleira da sua porta! Ou,
ainda, quantos conciliábulos reunidos, após o trabalho,
em companhia de vizinhas j untas para trabalhar de agu­
lha? Que se esteja a coser meias numa cozinha ou a -bor­
dar numa luxuosa sala, o perigo é o mesmo. Tem-se
a ilusória impressão de que, à medida que se vai despin­

do o próximo vamos ficando vestidos com as virtudes que


lhe vamos tirando . . .
As consequências de tais conversas são terríveis. Sem
falar dos ressentimentos a que dão origem semelhantes

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1 55

bisbilhotices, quantas desuniões estas tristes conversas


não causam nos lares !
Mais cedo ou mais tarde, tudo se vem a saber. As im­
previdências da língua chegam, um dia, aos ouvidos do
marido que se sente humilhado e entra em cólera ao sa­
ber que acontecimentos rigorosamente Íntimos foram di­
vulgados. Responderá, ao sabor da reacção inspirada pelo
seu temperamento, contra a atitude da mulher, quer com
queixas magoadas, quer com a ira, quer com uma frieza
que durará tanto como o ressentimento. A boa harmonia
do lar em nada melhorará com isso e a confiança mútua
ficará fortemente diminuída.
E é assim que o mundanismo consegue, por vias vá­
rias mas que vão bater todas no mesmo ponto, tomar a
vida comum pesada e aborrecida aos cônjuges. Eis por­
que nunca será demasiado o cuidado que a esposa, dese­
josa de permanecer o centro de a(racção do seu lar, deverá
empregar para fugir dos excessos da língua, a que se
sentirá arrastada com o espírito mundano. Fugindo a se­
melhantes «_cacarejos>>, que fazem sempre mal nem que
seja a quem <<cacarejan, a jovem casada deverá reservar
para o seu marido os entusiasmos da sua palavra e os en­
cantos da sua conversação. Logo que ele entre pela casa
dentro, deverá ela ir contar-lhe o que é susceptível de lhe
interessar; dar-lhe-á as últimas novidades a respeito dos
filhos, contar-lhe-á os acontecimentos ocorridos naquela
mesma tarde. O marido ficará encantado com o prazer
tão interessante daquelas conversas. � tão suave uma lín­
gua de mulher, quando pura de todo o veneno!

*
* *

As tagarelices mundanas não expõem sàmente os


seus autores a pecados graves contra a caridade mas são
também frequentemente o ponto de partida de aventuras

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em que a fidelidad� conjugal e a própria honra dos lares
correrão graves pertgos.
Lançai o mau grão num terreno fértil e ele germi­
nará imediatamente. Assim acontece com as palavras im­
prudentes proferidas aqui e ali por uma temerária palrei­
ra. Palavras no ar - dir-se-á . . . Desenganemo-nos. Tais
palavras não serão balas perdidas para todos: atingirão
certos corações nos quais irão despertar sentimentos e
desejos.
Assim n ascem esses vampiros do amor conjugal que
o mundo chama « flirts» <1l. Por que designar com esta

palavra estrangeira certas amizades desastrosas? Será para


esconder numa palavra, que não assusta na língua pátria
porque se não compreende, um dos males que mais
devem fazer estremecer os cônjuges?
·Pense, um pouco, a jovem esposa no perigo que cor­
re. Sem dar por isso, a sua indumentária, «Último figu­

rino», os seus afectados encantos, as suas conversas frí­


volas, a sua aversão pelo lar e as suas ausências de casa
levaram algum mundano, peralvilho e espirituoso, com
quem ela tem ocasião de se encontrar muitas vezes, a
dizer, lá de si para si, que esta sedução exterior revela
um fruto maduro, próximo a cair da árvore, que ele che­
gará a colher fàcilmente.
Ingénua, a jovem casada não repele as primeiras
amabilidades que lhe são dirigidas . Como toda a leviana
gosta de ser galanteada, ela recebe, como se fosse uma
deusa, as homenagens desse intriguista. Ela não descor­
tina o objectivo que ele tem em vista e é aí que está
a sua desgraça. Ela desconhece, na sua inexperiência,
que nenhuma adulação é desinteressada e que todo o <<li­
sonjeador vive à custa daquele que o escuta » (2l ,

'(.1) O "flirt» é uma es écie de entretenimento e passatem­


p

po à maneira de namoro. (N. do T.).


(2) La Fontaine. Livro I, Fabula II, o Corvo c ·a rapas�.

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1 57

Se ela soubesse, fugiria a tempo. Escaparia a essas


importunações do amor louco, a essas brincadeiras, a es­
sas impurezas (l) . Ela correria para casa, jurando que ja­
mais voltariam a apanhá-la e fechar-se-ia no cumprimen­
to do dever. IPois tal deve ser a atitude duma jovem ca­
sada. Ela não mais se pertence a si própria, ela pertence
ao seu marido, e todo o audacioso que ousa atingir a
sua honra deve inspirar-lhe o mais profundo horror e
desprezo.
Infelizmente, mercê da sua inexpenencia, a jovem
mundana, não vendo nenhuma consequência lamentável
das suas imprudências, não se afasta do perigo. Diz ela,
lá consigo, que para ela não há perigo; ccOuvi-lo-ei mas
não farei nada do que ele me disser; dar-lhe-ei ouvidos
mas recusar-lhe-ei o coração» (Z) Resolução ilusória, pois
é tão impossível impedir na sua queda uma palavra per­
versa que passa do ouvido ao coração, como impedir uma
torrente que desce duma alta montanha . . . E eis que o
mal se apresenta. O coração é invadido e, ao mesmo tem­
po, a imaginação. A afeição pelo marido é substituída
pela paixão que começa a queimar o peito . . . , a obsessão
envolve o espírito, a preocupação torna-se constante, o
aborrecimento pela vida conjugal começa a manifestar-se,
terríveis sintomas da tentação que vai levantar-se dentro
de pouco .. . A jovem casada roça pelo abismo . . . Irá preci­
pitar-se neie?
Geralmente, a mulher descobre o perigo a tempo.
Hesita em dar o passo que a precipitaria no abismo do
pecado. Ela sente o instintivo horror pelo negro precipí­
cio cavado aos seus pés e que lhe causa vertigens. Como
que maquinalmente, ela procura agarrar-se a qualquer

{ 1 ) S. :Francisco de Sales. Introd. à Vida Devota. Terceira


Parte, Cap. XXI.
(2) lntrod. à Vida Devota. Terceira Parte, Cap. XXI.· Ad-
vertências e remédios contra as amizades perniciosas.

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coisa que a segure: volta-se então para o marido, para o
lar, para as suas tradições, recorda os seus votos de fi­
delidade, as suas primeiras venturas . . . A reaparição des­
tas imagens pacificadoras :bastarão para d issipar-lhe os
fantasmas da paixão e o coração entra na ordem.
Algumas vezes, porém, a jovem mundana não dá
pelo perigo que corre. Lança-se nele de olhos fechados.
fascinada pelo abismo . . . Por felicidade, outras adivinham
o seu estado interior por sinais que ela não consegue
disfarçar. O marido nota que os ·pensamentos e os cui­
dados da mulher são absorvidos por outro; a mãe da jo­
vem consorte descobre na filha uma evolução inquieta•
dora, manifestada por indícios muito sintomáticos. E to­
dos os que a rodeiam se coligam para abrir os olhos à
pobre jovem. Quase sempre, sob a acção da humilhação
benéfica que se sente ao ser-se encontrado prostrado no
chão, a ilusão desfaz-se e a verdade raia fulgurante. Nes­
�� momento, a jovem iludida volta a tomar posse de si.

Tl!m ainda suficiente energia, espírito de fé e até simples


•b om-senso para ouvir os conselhos prudentes que lhe dão
e que são a repetição, sob formas várias, daquelas que
S. Francisco de Sales dá tão energicamente ccàquela que
t:aiu nesse laço do namorico>> : ((Podai, cortai, parti. Não
basta entreter-se a descoser essas doidas amizades: é pre­
ciso rasgá-las ; não basta desatar peias: é preciso cortá-las
ou parti-las; nem cordões nem grilhões valem coisa ne­
nhuma. É preciso não ter qualquer· contemplação por um
amor tão contrário ao amor de Deus» (1) .
Se a imprudente vítima tiver a coragem de obedecer
a estas imposições, difundir-se-á logo sobre o seu cora­

ção um benéfico rocio que a refrigerará das chamas de


que se sentia devorada. Como outrora os três adoles­
centes na fornalha, cantará ela, liberta, do fogo, um hino

{1) Introd. à Vida Devota, lbid.

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I 59

à glória de Deus! A paz reconquistada parecer,}he,á ago,


ra tanto mais deliciosa quanto a sua paixão lhe teria oca,
sionado mais ángústias do que felicidade, como ela con,
fessa nos seus momentos de sinceridade.
Mas, algumas vezes, ela não quer ouvir a razão.
Permanece surda às razões como às orações. A própria
presença dos filhos deixa,a insensível. Declara que en,
controu outra forma de ((viver a sua vida» . . . que o
divórcio é uma modema aquisição de que se deve saber
usar . . . que ela quer usar dos seus direitos. E pensar que
o <<laicismo>>, introduzido na nossa legislação pelas Lojas

maçónicas, nos forneceu esta casta horrenda de jovens


casadas sem vergonha que vêem t;o casamento um jogo
da lotaria, no qual se troca de parceiro à vontade! Pobre
familia ! Quantas feridas te não têm causado essas exco,
gitações diabólicas que se chamam as ((Leis laicas»J
*
* *

Não são, felizmente, as leitoras deste livro as que


são envenenadas pelo veneno funesto do desprezo das
leis divinas. As jovens esposas a quem os conselhos aqui
dados interessam deveras são almas desejosas de conhecer
a vontade de Deus e de a fazer reinar no seu lar. Por
isso, talvez este capítulo sobre os malefícios do munda,
nismo, lhe tenham causado uma certa satisfação inte,
rior: a que experimenta a alma que se sente no bom
caminho, e as tenham levado a tomar uma resolução fir,
me: a de manter,se no caminho da felicidade.
As desventuras da mulher mundana são bem de mo},
de a causar às almas sérias asco pela vida �útil e leviana.
No quadro que acabamos de traçar, as jovens casadas,
verdadeiramente desejosas de serem o ((encanto do lar » ,
terão encontrado aquela viva ((lição das coisas>> que as
animará com eloquência a levarem a vida calma e reca,
tada do lar, feita dos gozos da famllia e das alegrias da
intimidade.

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CAPíTULO SEGUNDO

O MAU GtNIO

A mulher casada compreendeu os perigos do mun­


danismo, gosta do seu lar e vive presa à casa. Afasta, pela
sua assiduidade ao dever, toda a série de « motivos de
aversão>> descrita n o capítulo precedente. Muito bem. Mas
não vá ela pensar que a sua simples presença em casa:
bastará para fazer dela o «encanto do larn em toda a la­
titude da palavra. � ainda n ecessário que ela lá se com­
porte por tal forma que a sua companhia seja cheia de
encantos para o seu marido. Tendo evitado os perigos
do exterior, falta-lhe ainda vencer os defeitos da intimi­
dade que viciam o temperamento e tornam verdadeira­
mente antipáticas tantas mulheres, dotadas aliás de emi­
nentes qualidades.
A certos maridos caíram em sorte esposas cuja vir­
tude reconhecem, a cuja fidelidade e dedicação prestam
encómios mas que lhes fazem pagar a dedicação com um
génio custoso de aturar. Como não deve a companhia
duma mulher «tão desequilibradap tornar a vida difícil !
As exigências, o autoritarismo, o orgulho, a inveja, o
desaibrimento, fazem do lar uma arena em que comba­
tem sem cessar um lutador contra outro, os q!lais, em
vez de se atacarem, deveriam mas era unir-se para es­
quartejarem juntos os inimigos da sua felicidade.
Digamos, desd� já, que as alterações do génio não
são menos frequentes no marido do que na mulher. Se
há maridos que sofrem, quantas mulheres não gemem
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e- não suportam, por vezes, as esquesitices mais 1mpre,
vistas! Seria, por isso, útil estudar o escolho do mau gé,
nio no homem, a quem não faltará certamente matéria
para Íntimas repreensões. Esse estudo interessaria a mui,
tas mulheres casadas. Mas, para circunscrever,se ao seu,
objecto, este livro só deve tratar das fraquezas a que a
mulher está exposta e que a podem inibir de exercer a
sua função no lar. No entanto, mesmo sob esta forma,
o presente capítulo corresponderá à dupla necessidade
conjugal pois é possível que o marido leia, por vezes, a
«sua história)) ao lado da da mulher . . . Para tanto bastaria
que ela, como que sem querer a coisa, deixasse o livro
aberto sobre a mesa, na página conveniente . . .

*
* *

Como se explica que raparigas bem educadas e se,


dentas de felicidade cheguem a ser causa de perturba,
ções no seu lar, mercê de imperfeições de temperamento
que à primeira vista pareciam fáceis de corrigir mas que
a experiência mostra muitas vezes difíceis de eliminar?
Esses hábitos de má disposição nascem quase sempre
às ocultas, sem que o saibam mesmo as pessoas que deles
são vítimas, as quais farão dos outros vítimas também
para toda a vida.
Aquela rapariga fica toda admirada de que a mãe
censure o seu tom altaneiro, a sua maneira de falar au,
toritária, o seu todo arrogante. Ela alega que não acha
nada disso em si . ... que, se o notasse, o corrigiria. E por,
que não dá por isso, continua. Verificadas infrutuosas
todas as advertências, os pais desanimam e, com grande
mágoa, acabam com os seus conselhos, tranquilizados com
a convicção de que «O feitio da . filha é tal que eles não

conseguem modificá,lo>>. A vaidozita continua, pois, a ar,

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vorar,se em rainha ou, melhor, em divindade que recla,
ma adoração.
Donde provém esta persistência da rapariga em pro,
ceder mal a ponto de desanimar os pais? Devemos pro,
curar a explicação do fenómeno no princípio que rege
todo o ((hábito » : ((Quanto mais um acto se repete mais
ftàcilmente se pratica e mais inconsciente se torna. Um
exemplo: .à medida que uma cria.I'\ça vai escrevendo, vai
traçando as letras com mais facilidade, até ao dia em que,
pteocupada apenas com o sentido da frase, deixa de pen,
sar na forma das letras que escreve. Esta dupla <dei» do
há-b ito,lei da facilidade crescente e da consciência decres,
cente- aplica,se fatalmente a todos os actos cuja repe,
tição quotidiana constitui a manifestação do tempe!'a,
mento. Assim, numa rapariga altiva, cujos ímpetos de
vaidade, sem serem frequentes se multiplicam à vontade,
chega a pavonear,se orgulhosamente na sociedade com
uma segurança de si mesma que surpreende toda a gente
mas que para ela é a coisa mais normal deste mundo.
Essas atitudes, que as companheiras não ousariam tomar,
acha-as ela absolutamente naturais, nem ela saberia pro,
ceder de outra forma. Verificou-se a lei de c<facilidade
crescente».
E a lei da ((consciência decrescente>> não se verifica
com menos precisão. Quanto mais esta rapariga se torna
altiva, orgulhosa, egoísta, menos ela o nota. Chegará,
talvez mesmo, a falar como aquela vaidosa pedante que,
com a maior ingenuidade deste mundo, achava ridículas
-certas pessoas que, ((em vez de deslumlbrarem os outros,
deveriam mas era imitar a sua simplicidade».
Do que se acaba de dizer se depreende que, para cor,
-tar as más tendências do temperamento, há dois objec,
<tivos a demandar: fazer cessar a inconsciência e aplicar,
,se a repetir os actos contrários. O primeiro resultado
'obter,se,á por meio de avisos indefessos; o segundo pelo

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maravilhoso trabalho da <<boa vontade» que quer
curar,se.
Por que deixaram os pais de admoestar? Eles deve,
riam, <<custasse o que custasse)), fazer ver o mal e .cortar,
com protestos repetidos, uma maneira de proceder que
pretendia estabelecer'5e como legítima. Hoje, que a filha
é casada, é ao marido que compete chamá,la a atenção.
Desde que ele saiba fazer as suas advertências com uma
doçura que se faça aceitar sempre bem e uma opor,
tunidade que remova todo o perigo de ferir, tem nas
suas mãos o meio de organizar a tempo a resistência
a hábitos cujo desenvolvimento poderia levar a funestas
consequências. Mas terá ele o jeito para falar quando e
como convém? E terá a jovem esP9sa :humildade sufi,
ciente para o escutar? . . . Foi no intuito de contribuir pa,
ra o bom resultado desses prudentes avisos, tão neces,
sários à felicidade, que este livro se esforça também por
dar ó seu contributo. Quem sa:be? Conselheiro mudo,
talvez ele possa, mais do que qualquer outro, ser ouvido,
graças à sua discrição e ià sua impersonalidade!
Quanto à segunda condição do bom êxito � <<a boa
vontade)) - será possível supor que a mulher a não te,
nha? Uma vez compreendido que a paz do lar depende
do sacrifício que ela fizer do seu autoritarismo e dos seus
arrebatamentos, não estará ela disposta a cultivar gene,
rasamente a humildade e a mansidão? Qual é a mulher
que, suficientemente precavida e confiada na autoridade
de quem a avisa, teria a temeridade de perseverar nos
seus desatinos funestos? Ela vai lançar,se, .pois, comple,
tamente, à luta contra si própria. Antes de empreender
tal tarefa, encontrará nas últimas páginas deste livro,
no capítulo que trata da piedade pessoal da mulher ca,
sada, a resenha dos meios sobrenaturais que deverá em,

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pregar para vencer ( ll . Quando os tiver posto em prática
e a calma tiver regressado ao lar, experimentará então
toda a suavidade destas palavras: «Paz na terra às almas
de boa vontade».

*
* *

Um dos defeitos que causam ao lar as mais profun­


das perturbações é a inveja. Esse terrível mal não permi­
te qualquer descanso à mulher" por ele mordida, e enve­
nena, ao mesmo tempo, a vida inteira do marido. Ele
ocasiona um grave perigo de aversão, pois o interior
dum lar onde um dos cônjuges é ciumento tem aparên­
cias do inferno.
Esse vício tem profundas raízes na alma. Algum:1s
das páginas do nosso livro Futuras Esposas, que se pode­
riam reler agora para melhor compr�ensão do que vai
seguir-se (2), esforçaram-se por mostrar o nascimento des­
ta paixão no coração da pequenita, o seu desenvolvi­
mento na rapariga crescida, e a sua eflorescência na noiva.
Falta desenvolver aqui a sua plena expansão na mulher
casada.
A jovem cônjuge ama o marido, suponhamos.
Nada de mais legítimo. Mas este amor é roído por dois
parasitas que irão até dissecá-lo por completo: o egoísmo
e a desconfiança. Estes indesejáveis não se mostram logo
nos primeiros tempos porque os esposos vivem numa
comunidade de vida de todos os instantes. Pois que po­
deria o egoísmo reclamar, se possui totalmente o objec­
to amado e dele usa a seu. talante para dele usufruir to­
das as vantagens que deseja?

( 1 ) Terceira Parte, úp. 1. A piedade pessoal da mulher ca­


sada: a luta contra o defeito dominante.
(2) Segunda Parte, Cap. I , p. 149 e segs.

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1 65

Na verdade ninguém, neste momento, se vem inter­


por entre o homem e a mulher.
Mas eis que chega o momento doloroso da separação,
mesmo curto que seja. Ele irá para os seus negócios que
lhe absorverão a existência. Ela, jovem dona de casa,
fica entregue aos cuidados do lar. E vai começar o seu
suplício. Vê-se perante uma realidade em que jamais ha·
via pensado: a separação do ser que egoistamente ama . . .

Pensara ela que ele fosse só dela e eis que ele lhe foge . . .
não completamente, é claro, pois volta a casa ao fim do
dia, mas escapa-lhe em grande parte. . . SOzinha, entre­
gue a si mesma, enquanto ele visita clientes, dirige a sua
casa comercial, trabalha na sua oficina ou no seu campo,
ela sonha negros sonhos . . . Segue-o com a imaginação . . .
Vê-o entregue aos seus negócios . . . Ele dirá coisas que
não serão para ela . . . terá gestos que lhe não são reser­
vados . . . amabilidades, sorrisos de que ela não fruirá ! . . .
Não será, pois, ela que goza, qual egoísta satisfeita, do
objecto amado? . . . Este pensamento excita-a até à loucu•
ra. Jamais havia ela suposto que o casamento fosse as·

sim tão falho de vantagens que a mulher dum marido,


mesmo sério e consciencioso, fosse obrigada a partilhá-lo
com outros.
Este egoísmo desperta na alma perturbada um sen·
timento de desconfiança que se abate corno um pesade·
lo. E se o marido, nos momentos de ausência, fosse dar
a outros um pedaço do seu coração?. . . Nos seus negó­
cios certamente terá de falar com mulheres. E se essas
concorrentes a fossem suplantar? . . . Quando duas tábuas
dum navio se separam, a água entra com força pela fen­
da. Quem sabe se, por essa fenda que é a separação quo­
tidiana do marido e da mulher, não vão irromper, no
interior do seu barco, todas as infelicidades?
Se fosse sensata, a mulher trataria logo de rechaçar
estas representações que a importunam, Ela consideraria

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que o matrimónio é uma união moral infinitamente mais
sólida e mais cerrada que a melhor das junturas físicas
porque os vínculos indissolúveis que o sacramento esta­
beleceu entre as almas não fica sujeito a enfraquecimento
quando os corpos se afastam, não se reduzem çom a dis­
tância nem podem ser destruídos pela mordedura do
tempo. Eles escapam à influência do espaço e do tempo,
não admitindo qualquer dissentimento entre os corações,
qualquer que seja a dureza e a frequência das separações.
Pensaria também essa alma torturada que, se deseja ter
umà. prova de que seu marido tem por ela um verdadei­
ro amor conjugal, será sobretudo naquelas alegrias quase
infantis que ele manifesta ao regressar a casa que a de­
verá procurar, as quais a deveriam consolar superabun­
dantemente das tristezas da partida. Reflete ela ainda em
que uma presença ininterrupta no lar seria funesta aos
dois, pois ele tem mais que fazer, ao longo do dia, do
que contemplar a mulher, e ela tem de ocupar-se nos tra­
balhos da casa, nos quais o marido não poderia acompa­
nhá-la sem cair no ridículo. Pretender unir materialmen­
te as ocupações de marido e mulher, amarrá-los um ao
outro, é neutralizar dois movimentos e criar uma funesta
imobilidade, verdadeira paralisia da vida familiar e social.
Ela, porém, não tem a generosidade de fazer consigo
estas reflexões. Ela quere-o, inteiro, só dela. Não se con­
tenta com estar de posse dos seus sentimentos, dos seus
pensamentos, dos seus esforços, numa palavra: de todo o
seu ser moral. Ela quer possuir todo o seu ser físico
os seus menores gestos, a mínima das suas palavras. Ela
quer que só ela o veja, só ela o ouça, só ela possua esse
objecto que a tornará «eternamente feliz».
_
*
* *

Julguem-se, por aqui, as torturas que a afeição conju-

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gal colocada assim num plano tão falso como egoísta, pode
gerar numa alma! Esta infeliz ciumenta morre de não
conseguir realizar o irrealizável: fechar o amor numa
gaiola . . . Mas .o amor, imaterial como é, foge-lhe pelas
grades . . . Ela não adverte que os corações só podem ficar
presos pelos vínculos internos da afeição e não pelas pri­
sões externas do constrangimento.
Mas vá lá experimentar-se a ver claramente com
olhos ciumentos! Não reagindo corajosamente contra as
suas tendências, a mulher inquieta prosseguirá em de­
manda do seu quimérico plano de fechar o marido na
masmorra que lhe prepara. À noite, quando ele regressa
das suas ocupações, ela arvora-se em juiz inquiridor, com
o fim de levá-lo a contar-lhe tudo que fez durante o
dia. Põe em acção todas as habilidades, todas as artima­
nhas do organizador de processos. .Para ganhar a con­
fiança, ela sorri ao interrogar. O marido, bom homem, in­
capaz de enganar seja quem for, vai contando que en­
controu fulano . . . que falou com fulana . . . Está convenci­
do de que é por afeição, sincera e desinteressada, que a
mulher pergunta. Se ele visse o seu coração feminino ba­
ter descompassadamente, os nervos excitados crisparem­
-se, compreenderia a angústia que, na realidade, sufoca a
mulher.
Mais um pouco e não levará ·muito que �le perceba
o motivo secreto de , tão insistente perguntar. A ten­
são, a tal custo se conteve até ali que não pode aguen­
tar mais e vai explodir. Será, por exemplo, numa noite
em que ele lhe dirá que fulana foi fazer-lhe uma vi­
· sita ao escritório . . A infeliz não pode mais e lança-lhe
.

à cara as censuras. mais azedas: <<que não há direito


de ele estimar as outras . . . de desprezar a mulher . . . !:e
foi para isso que ele casou com ela ! . . . , que todos os
dias tem de aguentar com aquele martírio, pobre in­
compreendida! . . . que enquanto ela se consome em pen ...

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sar nele, ele anda nos seus prazeres e diversões ! . . . Urge
absolutamente que as coisas mudem! Ela não ·admite que
ele · continui a andar «no ar». Terá de ficar em casa,
ao lado dela, sairá com ela, não mais a deixará! . . . Se�
não, ela exercerá represálias: renunciará às alegrias do
lar.
Ela formula estas imposições com um fogo e um tom
autoritário que só uma convicção apaixonada é suscep�
tível de incutir. Enquanto lhe cai em cima este «ser�
mão», forte como saraiva, o marido pasma. Irá então a
sua felicidade submergir-se nos tétricos abismos onde ja�
zem desfeitos tantos lares infelizes. Se ele não procurar,
deitar o coração ao largo, a atitude da mulher causar­
-Ihe-á um dos mais dolorosos momentos da sua vida.

*
* ..

Como irá este marido reagir? Só se lhe deparam


duas tácticas possíveis: ou resistir às exigências da mu�
lher, ou aceitá�las «por amor da paz». Um marido pru ­
àente, sagaz e enérgico, para curar a mulher de tão vil
defeito, dirá à esposa que não pode receber as suas re­
criminações por não serem razoáveis. Decidirá tomar
em consideração as justas reclamações da mulher mas
repelir as intimativas do ciúme. E, sem nada modificar
da sua conduta, continuará a entregar-se às suas ocupa�
ções como até ali, irá procurar as pessoas com quem tem
de encontrar�se, disposto a, se necessário for, a suportar,
no regresso a casa, as invectivas da paixão. Parece�nos
ser esta uma atitude prudente, pois é muito provável que
o ciúme da mulher se venha a embotar de encontro à

calma tenacidade do marido que irá neutralizar os seus


esforços.
Se, porém, o marido, dotado de um carácter fraco,
tomar o caminho oposto? Se, com medo da· mulher, re-

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ceando contraditá-la, estiver disposto a ceder? . . . Nesse
caso, mal sabe ele o caminho em que se mete. Após
concessões e concessões, que outro resultado não terão
senão levar o crescente ciúme até ao paroxismo, ver-se-á
forçado a todos os sacrifícios para tentar calmar exigb­
cias sempre insatisfeitas. A partir desse dia, começa no
casal uma daquelas horríveis situações domésticas, ex­
cepcionais sem dúvida, mas de que há ainda muitas ví­
timas.
Para acalmar os «nervos» da mulher, ele acede a
tudo que ela exige. Se possui alguns rendimentos, re­
signa-se a deixar os negócios para viver como modesto
proprietário, preferindo dissipar o capital a ter luta
acesa em casa. E a mulher canta vitória. Prefere ter o
marido menos rico mas só dela. Vende-se a carga do
barco, a'bandona-se uma situação vantajosa, liquidam-se
o.; fundos comerciais. E tudo isto é feito pelos dois. Ela
segue no encalço do marido, não vá a falta da sua pre-
sença ser causa de que ele mude de resolução . . . E ei-lo
feito cordeiro mansinho conduzido pela pastora . . .

Mas a fortuna foi-se e . . . a paz não voltou . . . E virá


ela? . . . O desafortunado marido julga-o ainda possível,
ignorante que é do princípio que «tudo o que se ali ­
menta cre.sce» . Tendo abdicado das suas legítimas li­
herdades em holocausto à paixão ciumenta, fê-la tão ro­
busta que não poderá mais dominá-la. Nessa existência
de escravo : que ele aceitou para calmar a exigente, a
mais tímida das suas iniciativas seria motivo de suspei­
ta . . . Não poderá ter a ousadia de deslocar uma bugi­
ganga, de pôr os livros em ordem, de mudar um mó­
vel, sem a licença da mulher, sujeito a ouvir as suas
recriminações: «Com que então pretende ele relegá-la
para último plano ! . . . >> Se tenta sair de casa sem autori­
zação, nem que seja para comprar o jornal, sujeita-se
a violenta objurgatória. Pois não haverá o perigo dos

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encontros?. . . O leitor não se admire do que dizemos.
Estes factos, bastante raros é certo, não os exageramos.
O ciúme chega até estes excessos e vai mais longe ain,
da. Pois não se tem visto cônjuges ciumentos do gato
que o outro afaga?
O marido não deveria ter cedido ou, pelo menos.
se tivesse de fazer algumas concessões para adoçar a po,
ção amarga, deveriam ter sido mínimas. E, ao invés, re,
cusando à mulher o que ela lhe pedia de inoportuno.
teria sido conveniente rodeá,la, segundo as posses do
casal, das legítimas satisfações, o mais possível nume,
rosas. Todas as delicadezas do coração, os encantos da
conversa, as prodigalidades criteriosas da bolsa, a busca
do conforto, as satisfações artísticas, devem concorrer.
em conjunto, para pacificar essa alma atormentada, dei,
xando-lhe a convicção de que é a única amada.
Mas de todos os remédios para o ciúme, o mais
poderoso é o nascimento dos filhos. Estes pequeninos
seres trarão à paixão um natural e benéfico derivativo.
:f: sobre eles que a mãe concentrará o ardor dos seus
sentimentos. Ao menos os filhos são dela e só dela; terá
o direito de os amar com amor de exclusão e de se dedi,
car por eles até à morte. Com a multiplicação da prole.
o instinto materno divide-se e, dividindo,se, ajustar,
-se-á, sem se diminuir, a situações e necessidades de or,
dem vária. \Procurando atender a tudo, a casada apren,
derá a dar-se a todos com inteligência e moderação.
Dentro de pouco, esquecerá os seus· acessos ferozmente
egoístas de outrora, e ter-se-á feito o Anjo da paz no lar.

*
* *

Oxalá que este quadro de malefícios do ciúme ins�


pire às leitoras das presentes páginas «um verdadeiro
:horror por defeito tão vil ! )) Que elas se resolvam fir,

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memente a combatê-lo com a maior energia, se ameaças­
se assaltá-las!
A melhor maneira de impedir os malefícios do ciú­
me é destruir as suas menores manifestações logo des­
de o seu aparecimento. Qual é a mulher que não terá·
tido ocasião de recalcar as sugestões do ciúme quando
várias ocasiões as incutem, como seria, por exemplo,
quando o marido se mostra amàvelmente sorridente pa­
ra com uma amiga. . . ou quando gaba as qualidades
da sua empregada de escritório . . . Que razões poderia
ter a mulher para acolher no coração, por pretextos des­
tituídos de qualquer fundamento, a má suspeita que
procura introduzir-se-lhe no peito? Um instante de bom ­
-senso far-lhe-ia ver a tolice dessas ilusórias. impressões e
bastaria para as dissipai.
Portanto, em vez de se pôr a suspeitar do marido,
que o ame! O amor é o único remédio capaz de curar
esse «apaixoado doenten que é o ciúme. Sim, o amor,
mas o amor verdadeiro, aquele que se dá sem egoísmo e
que procura, sem pensamentos reservados, o bem da
pessoa amada. Esse amor acha· muito bem tudo o que
faz o ente querido, aprova todas as · suas acções, mesmo
quando são uma delicadeza ou amabilidade para com ou­
trem. Esta admiração animada de louvor exclui, pela
própria natureza das coisas, a mera possibilidade de
ciúme.
Além disso, o amor é operoso: rodeia a pessoa
amada das mil invenções da sua delicadeza, prodigaliza
os seus encantos, procura todos os m eios de agradar,
não tem olhares policiais em perpétuo alerta , tão abor­
recidos, e ostenta sim os sorrisos pacíficos que atraem a
afeição e conquistam plenamente o coração. Contra tal
amor não há lutas possíveis: é senhor incontestado, nin­
guém lhe · pode arrancar o seu monopólio. Reina sem
medo de concorrentes porque os afasta com a sua s1m-

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ples presença, como o Sol afasta as trevas. Quando um
amor assim dominador estabeleceu a sua sede no lar
na pessoa duma mulher que é dele a rainha e o encan­
to, pode criar invejosos da sua felicidade mas não terá
mais motivo algum para ter ciúme de n inguém.

*
* *

Sem ir até à suspeita de infidelidade, certas almas


mal formadas vivem, n o entanto, no descontentamen­
to. Um nada as contraria, a cada momento se j ulgam
lesadas nos seus direitos. Levam a mal o que por elas
se faz ,mas sobretudo o que se não faz. Toda a falta
de atenção para com elas, por mais leve que seja, não
a vê provir duma possível distracção, de uma inadver­
tência, mas sempre duma má vontade. Estas casadas
que assim se melindram e armam em incompreendidas
são vítimas da susceptibilidade.
Que precauções não têm, por vezes, os maridos
de tomar para não «melindrar a mulher! . . >> e, algumas
.

vezes, as mulheres para não contrariarem os maridos!


Ao lerem estas páginas, ponham no seu pensamento o
sexo que convém e enfiem as competentes carapuças . . .
Nos primeiros tempos de casados, os cônjuges não me­
diam as suas palavras nem os seus actos, certos de que
tudo o que dissessem seria recebido favoràvelmente.
Mas, dentro em pouco, verificaram que não era bem
assim. Por exemplo, um belo dia, o marido teve a fra­
queza de dizer que o jantar estava mal feito ou que a
comida estava insossa. . . E vê logo a mulher corar e
declarar, em tom abespinhado, que �<seria injustiça não
reconhecer o quanto ela trabalha>>. Poderá o marido
desfazer-se em explicações, dizendo que o facto de se
reconhecer a dedicação de uma pessoa não impede que
se ache um prato menos bem cozinhado. Nem por isso

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verá diminuir a revolta da mulher mas, pelo contrário,


aumentar.
Dir�se�á que, n esses casos, o melhor é calar�se e
deixar o cônjuge susceptível acalmar�se no silêncio. É,
evidentemente, esse o procedimento mais propício aos
nervos excitados, mas terão certos maridos a paciência
necessária para o pôr em prática? Aqueles que, por seu
lado, são igualmente susceptíveis não irão formalizar�
�se também? Os que são fogosos não se irão exceder?
Tem�se visto discussões violentas saírem de uma sim�
ples palavra, pequena causa de grandes efeitos. E se
estes desentendimentos ridículos se multiplicam? Deve,
com efeito, prever�se que certos atritos se venham a
produzir a cada momento por tudo e por nada . . . Ainda
há pouco era por causa da comida . . . Agora é por cau�
sa dum botão que falta no sobretudo. . . A mulher de�
clara, com azedume, que «querem que ela veja tudo ao
mesmo tempo. . . que não pode estar em toda a parte».
Outra vez, a serenidade será perturbada por questões de
dmheiro: a mulher pede�o e o marido exclama: <_<Ainda
mais?l >J, não censurando, por certo, na sua mente, a
pouca economia da sua dona de casa mas lamentando
a caristia da vida. Esta palavra, porém, vai penetrar,
como uma espada, no mais profulldo da sensibilidade
feminina. A mulher vai ficar ferida demais para poder
compreender em que sentido o marido empregou aque�
1\1 expressão. E por quanto tempo aquele «Ainda mais?!»
não será estribilho de censura para o marido!


* *

Não é raro que as emoções levantadas nos corações


demasiado sensíveis neles deixem prolongados rastos. A
consequência fatal da susceptibilidade é o amuo.
Mostrámos acima que a repetição dos actos desen-

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1 74

volve o hábito. Quanto mais abalos recebem os nervos


da mulher, mais estes se tornam excitáveis e, por na­
tural consequência, tanto menos reagem ao choque quan­
to mais repetido este é. A princípio, a mulher domina­
va fàcilmente os seus movimentos de mau humor. De­
pressa um sorriso lhe acalmava a perturbação do coração
e lhe varria da memória os últimos vestígios da impres­
são desagradável. Mas, com a repetição das recaídas, o
vigor da emenda afrouxou. Agora, cada acesso gera uma
verdadeira prostração que reclama uma convalescença.
Durante muitas horas, vários dias talvez, nada conse­
guirá desenrugar a alma ferida, nada a alegrará. A jo­
vem esposa já não responde às perguntas do marido,
mostra-se indiferente às suas delicadezas, deixa de se in ­
teressar - pelo menos em aparência - pelo seu lar,
pela sua saúde e até pela existência: a Senhora está
amuad-a . . .
Estes momentos de humor sombrio são penosos
para toda a casa. Parecem-se com aqueles intermináveis
dias cinzentos e frios, sem sol nem calor, cuja mono­
tonia incute desânimo. O marido, invadido pela triste­
za, torna-se também sombrio. Aliás, se ele risse ou gra­
cejasse, a mulher ofender-se-ia «por não ser tomada a
sério». O melhor é esperar que as nuvens se dissipem.
Por vezes, elas vão-se desfazendo -pouco a pouco ; de
outras vezes rompem-se de repente. A vida toma então
o seu ritmo e feição normais.

*
• *

Todavia, o regresso da bonança nem sempre faz


esquecer de todo a tempestade. Ao defeito da suscepti­
bilidade muitas almas acrescentam o do ressentimento.
Elas guardam no fundo do coração a lembrança das ho­
ras desagradáveis para delas tirar, um dia, a sua vin-

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1 75

gançazita. Nada é tão tenaz como este desejo que se


sente de nos reapossarmos duma superioridade perdida!
Logo que a ocasião se apresenta, num momento de so­
breexcitação, muitas vezes por dá cá aquela palha, se
faz o estenda! de ressentimentos acalentados durante
muito tempo. O outro cônjuge,. que tudo tinha esque­
cido, não se sente nada encantado com a verificação da
tenaz sobrevivência desses vestígios desagradáveis na
memória da mulher, vestígios que ele supunha desapa­
recidos para sempre. Se for dotado de carácter pacífico
e senhor dos seus nervos, calar-se-á. Mas se for de hu­
mor excitável, não será de prever que se vingue por
sua vez?
Quando se pensa na futilidade dos motivos que
ocasionam semelhantes dramas íntimos, é-se tomado de
compaixão! Quantos lares não seriam felizes se a paz ne­
les se não encontrasse comprometida com semelhantes
bagatelas! Estas pessoas que assim questionam por ni­
nharias parecem-se com as pessoas vestidas de tecidos
ricos mas que andam em farrapos porque se prendem
nos pregos espetados pelas paredes, nos móveis ou ca­
deiras. Enquanto os moradores de semelhante casa não
tiverem dado uma martelada em todas estas pontas agu­
das, os seus adornos darão sempre em farrapos. E co­
mo era tão 'fácil a certos lares darem a tal martelada!
Esta precaução tão insignificante teria sido, para eles o
segredo da felicidade! Bastaria aos cônjuges adoçar, de
uma vez para sempre, por um acto enérgico, o seu gé­
nio, com razão chamado «peguilhento». Te-lo-iam tor­
nado perfeitamente «inalterável», perante as coisas agra­
dáveis como diante das decepções.
Este conselho de «inalterahilidade de génio» é, ver­
dade seja, mais f�cil de dar do que de seguir. . . Ele re­
clama um esforço constante na aquisição da humildade
e uma luta de vontade contra a irritabilidade congénita

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da natureza. Em suma: os cônjuges têm de travar uma
guerra contra si próprios com mira a adquirir a mansi­
dão, virtude essencialmente susceptível de atrair os co­
mções. Será noutro capítulo, que não seja o das Causas
de aversão, que exporemos a táctica que conduz a esta
vitória (l). Por agora, trate a esposa, que por infelicida­
de se tenha reconhecido nestes retratos que acaba de mi­
rar:, de envergonhar-se de se ter deixado arrastar até esse
vil defeito da susceptibilidade, do amuo ou do ressenti­
mento e, pedindo perdão a Deus de tamanho orgu­
lho e, ao seu cônjuge, de egoísmo tão tolo, entregue-se
corajosamente à correcção do seu defeito, para a felici­
dade de toda a casa.


* *

Ao procurar as causas da desarmonia do tem­


peramento no �ar, chega-se a descobrir que, às vezes,
a susceptibilidade toma origem no espírito de contra­
dição. As discórdias têm, com efeito, origem, quase
sempre, nas discussões, nas quais nem um nem outro
dos contendores quis ceder.
Há temperamentos de feitio tal que são sempre de
opinião contrária à daquele a quem falam. Alguns côn­
juges - como certos deputados que, por acinte, detes­
tam qualquer outros regimes - passam toda a vida na
oposição. Se um dos dois, por exemplo, acha que faz
calor, o outro afirmará que faz frio; se um diz que gos­
ta mais das vilegiaturas na praia, o outro far-se-á logo
partidário dos passeios à montanha. Amanhã, esque­
cendo o que dissera na véspera, o marítimo far-se-á
amigo da terra e o outro tomará imediatamente a po-

( 1 ) Ver abaixo, Terceira Pane, Cap. I, A piedade pessoal:


IJ exame ·particular.

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1 77

s1çao oposta. No dia em que o marido gostar de de­


termmado prato, a mulher não quererá sequer prová�
-lo; se ele beber vinho, ela preferirá água que ela, de
resto, poria imediatamente de lado se o marido pre­
tendesse forçá-la a beber . . . � caso para perguntar-se
como será possível dois cônjuges assim feitos viverem
juntos. Ou hão-de corrigir-se, ou então, cada um irá
para seu lado, pois não há defeito mais antipático do
que esse. � geralmente designado por uma expressão
que resume todos os males dos lares infelizes: «incom­
patibilidade de génios».
Será este espírito de contradição mais feminino do
que masculino? Parece que o temperamento do marido
a isso se presta mais do que o da mulher. O homem
tem, com efeito, a mania altiva de tudo fazer dobrar
diante de si, exige que se pense e faça o que os outros
não tinham entrevisto nem decidido, a fim de que a
sua inteligência e a sua vontade prevaleçam sempre.
Mas por que é que tal sentimento não é triste monopó­
lio do homem? Também a mulher dele se sente to­
cada muitas vezes. E se a sua oposição é menos violen­
ta, mais insinuante, mais diplomática, nem por isso é,
às vezes, menos tenaz e menos encarniçada.
Qualquer que seja o cônjuge contraditor, as con­
sequências funestas que daí resultam são geralmente as
mesmas: que o marido proponha que a mulher contra­
ponha, ou que os papéis se invertam, quase sempre ca­
da qual fica na sua, absolutamente convencido, apesar
das experiências em contrário, que reduzirá o antago•
nista à sua maneira de ver. Começa a discussão. Calma
de início, anima-se a seguir. Uma e outra parte fazem
valer as suas razões. E como as razões não surtem o
efeito esperado, passam a ser sublinhadas com termos
saca-bocados que solicitam condigna resposta; depois,
em presença da causa perdida, chega-se às alusões pes-

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soais, censuras de egoísmo, autoritarismo . . . e até de mal,
dade, a que o adversário risposta com recriminações ca,
da vez mais fortes. E assim a discussão dá numa dis,
'
puta, a disputa transforma,se em duelo. Cada cônjuge
mimoseou o outro com terríveis nomes feios e cada con,
tendor se retirou ferido. A paz ainda vem longe, pois
enquanto se sentirem as pancadas recebidas não haverá
ganas de perdoar.
E, afinal, onde estava o mal? Estava mesmo no
primeiro começo de tudo aquilo: naquele gostinho que
cada um sentia da sua opinião. O remédio é muito sim,
ples e fácil: ceder. Que inconveniente teria representa,
do para a mulher a:bandonar a sua pequenin� maneira
de ver? :Provià.velmente nenhuma, pois, quase sempre,
o objecto da discussão era uma ninharia. Um sacerdote
teve, um dia, que apaziguar um lar violentamente de,
savindo só porque a mulher pretendia que não havia
o direito de se comer bolos durante a quaresma . . . Mas
não teria sido preferível comer alguns !bolos, das Cinzas
até à ·Páscoa, a perturbar a harmonia do lar'?
Se a importância da coisa em litígio é tão pouca,
qual será a causa de tão tenazes obstinações? É a ver,
gonha que sente uma natureza orgulhosa de si pró,
pria em inclinar diante de outrem a <<soberania)) da sua
maneira de ver. !Pois, no fundo de toda a tendência pa,
ra o espírito da contradição, está o orgulho, esse defeito
original da nossa natureza decaída, que todos nós tra,
· zemos no recôndito do nosso coração e contra o qual
só existe um •único remédio possível: a. luta encarniça,
. da pela conquista da humildade.
Todavia, talvez algumas esposas tenham direito de
protestar contra este nosso conselho de ceder sempre.
Poderia, com efeito, acontecer que a matéria em lití,
: gio fosse grave, interessando, por exemplo, a saúde dos
Jilhos, a honra da família, o futuro do lar. A mulher pro,

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curou esclarecer-se com prudentes opmtoes, ela sabe que


tem razão. Deverá, ainda nesse caso, baixar ·bandeira?
Não 'há mulher casada, prudente e cristã, que não
tenha, uma vez ou outra, de contrariar as ideias do ma·
rido, sobretudo quando, menos religioso do que a mu­
lher, ele toma decisões que não concordam com os ver·
dadeiros interesses sobrenaturais do lar. :e evidente que,
nestas circunstâncias, a mulher não deverá ceder, visto
que já se não trata de espírito de contradição mas de
firmeza no cumprimento do dever. No entanto, deverá
ela recordar-se: do provérbio: dHá mil maneiras de ter
razão e uma só de a não ter: discutir)). Ela conseguirá,
sem atritos e surpresas, com uma palavra dita a tem­
po, com perguntas cheias de subentendidos, sugerir ao
marido a ideia que deseja fazer vingar. Se necessário
for, ela irá até sustentar a opinião oposta mas com a
mira de fazer ver ao marido os seus inconvenientes.
Tendo refletido bem, o marido acabará por tirar do seu
raciocínio aquelas mesmas conclusões que a mulher de­
sejava. Teria sido loucura colocar subitamente e sem
preparação, o espírito do marido na obrigação de dar a
sua aquiescência imediata a uma proposta nova para
ele. Compreende-se que o seu juízo estacaria imediata­
mente, de preferência a avançar em terreno desconhe­
cido. Só depois de o ter :bem explorado, poderá ele ca•
minhar por esse terreno com segurança. Uma vez mais
se verifica o adágio: «Mais vale jeito que força)). Eis
porque uma mulher casada nunca saberá suficientemen­
te apreciar, no seu justo valor, o poder que lhe propor­
ciona a virtude incomparável da mansidão revestida de
humildade sincera. Costuma dizer-se: «0 que a mulher
quer, quere-o Deus)). Este prolóquio verifica-se plena­
mente quando a mulher, profundamente abatida diante
da Majestade divina, possui virtude suficiente para se

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esquecer de si mesma e só pensar em fazer triunfar no
seu lar a causa de Deus.

..
.. ..

Ao lado das esposas dotadas de feitio prudente e


ponderado, cuja vontade tem grande peso nas decisões
familiares, há, infelizmente, algumas que perdem toda
a autoridade diante dos maridos, por se deixarem atin,
gir do mau hábito da mentira.
Verifica,se, com certa generalidade, no tempera,
rnento feminino, uma tendência para a dissimulação.
Um aluno da escola, por exemplo, chegará a casa e con,
tará logo aos pais uma diabrura cometida ; se for urna
menina, procurará rodear de reticências a descrição da
sua falta. Este receio de franqueza intensifica,se, fre,
quentemente, com o decorrer dos anos. Sobretudo na
idade em que, ao preparar,se para o casamento, a futu,
ra esposa sente a necessidade de todo o seu valor pes,
soai, põe ela todo o cuidado em velar os seus defeitos
morais com aquele mesmo cuidado com que esconderia
a sua falta de beleza física (1). Se os pais, ou mais fre,
quentemente, o director de consciência, a não levam a
reagir contra esta propensão, o defeito natural irá cres,
cendo pouco a pouco e chegará - quem sabe? - a to,
mar inquietantes proporções.
E quando, rainha e senhora do lar, ela tiver em
mão o dinheiro e a liberdade, não irá ela sentir terríveis
tentações de não dizer tudo ao marido? Para ter vesti,
dos e divertimentos, não irá ela contar,lhe «histórias» ?
S e o marido não for desconfiado e a mulher for atila,

(1) As modernas pinturas de rostos e das mãos são a .perfei­


ta réplica exterior ao que se faz aos def..,ito.s morais. Cá fora
um rosto cadavérico torna-se róseo e, lá dentro, um vício torna,
-se uma virtude . . . (N. do T.).

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da nas suas dissimulações, não irá ele ser vítima dos
logros da mulher?
Esta confiança cega do marido será muitas vezes
nefasta à esposa e, por tal via, ao próprio lar. Dificil­
mente se podem imaginar as terríveis proporções que
pode tomar, em certos temperamentos predispostos, esse
instinto da mentira quando não sente qualquer freio.
Certas pessoas enganam sempre e em todo o lugar, por
gosto, por divertimento, até mesmo quando lhes seria
vantajoso dizer a verdade. Muitas vezes, por necessida­
de de fanfarronice, para espantar, divertir, fazer-se admi­
rar, outras vezes por cálculo interessado, a sua imagi­
nação torna-se inventora, lança-se em incríveis exagera·
ções. Se fizeram, por exemplo, uma visita, encontraram­
-se com determinada personagem - que lá não estava . . .
- e que fez . afirmações importantes que eles preten·
dem reproduzir fielmente . . . Se fizeram uma viagem,
aconteceram-lhes, nos hotéis ou nas carruagens do com­
boio, aventuras engraçadíssimas, ou então trágicas, que
nunca existiram . . . E assim todas as suas acções que são
disfarçadas e interpretadas da maneira mais inespera­
da. . . Os psicólogos que mimosearam esta tara mental
com o epíteto de pseudomania <1l , verificam que ela
anda, infelizmente, muito espalhada e depara-se-nos com
gradações diversas. Sob as suas aparências satíricas, o
imortal Tartarin (2) reproduz uma perene realidade.
!Pode calcular-se a perturbação que traz ao lar esta
inclinação para dissimular a verdade. A falta de fran-

{x) Pseudomania pode signid:icar mania falsa ou mania da


falsidade. Aqui um este último sentido. (N. do T.).
{2) Tartarin é o título e o herói de três livros de Alphonse
Daudet o(Tartarin de Tarascon e Tartarin sur les Alpes e Port­
·Tarascon e que personifica o tipo .popular ao meridional francês,
falador e ingénuo, que acaba por acreditar nas suas ·próprias in·
venções. (N. do T.).

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queza gera o mal-estar nas relações matrimoniais e pode
levar a lamentáveis consequências. Por · maior simplici­
dade que se suponha no marido, é certo que ele virá
mais tarde ou mais cedo a notar os <<erros'' da mulher,
pois ela desmente-se com frequência, dado que o menti­
roso esquece depressa as suas mentiras ou nelas se en­
reda. O marido não dissimula surpresa, desgosto de se
deixar enganar e, de futuro, manter-se-á alerta. Às ve­
zes, os avisos reiterados e os conselhos enérgicos do ma­
rido conseguem levar a mulher a corrigir-se. Mas mui­
tas vezes, infelizmente, ele verifica que o mal, é incurá­
vel ou que, pelo menos, está fora do seu alcance. Re­
signa-se então com a sua sorte, não sem tomar precau­
ções. Desde que os «mexericosJ> o não incomodam nos
negócios, não atinjam o bom nome do lar, ele vai su­
portando as narrativas da . mulher em quem não mais
acreditará, mesmo que ela fale verdade! Ele escuta-a co­
rno quem lê um romance, dizendo lá consigo que «Se
não é verdade está bem inventado . · '' · E os anos vão
.

passando sem intimidade, sem a união dos espíritos e dos


corações, sem a colaboração mútua na obra familiar . . .
quando o marido, desgostoso e desiludido, não abandona
esta declamadora de mentiras, embora honesta nos seus
costumes, trocando-a por outra que lhe venderá muito
caros prazeres ilícitos, enfeitados com mentiras mais per­
niciosas ainda . . .

*
* *

Pode-se, por vezes, falar demasiado sem mentir .


.Pessoas há que divulgam tudo o que sabem e revelam
o que deveria ficar oculto com uma imprudência sus­
ceptível de lhes atrair os mais graves aborrecimentos.
É, pois, necessário premunir a mulher casada contra o
defeito da indiscrição.

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Uma das características do verdadeiro amor é o sí,
lêncio. A rnu�her que tem pelo marido uma profund�
afeição sente a necessidade de concentrar à volta dele a
vida do seu coração e do seu espírito.
As delícias da intimidade valem sobretudo pelo mis­
tério que as envolve. Fazê-las partilhar por outrem rou­
ibar-lhe-ia imediatamente os encantos.
Os cônjuges compreendem, instintivamente, estas
verdades. O próprio mundo respeita esta sede de soli­
dão e de silêncio: deixa os jovens esposos fazerem, nas
semanas que se seguem ao casamento, uma longa via­
gem . que lhes permite fugir dos importunos.
Como se explica que a barreira, que esconde ao pú­
blico sempre curioso os pormenores da vida íntima, ve­
nha a cair, por vezes, tão inesperadamente? Por toda a
parte se bisbilhota a respeito de acontecimentos verifi­
cados em determinado lar. «Parece - diz-se à boca pe­
quena - que o marido não tem bom génio, que é arre­
batado . . . que é avarento . . . exigente . . . enfim, que a pobre
mulher teve cruéis decepções . . . »
Que se passou? Geralmente nada que j ustifique tan,
t:t preocupação. Pois não será natural, inevitável mesmo,
que no interior do lar, como cá fora na atmosfera, .a chu­
va suceda ao bom tempo?
Contrariedades nos negócios, aborrecimentos ines­
perados, talvez cansaço físico, produziram no marido um
surto de mau génio e na mulher uma reacção bastante
viva de amor-próprio ferido. Depois a atmosfera serenou,
a calma regressou num céu todo azul. Após um eclipse
parcial da sua harmonia, os cônjuges voltaram a sabo­
rear ----' e agora mais do que nunca - a suavidade da sua
recíproca afeição.
Mas como foi que esta históriá transpassou cá para·
fora? . . . · Por que é que se fala por toda a parte de «in�
compatibilidade» . . . de zangas. . . e mesmo de possível

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separação? . . . Foi a mulher, que, podendo muito bem es­
tar calada, teve a língua um pouco comprida de mais . . .
Não foi, por . certo, o ressentimento que a isso a levou
mas a necessidade incontida de explicar a uma amiga
- só a ela ! . . . - a presença, por exemplo, duma pulsei­
ra no seu :braço, oferta do marido como primeiros pas­
sos para umas pazes após curto desentendimento, desen­
tendimento que ela descreverá sem omitir o mínimo por­
menor. A amiga, pessoa «muito discreta>>, não irá, evi­
dentemente, despejar esta história senão num único ou­
vido, o da sua melhor e mais íntima confidente - «SÓ
para si, querida amiga» . . . - mas, esquecendo a jóia da
reconciliação para só falar da discórdia que a precedeu . . .
Qual não será a surpresa do marido quando, passa­
dos dias, algum dos seus colegas, preocupado, todo cara
de enterro, lhe manifestar, no meio de conversa, a sua
pena pelo que se passara e os seus incitamentos, dizen­
do frases como esta: «Isto, meu amigo, a virtude e a
sorte não nasceram no mesmo dia . . . Isto de casamento
é sorte da lotaria >> . O jovem marido, intrigado com tais
palavras e atitudes, toma conhecimento, na sua estupe­
facção, do que se diz no mundo sobre as suas questões
conjugais. Protesta, indigna-se. Mas que podem valer as
afirmações dum marido, que «recusa confessar>>, perante
as da multidão? E desta sorte, as suas próprias negações
são mais uma prova contra ele.
E se a esposa, tiàcilmente vencida pela comichão de
falar, cometeu, além deste, outras indiscrições, que virá
a ser da reputação do lar? O casal tornar-se-á o romance
da localidade. Os seus segredos, estadeados por toda a
parte,. metidos a ridículo, roubarão aos esposos toda a
consideração e prestígio. Chega-se a perguntar se, nes­
tas condições, não séria preferível eles emigrarem para
país desconhecido onde ninguém falasse mais deles.
Nunca a mulher casada - e atente ela bem nesta

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lição que lhe pode ser útil - radicará no seu íntimo con�
vicções suficientemente profundas sobre a necessidade
da discrição. Deve ela persuadir�se de que «OS assuntos
do lar já não são uma propriedade pessoal mas da co�
munidade familiar» . . A honra e a dignidade são, dora�
vante, um «bem social» pertencente, em partes iguais, a
pais e filhos. Ela n�o tem, pois, o direito de delas dispor
a seu talante.
A esta consideração de interesse natural, suficiente,
só por si, para refrear uma língua indisciplinada, vêm
juntar o seu apoio os pensamentos de ordem superior.
Pois não manda Deus fazer da discrição uma virtude cris�
tã; um exercício de mortificação sobrenatural, uma imi�
tação de Cristo e da sua Santa Mãe? Esforce�se, pois, a
mulher casada por parecer�se com aquela que foi m��
lo acabado das mulheres cristãs, a Santíssima Virgem
Maria. O Evangelho elogia a sua consumada prudência.
Ela não ia contar a ninguém as suas provações, nem as
suas angústias nem as suas consolações produzidas pelas
maravilhas, que nela se operavam ou à sua volta no seu
lar humilde. Envolvia�se sim no silêncio, «conservando
tudo isso no seu coração» <1> . Tal deve ser a atitude du�
ma jovem casada a respeito dos acontecimentos íntimos :

a sua felicidade será reservá�los para si.

*
• *

Ao contrário da indiscreta que evapora os perfumes


do seu lar, a caseira vive numa atmosfera de excessiva
concentração.
Algumas casadas gostam tanto do aconchegado ni­
nho que foi testemunha das suas primeiras venturas que
levam ao exagero o seu apego a ele. Vêem-se, por vezes,

(1) iLuc. 11, 5 1 .

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certas mulheres tomar no seu lar hábitos rotineiros e
tornarem-se incapazes de desempenharem o seu papel
social e de ajudarem o marido a desempenhar o seu. Cer­
ta mulher terá, por exemplo, a meticulosa mania da lus­
tradela e da ordem que não quer que ninguém lhe entre
em casa c<para lha não sujar». O marido ver-se-á obriga­
do a receber os seus amigos num pequeno comparti­
mento << Sacrificado», que lhe serve de escritório, mas a
sala de visitas fica 'interdita, excepto, quando muito, em
dia de festa <<porque ;ts pegadas ficariam marcadas no
tapete>>,
Este <<ciúme da casa», tomando numa jovem casa­
da as proporções duma paixão, põe obstáculos aos inte­
resses vitais do lar, prejudicando as suas relações. A mu­
lher caseira isola da sociedade o marido e os filhos, pois,
não convidando nem querendo receber, deixa de ser con­
vidada. E assim, quando se queixar de que a abando­
nam, só deverá queixar-se do abandono que infligiu aos
outros. Esta <<porteira» desabrida, afasta a gente de ne­
gócios que o marido teria _vantagem em atrair. Se o ma­
rido ganha na localidade influência social e se acha em
condições de assumir cargos públicos, o espírito parti­
cularista da mulher proporcionar-lhe-á os dissabores da
impopularidade. Tal foi o caso dum digno cristão que,
eleito vereador da Câmara da sua cidade, deveria natu­
ralmente galgar à presidência e chegar a sentar-se na
Câmara dos Deputados. 1Poréin, da sua torre, de acesso
cuidadosamente vedado, a mulher, sem calcular as con­
sequências do seu acto, fê-lo passar par ufano, altaneiro
e mesmo avarento, recusando-se energicamente a ofere­
cer a 'quem quer que seja a hospitalidade dum jantar ou
de um serão, para não se ver obrigada a tirar dos armá­
rios a sua <<bela porcelana», que os seus criados poderiam
beliscar com o serviço, nem desmanchar as 1b elas pilhas

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de toalhas e de guardanapos, orgulho do seu esplêndido
armário de roupa branca.
O espírito caseiro pode ainda revestir outra forma:
criar um amor exclusivo, não à casa mas à terra natal,
que a mulher não quererá jamais deixar. I! ali que ela
tem as suas recordações, os seus hábitos, as suas relações.
Foi ali que ela foi baptizada, casada, na «SUa)) igreja.
No cemitério repousam os seus antepassados. Seria pa­
ra ela como que uma deserção afastar-se destes lugares
para ela sagrados. Em qualquer . outra parte, a melan­
colia invadir-lhe-ia de tal maneira o coração que ela
morreria de tristeza.
Tais sentimentos nada terão de lamentável se o
marido, por exemplo, proprietário agricultor, ou comer­
ciante em boa situação de negócios, fixa residência na
localidade em que conta viver e morrer. Mas esses sen­
timentos caseiros seriam desastrosos para o lar se as cir­
cunstâncias obrigassem o marido a mudar de domicílio.
Supunhamos, por exemplo, que ele não passa, na sua
aldeia, de um modesto agente comercial. A casa comer­
cial que representa promete-lhe magníficos honorários
se ele estiver disposto a mudar de localidade. Mediante
este deslocamento, a fortuna fica garantida e com ela
uma velhice feliz, ao mesmo tempo que uma situação
desafogada para os filhos. Quanto a ele não hesita o o o

Mas estará a mulher de acordo? Pois bem, a mulher não


quer: «Que não. Que lá morreria de desgosto !» O ma­
rido suplica, os parentes mostram-lhe que é um dever,
ós amigos fazem-lhe ver que é uma tolice. Mulheres
houve que resistiram a tantas súplicas e a tanta prudên­
cia, preferindo arruinar o futuro do lar a deixar a sua
terra.
Quantos oficiais se não têm demitido, quantos
funcionários não renunciaram :à promoção, quantos en­
genheiros, advogados, industriais, não têm vivido em

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empregos_ medíocres, quando ao longe lhes sorria a pros­
peridade; quantos comerciantes não têm a custo equili­
brado os seus orçamentos, quando poderiam ter decupli­
cado os seus lucros se · não tivessem sido imobilizados
pelas mulheres! Na nossa época, mais do que nunca, a
((vida é movimento» . Se é insensato «levantar tenda»
pelo prazer de mudar, como fazem os ciganos; é muitas
vezes mais útil ir procurar, sob outros céus mais clemen­
tes, uma felicidade que a nossa terriola nos não poderia
dar.
A mulher cristã e prudente compreende as razões
graves que a obrigam a não impedir os interesses legíti­
mos do lar. Se ela deve calmar os impulsos repentinos do
marido, que, n uma tentação de desânimo ou de ilusória
esperança, estaria pronta a mudar, sabe, no entanto, que
deve submeter-se aos razoáveis transbordos do lar fami­
liar. Tais viagens são-lhe, é certo, bastante penosas, es­
pecialmente depois de terem vindo os filhos, porque se­
rá sobre ela que recairá o grosso da tarefa e das dificul ­
dades. Mas que importa? Pelo 'bem dos seus, ela está
disposta a fazer todos os sacrifícios n ecessários. Pois não
está ela acostumada a esquecer-se de si própria?

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CAPíTULO TERCEIRO

O MAU GOVERNO

«Mulher encantadora, mas incompetente)), Esta


expressão designa as casadas que, tendo escapado iàs so­
licitações da mundanidade e do mau génio, tornariam o
seu lar feliz se fossem hábeis e diligentes donas de casa.
Qualquer que seja a sua infelicidade, não é desta
categoria de incompetentes que vamos tratar no presen­
te capítulo. Para encontrarem remédio à sua ignorância,
vão essas mulheres, destituídas de instrução prática pe­
di�las às suas mães ou frequentem uma escola de prepa­
ração doméstica. Se não forem demasiado desajeitadas,
em breve aprenderão a tirar-se de apuros. Não há mãos
femininas que, ao serviço duma boa vontade, não sejam
capazes de vir a realizar maravilhas. Reparem, pois, as
imprevidentes, com a assiduidade e a aplicação, as suas
negligências e preguiças de rapariga. Agora que se vêem
forçadas a compreender a utilidade dos trabalhos casei­
ros, apressar-se-ão a compensar a sua negligência de me­
ninas mimalhas.
Mas se a « boa vontade» viesse a faltar? Ou se es­
tivesse aniquilada por defeitos graves e profundamente
enraizados? Então a sua falta de competência seria tre­
menda e qualquer instrução caseira recebida outrora ou
inculcada presentemente tornar-se-ia perfeitamente inú­
til. De que serviria, com efeito, um talento de costureira,
de cozinheira, de bordadeira, numa mulher preguiçosa?
De que serviria a ciência das artes decorativas numa do-
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na de casa que não tem ordem em nada? Será uma mu­
lher avarenta capaz de melhorar o confortável? Não iria
uma gastadora esbanjar os seus recursos em futilidades,
esquecendo as compras indispensáveis? E aquela que,
por falta de competência no comando, põe a cozinha
em reboliço será acaso capaz de garantir a paz n a sua
casa, obrigada como é a pôr e tirar continuamente o
avental?
«0 saber depressa se alcança quando a vontade é
boa>>. Para esclarecer a vontade das mulheres casadas,
vai este capítulo expor os defeitos que sobrecarregam
as mulheres, mesmo as mais bem formadas, com aquela
tara tão inimiga da felicidade que se chama «mau gover­
no».

*
* .

A alegria de viver em casa dentro de pouco se verá


comprometida se o interior do lar sofrer da avareza de
qualquer dos cônjuges.
Quando esta tão vil paixão se instala no coração do
marido, a mulher sofre privações e humilhações intole­
ráveis. Quando ela reina na alma da mulher, o que não
é facto tão raro como isso, o marido, embora mais in­
dependente graças à sua situação e ao seu domínio sobre
o dinheiro é, no entanto, verdadeiramente infeliz. A
avareza da dona de casa faz sentir os seus maus efeitos
em todos os pormenores da existência. À mesa, os pra­
tos são pouco abundantes, as rações são rigorosamente
medidas, a hebida é tão detestável que certo marido, ví­
tima de rnufher avarenta, teve de levar para casa vinho
vulgar mas de boa qualidade num frasco da farmácia di­
zendo que era o médico que lho tinha receitado. Quanto
à criada, se o casal a possui, terá de comer do que ficar.
Nunca ali se vê um mimo ou acepipe de açúcar. A emen-

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ta da ·Páscoa não faz esquecer a de Sexta,Feira Santa:
é quaresma todo o ano.
Os vestuários sofrem também as consequências da
avareza: é preciso usá-los até ficarem no fio. O marido
queixa-se, ameaça a mulher de que a envergonhará em
público para desculpar-se da sua apresentação negligen­
te, mas em vão . . . E no que respeita a distracções, têm
df' ser sacrificadas porque as deslocações são caras. Por­
tanto, a distracção dominical terá de consistir num pas­
seio a pé e . . . contanto que não seja para onde se coma,
beba ou haja divertimentos que custem dinheiro . . .
E que triunfo não julga ela ter alcançado quando
consegue, a custo de todas estas privações, comprar no
fim do ano, algumas obrigações do Crédito Predial! Ela
mostra ao marido os papéis vemelhos ou amarelos va­
riegados de bonitas figuras que encimam as filas de
cupões dos quais os últimos terão prazo até ao século
próximo . . . O marido olha-os com olhar melancólico, di­
zendo lá consigo que teria preferido uma mulher que,
económica emhora, lhe enchesse antes o estômago e o
coração.
Se, ao menos, estas economias fossem destinadas a
auxiliar as despesas ocasionadas pelo nascimento dos fi­
lhos ! Mas, infelizmente não, porque os filhos não cons­
tam do programa. A mulher declara, com efeito, que a
vida está cara e que não permite ter uma família a edu­
car. Todo o casal - diz ela - que tem filhos está con­
denado à miséria. Nesta casa, onde se amontoam os ((vin­
téns>>, nunca um chilrear de crianças vem desensombrar
a fronte dessa mulher que não conhece outra afeição se­
não a do dinheiro.
Aqimada de tal paixão, a mulher torna o lar ina­
bitável. Por isso, o marido procura fugir dele o mais
possível. Usa de dissimulação, escondendo à mulher uma
parte das suas receitas para as .�<suas extravagâncias>>. Ser-

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vindo-se destas reservas, ele irá, pretextando negócios, ao
restaurante vingar-se dos seus jejuns forçados, ou então,
proporcionar-se-á, em companhia de amigos, um espec­
táculo de cinema. Que perigo este homem desiludido cor­
re nestas ocasiões, bem raras para o que seria seu desejo,
em que escapa à avareza da mulher! Ele saboreia de tal
maneira a liberdade e a doçura de viver que se arrisca
a a:busar dela . . . A não ser que o marido, devorado tam­
bém pelo apetite das riquezas, colabore afanosamente
com a mulher no cctrabalho da avarezall e se prive de
tudo para aumentar o «pé-de-meia)), Então o casal deixa
de ser uma família para ser sociedade de negociantes.
Compreendam o seu erro as mulheres tentadas pe­
lo demónio do dinheiro. Atormentadas com as preocu­
pações do futuro, querem elas pôr o seu lar ao abrigo
dos revezes da fortuna. Seria bem legítima tal preocu­
pação se ela se mantivesse nos limites do razoável ; mas
ao exasperar-se, a preocupação da riqueza cria infelici­
dades aqueles próprios que delas quer preservar. O ma­
rido, mal alimentado, cai doente e perde o emprego ; a
mulher, acabrunhada pelas provações enfraquece e co­
meça a tossir; os filhos, se os há, não se desenvolvem fi,
sicamente porque se lhes raciona a subsistência e sofrem
moralmente porque se lhe recusam as sãs distracções, as
relações agradáveis, os complementos de instrução. As
importlâncias economizadas no padeiro e no talho enri­
quecem o farmacêutico e o médico. E assim se verifica
a lei estabelecida pela ;Providência segundo a qual toda
a falta prepara o seu próprio castigo.
Não teria sido melhor comer e beber o necessário,
vestir-se com o necessário resguardo e proporcionar-se
distracções honestas? A mulher casada deve saber abrir
a bolsa quando é necessário, pois as despesas criteriosas
não são perdas mas lucros. «Outras poderão · acumular ri-

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1 93

quezas mas a mulher circunspecta sobrepassa a todas as


suas iguaisn (l) garantindo a felicidade da sua casa.
O marido, alegre, cheio de ânimo e gosto de vi,
ver, ganhará mais, triunfará nos negócios, terá êxito e,
no final de contas, trará mais dinheiro para casa do que
teria acumulado a parcimónia da mulher. Encontrando
no seu lar um certo conforto e abastança, sentirá gosto
de nele viver. A mulher não terá então pena de ter com,
preendido aquela máxima que diz que «é preciso se,
mear para recolhern, visto que recolhe, em troca do di,
nheiro, a união e a paz.

*
* *

Mas para que a semente produza, é necessar1o que


seja lançada com a devida medida num bom terreno.
Eis porque a mulher casada, ao querer fugir da avareza,
deverá evitar a prodigalidade.
Embora por outros caminhos, o e�banjamento con,
duz aos mesmos resultados que a avareza: traz a fome às
famílias, redu-las às privações. Nos tempos que correm,
o.> mais pequenos objectos são tão caros que a breve tre­
cho se vê o fundo da !bolsa. Se a mulher casada não for
económica, falta:r-lhe-á sempre o dinheiro quando se tra­
tar de vir em auxílio dos seus.
Aquela jovem casada, por exemplo, é doida por ves­
tidos. Quando ela mira e remira um vestido numa loja,
não pode resistir à tentação de o comprar. Cada uma das
suas saídas, ià tarde, torna-se-lhe assim muito cara, pois
hoje comprará uma pele de agasalho, amanhã uma ren­
da, outro dia um vestido, mais adiante o seu duodécimo
casaco ou o centésimo par de meias de seda. As compras
vão-se assim multiplicando e as despesas avolumando�

(1) Prov. XXI, 29·

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194

-se e , no fim do mês, ultrapassaram-se as disponibilida­


des. Ela procurará então resolver a dificuldade com a co­
mida: a mesa ressentir-se-á. O marido exige que lhe
dêem de comer. Admira-se de que as mensalidades que
dá à mulher lhe não proporcionem uma alimentação con­
fortável. Ficará, dentro de pouco, ainda mais estupefacto
quando lhe forem apresentadas as contas da padaria, da
mercearia, que a mulher, por falta de recursos, não pôde
pagar no mês precedente.
Ele zangar-se-á talvez, e talvez não seja sem razão
que ralha; se tiver a peito a paz do lar, não poupará gra­
ves repreensões que serão aceites, como é de esperar.
Pois como poderia o seu trabalho chegar a satisfazer to­
dos os devaneios duma mulher gastadora? Felizes dos
maridos que conseguiram que a mulher se corrigisse!
Certo marido confessava que jamais conseguira melho­
rar a sua situação porque a mulher era um «sorvedoiro» :
se lhe faltasse com o dinheiro, ia pedi-lo emprestado e,
porque não queria de modo nenhum declará-la interdi­
ta, resignava-se a pagar . . .
E ainda não é em objectos supérfluos, empilheira­
dos nos armários, que a má administradora dilapida os
haveres: por vezes volatiliza-os à doida, o que é mais
grave. Este resultado vem da sua inépcia e da sua falta
de habilidade. Acontece-lhe, por exemplo, comprar to­
dos os géneros mais caro do que os outros, ou, então,
aceita por preço elevado os artigos de qualidade inferior,
ou ainda porque, não tendo o sentido da justa medida,
põenuma só refeição o que bastaria para um dia inteiro,
pronta a deitar fora os restos que ela não pensa utilizar.
Se se trata de vestuários, não sabe conservá-los como
fazem as donas de casa que possuem a qualidade de sa­
berem conservi-los sempre novos. Ela, logo que os vê
.desbotados, trata logo de os substituir por novos. De tal

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1 9';

modo é verdade que, na cozinha como na costura, nada


há como a «arte preciosa de aproveitar os restos».
Nenhuma fortuna pode resistir a tais abalos.
E assim deve a dona de casa convencer�se de que
a «economia)) constitui para ela um grande dever. Sa�

ber comprar; repartir criteriosamente com os da casa


os objectos adquiridos; cqmprar o suficiente para acudir
às necessidades de todos mas velar por que nada seja
inutilizado; prover a casa com as menores despesas;
«obter o máximo de rendimento com o mínimo de des�
pesa», como se diz em indústria, tal o critério que deve
guiar uma mulher solícita dos seus haveres, ao mesmo
tempo que da felicidade familiar. Esta prudência supõe
uma educação sólida, muito bom�senso, uma grande ener�
gia, vigilância a todo o instante. O resultado será a or�
·dem e o conforto no lar, a alegria e a paz nos corações,
a prosperidade financeira e um futuro garantido,
Esta.s considerações sobre a mulher gastadora fazem
suspeitar a catástrofe que causam num lar os esbanjamen�
tos do marido . . . Este reverso do quadro seria sinistro . . .

À mulher, a essa, não seria lícito perder o dinheiro rece­


bido do seu marido, que reservava para si o necessário e
ganharia outro . . . mas o marido, esse gasta tudo o que
tem . à doida . . . no jogo . . . nos passeios . . . nas festas . . .
. .

até à mais completa bancarrota . . . Quantas pobres mu�


lheres arranjadas, hábeis, dum jeito consumado, não têm
assistido impotentes a esta derrocada dos seus recur�
sos por culpa daqueles que delas deveriam ser os guar­
das ! Nunca se avaliará suficientemente o que elas so­
freram! Se uma mulher que não deita contas à sua vida
é um flagelo, um marido pródigo é�o ainda mais. E quan­
do os dois cônjuges são <edois cestos sem fundo? . · · '' En­
tão, adeus, lar! Só falta cada um ir pára �u lado e levar
«vida de boémioll. Em certa cidade, viu�se um «dou�
tor em letras,, com a mulher, a remexer, de manhã cedo,

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xg6
as latas do lixo . . . Criem em si os. rapazes e as raparigas,
antes de se casarem, sólidas convicções sobre a necessi­
dade que tem a felicidade do seu lar de uma perfeita
administração financeira. Se é difícil evitar neste ponto
os excessos e os defeitos, a justa medida traz, ao invés,
tanto encanto à existência que n unca se louvará demais
os esforços mútuos a que se entregam os cônjuges para
se libertarem das privações da avareza, ao mesmo tem­
po que das misérias da prodigalidade .


• •

Muitas vezes, o desbarato tem no lar como causa


a negligência com que certas casadas se ocupam dos as­
suntos da sua casa.
Tem-se dito que ((a ociosidade é a mãe de todos
os vícios)), Ela é, com certeza, a inimiga da felicidade
nos lares! .Pois como se farão os trabalhos de dentro de
casa se a mulher se põe a dormir? São já dez horas e
esta preguiçosa acaba de levantar-se quando o sol nunca
a deveria encontrar na cama. Há certos trabalhos domés­
ticos que só têm o seu lugar normal durante a manhã.
Se os quartos não forem arranjados cedo, haveria gran­
des probabilidades de, à noite, a família ter que deitar­
-se com os lençóis por estender. E não será preciso ir
cedo às compras? Sendo das últimas a chegar ao mer,
cado, outras mais madrugadoras terão comprado o me­
lhor e a preguiçosa, não podendo escolher, pagará caro
o que lhe derem e não contentará ninguém em sua casa.
Quando as belas horas frescas e ridentes da manhã
são desperdiçadas, é muito provável que a tarde também
não venha a ser menos «estragada)), Era preciso que a
mulher casada, livre do trabalho caseiro da manhã, pu­
desse, servido o almoço e arrumada a loiça, entregar­
-se ao conserto da roupa ou à costura . . . Mas ela arras-

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1 97

ta-se indolentemente na execução dos trabalhos indis­


pensáveis que ela descurou e chega a hora da ceia sem
que ela tenha tido tempo de enfiar uma agulha. Assim
se acumulam sobre uma mesa montões de roupas que
esperam pela hora de serem vistos . . . Certa mulher, pou­
co laboriosa, confessava sem qualquer pejo que «não
chegaria certamente ao fim daquele monte». !Por isso,
quando lhe era preciso, um guardanapo limpo, procurava
no monte o que estivesse menos roto, dizendo lá con­
sigo que «para aquela vez era o suficiente».
Perante uma tal acumulação de trabalho é natural
que se perca a coragem. Em vez de atacar aquela mon­
tanha, a mulher sente vontade mas é de se sentar para
um canto: e não se sentindo com coragem para o es­
forço, pegará instintivamente no romance que dorme so­
bre a mesa e de que ela vai folhear algumas páginas . . .
A sua intenção não é má: ela só lerá poucos minutos
«para descansar um pouco». Mas as sete horas da tarde
apanham-na ainda mergulhada na leitura. Ela precipita�
�se então sobre os talheres, maldizendo a sorte que a
arranca ao prazer de uma viagem de sonho . . .
Tal é, com as suas variantes, a vida de uma mu,
lher desleixada. Que marido poderá ser feliz partilhando
uma tal existência? Sob uma direcção tão defeituosa, a
desordem invade a casa; o dinheiro é sempre pouco, pois
faltando a conservação e o cuidado, nenhum objecto dá
proveito . . O marido entristece-se e aborrece�se . . . a não
.

ser que se resolva a agarrar nas coisas para as fazer,


obrigando a mulher a ajudá-lo. . . como aquele homem,
jovem e decidido, que conseguiu por este meio curar
a mulher duma inveterada indolência.
Mas por que será que as mães de família não for�
mam as suas filhas, esposas de amanhã, no trabalho?
:Por que é que não habituam essas <<meninas», durante
os anos jovens a servirem e a não serem servidas? Pen�

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Ig8
sem, pois, os pais nos preJUIZOS que causam não obri­
gando as filhas a · prestarem no lar a sua activa colabora­
ção! Se essas filhas · tivessem sido habituadas desde os
tenros anos a · cumprir todas as c<ebrigaçõeSll do lar, se
tivessem sido o'brigadas a garantir a ordem das coisas
na casa, ir às compras, fazer a cozinha, coser e remen­
dar, substituindo totalmente a mãe nas diversas funções,
não se encontrariam, após o casamento, assim aflitas com
a tarefa de que fogem em vez de a enfrentarem.
Se a estes hábitos de trabalho, as mães previdentes
e criteriosas tivessem juntado ccconvicçõesll sólidas a
respeito da necessidade do esforço, estas jovens esposas,
ao entrarem na vida matrimonial, teriam gostado do
trabalho e o teriam aceite como uma das fontes da sua
felicidade. Eis porque as mães de famíiia não devem
deixar de repetir às suas filhas as razões que têm para
serem diligentes e aGtivas. Quando as futuras esposas
tiverem compreendido. que o trabalho caseiro, indepen­
dentemente dos seus resultados directos que são a or­
dem, o conforto, a boa alimentação, a economia, propor­
ciona à mulher casada as suas mais agradáveis distrac­
ções; quando elas tiverem compreendido que os dias
nunca são longos, as :horas nunca são tristes e as triste­
zas nunca pungentes para quem se deixa ábsorver com
paixão por uma ocupação favorita; quando tiverem a
impressão de que a sua verdadeira colaboração nos es­
forços que impendem sobre o marido para vir em au­
xílio das necessidades do lar deverá consistir em fazer
reinar no Íntimo desse lar a alegria de viver, então se­
rão tais raparigas capazes, desde a sua entrada no casa­
mento, de fugir da vil preguiça que deixa as aranhas
tecerem as suas teias no tecto e paredes da casa e as
tentações más avassalarem os corações desfalecidos.

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Sem ser propriamente preguiçosa, uma: jovem casada
pode, como uma borboleta, esvoaçar muito sem fazer
grande coisa, Perderá o seu tempo em mil futilidades e
ninharias que a absorvem- e a distraem, ou então será
de tal modo vagarosa e indolente que, andando sempre
atrasada, fará sofrer o marido com a sua falta de pon­
tualidade.
Que série de decepções e de ·aborrecimentos não
causa, com efeito, ao marido um hábito tão desagradá­
vel. Acontece, por exemplo, que ele entra em casa, fa­
minto, para almoçar, dispondo apenas de uma escassa
hora e meia para vir e voltar. Ao abrir a porta, espera
sentir o cheiro das panelas mas é o fumo que lhe vem
atacar a garganta: a mulher ainda anda a acender o lu­
me. Para se não pôr a praguejar, pega num jornal e põe·
-se a ler, mas, quando uma pessoa está com fome, o

enervamento ameaça provocar terríveis movimentos de


mau génio que, contidos agora, explodirão mais violen•
tamente daqui a pouco.
Muitas vezes estas donas de casa atrasadas são
tão pouco prontas para irem fazer visitas ou a reuniões
como para terem as refeições prontas. Assim era aquela
jovem casada que, quando ia para qualquer parte, seguia
sempre o marido a distância porque à saída nunca estava
pronta. E quantas vezes ele, tendo prometido ir com a
mulher a casa dos amigos, não teve de fazer a visita sà­
zinho! Ele estava por tal forma resignado com esta si­
tuação que já não se admirava quando a mulher o não
acompanhava; pelo contrário, manifestava-lhe a sua sur·
·presa quando, por acaso, ela comparecia a tempo e horas.
Este defeito, fonte de tantos aborrecimentos no lar,
poderia geralmente evitar-se. Bastaria que, desde a in­
fância, a futura esposa tivesse sido <�costumada a con­
siderar as horas marcadas como compromissos sagrados.
Ela teri:t então tomado a sério a palavra dada, consi-

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200

derando-a como um contrato que a ligava. Por não ter


compreendido o que encerra de 'honestidade a fidelidade
.às promessas, e de inconveniência o atrevimento de des­
locar os outros inutilmente, muitas mulheres casadas in ­
fligiram à sua volta duras mortificações. Nunca é cedo
de mais para se corrigir semelhante defeito. Duas coisas
bastam para que a pessoa mais retardatária se emende:
um bom relógio e uma boa vontade.
Mas é forçoso confessar que, frequentemente, é a
mulher que sofre mais com a falta de pontualidade do
marido do que o marido com os atrasos da mulher. Não
há meio de ele vir para casa. comer. . . às vezes o jantar
é às duas horas da tarde e a ceia às nove. Quando estas
irregularidades são impostas pelas condições da vida, a
jovem esposa pode lamentá-las mas não revoltar-se. O
5eu marido é, por exemplo, médico e os doentes cha­
mam-no, ou, então, vive envolvido nos negócios e os
dientes tomam-lhe o tempo. Em tais circunstâncias, não
deverá a . mulher dar provas daquele «mau governo"
que a tornaria incapaz de servir a refeição ao marido a
qualquer hora. Ela deve esforçar-se por recebê-lo sem­
pre sorridente e feliz com uma «SOpa)) quente, um molho
bem condimentado, uma sobremesa apetitosa.. À medida
que o seu atraso aumenta, o marido sente aumentar o
cansaço. Quanto não apreciará ele então o encanto dum
acolhimento que o· reconforte. Por certo que não terá o
mesmo prazer se for dar com uma mulher resmungona
que lhe apresente uma refeição fria ou esturrada. Volta­
rá para o trabalho profundamente magoado com tanta
jndiferença.
Mas se a mulher aceita alegremente as faltas da
pontualidade impostas ao marido pelo trabal'ho ou pelos
negócios, não pode, ao invés, deixar de sofrer cruel­
mente com as irregularidades do horário que nasça de
causas injustificadas. Dá-se, por exemplo, o caso de o

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201

marido se demorar no clube onde joga, no café onde


bebe . . A mulher espera não sem excitação . . . fica tempo
.

esquecido com a cara colada à vidraça a ver quando é


que o marido aponta ao fundo da rua, enquanto a ceia
se vai queimando e secando ao lume . . . Ou então ieà noi­
te: a pobre mulher, extenuada, deitou-se tarde mas o
sono não vem. . . põe-se a pensar por onde andará o
marido? . . . que andará a fazer? . . . e nem sequer se atreve
a dar a estas perguntas as respostas que seriam naturais.
Ela vai ruminando as palavras afectuosamente doridas
que lhe dirá quando ele chegar, as recriminações que,
por mais suaves, não deixará de lhe dirigir . . . a sua ima-
ginação trabalha . . . a cabeça esquenta-se-lhe . . . as fontes
da calbeça escaldam . . . Não é possível descrever, ainda
menos suspeitar, a extensão de semelhantes martírios,
sobretudo quando a mulher pode, ao longo destas ho­
ras intermináveis em que fica à espera do retardatário,
dirigir-se a si própria algumas repreensões e reconhe­
cer que o seu feitio difícil, a sua falta de virtude ou a
sua má administração tem a sua quota parte de causa
na indiferença que ele lhe manifesta.

Não esperem as jovens casadas as angústias destes


regressos nocturnos do marido pelas duas da manhã, pa­
ra aprenderem a sorrir, a serem boas , amáveis, esqueci­
das de si próprias, e para adquirirem todas as qualidades
·

que prendem o marido ao lar. . .

*
* *

Isenta de toda a preguiça, criteriosa no emprego do


dinheiro, perfeitamente pontual, a dona de casa não terá
ainda com tudo isto evitado todos os escolhos da ccmá
administração » : é necessário saber governar. Tem-se di­
to frequentemente: <Cé mais fácil obedecer do que man­
dar>>. Esta palavra aplica-se plenamente iJ.O lar onde a

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202

arte de· direcção, tão delicada e preciosa, descamha la­


mentàvelmente, por vezes, no autoritarismo.
Quantas pessoas não julgam que a nica regra do �
marido é o capricho. «Assim quero � assim mando e a
razão é a minha vontade», dizia um poetâ latino (i).
Quantas jovens casadas terão repetido depois dele
este axioma ou, pelo menos, o não têm posto em prática!
A ordem imposta não se baseia em qualquer razão
de bom,senso, é inrútil, fatigante, difícil de executar mas
não importa : «é o que me apraz! JJ Amanhã, ou mesmo
talvez daqui a uma hora, será dada uma ordem oposta ;
aquela mesma pessoa que penosamente e murmurando
se sujeitou ao primeiro querer, suportará, desta vez com
ira, o segundo.
A dona de casa acha absolutamente natural que se
não resista iis suas ordens, tem uma fé cega na sua pró­
pria infalibilidade; por isso não é capaz de imaginar a
tempestade que foi levantar no coração daquela pobre
criada, que poderia talvez ser tão boa e teria amado tan­
to a sua «senhoraJJ, se tivesse sido criteriosa e razoà­
velmente orientada.
Pode acontecer que algumas donas de casa, aliás dota­
das de qualidades práticas e exigindo apenas o serviço nor­
mal, torne� insuportável o seu comando, devido ao seu
«tom autoritáriOll, Elas têm a palavra tão terminante, a
voz tão seca, que tomam penosas e repulsivas as mais
elementares ordens. Os próprios que a rodeiam sentem­
-se incomodados ao ouvirem as palavras desabridas que
elas atiram a cada instante. Estas mulheres, de feitio du­
ro, julgam que as pessoas de serviço a quem se dirigem
não têm direito de terem o seu amor-próprio nem o
sentimento da honra.
Esta mortificação pública descamba em suplício

( 1 ) Hoc valo, · sic jubeo ... Juvenal, Satiras, VI-223.

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203
'
quando a don·a de casa pretende ter «chiste». Ela atira
então alfinetadas que ferem profundamente. E adverte
tanto menos do quanto faz sofrer quanto ela goza do
êxito que lhe proporciona a oportunidade das suas
gracinhas. Não é de admirar que gente desta não consiga
ter criados em casa muito tempo. Seria necessário às cria,
das uma virtude heróica para aceitar humildemente as
fanfarronadas da sua patroa. Mas o heroísmo é pérola
rara.
E que aborrecimentos para o marido, n ascidos des,
ta incapacidade da mulher para o mando? Sentir,se,á
muito pouco satisfeito quando, ao entrar à noite em ca,
sõ., tiver conhecimento de que a criada se foi embora
e que lhe vai ser preciso - oh ! só uma vez ou outra ­
levantar a mesa e limpar a louça. A partir do dia se,
guinte, afirma a mulher desorientada, irá calcurriar toda
a cidade e encontrará esse pássaro raro que se chama
uma criada sem defeitos. Amanhã . . . é promessa fácil
de fazer . . . A realidade, porém, será diferente . . . Ela terá
de palmilhar muito tempo, pois a casa já se tornou fa,
mosa e não atrai as pretendentes . . O marido, saturado
.

de esperar a chegada da pessoa que lhe poupará o abor,


recimento de certos tralbalhos caseiros, sentirá terríveis
tentações de simplificar as coisas indo comer fora . . . Sen,
tirá tanto mais ganas disso que a mulher, de mau humor
e não podendo cevar o seu autoritarismo e as suas exi,
gências nas' criadas, volta as suas aceradas frases contra
o marido que a não ajuda, evidentemente, tão bem como
·

uma criada.
Como teria sido fácil evitar todas estas revoluções
Íntimas! Teria bastado praticar a virtude ! Só esta, su,
portando os defeitos do próximo e sabendo proferir pa,
lavras suaves, resolve com êxito, os mais espinhosos pro,
blemas da prática doméstica. Quando a dona de casa é

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204

dotada de bondade irradiante, longe de afastar os cora­


ções atrai�s todos a si.


• •

Mas por que será que a mulher se não torna sem-'


pre o centro de atracção do seu lar? .Porque frequente­
mente não informa a sua administração com motivos
sobrenaturais. Se se habituasse a praticar, nas suas rela­
ções com os habitantes do seu restrito domínio, aquela
admirável virtude que resume todas as outras e que se
chama «Caridade>> , seria rainha e senhora incontestada,
evitando ao mesmo tempo todas as «causas de antipatia» .
A «caridade» é paciente, é hoa; a «caridade» não é inve­
josa, não é inconsiderada; não se enche de orgulho, nada
faz de inconveniente; não procura o seu interesse, não
se irrita, não leva em conta o mal; não sente prazer na
injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1) .
A «caridade» que é o remate de todas as virtudes
sobrenaturais, não será, afinal, o remédio para todos os
males do lar? Seria possível terminar melhor a exposi­
ção das frequentemente dolorosas «causas de afastamen­
to>> do que verificando que podem ser todas suprimi­
das ou transformadas em «motivos de atracção» pelo
exercício da caridade? Nesta metamorfose 'da alma ope­
rada .pela Religião reside todo o segredo · da felicidade
pessoal e familiar. Só nos resta mostrar como se realiza
esta transformação. Eis a tarefa que realizará a terceira
parte deste volume.

(1) I Cor. XIII, 4·

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TERCEIRA PARTE

CONQUISTA DA REALEZA
DO LAR

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Lendo as páginas precedentes, a jovem casada sen�
tiu, por certo, duas impressões diferentes. Às vezes, sen­
tia-se estimulada por um vivo desejo de realizar o ideal
que lhe era proposto; outras vezes, ao contrário, sentia
um aborrecimento profundo por todos os defeitos de
que contemplava o vil quadro. Estes impulsos para o bem,
estes terrores do mal, por igual a faziam sofrer. E per�
guntava a si própria como lhe seria possível, a ela, sem
experiência, atingir os cumes sem cair nos precipícios.
Não serão os esforços que o «encanto do lar" reclama de­
masiado prolongados para a sua inconstância? Os engo­
dos da m undanidade, as más tendências da natureza, os
defeitos de temperamento, não levarão a melhor às suas
boas disposições? . . . Oh! Com certeza que seria bem agra­
dável ser a «Rainha do Lar», rainha incontestada, cujo
império se exercesse na paz e na alegria, mas não serão
os degraus do trono tão difíceis de subir que seja pre-
·

ferível desistir da subida?


Tais são as perguntas que a mulher casada, que leu
a exposição dos seus imensos deveres, revolve, cheia de

apreensões, na sua cabeça e no seu coração, sem poder


dar-lhe sempre uma resposta plenamente adequada.
A terceira parte do presente trabalho esforçar-se-á
por dar a solução tão ardentemente desejada deste pro­
blema inquietante às almas de boa vontade que, vincula­
das pelos. laços do casamento, procuram tirar o maior pro­
veito das graças da· sua união conjugal. Os capítulos que
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vão seguir,se gostariam de ensinar às casadas o processo
de conquistarem verdadeiramente o Reinado no LAr.
Deverão elas, em primeiro lugar, compreender que
a Piedade Pessoal é a mola de todas as virtudes. Sem ela,

nada de fecundo poderá sair de uma existência; por


ela, todos os actos se aperfeiçoam, a vida transfigura,se
e a ascensão para o ideal tão almejado acelera,se à me,
dida que os esforços se multiplicam e que os anos se su,
cedam.
Mas se a mulher casada conseguiu descobrir na vir,
tude o segredo da felicidade, não o deverá guardar só
para si: deverá comunicá,lo, ezercendo uma influência
cristã sob-re o seu marido. A felicidade matrimonial é,
com efeito, realizada um para com o outro; ela supõe o
credor e o devedor em perpétua reciprocidade e assim,
para que possa haver balanço equilibrado, é necessário
que haja pagamento de parte a parte. Aos esforços da
mulher devem corresponder os do marido. Compreende,
,se, desde então, que a «rainha do Lar» deva levar o
outro cônjuge a haurir as mesmas riquezas sobrenatu,
rais da mulher para que ele lhe possa pagar na mesma
moeda. E quando marido e mulher se encontrarem assim
dotados das inestimáveis aquisições do espírito cristão,
nem por isso estará terminada a sua missão. Todo àque,
le que possui um tesouro deve fazer com que dele bene,
ficiem os que o rodeiam. O lar deve ser um centro à roda
do qual se junta um sem n!Úmero de pessoas que dese,
jam participar da sua ventura e felicidade. Os cônjuges
têm o dever de não iludir a expectativa dos que neles
esperam. Por isso, o capítulo que fechará este livro e
que se intitulará O Apostolado social, ensinar,lhes,á a ar,
te de «irradiar>>.
Oxalá que estas páginas consigam sugerir,lhes fe,
cundas resoluções! Nesta época de laicismo, de negação
dos direitos de Deus, de blasfémia oficial, bem deseja,

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riam elas inspirar aos casados o amor intenso, o respeito
profundo, a dedicação total aos interesses da Majestade
Infinita, a quem é devida honra, louvor e glória em to­
dos os séculos por Jesus Cristo, Nosso Senhor! Aplican­
do-se de alma e coração a defender a causa deste grande
e bom Mestre, num verdadeiro espírito de submissão, os
cônjuges garantirão ao mesmo tempo a verdadeira gran­
deza e a fecunda influência e conquistarão a <<Realeza do
Lar»·, pois está escrito que «servir a Deus é reinar» (I).

'(1) Pontifical Romano. Ordenação do Subdiácono.

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CAPfTUW PRIMEIRO

A PIEDADE PESSOAL

(Necessidade de piedade)

Nunca estarão as casadas suficientemente convenci­


das de que o seu «Reinado no Lar» depende sobretudo
da sua piedade pessoal.
Um grande nrÚmero de raparigas e de jovens casadas
está, infelizmente, imbuído daquela ideia nefasta, infil­
tração do espírito laico, segundo a qual <<a piedade é um
luxo de que nos podemos bem dispensan>. Semelhante
erro paralisa muitas casadas nos caminhos da perfeição
cristã. Assim, tendo cumprido os seus deveres essenciais,
julgam elas que desempenharam suficientemente o seu
papel e exerceram a sua influência.
Desenganem-se! A irradiação da mulher na família
não está tanto em proporção com seus dons naturais co­
mo com a actividade da sua vida interior, exactamente
como o brilho duma lâmpada não depende dos enfeites
que traz mas da intensidade da chama que alimenta.
Basta reflectir um instante para se chega� à evidência des­
ta afirmação. Que autoridade poderá tel' sobre o seu ma·
rido uma mulher que não é ornada de virtude? . . . A qu<:
títulos poderá ela exigir dele que aceite o cumprimento
leal e total dos seus deveres matrimoniais, que se impo•
nha os sacrifícios necessários, que acabe com determina­
das relações, que ele lute contra o seu mau génio? Se
.ela não é animada por motivos superiores aos do interesse
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21-I

privado, não terá, para falar do marido, senão a eloquên·


cia da sua tímida pessoa. E se o marido, recusando-se a
ouví-la, carregar sabre o obstáculo que ele opõe, ela terá
de recuar. Como ela teria sido verdadeiramente forte se
a sua raquítica vontade feminina estivesse encostada à
Majestade divina! Os Mandamentos que ela teria invo­
cado, levantar-se-iam como muralha intransponível dian­
te das exigências do marido, que, sem ficar querend;:,
mal à mulher, ter-se-ia visto abrigado a reconhecer que
não tinha razão em persistir.
Mas não basta a uma casada ter por si a força que
lhe dão os princípios cristãos. É-lhe ainda necessária, no
caso de resistência do marido, a persuasão para levá-lo a
admití-los. Onde irá a mulher encontrar este poder de
insinuação? Na piedade pessoal que lhe proporcionará a
conquista de todas as virtudes amáveis. Como será possí­
vel, sem esquecimento de si própria, sem humildade nem
doçura, sem fidelidade a toda a prova, sem dedicação de
todos os momentos, prender o marido ao lar? . . . forçá-lo,
se ele não tem fé , a admirar os seus benefícios? . . . fazê-lo
apreciar, se ele tem a graça da fé, a felicidade de ser cris­
tão?
A piedade pessoal proporcionará pois, à esposa, o se·
gredo da verdadeira autoridade. Eis porque não há bem
algum que ela mais deva desejar do que este. Quando
Deus deu a Salomão a faculdade de escolher o que qui­
sesse, o grande rei respondeu que não desejava nem ri­
queza nem vida longa, mas sõmente a «Sabedoria>>. iDeus
deu-lha e, «por ela, diz a Escritura, tudo o resto lhe foi
.
concedido)) (1), Tal é a sorte da mulher que, p ela prática
da piedade, descobr� o tesouro da <<Sabedoria cristã)), Por
meio dele, a mulher séria garantirá todas as suas influên­
cias e rodear-se•á da verdadeira grandeza; o marido escu-

(I) Sap. VH, I2.

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212

tá-la-á como um oráculo; os seus filhos obedecer-lhe-ão;


os criados respeitá-la-ão. Sendo a primeira em toda a par­
te, no ·trabalho como na ora�ão, na dedicação como no
prazer honesto, ela falará como mestra indiscutida, pois
quem ousaria formular contra ela a mínima censura? De
que falta a poderiam acusar? E, em qualquer caso, no
meio das suas preocupa�ões, ela desconhece a embriaguez
do orgulho, pois tem-se pela última de todos, não procu­
rando impor-se a ninguém mas trabalhando unicamente
para o bem de todos.
Que ideal digno de entusiasmar todas as que dese­
jam tomar-se «Rainhas do seu lar» I As casadas atingirão
estas alturas na medida em que a sua piedade pessoal ti­
ver subido os degraus de perfei�ão cristã.


• •

Dir-se-ia que sob o influxo destas nobres ideias, to­


das as jovens casadas se vão lan�r a passos de gigantes
no caminho da santidade, sustentadas pela gra�a do sa­
cramento. Porém, que decep�ão! � muitas vezes o con­
trário que sucede: elas recuam em vez de avançarem.
Por que é que certas esposas, desde que se casam, dei­
xam a sua ascensão para o bem que tinham empreendido
quando solteiras? Porque é que se é for�ado a verificar,
não sem lástima, que o la�o matrimonial afrouxou o Ím·
peto para Deus até ao ponto de, em certos casos pelo me·
nos, chegar a paralisá-lo por completo?
Os primeiros obstáculos que se opõem à piedade da
jovem casada nascem da comunidade de vida. Antes do
casamento, a rapariga tinha adquirido hábitos de regula­
ridade. Assistia frequentemente •. quotidianamente talvez,
à santa Missa e comungava sempre que assistia ao divino
Sacrifício. Tinha ordenado as suas ora�ões, as suas leitu­
ras, os seus actos de caridade, segundo normas pruden-

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213

temente reflect.idas. · Ela entregava�se livremente a todas


estas ocupações SOibrenaturais, pensando que nada viria
jamais pôr obstáculos a tão santas empresas.
Não se tinha ela apercebido; a pobre jovem, que a
piedade da rapariga solteira e a da mulher casada não
podem ser pautadas pelas mesmas normas. A solteira vi�
ve imune de todo o constrangimento, só ela decide das
ol'ações que tem a fazer, da missa a que assistirá, das
obras que empreenderá. A casada <!pertence ao marido».
Piedade comum, ou, pelo menos, adaptada às justas exi�
gências do cônjuge, missas frequentemente comuns, à ho�
ra que ao marido melhor convém, ou mais frequentemen �
te, por infelicidade, à hora que menos o incomod;t, obra
comum a do lar familiar, dos filhos que virão . . . ou que
já vieram . . .
É uma vida .,nova, que cria novos deveres e corres�
ponde a novas necessidades, aquela em que a jovem ca�
sada se encontra agora mergulhada. É possível que ela
não estivesse prevenida para uma tão grande transforma�
ção da sua existência. Em lugar de se admirar, de recri�
minar, ou mesmo de descoroçoar, deve ela entrar gene�
rosa e francamente no espírito do seu estado e, sem nada
diminuir da · sua piedade, adaptar�se às circunstâncias .


• •

A esta dualidade de vida, que faz romper com todos


os hábitos adquiridos na juventude, vem juntar�se o em�
pecil'ho que traz à piedade da mulher o exercício dos seus
novos deveres de casada.
Por certo que ela não entrou na união matrimonial
sem a conhecer. A sua mãe tinha�a claramente instruido
a respeito das suas obrigações. .Por isso, foi sem medo e

sem esc�úpulo que, diferentemente das pessoas timoratas,


ela aceitou as consequências do seu casamento. Ela sen�

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214

te-se até feliz por poder apressar o momento feliz de ser


mãe. É com alegria no coração que ela vive os primeiros
tempos da sua união, que. ficarão, sob a expressão vulgar
de .«lua de mel», o mais suave período da sua existência.
E1 todavia, nesta fase, em que se esperava, como
consequência da paz e da dilatação do coração, um redo­
bramento de fervor sobrenatural, a piedade tem tendên­
cia para baixar. . . Que se passa então?
A jovem casada é vítima daquele tédio das coisas es­
pirituais que invade automàticamente o coração quando
ele se deleita, mesmo legitimamente, nos gozos · mate­
riais. A jovem casada verifica em si a velha luta entre a
carne e o espírito. Até ao dia do casamento, a rapariga
sonhava com um- amor ideal que, supunha ela, não desce­
ria nunca até ao real, sempre vulgar. E eis que, pela prá­
tica do dever, ela vê-se obrigada a sacrificar uma virgin­
dade que, apesar de tudo, ela considerava uma auréola . . .
Ela sabe que, longe de decair, c umpre a vontade de Deus.
Mas este dever é enevoado por um sentimento infundado
de humilhação interior, que lhe inspira como que uma
vergonha de aparecer na presença da Majestade divina e
lhe tira todo o prazer de falar com Ele. Esta impressão
de indignidade, cuja inanidade a jovem casada não co­
nhece suficientemente, não -deixa, no entanto, de a des­
nortear: se a sua alma se deixar trabalhar por esta ideia,
sentir-se-á invadida por uma recusa desesperadora que
em breve degenerará em indiferença; enfim, com o en­
raizamento dos hábitos, a aversão pelas práticas religio­
sas afogará dentro de algum tempo no coração a pie­
dade cristã.


* *

Ora, precisamente neste momento em que era tão


necessário à jovem casada reagir contra estes novos ad-

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215

versários da sua vida interior, surge um outro sentimento


que vai impelir a alma na mesma direcção de negligên­
cia espiritual e que outro não é senão o da adoração do.
marido.
A jovem casada, intensamente absorvida por de,
ocupada só com ele, sente a ilusão de que não precisa de
nenhum outro apoio moral e que pode quase, ao menos
por então, passar 1bem sem Deus. Acaso não lhe basta:á
o marido? .Por uma ilusão bastante comum nas jovens,
este apoio humano, tão frágil, depara-se-lhe como de
uma solidez eterna. Ela não imagina sequer que ele possa
vir-lhe a faltar e, mesmo quando a sua razão lho sugeris­
se, tal ditame ficaria puramente especulativo e não en­
traria no domínio das ideias práticas, norteadoras das
suas acções.
A esta miragem da perenidade do amor a que a ela
deixa entregar-se a sua ingénua admiração pelo marido
vêm .juntar-se as negaças da felicidade verdadeira. Ela
julga que saboreia a felicidade verdadeira porque o seu
marido corresponde a todas as suas aspirações. Por pouco
diria ela que o próprio Deus não poderia fazer com que
ela fosse mais feliz. Sucumbia a este erro aquela jovem
casada que afirmava do marido ((que preferia não ir para
o Céu se não fosse com ele», por tal forma estava con­
vencida de que o «Céu era ele» l i
Céu quão incompleto e passageiro ! Mas, por mais
falsa ·que seja, a impressão da eternidade e de completa
satisfação que a mulher iludida sente tão vivamente não
deixa por issc:i de esconder o pensamento de Deus aos olha­
res da sua inteligência. Compreende-se, desde então, por
que razão, sob o deslumbramento da miragem interior�
produzida nesta alma feminina tão poderosamente emotiva
pelas primeiras impressões da vida matrimonial, as práti­
cas piedosas não tardem em diminuir ràpidamente - para
mais embaraçadas como são agora pelas exigências da vi-

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da em comum - até se reduzirem a uma simples recor­
dação da sua vida de solteira.

*
* *

Nesta altura, para realizar o reajustamento da vida es­


piritual às necessidades do novo estado, deverá intervir
com urgência uma mão firme e experimentada que traga
à alma desnorteada a orientação do que precisa, e ao co­
ração desfalecido o reconforto eficaz. Salvo raras excep•
ções. nem o marido, tão iludido como a mulher, nem Ós
pais, leigos em semelhante matéria, podem dar socorro à
mulher que se extravia. É-lhe necessário a ajuda de um
director de consciência.
Felizes as jovens casadas que, desde longa data, en­
contram este prudente conselheiro! Geralmente, todas as
tJ_ue, são educadas em casas religiosas têm, a partir das
horas abençoadas da primeira Comunhão, esse «pai da sua
alma».
Outras não foram tão «cuidadas» na sua infância,
mas, deixados os estudos e lança�as nos perigos da vida

mundana, sentiram por si próprias a necessidade de for­


talecer o seu querer e de se prevenir cor1tra os perigos
ameaçadores. Escolheram então um sacerdote ou um Re­
ligioso de reputação.
Ao lado destas privilegiadas, quantas solteiras não
chegaram ao casamento sem terem garantido a si próprias
uma direcção espiritual ! Um certo número delas cumprem

o seu dever de cristãs comungando apenas na Páscoa e


nas principais festas. Mas nunca tiveram o pensamento

de estabelecer uma sequência lógica nas suas preparações


para a Eucaristia e na execução das resoluções que elas
traziam do confessionário ou da mesa da Çomunhão.
Levadas por um falso princípio de independência, que
faz confundir «liberdade» com «indisciplina», iam confes-

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217

sar�se agora aqui, amanhã acolá, segundo o acaso das cir.


cunstâncias, como aquela jovem casada que se gabava de
nunca se ter dirigido ao mesmo sacerdote. Poderá uma tal
leviandade ser favorável ao desenvolvimento · da piedade?
Verifica�se geralmente entre as pessoas em luta com esta
inconstância a ausência de espírito interior, um desejo as­
saz medíocre de perfeição, uma vida cristã sem v-igor cuja
seiva tem muitas probabilidades de se estancar.
Eis porque devemos aconselhar vivamente às jovens
casadas, que ainda o não tenham feito, a escolha dum di­
rector de consciência. Escolham�no onde quiserem mas es�
colham-no.

..
• *

Não hasta ter escolhido um director de consciência : é


necessário tornar possível a sua direcção. Não é aqui
o lugar de expor, sobre este capital assunto, as im�
portantes verdades que as leitoras do presente volume
encontraram algures e poderão ler com proveito (1) .
Convém, no entanto, lem'brar que o recurso ao guia
espiritual tornar�se�ia ilusório se 4 jovem casada não
desse provas de duas qualidades: sinceridade e doei�
!idade.
O receio de se diminuir aos olhos do sacerdote e
o medo de que ele vá exigir esforços demasiados se for
posto francamente ao corrente do estado da alma, eis
dois sentimentos que exercem uma t�rrível tirania so•
bre certos quereres femininos e os paralisam, às vezes,
totalmente. Como poderia um sacerdote; tão insuficien­
temente informado da situação, dar conselhos que ilu�
minem e orientem? Tem acontecido o director de cons­
ciência, mercê de . respostas ambíguas e de explicações

(1) Futuros Esposos, p. 16o e seg. A Es.colha do Director.

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equívocas da penitente, aprovar práticas totalmente re­


preensíveis. Pois não chegou um jovem marido a afir,
mar, durante a guerra, que a mulher fora autorizada pe­
lo confessor · a epor-se à geração dos filhos, dadas as
dificuldades da hora presente? . . . que teria dito aquela
mulher ao seu conselheiro espiritual? Por certo que o
contrário da verdade, envolvido em palavras falaciosas.
Como a franqueza é uma bela virtude! O doente não
falta a ela diante do médico porque tem medo de mor­
rer. Quanto mais não deveria usar de franqueza a alma
cristã, se tivesse da morte eterna o horror que ela merece !
À coragem de dizer é preciso juntar a de fazer.
A mulher que prudentemente confiou o cuidado do
seu progresso espiritual a um sacerdote experimentado
nada aproveitaria da direcção que recebe se não puses­
se em execução as directrizes que lhe são dadas. Na
arte de se fazer guiar, a docilidade é, junto com a fran­
queza, a condição do êxito, por mais que isso custe. Eis
porque as mulheres casadas, desejosas de santidade con•
jugal, devem animosamente aceitar de antemão as exi­
gências da piedade. E qual não será a sua surpresa quan­
do se aperceberem de que longe de serem severos, os
sacrifícios que se impõem se tornam suaves e até agra•
dáveis. As mais rudes obrigações da vida matrimonial
serão leves, a luta contra o mau génio parecer-lhe-á fácil,
as concessões, o esquecimento de si própria, a obscuri­
dade, a dedicação serão a sua alegria.
Tornando-se, pela sua virtude, «O encanto do lar»,
terão sido criadoras de felicidade e terão verificado na
sua própria pessoa as palavras de Nosso Senhor: «0 me'u
fardo é suave e o meu jugo é leve . . . eu serei o descanso
das vossas almas>J (1) •

.( I) Math. XI, 29·

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2 19

* *

Que dirá o director às almas decididas a progre­


p
dir na virtude? A rimeira devoção que procurará in­
,
culcar à esposa será o Amor do Sacrifício da Missa, ponto
central do culto católico, acto fundamental da piedade
cristã.
Não haverá a insistir muito junto da jovem casada
para se lhe incutir profundas convicções sobre a Missa.
Desde há muito sabe ela, de o ter ouvido nos bancos do
catecismo e muitas vezes daí para cá que, pela oblação
de Cristo, se reconstitui, cada dia, entre nós a cena do
Gólgota. Sobre esta nova montanha do Calvário, que é
o altar, o mesmo Filho de Deus, imolado sob as aparên­
cias sensíveis duma hóstia sobre a qual o sacerdote disse:
«Isto é o meu Corpo», e dum cálice sobre o qual disse:
<<Isto é o meu Sangue», oferece ao seu Pai celeste o seu
Corpo e o seu Sangue infinitamente 'precioso em hoiJle­
nagem de adoração perfeita, de louvor completo, de re­
paração total, de súplica infalível. Essa jovem casada
sabe que a oblação de Cristo é também a sua oblação.
Com efeito, membro de Cristo pelo baptismo, ela ofere·
ce, em colaboração com Nosso Senhor,, a homenagem
infinita. O corpo todo, que não só a alma, concorre
para todos os actos duma pessoa. Da mesma forma, na
imolação do altar, é o Corpo todo de Cristo, cabeça e
membros, que oferece a Deus o louvor infinito do Sa­
crifício da Missa.
Esta verdade, fundamental para a piedade, anda
muito esquecida de numerosos cristãos. ij.igorosamente
falando, o Sacrifício da Missa é o «»osso Sacrifício» ele
é a obra comum de Cristo e dos seus membros (1).
Que honra poder assim tomar parte como coope-

( 1) Cf. �uturos Sacerdotes, p. 290 e seg.

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radares neste sacrifício renovado, e juntar a nossa voz,


as nossas adorações, as nossas reparações, os nossos pe­
didos aos de Cristo, oferecendo ucom Ele, nEle e por
Ele , ao •Pai Omnipotente, na unidade do Espírito Santo,
toda a honra e toda a glória» (1). .
Todas estas ideias são familiares à jovem casada que
delas vivera enquanto solteira. Delas esperava viver de­
pois de casada. Mas, apesar de todos os seus hons e
sinceros desejos, ela deixou de poder ir à Missa! Não se
a pode acusar de falta de boa vontade: desde a alva que
ela se encontra a braços com os trabalhos de casa. O
marido, que sai a hora bastante matutina, espera vir
encontrar o almoço preparado. Outrora, quando soltei­
ra, era só a si própria que se tinha de servir e talvez
a mãe lhe tirasse ainda este cuidado. Agora, está ao
serviço dum lar onde reinam a ordem e a pontualidade:
o seu dever prende-a em casa.
� aqui que um prudente director de consciência
deverá dar à jovem casada as justas apreciações sobre a
situação que o seu estado lhe cria. Se a obrigação de
ficar em casa for, segundo as circunstâncias, de tal na­
tureza que ela não possa arrancar-se das suas ocupações
por três quartos de hora, por exemplo se o marido for
exigente ou não for suficientemente cristão para com­
preender as vantagens da assistência à missa . . . se a dis­
tância da igreja for grande, se a estação for má, se a
saúde da mulher for precária, nesse caso a vontade de
Deus a seu respeito é hem clara: não deverá ir à missa
a não ser nos dias de obrigação, e, se puder, nas fes­
tas chamadas de devoção. E nestas ocasiões procurará,
para completar a sua assistência ao divino Sacrifício, par­
ticipar dele mais estreitamente pela recepção da Sagrada
Eucaristia .

(r) Cânon da Missa.

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221

Todavia, a jovem casada nunca aceitará esta for­


çosa abstenção, que lhe suprime tão radicalmente o seu
principal alimento espiritual, sem se esforçar por supri-lo
com outra coisa. Todas as manhãs ao acordar ou à hora
da missa, a mulher piedosa recolher-se-á durante alguns
instantes e unir-se-á com toda a alma ao Sacrifício de
Nosso Senhor, a fim de que, membro de C risto, não se­
ja separado da sua Cabeça no grande acto da Oblação.
Se puder, ao toque da Elevação na igreja, ajoelhe num
canto da casa, voltada para a igreja, como outrora Santa
Joana. d'Arc vendo ao longe a igreja de Donrémy por
uma fresta do seu quartinho, e aí adorará a Santíssima
Trindade por Nosso Senhor Jesus Cristo, feliz por poder
promover, do Íntimo do seu lar, por intermédio dAquele
que é o único Santo, o único Deus, o único Senhor,
a glória perfeita do Deus Omnipotente.

!Permanecendo fiel a esta prática, a mulher casada


participará, o mais que lhe é possível, do Santo Sacrifí­
cio. Mas esta colaboração na obra de Cristo parecer-lhe-á
insuficiente. Não poderá satisfazer-se com ela. Sentirá,
cada dia, aumentar em si o desejo de se manter mais
perto de Cristo no acto em que Ele dá glória a Deus
e de se unir mais estreitamente a Ele pela manducação
do seu Corpo. É então que a mulher casada realizará pro­
dígios para conquistar a sua santa liberdade: o desejo
torná-Ia-á engenhosa para fazer o seu tralbalho em me­
nos tempo, 'hábil junto do marido para conseguir poder
deixá-lo durante três quartos de hora. Os seus projectos
serão provàvelmente postos em execução dentro de pou­
co . . . Com efeito, pode supor-se que, frequentes vezes,
a impossibilidade de assistir à missa não é tão absoluta
como se julgava a princípio, sobretudo antes dos filhos
nascerem. É raro que a hoa vontade, ajudada por algu­
ma coragem e um pouco de habilidade, não consiga
desfazer todas as dificuldades. De resto, os maridos mais

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refractários em aparência à ideia da missa quotidiana e


da comunhão frequente para as suas mulheres são, por
vezes, fáceis em mudar de opinião . . . sobretudo quando
eles vêem na sua vizinhança outros maridos obrigados
pelas suas mulheres a fazer pelo mundo ---.,. e ainda por
cima com o sorriso nos lábios - sacrifícios muito mais
penosos do que aqueles que lhe acarretaria cada dia a
ausência da mulher durante menos de uma hora. Se, fre�
quentemente, as casadas o não conseguem, é porque não
sa'bem ou não ousam insistir, ou então insistem de um
modo tão frouxo que dão aos maridos a impressão de que
ficariam aborrecidas . . . se fossem atendidas. Se, com efei�
to, não fosse preciso, para assistir à missa, sacudir a pre�
guiça matinal e o torpor moral, aceitando, como conse�
quência da união ao Santo Sacrifício, · as mortificações da
vida cristã integral, quantas jovens casadas não seriam
frequentadoras fiéis da igreja e da Santa Mesa ! E que
fruto não tirariam dessa prática! Que henção não hauri�
riam ali para os seus lares! Felizes daquelas a quem
foi dado compreender o «dom de Deus».

*
* *

As almas que recebem o imenso benefício da Sa�


grada Eucaristia são as que se deram ao trabalho de
pensar nisso. �. pois, de toda a utilidade, para a sua
piedade pessoal, que a mulher casada adquira a prática ·
da reflexão meditativa, sem a qual lhe seria impossível
esclarecer�se e convencer�se.
Não é aqui o lugar de voltar às razões que obri�
gam a alma, preocupada com o seu bem sobrenatural,
a entregar�se a solícitas meditações. Esta questão capi�
tal teve noutra parte os desenvolvimentos necessários.
As leitoras do presente vblume terão grande interesse

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em reler essas passagens (ll . No entanto, sentir-se-ão fe·


lizes por encontrar aqui alguns conselhos particularmen•
te adaptados ao seu estado.
·

Comece a casada por fixar, no seu dia, muitas vezes


tão sobrecarregado, um momento, que considerará sa­
grado, para se entregar ao seu piedoso exercício. Esco­
lherá o quarto de hora da manhã ou da tarde em que
possa melhor pertencer a si mesma. Quem não será ca­
paz de furtar-se às distracções e às ocupações durante
alguns minutos? Quando vemos os mundanos não hesi­
tarem em desperdiçar longas horas em futilidades, como
não fará a mulher cristã por tirar para o seu bem espi­
ritual alguns instantes preciosos?
Uma vez fechada no seu quarto ou sumida na igre­
ja, no seu canto preferido, tome ela um livro. Esse livro
deverá ter sido escolhido sob a orientação do seu direc­
tor espiritual. Será um livro de piedade e de doutrina,
instrutivo e sugestivo, que, qual mestre ouvido com do­
cilidade, falará no íntimo do seu coração, prodigalizando
à mulher os tesouros da ciência de Deus. Mas não basta
tê-lo nas mãos: é preciso sabê-lo ler. � por não terem
sabido usar dele como convinha que muitas almas, aliás
de boa vontade, cedo dele se aborreceram.
Tais páginas não são um romance. Elas não são des­
tinadas a serem devoradas àvidamente, dum trago, como
para saber-lhes o desfecho o mais depressa possível. Elas
trazem consigo uma substância viva . e nutritiva que
quer ser tomada aos poucos e lentamente assimilada.
A jovem casada percorrerá essas linhas, depois interrom­
pendo a leitura, procurará deixar actuar o seu espírito
e o seu coração, ruminando as ideias que leu.
Com toda a lealdade, a jovem casada perguntará a

{1) Futuros Maridos: A Meditação. - Como meditar, p. xo6


e segs. - Futuras Casadas: A Oração, p. 229.

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si própria se compreendeu tal verdade . . . com que me­


dida a fez penetrar, até agora, na sua vida prática . . . que
resolução deve tomar a esse respeito . . . De outras ve­
zes, deixará escapar aspirações de amor e de reconheci­
mento, os gritos dum coração contrito e humilhado, ou
as súplicas instantes de uma alma desejosa das graças
da santidade para ela e para os seus.
Qua;ldo tiver repetido este exercício de reflexão e
de orações durante semanas, meses, anos talvez, não
sentirá, por ventura, a mulher casada a inteligência ilu­
minada e a vontade fortificada? Saberá então porque
deve amar a Deus e como o deve servir. Enquanto al­
gumas das suas companheiras, que não tiveram a feli,
cidade de meditar, ou porque o não souberam fazer ou
porque o não quiseram, ficarão para sempre hesitantes
na sua fé, achando a virtude conjugal bem penosa e te­
mendo os esforços em prol do bem cuja utilidade co­
nhecem mal, estas mulheres privilegiadas sentirão cres­
cer em si as convicções e a coragem. Nem o mundo,
nem os prazees, nem a ambição, nem o engodo das
riquezas as desviarão da via estreita. ((Elas viram Deus
passar» e, doravante, esforçam-se por seguir-lhe as pi­
sadas, alegremente, levando a sua cruz.


* *

A reflexão meditada e suplicante não deve ficar


puramente especulativa: deve ter uma influênci;t ime•
diata na prática quotidiana das Virtudes. Deverá, portan­
to, a muther piedosa pôr em prática um outro exercí­
cio, destinado a tornar realidade, na vida de cada mo­
mento, o bem entrevisto no decurso da meditação: <<é o
exame particular».
Não vá a leitora atenta atemorizar-se com estas pa­
lavras: elas nada exprimem de difícil, e contêm uma

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225

verdadeira medula de perfeição, como ela poderá ajuizar .


Quando, há pouco, percorrendo a segunda parte deste
volume, -ela lia o capítulo que tratava do Mundanismo,
do Mau Génio e do Mau Governo, ela sentia-se aterro­
rizada diante dos defeitos em que a sua fraqueza po­
deria cair. Se, tendo-se, por ventura, reconhecido nes­
sas páginas, ela teve de confessar humildemente a si pró­
pria que cedia ao defeito de que se tratava, não terá
ela feito logo dolorosamente esta pergunta: «Quem po­
derá dar-me meio de me corrigir?»
Já há muito que os santos o encontraram e ensina­
ram. Depois de S. Bernardo e muitos outros mestres
da vida espiritual, S. Boaventura expõe-no longamen­
t� (1). S. Inácio, nos seus Exercícios Espirituais ordena-o
com especial insistência (Z) . Eis em que consiste. Em pri­
meiro lugar, é necessário a cada um determinar o defei­
to a combater. Esse defeito é, evidentemente, aquele
que é mais grave em si mesmo ou no qual o homem está
mais sujeito a caír .Para este será, por exemplo, a pre­

guiça, para aquele a maledicência, para aqueloutro a im�


paciência, para outro ainda os maus pensamentos.
Sem muita reflexão, a mulher casada cedo verifi­
cou o mal que mais a fez sofrer e, por ela, toda a gente
da casa .
Agora que o inimigo está descoberto, é preciso ata­
cá-lo. Segundo S. Inácio, a operação 'faz-se em três tem­
pos. O primeiro, de manhã ao levantar. Antes de se
ter ocasião de pecar, quando o espírito está calmo e cla­
rividente, é necessário lançar sobre o dia um olhar pru­
dente: tal momento será perigoso, tal ocasião poderá
ser evitada. A mulher estabelece o seu programa e man­
tém-se na defensiva contra si própria.

{1) Speculum disciplinae, Pais I, cap. XII.


(2) Ediç. Roothan, trad. Jennesseaux, .p. 47·

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O segundo tempo é ao meio-dia; Após uma oração,
a· mulher piedosa faz passar na sua memória toda a ma-·
n'hã . . . verifica que se excitou . . . uma . . . duas . . . três ve-
zes . . . e uma até à cólera . . . humilha-se, e, lançando um
olhar sobre a tarde que começa, dispõe-se a vencer-se
melhor do que de manhã.
O terceiro tempo é antes de · deitar. Uma oração
ainda e a mulher casada percorre todo o seu dia, conta
as suas fraquezas da tarde e junta-lhes as da manhã
já verificadas ao meio-dia . . . Falta-lhe arrepender-se das
suas faltas, pedir perdão a Deus, e tomar resoluções enér­
gicas para o dia seguinte.
Mas urge saber se há progresso de um dia para
outro. Eis porque S. Inácio aconselha a notar por escrito
as quedas e as vitórias. 1Podem assim comparar-se entre
si os dias, e as semanas e verificar se há avanço ou
recuo (1).
Quem poderá negar que este exercício do exame
particular, feito com perseverança, é um maravilhoso
instrumento de correcção dos defeitos. !Por muito pouco
que a mulher casada lhe permaneça fiel, os desagra­
dáveis capítulos das «Causas de Antipatia>> em que, de
página para página, ela ia seguindo qualquer episódio
da sua história, serão, doravante, mudos quanto a ela . . .

É no capítulo «Virtudes da Casada» que ela terá de ir


procurar o seu retrato.
O exame particular assim compreendido toma cada
dia apenas alguns minutos. Juntos ao tempo. da oração,
é uma parcela da existência a consagrar quotidianamen­
te aos cuidados da vida interior . . . pequeno sacrifício na
verdade, se se o comparar com a importância do bem
procurado e alcançado.
Afinal, nen'huma objecção séria se pode levantar

(r) Exercícios (ibid.) Adições, p. 50.

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22 7

contra o exame particular, a não ser o receio de se cor�


rigir. Sem terem a coragem de reconhecê�lo lntimamen�
te, quantas almas não são paralisadas t>ela perspectiva de
esforços a que os obrigaria a· luta leal contra si próprias.
Seria necessário mortificarem�se, privarem�se de alguns
gozos malsãos, de vestidos imodestos_, de espectáculos
:bem divertidos, de leituras extremamente apaixonan.;
tes, de relações um pouco livres. Assim era aquela jovem
casada que, rindo�se com as amigas, dos conselhos do
seu confessor, exclamava: «Ele toma�me por uma frei�
ra? !» Mas não. Ele tomava�a apenas por uma cristã que
era preciso arrancar às tendências pagãs .


• •

Além das vantagens que se acaJbam de enumerar, o


exame particular exerce sobre a recepção da ;Penitência
uma influência decisiva.
Graças a ele, a mulher cristã nunca vai para o san�
to tribunal sem uma séria preparação. Se muitos cris�
tãos não auferem do sacramento da remissão tão poucos
frutos é porque vão a ele com insuficientes disposições.
Quantas pessoas se não servem de alguns minutos apenas
para reverem globalmente a vida de algumas semanas !
Nesses horizontes quase desaparecidos por detrás do de�
clive que as leva, quem os distingue já? Só algumas
eminências se descortinam: o pormenor dilui�se no ne�
voeiro. E, no entanto, é dos pequenos esforços de cada
dia, como das pequenas quedas hoje esquecidas, que
nasce ou a perfeição ou o declínio. Que contas irão dar
ao confessor da última parte do percurso feito estas al�
mas cônscias de si próprias? O sacerdote ouvirá uma acu�
sação vaga, recitada como uma lição, de resto sempre a
mesma, que o penitente recita sem · mudar uma palavra
depois da primeira Comunhão, excepto, talvez, alguma

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228

variante acrescentada, após o casamento, sobre o exercí­


cio dos deveres conjugais.
Não será sem tristeza que os directores de cons­
ciência verificarão esta . sonolência das consciências cris­
tãs . . . Mas, de repente, eles admiram-se e ficam encanta•
dos: eis uma que acorda. As suas acusações tornam-se
precisas, ela sabe a quantas anda, qual é o seu balanço
após a ·última ahsolvição, verificou quantos dias foi fer­
vorosa, quantas negligências cometeu; ele dá conta do
combate por ela travado para se vencer. O confessor
alegra-se por verificar esta energia que se levanta no
meio de tanta negligência no caminho da salvação. En­
tão, anima-a, reconforta-a, e vem :1. saber o que, de res­
to j á pressentia: que esta transformação é devida à práti­
ca do exame particular.
E assim o Sacramento da Penitência produzirá so­
bre as casadas, que se dispõem para ele com a cuidada
preparação, o seu pleno efeito. Quando o mundo, obser ­
vador mal intencionado, diz, ao verificar os defeitos de
muitas pessoas tidas por devotas, que «de nada serve ir
à confissão pois que não se volta dela melhorll, aque­
les que vivem ao lado destas jovens casadas, ao verem­
-nas progredir sem cessar, saberão responder que o «Sa­
cramento da Penitência é um instrumento verdadeira­
mente divino de perfeição para aqueles que dele :bem
usam».

*
• *

Mas qual a mulher casada que terá a coragem de


organizar assim a luta contra si mesma? Tantas almas
tremem hoje ao simples pensamento de terem de se
incomodar . . .
Aquela que tivesse a :tentação de desanimar lembre­
•Se do que lhe foi repetido tantas vezes na sua juven·

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229

tude: «O sustent�ulo de toda a vida cristã, a distribuido­


ra das graças, o socorro em todas as situações da vida
é a Santíssima Virgem».
Pois não é ela maravilhosamente qualificada para
desempenhar este papel? Ela tem o encanto incompa­
rável de ter sido simultâneamente esposa muito amada,
dona de casa perfeitamente entregue aos deveres . do
seu estado, mãe admirável e Virgem puríssima. A jovem
casada que medita as suas virtudes, que lhe ora, encon­
tra-se à-vontade junto de Maria porque se sente com­
preendida por aquela que conheceu as mesmas frei­
mas, executou os mesmos trabalhos e experimentou as
mais rudes provações.
Eis por que, desde os princípios da vida matrimoni�l
a jovem casada deverá ter a peito entronizar Maria no
lar. Ela comprou, ou então recebeu como presente, su­
punhamos, uma bela imagem de Nossa Senhora com o
seu Divino <Filho nos braços. Antes mesmo que o seu
quarto de casada estivesse pronto, já lá estava a sua Pro­
tectora. Numa elegante consola, colocou ela a terna ima­
gem entre dois vasitos que terão sempre flores frescas
da estação. Diante da estátua está suspensa uma lâmpa­
da que se acenderá nos dias de festa e nas horas de
atribulação. A Virgem presidirá à vida dos cônjuges, o
seu sorriso os abençoará, a sua mão os protegerá . . . mas
nos seus lábios prontamente se desenharia uma prega
severa se qualquer dos dois viesse a esquecer, num mo­
mento de tentação, a sua amável presença .
Assim, perpetuamente misturada aos olhares e aos
pensamentos dos cônjuges, Maria faz parte da família.
Ela interessa-se por todos os acontecimentos felizes e in­
faustos. Os cônjuges nada fazem sem a consultar. Uma
mulher já idosa confessava q.ue a imagem de Nossa Se­
nhora de Paris, junto da qual tinha feito, na basílica

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metropolitana, a sua primeira Comunhão, jamais dela se
separara. ,
Entronizar Maria é o primeiro acto de devoção
que a piedade pessoal da mulher casada deve ter para
com a �<Rainha do seu lar». Mas é preciso, além disso,
orar-lhe.
Quantas mulheres cristãs não sabem conversar no
íntimo do seu coração com a sua benfazeja Senhora!
Quantos terços não terão elas desfiado naquele quarto
onde sofre num leito o seu filho ou então onde, sàzi�
nhas, choram, � espera do marido que deserta do lar!
E também quantas Ave-Marias, ditas no meio do j�ú­
hilo, em tardes de festa ou em momentos de alegria,
quando, por exemplo, o filho vem segredar à mãe que
sente a vocação sacerdotal . . . ou quando, após um longo
afastamento de Deus, o pai se dispõe a cumprir o dever
pascal no dia seguinte! As mulheres piedosas sabem de
que perfume suave e delicioso foi embalsamada a sua
vida pela oração confiante a Maria! Eis porque as jo­
vens casadas que sentem pesar sobre os seus ombros a
responsabilidade do interior do lar e o encargo de levar
até Deus, segundo as suas forças, o marido e os filhos,
devem aprender a recitar como convém a admirável ora­
ção a Maria que se chama o Rosário. Já quando eram
ccfuturas casadas» (1) ensinaram-lhes est;t devoção, chave
·
de todos os tesouros do Céu, que os santos tanto prega­
ram e aconselharam. Feitas donas de casa, voltarão elas
a ler as páginas onde se lhes mostra como devem me- ·

ditar os mistérios fundamentais da nossa fé, saudando


�aria e o seu Divino 'Filho, e tornar-se-ão, junto da sua
querida Mãe, por sua intercessão incessante, os <<pára­
-raios)) do seu lar, atraindo as bênçãos do Céu ao mesmo
tempo que afastam os raios da vingança divina.

( 1 ) Futuras Casatuu : O Rosário, p. 54 e seg.

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Felizes as casas de onde sobe perenemente para
Maria o suave incenso das piedosas orações de esposa e
da mãe! Tais lares têm desde então duas rainhas: uma
visível, cheia de encantos e de atractivos para os que a
rodeiam, esta frequentemente de joelhos diante da ou,
tra, invisível, que se inclina do alto do Céu sobre este
c.1sal fiel. Às lágrimas e às súplicas de pequena rainha da
terra correspondem os sorrisos deliciosos da magnífica
rainha celeste, cujas mãos, que se abrem, deixam chover
sobre toda a família os seus incomparáveis benefícios. A
certas ·horas, quando a fraquejante majestade do lar pre�
cisa de reconforto, a Virgem Maria prodigaliza-lhe as
suas carícias, e depois com um gesto indica-lhe a ima­
gem do seu Filho crucificado que adorna o fundo do lei­
to nupcial, para lembrar à mulher piedosa que é levan­
do a sua cruz que se alcança o reino dos céus,
Entre estas duas imagens, resumo de toda a sua
fé, o Çrucifixo e a estátua de Maria, a mulher casada
vive sobrenaturalmente, dilata-se e santifica-se, condu­
zindo sob a sua influência suave todas as almas que gra•
vitam à sua roda. O marido, encantado e feliz com a
prosperidade que bafeja a família, partilha, mais cedo ou
mais tarde, os pensamentos e afeições celestes da sua
mulher. E, verificando que a paz e a felicidade se conso­
lidaram mais no seu lar à medida que crescia a piedade
pessoal da sua mulher, acaba por confessar que não há
tesouro comparável ao de uma mulher verdadeiramente
cristã.

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CAPITULO SEGUNDO

A INFLU:ÊNCIA CRISTA JUNTO DO MARIDO

O bem, na bela expressão de S. Tomás, tende a di­


fundir-se. A mulher casada que tem uma piedade pes·
. soai séria, deverá procurar, muito naturalmente, fazer
partilhar pelo marido os seus sentimentos. A alma do
marido e a de esposa são como dois vasos comunican­
tes de que os níveis tendem a igualar-se. O amor de
Deus, do dever, da virtude, fonte da felicidade, desce
da alma que mais dele tem para a que tem menos. Da
mesma forma, as más ideias, os princípios perversos, as
teorias anti-familiares ou anti-sociais procuram, por seu
lado, invadir o cônjuge até então indemne. Exceptuan·
do os casos em que os esposos estão plenamente de acor­
do um com o outro, começa, desde o início da vida con.
jugal, uma luta de tendências e de crenças. A jovem ca­
sada já deve esperá-la e tomar as suas precauções. Como,
mais frequentemente, é ela a mais piedosa e a mais ins·
truída na religião, armar-se-á com uma dupla resolução:
primeiro, ter vontade de fechar o seu espírito às ideias
malsãs: em seguida, decidir-se a instituir no coração do
marido sentimentos de fé e de piedade. Assim preca•
vida e preparada, poderá empreender, com bom êxito, o
apostolado matrimonial.


• *

Este «Apostolado matrimonial, é de fácil e suave


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" 233

prática quando o marido é um cristão perfeito. Felizes


das raparigas que juntaram os seus destinos aos dum ra­
paz profundamente religioso, instruido sobre as suas obri­
gações e possuidor de convicções seriamente arraigadas.
Tais esposas não têm, por assim dizer, senão a deixar-se
conduzir, possuem um modelo e um mestre. O seu dever
é escutá-lo e segui-lo.
Parece que esta docilidade tão natural, lhe deve
ocasionar um verdadeiro gozo. E, no entanto, algumas
jovens casadas. assim privilegiadas, resistiram à influên­
cia do marido. Eram, no fundo do coração, impelidas
por uma espécie de temor de que os seus maridos exi­
gissem delas demasiadas renúncias. Sendo embora pie­
dosas e afincadas làs práticas da sua fé não tinham dito
ainda um adeus definitivo à sua mundanidade e aos de­
feitos que a tantas casadas parecem indispensáveis à fe­
licidade. Por isso se atemorizaram com a virtude do seu
cônjuge.
Laboravam em grande erro. Se tivessem sabido apre­
ciar no seu justo valor o tesouro que possuíam, não te­
riam receado pagá-lo por alguns sacrifícios, custosos em­
bora. Quando uma mulher reflecte na segurança que lhe
proporciona um marido profundamente cristão, nas ga­
rantias de fidelidade que lhe dá, nos imensos recursos
de que ele dispõe para obviar às dificuldades da exis­
tência ; quando considera os contínuos alarmes em que
vivem as mulheres unidas a maridos sem princípios, os
desgostos a que estão expostas e as decepções que expe­
rimentam, não deverá a mulher dum cristão perfeito dar­
..
•se por muito feliz e, longe de contrariar o impulso para
o bem que faz por imprimir ao lar aquele que é dele
o verdadeiro chefe, não deverá ela secundá-la com todas
as suas forças?

..
* *

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23 4

Estes maridos sem defeitos, como todas as pessoas


de escol, são raros. -� muito raro, infelizmente, que uma
.

rapariga, solidamente formada na piedade por um tra;.


1balho perseverante e seguido, encontre no marido um
mestre e um modelo. Mais frequentemente - e neste
caso deverá ainda considerar-se por bem contemplada
pela sorte ! - deparará no seu marido apenas com uma
boa alma, igual à sua em convicções religiosas, penetra­
da dos mesmos sentimentos de fé, mas trazendo, na ex­
pressão externa das suas crenças, as qualidades e defeitos
do temperamento masculino, isto é, mais raciocínio e
investigação intelectual e menos gosto pela oração, me­
nos zelo pela assistência à missa e pela frequentação dos
sacramentos da ,Penitência e da Eucaristia.
O apostolado da mulher casada cristã junto dum
marido desta natureza está já indicado.
·Pode resumir-se em dois pontos: ela deve, primei­
ramente, ajudar o marido a conservar os seus bons há­
bitos e, depois, fazê-lo adquirir os que lhe faltam.
E, no entanto, quantas jovens casadas, cuja influên­
cia seria tão frutuosa, nem sequer têm o pensamento
de «manterJ> o marido na piedade? Apesar dos seus hons
sentimentos, cedem ao erro moderno que faz da religião
uma questão puramente íntima e pessoal, e j ulgam que
não têm direito de fiscalização neste domínio, essencial­
mente privado. E daí o terem o cuidado de não falar ao
cônjuge de qualquer coisa que diga respeito à fé. Irá
ele à missa? . . . à confissão?. . . à Comunhão?. . A mu­
.

lher acha melindroso tratar de tais assuntos. Estes por­


menores, pensa ela, não lhe· dizem respeito. Não seria ela,
de resto, importuna se se metesse na piedade do seu
marido? Não tem ele idáde suficiente . para se conduzir
como entender, sem ter que dar contas a ninguém?
Está-se a ver o resultado de uma semelhante indi­
ferença prática. Colocados um de · cada lado do muro

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235

de vedação; estes dois conJuges são dois isolados. Da


sua falta de união resultará para os dois uma grande
causa de enfraquecimento religioso. Mas por que será
que eles não compreenderam esta verdade elementar que
«dois podem mais do que um?» Por que não aproveita•
ram eles da sua união social para se apoiarem mutua•
mente na marcha para a perfeição? Se não puserem em
comum os seus esforços, será fatal que não caminhem
na senda do bem, porque se incomodarão um ao outro,
pois, não combinando juntos os pormenores da sua vida
sobrenatural, tam'bém se não encontrarão nos passos ex·
teriores da sua piedade, que virão a tran.stornar os pro­
jectos do outro cônjuge. As mais pequenas observações
do marido tomado de surpresa levarão a esposa a su­
primir pouco a pouco as - suas missas, as suas visitas à
igreja, leituras, etc. Por seu turno, o marido que não
quer importunar a mulher, sacrificará, por exemplo,
sermões que desejaria ouvir . . . conferências que o aju­
dariam a precisar certas ideias. . . só para não obrigar
a mulher a acompanhá-lo . . . Animados embora das me­
lhores intenções, estes dois cônjuges deixam-se arrastar
numa queda paralela que os pode fazer descer muito
baixo.
Em lugar deste silêncio demasiado discreto, a mu­
lher deve recordar o princípio fundamental da piedade
conjugal: «sendo tudo comum no lar, a mulher deve
tomar a chefia do movimento religioso sempre que o
homem a não tome». Eis porque, desde o início da sua
vida conjugal, quando ainda goza daquela autoridade
de que o amor a nimba, ela organizará na sua casa o ser­
viço de Deus, que será o mais importante de todos os
serviços interiores em que ela terá a ocupar-se.
Começará por estabelecer a oração em comum. De
manhã e à noite, ambos, rodeados dos seus filhos e cria­
dos, se os têm, ajoelharão diante das imagens de Maria

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e do Divino Crucificado que preside à sua vida íntima.
Este há1bito da oração em comum, uma vez tomado,
manter'se'á Jiàcilmente. Que exemplo não será, mais tar,
de, esta <<adoração oficial» para os filhos que, cada um
por sua vez, virão, quando puderem pôr,se de joelhos,
tomar parte ao lado dos seus pais I
A mulher casada esforçar,se,á por levar consigo o
marido à santa Mesa, Por que razão não comungaria ele,
se possível, todos os domingos? Esta far,lhe,á compre,
ender que as suas homenagens a Deus seriam insufi,
cientes, se, sendo dois a assistirem à missa, só ela com,
pletasse a sua participação no Sacrifício pela recepção na
Eucaristia. Quantas jovens casadas não têm desta forma,
com as suas meigas exortações, levado os seus maridos
à prática da comunhão frequente?
Elas têm-nos também acostumado a não faltar à mis­
sa cantada. Muitas jovens, devemos confessá,lo com pe­
sar, saem dos nossos colégios cristãos, muito pouco a
par das maravilhas de liturgia e incapazes de nelas hau­
rirem o fecundo suco que contêm. A mulher é, por ve­
zes, mais impressionada pelas belezas exteriores do cul­
to e vibra mais ao contemplá-las. Pertence,lhes comuni­
car ao marido as suas impressões, pôr-lhe na mão os
livros que lhe revelarem o sentido dos ritmos sagrados.
Se tivesse a ventura de fazer o marido gostar dos ofícios
religiosos, proporcionaria um alimento sólido à piedade
familiar que a alimentará sempre e a manterá num vigor
incessantemente renovado.


• *

Infelizmente, nem todas as jovens casadas têm a


felicidade de juntar a sua sorte à de um marido seria,
mente cristão. Hoje em dia, a escola leiga e o liceu lan,
çam na corrente social multidões de jovens que de católi-

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23 7

cas não têm mais que o nome. São baptizadas, fizeram


a sua primeira Comunhão, mas, de todas as suas convic­
ções, pode dizer-se que apenas uma ficou: «que, para ser­
-se feliz, é preciso casar com uma rapariga católica porque
a religião é a garantia da dedicação e da fidelidade». Tais
maridos não são hostis à fé nem desafectos às coisas reli­
giosas : fazem gala de ideias largamente liberais, tolerando
delicadamente as práticas religiosas das suas mulheres mas
indiferentes quanto a si mesmos.
Que atitude deverá tomar, perante uma tal situação,
a mulher desejosa de exercer, junto do seu marido o apos­
tolado que convém?
Logo após o seu casamento, desde que verifica, tal­
vez com grande surpresa, o estado da alma do seu côn­
juge, a mulher tem como primeiro dever usar do seu as­
cendente irresistível de jovem casada, para exigir, não que
o marido volte à prática da religião, o que seria provàvel­
mente coisa impossível dada a sua falta de convicções,
mas que pelo menos cumpra os principais actos exteriores
da religião. Em primeiro lugar fará com que o marido
«a acompanhe» à missa, ao domingo. Ela poderá conse­
guir tanto mais fàcilmente esta concessão quanto mais pru•
dentemente reclamou a promessa disso quando ainda noi­
va. O marido irá, pois, cada semana ià igreja com a mu•
lher. Será um primeiro passo no caminho do regresso.
Embora ele assista aos ofícios sem devoção, esta presença
habitual criará nele uma espécie de «aclimatação» pro·
gressiva à quente atmosfera da fé cristã. Se a mulher for
hábil, dará ocasião ao marido de ouvir instruções apro­
priadas às suas necessidades, preferindo ir, apesar dos seus
protestos talvez, à missa em que haja pregação. Para cer•
tos homens rectos e de boa fé, esta condescendência com
os piedosos desejos da mulher foi causa da sua mudança.
O espectáculo das cerimónias do culto incutia-lhes interes­
se e sensibilizava•os, as verdades caídas do púlpito iam dis-

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sipando lentamente o espesso nevoeiro da sua ignorância.
Como quem não quer a coisa - a delicada maldade du­
ma mulher que quer o bem ! - faz ela com que o mari­
do se encontre com um sacerdote amável e dedicado . . .
E não foi preciso mais para reconduzir ao caminho do
bem uma pobre alma transviada.
Às vezes, todavia, o resultado não se consegue tão
depressa. Durante muitos anos se mantém o indiferente
na sua negligência das coisas de Deus, por preguiça, por
obstinação, talvez por orgulho. Nem por isso deve a espo­
sa desanimar. Que ela tenha a peito, sobretudo, aquela
missa dominical a que ele vai por hábito. Sacrificar esta
prática, seria sacrificar a principal possibilidade de êxito.
Com efeito, a missa e o sermão que a acompanha, consti­
tuem um chamamento permanente ao dever e fornecerão
um tema perpétuo para as conversações apologéticas que
a mulher saberá entabular com tacto e prudência. Emi·
tirá, talvez, uma observação sobre uma verdade ouvida,
permitir-se•á uma discreta alusão pessoal, fará o seu pe­
queno comentário para uso do marido obstinado. Ela irá
assim acumulando na alma rebelde os motivos de conver­
são. Com o andar do tempo, haverá, por fim, uma gota
de água que fará o vaso trasbordar. Talvez que, uma noi­
te, ele desate a chorar, como aquele jovem marido que
pedia à mulher que, no dia seguinte, <<O levasse ao seu
confessor».
Este golpe final dar-se-á, talvez, por ocasião de uma
circunstância solene, como, por exemplo, quando da pri­
meira comunhão de um dos filhos. Aconselhado pela mãe,
na véspera do grande dia, o anjo, todo aureolado de pu­
reza, lança-se nos braços do pai e declara-lhe que <<a sua
felicidade seria incompleta se faltasse alguém à Mesa San­
ta». Muitas vezes esta tentativa tem sido coroada de
êxito.
De outras vezes, a 'hora da graça surge após uma pro-

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239

vação. A mulher cai gravemente doente . . . o médico ma­


nifesta as suas apreensões . . . pálida, ela faz sinal ao mari­
do de que tem qualquer coisa de importante a dizer-lhe.
Ele inclina-se sobre essa face querida e escuta. Ouve en�
tão estas palavras capazes de lhe vararem a alma : «Se
prometesses praticar a religião, talvez eu me curasse)),
Com espontâneo impulso, ele põe-se de joelhos no ge­
n.uflexório onde via frequentemente a mulher toda re·
colhida . . . Esquecendo os cálculos humanos que o pren•
diam, ele formula o voto desejado . . . Levanta-se muda­
do . . . mudado a tal ponto que, sem esperar que a condi­
ção posta se realize, vai, logo no dia seguinte, lançar-se
aos pés do sacerdote . . . A alegria que causa à mulher o
regresso do marido a Deus é tão grande que ela sente já
que vai melhorar.

.. ..

� raro que uma mulher verdadeiramente piedosa e


zelosa não conquiste, mais tarde ou mais cedo, para a fé
e para a vida sobrenatural um marido simplesmente in­
diferente. Mas quanto mais penosa não é a tarefa da es·
posa cristã para reconduzir às práticas religiosas um ma·
rido hostil à Igreja.
Acontece a muitas raparigas, aliás piedosamente edu­
cadas, unir a sua vida a um indivíduo sistemàticamente
adverso a Deus, aos seus ministros e aos seus ensinamen­
tos. O espírito desse homem foi recheado de preconcei­
tos por uma educação ateia, por leituras ímpias, por com­
panhias corruptoras. tPor vezes, estes sentimentos de in­
credulidade tornaram-se um dogma, a que o infeliz se li­
gou por juramento, entrando na seita maçónica.
Para a noiva, a aliança com semelhante homem é,
evidentemente, uma terrível provação, um grave perigo
para a sua fé, tanto mais para lamentar quanto devia ter
sido cuidadosamente evitado. :g raro que se não tenha po•

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dido descobrir, antes do casament(), as opiniões sectárias
dum rapaz. Ser,Jhe,ia necessário, para dissimu)á,Jas, uma
força de hipocrisia e uma- diplomacia de que poucos jo,
vens são capazes. Mas não terão os pais sido impruden,
tes? Pensaram eles talvez, que, ��tendo de fazer vista
grossa a qualquer coisa», podiam por então sacrificar a
religião, sob pretexto de que «a filha se encarregaria de
converter o marido».
:Por seu lado, a noiva partilhava também este opti­
mismo. Na ilusão do seu amor por aquele pretendente
encantador, em quem ela via todas as qualidades excepto
uma, julgava ela que lhe bastaria falar para ser ouvida e
que dentro de pouco este lobo estaria transformado em
cordeiro . . . Fizemos noutro lugar justiça a estes sonhos
generosos que têm muitas vezes desfechos bem cruéis (1).
A experiência ensinará à pobre jovem que certas almas
endurecidas não se deixam :f.àcilmente penetrar. Ela deve•
rá então começar por uma custosa aprendizagem. Duran·
te longos anos, precisará de exercitar,se, sob o poder de
utn senhor muitas vezes impaciente e duro, nos sacrifí,
cios pela fé . É de esperar, todavia, que tantas canseiras
. .

merecerão para esta generosa cristã a alegria de chegar


a ver no seu marido o triunfo de Deus.

*
* *

A desilusão que se segue às primeiras resistências


do marido, e talvez mesmo os seus primeiros ;ltaques à
religião, causam quase fatalmepte, no princípio, uma im ,
pressão de desânimo, na alma da jovem casada.
Tenha a jovem esposa cuidado em não ceder a essa
impressão. Certas infelizes que não souberam reagir,

{ t) Cf. Futuras Cas�Uias: Poderá a mulher converter o


marido?

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desde os primeiros instantes, contra esta tentação caíram
com o marido no abismo em lugar de o afastarem dele.·
Assim foi aquela castelã que, enganada a respeito dos
sentimentos do noivo, hábil em dissimular as suas ideias,
sentiu, após o casamento, uma decepção tão profunda que
toda a sua energia de resistência foi aniquilada. E a par,
tir de então, sem o mínimo protesto, deixou transfor;.
mar a sua nobre casa em covil de todos os sectários da
região e em cidadela do livre-pensamento.
Longe de quebrantar a sua coragem, a magnitude da
tarefa deveria, pelo contrário, tê-Ia estimulado. . . Para
ser-se bem sucedido é preciso tempo, muita paciência e
esforço, urna virtude de todos os instantes. Porque não
empreender então esta obra que não seria certamente
inútil, pois se, por acaso extraordinário, não chegasse à
conversão desejada, teria, em todo o caso, proporcionado
à esposa o imenso ·benefício da sua satisfação e aos filhos
o da sua salvaguarda espiritual?
Eis porque a jovem casada, suportando embora a
amargura do seu infortúnio, deve, apesar de tudo, ben­
dizer a Providência pela situação que lhe reservou, Lan,
çando-se nos braços de Deus, vai entregar-se à sua tarefa•


. ..

O seu apostolado, pelo menos nos pnrne1ros tem,


pos, deverá ser silencioso. Não se trata, com efeito, de
pregar ou de fazer demonstrações. Toda a alusão à ques,
tão religiosa degeneraria em discussão e azedaria o gé,
nio do marido que é preciso, ao contrário, abrandar. A
jovem casada calar,se,á, pois, em matéria de fé e de mo,
ral cristãs. Ela evitará toda a surtida que possa ser de,
sagradável, toda a observação que tenha ares de lição. Es,
conderá, no fundo do seu coração, as apreciações que os
acontecimentos políticos e sociais fazem nascer na sua

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alma de católica. Este silêncio será um duro sacrifício que
ela oferecerá a Deus pelo êxito da sua causa.
Mas se a delicadeza deve ir até evitar com cuidado
extremo toda a espécie de polémica, a jovem casada não
deixará de afirmar, desde logo, o seu direito de manter
as suas práticas religiosas. Sob a orientação do seu di­
rector de consciência, deverá ela ter estabelecido em mí­
nimo de liberdade a exigir e sobre este mínimo será in­
transigente. Ela porá assim a salvo a sua assistência à mis­
sa dominical, recusando-se a acompanhar o marido em
qualquer deslocação matinal que lhe fizesse perder à mis­
sa. Ela irá procurar o seu director de consciência que lhe
parecer necessário, mesmo se o marido, seguindo o exem­
plo de certos anticlericais intratáveis, tentasse proibir-lhe
a confissão, sob o falacioso pretexto de que « não pode
admitir que terceira pessoa se venha intrometer nos seus
assuntos)), No entanto, se em certos casos a animosidade
do cônjuge fosse tal que a mulher não pudesse procurar
ostensivamente a direcção espiritual, ela deverá aproveitar
para consegui-la de qualquer pretexto banal para sair,
como fazia certa jovem casada que, sem assustar o m�­
rido, nunca faltava à sua confissão mensal.
A mulher salvaguardará também o seu direito de
orar. Se o marido nunca ajoelha aos pés do Crucifixo,
tolerado apesar de tudo no quarto porque a mulher tem
isso a peito, não deixe ela, para afirmar os seus princí­
pios, de dirigir, todas as noites, ao Divino Crucificado
uma homenagem de adoração exterior. Assim como os se­
minaristas soldados, na camarata do quartel, fazem calar
os sorrisos e as conversas com o seu desassombro em ajoe­
lhar ao pé do seu leito, assim esta esposa. cristã, dará
indefessamente ao marido uma silenciosa lição de cora­
gem, cuja eloquência calará cada vez mais no seu coração.
Enfim, reserve-se sempre a mulher casada. a liberdade
de se aproximar da Sagrada Mesa. Quando solteira, tinha

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243

ela o hábito da comunhão quotidiana. Agora, por múl�


tiplas razões não pode ela, infelizmente, pensar em gozar
de tal felicidade. Para ela, a comunhão ((frequente>> teve
que se reduzir à comunhão hebdomadária, ou, talvez mes�
mo, apenas mensaL Ao ir procurar Nosso Senhor com in�
tervalos, 'bem longos a seu pesar, suprirá, pelo ardor da
sua devoção, a raridade dos seus encantos com Ele.

*
* .

É muito frequente um marido tolerar na mulher os


actos de devoção pessoal. A maioria dos que hoje blaso�
nam de anticlericalismo dão provas de tanta tolerância
pelos gestos privados de religião quanto reprovam as ma­
nifestações sociais e oficiais do culto católico. Esta condu­
ta é uma consequência do princípio do <claicismo» que se
esforça, fazendo da religião um assunto íntimo, por su­
primir a honra exterior devida a Deus e. reduzir o catoli­
cismo a uma poeira de individualidades separadas que se­
ria fácil depois esmagar.
O apostolado da mulher junto do marido hostil de­
verá adaptar-se às exigências da luta contra este espírito
h;icista. Quando a jovem casada notar que a sua «religião
privada», considerada livre, não cala no coração do mari­
do, ela deverá compreender que, para fazer voltar o seu
marido a Deus, ser� necessário levá�lo a compreender a
necessidade social da prática cristã e deitar assim por terra
a base fundamental dos seus preconceitos. Ora, por graça

da Divina Providência, a mulher animosa vai encontrar


ocasião de dar ao seu cônjuge as mais- eloquentes hções dos
factos.
Nasce um filho. Impõe-se logo à família um acto ex­
terior e público, de religião: é preciso haptizá-lo. Vemos
hoje pais e, algumas vezes até, mães que se opõem � ad�
ministração deste primeiro sacramento. Mas se a jovem

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casada quiser que o seu filho receba a água lustral, é pro­
vável que o marido o permita. Diante dos seus amigos
terá a desculpa sempre aceite: i<a mulher nem por um
decreto desistia disso» .
Esta primeira concessão à religião da esposa é uma
negação dos princípios chamados ccintangíveis» do espí­
rito ateu. Esta loção baptismal é um passo que tem por
efeito introduzir o recém-nascido numa sociedade, ofi­
cialmente �onstituída, de que o pai, apesar das suas ne­
gações, não é mais do que um trânsfuga. Mesmo que te­
nha recusado assistir ao baptismo, consentirá - ele parti­
dário da «religião, assunto íntimo» - em encorporar o
filho na jerarquia cristã e reconheceu, ao aceitar o Sa­
cramento para um filho inconsciente, a inanidade das
afirmações laicas, que pretendem que o homem tem a
<<liberdade» de ser ou de não ser religioso. Sem dar por
isso, no dia em que a piedosa esposa tiver conseguido do
marido o co�sentimento para o baptismo dos seus recém­
-nascidos, terá gan:ho sobre ele uma primeira vitória mui­
to importante.
Agora, vai a mãe educar cristãmente este membro de
Cristo, da mesma forma que· vai fazer baptizar e educar,
doravante, os outros filhos que lhe virão. O marido,
que fez a concessão fundamental, não poderá furtar-se
à� consequências que ela comporta. A m ãe pronunciará
diante dele os doces nomes de Jesus e de Maria, juntará
as duas mãozitas do pequerrucho . . . E ---'-- coisa curiosa! -
o amor paterno, reencontrando os seus direitos imporá,
silêncio ao ódio à fé, neste homem intratável, que sabo­
reará o prazer e o :brio de ouvir o seu filho balbuciar as
suas pnmettas orações.
Depois chegará a ocasião de começar a instrução re­
ligiosa. Se for hábil, quantas lições de dogma e de moral
não terá- a mãe ocasião de dar ao pai por intermédio do
filhoL . . E, frequentemente, não serão os ouvidos do pe•

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2.4 5

tiz, a quem as advertências parecerão dirigir,se directa,


mente, que melhor as compreenderão . . . Se este ho,
mem não tivesse os sentimentos naturais embotados pe,
los preconceitos e talvez pelo interesse, como sentiria
vergonha de deixar só a cargo da mulher este «dever))
da educação cristã que os pais são obrigados a cumpm
juntos! . . .
Mas muitas vezes, o marido não quer ccouvir» . .
E , todavia, ele será,. dentro em pouco, obrigado a tomar
uma decisão grave: aproxima,se a data da primeira co,
munhão. Acto público e por excelência comprometedor,
que assume hoje, pela sua piedosa preparação, pela sua
brilhante solenidade, pelos juramentos que o acompa,
nham, o aspecto dum protesto contra o espírito laico
e de uma adesão, conscientemente aceite pela criança,
às exigências pessoais e sociais do seu baptismo. Aqui
ainda, salvas mui raras excepções, o pai, ilógico com o
seu ateísmo, cederá sob pretexto de que ccé costume».
Irá ele assistir à cerimónia? Talvez, quem sabe?
Poderá mesmo acontecer que ele ali seja vencido e que,
desarmado, encontre, nesse dia, na Sagrada Mesa, o seu
caminho de Damasco. Feliz da esposa cuja vitória é tão
éedo completa! Mas mesmo que seja apenas parcial e
ir.suficiente, o triunfo daquela hora é sempre grande:
a recordação das <<primeiras comunhões» permanecerá
como um dos mais fortes motivos em favor do regres,
so, logo que a hora de Deus tenha soado.
Pouco tempO depois da primeira comunhão surgirá
,a grave questão do Colégio. Vão defrontar,se duas opi,

niões: a da mãe que reclama para os seus filhos uma casa


de educação cristã,- e a do pai que quer uma «escola
neutra» .
A mãe terá, nesta ocasião, a pôr em acção toda a
sua inteligência e a sua diplomacia, ela mostrará ao ma,
rido que é seu primeiro dever proporcionar aos seus

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filhos uma educação religiosa. Como baptizados, eles
aceitaram os encargos da vida cristã e é necessário dar­
-lhes os meios de os cumprir. Ora, só uma formação
católica as poderá colocar em condições favoráveis à
sua perseverança.
Ela mostrar-lhe-á em seguida que, procEdendo de
harmonia com os ditames da fé, ele servirá mdhor os
seus interesses; Pois não terá de toda a vantagem em
ter filhos honrados, trabalhadores e puros? Não sonha
ele em ter filhos e filhas dotados de todas as bdas vir.­
tudes? Ora, qual será o ensino que lhes dará: o neutro
que não tem direito de falar nos Mandamentos de Deus,
ou o colégio cristão que não sõmente prega o dogma e
a moral mas ainda se esforça por pôr os actos dos seus

alunos de acordo com os seus princípios?


Este pai depressa compreende o poder destes argu­
mentos. Por isso, às vezes, consente :S.cilmente no pe­
dido. ;Porém, é, por vezes, paralisado pelos preconcei­
tos, pdo receio das críticas, por uma espécie de horror
pda sotaina preta . . . Será necessário que a mulher in­
sista, que volte cem vezes ao ataque. Cansado da luta,
talvez ceda . . . ou então obstinar-se-i pela «escola neu­
tra», a não ser que de divida o pleito ao meio, como
aqude pai anticristão que conc::edia à mulher um con­
vento . para a educação das filhas mas exigia para os
filhos um colégio laico.
Apesar da sua pena de não ter conseguido plena­
mente aquilo que pedia, a mãe não desanimará. Suprirá,
o melhor que puder, as lacunas da instrução religiosa
dos seus filhos. Far-se-á catequista dos mais pequenos,
teóloga dos perseverantes, moralista dos rapazes e das
raparigas j á introduzidos n a vida. Visto que o pai se re­
cusa a desempenhar o seu papel familiar de educador

da vontade, da pureza e da fé. ela cumprirá sózinha esta

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247

função, dando ao marido, por cada um dos seus gestos,


uma merecida lição e um contínuo apelo ao bom-senso.

*
* *

Estas lutas que a esposa cristã sustenta pela con­


quista do seu marido deverão travar-se numa atmosfe­
ra· perfeitamente calma, sem choques, nem discórdias?

Aquelà que deseja verdadeiramente o êxito convencer­


-se-á cada vez mais que só o poderá conseguir tornan­
do-se o «encanto do lar>>.
Eis porque deverá exercitar-se particularmente na
prática das virtudes que «conquistam os corações>>.
Antes de mais, praticará, no mais alto grau, a pa­
ciência. Nunca precipitada, nunca fogosa, sempre sa­
tisfeita, porá em prática a divisa beneditina: «Pax)). De­
verá deixar-se penetrar do pensamento de que i<deixa
para amanhã o que não pôde obter hoje>>.
Um tal domínio de si própria reclama uma força
de ânimo pouco vulgar. Porém, não se atemorize com
o pensamento de estar dele desprovida: a batalha quo­
tidiana, retemperando o carácter, desenvolve gradual­
mente a energia. Quantas mulheres admiráveis se não
citam que, tendo aprendido a esperar, tiveram a ven­
tura de triunfar! Elas que, logo a seguir ao matrimónio,
se sentiam tão fracas, tiveram a coragem de suportar,
sem se queixarem, um verdadeiro martírio ! . . . martí­
rio do amor-próprio muitas vezes ferido nos seus dese­
jos mais íntimos . . . martírio das decepções sem cessar re­
novadas, das inquietações a respeito da alma dos filhos . . .
martírio dos anos passados na companhia dum marido
que nada entendia dos mais deliGados sentimentos da
mulher, que não <<comungava)) com ela nos mais graves
assuntos . . . Oh, como foram pesados esses dez, vinte,
trinta anos que a mulher viveu sempre incompreendi-

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d2 do marido ! Quantas súplicas não elevou ela até ao
Céu ! . . . quantas lágrimas não derramou! Mas logo que
era preciso aparecer diante dele, o sorriso voltava aos
lábios, ela havia retomado a sua meiga fisionomia, sen­
tindo a sua coragem dez vezes aumentada pelo pensa­
mento do êxito que se aproximava.
Por isso, que dedicação cega não vinha completar
a paciência e a renúncia ! Para conseguir o que desejava,
isto é, o regresso de seu marido a Deus, a mulher daria
de bom grado tudo que possuia, incluindo a própria
vida. Eis porque ela havia totalmente perdido o hábito
de dizer «não». Salvos os casos em que estava em jogo
qualquer princípio religioso, ela estava pronta a todas
as concessões para lhe ser agradável. Mas, ao mesmo tem­
po, de que poder não eram revestidos os seus raros pe­
didos! Como o marido se sentia embaraçado para con­
ceder-lhe um favor que ela julgava oportuno solicitar !
A dedicação unida ià paciência, pode-se dizer, tinha or­
ganizado sagazmente o cerco à fortaleza que mais tarde
ou mais cedo, abriria as suas portas ao sitiador . . .


. .

O marido não dá pelo caminho que vem percorren­


do, sob esta suave e persistente influência, em direcção
ao fim almejado. Ele poderá afirmar que não mudou
·nas suas opiniões . . . que depois do seu casamento as suas
-ideias não evoluiram . . . que permanece firme com os
seus camaradas anti-religiosos . . . Mas, se ele quisesse re­
parar em alguns pontos de referência, logo havia de no­
tar quanto andava longe da linha do ponto de partida . . .
Um dos marcos que assinalam o seu caminho é o
jornal que lê. Outrora, o rriarido trazia para casa os pe­
riódicos mais hostis ià Igreja. Devorava-os com avidez. A

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2.49

habilidade da mulher foi de tirar-lhe este veneno das


mãos.
Como conseguiu ela este resultado preci!Jso? Cada
mudança do jornal numa família é a consequência du­
ma diplomacia, assaz variada na forma mas sempre a
mesma na essência. !Por vezes, a mulher apanha esta hor­
rível folha em flagrante delito de mentira, outras vezes
faz notar ao marido, que se ela fosse atender ao que diz
o seu conselheiro, seria tentada a pedir o divórcio . . .
outras vezes ainda, exprime a sua nausea pela imorali­
dade de outros factos narrados.
Durante muito tempo, estes argumentos não lo­
gram provàvelmente efeito, até ao dia em que a mu­
lher pode pôr em evidência o perigo que constituem tais
impressos para os filhos. Então, apesar das objurgatórias
e da resistência, é ganha a vitória e a publicação . ignó­
bil substituída por u m jornal limpo . . . Mas quando virá
o jornal católico? . .. Ou antes, quando será ele lido? . . .
Ele chega cada dia, ou cada semana, com a direcção da
dona da casa, que o deixa andar por aqui e por ali à
espera , como sempre, da hora de Deus.

*
* "

Essa hora de Deus há-de despontar mais tarde


ou mais cedo. Não é sem grande alvoroço que a mulher
vê luzir-lhe a aurora. O marido, entrado na idade, re­
fletiu . . . os amigos perversos desapareceram . . . as prova­
ções ajudaram a amadurecer o juízo . . . os filhos bem
educados pela mãe incitam o pai a regressar à fé . . . enfim
<1 sensação do declínio vital obriga a pensar no além . . .

A esposa cristã aproveita todas as impressões para


fazer triunfar a sua causa. Ela procura torná-las decisivas.
Um belo dia - que alegria ! - o marido consente em
acompanhá-la à igreja . . . Doravante ele vem como um

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cordeiro à missa dominical. Ouve o sermão. . . A época
da Páscoa passará sem que a resolução se manifeste.
Deixará, talvez, passar mais vezes sem o resultado es­
perado, até ao dia bendito em que, n uma felicidade sem
nuvens, o marido se ajoelhará à Mesa do Senhor, junto
daquela a quem tanto deve. Então aqueles dois corações
se dilatarão de alegria e ele, no meio de lágrimas de
reconhecimento e de pesar, compreenderá o que a mu­
lher tantas vezes dolorosamente experimentou : «que não
se pode amar verdadeiramente quando se não tem a mes­
ma fé».
Mas nem todas as casadas têm a imensa felicidade
de gozar assim do regresso da ovelha desgarrada. Algu­
mas terão de esperar pelos últimos momentos do mari­
do para darem a Deus o fruto das suas lágrimas. A doen­
ça agrava-se. Sente-se que a esperança vai dissipar-se.
Com que suaves maneiras não lhe propõe a mulher a
vinda do sacramento cuja presença será um conforto, o
perdão, uma fonte de paz . . . E já que os meios humanos
não actuam, por que não' recorrer aos grandes remédios
do .Oeus da Bondade?
Tocado pela graça, o pecador inveterado deixa-se
manejar. O que são estas últimas conversas com o minis­
tro sagrado, a suavidade desta absolvição, a pacificação
que nasce daquela Extrema-Unção, a alegria trasbor­
dante daquela última Comunhão, só os sacerdotes que
assistem a semelhantes regressos e as · mulheres que so­
luçam junto do leito do agonizante o poderiam dizer.
Di-lo-ão também, num eterno reconhecimento, os
que, .morrendo no Senhor graças aos méritos acumulados
pela sua piedosa mulher durante anos de luta perseve­
rante, tiverem visto abrirem-se diante de si as portas
do Paraíso.

*
* *

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Ao lado destas casadas que tiveram de suportar os
trabalhos da conversão dum pecador endurecido, outras
mulheres piedosas conhecem lutas doutro género mas
não menos dolorosas. O marido cristão que elas desposa,
ram cumulou,as de alegria durante anos e anos mas,
um dia, cede à tentação dos quarenta anos, de que tem
de suportar os terríveis assaltos.
É facto averiguado que, no período da idade madu,
ra, poucos seres humanos estão ao abrigo duma crise

interior. Nuns será pouco acentuada, traduzindo,se por


um vago tédio da existência, um aborrecimento inex,
plicável do trabalho, uma espécie de desânimo acompa,
nhado de desejos ambiciosos, sonhos quiméricos, nosta],
gia de um ideal insaciável. Chama,se, muitas vezes, a este
estado, aliás muito impropriamente, «neurastenia». Este
maJ,estar indefinível, depois de um período longo e pe,
:-�oso, vai-se dissipando pouco a pouco.
Noutros, o transe é mais duro: o moral é intensa,
mente sacudido. O cônjuge sente uma sede ardente de
afeições novas. Após dez, quinze anos que se conservou
f1el ao lar, sente agora a necessidade terrível de mudar
e quereria variar a sua existência, sair da monotonia, pro­

curar sensações requintadas enveredando pelo desconhe,


cido. Os filhos que ele suportou tão alegremente durante
tanto tempo, cansam,no, exasperam,no. Ele sente-se tor,
turado pelo imperioso desejo de sacudir os seus encargos
� de retomar a sua liberdade.

Estas impressões, violentas de mais para se poderem


dissimular, traduzem-se por um carácter aborrecido que
faz sofrer a todos os que o rodeiam. Tudo o que a mu,
lher diz ou faz é mal interpretado e ele já se não
sa tisfaz com aquelas pequeninas atenções que outrora
tanto o sensibilizavam. Ralha com as crianças, muitas ve­
zes injustamente, e, quando a mãe faz menção de os cde,
'
fender, resultam daí penosas discussões.

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2)2

Esta situação dura, às vezes, pouco tempo. Um ma­


rido seriamente cristão depressa se apercebe de que está
a ser arrastado para longe do dever por forças que ele
desconhece verdadeiramente. Se a mulher, conservando
a calma e a paciência, aproveitar das ocasiões favoráveis
para lhe fazer ver a sua falta de razão com aquele bom ·
-senso irrespondível que é o apanágio das que possuem
a eloquência do coração; se, além disso, o marido, se­
guindo o conselho da mulher, se resolver a abrir-se leal­
mente a um sacerdote e mostrar-lhe as tentações que o
solicitam, o remédio, logo aplicado ao mal, actuará de
maneira decisiva. Logo que o marido tiver descoberto
as causas do seu estado e tiver pesado as suas desastrosas
consequências, saberá quais as precauções que deve to­
mar e os sacrifícios que deverá aceitar para poupar ao seu
lar a infelicidade que para ele resultaria da defecção do
chefe da família.
Mas muitas vezes, infelizmente, esta crise dos qua ­
renta anos, em vez de parar redondamente, continuará,
trazendo funestas consequências de que a família, e prin­
cipalmente a mulher, muito terão a sofrer.
E porque no fundo do coração do marido acordaram
ternuras insaciáveis, estas tendências para novas afeições
apoderam-se da primeira ocasião de amar que se apre­
sente e a menor intriguista que apareça tornar-se-á obj�c­
to duma paixão. Sem raciocinar, sem pesar o que faz,
o pobre iludido deixa-se apanhar pela rede que lhe é
lançada. E assim se explica como certos maridos, sérios
e de irrepreensível dignidade até ali, caem agora nas mais

vis frequentações. E logo que tais quedas se consumam,


abatem-se sobre o lar desditas cuja gravidade é difícil
de calcular. Além da honra, a alegria e o desafogo são
devorados por esse papão que se chama o «segundo lar».
Para a «outra» o dinheiro, as amabilidades, as dedica­
ções. . . A pobre mulher legítima e os filhos, felizes até

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2 53

ali, passam às tristezas do abandono,' lieguidas em breve


pelas inquietações da vergonha e das torturas da priva,
ção. Exteriormente, talvez, poderá parecer que não hou,
ve mudança: o marido terá cuidado de manter limpa a

fachada mas, no interior, quantas dores morais debrua­


das de miséria material?


. . .

A dureza e a agudeza desta deserção do lar por


parte do marido torturado pela «tentação dos quarenta
anos» depende em grande parte da maneira como a
esposa compreende e pratica, em horas tão lúgU'bres, o
apostolado junto do marido.
Ela deverá, primeiramente, organizar o plario de
combate que deverá seguir. Mas onde encontrar esse
plano? Quem lhe indicará os pormenores dessa táctica?
Por misericordiosa bondade de Deus, poderá ela desco­
brir em si mesma a táctica a seguir, entregando-se a um
profundo exame de consciência.
Recordando o passado, ela perguntará a si própria
se não terá qualquer responsabilidade na estranha ati­
tude do marido.
Muitas mulheres cristãs, recordando os seus anos
de casadas, não encontrarão felizmente de que se censu­
rar. A sua dedicação jamais fraquejou, o seu génio ficou
sempre igual; desenvolveram um ardor incansável pelo
bem do seu lar. Não podem, pois, em boa verdade, atri­
buir a si própria qualquer responsabilidade na infelici­
dade que sobre elas se abate. A conduta de tais casadas
é clara por si mesma: devem continuar o exercício das
virtudes conjugais e maternas que tão santamente prati­
cé\m, intensificando-as cada vez mais. Uma vez .passadas
as primeiras fascinações, sob a acção de uma inevitável
desilusão, duma doença benéfica, dura �<sofrimento pu-

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rificador», é provável que o marido abra os olhos e ve­


nha juntar-se à mulher no caminho do dever.
Mas, ao lado destas mulheres irrepreensíveis, algumas
outras sentirão o seu exame de consciência fazer-lhes ver­
dadeiras revelações. Verificam, em primeiro lugar, que.
confiantes no marido, de nada suspeitavam, nada ha­
viam previsto e viviam numa paz absoluta, pois o futuro,
como o passado, parecia-lhes garantido. ·Mas não as terá
justamente esta confiança mal orientada? . . . Não se terão
elas, certas do amor e dedicação do marido, esquecido
de tratar dele?. . . Não se terão, talvez, recusado, por
aversão natural ou por medo da maternidade, a parti­
lhar com ele o uso legítimo dos deveres conjugais? . . . Não
descuraram elas proporcionar-lhe as h.onestas distracções,
deixando� muitas vezes só, desprezando as suas prefe­
rências, estancando pouco a pouco, no seu coração, por
indolência, por hábito, por egoísmo, a fonte dessas mil
delicadezas, concessões e atenções, que tinham feito de­
las, no início da união conjugal. o «encanto do lar?»
A resposta a estas perguntas levará. talvez, a mulher
casada a verificar que a desgraça deste (<naufrágio de en­
contro ao cabo dos quarenta anos» se não teria dado se
ela, esposa fiel e dedicada. tivesse desempenhado cabal­
mente, junto do marido, o seu papel e tivesse ocupado
o seu lugar. Associada cada vez mais à vida do marido,
ter-lhe-ia evitado encontros e conversas perigosas. . . ter­
-lhe-ia poupado horas de ahorrecimento em que a ima­
ginação. má ,conselheira, lhe zumbia aos ouvidos insen­
satos projectos. . . tê-lo-ia alegrado. entretido, divertido.
interessado nos assuntos da família, lançado nas boas
obras. arrancado ao clube e ao café. . . teria vigiado as
suas leituras e orientado suavemente o seu espírito para
jornais decentes e livros sérios . . . Sim. teria, pela certa,
actuado eficazmente e desviado para longe males funes­
tos . . . Mas, para estas negligências tem ela uma descul-

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pa: como tantas outras, não suspeitava do que viria a


acontecer, desconhecendo o velho rifão: « governar é pre�
verll. Por isso, desolada, exclama ela agora: <<Ah , se eu
soubesse!)).
«Se ela tivesse sabido>>, ter�lhe�ia sido, provàvel�
mente, poupada a provação ou, pelo menos, muito di�
minuida. Foi preciso que o escândalo estoirasse para que
os olhos se abrissem à realidade, que, a despeito · de si�
nais bem sintomáticos, não queriam observar. Mas agora
que a mulher se examinou -seriamente, conhece todos os
meios a empregar para dar remédio à crise: imponha�se,
pois, o dever de fazer tudo o que a consciência lhe cen�
sura ter omitido e empreenda de novo a conquista dum
coração que nunca deveria ter deixado fugir.

*
* *

Todas as virtudes da mulher casada, os seus talen�


tos, os seus dons naturais, serão sempre poucos para com�
preender, sem tardança, com unidade e continuidade n o
comando, esta campanha libertadora. Deverá ela come�
çá-la com o coração cheio de coragem e de confiança
no êxito, com aquele mesmo ardor com que organizou
outrora os primeiros assaltos ao coração do noivo, mas
desta vez com tanto mais arte e destreza quanto é mais
grave o lance do combate.
Ela tem hoje nas mãos trunfos que não tinha outro�
ra e que a ajudarão a ganhar a partida. Em primeiro
lugar, a experiência deu�lhe lições. Ela pôde observar à
sua volta situações semelhantes à sua. Provàvelmente,
teve ela - sem suspeitar que semelhantes males lhe so­
bteviriam - confortado e consolado amigas que trava­
vam o mesmo combate que ela tem agora de enfrentar.
Ela viveu o suficiente para se não admirar e viu bastan�
temente mudar o parecer dos homens para não deses-

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perar. A esta prudência natural ela acrescenta uma pru­
dência sobrenatural que adquiriu com o longo hábito das
provações, no decurso das quais experimenta que «Deus
nunca abandona os que nEle esperam» (l).
Esta certeza do triunfo final, com a ajuda de Deus,
será confirmada no coração da esposa cristã por este sen­
timento que multiplica a sua confiança: «tem por ela o
direito e a justiça)), A sua defesa é fácil, mesmo que o
marido viesse a repreendê-la dos seus actos. «Que não
foi sempre perfeita, reconhece-o de boamente, mas, pelo
menos, permaneceu .fiel aos seus juramentos». Nesta luta,
ela pôs-se do lado da honra. Como poderia o marido
replicar a tais argumentos?
Nada tendo de razoável a objectar à mulher, ele
refugiar-se-á, provàvelmente, na táctica do silêncio. Re­
cusará ouvir as suas prudentes e sempre afectuosas re­
preensões . . . A mulher não deverá insistir porque antes
de mais deve evitar ferir. Sem se formalizar, esperará
pela hora e pelo momento em que o marido «terá ouvi­
dos para ouvinJ, certa de que as circunstâncias, mais dia
menos dia, o obrigarão a dar-lhe a atenção: ele ver-se-á
obrigado, nesse momento, a reconhecer o bem direito.
Ela sente-se tanto mais certa do triunfo da sua cau­
sJ, quanto é assistida, para a defenderem, dos advogados
poderosos que são os seus filhos. Alguns, já crescidos e
de espírito suficientemente amadurecido para compreen­
derem a situação que lhes foi. criada, saberão, a conselho
da mãe, dizer, no momento oportuno e com a devida
circunspecção, pa1avras que se cravarão como dardos no
coração do pai. Assim, a afectuosa queixa duma filha
extremecida, cuja candura e graça eram encantadoras,
abriram os olhos dum pai transviado e mostraram-lhe o
erro que ele cometia calcando aos pés a honra . e os sen-
·•

( r ) Thren. lll , 25.

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25 7

timentos puros duma deliciosa criatura «osso dos seus


ossos e carne da sua carne)) UJ . Esta apari�ão da fisiono,
mia, dorida mas bela, da sua filha, fizera,lhe, instantâ,
neamente, achar horrível a cara da outra . . . a da mu,
lher perdida.
Ao lado destes filhos grandes que falam, há os pe,
queninos que choram, que riem, que brincam, que se
lançam ao pescoço do seu pai para o acariciarem, des,
conhecendo ainda as torturas da afeição traída, Mais
do que um marido infiel se tem sentido incapaz de su,
portar as ternuras destes inocentes, como aquele ho,
mem que, lavado em lágrimas, põe no chão o filhinho
que tinha nos joelhos, para se lançar nos braços da mu,
lher, pedindo,Jhe perdão.

* *

Quanto tempo durará esta luta? Se for bem con,


duzida, será geralmente curta, porque as razões que ar,
rastaram o marido para o mal caírão por si mesmas, uma
após outra, com a idade, a reflexão e, sobretudo, com
as decepções.
Um dia virá em que a esposa cristã, cuja virtude se
desenvolveu no exercício do apostolado conjugal, terá a
felicidade de vir, em companhia do marido, à Sagrada
Mesa, onde se opera, no amor pelo mesmo Cristo, a ver,
dadeira união das almas. Ao pé deste altar - o mesmo,
talvez, do seu casamento - os esposos saborearão a ale,
gria inefável da felicidade «reencontrada>>, talvez mais
suave ainda do que a felicidade �<encontradap outrora.
Compreenderão então, por experiência, que os sofrimen,
tos, que lhe causou o desvio da sua união vinham todos
do menosprezo desta palavra, manifestação da vontade
divina: ,<Não separe o homem o que Deus uniull (2).

{ 1 ) Gen. U, '-3·
{2) Math . , XIX, 6.

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CAPíTULO TERCEIRO

O APOSTOLADO SOCIAL

Uma mulher casada que compreende o seu papel


·não se contenta com transformar o interior do seu lar
em paraíso. Quer ir mais longe nas suas ambições: quer

fazer . irradiar .cá fora a felicidade do seu lar.


E tem razão. A .família, como j á se tem dito, é a
«célula social», isto é, o elemento constitutivo e funda­
mental da sociedade. Para bem desempenhar a sua mis­
são, a família terá de cooperar, segundo as suas possibilida­
des, no bem geral. Deverá esforçar-se por garantir felici­
dade e prosperidade, não só aos que a compõem mas ainda
a todos aqueles com que os seus membros terão de entrar
em relações. Se a mulher casada compreender estes gran­
des princípios da ordem cristã, exercerá à sua volta urna
acção benéfica, ajudará poderosamente o marido a sair
de si próprio para se dedicar pelo bem comum, ensinará
aos seus filhos o amor do próximo e a renúncia de si
próprios. Procedendo assim, tal mulher, «encanto do lar»,
fará deste mesmo lar um centro de atracção, à volta do
qual gravitará urna multidão de hoas vontades.

*
* *

O primeiro «apostolado sociah da mulher casada


será naturalmente o que tem de exercer sobre o mari­
do. Esforçar-se-á por incutir no seu espírito os ideais d�
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259

dedicação e esquecimento de si próprio que farão dele


um ser beneficente e caridoso .
.Poucos jovens maridos há que não tenham no co�
·

ração sentimentos de generosidade. A maior parte sacri.;.


fica-se de bom grado por causas nobres. A guerra reve�
lou as maravilhas de dedicação que se escondem no fun­
do da maior parte das almas bem formadas.
Como é possível que tantos noivos cheios de ener­
gia, uma vez maridos, se fechem num egoísmo muito
de- estranhar? Ontem ferviam de ardor: pedisse-se-lhes
que viessem para a rua manifestar-se pela religião ou
pela pátria, que eles teriam sido capazes de preferir ir
parar à cadeia antes do que se calarem. E eis agora que,
seis meses após o casamento, não têm a mínima preocu.­
pação com o bem geral, a tal ponto que nem se querem
incomodar em ir deitar o seu voto, declarando que «Se
desinteressam das coisas pú'blicas». Quando eram soltei­
ros, andavam inscritos em todas as obras de piedade, de
caridade e de instrução religiosa, faziam parte de uma
JUVentude católica, duma conferência de S. Vicente de
Paulo, dum círculo de estudos. Hoje ei-los desertores
de todas as associações . . .
Como é que o casamento lhes cortou assim as asas?
Muitas vezes a mulher é em parte responsável desta mu­
dança de atitude. Às vezes, não compreende que o ma­
rido deve desempenhar, sem prejudicar de forma algu­
ma o lar, lima missão caritativa e social; doutras vezes,
quando o compreende, não tem coragem para lançar o
marido · no apostolado.
A convicção íntima natural duma jovem casada é
pensar que «O marido é só para ela». Ela sente, desde
então, uma tendência quase · irresistível para o absorver
totalmente. Se ele, timidamente, falar em sair para ir à
Conferência de S. Vicente de Paulo, ou à reunião da
Juventude Católica, ela manifesta-lhe logo o seu descon-

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solo. Pois unia-se ela a um companheiro para ficar em
.:asasàzinha todas as noites? ! E, antes do que contrariar
:tmulher, o jovem marido priva-se da reunião a que pro­
jectara assistir. E quando a ela tiver faltado duas ou três
vezes, perderá por elas todo o interesse. Eis como, após
o casamento se eclipsam da vida pública tantos homens
de bem que, bem aconselhados pela mulher, teriam bri­
lhado nas organizações católicas e teriam realizado ma­
ravilhas.
A jovem casada deve compreender o seu papel de
forma inteiramente diversa. Ela só terá desempenhado
capazmente a sua missão quando tiver exercido junto
do marido o «apostolado social». Ela deverá criar em si
própria convicções nesta matéria, reflectindo naquele fac­
to de verificação quotidiana que «Se cada qual, do seu
degrau, desse a mão aquele que está no degrau inferior,
a ascensão de todos produzir-se-ia irresistivelmente>>. Se
há tantos pobres seres que caem, é porque ninguém os
aguentou na queda e se, uma vez por terra, continuam
a arrastar-se, é por que ninguém pensa em dar-lhes a
mão para que se levantem. E, no entanto, Deus disse :
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo».
'
Estas considerações sugerirão à mulher casada re­
soluções de carácter social, tanto mais ardentes, quanto
sublinhadas por um sentimento de mui natural e legí­
tima ambição. Pois não deseja a mulher para o seu ma­
rido respeito e boa reputação? Não gostaria ela, por ven­
tura, de vê-lo rodeado do reconhecimento da popula­
ção? . . . que se dissesse dele: «é um :benemérito » ?
Eis porque, calcando aos pés a s sugestões d o seu
egoísmo, e compreendendo que o seu dever coincide,
como sempre, com o seu verdadeiro interesse, a esposa
cristã não deverá hesitar em lançar o marido no cami­
nho da dedicação e da prática bem entendida da ca­
ridade.

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..
• •

A mulher casada não deverá esperar, para 1mc1ar


o seu apostolado, que o marido tome hábitos caseiros.
Desde o início da sua missão, deverá procurar exercer
sobre ele essa influência social. Ser-lhe-á, entretanto, ne­
cessário, aqui como em tudo, um grande tacto e uma
grande prudência para adaptar a sua acção e os seus
conselhos ao temperamento, aos gostos, e às maneiras de
ver do seu cônjuge.
Umas yezes, a jovem casada encontrar-se-á perante
um marido afeito à acção exterior: era membro activo
de agrupamentos em plena vitalidade. A táctica da amá­
vel conselheira deverá consistir em não extinguir este
belo entusiasmo e, ao contrário, manter nesse coração ar­
dente o fogo sagrado. .Ela deverá pensar que a vitalidade
das obras católicas depende em grande parte da perse­
verança dos homens casados, que conferem aos seus agru­
pamentos o apoio da sua autoridade, da sua experiência,
dos seus recursos, acrescidos pelo tra'balho e pela situa­
ção que adquiriram na sociedade. Orientada por esta con­
vicção, nunca deverá ela queixar-se quando as obras ca­
tólicas ou sociais obrigarem o marido a sair e lhe impu­
serem, a ela, algumas horas de solidão; nunca deverá di­
zer ao marido que ele a abandona; terá cuidado, sobre­
tudo, de esconder hipàcritamente, sob pretexto de afei­
ção desinteressada, as exigências do seu ciúme, como
aquela jovem casada que temia, · para o cônjuge, exces­
so de cansaço, doenças, a morte até, sempre que ele fala­
va em trabalhar para bem dos outros.
Outras vezes, a mulher terá um marido que, sendo
bom e de carácter generoso, não recebeu, todavia, for­
mação de carácter social: não sabe o que seja acção ex­
terior. E assim, flàcilmente passará a vida sem pensar que
outros sofrem à sua beira, que muita gente vive na mi-

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serta física, intelectual e moral. E se, por vezes, vem a
saber da existência da miséria, não lhe vem à cabeça
que tem o dever de lhe acudir, podendo-o fazer.
A um tal marido, a mulher procurará, não sem cus­
to e sem · certas precauções oratórias, incutir pruden­
temente, primeiro o pensamento e depois o gosto do zelo
-exterior. Mas, como os melhores ensinamentos são dados
pelo exemplo, a j ovem casada procurará dar ao marido
lições práticas. E desde então, por que não há-de ela ocu­
par-se em obras femininas? Ela pode dispor de tempo
livre: empregá-lo-á, pois, em confeccionar trabalhos para
as igrejas pobres ou para as famnias sem recursos. Ela
SJi todas as manhãs: irá visitar qualquer pobre. Ela tem
o seu supérfluo: lançá-lo-á no seio dos infelizes. Dentro
de pouco, o marido, admirado e edificado, compreende­
rá que não pode ficar atrás da mulher em questões de
zelo e de caridade: sentir-se-á absolutamente disposto
à aprendizagem da dedicação.

*
* .

O amor do apostolado, crescendo sempre no cora­


ção do marido, levá-lo-á, por vezes, a consequências
que ele não previra. !Pela sua influência social, achar-se-á
designado para cargos públicos. A lista eleitoral do mu­
nicípio, por exemplo, redamá-lo-á como candidato, tal­
vez mesmo como chefe de grupo e assim se torna pos­
sível que venha a ser presidente da Câmara ou vereador.
Nesta altura, este homem honrado, receoso das res­
ponsabilidades, sentiria, talvez, a tentação de recusar.
·Quando se é obrigado a entregar-se ao negócio e se não
tem ambições, temem-se estes postos honrosos mas di­
fíceis que o sufrágio dos cidadãos confere. Eis porque
.o marido iria recusar-se · categoricamente se a mulher

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lhe não fizesse compreender que faltaria ao seu dever
fugindo ao sacrifício.
Faz�lhe ver, com efeito, a utilidade, para o país, de
chefes católicos, profundamente dedicados à causa de
Deus. Quantas vezes um presidente da câmara cristão
não tem sido o braço direito do pároco para manter
uma paróquia no caminho do bem! Se pois, um homem
sério e sobrenatural não tem razões graves para se suh�
trair aos cargos públicos, não deve hesitar em aceitá�los.
Estes primeiros argumentos não serão talvez sufi�
cientes para vencer os escrúpulos do marido. Ele julga�
�se incapaz, incompetente. A mulher deverá então fazer�
�lhe ver que as pessoas sem religião, .partidárias do lai�
cismo, não terão tantos receios. Precipitar�se�ão ardoro�
samente, talvez sem a mínima preparação e sem prepa�
ração especial, sobre a honra que ele enjeita e servir�se�
�ão dele · para fazer triunfar o erro, elemento destruidor
do bem social. Aos inimigos da Igreja pouco importa
muitas vezes servir bem ou mal o país, desde que ino�
culem nos corações o veneno do seu ódio contra Deus.
Um marido desejoso do bem não hesitará em ace�
der a estes incentivos fazendo um sacrifício generoso.
Sente�se tanto mais disposto a dedicar�se quanto se sente
mais apoiado e secundado, nos rudes trabalhos a que
se compromete, pela inteligência e vontade da sua mu�
lher. Pois ela compreende, essa mulher enérgica, que o
seu apostolado social junto do marido está ainda simples�
mente a despontar · e que ela deverá, com o mesmo es�
quecimento de si própria, com as mesmas maneiras de
ver cristãs, · e sobretudo com uma coragem sempre cres�
cente, ser, se um dia for preciso, a mulher dum depu�
tado ou dum senador católico, numa hora em que, ter
tal título representa uma honra tão rara quão perigosa •

...
• •

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O apostolado social junto do marido não devetá
absorver toda a atenção e cuidados da mulher casada
cristã. Ela deverá lembrar-se de que tem a exercer uma
influência não menos benéfica junto d_os seus filhos.
A educação, com efeito, não deve limitar-se apenas
ao tempo presente. A mãe não deve limitar as suas am ­
bições, no que respeita aos filhinhos, a conseguir deles
um juízo e bom comportamento «actuais)), Deve ver mais
longe e querer para eles um futuro cheio de honra e
dignidade. Na criança contempla já ela o homem e este
homem ela deseja-o rodeado de respeito e difundindo à
, sua volta uma irradiação salutar. Eis porque se preocupa
com fazer compreender aos seus filhos e filhas que,
sacrificando-se hoje, obedecendo, aprendendo as suas li­
ções, aplicando-se a obras de caridade e de zelo, renun­
ciando a si mesmos, trabalham para o futuro. Ela repete­
-lhes sem cessar que a sua juventude é a primavera da
vida durante a qual semeiam e que a sua idade madura
será o verão durante o qual recolherão . . . que esse verão
só terá valor pela energia e perseverança empregadas
no arroteamento. Deverão, eles, pois, inclinar-se desde já
sobre o seu sulco, animados pela ideia de que, um dia,
o seu campo se encherá duma magnífica seara.
Os novos compreendem perfeitamente esta lingua­
gem. Evidentemente que não será à primeira que eles
apreenderão todo o alcance de tais palavras. Mas, se os
pais tiverem a paciência de lhas repetir sob todas as for­
mas, se aproveitarem das menores ocasiões para porem
em relevo estas verdades aos olhos do seu atento auditó•
rio, conseguirão criar, na alma dos seus filhos, um ideal
de acção e de influência familiares e sociais que será a
mola da sua existência. Os professores que têm expe­
riência da juventude escolar notam fàcilmente entre os
seus alunos aqueles em quem a família inoculou ideais
e sentimentos a respeito dÓ futuro. Esses jovens ardo-

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rosos e entusiastas .foram a categoria dos trabalhadores
encarniçados, que se distinguem do numeroso bando dos
preguiçosos, sempre imprevidentes do dia de amanhã.
A mãe não deverá limitar o seu apostolado junto
dos filhos ià exposição dos aspectos gerais do assunto.
Deverá entrar em pormenorizações que a inteligência
jovem, ávida de real, conservará cuidadosamente e me­
ditará com facilidade, porque os pormenores terão cha­
mado a sua atenção. Tratar-se-á das diversas carreiras
que se podem abrir a cada um d.eles. Considerar-se-ão
lealmente os inconvenientes e as vantagens de cada si­
tuação, não tanto no aspecto pecuniário ou honorífico
como no aspecto cristão. Ver-se-á, por exemplo, se em
tal ou tal mister se estará em condições de fazer maior
bem ao próximo, se há mais facilidade de viver em famí­
lia, de educar filhos, de salvar a alma . . . Como são feli­
zes os filhos a quem pais esclarecidos ensinaram a julgar
as coisas do seü futuro, .fazendo-os considerar pelo seu
verdadeiro aspecto, aquele que está voltado para a eter·
nidade.
Nesta enumeração das carreiras futuras, a mãe não
esquecerá o ((Sacerdócio». Dissemos largamente, noutra
parte, de que maneira se deve falar, em que espírito se
deve tocar neste assunto, as .precauções que se devem to­
mar quando dele se trata, os escrúpulos que se não devem
ter em conta. Consagrámos um capítulo inteiro de Futu­
ros Sacerdotes «ao papel da família» no recrutamento
sacerdotal ( 1) .
Meditem essas páginas, onde se expõem os conse­
lhos a seguir, os pais solícitos de ver germinar as vo·
cações no seu lar, as mães sobretudo, cuja influência,
mais íntima, é muitas vezes também mais decisiva sobre

(1} Futuros Sacerdotes, Primeira parte. Ca.p. II: O papel


da família, p. 34 e seg.

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o coração dos seus filhos; esforcem-se eles, com todo o
tacto, prudência e entusiástica boa vontade, a conquis­
tar, na medida do possível, ministros para Nosso Se­
nhor Jesus Cristo. Terão então, suscitando mais um sa­
cerdote, desempenhado na igreja o mais autêntico «apos­
tolado social». Tem-se dito, com efeito, que o povo cris­
tão vale o que valem os sacerdotes. Quando das nossas
melhores famílias sair um escol cada vez mais numeroso
de jovens decididos a fazer reinar Nosso Senhor e a
repelir, com todas as forças, o paganismo laico, apare­
cerá então, por toda a parte, graças ao zelo das esposas
cristãs, esta alegre renovação da fé e da pureza por que
anelam todos os que ardem de zelo pela glória de Deus .


* .

Para se chegar a desejáveis resultados, deve tomar­


-se a criança tal qual é. Oposta a sábias demonstrações,
só é verdadeiramente sensível à concreta «lição das coi­
sas». Eis porque a mãe deverá apoiar as suas doutrinas
e os seus conselhos, sobre o emprego da vida, inician­
do a sua pequenina gente na prática da caridade sob
todas as formas. Os seus ensinamentos, com efeito, só
terão valor, na medida em que encontrarem a sua apli­
cação quotidiana na «organização social do la-r».
A mulher cristã iniciará esta obra dedicando-se mui­
to particularmente à salvação da alma e ao bem-estar
dos seus servos, se os tem, interessando n isso toda a sua
família. Reagirá, com a sua atitude sobrenatural, contra
as ideias modernas, verdadeiro regresso iàs teorias da
escravatura pagã, que considerava o servo como uma
máquina de que se não tem cuidado algum, contanto
que faça o trabalho estipulado. Algumas donas de casa
não têni qualquer escrúpulo em mandar a criada, o mo�
torista, o criado, habitar em . águas-furtadas no sexto an.

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dar, onde vivem em promiscuidade com toda a criada­
gem do prédio ali deitada a monte. Que saiam ou en­
trem, que se divirtam ou discutam, pouco preocupa a
senhora, contanto que, iàs oito horas do dia seguinte, a­
criada de quartos venha, de avental branco, pôr ao pé­
da cama, a bandeja com o almoço e que o automóvel
do patrão esteja às ordens às sete e três quartos . . . Para
estes rapazes e raparigas «de condição», como se dizia
outrora, não há domingos nem actos de culto. Já não se
fala da missa nem das vésperas, porque às horas a que
são, as ocupações não permitiriam uma ausência; mas o
cinema, esse, quando os criados pedem para ir, dá-se-lhes
autorização porque, hoje em dia, a �<criadagem exige-o».
Não será sem custoso tra'balho que a mulher cristã
conseguirá endireitar estes degenerados costumes. Ser,
-lhe-á mister dar provas de uma ·firmeza pouco vulgar
para remar contra a maré das ideias feitas em matéria de
disciplina de criados, para opor-se aos hábitos munda­
nos e «preocupar-se» de verdade com os criados que, pr�
vàvelmente, a não ajudarão na sua tarefa, sendo a na,
tureza humana inimiga como é do esforço, e tão incli,
nada ao prazer. Mas a sua inquebrantável perseveran,
ça, couraçada de admirável jeito, se não permitirá qual,
quer descanso até que tenha criado nas almas dos seus
servos, aquela admirável qualidade que se chama <<bom
espíritOJJ,
A primeira condição do êxito para a mulher casa,
da é «escolherll os seus criados. Esta escolha é difícil,
hoje em dia, p�is os candidatos são cada vez mais ricos.
Mas, se a dona de casa não puder fazer a sua escolha
à primeira, deverá ir aos poucos. É certo que não tem
muito por onde escolher, mas é-lhe sempre possível fa,
zer a · escolha pouco a pouco, eliminando a todo o transe
toda a pessoa que lhe parecer duvidosa, moral ou re,
ligio�mente. Dia virá em que a mulher cristã após ex-

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penencias infelizes, conseguirá servos cristãos, de fé sin­
cera e coração recto. Nessa altura, deverá fazer tudo
por conservá-los e preservá-los do perigo de perda. Ver·
-dadeiro «encanto do lar» para o marido e para os .filhos,
seja-o também a dona de casa para os seus servos, pela
·excelência das suas virtudes. Procure mantê-los junto
de si, conquistar a sua confiança, conhecer todos os seus
trabalhos e sofrimentos, as suas esperanças, as suas ilu.
sões e as suas desilusões; fale-lhes da religião e relem·
bre-lhes os seus preceitos; não lhes falte com os socor­
ros espirituais. A prudente dona de casa, formará, ao
mesmo tempo, estes auxiliares dedicados aos trabalhos
do lar, aperfeiçoando-os o melhor que puder na ciência
e na prática dos seus deveres do estado.

Se tiverem a alma delicada, estes servos compreen•


derão a dedicação da sua amável patroa e se afeiçoarão
.a ela. ·Foi assim que se fixaram na sua situação esses

velhos e admiráveis servos que, tendo vivido para os


pais, morreram ao serviço dos filhos. É de esperar que
.assim serão os criados formados por esta boa e «Social>>
esposa cristã. Todavia, não tenha ela ilusões: pode acon·
tecer, às vezes, que as coisas sucedam ao contrário. Em
paga da sua boa vontade, talvez que só receba queixas
e a sua dedicação seja paga com exigências . . . Após ter

recebido mil benefícios, este rapaz ou aquela rapariga


.deixará a casa sem um «muito obrigado» sequer, pre•
textando que noutra casa ganha mais ou que nelas se
está c<menos preso>>, e sem se preocuparem com o trans.
torno que isso causa à patroa . . . Não fique a dona de
<asa surpreendida com tal conduta: nesta época de lai­
.cismo egoísta, a divisa pagã «cada um que olhe por
·si» substitui o mandamento da caridade. Por isso, estas
deserções repentinas de criados são história quotidiana
e muito moderna.

A dona de casa tem, sem dúvida, razão para se

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entristecer mas não para desanimar. Se não conseguiu
conquistar boas vontades, esforçou-se ao menos por fazer
bem. Os seus louváveis esforços granjearam-lhe méri­
tos e atraíram-lhe as bênçãos do Céu. Se a «lição de de­
dicação aos servos» não foi tomada por aqueles a quem
era dirigida, marcou, para o futuro, aos filhos, a quem
era indirectamente destinada, o dever de patrões cristãos .


* *

A <<ordem de caridade» pede que a mulher casada,


após ter desempenhado a sua missão social junto do
marido, dos filhos e dos criados, se interesse pelas outras
pessoas que, embora mais de longe, estão mais chega­
dos à. .família. Se o marido tem ao seu serviço operários
ou empregados de escritório, a dona de casa considerará
como seu dever auxiliá-los nas suas necessidades espiri­
tuais e temporais, na medida e nas condições em que este
dever é possível cumprir-se.
Vêem-se grandes e belos exemplos de dedicação,
dados por esposas e mães, em prol de operários e em­
pregados de indústria ·ou de comércio, dos seus mari­
dos. Certas mulheres, verdadeiramente talentosas neste
género de apostolado, fundaram lactários, jardins de in­
fância, dispensários, ou então, revestidas da sua bata de
enfermeira, prodigalizam aos feridos, aos doentes, cui­
dados muitas vezes penosos e repugnantes, com o sor­
riso nos lábios e a alegria no coração . Convencidas de
que a sua missão se não limita a estes socorros corporais
mas deve atender sobretudo às necessidades espirituais,
estas cristãs esclarecidas organizaram catecismos, confe­
rências, distribuição de jornais ao pessoal masculino e
feminino das suas oficinas e escritórios.
Todas estas obras são admiráveis. Em certos cen­
tros industriais, tomaram uma lárga extensão, prestando

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serviços notáveis. •Pode lamentar-se que certas regtoes
da França, !ll e por vezes não das menos católicas, acu­
sam verdadeiro atraso neste movimento. Para obviar às
misérias morais e físicas, sempre crescentes, do traba­
lhador, é de esperar que a eflorescência da caridade vá
aumentando cada vez mais com o tempo, sdb a inspira­
ção destas mulheres admiráveis, sempre prontas a se­
cundar o marido quando se trata de socorrer os seus mais
humildes colaboradores.
Mas esta actividade de grande estilo não está ao
alcance de todas as mulheres casadas. A maior parte
não pode ir além de uma influência mais modesta. O
marido está à .frente de um modesto negócio; tem ao seu
serviço dois ou três operários, um só guarda-livros . . . ou
então contrata poucos jornaleiros na sua exploração agrí­
cola os quais vêm ajudar nas ocasiões de maior azáfama
como nas ceifas, debulhas ou vindimas.
Nem por ser mais restrito o bem a realizar deverá
a mulher renunciar ao seu apostolado social. Ela saberá
pensar as feridas, se o trabalhador ficar ferido ; tratá-lo
e proporcionar-lhe remédios se cair doente; aconselhar
a mulher e assistir-lhe se vier a· ser mãe. Esta dona de
casa servir-se�á da sua experiência, dos seus conheci­
mentos e do seu dinheiro para conquistar, por meio de
tratamentos caridosos, a alma tão preciosa <<dos mais
pequeninos dentre aqueles que são membros de Nosso
Senhor Jesus Cristol>.
Quantas mulheres, santas, inteligentes e delicadas,
não granjearam, à sua volta, uma popularidade perfuma­
da de doçura ! Que lição de esquecimento de si próprias
n�o dão elas a certas mundanas que, ricas e podendo dis­
por do seu tempo e recursos, não seriam capazes de le-

{ 1) O autor francês refere-se especialmente ao seu país.


(N. do T,).

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vantar um dedo para prestar um serviço a um necessi,
tado! Mas estas mães admiráveis e profundamente educa,
doras sentiam,se felizes sobretudo por darem aos seus
filhos e filhas um precioso ensino, dando,lhes a prova pal,
pitante daquela verdade que <mão há condições, por mais
modestas que sejam, em que nos não possamos sacri.ficar
por alguém mais pequeno do que nós)) ,

*
* *

Se a ordem exigida pela �;aridade não proporciona


à mulher, como !beneficiários, os colaboradores do seu
marido por ele os não ter, a sua dedicação social deverá
então orientar,se para os pobres que as circunstâncias lhe
farão certamente encontrar.
Não obstante os esforços de certos governos socia,
listas que não têm qualquer escrúpulo em despojar o ri,
co para proporcionar ao <<proletário?> os encantos da exis,
tência, <<há áinda e 'haverá sempre pobres entre nós < 1 l .
A esposa cristã encontra,os debaixo das suas telhas, n o
alto das trapeiras onde agoniza uma velha indigente, n a
casa ao lado onde um pobre operário, apesar d o seu sa ,
lário e dos socorros oficiais, não consegue criar conve ,
nientemente os seus dez filhos. Depara,se,lhe, a essa mu,
lher, um campo de acção contínua para o seu apostola,
do social.
A sua habilidade deverá estar em interessar nisso
toda a família. A sua tarefa não deverá limitar,se a
ser caridosa mas ir até exercitar os outros, maridb, filhos,
criados, na prática da caridade. Eis porque, graças aos
seus cuidados, a esmola espiritual e material deverá ser
organizada «na base familiar>>.
Em primeiro lugar, na ementa de cada dia deverá

(1) Marc. XIV, 7· ·

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estabelecer,se a parte do pobre. Mas esta reserva não
teria qualquer significação se os filhos ignorassem que
esta oferta só pode ser reservada na medida em que é
fruto dos seus sacrifícios ou privações. Se não virem apa,
recer na mesa as sobremesas finas, os bocados rebusca,
dos, os frutos temporões, os mimos supérfluos que tantos
arrebatam dos mercados por alto preço, compreenderão
que é graças a esta economia que a família pode chegar
a oferecer algo do seu alimento aos famintos. E, em se
proporcionando a ocasião, a mãe não deixará de vincar
a lição, sugerindo aos seus filhos que renunciem a este
ou aquela gulodice para ir levá,la a um doente ou in·
feliz.
Os filhos compreenderão admiràvelmente estes en,
sinamentos. A mãe será, até, algumas vezes, obrigada a
. moderar,lhes os ímpetos no capítulo das privações, por
tal modo o ímpeto generoso é grande nas almas sim,
pies e puras.
A estas lições de mortificação caridosa, a esposa
cristã acrescentará a da dedicação aos pobres. Ela irá ha,
bituando, pouco a pouco, os seus a dar da sua própria
pessoa. Quantos cristãos, hoje em dia, não conhecem do
cc apostolado social» senão apenas aquele gesto que con,
siste em deitar uma nota ou uma moeda numa bandeja ! . . .
que nunca pensaram que fariam muito melhor indo eles
próprios a casa daqueles para quem dão esse dinheiro que
eles fariam acompanhar de palavras saídas do coração.
Este desconhecimento do dever, não o consentirá a mãe
solícita, que não deixará cair a caridade dos seus filhos
nesta fácil apatia.
Ela enviará o seu próprio filho a casa da família
pobre para lhe entregar a esmola : animá,lo,á a insere,
ver,se, não sàmente na conferência de S. Vicente de
Paulo mas também na Juventude Católica, fazendo,lhe
compreender a honra que isso constitui para o jovem

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que faz parte destes grupos de escol, dos círculos de es­
tudo ou das obras post-escolares de toda a espécie. 1!-se,
às vezes, dolorosamente surpreendido com o desdém que
certos filhos-família com boa posição manifestam pelas
associações de juventude, p_elos círculos juvenis , sob pre­
texto de que ((desceriam de categoria, se neles ingressas­
sem». Uma mãe verdadeiramente cristã e zelosa jamais
tolerará nos seus filhos semelhantes maneiras de pensar.
Não deverá ela insistir menos junto das filhas para
que embelezem a sua vida com as obras de apostolado . . .
Mandá-la-á, em pessoa, distribuir aos pobres os vestidos
que elas confeccionaram com as suas próprias mãos. Por
que razão não haveria esta mesma rapariga, que se exer­
cita nas ocupações domésticas, de ir à mansarda do quin­
to andar fazer a cama à pobre velha que lá jaz doente?
Por que não haveria ela de ir ali arrumar aquele miserá­
vel cubículo, como fazem as Irmãs da Caridade? Por que
não haveria ela de remendar a roupa da pobrezinha e
de prestar-lhe mil pequenos serviços?
A mãe não deverá contentar-se com exercitar as
suas filhas nos trabalhos da caridade; inculcar-lhes-á,
como fez com os filhos, o desejo do zelo apostólico. Fará
com que elas se coloquem à disposição dos sacerdotes
para o ensino do catecismo, não se importando receber
em casa crianças a quem explicarão a lição fazendo-as
recitá-la; terão prazer em prestar o seu concurso nos pa­
tronatos e ali olhar pelas meninas da escola que lá são
recebidas às quintas e aos domingos; filiar-se-ão nas Con­
gregações de piedade, dando o exemplo às outras asso­
ciadas; a conselho da mãe, que as impele a todas as de­
dicações procurarão formar-se na prática da renúncia para
o alargamento do reino de Deus.
Os filhos, assim formados no exercício das virtudes
caridosas estarão prontos a corresponder a todos os apelos
que lhe forem feitos em prol do. bem. Os organizadores

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de obras católicas esbarram, muitas vezes, com dolorosas


recusas. Contam com os membros da familia cristã para
seus colaboradores. Quando se lhes vai pedir o seu concur�
so, alguns respondem logo que «não têm tempo . . . que
não sentem jeito para isso . . . que não engraçam com esse
género de desporto» . Quantos rapazes e raparigas não
. .

poderiam utilizar, em prol de melhores causas, os seus


anos de entusiasmo e de ardor juvenil, em vez de mal�
baratarem o seu tempo em futilidades! Uma hora de ca�
tecismo num patronato, à quinta ou ao domingo, um
pouco de reflexão para preparar uma conferência desti�
nada a um círculo de estudo, alguns serões passados no
meio de jovens operários ou de rapazes do campo que se
procura instruir e ajudar a perseverar na sua fé, valem
infinitamente mais do que todos os campeonatos de
ténis, conversas amorosas , nas praias ou nos bailes, ses�
sões de circo ou de cinema. Mas quão poucos compreen�
dem estas verdades! Só são capazes de as apreciar os que
foram formados no «apostolado social>! por uma mãe cris�
tã com alma e coração.

*
* *

Ao chegar ao fim deste volume, a leitora atenta, jo�


vem casada ou já mãe de n umerosos filhos, ao relancear os
olhos pelos ensinamentos acumulados ao longo das pági�
nas que precedem, ficará impressionada com a grandeza
da missão que lhe incumbe na família e com a imensida�
de do bem de que ela pode ser obreira.
Talvez se admire até de não ter reflectido mais cedo
em tantas e tão claras verdades, de não ter firmado mais
cedo em si inquebrantáveis convicções a este respeito e de
não ter correspondido melhor ao ideal da esposa cristã.
Não se perturbe, nem fique desolada. Se soulbe man�
ter-se até à data na prática das principais virtudes, pode

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estar certa de que não faltou, em matena grave, à sua


missão. Tem sido boa, piedosa e dedicada mãe de famí,
lia. Fez o bem, tornou feliz o seu marido; atraiu a si a
ajuda e a protecção de Deus.
Esforce,se, ,todavia, por fazer ainda melhor doravan,
te. Agora que ela conhece os meios postos à sua disposi,
ção para se tornar uma ccesposa modelan> ; agora que ela
sabe quais os defeitos destruidores da felicidade e do bom
entendimento, que se devem evitar ; agora que ela apren,
deu a maneira de aperfeiçoar a sua vida pessoal, de exer,
cer o apostolado junto do marido e à sua volta, apresse.-se
em lançar mãos à obra no sentido de organizar a vida
interior da sua casa e de lhe multiplicar os encantos se,
gundo o ideal agora melhor conhecido.
Desde o dia em que a mulher casada compreendeu
esta tarefa de aperfeiçoamento, ao mesmo tempo racio,
nal e sobrenatural do lar, a sua casa, já tão ridente, se
transformará num Céu. E como não haveria de ser assim?
O Céu é uma mansão que haure todas as suas delícias da
presença de Deus. Ora, não se dignará o Deus de Bon,
dade habitar cada vez mais neste lar que procura sem
cessar reservar,lhe um lugar cada vez maior? Não será o
Senhor ali o primeiro objecto dos pensamentos, dos de,
sejos, o fim principal de todos os esforços? A mulher ca,
sada sacrifica,se por Ele; por Ele faz todas as concessões
possíveis do amor,próprio e da vontade pessoal; para
ccpregar>> a Deus e fazê,lo servir, ela esquece,se de si pró,
pria, levando a dedicação até à abnegação ; a sua influên,
cia sobre o marido, sobre os filhos e sobre os criados só
têm uma finalidade: estender o Reino de Deus. O seu le,
ma é o de S. ·Francisco d'Amboise: ((Fazei, acima de tudo,
com que Deus seja mais amado>>.
Como é bela a vida assim compreendida! Como ela
é meritória e preciosa aos olhos de Deus! Quando, no meio
dos horríveis espectáculos incessantemente renovados de

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paganismo, que nos oferece o nosso pobre país laiciza•
do (1), surge uma destas esposas verdadeiramente cristãs.
forma-se à sua roda como que uma <<ilhota de santida­
de» no meio do oceano da corrupção modema. Que estas
ilhotas se multipliquem, se estendam e, ligando-se umas às
outras, ocupem todo o solo da França ! Na verdade, só a
reconstrução cristã da família pode criar uma sociedade
nova. Será essa - assim o esperamos - a obra de salva­
ção que realizarão, nos nossos infelizes dias, as mu­
lheres casadas que quiserem ser verdadeiramente o «en·
canto do lar)).

(1) O autor refere-se à França mas a alusão pod e a.plicar•se


a todas as nações da actualidade. (N. do T.).

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INDICE
PREFACIO . . . . .. ... 5

PRIMEIRA PARTE

MOTIVOS DE SIMPATIA

CAPITULO I - O estado das almas logo após o ca­


samento. O desejo da felicidade. - Admiração
mútua. - Confiança desmedida. - A i nexperiên ­

cia. - Falta de .adaptação. - Desigualdade de


h ábitos. - Divergências sobre pri ncípios. - Des­
coberta de defeitos. Trabalho de ajustamento
-

dos génios .- O trabalho de -fusão das i dei a s .


Rumo à p.az . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . q

CAPiTULO U - Os talentos naturais da mulher. En­


ca ntos exteriores . - Uso dos encantos exteriores .
- Talentos do interior: a inteligência. - Conhe­
cimento do marido. -- Interesse pelo marido. -
Conselheira do marido. �xercitar•se em .julgar.
-

- A vontade. - Educação da vontade. - Forja r a


vontade na energia. - A ·perseverança do querer.
- O optimismo, sustentáculo do esfôrço .. . .. . .. . 38

CAPITIJLO m - Os talentos adquiridos da casada. O


que são talentos adquiridos. - A arte culinária. -
Importância duma boa cozinha. - A arte da dona
de casa. - A s indústrias caseiras. - A puericul­
�ura. - Os talentos artísticos. - Crítica de arte.
- O magistério. - O emprego . - O negócio.
- A administração rural . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

CAPITULO lV - As virtudes da mulher casada. Neces­


sidade da virtude. - Razões da fidelidade conjugal.
- Benefícios da ofidelidaàe conjugal. - O recato.

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guarda da fidelidade. - Inimigos da fidelidade
conjugal. - Honestidade do ieito nupcial. - A
continência. - A aceitação dos deveres conjugais.
- O desejo de ser mãe. - Amor do sacrifício. -
Abandono à Providência. - Valor educativo da fa·
mília numerosa. - Aptidão dos' fi!hos para receber
a formação. - A segurança das famílias numero­

s � s. - �pirito de �fé. - A páciência. - Paciên·
c1a . . . ate a .abnegaçao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 92

SEGUNDA PARTE

CAUSAS DE AVERSÃO

CAPITULO J - O mundanismo. As suas devastações. -


A sedução do prazer. - A sedução do triunfo. -
Deserção do la r . - Abandono do marido. - Aban·
dono dos filhos. O fi lho entregue aos criados.
- -

Os pecados da língua. - Os galanteios. - Adeus


ao mundanismo . . . . .. . . . . . . ·. . . . .. ... ... ... . .. 137·
CAPITULO II - O mau génio. Defe i tos de temperamen­
to. - Remédio para os defeitos de temperamento.
- O ciume. - Ansiedades do ciume. - Como pro­
ceder com · a ciumenta . - Os filhos, remédio para
o ciume. - A susceptibilidade. - O amúo. - O
ressentimento. - Espírito de cont ra dição . A
mentira. - A indiscrição. A rotina caseira . . . • . . 16o>

CAPITULO III - O mau governo. A avareza. - Conse­


quências da avareza. - A prodigalidade. - A ne­
gligência. - O esforçl), antídoto da negligência. -
O autoritarismo. - Caridade, remédio -para o au-
toritarismo . . . . . . . . . . ... . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1�

TERGEIRA 'PARTE

CONQUISTA DA REALEZA DO LAR

CAPITULO 1 - A piedade pessoal. Necessidade da pie­


dade. - Seus obstáculos: comunidade de vida. -
Deveres conjugais. Adoração ·pelo marido. -
- Necessidade de um director <le consciência. - ,

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Deixar-se conduzir. - O Santo Sacrifício da Mis­
sa. - A Comunhão, ·participação no Sacriffcio.
- A oração. - O exame particular. - A con-
fissão regular e bem preparada. O Rosário. . . . zro

CAPITULO II - Influência cristã junto do marido. O


marido praticante. - O serviço de Deus em fa­
mília. - O marido indiferente. - O marido hos­
til à religião. - Influência anti-religiosa do mari­
do. - Energia cristã perante o marido. - Exi­
gir os actos aoficiais>> cristãos. - Ganhar o co­
ração pela virtude. - A aproximação da hora de
Deus. - A crise dos auarenta anos. - Causas
e efeitos da crise dos qu.irenta anos. - Como sus­
tar a c �is e?. � Recomeçar a conquista do coração.
.
- A v1tona fmal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232

CAPITULO III - O apostolado social. Lutas contra o


egoísmo . - 1mpelir o marido para a função so­
cial. - Se fôr necessário, lançá-lo na vida pública.
- Formar os filhos no sentido social. - Falar do
sacerdócio, apostolado supremo. - Organização
social do Lar. - Apostolado social junto dos ope­
rários e dos empregados. - Junto do •pobre.
Seus maravilhosos resultados. - O Paraíso no
lar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258

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