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Teatro do Oprimido na Saúde Mental

R i o d e J a n e i r o | B r a s i l | 2 010
Editorial
Desde 2006
CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO
Diretor Presidente Jean Maciel Xavier
Vice-Presidente Marilene de souza Pólo Litoral SP
Av. Men de Sá, 31 - Lapa - Rio de Janeiro - RJ Multiplicadores: Adalgiza Luz, Érica Santos Pontes, Fabrício Gobetti
CEP: 20.230-150 - BRASIL Leonardi, Izilda Lourenço Rosa e Lucia Frigério Paulo.

SER & NÃO SER


Telefax: 55 21 2232-5826 - 2215-0503 Coordenação Municipal de Saúde Mental de Santos: Sandra Murat
www.cto.org.br
Pólo Guarulhos
Multiplicadores: Gilmara Azenha, Maria Regina Stefanini Araújo, Mirian
de Fátima Chinen, Rosemeire de Almeida.
Coordenação Municipal de Saúde Mental de Guarulhos: Eva Santos

Pólo Rio de Janeiro


PROJETO TEATRO DO OPRIMIDO NA SAÚDE MENTAL Multiplicadores: Ana Paula Rosa, Andréa Midore Puchol Kono, Julio Bárbara Santos, editora da revista Metaxis e Curinga Internacional do CTO.
Direção Artística Augusto Boal (in memorium) e Helen Sarapeck César da Silva Alves Pereira, Nelson Falcão de U. Cruz.
Coordenação Geral Geo Britto Coordenação Municipal de Saúde Mental de Macaé: Maria Luiza
Curingas Alessandro Conceição, Claudia Simone, Monique Rodrigues, Vivemos o presente. Lembramos o passado. Imaginamos o futuro. são reais nesse outro tempo/espaço, lugar fora do controle social,
Kelly DiBertolli e Yara Toscano Pólo Sergipe lugar de NÃO SER.
Produção Cultural Licia Rosa e Raul Araújo Coordenação Municipal de Saúde Mental de Aracaju/Multiplicadores: Parece simples, óbvio e estruturado.
Profissional de Imagem Cachalote Mattos Camille Arruda, Kátia Maria Menezes de Aragão, Silvia Maria Góis, Tempos, relações e espaços não convencionados, não reconhecidos,
Profissional de Som Roni Valk Wagner Mendonça de Moraes, Claudine Aguiar e Joelma dos Santos Mas, às vezes, esquecemos o passado. O vivido é apagado da
Assessoria de Comunicação Ney Motta não aceitos. Sujeitos que transitam entre Ser e Não Ser, desorga-
Apoio local: Tarcisio Santos memória.
Projeto Gráfico Alexandre de Castro nizando normas, são considerados loucos e incapazes e, como tais,
Criação da Logomarca Paulo Rodrigues Municípios Beneficiados: RJ: Belford Roxo, Campos, Caxias, Macaé,
Desenho Original da logomarca Samy Ferreira
Com um passado esquecido, é possível significar o presente? alijados de seus direitos.
Niterói, Paulo de Frontin, Queimados e Rio de Janeiro; SP: Cubatão,
Profissional de Vídeo Alexandre Gwaz e Bastien Viltart Guarujá, Guarulhos, Itanhaém , Praia Grande, Santos, São Paulo, São
Colaboração Bárbara Santos, Claudete Felix, Flavio Sanctum, Claudia Vicente; SE: Aracaju, Barra dos Coqueiros, Itaporanga, Itabaianinha,
No sentido inverso, pode acontecer que determinadas experiências O Centro de Teatro do Oprimido começou a atuar na Saúde Mental
Simone , Graça Silva e Olivar Bendelak Nossa Senhora das Dores e Poço Verde. de vida transformem o passado em um eterno presente. E, se o em 1994, no Rio de Janeiro, na Casa das Palmeiras, da Dra. Nise da
presente parece não sair do passado, seria ainda possível imaginar Silveira, no Hospital Psiquiátrico Dom Pedro II, com o grupo “As Prin-
Parcerias: Prefeituras: RJ – Macaé e Niterói; Sergipe – Aracaju,
Itabaianinha, Barra dos Coqueiros; São Paulo – Guarulhos, Santos, o futuro? cesas de Dom Pedro”, e depois no Hospital Psiquiátrico Jurujuba, com
Guarujá, Praia Grande e Governo do Estado de Sergipe.
Coordenação Editorial Bárbara Santos E nos casos em que a conexão com o presente parece destroçada, o grupo “Pirei na Cenna”. Experiências que levaram Augusto Boal e
Conselho Editorial Geo Britto e Helen Sarapeck
seria possível relacionar o passado da memória com o futuro da os/as Curingas do CTO a investigar se e como as formas delirantes da
Colaboradores Alessandro Conceição, Claudia Simone, Monique Rodrigues,
Ney Motta e Olivar Bendelak imaginação? arte (delírio artístico), poderiam ajudar a entender e a dialogar com
Projeto Gráfico e Edição de Arte Alexandre de Castro delírios patológicos. E se, também nesse contexto, a experiência
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
Revisão Português Selma Monteiro Correia
Ministro da Saúde José Gomes Temporão
A relação que temos com o tempo é construída a partir de expe- estética seria motor de transformação da realidade.
Revisão Espanhol Lorena Pastor Rubio
Tradução Espanhol/Português Martha Moreira Lima Coordenação Nacional Saúde Mental Pedro Gabriel Delgado riências práticas e condições objetivas. Violência, pobreza, abuso,
Tradução Inglês/Português Kátia Meiras de Vasconcelos Equipe: Karime Fonseca, Francisco Cordeiro, Tania Grigolo, Cristina solidão, falta de perspectivas... O mundo objetivo, internalizado, Entre 2004 e 2010, essa pesquisa foi aprofundada graças ao
Fotos Anik Pólo, Carola Pagani, Bárbara Santos, Bastien Viltart, Christoph Hoffman, Ana Ferraz, Tania Kolker, Mayara Santos, Karine Cruz, Taciane
torna-se subjetividade. compromisso de Multiplicadores que incorporaram o TO à atuação
Leucht, Flavio Sanctum, Geo Britto, Helen Sarapeck, Íris Oliver , María Laura Monteiro, Milena Pacheco, Rubia Persequini, June Scafuto, Márcia
Corvalan, Naldo Lourenço, Noélia Albuquerque, Andrea Mendes e arquivos: Totugui, Miriam Di Giovanni, Karine Cruz, Marcelo Kimati, Giselle Sodré, profissional, provocando mudanças efetivas junto com usuários,
CTO, GTO-Santo André e Metoca Kelly Costa e Silva, Renata Weber, Cleide Souza, Sâmara Rodrigues e Além disso, tempo é convenção social. Convencionamos viver familiares e outros profissionais.
Impressão Master Print Gráfica e Editora Ana Carla Mello num tempo simultâneo: o lugar social de SER. Temos que viver o
mesmo hoje, estar no mesmo agora para nos sentirmos e sermos Esta Metaxis apresenta experiências de utilização do Teatro do
considerados normais. Oprimido na Saúde Mental, no Brasil e no mundo, com resultados
terapêuticos, sociais, institucionais e políticos, a partir de encontros
Entretanto, nesse agora convencionado, muitas pessoas vivem criativos entre Ser e Não Ser.
outros tempos. Outros “agora” não reconhecidos. Pessoas que, simul-
taneamente, se relacionam com interlocutores presentes e com (as Notas:
vozes de) interlocutores não presentes, de um outro tempo/espaço. 1 Grupo em atividade.
2 Em outras palavras, se os delírios da atividade artística, exer-
Estes últimos são irreais para o (tempo convencionado) agora, mas cício saudável de criatividade, poderiam ajudar na relação com
os delírios patológicos, expressão de doença mental.
Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Primeiras Palavras

5 Primeiras Palavras Delírio! Delírio! Delírio!


Pinto sons, escrevo cores, declamo esculturas!
Do lixo, palavras, questionamentos, pedagogia
Possibilidade de sentir tudo que se toca
15 Brasil Adentro De ver tudo que se olha e estimular todos os sentidos

Sinto minha voz, ouço meu corpo, vejo minha mente


Minha visão de “raios X”
Atravessa preconceitos, visualiza transformação
34 Mundo Afora Minhas “pernas elásticas”
Ultrapassam barreiras, diminuem distâncias

Sociabilizo minhas descobertas


E, nas dos outros, percebo que o mundo sabe mais que o indivíduo
48 Ações Concretas De qual mundo falo com meus Neurônios estéticos?
Do “mundo adentro” ou do “mundo afora”?
Caminho “mundo adentro”, percebo “mundo afora”

54 Ponto de Vista
Delírio! Delírio! Delírio!
Delírio Estético que produz Arte
Que cuida e recria o sujeito
Pra doença mental: Médicos!
Pra saúde mental: Estética!

64 Canal Aberto Estética do pobre, do louco, das mulheres, do preso


Das Crianças, do ser humano negro
Liberdade de ser sujeito, verbo e não apenas adjetivo
De ser presente na ação do coletivo

69 Método Em São Paulo, pergunto ao usuário:


- E o Curinga, quem é?
Ele sem duvidar: - Um safado!
Quer matar o Batman, meu herói amado!

78 Estética Delírio! Delírio! Delírio!

Cachalote Mattos, cenógrafo profissional e consultor de imagem do CTO.

80 Glossário
M E TA X I S 5
Primeiras Palavras Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Primeiras Palavras

bólicas no seio de um grupo: ele mobiliza o mundo O teatro também torna possível esse jogo: um
subterrâneo, colocando em movimento a atividade roteiro se constrói a partir de fantasias, devaneios,
fantasmática através do corpo e da verbalização, é porém, uma vez colocado em cena, permite ao pa-
o seu próprio mundo interno que o ator coloca em ciente tomar distância com relação à sua própria
cena, dando-lhe forma no espaço e no tempo através criação, debilitando a certeza e introduzindo algo
da relação com o outro. da ordem de uma crítica.
Nessa perspectiva, podemos afirmar que a cria- Por outra parte, na representação teatral existe
ção artística constitui um modo não racional de uma dimensão de presença-ausência, que é perma-
conhecimento. No espaço teatral, um lugar deve ser nentemente convocada. Durante as improvisações,
deixado em aberto para que algo de mais opaco se os lugares, as pessoas e os objetos que evocamos
manifeste, que poderá ser retomado posteriormente, encontram-se ausentes, sendo apenas representados
em outro contexto. O espaço do teatro deve propor por um “suporte”: os outros participantes - que acei-
outra forma de linguagem que incorpore ritmo, cor- tam encarnar as personagens - e os objetos reais que
po, som. Ali se processa o redescobrimento do corpo tomam o lugar dos imaginários: uma cadeira pode ser
como elemento de linguagem, descobre-se também um cavalo. Nesta dinâmica de ausência e de presença,
que é possível vivenciar situações, personagens e que reenvia ao caráter paradoxal de toda atividade
lugares diferentes da realidade imediata. O teatro teatral, vai-se criar um circuito de representações

Teatro do Oprimido propõe um conhecimento da realidade que objetiva


transformá-la.
Quando propomos a atividade teatral no hospital
e simbolizações. O jogo permite a construção de
substitutos dos objetos ausentes e a sua apropriação,
oferecendo suporte à simbolização da falta.

em Eaubonne
psiquiátrico, uma questão foi a técnica mais ade- O que será que permite esta “entrada em jogo”,
quada para favorecer uma expressão livre e flexível, esta aceitação de que “isto é teatro, não é verdade”,
posto que não queríamos aprisionar os participantes este reconhecimento da existência de duas áreas bem
em um sistema demasiado rígido, como uma “mise diferenciadas, a área do jogo e a da realidade?
Cecília Boal, psicanalista. en scène” convencional de um texto. Escolhemos as A atividade teatral está sustentada por um con-
Foi em Eaubonne (Água Boa), localidade próxima a Paris, que uma colega e eu, técnicas do Teatro do Oprimido que estavam sendo junto de normas preestabelecidas sem as quais o jogo
finalmente, conseguimos convencer o diretor do hospital psiquiátrico a aceitar uma desenvolvidas na França em oficinas das quais eu deixa de existir. Trata-se de normas rígidas, dentro
oficina de teatro com os pacientes. Nossa prévia e longa peregrinação nos permi- mesma participava. Devido a minha formação tea- das quais tudo é permitido. Na improvisação, posso
tia constatar o quanto o teatro provocava resistência e medo no meio psiquiátrico tral, priorizamos as improvisações, mesmo conhe- inventar o meu texto, porém não posso abandonar
francês. cendo os riscos que a proposta representava. a personagem que me foi atribuída, uma vez que a
O espaço teatral estava simbolicamente representado com nossa chegada. Traba- O jogo teatral² necessita da articulação de dois aceitei. Ela tem um limite no tempo. Quando a im-
lhávamos duas vezes por semana, durante três horas, com cerca de vinte participan- planos: simbólico e imaginário. Quando um desses provisação acaba, abandono a minha personagem
tes, entre dezoito e trinta e cinco anos. O atelilê respondia ao desejo de investigar, planos se encontra comprometido, a capacidade de para tornar a ser eu mesmo. Todo mundo sabe,
particularmente com os pacientes psicóticos, as relações existentes entre criação jogo desaparece. Fazer de conta é diferente de fazer. como sabíamos, quando crianças, quando estávamos
teatral e processo terapêutico. O plano imaginário vai permitir, no momento do “brincando” e quando era “de verdade”. Trata-se de
Sabemos que o ato teatral pode ter, em certas condições, uma função catártica. ato teatral, um jogo completo com os significantes. um código antigo, que toma força de ritual. Quando
Como na tragédia grega: libertar os espectadores da “harmathia”, a falha trágica. O paciente psiquiatrizado parece carecer dessa pos- digo: “vou fazer teatro”, instaura-se um silêncio de
Sabe-se que, em Epidauro1 , os doentes - e particularmente os doentes mentais - eram sibilidade de fazer jogar os significantes. No nível teatro, um tempo de teatro, um espaço de teatro.
levados ao teatro com claro objetivo terapêutico. Em um espaço preparado, num dos da linguagem, tudo se apresenta como cristalizado, O teatro é algo sério, e eu já sei disso quando
lados do recinto, os doentes relatavam seus sonhos antes do espetáculo. petrificado, um significante colado a um significado. aceito jogar. Através do jogo, e apesar do que ele
Mas qual será o nosso objetivo hoje, quando utilizamos as técnicas teatrais: a Como se não houvesse possibilidade de transfor- tem de lúdico, algo grave acontece comigo, mobiliza
catarse ou a elaboração? O teatro tanto pode permitir a simples descarga emocional mação. A criação é aquilo que podemos imaginar as minhas emoções, as minhas lembranças, o meu
quanto a elaboração dos conteúdos que se colocam em cena, e é precisamente nesse a partir dos significantes. Podemos citar o exemplo corpo, por dentro e por fora. Minha boca fica seca,
último aspecto que consiste o seu interesse principal. de Freud, retomado por Lacan: “O gato faz au au, meu coração bate mais forte, posso tremer, ficar as-
Através de que meios o teatro permite a elaboração dos conteúdos inconscientes? o cachorro miau miau...” O riso se desencadeia a sustado, sabendo que me exponho ao olhar do outro.
O ato teatral supõe a criação de uma linguagem e de um sistema de relações sim- partir do prazer que causa esse jogo possível com os Meu corpo, olhado, se “faliciza”, minha palavra
significantes. ressoa e é escutada. No entanto, quando, em cena,

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Primeiras Palavras Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Primeiras Palavras

eu jogo de verdade, quando não “faço de conta”, do paciente desse lugar de cronicidade, que funciona participantes não fossem pacientes de um hospital, teve o estatuto de uma verdadeira suplência ou de uma
é para mim que eu o faço, embora a dimensão do como condenação. mera prótese? Posto que é função do diretor teatral dirigir, o que será que acontece quando o diretor se au-
outro nunca esteja ausente. Eu jogo para mim, entro O teatro pode-se revelar como instrumento eficaz senta, quando o ateliê acaba e os atores se encontram novamente entregues aos seus próprios fantasmas?
em contato comigo de uma maneira única, feita de no tratamento das psicoses na medida em que se Essa é uma questão que está no cerne do trabalho com pacientes psicóticos: o estatuto da suplência, a sua
prazer e medo, como nas brigas e no amor. oferece como suplência possível para a ausência da eficácia, a real possibilidade da sua existência como tal. Por isso, penso que, se o trabalho teatral é aconse-
O gozo do teatro inscreve-se também em um metáfora paterna, ausência específica da estrutura lhável num hospital psiquiátrico, ele não deverá ser realizado na ausência de um trabalho em equipe com
para além do gozo fálico. No entanto, a rigidez do psicótica, segundo a tese sustentada por J. Lacan ao os terapeutas que se ocupam dos pacientes. O teatro não pode tomar o lugar de outras formas terapêuticas
seu universo codificado permite a manifestação do longo da sua obra. Essa suplência se realiza através baseadas na palavra, mas, sim, funcionar como elemento que favoreça a emergência de um material a ser
pulsional sem autorizar o seu transbordamento. O do estimulo à criação, à manifestação do universo retomado e re-trabalhado no contexto de outro tipo de vínculo transferencial, diferente daquele que se ma-
teatro é um convite para o ato, nunca para a passa- interno do participante, de forma estética. O que pro- nifesta no momento dos ensaios.
gem ao ato. De fato, é muito raro - quase se poderia voca um duplo prazer: poder se expressar buscando O ateliê de Eaubonne me permitiu constatar, mais uma vez, a importância do teatro na sua vertente
afirmar, impossível - que se produza uma passagem dar a esses conteúdos uma forma que se integre numa simbólica, para além do caráter eminentemente imaginário que lhe é sempre prioritariamente atribuído. E
ao ato num ensaio teatral ou durante uma sessão de produção coletiva destinada a ser apresentada, ou ainda, com isso, confirmar, através de uma prática concreta, com uma surpresa sempre renovada e uma
improvisações. Esse primeiro elemento de contenção seja, a ser reconhecida pelos outros, oferecendo assim emoção muito forte, a importância da cerimônia, o poder estruturante dos rituais, posto que neles se encontra
funciona como barreira contra o gozo ilimitado: os a possibilidade de uma inscrição. O ato teatral cria inscrita a tentativa de dar resposta às questões mais enigmáticas e urgentes de todos os humanos - questões
rituais que precedem qualquer encenação. O ato um elo entre os participantes e, posteriormente, um de vida e morte -, que tentam organizar um sentido para que a existência não seja apenas um mero espelho
teatral é uma cerimônia. Atores se preparam para a vínculo com os espectadores que, de alguma maneira, despedaçado. ◘
cena, considerando-se “cena” qualquer espaço con- veem ali ser representado o conjunto da sociedade.
vencionado de representação; usam acessórios que Vimos como o teatro pode favorecer duas or-
indiquem mudança de personagem, às vezes também dens de “descolamentos”, nos planos simbólico e
com máscaras ou maquiagem. imaginário. No registro do simbólico, estimula a
O segundo elemento de contenção é o grupo. O possibilidade de um jogo com os significantes, rela-
teatro é, fundamentalmente, uma tarefa que devo tivizando a colagem entre significante e significado.
realizar com outros. O sucesso da representação Na improvisação, eu sei que sou eu, mas faço de
requer o concurso de todos, sem o qual esta se conta que sou um outro. É esse jogo que, a partir
desmorona. Essa exigência funciona também como do registro do imaginário, vai favorecer um desco-
barra de contenção do gozo, liberando o prazer do lamento no simbólico.
jogo. No teatro, o imaginário e o pulsional estão O teatro instala de imediato o ator no registro
rigidamente enquadrados por um universo simbólico, da metáfora. No registro do imaginário, o teatro
que funciona como garantia para que o meu desejo permite introduzir uma distância entre o paciente e a
possa se manifestar. personagem na qual se encontra cristalizado: aquele
Estas reflexões foram feitas a posteriori da ex- que não tem jeito, um ser depositado no hospital, Referências:
periência. Eu e minha colega tínhamos tanto medo talvez para sempre, oferecendo a possibilidade de BOAL, A. Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
quanto os psiquiatras que se negaram a nos acolher. encarnar outros personagens. LACAN, J. Le Séminaire, livre III, Les Psychoses. Paris: Seuil, 1981.
Medo de que o teatro convocasse nos pacientes mais O teatro nos permitiu imaginar pacientes levando ______. Le Séminaire, livre V, Les Formations de l’Inconscient, seminário inédito. Paris 1957-1958.
“loucura”, um “a mais” para além do que seria pos- uma vida possível fora do hospital, na medida em LECLAIRE, S. A la recherche des principes d’une psychothérapie des psicoses. Evolution Psychiatrique, Paris, n. 2,
sível suportar. Que liberasse demônios de maneira que não pensávamos neles como doentes, pensáva- 1956.
definitiva e descontrolada. No entanto, minha expe- mos neles como atores. Durante o tempo do ateliê, OURY, J. Thérapeutique institutionnelle. In: Encyclopédie Médico-Chirurgicale, “Psychiatrie”,1972.
riência como atriz já tinha me demonstrado que os tentamos ir ao encontro das pessoas, sem tentar co- PANKOW, G. L’homme et sa psychose. Paris: Aubier-Montaigne, 1969.
demônios gostam de teatro e convivem muito bem nhecer os diagnósticos sob os quais se encontravam STANISLAVSKI, C. Building a character. New York: Theatre Arts Books, 1949.
com as luzes da cena. classificadas nos arquivos do hospital. Esta forma de WINNICOTT, D.W. Jeu et réalité. Paris: Gallimard, 1971.
Qual seria a justificativa desse receio, desse medo utilização do teatro nos parecia adequada para tentar
de que, com os pacientes psicóticos, fosse diferente? favorecer a saída dos pacientes do hospital.
Qual a razão desse preconceito que encontramos No entanto, em que medida permitimos à doença
Notas:
em tantos lugares? Nosso ateliê nos ensinou que, no se manifestar? Não teríamos, ao contrário, sugerido 1 Epidauro: cidade da Grécia antiga, cujo anfiteatro era um dos maiores de seu tipo e de seu tempo.
teatro, todo mundo pode se autorizar a ser louco, o que ela fosse deixada no vestiário? Dito de outra 2 Neste texto, utilizo as palavras “jogo” e “jogar” no sentido do francês “jeu” e “jouer”, que me parecem mais adequadas que
que permite um descolamento, uma descristalização maneira: o nosso ateliê, que funcionou como se os “interpretar” ou “representar”.

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Primeiras Palavras Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Primeiras Palavras

mental em algum momento de sua vida. A Organi- mês, para criar algumas cenas de Teatro-Fórum.
zação Mundial de Saúde calcula que há cerca de 450 Uma delas foi sobre uma jovem chamada Stacey. Ela
milhões de pessoas no mundo que têm problema de cuidava de sua mãe, que tinha problemas de saúde
saúde mental. Praga da solidão e do isolamento da mental. Vimos Stacey sofrer abuso sexual por parte
mente ocidental. A saúde mental é uma preocupação do padrasto, vimos seu declínio em saúde mental, seu
global significativa. próprio filho ser levado aos cuidados das autoridades
Minha própria experiência com saúde mental locais. A história termina com Stacey preparada para
começou quando ainda era criança. Meu pai e dois assumir sua própria vida. Esse foi o cenário que mais
irmãos passaram um tempo em hospitais psiquiá- chamou a atenção dos espectadores. Não porque
tricos, como pacientes. Desde a adolescência, eu fui fosse o mais fácil de resolver. Pelo contrário, houve
um visitante regular dessas alas e participante de muitas reviravoltas na cena, que a tornou particular-
sessões de terapias em família. Mais tarde, enquanto mente difícil para o fórum resolver. Havia algo sobre
eles estavam no Manicômio, fui para a Faculdade a história dela que tocava profundamente as pessoas;
de Arte. e elas ficaram frustradas quando não encontramos
As drogas eram uma característica em ambas as uma solução. A obra chamou a atenção e provocou
instituições. Assim também eram a rotina, as ativida- uma profunda reflexão dos internos, sobreviventes,
des disciplinadas, o ambiente de clausura “liminar” psiquiatras e assistentes sociais. As conversas conti-
separado da vida cotidiana, o estímulo para refletir nuaram para além do teatro.

Dois Monólogos
sobre sua própria experiência, a adaptação do que é Os participantes ficaram entusiasmados com a
considerado socialmente ou esteticamente aceitável e experiência e a força do Teatro-Fórum. Eles queriam
a dificuldade de reintegração. A principal diferença: ir mais longe. Alguns decidiram que, em vez de exe-
eu estava lá por escolha; eles, não. cutar um projeto do Serviço Social, eles desejavam
O termo “sobrevivente” tem sido usado no setor formar sua própria companhia de teatro. Foi assim
de saúde mental do Reino Unido para se referir às que surgiu o grupo “Um em Quatro”. Esse nome
Tim Wheeler, diretor artístico e cofundador do grupo “Mind The Gap”. pessoas que passaram pelo sistema de saúde mental reflete a estatística que mencionei anteriormente. E
No final de 1980, eu trabalhava em um hospital de internação de pacientes psi- e conseguiram sair e viver para contar. O movimento também tem a ver com um declive gradual, como
quiátricos, no sudoeste da Inglaterra. Era uma grande instituição vitoriana situada “Sobreviventes” nasceu de um movimento de antip- um sinal de estrada no Reino Unido: uma montanha
na zona rural, distante da cidade mais próxima. Estava lá como artista de teatro siquiatria nos anos 1960. Este se desenvolveu nos alta para subir, como Sísifo, que foi condenado a
para trabalhar com um grupo de pacientes. Eu era recém-formado e achava que movimentos de “crítica” e “liberação” da psicologia empurrar um rochedo até o alto de uma montanha,
seria importante que o grupo compartilhasse a compreensão das origens do teatro. de hoje. Os sobreviventes são pessoas que se envolve- de onde o rochedo rolava colina abaixo, e Sísifo tinha
Comecei com uma palestra, falei sobre a Grécia antiga: ram com serviços de saúde mental voluntariamente de repetir tudo novamente, indefinidamente. Assim
“- No princípio, era o Coro; um grupo de pessoas cantando juntas ao ar livre. ou, algumas vezes, contra a sua vontade. Claro que, como a viagem de Sísifo, é a descida da colina que
Em seguida veio Thespis e separou uma pessoa do Coro. Esta passou a falar e todos no que tem a ver com saúde mental, as coisas nunca é mais importante, porque há tempo para refletir,
os outros a escutar. Naquele momento, o “monólogo” foi inventado. Monólogo é são muito claras. O termo sobrevivente é controverso falar e aprender.
quando uma pessoa fala e as outras ouvem. Será que isso faz sentido?” Eles concor- como também o são os termos Interno, Cliente, Usu- Os membros do “Um em Quatro” estavam an-
daram. Continuei. ário ou, mais comumente, Maluco, Lunático, Doido. siosos para desenvolver a história de Stacey e come-
“- Em seguida veio Ésquilo, e ele separou outra pessoa do Coro. E ambas co- O idioma torna-se uma maneira de rotular as pesso- çaram por desenvolver a personagem da mãe. Nós
meçaram a falar independentemente do Coro. Falavam em turnos. Então, como as: as que estão no poder – a quem Freud chamava “o percebemos que a questão talvez tenha surgido antes
chamamos isso, quando nos revezamos para falar?” Silêncio! Rostos sem expressão. bem infeliz” – usam tais termos para definir limites de Stacey nascer, como questões não resolvidas po-
Um homem, um paciente atrás do grupo, levantou a mão com hesitação e disse: para o que é sensato ou um comportamento razoável. dem acompanhar gerações. “Um em Quatro” seguiu
“- Dois monólogos?” Aqueles subjugados para experiência ou “cura” são levando o fórum através do Reino Unido. Em 1999,
Todos riram. Imaginei que o homem não havia me entendido. Eu gostaria que ele marcados pela sociedade. A rotulagem de loucura é o grupo participou de um simpósio internacional
respondesse “diálogo”. Mas talvez ele tenha levantado uma questão mais profunda. um ato ideológico. A loucura é política. de Cultura, Saúde e Arte, onde Augusto Boal fez a
Será que o diálogo realmente existe? Podemos estar em diálogo uns com os outros Em 1993, o “Mind The Gap” foi contratado palestra principal. “Um em Quatro” segue fazendo
através do teatro? Passei os últimos 20 anos tentando descobrir. pela autoridade em Saúde de Leeds para trabalhar teatro, embora não use mais o Teatro-Fórum.
Estima-se que 1 em 4 pessoas no Reino Unido experimentará algum tipo de doença em hospitais-dias psiquiátricos. Trabalhamos com A forma médico-psiquiátrica de ler a deficiência e
um grupo de oito usuários do centro, durante um a doença mental tende a promover a ideia de que é o

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Primeiras Palavras Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Primeiras Palavras

indivíduo que tem o problema. Loucos ou deficientes Às vezes, é um processo difícil, cheio de movimentos
mentais teriam adquirido seu distúrbio em virtude de ousados e grandes afirmações; em outras ocasiões,
um acidente ou teriam nascido assim. Esse modelo é um processo delicado, que necessita de uma nego-
médico tende a ver a deficiência ou a doença mental ciação sensível.
como uma tragédia pessoal. Após alguns fóruns, eu fico com uma sensação
No Reino Unido, o movimento de sobreviventes desconfortável de que me envolvi com monólogos
defende uma outra perspectiva, um modelo social, interligados. Ocasionalmente, tenho vislumbrado
no qual se considere as estruturas e o indivíduo na momentos de verdadeira mudança. São momentos de
sociedade para que se perceba essas estruturas po- verdadeira beleza. Agora eu desejo saber se é possível
bremente projetadas e os serviços prestados como ir mais longe. Uma vez que estamos em diálogo, é
o problema, e não as pessoas. A saúde mental vista possível ir mais à frente com uma conexão mais
através da lente social torna-se uma conseqüência profunda, para comungar com outros através do

A Política Nacional
de forças sociais opressivas; uma resposta sã para teatro? Não de uma maneira mística, mas, sim, de
um mundo louco. As pessoas doentes unem-se forma que nossos pensamentos e sentimentos estejam
em uma campanha contra a segregação forçada e juntos, partilhando a força. ◘
o tratamento abusivo. Esse movimento busca um
modelo social de liberação da opressão social. Essa
forma está mais sintonizada com os componentes do
Teatro do Oprimido.
de Saúde Mental, os CAPS
Nos últimos anos surgiu a necessidade de uma
terceira forma de pensamento crítico sobre a lou-
cura. Não um modelo como tal, mas uma maneira
e o Teatro do Oprimido
de pensar que coloca a ideia de cultura e diferença
cultural no contexto, junto com outros fatores. Os Pedro Gabriel Delgado, coordenador Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde de
efeitos dessa nova forma de pensar têm levado as 2000 a 2010 e Professor de Psiquiatria da UFRJ.

pessoas a se concentrar no significado e no valor da


loucura dentro de um contexto cultural, em vez de A Reforma Psiquiátrica Brasileira tem gerado intensos debates sobre o modelo de
centrada no aspecto médico ou nas condições sociais atenção em saúde mental no país. Nos últimos anos, num contexto de avanços políti-
que envolvem a pessoa deficiente. Temos visto o cos e assistenciais, os desafios se ampliaram e se tornaram ainda mais complexos.
crescimento do movimento “Orgulho Louco”, que As práticas de atenção psicossocial na comunidade estão no centro das preocupa-
promove o orgulho da identidade e celebra a contri- ções, assim como a ampliação do cuidado para grupos específicos – como crianças,
buição original para o mundo. Essa visão é crucial adolescentes e usuários com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas
para as construções médica e social e vê a liberação –, os determinantes sociais da saúde e as novas exigências políticas e éticas para um
da opressão como uma etapa necessária em direção novo modelo de cuidado.
à participação cultural. É mais sobre uma questão Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde mental de base
estética do que um efeito médico ou social; sobre uma territorial, que têm como missão garantir o acesso e o cuidado em saúde mental na
experiência compartilhada, paixão e compaixão. comunidade, tornando-se referência para a população com necessidades de cuidado
Com todo o trabalho do “Mind The Gap” nosso em saúde mental. Constituem-se em dispositivos estratégicos para a consolidação
objetivo é fugir de problemas resolvidos com soluções do modelo comunitário e para a ampliação da responsabilidade pública brasileira
fáceis. Tentamos afastar as pessoas de um triângu- Notas:
1-Diretor artístico e cofundador do grupo “Mind The Gap”, na atenção integral da população.
lo dramático, que coloca a pessoa ou no papel de O processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira acompanha a tendência mundial e
com base no Reino Unido. Ele esteve envolvido na prática
opressora, ou de oprimida, ou de aliada. Desejamos do Teatro Oprimido por mais de 20 anos. “Mind The Gap” as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se destaca no continente
ajudar as pessoas a descolar-se, a estar em diálogo, trabalha com a aprendizagem das pessoas com deficiência e
americano pela reorientação do modelo assistencial, que tem promovido o desloca-
sim, mas indo mais longe, para comungar umas com internos e sobreviventes do sistema de saúde mental do Reino
Unido. Neste artigo, Tim Wheeler reflete sobre o trabalho da mento da atenção dos hospitais psiquiátricos para o cuidado comunitário das pessoas
as outras em um nível mais profundo. Isso significa companhia e pensa sobre o seu futuro. com transtornos mentais.
que a maioria dos nossos fóruns envolveu grupos 2-Instituto Nacional de Estatística (2001). A atual política de saúde mental instituiu outros dispositivos comunitários e de
que, no início, tinham perspectivas muito diferentes. 3-Organização Mundial de Saúde (2001).

12 M E TA X I S M E TA X I S 13
Primeiras Palavras Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Brasil Adentro

desinstitucionalização além dos CAPS. Dessa forma, Saúde da Família (ESF); a qualificação e avaliação
constrói uma rede integrada de ofertas de cuidado e permanente das ações de saúde mental, bem como
não apenas um único lugar para a atenção em saúde o aprofundamento teórico e prático da clínica da
mental. Assim, essa rede também é composta por ou- atenção psicossocial, são desafios e responsabilidades
tros dispositivos e ações, como Serviços Residenciais da política de saúde mental, mas também são tarefas
Terapêuticos (SRTs), o Programa De Volta pra Casa e para muitos autores. As parcerias com as associações
o Programa de Reorientação Hospitalar (PRH), que de usuários, familiares e outras entidades da socie-
compõem o tripé da estratégia de desinstitucionaliza- dade civil são fundamentais.
ção da Política Nacional de Saúde Mental, que visa O Centro do Teatro do Oprimido tem sido desses
possibilitar a saída das pessoas com internações de interlocutores e parceiros efetivos que buscam contri-
longa duração para a convivência em comunidade e buir para a qualificação dos CAPS, colocando à dis-
o restabelecimento de seus direitos de cidadania. posição sua metodologia, o teatro, a arte, formando
Esses dispositivos de desinstitucionalização, jun- Multiplicadores, profissionais, usuários, familiares e
tamente com a implantação de leitos em hospitais a comunidade em geral, emprestando ao cotidiano
gerais, os CAPS, os Núcleos de Apoio à Saúde da institucional leveza e sensibilidade para cuidar.
Família (NASF) e o Programa de Saúde da Família Neste momento da Reforma Psiquiátrica Brasi-

Teatro do Oprimido
(PSF), possibilitam que a atenção em saúde mental leira, estas são parcerias fundamentais. Seguindo
se aproxime da população e dos territórios. a estrela de Augusto Boal, o CTO se coloca como
Essa trajetória, que é de expansão das ações e instrumento para a construção de possibilidades de

na Saúde Mental
serviços em saúde mental, nos compromete con- cuidado e de vida para outras pessoas. Os CAPS e a
comitantemente com a qualificação e efetividade Reforma Psiquiátrica Brasileira agradecem. ◘
dessas ofertas.
A integração dos serviços em uma rede de aten-
ção psicossocial; a articulação com as Equipes de
Geo Britto, Curinga do CTO e coordenador do projeto Teatro do Oprimido na Saúde Mental.

O movimento de saúde mental tem contribuído com que dialogar.


a democratização do Brasil, trazendo à tona a situa- Tanto no Brasil quanto no mundo, existe um pro-
ção do usuário de saúde mental como uma questão cesso de “patologização” da normalidade, ou seja,
eminentemente política. Assim surge o movimento da um discurso carregado de uma ideologia normativa
Reforma Psiquiátrica, que questiona o modelo clássico que utiliza um saber “científico” para transformar
e o paradigma da psiquiatria, ou seja, o modelo mani- singularidades em anomalias e atos espontâneos em
comial, que, com sua lógica excludente e autoritária, desvios. Isso leva à criação de regras sociais e normas
classifica usuários como sujeitos incapazes e não de conduta utilizadas para classificar, etiquetar e punir,
detentores de direitos. que, na maioria das vezes, não considera as particu-
Uma das propostas da Reforma Psiquiátrica é im- laridades do sujeito.
plantar uma rede de serviços territoriais de atenção O Centro de Teatro do Oprimido aceitou o desafio
psicossocial, como a dos CAPS , que trabalhe em rede de trabalhar mais sistematicamente na área da saúde
de forma comunitária. Mesmo sendo uma iniciativa mental em 2004, no Rio de Janeiro, com o apoio
fundamental, isoladamente, não provoca mudança de do Ministério da Saúde (Coordenação Nacional de
paradigma. Descentralizar e acabar com os grandes Saúde Mental). A proposta foi capacitar profissionais
hospitais é importante; ao mesmo tempo, não se pode como Multiplicadores do Teatro do Oprimido, para
ignorar que o modelo manicomial continua interna- facilitar, por exemplo, o enfrentamento de conflitos
lizado na subjetividade de profissionais, usuários, entre práticas manicomiais e antimanicomiais. Os
familiares e diversos segmentos da sociedade. Excluir cursos tiveram aplicação prática nas unidades, no
ainda parece mais fácil que cuidar, e bater, mais efetivo trabalho com usuários, familiares e profissionais,

14 M E TA X I S M E TA X I S 15
Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Brasil Adentro

com a produção de cenas sobre: a rejeição da carteira e, assim, nos fortalecemos. Um grupo de profissionais turas de funcionamento – deficiências e qualidades – e seus direitos”.
de gratuidade no transporte; familiares usurpadores de um CAPS-AD teatraliza a situação de um usuário seus processos democráticos: assembleias de usuários, Temos muito a caminhar, construindo diálogos
de benefícios, carência de medicamentos nos CAPS, de maconha fumando na unidade. A situação é ana- familiares e profissionais; supervisões internas; encon- estéticos, ensaios terapêuticos e produzindo trans-
discriminação, racismo, entre outros temas, mostrando lisada esteticamente. Quais alternativas? Como falar? tros de coordenadores e outras instâncias. Fora dessas formações políticas. O teatro é essencial não porque
como o Teatro do Oprimido poderia contribuir com o Como agir? Muitas cenas como esta foram teatraliza- instituições, através das cenas produzidas, mostra a seja melhor que outras artes, mas porque é a soma de
trabalho desenvolvido nessas instituições. das e debatidas em diversas unidades. loucura como uma experiência do cotidiano em es- todas! Usuários, familiares e profissionais podem se
A equipe do CTO começava sua aventura na saúde Por outro lado, quando um usuário cria uma cena paços diversos. Essa movimentação é muito facilitada apropriar dos meios de produção artística, não sendo
mental, trazendo novas questões, dúvidas, receios para e observa a si próprio, ele se vê refletido na sua Arte, quando se pode contar com o apoio das Coordenações apenas reféns de imagens, sons e palavras impostas.
serem teatralizados e analisados em seus laboratórios torna-se Sujeito da sua criação, recriando-se ao criar dos Municípios e as das Unidades envolvidas. Em diálogo com a sociedade, podem criar, inventar,
e seminários internos. Como teatralizar a “loucura” e sua obra. Boal dizia “a frase ‘Sou capaz de fazer isto... brincar com novos léxicos e construir um novo mundo.
Nesse processo, o projeto tem gerado políticas
buscar, junto com os Multiplicadores, as alternativas? no teatro!’ contém uma importante revelação: ‘Sou Mundo sem manicômios, com liberdade, democracia
públicas em alguns municípios. Conquistas que são
Como a arte poderia ajudar na construção de uma capaz de fazer isto!’”. Nas palavras de uma usuária: e beleza. O Teatro do Oprimido sozinho não muda
fruto de trabalho artístico e político do CTO, de
proposta não excludente, dialogal? “A personagem faz coisas que eu não seria capaz de nada. Quem provoca a mudança são as pessoas or-
Multiplicadores, usuários, familiares e coordenações.
Na segunda etapa, a experiência foi ampliada para fazer. Mas ela entra na minha cabeça e vai em frente ganizadas. ◘
Nas Conferências de Saúde Mental – municipais,
São Paulo, incluindo, além dos CAPS, os CECCOs e e faz. Depois, eu entro em mim e percebo que tenho
estaduais e nacional – de 2010, por exemplo, tivemos
UBS, trabalhando a saúde mental através de situações capacidade de fazer.” A usuária percebe estética e su-
do cotidiano do Agente Comunitário de Saúde. A par- bliminarmente – ou em plena consciência – que, se é profissionais, familiares e, principalmente, usuários Referências:
SUS de A-Z.
tir daí, o Teatro do Oprimido passa a ser incorporado capaz de representar uma Personagem, pode também como delegados. Como disse um deles, “o Teatro do Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/
pelos corpos – literalmente e metaforicamente – da integrar a Personagem, ou algumas de suas caracte- Oprimido desenvolve a voz, na hora da conferência sus_3edicao_completo.pdf
CAPS: Revolução Silenciosa da Saúde Mental – Pedro Gabriel
unidade não somente como oficina, mas também rísticas, à sua própria Personalidade. pode-se falar o que se está sentindo, falar da sua Delgado. Disponível em http://saudementales.files.wordpress.
com/2007/06/caps.pdf
como instrumento de análise e de ação para discussão O Teatro do Oprimido pode ajudar a descobrir vida, falar com capacidade de raciocínio e defender
do serviço em si. novos caminhos para solucionar velhos problemas.
Na última etapa, encerrada em 2010, além de São A metodologia não é uma caixa fechada, mas é viva
Paulo e Rio de Janeiro, ampliamos nossa ação para e se transforma com o diálogo cotidiano de novas
Sergipe. Os Multiplicadores formados nas etapas questões que surgem. A pesquisa da Estética do Opri-
anteriores participaram ativamente do processo de mido, por exemplo, revela novas perguntas e mostra
"Minha homenagem e gratidão a Geraldo Lopes
capacitação dos novos Multiplicadores, construindo que usuários, profissionais e familiares, além de fazer
(in memorium), meu pai, que me apoiou a fazer
junto com o CTO o programa de formação, apoiando teatro, podem também pintar, dançar, fazer música
o que mais gosto: arte e política e, por isso, se
nas visitas e se tornando referência local na relação e artes plásticas. O Teatro do Oprimido propõe a
tornou um parceiro do CTO."
com o poder público. Foram mais de 300 profissionais extrapolação: “o delírio cênico deve se aproximar,
capacitados. metafórica ou realisticamente, do real e nunca dele se
O aprofundamento da utilização da metodologia distanciar, para que a ele possa retornar e transformá-
vem sendo continuamente analisado teórica e esteti- lo” (Augusto Boal).
camente, tanto pela equipe do CTO, internamente, Por isso, não nos limitamos a temas relacionados
quanto pela equipe do projeto, junto com os Multipli- somente à saúde mental. Usuários, doentes, pacientes,
cadores. Há um diálogo permanente sobre o desafio portadores de necessidades especiais, profissionais e
de implementar o projeto como política pública, sem familiares são cidadãos com os mesmos direitos de
perder a dimensão do desenvolvimento artístico, e quaisquer outros, além de alguns direitos mais es-
buscar meios para mensurar os resultados práticos de pecíficos. É necessário teatralizar e discutir todas as
uma experiência ousada e complexa. temáticas que afetam nossa vida como seres humanos
Uma das riquezas desse projeto está no envolvimen- que somos. Racismo, trabalho, homofobia, opressão
to dos profissionais e no intercâmbio de conhecimentos contra a mulher, violência, entre muitos outros temas
sensíveis e simbólicos: de um lado, o Teatro do Opri- que nos interessam, são analisados. Não somos ape-
mido, com seus princípios metodológicos, e do outro nas da saúde mental, somos do mundo que queremos
as especificidades temáticas relacionadas aos saberes transformar.
ligados à saúde mental. O Teatro do Oprimido está dentro dos CAPS, UBS,
Dialogando, aprendemos e ensinamos mutuamente CECCOs e unidades de saúde, debatendo suas estru-

16 M E TA X I S M E TA X I S 17
Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Brasil Adentro

não precisam ser dos especialistas, dos acadêmicos; as respostas surgem da e sentação – segura, com intervenções da plateia – foi comovente.

Macaé - RJ
Guarulhos - SP
pela perspectiva deles e delas. Pela sua atuação transformadora, tornam-se Olhando as apresentações e conhecendo as pessoas que integram os
seus produtores e destinatários. grupos, vejo como os usuários podem se transformar, falar alto e interpretar
O número de Multiplicadores capacitados foi três vezes maior que o personagens complexos, sendo atentos, cuidadosos e negando tutela.
previsto. Formamos 21 grupos do Teatro do Oprimido com a participação Opinam sobre cenografia, constroem acessórios, criam cenas. Presentes,
de usuários e profissionais, com 13 ativos e os demais em maturação. A transformados, transformando. Vivos! Ocupando com responsabilidade e
supervisão dos grupos foi feita pelas 4 Multiplicadoras supervisoras e uma propriedade lugares sociais que são seus, reafirmando “Oprimidos nunca
Curinga do CTO. Tivemos 26 agentes comunitários de Saúde, 1 atendente mais!” ◘
SUS, 6 assistentes sociais, 3 auxiliares de enfermagem, 8 psicólogas, 3
educadores físicos, 3 terapeutas ocupacionais, 2 fonoaudiólogas, 2 auxiliares
administrativos, 2 enfermeiras, 1 arteterapeuta, 1 socióloga e 12 outros
profissionais.
Produzimos 20 peças de Teatro-Fórum, com 46 apresentações, entre
as quais: Dia Mundial da Saúde Mental; CARNACAPS; Dia Mundial do Teatro
do Oprimido, Dia Nacional de Luta Antimanicomial, Diálogos Cênicos, Se-
Eva Geslaine Medina dos Santos, gestora de Política
Municipal de Saúde Mental, Guarulhos/SP.
mana Municipal da Não Violência contra a Mulher, Semana de Combate a
Exploração e Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes, Semana Municipal Aracaju-SE
em Homenagem à Lei Maria da Penha e o destaque da II Mostra do Teatro Maria Luiza Quaresma, assistente social / gerente do
Em 2006, quatro unidades participaram do projeto Teatro do Oprimido
do Oprimido na Saúde Mental, lotando por dois dias o Teatro Adamastor, Programa Municipal de Saúde Mental, Macaé/RJ.
na Saúde Mental: CAPS Osório César, CAPS Tear, CAPS Álcool e Drogas e
de 700 lugares.
Ambulatório da Criança. Duas cenas foram montadas sobre “Mulher com Assistente Social que sou, acredito na ocupação dos espaços urbanos
A tessitura constituída e consolidada por gestores, gerentes, usuários e
transtorno mental aprisionada em casa por familiares” e “Mulher com e sociais por todos os cidadãos com a derrubada dos muros, por vezes,
comunidades cria novos tons e pontos de conexões. As opressões são deba-
anorexia que questiona os padrões de beleza e os caminhos de tratamento invisíveis, mas nem por isso mais fáceis de transpor. Mesmo com as novas
tidas em locais públicos: gênero, violências intrafamiliares, loucura, gravidez
para seu transtorno”. Começava assim o enovelamento entre o Teatro do políticas em saúde mental, devemos estar atentos ao perigo de retorno às
na adolescência, abuso sexual contra criança, entre outros. Na II Mostra,
Oprimido e os usuários e profissionais da Saúde Mental, uma dança com práticas manicomiais, ideia ainda viva na sociedade de que é necessário
houve uma Sessão do Teatro Legislativo com a peça “Cena de Casamento”,
passos ora coordenados, ora desarticulados. isolar para tratar, excluir para cuidar, processo de “limpeza” que ainda
que trata da violência doméstica contra a mulher, com 71 proposições que
Essa primeira fase resultou na articulação de profissionais que formaram persiste. O paradigma do “louco bom é o louco institucionalizado” e “lugar
resultaram em 5 principais eixos para Discussão de Políticas Públicas.
o Grupo TOGRU, com cinco mulheres que mantiveram acesa a LUZ do TO em de louco é no manicômio” ainda se faz presente.
Ampliamos as parcerias com a Coordenadoria da Mulher, Coordenadoria
Guarulhos: Rose, Miriam, Regina, Meire e Gilmara. A segunda fase do Projeto Meu primeiro contato com o Teatro do Oprimido foi há oito anos, num
da Igualdade Racial, Secretaria da Assistência e Cidadania, diversos Fóruns,
teve início em 2008, sendo prevista sua duração até 2010. curso de DSTs e Saúde Mental feito em Macaé, por Claudia Simone. Lembro
Redes e Organizações Não Governamentais. Ousamos ir além. Percebemos
Para nós, no município, colocou-se a necessidade de transformar um de chegar em casa cansada, mas animada, relatando os depoimentos, e de
as fragilidades e dificuldades que nos acompanham na difícil trajetória
Projeto em Política Pública, e para isso nos apoiamos na Missão do CTO – ter tentado guardar mentalmente as técnicas utilizadas nesse curso. O tempo
de transformar um projeto em política pública. No entanto, aprendemos Coletivo Gestor da REAP, Rede de Atenção Psicossocial de
Promover o fortalecimento da cidadania e a justiça social através do Teatro passou, e o Teatro do Oprimido ficou ali, no cantinho afetivo da memória.
com a Teoria da Flexibilidade que, frente a novos problemas, os sujeitos, Aracaju/SE.
do Oprimido, como meio democrático na transformação da sociedade; na Com alegria, presenciei o “retorno” do Teatro do Oprimido no trabalho
através de seus conhecimentos e indagações, constroem novas respostas
sua Visão de Mundo – de atuar para que as camadas oprimidas e margi- com profissionais da saúde mental em Macaé, dessa vez mais consolidado,
e possibilidades. “... Que a arte aponte uma resposta, e
nalizadas da sociedade se afirmem como produtoras de sua própria arte e com novas propostas de sensibilização e Multiplicadores capacitados.
Nesse período fecundo de ações conjuntas entre o Centro do Teatro que ninguém ouse complicar, pois é preciso
protagonistas de suas vidas; e nos seus Valores – Vida, Ética, Solidariedade, Nesse período, grupos foram criados nas diversas instituições, com variadas
do Oprimido e serviços, usuários e profissionais de Saúde, apoiadores e simplicidade para fazê-la florescer...”
Estética e Diálogo. Essas foram as primeiras compreensões que tivemos do apresentações públicas e eventos marcantes, além de um grupo de Multi-
amigos da Saúde Mental, população de Guarulhos e a Secretaria da Saúde, (Oswaldo Montenegro)
Teatro do Oprimido: profundamente singular, local, radicalmente humano. plicadores que assume a continuidade através da formação do Núcleo de
transformamos e fomos transformados.
Propomos que cada Sujeito seja um ator ou atriz e traga em si o ato de Teatro do Oprimido de Macaé. Em março de 2007, em Aracaju, houve um redimensionamento
Nasceu o Núcleo de Saúde e Cultura “Augusto Boal”, o grupo Mulheres
teatralizar, permitindo que todos atuem, transformem as suas opressões No evento Diálogos em Saúde Mental, sobre Teatro do Oprimido, importante no modelo de gestão em saúde mental, tendo como meta
em Ação, e o Teatro do Oprimido vai se consolidando nas unidades básicas
através de linguagens singulares, plurais, mas, principalmente, de forma houve apresentação de Teatro-Fórum. Poucas pessoas presentes, mas central produzir qualificação ao cuidado oferecido. Assim, investiu-se no
de saúde, nos CAPS, nas programações. Diálogos improváveis vão se
pública e coletiva. um vereador na plateia. No grupo de teatro, pessoas com diagnóstico de fortalecimento da diretriz da educação permanente, mediante a oferta de
estabelecendo.
Esse fato é o que nos tem permitido aproximar o Teatro do Oprimido transtorno mental severo e persistente. O que fizeram, como reagiram? capacitações, oficinas, encontros e, principalmente, construção de espaços
Chegamos a um novo ponto de partida. Os desafios são maiores. Hoje,
dos usuários da saúde mental – crianças, adolescentes, adultos e idosos; Apresentaram brilhantemente a cena. E mais: questionaram o vereador de interferência no cotidiano dos serviços, potencializando análises coletivas
em Guarulhos, somos muitos, ainda não milhares, mas já somos corações e
homens e mulheres com seus sofrimentos. Ao experimentarem o jogo, o com consistência, educação, pensamento lógico. Solicitaram direitos. Opa, de valores, saberes e fazeres e, desse modo, implementando e mudando
mentes de centenas. Acreditamos que estamos, através do Teatro do Oprimi-
lugar do outro, o contar sua história, a estética do oprimido, o diálogo, vão se não eram doidos? práticas.
do, construindo outras perguntas, outras formas de manifestações, em que
reconhecendo, percebendo seus corpos, seus imaginários, o estranhamento Conferência Municipal de Saúde Mental Intersetorial: na organização, Esse modelo de gestão, que supera a lógica centrada nas instituições
o teatro está no meio dos grandes grupos, de populações que geralmente
das suas opressões. Possibilidades de manifestar-se, o reconhecimento de sugerimos a apresentação do grupo Capazes, Iguais e Idealistas. Plateia de de atendimento, investe maciçamente no fortalecimento de ações que
não são reconhecidas como construtoras de cultura, das transformações
suas vivências, opressões, apontando novas possibilidades de respostas, 400 pessoas. O usuário Edílson fez chover numa regência linda! E a apre- extravasem os CAPS e que potencializem a produção de redes de cuidado
entre os opressores e oprimidos. O desafio continua... ◘
desencadeando processos internos e externos de mudanças. As respostas já

18 M E TA X I S M E TA X I S 19
Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Brasil Adentro

em saúde mental. Desse objetivo surge a parceria com outras instituições, como o Centro do Teatro do Oprimido. Assim, o município consolida a formação¹
de Multiplicadores em Teatro do Oprimido para trabalhadores de saúde mental da capital, bem como para outros de municípios do interior do Estado, a
fim de desenvolverem ações que busquem a transformação de demandas decorrentes do cotidiano do serviço e de suas vidas, utilizando o teatro como
manifestação artística e também como ferramenta de produção de vida.
Durante os dois anos do projeto, observamos aspectos importantes para a análise da gestão da Rede de Atenção Psicossocial. O projeto disponibilizou
uma nova e eficiente ferramenta de trabalho, que permite apoiar, debater e aprofundar as propostas da reforma psiquiátrica. Ampliou o olhar dos traba-
lhadores nas estratégias de apoio matricial, mediação de conflitos, planejamentos de serviços, proposição de grupos e oficinas especificas.
Em relação aos usuários, observamos a produção do protagonismo através de qualificação da assembleia dos serviços de saúde mental, maior implicação
no próprio tratamento, formação de grupalidade e aproximação de familiares não só do tratamento, como também dos eventos do Teatro do Oprimido.
O investimento em educação permanente que a REAP/Aracaju vem priorizando conquistou forte parceria com o projeto de formação de Multiplicadores
do CTO, sobretudo pelo caráter de reafirmar a sustentabilidade do SUS e da política municipal de saúde mental, utilizando a arte como uma ferramenta de
qualificação do cuidado. Por isso, essa relação precisa ser reiterada e ampliada para outros espaços da rede de saúde de Aracaju. Como diria Sérgio Sampaio,
a sensação desse coletivo gestor é de “eu quero é botar meu bloco na rua...”. ◘

Notas:
1 Formação de dois anos para os trabalhadores do CAPS Liberdade, CAPS Primavera (AD), CAPS Jael, CAPS Artur, CAPS David,
CAPS i, Programa de Redução de Danos, Residências terapêuticas, Referências ambulatoriais em saúde mental.

e chefias das diferentes unidades de assistência. A aplicação da técnica


Nosso processo
Santos - SP

centrada apenas naqueles técnicos capacitados talvez não conseguisse, a

pedagógico
priori, suprir o pouco conhecimento e o entendimento do custo-benefício
do tempo disponibilizado por eles para esse tipo de atividade, sendo in-
terpretado como se outros procedimentos entendidos como prioritários
no cotidiano da unidade fossem deixados “a descoberto”. A proposta, no
entanto, foi tomando força à medida que se passou a observar a adesão
dos pacientes à dinâmica e seus resultados: melhor socialização, melhora Yara Toscano, Curinga do CTO, gestora da ONG Mudança de Cena e integrante do GTO-São Paulo.
na autoestima, conseguir “suportar” melhor os limites para a fala e a escuta
de si mesmo e do outro.
Hoje, a coordenação entende que essa construção coletiva favorece O aprendizado do Teatro do Oprimido (TO) segue Experimentar o arsenal do TO é um passo funda-
novas e diferentes soluções para todos. Assim, reforça nosso intuito um ritmo próprio. Sua representação é uma árvore mental na proposta pedagógica de qualificação. Além
que se reproduz pela presença de um polinizador – o da leitura dos livros, é preciso experimentar o TO
de implementá-la institucionalmente, estendendo as oficinas a novos
passarinho multiplicador –, que pode um dia tornar-se para entendê-lo – de forma simbólica e sensível, para
técnicos e chefias das Unidades, implementando a supervisão técnica e
Curinga. ¹ A semente cai no solo, germina dentro da ter- perceber/entender o que suscita em nós e nos outros, o
Sandra Murat, coordenadora de Saúde Mental, na Secretaria agregando efetivamente outros elementos estéticos que venham aprimorar
ra. Apesar de não serem perceptíveis, as transformações que revela sobre relações sociais e como potencializa
de Saúde do Município de Santos / SP. o trabalho. ◘
internas ocorrem, e as percebemos quando despontam necessidade e desejo de mudança.
Em 2009, o Departamento de Especialidades e a Coordenadoria de Saúde na superfície. Pequena planta, frágil às intempéries do O passo seguinte é manejar esse arsenal, comparti-
Mental decidiram apoiar integralmente o projeto Teatro do Oprimido na mundo, já traz sua potência. Leva tempo para crescer lhar o aprendido, aplicar os jogos no trabalho prático
Saúde Mental, do CTO, e incorporá-lo formalmente como proposta nas e se fortalecer, seguindo etapas de aprendizado. Não com coletivos. Entender de outra maneira a lógica do
unidades CAPS. A Secretaria de Saúde do Município de Santos – SP, com essa adianta apressar. E como tudo que possui ritmo, às jogo e suas regras, se ater aos passos a serem seguidos,
decisão, demonstrou sua firme intenção de assumir a prática do Teatro do vezes, se descompassa. planejar oficinas em parceria. É sempre melhor que a
Oprimido como estratégia de política pública. A ação foi incluída no projeto Entre 2006 e 2010, no projeto Teatro do Oprimido multiplicação seja partilhada, em duplas ou trios que
terapêutico dos pacientes atendidos nas diversas unidades de assistência. na Saúde Mental, capacitamos cerca de 70 profissionais exercitem a reflexão do aprendizado e da multiplicação,
A definição de um espaço para reuniões do grupo técnico, ensaio e
– agentes comunitários de saúde; psicólogos; assistentes que planejem as estratégias de formação de grupos co-
apresentação das cenas (Seção Lar Abrigo ); o incentivo, ainda que “mí-
sociais; auxiliares de enfermagem; educadores; terapeu- munitários. Ensinar nos faz aprender, fixar e ampliar
nimo”, à organização de eventos; bem como a valorização do elemento
tas ocupacionais; fonoaudiólogas; auxiliares adminis- conhecimentos. A experiência prática potencializa o
musical inserido para incrementar a qualidade dos contextos representados
denotaram a motivação da gestão municipal em estimular a continuidade trativos; enfermeiras; arteterapeutas e sociólogas – para aprendizado intelectual e sensorial.
da proposta. se tornarem Multiplicadores do Método. Visões diversi- Na aplicação dos jogos, o Multiplicador é desafiado
A aceitação do projeto não foi fácil por parte de alguns profissionais ficadas: do mundo, da saúde e da saúde mental. a ampliar sua visão para enxergar o outro, os membros

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Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Brasil Adentro

do grupo. Sair do conhecimento do eu em relação para de jogos e técnicas que antecede essa fase é primordial mento para agregar o grupo, estimular e desenvolver a e avança para produções de conhecimento pautadas no
conhecer o outro em relação. É um processo investiga- para que a confiança e a exposição dos conflitos possam confiança, entendendo que a crise é parte do processo estudo da poética do Teatro do Oprimido, e no desejo
tivo, de descoberta sobre as pessoas: como interagem, acontecer de forma generosa. e pode se transformar em oportunidade. de compartilhar esse saber com outros aprendizes, de
como lidam com a linguagem teatral, como entendem Entre 2009 e 2010, em Guarulhos/SP, mais de 25 A apresentação externa, apesar de não ser obriga- investigar outras linguagens estéticas, de se articular
os jogos e a proposta do TO. Importante também é Unidades de Saúde conheceram o Teatro do Oprimido. tória para o grupo, é fundamental para o crescimento com outros grupos artísticos e políticos. O solo depen-
observar como outros Multiplicadores aplicam os jogos, Foram formados 21 grupos, beneficiando cerca de 320 do coletivo. A opção de apresentar para um grupo de do ritmo da fertilização, necessita da presença de
o que falam, como se posicionam, a escuta, a entonação participantes de todas as faixas etárias (a partir de 10 desconhecido é e deve ser sempre do grupo. O Mul- outros polinizadores e de tempo para a germinação,
da voz, os questionamentos para os participantes do anos) entre usuários e profissionais, com a produção tiplicador pode incentivar. Quando for feita a opção para que a pequena árvore cresça e se fortaleça. Não
grupo e da plateia. Aprendemos ensinando, continua- de 20 espetáculos de Teatro-Fórum, apresentados em pela apresentação, o Multiplicador avança em mais um adianta apressar.
mente. Esse é o fundamento da Maiêutica² no TO, que quase 50 eventos públicos, e de dezenas de obras da desafio: ajudar a construir e dirigir essa cena, ajudar a Boal nos dizia que a loucura é uma quebra de nosso
se utiliza de questões simples, direcionadas aos grupos e Estética do Oprimido – esculturas, pinturas individuais elaborar sua proposta estética e mediar essa cena na ritmo corporal e mental em relação ao meio social em
com a orientação de serem conjugadas no modo subjun- e coletivas, poesias, músicas. Cerca de 5 mil pessoas sessão de Fórum. Antes de apresentar a cena para uma que vivemos. Tudo que possui ritmo, às vezes, se de-
tivo. Dessa forma, aprendemos a perguntar, a ouvir e a tiveram contato com a experiência. plateia desconhecida, exercitamos o Fórum (o diálogo sequilibra para re-equilibrar. Assim é com o processo
perguntar novamente como método de criação. Trabalhamos também com profissionais e usuários, teatral) dentro do próprio grupo e em diálogos teatrais pedagógico do Teatro do Oprimido: nunca está pronto
Em seu livro A Estética do Oprimido, Boal expli- juntos, o que foi fundamental para a quebra de pre- com outros grupos. ou acaba quando termina. O tempo atua produzindo
ca: conceitos e o fortalecimento do aprendizado de como Na sessão de Fórum, “o inesperado” é elemento novos começos. ◘
O Teatro conjuga a realidade no tempo presente interagir com pessoas com sofrimento psíquico. Muitos essencial. As alternativas da plateia para transformar
Referências:
do modo indicativo – “Eu faço!” – ou no gerún- profissionais da atenção básica do município nunca o conflito apresentado criam abertura de participação. BOAL, A. A Estética do Oprimido. RJ: Garamond, 2008.
dio – “Estou fazendo.” A TV e a publicidade tinham convivido com usuários de um CAPS. Muito No caso de usuários da saúde mental, a introdução do
no modo imperativo – “Faça!” No Teatro do menos haviam compartilhado um processo criativo inesperado pode ser ainda mais marcante, pela forma Notas:
1 Curinga é um especialista no método do Teatro do Oprim-
Oprimido, a realidade é conjugada no modo com eles como seres humanos, em que suas funções não muito própria das opressões que representam. ido; artista com função pedagógica; praticante, pesquisador,
subjuntivo, em dois tempos: no pretérito imper- estivessem em jogo. Quando lidamos com populações Como Multiplicadores, além de experimentar os estudioso/a em constante processo de formação; e que ensina
aprendendo e vice-versa.
feito – “...e se eu fizesse?” – ou no futuro – “...e marginalizadas, nem sempre nos damos conta que cor- jogos e as técnicas, orientar participantes de grupos, 2 A Maiêutica Socrática é o momento do “parto” intelectual, da
se eu fizer?” remos o risco de também nos guiarmos pelo senso co- observar outros Multiplicadores em ação, observar os procura da verdade no interior do ser humano. Sócrates condu-
zia esse parto em dois momentos: levava os seus discípulos ou
No momento de escolher as histórias – as próprias mum e seus preconceitos. Entretanto, quando fazemos membros dos grupos, fazer a leitura da realidade local, interlocutores a duvidar de seu próprio conhecimento a respeito
de determinado assunto; em seguida, os levava a conceber, de si
histórias do grupo – para transformá-las em espetáculo, arte junto com esses grupos, percebemos que podemos aprender a questionar os participantes e a compartilhar, mesmos, uma nova opinião sobre o assunto em questão. Por meio
é fundamental ser maiêutico e conjugar no pretérito compartilhar de um saber/fazer, atentamos aos detalhes construir uma cena, criar imagens para ela e mediar um de questões, inseridas num contexto determinado, a Maiêutica
dá à luz ideias complexas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
imperfeito ou no futuro do modo subjuntivo. Quanto escondidos e óbvios – que, em outras situações, não po- Fórum, podemos ainda contribuir com a qualificação Maiêutica.
mais aprendermos a dialogar assim, mais permitimos demos enxergar - e construímos outro significado para de novos Multiplicadores.
que o grupo crie integralmente tudo que envolve a o que chamamos de “loucura”. O Teatro do Oprimido, Essa fase necessita de todo o aprendizado acumulado
construção de suas cenas. Como Multiplicadores, somos como um novo saber no sistema de saúde, democratizou
parte integrante desse grupo, criamos junto, compar- os saberes criativos entre essas pessoas.
tilhamos criações, mas, fundamentalmente, estamos As peças criadas em Guarulhos abordaram, na
compartilhando a criação dos outros. maioria, a temática de gênero: mulheres oprimidas em
Quando o Multiplicador dirige uma cena, deve ser hospitais psiquiátricos; oprimidas por gravidez indese-
maiêutico, saber que isso é fundamental para o apren- jada; agredidas por seus “companheiros”; isoladas pelo
dizado que nunca se desconecta da ação, da atuação, marido em virtude de seu transtorno mental; e explo-
do fazer e da práxis do trabalho. Essa é nossa utopia, radas e agredidas na infância. As peças possibilitaram
nosso horizonte, que avança na mesma medida em que a ampliação da discussão sobre opressão e violência
avançamos em direção a eles. Os ritmos do grupo e do contra a mulher no município. Em Guarulhos, a maioria
projeto vão indicar o tempo de criação de uma peça. O era de mulheres multiplicando. Nos grupos, a maioria
processo é tão importante quanto o produto. era de mulheres participando.
O processo de escolha de histórias é delicado, forte e O passo seguinte ao processo estético é a construção
gerador de crise para o grupo. É o momento de trabalhar de um produto artístico: transformar a história conta-
nossas dores ou as dores de outras pessoas. Momento da em espetáculo de Teatro-Fórum. Esse pode ser um
de exposição pessoal, necessário para gestar confiança momento de crise, para o grupo e para o Multiplicador.
e transformação. É escuta. A experiência no arsenal O/a Multiplicador/a é referência importante nesse mo-

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Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Brasil Adentro

aplicado em qualquer serviço, com adultos ou com ado- que ouvíssemos sua voz. Apesar de ainda não falar, não
lescentes. Os encontros mensais coordenados por Yara fica mais com as mãos no rosto, se comunica através
Toscano e a troca com Multiplicadores supervisores de do olhar e do sorriso, e isso faz com que percebamos o
Guarulhos reforçaram nossa confiança. que quer. E tanto se comunicou sensivelmente que até
Aproximadamente um ano depois ainda não está- arrumou um namorado.
vamos fazendo a oficina. Sabíamos da importância de Todos os usuários que participam do grupo tiveram
começar o nosso grupo, mas não tínhamos apoio da uma melhora significativa. E, com isso, o coletivo ga-
equipe e fomos adiando, até que um dia, conversando nhou força e se constituiu num grupo sólido, constituído
com um assistente social, fomos incentivadas e ganha- de amigos.
mos coragem para começar na semana seguinte. Em O dia do Teatro do Oprimido no Recriar tornou-se
reunião, anunciamos aos profissionais que poderiam um ponto de encontro para além do espaço de trata-
encaminhar seus pacientes; a princípio, os adolescentes, mento. Lugar possibilitador de convivência e troca, que
por não sabermos como seria trabalhar com crianças. combina responsabilidade e liberdade. Entre eles se
Na primeira oficina tivemos apenas um adolescente decidem em que horário chegar e o que fazer. O CAPSi
e dois profissionais. Aí, percebemos que sem o apoio se tornou um espaço de fortalecimento, autonomia e
da equipe seria difícil. Por isso, seguimos insistindo, o empoderamento. E a partir do grupo do TO, novas
que resultou no encaminhamento de mais adolescentes. ideias surgiram para os momentos coletivos, como o

A Potência do Eu, o
Como seria a aceitação dos usuários? Cine-Clube.
Uma paciente, ao vir para a instituição, tinha uma Hoje, o grupo do TO no CAPSi Recriar é entendi-
queixa de ansiedade que a fazia arrancar os cabelos. do como ferramenta importante no atendimento dos

Fortalecimento do Outro
A proposta foi atendimento semanal com a psicólo- adolescentes. É uma oficina aberta que tem, em média,
ga, mas a jovem não aderiu. Por isso, a estratégia foi 20 usuários e 7 profissionais, mas isso só se efetivou
encaminhá-la para nós, na tentativa de criar vínculo. quando nossa própria equipe passou a acreditar no
Nas primeiras oficinas, a jovem ficava sempre quieta; trabalho. Entendemos que é imprescindível o apoio da
Adriana Araújo , auxiliar de enfermagem e Monica Silva, auxiliar administrativa - multiplicadoras do CAPSi Recriar pouco participativa e muito desconfiada, fazia os jogos equipe de profissionais para a efetivação de grupos nos
somente quando convocada. Agora, a diferença é gran- serviços, pois são necessários o respaldo, a solidariedade
de: tornou-se mais participativa, aderiu ao atendimento e a crença na ação de formação para que a efetivação
No início de 2008, o CAPSi Recriar¹ integrou a 2006, nos apoiou e orientou nesse processo.
individual e fez novos amigos. da proposta seja possível.
capacitação do Teatro do Oprimido na Saúde Mental. A ida uma vez por semana ao grupo do Tear foi uma
Outro paciente que nos chamou a atenção foi O., Podemos dizer que esse é um exemplo de como o
Naquele momento, a maioria dos profissionais não acre- conquista, pois, apesar de a equipe de profissionais do
que caçoava dos colegas e dos jogos propostos, o que Teatro do Oprimido transforma a vida daqueles que o
ditava na potência desse método, por desconhecimento Recriar ter aceitado a proposta do projeto, sair acabava
comprometia o andamento do grupo. Então, proble- fazem, mas também é uma possibilidade de transformar
da proposta ou por medo do novo. A equipe achava que se tornando uma dificuldade, às vezes sentida por nós
matizamos sua postura com todos. Os outros jovens a instituição na qual está inserido e, consequentemente,
não funcionaria. Depois de muita discussão, aceitamos como falta de apoio. Muitas vezes ouvíamos: “Isso é
entendiam que, cada vez que caçoava de um colega, O. os seus trabalhadores, proporcionando um diálogo que
enfrentar o desafio. brincadeira”, “Será que isso vai dar certo?” ou “Como
dava permissão para que os outros também zombassem envolve conflitos, os quais, trabalhados de forma ética
De repente, nós duas, uma auxiliar de enfermagem assim, já vão passear de novo?” Além da descrença com
dele. Com o passar do tempo, o jovem passou a mostrar e solidária, podem ativar ações transformadoras para
e uma auxiliar administrativa, teríamos que formar relação ao retorno da ação do TO no serviço, havia
mais respeito pelo espaço dos outros dentro do grupo. todas e todos os envolvidos. ◘
e coordenar um grupo no CAPSi. Proposta absolu- também o conflito com o trabalho que já tínhamos
Mesmo depois de haver completado a maioridade e
tamente nova, uma vez que todos os outros grupos de fazer em face da alta demanda de usuários, o que Notas:
ter sido encaminhado a outro serviço de saúde mental, 1 O CAPSi Recriar é um serviço de atendimento psicossocial
tinham sempre a coordenação de técnicos, sejam se acentua com a ausência de uma profissional, o que
continua a vir à instituição nos dias de oficina. infanto-juvenil que atende crianças e adolescentes com transtor-
psicólogos(as), assistentes sociais, terapeutas ocupacio- dirá de duas. nos mentais graves e persistentes (São Paulo).
A. é uma paciente que não se comunica verbalmente
nais ou enfermeiros(as). Diferentemente dos Multiplica- Na primeira vez que fomos a uma oficina de TO, 2 “O jogo propõe que um ator vá até o centro do círculo e
com ninguém, a não ser em casa, com sua tia. Tem
dores do projeto, que foram capacitados em encontros estávamos apreensivas, era tudo novo. Até então, nossa exprima um sentimento, sensação, emoção ou ideia usando
sempre as mãos no rosto, numa postura de intenso somente um dos muitos sons da letra “a”, com todas as inflexões,
específicos, nós entramos em contato com o Teatro do experiência tinha sido apenas com crianças e adolescen- movimentos ou gestos com que for capaz de se expressar. Todos
retraimento e isolamento. Começou a fazer Teatro do
Oprimido, seus propósitos e objetivos, com os jogos e tes, e a capacitação seria feita em um serviço de saúde os outros atores, no círculo, repetirão o som e a ação duas vezes,
Oprimido e, numa oficina, no jogo “Quantos as”², tentando sentir também aquela emoção, sensação, sentimento
o Teatro-Fórum participando ativamente de um grupo mental com adultos. Como implantaríamos a proposta, ou ideia que originou o movimento e o som. Vários atores, um
nos surpreendeu. A. foi intensa em sua participação de cada vez, fazem novas propostas para a mesma letra. Depois
de usuários do serviço de saúde mental. Foi no CAPS se estávamos sendo capacitadas num grupo de adultos?
nesse jogo, procurando expressar-se com o grupo, e experimentam-se as outras vogais, em seguida palavras habitual-
Tear, onde Rose Almeida, Multiplicadora do TO desde Aos poucos, percebemos que o método poderia ser mente usadas e, finalmente, utilizam-se frases inteiras.”
percebemos que em um dos momentos ela quase deixou

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elas mesmas, famosas e visíveis à sociedade. Para aplicar toda vez que Eunice colocava o simples vestido branco
os jogos, era preciso mais tempo, as vozes lentas, às de seu figurino e dizia “sim” à sua colega de teatro,
vezes, trôpegas ou ininteligíveis que vinham dos efeitos que fazia o padre. Eunice feliz era apenas Eunice. Nem
dos medicamentos. Para quem via de fora, os olhares louca, nem sã, mas tão feliz nesses poucos minutos em
eram de um ritmo a se acostumar, ora lento, ora dinâ- que o Teatro lhe dava a possibilidade de realizar sonhos
mico. Ou nós nos adaptamos ou elas mudaram, só sei e destruir opressões. Por que não?
que depois de umas semanas essa diferença não existia, A Arte torna visível o invisível. Com o Teatro, Eunice
e nós alcançamos um mesmo jeito de falar, um modo tornou-se visível. Era a atriz em cena, não a doente, a
de olhar e um movimento ritmado em busca de contar velha, a torta. Ela dialogava seu texto decorado, andava
as histórias, tirar de dentro os personagens e vê-los nas os passos ensaiados na marcação do palco. Tinha o
cenas que nasciam de cada uma delas. Não as chamo olhar de quem é notada por outras pessoas. Encheu-se
mais de usuárias, têm nomes e nos chamamos por no- dos aplausos. A Arte é o canal, o artista possibilita o
mes: Claudete, Edite, Anita, Eunice... Mulheres. contato com um mundo que fragmenta os preconceitos.
Cada jogo parecia significar anos de desbloqueios. Surge a liberdade de ser tão humano em seus anseios:
Havia alegria em cada olhar, toque, som. O corpo inteiro, capaz, perfeito em si mesmo.
saindo do mecanismo obrigatório da normalidade. Preconceituosamente, às vezes eu falava assim
Corpo tolhido à base de remédios e acusações conjugais: “tatibitate” com as “Princesas”, como se elas não
“Você está nervosa, é maluca, toma seus remédios, entendessem a explicação do jogo. Aprendi a explicar

Princesas... Rainhas... não sabe cuidar dos filhos, não sabe lavar uma roupa,
só vive dormindo”. Eunice não podia se aborrecer ou
de maneira mais clara, afinal não tinha que florear e
encontrar palavras exclusivas. Aprendi também que

Loucas mulheres...
reclamar de alguma coisa que logo vinha o remédio, compreendem o mundo através da lógica do tempo: o
trazido e engolido com xingamentos que faziam sua remédio toma-lhes muito mais do raciocínio; agir ou
estima escorregar pelo chão do casebre onde morava, falar pode ser demorado para quem está sempre com
em Anchieta, bairro do subúrbio do Rio. A miséria pressa e usa medicamentos que os inibam. Os remédios
tem a ver com loucura? A miséria e a fome provocam dopam, mas os fantasmas continuam, apenas adorme-
Claudete Felix , Curinga do Centro de Teatro do Oprimido. loucuras? A pobreza cercava aquelas mulheres e seus cem, mas não se extinguem de suas mentes.
vestidos e sorrisos surrados... Para quem aguarda o outro chegar, devagar, só vale
“Um nome para o grupo? Que tal... ‘As Princesas de Dom Pedro’?” Eunice: marido violento, pais autoritários, família a pena... Eis o espetáculo com oito atrizes de um grupo
e vizinhos caçoando da “maluquez”, além da barriga cujo nome foi escolhido criativamente: “Claudete, nós
A ideia surge no Hospital Psiquiátrico Dom Pedro II, Engenho de Dentro, Rio de Ja- vazia e cheia de vergonha... Quem é normal nessa situ- somos as Princesas de Dom Pedro.” Eunice percebeu
neiro. Eu me surpreendo, nada falo, mas penso: “Que título inteligente para um grupo de ação? Ser normal é aceitar as regras sem questioná-las? meu espanto, viu meu queixo cair e eu me revelar ig-
mulheres usuárias de Saúde Mental.” Então, Eunice era louca, sim.... Seus sonhos? “Casar de norante sobre seu raciocínio. Ela, sabiamente, fica feliz
1994. Ano em que eu e Geo Britto trabalhávamos no Mandato do Vereador Augusto vestido branco, numa igreja iluminada, que o marido com sua descoberta e seu trocadilho divertido: tamanha
Boal. Entre outros projetos, o Teatro Legislativo. O mandato criara a lei sobre atendimento falasse baixinho e as pessoas não a olhassem como consciência e lucidez. Elas sorriram inteiras. Não, não
geriátrico obrigatório nas unidades de saúde da rede pública municipal do Rio de Janeiro. diferente”. eram apenas princesas, eram rainhas de reinado próprio
A lei veio de um grupo de terceira idade, que recebia atendimento nesse mesmo hospital. A peça de Teatro-Fórum teve como base as opres- e verdadeiro. Agradeço por me ensinarem a ensinar e
Dessa vez a direção do hospital queria utilizar o Teatro do Oprimido com usuários da sões de uma mulher que, por mais que se cuidasse, as aprender como aprender. Eu pensava o quanto o Teatro
saúde mental que, semanalmente, recebiam acompanhamento psicológico. O grupo era pessoas sempre lhe lembravam o quanto era esquisita, do Oprimido pode transformar a vida das pessoas,
formado basicamente de mulheres. Só as mulheres enlouquecem? Ou são as que se tratam anormal, diferente, incomum. No início, o casamento melhorar sua atuação no mundo. Na verdade, minha
mais? Muitas já ficaram internadas e, agora, após a alta, visitam semanalmente a unidade da protagonista que acreditava que seria feliz com o ho- maneira de ver em torno se transformou, e penso que
para receberem medicamentos e acompanhamento psicológico. A proposta era que o TO mem amado. Inesquecível o olhar radiante nos ensaios melhorei como pessoa. ◘
fosse uma injeção de possibilidades e um estimulante para mente e corpo. Um remédio
a mais? Qual posologia seria benéfica para tantos fantasmas? Aprendi com elas que as
pílulas não acabam com os tormentos, apenas adormecem os monstros e os gritos viram
sussurros. Além de provocar certa lentidão no ver, no sentir, no agir.
Entre jogos, exercícios e técnicas teatrais, as integrantes do grupo saíam da rotina da
casa, do trabalho e do hospital e podiam ser: rainhas, cantoras, mulheres outras que não

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Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
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a oportunidade de trabalhar o conflito que vivíamos teto nunca haviam conversado sobre o fato. Na cena, a

Tecendo Cenas, através de uma cena de Teatro-Fórum: dificuldades de


implantação da proposta no serviço.
Cena montada entre os Multiplicadores, fizemos
mulher oprimida na vida real fazia o papel da opressora,
ou seja, de sua irmã. A irmã foi assistir à apresentação
e fez uma intervenção, substituindo a oprimida. Ali,

Lançando Jogos, a apresentação, e eu estava curingando. No fórum,


algumas alternativas foram feitas, e dentro de mim,
no meio do saguão, as duas irmãs atuaram com seus
papéis invertidos, começando um diálogo trancado

Criando Ondas...
num crescendo, a vontade de experimentar uma al- dentro de cada uma.
ternativa. Eu curingando a cena e pensando: “Quero Após essa primeira apresentação, a participante do
tentar”. E quando já íamos mudar para a outra cena, projeto que vivenciou essa opressão disse-nos que foi
eu expresso: “Preciso tentar uma alternativa, pois como se um monstro tivesse saído de dentro dela, que
de conceitos e normas há tanto estabelecidas. efetivamente viverei essa situação amanhã”. Entrei na nunca conseguira tocar no assunto com a irmã e que
Na capacitação com o CTO, a sensação de que o cena no momento da reunião de equipe e expus minha ainda havia conflitos entre ambas, mas elas conseguiam
Teatro do Oprimido nos possibilitaria discutir questões angústia acerca da mudança, a sensação de atropelo, conversar e se entender melhor. O Teatro do Oprimido
que permaneciam silenciadas ou na subjetividade, rela- a necessidade de melhor organizarmos e planejarmos propõe que possamos dialogar com o outro.
tivas às estruturas de poder que excluem a participação, nossas ações! Silêncio, ninguém fala... Procuro firmar Hoje o CAPS II – Projeto Tear, com sua oficina de
à soberania de um saber técnico advindo de bancos nosso compromisso com os clientes quando combina- Teatro do Oprimido, é referência para o município e
universitários que, muitas vezes, contrapõe profissionais mos, o cuidado que devemos ter para não invertermos para outras oficinas dos outros serviços. Em julho de
“técnicos” a auxiliares de enfermagem, cozinheiros, aju- nossas prioridades. Na cena, vivenciei uma alternativa 2010, fui contratada exclusivamente para coordenar
dantes de limpeza, monitores de oficina, entre outros. e, no outro dia, na realidade, intervim. a proposta do TO na cidade. Possibilidades conquis-
Em sua ampla discussão acerca do poder em nossa Para meu espanto, reproduziu-se na realidade o que tadas, que contribuem para a efetivação do Método
sociedade, Foucault aponta para como a ética do cui- eu vivera na cena. Porém, na realidade, uma diferença como política pública da saúde mental no município
dado de si é prática de liberdade e cuidado com o outro: substancial: eu tinha uma aliada. No meio do silêncio de Guarulhos.
“aquele que cuida adequadamente de si mesmo, é, por da equipe, a fala da consultora clínica, que me ajudou Como desafios não cessam, pois estamos sempre na
isso mesmo, capaz de se conduzir adequadamente em a perguntar a todos sobre os desejos com relação ao caminhada, agora é momento de consolidação e busca
relação aos outros e para os outros”. No arsenal do Teatro do Oprimido no Tear, sobre a necessidade de de conhecimentos acerca da promoção cultural de saúde
Teatro do Oprimido, uma série de jogos e exercícios que nos comunicarmos, combinarmos e respeitarmos nossos que este movimento representa. ◘
Rosemeire de Almeida , coordenadora da Oficina de TO, CAPS II - visam à desmecanização do corpo, do olhar, da mente. combinados. Soube também na reunião que, inclusive,
Projeto Tear, Guarulhos-SP. Infinitas possibilidades de experimentar e conhecer o horário da oficina de TO já havia sido recombinado
nossos próprios limites e potencialidades. com os participantes sem meu conhecimento ou do
A proposta do Teatro do Oprimido no Projeto Tear Após a capacitação inicial, o desafio da implantação outro Multiplicador. Nós, que faríamos a oficina, não
teve início em 2006. De lá para cá, inúmeros desafios foi grande. A primeira ação prática foi tornar a equipe fomos sequer comunicados quanto à mudança, quanto
foram suplantados, e hoje temos a realidade de um conhecedora da proposta; para isso, uma oficina de mais consultados.
trabalho mais amplo e difuso na cidade de Guarulhos, apresentação com jogos, demonstração de Teatro- É essencial para um Multiplicador vivenciar a inter-
tanto nos CAPS como em serviços de Atenção Básica Fórum e a leitura do texto “A loucura no espelho”, de venção na sua vida real a partir do ensaio no Teatro-
em Saúde. Inúmeros são os profissionais envolvidos, Augusto Boal. Fórum. Com todas as letras, sons e imagens, pude dia-
tanto os de saúde mental (psicólogos, terapeutas ocupa- Se as palavras, sozinhas, nos confundem – quem logar com os participantes atendidos pelo serviço sobre
cionais, assistentes sociais) quanto agentes comunitários é normal, quem não: a loucura e o gênio, terapia a possibilidade de intervenção na nossa própria vida.
de saúde, atendentes SUS, auxiliares de enfermagem, e castigo – podemos usar outros instrumentos Vivi e atuei na minha realidade, podendo levar para a
auxiliares administrativos, entre outros. de diálogo como traço e cor, o som e o silêncio, mesa de discussão as relações de poder estabelecidas em
Quando surgiu a proposta do Teatro do Oprimido o espaço e o tempo – a Arte. nosso espaço de trabalho, os desafios do processo de
no Projeto Tear, a equipe não sabia muito bem do que se No entanto, mudanças e imprevistos no caminho implantação da reforma psiquiátrica e a necessidade de
tratava e qual era a perspectiva do trabalho no projeto. não faltam nos serviços de atendimento; agendas ousadia na busca de novas formas de cuidar.
Para enfrentar o desafio da Reforma Psiquiátrica, para cheias e conflitantes impingiram ao TO mudanças, e, A primeira cena do grupo “Tecendo Cenas” do
além da implantação de novos serviços, há que se rom- de imediato, a primeira oficina com os participantes do Tear contava a história de uma participante que ficara
per com a lógica dos manicômios, internalizada em cada projeto foi desmarcada. Angustiante momento gerou trancada por um mês dentro de sua própria casa. Sua
um de nós; há que se criar novas formas de cuidado para crise. Mas, se crise é perigo, é também oportunidade! E irmã, na ânsia do cuidar e proteger, a exilou. Anos após
que não trabalhemos em instituições totais reprodutoras como era semana de capacitação com o CTO, tivemos o ocorrido, as duas irmãs que moravam sob o mesmo

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Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
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Da Periferia para o Mundo Municipal, o cargo de Supervisor Técnico de Teatro do


Oprimido, magnificando e mostrando a importância
visão de mundo. Engajado na luta por um mundo mais
solidário, por uma política de Paz. Contra qualquer tipo
Armindo Pinto ¹ , diretor do Grupo Revolução Teatral e do GTO IAUNESP. dos resultados obtidos a partir das técnicas de Boal. de opressão. Teatro e ação política. Ação tida por muitos
No entanto, com a mudança de governo nas eleições como datada, mas, como dizia Boal, “enquanto houver
Reconhecido em todo mundo – e por muitos conside- um programa de formação de servidores, cujo objetivo de 2008, deu-se a extinção do programa, mostrando opressão, haverá Teatro do Oprimido”.
rado tão importante quanto Brecht –, Augusto Boal é o era estimular e ampliar a participação popular na gestão a que veio a nova administração. Mas a semente já Na Argentina, atuando na abertura do Encontro
único brasileiro nomeado Embaixador Mundial do Te- do município. Memorável foi, por exemplo, o Desfile havia germinado. E a prova, entre outras, é um gru- Internacional de Teatro Comparado, em Bahia Blanca;
atro pela UNESCO (2009), além de indicado ao Prêmio do Orçamento Participativo, em que formando alas, po que resolveu mostrar resistência e passou a atuar ou em Jujuy, no Encontro Latino Americano de Teatro
Nobel da Paz (2008). Vivenciou em Santo André, nos como em uma escola de samba, a população entregou sem a colaboração ou ajuda de órgãos públicos ou do do Oprimido (2010); no Uruguai, atuando e fazendo
anos de 1960, um dos momentos que o inspiraram na ao Prefeito Celso Daniel, simbolicamente, a Peça Or- terceiro setor, fazendo teatro como filosofia de vida: o formação de Multiplicadores, assim como em Pernam-
construção do Teatro do Oprimido: o trabalho desen- çamentária Popular. Revolução Teatral. buco e na Paraíba, atuando em feiras, escolas e sítios, o
volvido com metalúrgicos. Depois, fugindo das garras Várias Secretarias se utilizaram das técnicas do Tea- Formado por jovens da periferia mais carente da Revolução Teatral constrói sua história.
do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), ocupou o tro do Oprimido para a formação cidadã dos próprios cidade, proibido de usar as salas do próprio Centro Santo André recebeu a visita de mais de 30 pessoas
Teatro de Alumínio. Na década de 1990, após o exílio, servidores e para fomentar o diálogo administração x Comunitário em que nasceu, o grupo passou a ensaiar de vários países para conhecer esta experiência tão al-
retornou à cidade para desenvolver um projeto junto ao população. A partir daí formaram-se, além do “grupo na quadra esportiva desse mesmo Centro. Quadra dos ternativa quanto moderna. Fomos ao Senegal, a Cuba,
Poder Público, o Programa de Teatro do Oprimido, na mãe” protagonizado por servidores, grupos populares fundos, onde estão traficantes e usuários, além de Portugal, Uruguai, Argentina, Itália e Canadá como
Prefeitura de Santo André (1997 a 2008). de Teatro-Fórum. Durante 12 anos o programa atuou skatistas, ciclistas e outras tribos. Ali ensaiou, durante convidados, para mostrar a experiência andreense com
Quando eu disse a ele que a Câmara Municipal nas regiões mais carentes da cidade e também com dois anos e em meio a essa balbúrdia. Dali, seguiu para as técnicas de Boal. Jovens de favelas foram a alguns
queria lhe entregar o título de cidadão honorário, Boal pessoas com necessidades especiais, pessoas com sofri- um quintal, ou qualquer espaço onde fosse possível desses países levando nosso modo de fazer TO.
não se interessou pela homenagem. Mas, quando lhe mento psíquico, jovens em situação de risco, idosos e atuar, até ocupar, em 2010, um barracão comunitário Se nos dói a ausência de Boal, nos acalenta ver Jane
lembrei que ele citava Santo André pelo menos 12 vezes mães da periferia, entre outros. abandonado na Favela dos Eucaliptos. O grupo foi e Douglas, oriundos da favela, aos 18 anos, trabalhan-
na biografia Hamlet e o Filho do Padeiro, ele sorriu e Para se ter noção da importância dada ao Teatro do recebido de braços abertos pela comunidade, iniciando do e multiplicando a experiência do grupo; o rapper
disse: “Doze? Então eu quero esse título!” Oprimido na administração municipal, o prefeito João um trabalho com crianças, jovens e adolescentes, e tenta P.O. colocando Teatro do Oprimido em seus shows;
A partir de 1997, já no primeiro ano do governo Avamileno, sucessor de Celso Daniel, instituiu por lei, constituir um Clube de Mães. jovens oriundos do Revolução dirigindo grêmios es-
Celso Daniel, Boal e a equipe do CTO desenvolveram a partir da reforma administrativa enviada à Câmara Faz um teatro engajado na luta, para que cada um tudantis; alunos da rede pública fazendo trabalhos
perceba suas potencialidades, as quais ampliarão sua escolares usando o teatro de Boal e debatendo com os

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Brasil Adentro Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
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Cuidando do
professores questões da História do Brasil e não mais volvido por Boal, que permite que os atores façam
aceitando tudo pronto. Uma pequena revolução se faz todos os papéis, inclusive o de protagonista. Outra
na periferia. Daniela, Luciana, Rodolfo, Valter, Paulo, vez na contracorrente das regras da sociedade, nunca
Franciele, Marcele e tantos outros jovens e adolescentes escolhemos o “melhor” ator para ser o protagonista.

Cuidador
estão construindo e contando para o mundo uma nova Trabalhamos para que cada um seja protagonista. No
história de resistência, de fazer artístico, de criação, de palco e na vida. Característica do Teatro do Oprimido
crença em novos sonhos e possibilidades. Como Boal, é a construção coletiva, a escolha do tema a partir das
caminham na contracorrente, constroem um novo realidades do grupo, texto sempre construído a partir
discurso, pregam um novo modo de ver o mundo e de improvisações e do Teatro Imagem. Os oprimidos de
enfrentar seus opressores, a partir do teatro. qualquer classe social representam a si mesmos. Com
Em relação à estética, trabalhamos na síntese entre esses elementos, o grupo leva a sociedade à reflexão – di- Edna Francisca dos Santos e Vandeiziana Alves da Silva ,
o Método de Boal e o de Laban. Cada ator (pessoas vertindo como pregava Brecht – e vai além, procurando multiplicadoras do Teatro do Oprimido do CAPS de Itabaianinha/SE
que nunca ou pouco foram ao teatro) torna-se coreó- a transformação, como queria Boal, em sua crença no
grafo, autor, ator, diretor, Multiplicador. Se, para Boal, ser humano.
“qualquer um pode fazer teatro, até os atores” e, para Outra frente de atuação é o REVOLUNESP, junção O Teatro do Oprimido chegou a Itabaianinha¹, e eu
Laban, “os movimentos humanos são constituídos dos com o GTO IAUNESP (Instituto de Artes da UNESP), imaginei que iria realizar um antigo desejo, fazer teatro.
mesmos elementos seja na arte, no trabalho, na vida que procura derrubar os muros entre a universidade e Encenar uma peça de teatro como atriz. Logo percebi
cotidiana”, para o Revolução a síntese é o caminho a a favela. Os integrantes do grupo desenvolvem oficinas que, com o Teatro do Oprimido, meu sonho iria muito
ser pesquisado. com os alunos de Licenciatura em Teatro, os atores se além. Me descobri como orientadora do processo de
O Revolução Teatral utiliza justamente os movimen- juntam para apresentações, os alunos vão ao barracão, montagem de um espetáculo, e essa experiência me
tos espontâneos do corpo que interpreta fatos e opres- o Revolução vai à universidade. A realização de um fez evoluir como pessoa. Até então, não conhecia essa
sões do dia a dia de cada um como elementos para a Encontro Latino Americano de Dança e Teatro do minha potencialidade, não me imaginava capaz de ter
construção teatral. Com a busca pela dança que parte da Oprimido, que aconteceu na UNESP com organização o domínio de estar à frente de um grupo de pessoas o Teatro do Oprimido já trouxe para suas vidas. Um
espontaneidade, com o Método Laban e com o Teatro conjunta, foi o mais recente fruto dessa junção. oriundas de realidades tão distintas. exemplo singelo foi trazido por alguns deles, ao dizerem
Imagem de Boal, trabalhamos a reciclagem do corpo; Com um repertório de seis espetáculos, o grupo Começamos a trabalhar com usuários da saúde men- que, antes de conhecer esse teatro, só usavam roupas
a busca do corpo que atua na vida e no palco, com conquista autonomia. Enquanto dois componentes vão tal e depois também com seus familiares; quando vimos, escuras, sem vida, sem cor. Com a participação no
prazer. Não mais só o corpo vigiado, mecanizado para a Belém do Pará participar do congresso internacional até os funcionários estavam pedindo para entrar no grupo, perceberam que a vida sem cor é tristeza e, como
o trabalho repetitivo e para o sexo. Não mais a repetição IDEA, o restante faz a abertura de um Encontro Inter- grupo: “Eu também quero fazer teatro!” Por isso, nosso teatro é vida, adotaram cores vivas, alegres. As filhas de
do mito de Sísifo. Dessa maneira, jovens e adolescentes nacional de Educação Popular e ministra oficinas, sem grupo conta com a participação de gente tão diferente. uma participante solicitaram que não deixássemos sua
aprendem as possibilidades gozosas do corpo, criando a presença do diretor. Por incrível que possa parecer, às vezes, os familiares mãe sair do grupo, pois já sentiam o quanto ela estava
eles próprios as coreografias que estão nos espetáculos, Pelo segundo ano consecutivo, o grupo atua no pro- estão mais frágeis que os usuários. Mais incrível ainda melhor depois do Teatro do Oprimido.
compreendendo sua própria sensibilidade e ampliando jeto Se liga no Teatro, do SESC de Santo André. Jane e é constatar que, muitas vezes, são os funcionários os Agora, temos diversos familiares planejando trans-
as áreas de atuação enquanto humanos. Douglas, aos 18 anos, fazem formação de jovens da sua
mais sensíveis e necessitados de Teatro do Oprimido. formar outras histórias reais em peças de Teatro-Fórum,
Nas encenações, a provocação é o embate com a idade. Rodolfo e Wesley são assistentes. Prova inequí-
Essa conjunção tão particular na composição do grupo a fim de que alternativas sejam investigadas para a
cultura de massa e suas imagens vorazes e repetitivas, voca da capacidade do Teatro do Oprimido em formar,
é um dos fatores essenciais de seu sucesso. resolução dos problemas cotidianos que enfrentam.
que não permitem leituras, interpretações, fantasia e mais que artistas, atores sociais. Com o reconhecimento
Nossa apresentação na Conferência Municipal de Temos orgulho pelo reconhecimento recebido do
imaginação. Abolindo total ou parcialmente o verbo, profissional desses jovens, com a inserção no mercado
Saúde Mental conseguiu mobilizar quase toda a cidade. secretário de saúde da cidade, dos colegas de outras
a partir de partituras corporais, provoca o espectador a de trabalho, o ciclo se fecha. O que era sonho se trans-
Quem dizia que em Itabaianinha não tinha teatro, se cidades e também pelo reconhecimento que chega
“completar a imagem” e ter a possibilidade de uma leitu- forma em realidade: um trabalho que alia sobrevivência,
surpreendeu. Provocamos a discussão sobre Saúde Men- através dos diversos convites para nos apresentarmos.
ra polissêmica. A reflexão pelo lúdico. A fala do corpo. alegria e multiplicação... dos sonhos. ◘
Brecht, circo, poesia, rap e cultura popular, fazem parte tal muito além de suas fronteiras e também para além Temos orgulho de sermos Multiplicadoras deste projeto.
do repertório desenvolvido pelo grupo, lutando contra das fronteiras da cidade. Ninguém mais nos segurou. Através dessa experiência, podemos entender melhor o
a força destrutiva da TV e da cultura de massas. “O Participamos da mostra Teatro do Oprimido na capital que cada um passa em sua vida. Para compreender mais
Teatro escolhe, o Revolução acolhe”: assim, qualquer do estado e também da Conferência Nacional de Saúde e julgar menos. ◘
pessoa que chegue ao grupo é incorporado ao espetáculo Mental, na capital do país, debatendo com mais de 2
vigente, sempre com o constante debate e a procura da Nota: mil profissionais a política pública de Saúde Mental.
1 É aluno do 4º ano de Licenciatura em Teatro, do Instituto de Artes Notas:
compreensão do que deseja falar a peça. da UNESP. Foi coordenador do Programa de Teatro do Oprimido, da
Não imaginávamos chegar tão longe.
1 Cidade de 30 mil habitantes situada no sertão de Sergipe, Nor-
Outra característica é o sistema Curinga desen- Prefeitura de Santo André. Sua formação em Teatro do Oprimido se Os familiares contam com orgulho os benefícios que deste do Brasil.
deu com o próprio Augusto Boal e o Centro de Teatro do Oprimido.

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Esta experiencia alimentó mí creencia, deseo y com- jo e compromisso ideológico de mudar e transformar a
promiso ideológico de cambiar y transformar la reali- realidade. Acredito que o Teatro do Oprimido expande
dad. Creo que el Teatro del Oprimido expande nuestra nossa capacidade de nos relacionar socialmente e criar
capacidad de relacionarnos socialmente y generar puen- pontes para a transformação social, proporcionando
tes para la transformación social, proporcionando un um espaço onde podemos nos encontrar, nos ver em
espacio donde podemos encontrarnos, vernos en acción ação a partir de outro ângulo – estético, crítico, propo-
desde un otro ángulo -estético, crítico, propositivo y sitivo e dialógico –, e que nos permite refletir e projetar
dialógico- que nos permite reflexionar y proyectar el o futuro das relações de uma forma mais humana e
futuro de las relaciones de una forma más humana y coletiva. O TO nos estimula a abrir portas para traba-
colectiva. Nos estimula a abrir puertas para trabajar en lhar em comunidades que antes, por conta de um olhar
comunidades que antes, por haber asumido una mirada segregador, ficavam bem longe do nosso imaginário, de
social que segrega, quedaban lejos de nuestro imagi- nosso poder fazer. O TO propõe que nos vinculemos
nario, de nuestro poder hacer. El Teatro del Oprimido sensivelmente, na busca do comum na diferença, para
propone que nos vinculemos sensiblemente, buscando lo descobrirmos, através da arte, as relações opressivas e
común en lo diferente para descubrir, a través del arte, para dinamizarmos nossa capacidade de organização
relaciones opresivas y dinamizar nuestra capacidad de e luta por direitos.
organización y lucha por nuestros derechos. A prática do GTO-Rosario é realizada no Hospital
La práctica del GTO-Rosario es realizada en el hos- Psiquiátrico Abelardo Freire, instalado a mais de 60 km

Como Flores Como Flores


pital psiquiátrico “Abelardo Freire” que se ubica a más
de 60 kilómetros de la ciudad de Rosario y a varios de
da cidade de Rosario e a vários quilômetros da cidade
mais próxima, onde hoje estão internadas cerca de

en el Desierto no Deserto
la localidad más próxima. Actualmente se encuentran 400 pessoas. Internadas a milhas de distância de suas
internas cerca de 400 personas que están a kilómetros de famílias, provenientes em sua maioria dos setores mais
sus familias. Provienen en su mayoría de los sectores más empobrecidos da sociedade, com escassas possibilidades
empobrecidos de la sociedad, con escasas posibilidades de acesso ao mundo do trabalho e de espaços sociais
Fernando Adrián Ferraro, GTO-Rosario (Argentina). Fernando Adrián Ferraro, do GTO-Rosario (Argentina). de acceso al mundo del trabajo y de espacios sociales de de intercâmbio. De cada uma das dez habitações que
intercambio. De cada una de las diez salas que integran compõem o hospital, são poucas as pessoas que saem
En el año 2005 realicé una capacitación integral con Em 2005, realizei uma formação abrangente com el hospital, son pocas las personas que salen a caminar, para caminhar ou visitar outras áreas. A maioria passa
el Centro de Teatro del Oprimido en Río de Janeiro, o Centro de Teatro do Oprimido, no Rio de Janeiro, a vincularse con otros espacios. La mayoría desarrolla sua vida entre quatro paredes, com pouca atividade
Brasil, donde además participé en el intenso proceso Brasil. Participei do intenso processo de trabalho do sus vidas entre cuatro paredes, con poca actividad física, cultural ou intelectual. Sentadas em seus lugares,
de trabajo del grupo “Pirei na Cenna”, formado por grupo Pirei na Cenna, formado por usuários de Saúde física, cultural e intelectual. Sentadas en sus lugares, distanciadas das outras pessoas, passam os dias no
Usuari@s de la Salud Mental, familiares y simpatizantes Mental, familiares e simpatizantes da luta antimanico- distanciadas de los demás, estas personas pasan los días quarto sozinhas, cercadas por monólogos interiores,
de la lucha antimanicomial. La experiencia se convirtió mial. A experiência se tornou pedra angular no trabalho en sus espacios solitarios, con sus monólogos interiores, longe de quem possa lhes prestar atenção, estimular,
en piedra fundamental para el trabajo que desarrolla- que desenvolvemos com o GTO-Rosario,¹ no Hospital lejos de quien les pueda prestar atención, estimular, comunicar. Por quê? Quem são os responsáveis por
mos con el GTO-Rosario¹ en el “Hospital Psiquiátrico Psiquiátrico Abelardo Freire (Oliveros), desde 2006. comunicar. ¿Por qué? ¿Quienes son responsables de isso? Pode um ser humano desenvolver sua saúde mental
Abelardo Freire” (Oliveros), desde el 2006. Nesse processo, pude viver de perto o trabalho co- que esto ocurra? ¿Puede un ser humano desarrollar su nesse contexto?
En ese proceso pude vivir de cerca el trabajo colec- letivo e, também, a realidade dos seus membros e seus salud mental en este contexto? A aceitação de uma política continuada de empobre-
tivo, la realidad de sus integrantes y sus particulares particulares estilos de vida. Pude conhecer preconceitos La aceptación de una política continuada de empo- cimento e exclusão social do louco, do pobre, do negro,
modos de vida, así como conocer prejuicios y opresiones e opressões com os quais convivem diariamente, desco- brecimiento y exclusión social del loco, del pobre, del do agricultor, do diferente entorpece nossos sentidos,
con las cuales conviven diariamente. Fui descubriendo brindo, ao mesmo tempo, meus próprios preconceitos negro, del campesino, del diferente, adormece nuestros nossa capacidade de pensar e criar, nos isola, nos faz
al mismo tiempo, mis propios prejuicios y miedos in- e medos, incorporados de forma acrítica. Com a con- sentidos, nuestra capacidad de pensar y crear, nos aísla, cúmplices. A naturalização do isolamento – como pro-
corporados de forma a-crítica. Con el intercambio de vivência, o “fantasma de louco” – imagem produzida nos hace cómplices. La naturalización del aislamiento põe o manicômio – contribui para desmobilizar, gerar
experiencias, el ‘fantasma del loco’, imagen producida socialmente, limitadora de percepções e de relações – foi -como propone el manicomio- contribuye a desmovi- mais preconceitos sobre o sofrimento mental, deixar de
socialmente, limitadora de percepciones y relaciones, desmantelado em mim. Pude atravessar essa barreira, lizar, generar más prejuicios en torno al sufrimiento se ver no outro um semelhante com os mesmos direitos,
fue desmontada en mí. Pude cruzar esa barrera, hacer fazer explodir essa imagem, ver-me refletido em seus psíquico, a dejar de ver en el otro a un semejante con los deixar de olhar para ele, escutá-lo, senti-lo. Naturaliza-
estallar esa imagen, me vi reflejado en sus miradas, me olhares, vincular-me e sentir a dor dessa exclusão. mismos derechos, dejar de mirarlo, escucharlo, sentirlo. ção que propõe indiferença e morte.
vinculé con ell@s, sentí el dolor de esa exclusión. Essa experiência alimentou minha crença, meu dese- Naturalización que propone indiferencia y muerte. Dentro e fora do hospital convivem práticas que
Dentro y fuera del hospital conviven prácticas que sustentam a política manicomial junto com outras que

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sostienen la política manicomial junto a otras que in- tentam humanizar as relações a partir de uma política sos expresivos, posibilidades de escritura, de lectura, de possibilidades de escritura, de leitura, de memória, de
tentan humanizar las relaciones a partir de una política antimanicomial, a partir da qual nos posicionamos. O memoria, de movimiento físico; sus acciones y placeres movimento físico; suas ações e prazeres diários, suas dú-
antimanicomial, a partir de la cual nos posicionamos. El Teatro do Oprimido tem, entre seus objetivos centrais, cotidianos, sus preguntas, sus deseos. La constancia del vidas, seus desejos. A constância do trabalho e a partilha
Teatro del Oprimido tiene entre sus objetivos centrales a construção do diálogo como meio para encontrar trabajo, el compartir distintas experiencias consolida de diferentes experiências consolidam o entendimento
la construcción del diálogo como medio para encontrar alternativas às situações de opressão. Desenvolver e el entendimiento mutuo, nos ofrece matices. Hablar mútuo, nos oferecem nuances. Falar com cada um@
alternativas a las situaciones de opresión. Desarrollar y estimular a capacidade de diálogo é a nossa meta como con cada un@, compartir experiencias colectivas, nos e compartilhar experiências coletivas devolvem-nos o
estimular la capacidad de diálogo es nuestra meta como facilitadores do método. Por essa razão, o GTO-Rosario devuelve el espejo múltiple de los otr@s, nos permite espelho múltiplo dos outr@s, permitem que nos busque-
facilitadotes del método. Por esa razón, el GTO-Rosario propõe aprofundar as instâncias de diálogo entre os buscarnos en el otro, provocándonos movimiento. mos no outro, nos colocando em movimento.
propone profundizar las instancias de diálogo entre los diferentes atores da Colônia Psiquiátrica de Oliveros, Nuestra función es la de un buscador del ritmo que Nossa função é a de um pesquisador do ritmo que
diferentes actores de la Colonia Psiquiátrica de Oliveros a partir da metodologia do TO, para problematizar a nos haga danzar, de la palabra que nos nombra, del nos faz dançar, da palavra que é nome, do abraço que
a partir de la metodología del TO, para problematizar la realidade manicomial e criar espaços de intercâmbio e abrazo que tiene corazón. Somos referentes en nuestro tem coração. São referências em nossas ações: a atenção
realidad manicomial y crear espacios de intercambio y produção de saúde mental entre usuários, trabalhadores, accionar: la atención sensible, el afecto, la escucha, la sensível, o carinho, a escuta, a pergunta, a curiosidade,
producción de salud mental entre usuarios, trabajadores, familiares e comunidade. pregunta, la curiosidad, como guías para la dinami- como guias para a dinamização coletiva; a atitude para
familiares y comunidad. O isolamento leva ao confinamento e à imobilidade. zación colectiva; la actitud para trascender prejuicios, transcender o preconceito, as paredes institucionais,
El aislamiento nos lleva al encierro y a la inmovili- Criar espaços de diálogo é uma forma de intervir sobre muros institucionales, como impulso básico para co- como impulso para se comunicar e interagir com os
dad. Crear espacios de diálogo es un modo de intervenir o isolamento, uma maneira de atravessar medos e pre- municar e interrelacionarnos con otros; la visualización outros; a visualização de objetivos realizáveis, nascidos
el aislamiento, de atravesar miedos y prejuicios que conceitos que existem em torno do sofrimento psíquico, de objetivos cortos y realizables, nacidos y descubiertos e descobertos no vínculo para reforçar o intercâmbio; o
existen en torno al sufrimiento psíquico que separa que separam usuari@s de trabalhador@s, quartos, en el vínculo para potenciar el intercambio; el desafío desafio da construção coletiva e da organização solidá-
usuari@s de trabajador@s, cuartos, oficinas y el hospital escritórios e o hospital da comunidade. permanente de la construcción colectiva y solidaria para ria, para não sermos prisioneiros do isolamento.
de la comunidad. A criação de outros espaços, através da arte, está no ser presas del aislamiento. Trabalhando em uma sala com 54 idosos, homens e
La creación de otros espacios, a través del arte, está intimamente ligada ao nosso posicionamento objetivo Trabajando en una sala con 54 abuelas y abuelos mulheres (que vivem há mais de 40 anos a cronicidade
íntimamente ligada a nuestro posicionamiento objetivo e subjetivo, à nossa atitude de nos relacionarmos. O (que viven desde hace más de 40 años la cronificación de seu estado dentro da instituição), estimulamos que a
y subjetivo, a nuestra actitud para relacionarnos. El hospício despersonaliza cruelmente; nele não há espe- de su estado dentro de la institución), intentando que palavra circulasse para a apresentação de cada pessoa.
manicomio despersonaliza cruelmente; en él no hay lhos, nem olhares. Contar com outros que nos olhem, circule la palabra, buscando que cada cual se presente, Mas nem todos responderam à proposta, mesmo que
espejos, no hay miradas. Contar con otros que nos miren para os quais possamos também olhar, que nos ouçam me encontré que vari@s de ell@s no respondían a la pro- tanto colegas quanto enfermeiras não soubessem seus
y podamos mirar, que nos escuchen y podamos escu- e que nós possamos ouvir, que nos toquem e que nós puesta y que tanto sus compañer@s como enfermer@s nomes.
char, que nos toquen y podamos tocar es esencial para possamos tocar é essencial para a convivência e o no sabían cuales eran sus nombres. Com o passar dos dias, introduzimos música e ins-
la convivencia y el desarrollo humano. El manicomio, desenvolvimento humanos. O manicômio, através de Al pasar los días, llevé música e instrumentos musi- trumentos musicais. Muit@s que não haviam participa-
a través de sus prácticas concretas, destruye todos estos suas práticas, destrói os canais de vínculo. Nossa luta cales. Much@s de los que no habían participado hasta el do, finalmente, o fizeram: cantando, dançando, batendo
canales de vínculo. Nuestra lucha desde el Teatro del com o Teatro do Oprimido é provocar o renascer de momento lo hicieron: cantando, bailando, aplaudiendo palmas e esboçando um sorriso. Enquanto a música
Oprimido es hacer latir y renacer cada vínculo a través vínculos através dos múltiplos canais de expressão e y esbozando una sonrisa. Mientras la música sonaba, re- tocava, reconheci um movimento singular em uma das
de los múltiples canales de expresión y comunicación. de comunicação. conocí un movimiento singular en una de las abuelas: al senhoras: ao som da música espanhola, ela dançava na
Dentro de la lógica manicomial, la tendencia co- Dentro da lógica manicomial, a tendência diária é escuchar música española danzaba en su silla de ruedas, sua cadeira de rodas, sua posição quase rígida amole-
tidiana es pasar del silencio al grito, de la expresión passar do silêncio ao grito, da expressão reprimida à su posición casi rígida se ablandó, algo estaba pasando. cia, algo acontecia. Tentei falar com ela, perguntar-lhe
reprimida a la explosión. Por ello, considero necesario explosão. Por isso, considero necessário ampliar nossa Intenté hablar con ella, preguntarle qué había sentido, o que tinha sentido... Mas não houve resposta verbal.
amplificar nuestra capacidad de escucha, para reconocer capacidade de escuta, conseguindo reconhecer, tanto pero no tuve respuesta. Aquello quedó resonando dentro Fiquei com isso dentro de mim, procurando o que fazer,
tanto en el “grito” como en el “silencio” una expresión no “grito” quanto no “silêncio”, uma expressão mais de mí, empecé a buscar qué hacer, preguntándome como perguntando-me como incentivar esse movimento que
más sutil. Atender esas manifestaciones para poder oír sutil. É preciso atender a essas manifestações para poder estimular ese movimiento que había percibido. eu havia percebido...
la voz que traen consigo, ensayar otros pasajes, puentes ouvir a voz que eles trazem, ensaiando outras passagens, Decidí llevar las castañuelas de mi bisabuela al próxi- Decidi levar as castanholas de minha bisavó para o
y matices y convertirlos en nuevas formas para relacio- pontes e nuances para que essas não sejam as únicas mo encuentro. Al ofrecérselas, ella abrió lentamente encontro e oferecê-las. A tal senhora lentamente abriu as
narnos. Ingresar al trabajo desde un estado de atención maneiras de vínculo. Ingressar no trabalho a partir sus manos, levantó suavemente la cabeza, me miró por mãos e gentilmente levantou a cabeça, olhou para mim
especial, agudizando nuestros sentidos, nos llevaron a de um estado de atenção especial, aguçar os sentidos, primera vez, empezó a tocar y a balbucear una can- pela primeira vez, começou a balbuciar e a tocar uma
descubrir puertas de acceso para la creación de vínculos leva-nos a descobrir acessos para a criação de ligações ción. Algo de su historia estaba poniéndose en juego. música. Algo de sua história, foi envolvente. Quando ter-
con l@s integrantes del grupo, inimaginables en una com os integrantes do grupo, inimagináveis em uma Cuando terminó de tocar me acerqué emocionado, la minou de tocar, fui animado, olhei, agradecendo a sua
primera instancia. primeira instância. miré agradeciéndole su música y le pregunté su nombre: música, e perguntei seu nome: “Erminia”, ela falou.
Buscamos fundamentalmente reconocer particulari- Buscamos reconhecer particularidades, modos “Erminia”, me dijo. Muitas vezes, mesmo trabalhando entre militantes
dades, modos de actuar y reaccionar. Reconocer proce- de agir e reagir. E reconhecer processos expressivos, Muchas veces, incluso trabajando entre militantes de da luta antimanicomial, pode-se acreditar que não faz

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la lucha antimanicomial, uno puede creer que no tiene sentido o que fazemos, que o “doente mental” internado
mucho sentido lo que hacemos, que el “enfermo mental” num hospital psiquiátrico não tem muitas alternativas
internado en un hospital psiquiátrico no tiene muchas de cura, de criar laços. Acho que esse pensamento é
alternativas de sanación, ni de generar lazos. Creo que devido a um olhar distante promovido pelas máquinas
este pensamiento es dado por una mirada distante, sociais excludentes. Um olhar com algum grau fora de
fomentada por las maquinas sociales expulsivas, una foco, que perde o detalhe, que não se concentra no que
mirada con cierto grado de distorsión, de pérdida de parece pequeno.
detalles, de no detenerse en lo pequeño. Aqueles que trabalham para o desenvolvimento
Quienes trabajamos por el desarrollo humano, humano devem saber que cada gesto é valioso, cada
sabemos que cada gesto es valioso, cada experiencia experiência deixa uma marca indelével e imensurável.
deja huellas imborrables e indimensionables. Por ello Por isso, grande parte da nossa atuação é dedicada a
gran parte de nuestra acción, se dedica a recuperar, a recuperar, a valorar cada processo. Apostamos em man-
valorar cada proceso. Apostamos por seguir sembrando, ter a semeadura, rachaduras das paredes, a unir forças
agrietando muros, uniendo fuerzas para transformar para transformar qualquer espaço de confinamento
cualquier espacio de encierro en un espacio para el em espaços para o diálogo. “A arte é o caminho”, Boal
diálogo. “Arte es el camino” propone Boal en su último propõe em seu último livro A Estética do Oprimido...
libro “La Estética del Oprimido”... como flores en el Como flores no deserto, a expressão humana se mani-
desierto, la expresión humana se manifiesta sorpresiva festa surpresa e forte dentro dos muros que propõe o
y contundente dentro de los muros que propone el ma-
nicomio. ¡Abre, toca, moviliza y alegra! ◘
asilo. Abre, toca, movimenta e alegra! ◘
La mirada O olhar
Nota:
1 Grupo que desde 2006 se dedica à pesquisa, produção, multi-
plicação e difusão da metodologia do Teatro do Oprimido, da
cidade de Rosario.
Nota:
1 Grupo que, desde 2006, se dedica à pesquisa, à produção, à multipli-
cação e à difusão da metodologia do Teatro do Oprimido, na cidade
de Rosario.
de Alex de Alex
Contato: gto_rosario@yahoo.com.ar , www.gtorosario.com.ar Contato: gto_rosario@yahoo.com.ar , www.gtorosario.com.ar
Antonio Masegosa, diretor artístico Pallapupas – Barcelona / Espanha Antonio Masegosa, diretor artístico Pallapupas – Barcelona / Espanha

Nadie sabe donde se perdió esa mirada, pero todos Ninguém sabe onde foi que esse olhar se perdeu,
intentamos que vuelva. Durante los dos años de trabajo porém todos tentamos que volte. Durante os dois anos
con Alex desgasté mis pupilas clavándolas en las suyas de trabalho com Alex, desgastei minhas pupilas cra-
para intentar conseguir una mínima respuesta, no fue vando-as nas dele, para tentar conseguir uma mínima
nada fácil. Sin embargo, hoy día Alex confía en ciertas resposta. Não foi nada fácil. No entanto, hoje em dia,
miradas y a menudo puede sorprenderte levantando Alex confia em certos olhares e frequentemente pode te
sus ojos, siempre distraídos, para clavarlos en los tuyos surpreender levantando seus olhos, sempre distraídos,
buscando una sonrisa o un gesto de aprobación. para cravá-los nos seus, buscando um sorriso ou um
Alex no sale de la clase de teatro sin darme un gesto de aprovação.
abrazo. Espera a que sus compañeros salgan de la sala Alex não sai da aula de teatro sem me dar um abra-
mientras remolonea dando pequeños paseos en círculo ço. Espera os companheiros saírem da sala enquanto
hasta encontrarme solo, entonces mira a su alrededor y disfarça, dando pequenos passeios em círculos até que
busca el momento para decirme tras un silencio nervio- eu esteja sozinho, e então olha ao seu redor e procura o
so y entrecortado por sonrisas: “Antonio, me gusta el momento para me dizer, depois de um silêncio nervoso
teatro”. Algunas veces incluso me mira sincero y sonríe, e entrecortado por sorrisos: “Antonio, gosto de teatro”.
entonces yo le correspondo y el se va llevándose el mejor Algumas vezes, inclusive, me olha sincero e sorri, então
de los aprendizajes, mientras yo me quedo disfrutando eu correspondo e ele vai embora, levando consigo o
del mejor regalo: la mirada de Alex. melhor dos aprendizados, enquanto eu fico desfrutando
Por esta y otras razones cada miércoles, durante do melhor presente: o olhar de Alex.
estos dos últimos años, mis pasos se han encaminado Por essa e outras razões, a cada quarta-feira, duran-

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desde el centro de Barcelona hasta el barrio de Sarriá te os últimos dois anos, meus passos se encaminham o tal vez de pena, nunca lo supe, interesándose por aquelas duas pessoas que chegavam e que, viessem pelo
para encontrarme con ellos. Un encuentro que surge desde o centro de Barcelona até o bairro de Sarriá para aquellas dos personas que llegaban, y que viniesen a lo que viessem, vinham de fora.
antes de llegar, que nace en mi mente al tomar el tren me encontrar com eles. Um encontro que surge antes que viniesen, venían de fuera. Nos mostrávamos amáveis e curiosos ao ver cada um
de cercanías que me dejará en este barrio de altas verjas de chegar, que nasce na minha mente ao tomar o trem Nos mostrábamos amables y curiosos al ver a cada dos que apareciam e que, rapidamente, faziam fila para
y grandes casas. Es por esto que el momento del tren se que me deixará nesse bairro de altas grades e grandes uno de los que aparecían, quienes rápidamente se nos cumprimentar, para nos amontoar de perguntas, en-
ha convertido en algo sagrado, ya que como un ritual, casas. É por isso que a viagem de trem tem se convertido ponían en cola para saludarnos, para acribillarnos de tre elas se tínhamos trazido chocolates, como era o caso
es el puente que me conduce de la lógica agotadora del em algo sagrado, já que, assim como em um ritual, é preguntas, entre ellas si habíamos traído chocolates, de Gemma. Era meu primeiro contato com a deficiência
día a día, a la libertad más sincera: las dos horas que a ponte que me conduz da lógica esgotadora do dia a como era el caso de Gemma. Era mi primer contacto intelectual, pelo menos em uma situação de um grupo
comparto con el grupo. Este momento de conexión dia à liberdade mais sincera: as duas horas que passo con discapacidad intelectual, al menos planteada en un de trabalho. No entanto, suas atitudes receptivas não
acaba cuando el pasillo de la estación me devuelve de com o grupo. Essa conexão acaba quando o corredor grupo de trabajo. Sin embargo, sus actitudes receptivas me pareceram tão distintas da dos pacientes de saúde
golpe al paseo de la Bonanova. da estação me devolve repentinamente para o “Paseo no me resultaron tan distintas a las de los usuarios de mental do hospital psiquiátrico Don José Dolores Fletes
Al volver a la luz anaranjada de la tarde mis sentidos de la Bonanova”. salud mental del hospital psiquiátrico Don José Dolores de Managua, onde passei por uma grande experiência
se predisponen a investigar en los túneles del convoy. Ao voltar à luz alaranjada da tarde, meus sentidos Fletes de Managua donde compartí una gran experien- com o Teatro do Oprimido, em julho de 2005.
Durante el camino hasta llegar a la residencia voy expe- se predispõem a investigar nos túneis. No caminho cia con el Teatro del Oprimido durante julio de 2005. Sentia-me seguro e sabia onde estava, por isso me
rimentando con los olores, las miradas de la gente que até a oficina, experimento odores, olhares das pessoas Tenía la seguridad y sabía donde estaba, por eso mostrava cauteloso porém disposto, com expectativas
deambula por las aceras, el sonido de las obras e incluso que perambulam pelas calçadas, o som das obras e, me mostraba cauto pero dispuesto, expectante pero porém decidido, e, a julgar pelos risos de cumplicidade
imagino lo que esconden dentro de las altas verjas, las inclusive, imagino o que escondem as grandes casas de decidido y por las risas de complicidad que se nos que nos escapavam, creio que Eva tinha a mesma ati-
grandes casas. Al terminar de subir la calle empinada altas grades. Ao terminar de subir a rua empinada, me escapaban, creo que Eva tenía la misma actitud. De tude. Daquele dia mantenho nitidamente uma imagem
esquivando a mujeres perfumadas y niños con mochilas esquivando de mulheres perfumadas e crianças com aquel día mantengo nítidamente una imagen en la que na qual eles e elas aparecem pela rampa que dá acesso
de carro, aparece, como siempre destartalada, la casona mochilas, aparece, como sempre desorganizadamente, aparecen los chicos y chicas por la rampa que accede ao pátio, cumprimentando mesmo sem nos ver, distri-
de Albatros. o casarão de Albatros. al patio, saludando aun sin vernos, compartiendo buindo sorrisos diante de desconhecidos, que eram a
Si cierras los ojos puedes encontrarla guiándote por el Se fechar os olhos, é possível deixá-lo me guiar pelos sonrisas frente a desconocidos que como novedad ese novidade do dia. Mesmo assim, a confiança estava ga-
oído. Desde la empinada cuesta es fácil escuchar algún ouvidos. A partir da ladeira é fácil escutar algum remix día habían aparecido ante ellos. Aun así la confianza nha, vínhamos de fora dessa residência onde eles vivem
remix de gritos que se alterna con las letras musicales de gritos que se alterna com as letras musicais de Ca- estaba ganada, veníamos del exterior de esa residencia e onde se realizou este projeto de 2005 a 2010.
de Camela procedentes de las habitaciones más altas de mela, procedentes dos quartos mais altos da residência, donde ellos viven y donde se ha relizado este proyecto A programação dessa sessão estava direcionada para
la residencia, que a modo de las torres de las mezquitas que, como as torres das mesquitas muçulmanas, vão desde 2005 a 2010. “o conhecer”, descobrir até onde o Teatro do Oprimi-
musulmán, van resonando desde la radio de cualquiera ressoando no rádio de qualquer um dos usuários. Ao en- La programación de esa sesión se orientaba a “el do podia nos fazer viajar. Mostravam-se receptivos,
de los usuarios. Al ingresar, puedo descifrar como será trar, posso decifrar como será a sessão do dia, porque a conocer”, descubrir hacia donde podía hacernos viajar e propusemos um novo jogo em que todos podiam
la sesión del día, porque el revuelo del pasillo informa confusão do corredor informa aos gritos em que estado el Teatro del Oprimido. Se mostraban receptivos y participar. Apareceram imediatamente as primeiras
a gritos en qué estado se encuentran los habitantes de se encontram os habitantes da residência Albatros. se les planteó un nuevo juego en el que todos podían rejeições, as primeiras relações, os primeiros risos e a
la residencia Albatros. Após pegar o fichário de acompanhamento, pega-se participar. Aparecieron al instante los primeros re- tranquilidade de saber que eram capazes de enfrentar
Se recoge la carpeta de seguimiento, se toma la llave, a chave, cumprimenta-se seis ou sete pessoas no cami- chazos, las primeras relaciones, las primeras risas y la o trabalho teatral, de desfrutá-lo e de realizar tudo o
saludas a los seis o siete usuarios que te encuentras por nho e desce-se pela escada, quase hospitaleira, até o tranquilidad de saber que eran capaces de afrontar el que nos propuséssemos como grupo. Nesse momento
el camino y se desciende por la escalera casi hospitalaria andar de baixo. Atravessando corredores estreitos com trabajo teatral, de disfrutarlo y de realizar todo lo que os medos se acabaram: havia muito trabalho, era a
hasta el piso de abajo. Atravesando pasillos estrechos luzes brancas e armários frios, saímos para o pátio do nos propusiésemos como grupo. En ese momento los hora de se lançar, a partir do respeito, da paciência, do
con luces blancas y frías taquillas salimos al patio del ginásio, onde realizamos a atividade teatral. A maioria miedos se acabaron: había mucho que trabajar, era la carinho... A hora de se lançar.
gimnasio donde realizamos la actividad de teatro. En do grupo me espera na porta e pergunta ansiosa pela hora de lanzarse, desde el respeto, la paciencia, el cariño, Saber quem éramos: esse foi um dos objetivos que
la puerta me espera la mayoría del grupo que pregunta ausência de algum voluntário, por meu estado de saúde la hora de lanzarse. coloquei para mim claramente. Saber quem eram eles:
ansioso por la ausencia de algún voluntario, por mi es- ou por um furinho que descobrem no alto da minha Saber quiénes somos, éste era uno de los objetivos não queria me conformar com a leitura do relatório
tado de salud o por un pequeño agujerito que descubren camiseta. que me planteé claramente. Saber quiénes eran ellos, de cada um, que dizia: síndrome de Down, mentiroso
en el cuello de mi camiseta. Recordo que, no primeiro dia, entendi que este no quería conformarme con haber leído el informe de compulsivo, quarenta e dois anos, gosta de passear pelos
Recuerdo que el primer día entendí que ese lugar, lugar, apesar do caos, era o espaço onde queria traba- cada uno en el que decía: síndrome de Down, menti- parques, não pode comer sal por causa da pressão etc.
a pesar del caos, era el espacio donde quería trabajar. lhar. Enquanto esperava com Eva Hernandez – minha roso compulsivo, cuarenta y dos años, le gusta pasear Queria que eles mesmos se descrevessem, que me falas-
Mientras esperaba con Eva Hernandez, quien fue mi companheira durante o primeiro ano de formação no por los parques, no puede tomar sal por la tensión, etc. sem da sua família, de como chegaram a Albatros ou o
compañera durante el primer año de formación en el projeto ¿Y tú que miras? – iam aparecendo os partici- Quería que ellos se describiesen a sí mismos, que me que pensavam do seu trabalho, de dividir o quarto com
proyecto ¿Y tú que miras?, iban apareciendo los par- pantes do novo grupo, dando alaridos de alegria ou hablen de su familia, de cómo llegaron a Albatros o de três pessoas a mais ou o fato de não poder comer sal.
ticipantes del nuevo grupo dando alaridos de alegría talvez de vergonha, nunca soube, interessando-se por qué les parece su trabajo, el compartir habitación con Não podia me conformar com as caras descritas pelas

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tres personas más o el no poder tomar sal. No podía fotos dos relatórios, queria ver seus músculos faciais
conformarme con las caras que describían las fotos de ativos, sua expressão. Havia chegado o momento de
los informes, quería ver sus músculos faciales activos, acabar com os rostos da foto, com os estereótipos e com
su expresión. Eran tiempos de acabar con los rostros de personalidades que entram dentro de uma estrutura de
la foto, con los estereotipos y con personalidades que acompanhamento.
entran dentro de una estructura de seguimiento. Por essa e outras razões, incluímos a conversa inicial
Por esta y otras razones incluimos la conversación na dinâmica das sessões da oficina, para que pudessem
inicial dentro de la dinámica de las sesiones del taller, se expressar com liberdade, falar de si mesmos e dos ou-
para que pudieran expresarse con libertad, hablar de sí tros, falar sobre os problemas, as alegrias e as pequenas
mismos y de los otros, contar los baches, las alegrías y anedotas que ocorriam em sua vida durante a semana.
las pequeñas anécdotas que ocurrían en su vida durante Era isso que deveria ser contado ao público. De nada
la semana. Esto era lo que había que contar al público, serviria aprender textos complexos ou ser falsos Romeus
de nada serviría aprender complejos textos o ser falsos e Julietas, se não nos conhecêssemos primeiro.
Romeos y Julietas si no nos conocíamos primero. Dessa forma, comecei a trabalhar a deficiência e
De esta forma empecé a trabajar con el Teatro del a saúde mental com o Teatro do Oprimido. O sabor
Oprimido la discapacidad y la salud mental. El sabor daquela primeira sessão não me deixou dormir na-
de aquella primera sesión no me dejó dormir aquella
noche rara de octubre, por lo menos eso creo recordar.
quela noite estranha de outubro, pelo que me lembro.
No entanto hoje, cinco anos e meio depois do começo Teatro del Teatro do
Oprimido en Oprimido na
Sin embargo hoy, cinco años y medio después del co- desse projeto, continuamos contando nossas histórias
mienzo de este proyecto, seguimos sobre el escenario no palco. Histórias de dar inveja aos Montesquieux e
contando historias nuestras de las que los Montescos y Capuletos não pela magnitude da tragédia, e, sim, pela
Capuletos sentirían envidia, no por la magnitud de la
tragedia, sino por la sinceridad con la que este grupo
de chicos y chicas las cuentan. ◘
sinceridade com a qual este grupo de meninos e meninas
as contam. ◘ Guatemala Guatemala
Stephane Gué y Lorena Roffé , METOCA¹. Stephane Gué y Lorena Roffé , METOCA¹.
►Fotografías: Carola Pagani / Proyecto ¿y tú que miras? - T.O para ►Fotografias: Carola Pagani / Projeto ¿Y tú que miras? - TO para
personas con discapacidad intelectual. Barcelona pessoas com deficiência intelectual. Barcelona.
“Para participar en el taller es importante empezar “Para participar da oficina, é importante começar
por conocer ciertos derechos que tenemos: Derecho a por certos direitos que temos: direito a falhar, a ser
fallar, a ser tont@s, ridícul@s y fe@s. Todos aquellos bobos, ridículos e feios. O que evitamos na vida quo-
derechos que luchamos no existan en la vida diaria, tidiana tem o seu lugar aqui. Só fazendo valer esses
es importante se cumplan en el taller. Sólo haciendo direitos, poderemos explorar, refletir e criar”.
valer estos derechos podremos explorar, reflexionar Assim começamos as oficina de Teatro do Oprimido
y crear”. na Guatemala, país onde “direito” é palavra gasta,
Así comenzamos cada taller de Teatro del Oprimido que, muitas vezes, perde seu sentido. Trabalhamos
en Guatemala. Un país donde “derecho” es una palabra principalmente com população indígena e analfabeta,
gastada que pierde muchas veces su sentido. Trabajamos para a qual o espanhol é segundo idioma.
principalmente con población indígena y analfabeta Ao escutar “os direitos”, os olhares são de descon-
para la cual el español es su segundo idioma. certo, curiosidade e expectativa. Permitir-se falhar é
Las miradas al escuchar “los derechos” son de um primeiro passo: perder o medo de fazê-lo e, quem
desconcierto, curiosidad pero también tentadoras. El sabe, descobrir nesse ato de “falhar” uma maneira de
permitirse fallar como primer paso, perderle el miedo expressão. Expressar-se publicamente, para a maio-
y descubrir que tal vez en ese “fallar” se puede encon- ria das pessoas com as quais trabalhamos, não é algo
trar una nueva manera de expresar. Expresarse para la cotidiano. A capacidade de expressão é desvalori-
mayoría de las personas con las que trabajamos no es zada: “Não falam bem espanhol”... Foram silenciadas
algo cotidiano. Se ha desvalorizado esta capacidad – durante dezenas de anos, ensinadas a ser submissas aos
“no hablan bien español”-se las ha silenciado durante interlocutores e a deixar de lado suas opiniões sobre as

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decenas y decenas de años, y se las hizo sentir que coisas. Para elas, olhar nos olhos é algo extraordinário, tactriz logró enfrentar a “su padre” y explicarle que espect-atriz conseguiu enfrentar « seu pai » e explicar
deben comunicar lo que agrade al oído de quien escu- usar a voz com volume alto (fora das brigas domésti- negarle los estudios no la alejaría de un embarazo pre- que não deixá-la estudar não diminuiria a possibili-
cha, en lugar de la verdad. Mirarse a los ojos es algo cas) é quase impensável. Mover o corpo e expressar-se maturo sino lo contrario, y que ella no quería terminar dade de uma gravidez precoce, muito pelo contrário,
extraordinario, emitir sonidos en volumen alto (fuera com ele está fora do possível imaginável. como su mamá. El grupo de jóvenes indígenas tzutujiles e que ela não queria terminar como a sua mãe. Um
de las peleas domésticas) es casi impensable. Mover el “A arte” é de outros e outras. Dos “ladinos” (como y kakchikeles presentó como opresión la imposibilidad grupo de jovens indígenas tzutujiles e kakchikeles
cuerpo, expresar con él, está fuera del imaginario de são chamadas as pessoas não indígenas na Guate- de vivir un noviazgo en libertad en sus conservadoras apresentou como opressão a impossibilidade de viver
lo posible. mala). Dos ricos, os que têm acesso. Escutamos repe- comunidades. Lo común en estos casos es que el joven um namoro livremente em suas conservadoras comu-
“El arte” es de otros y otras, de ladinos (como se tidas vezes “Não posso” e lhes recordamos o direito y la joven, en general entre quince y dieciséis años, se nidades. O comum nesses casos é que os jovens entre
llama a las personas no-indígenas en Guatemala), de de falhar. Frequentemente, ao iniciar o trabalho (espe- escapan juntos una noche y a la mañana siguiente el 15 e 16 anos escapem juntos uma noite e, na manhã
ricos, de quienes tienen acceso. “No puedo” escuchamos cialmente com jovens de uma aldeia Kaqchikel inte- pueblo los considera “unidos” –equivalente a ‘casados’-. seguinte, o povo os considere “unidos” – equivalente
una y otra vez, y les recordamos su derecho a fallar. En riorana, conservadora e com um indígena com HIV), La niña se va a vivir a casa de sus suegros, se convierte a casados. A menina vai viver na casa de seus sogros,
más de una ocasión, al comenzar con un nuevo grupo a sensação é de estar propondo algo impossível. Nos en esclava –literalmente- de la suegra, debe dejar sus em escrava – literalmente – de sua sogra, deve deixar
(especialmente con jóvenes en una aldea Kaqchikel, deparamos com olhares esquivos para a parede, em estudios y generalmente está embarazada inmediata- os estudos e, geralmente, já está grávida. Dizem que é a
muy retirada y conservadora, y con uno de indígenas vez de olhos nos olhos, e com corpos detidos com a mente o al muy poco tiempo. Dicen que es la opción opção que encontram á proibição de relacionarem-se,
viviendo con VIH) la sensación es de estar proponiendo recusa em participar. Assim, compreendemos a impor- que encuentran a la prohibición de relacionarse, la otra a outra é o suicídio.
algo imposible. Encontramos miradas a la pared y no a tância de uma grande quantidade de jogos e exercícios, es el suicidio. Nas intervenções no Teatro-Fórum, observamos
los ojos de las personas, cuerpos cerrados y la negativa que acreditávamos ser excessivamente básicos para um Durante las intervenciones con el Teatro Foro, vimos muita dificuldade dos jovens em admitir seus dese-
a participar. Así comprendimos la importancia de una processo teatral “sério” e que, finalmente, foram o que mucha dificultad en los y las jóvenes de admitir sus jos. A primeira reação é “tem que ouvir os pais”, na
gran cantidad de juegos y ejercicios que creímos de- nos ajudou a avançar. Tentamos relaxar os corpos e os deseos. La primera reacción es “hay que escuchar a los realidade não fazem nada. Esse é o fenômeno: dizer
masiado básicos para un proceso teatral “serio” y que corações, jogar e atuar sem quase ter consciência de padres” cuando en la realidad, nadie lo hace. Ese es el o que se acredita que deva ser dito, e não o que se
finalmente fueron los que nos ayudaron a avanzar. Se estar fazendo isso. Assim, pouco a pouco, começamos fenómeno: decir lo que se cree que hay que decir, y no pensa. Então uma moça se atreve a intervir, a falar com
trató de aflojar cuerpos y corazones. De jugar y actuar a criar, desfrutar, refletir e denunciar. lo que se piensa. Luego alguna muchacha se atreve a os pais, e a situação avança, até que se depara com
sin tener casi conciencia de estar haciéndolo. Y poco Opressões. Primeiro tivemos que traduzir o conceito. intervenir, a hablar con sus padres, se avanza un poco uma nova problemática: quem decidirá finalmente se
a poco, como por arte de magia, comenzar a crear, Do contrário, seria incompreensível. Depois iniciamos en la situación, hasta que se encuentra una nueva proble- devem ter relações sexuais ou não, se fogem, quando,
disfrutar, reflexionar y denunciar. o processo em que começamos a explorar as opressões mática: quien decidirá finalmente si tendrán relaciones como e para onde. Será o namorado. A jovem não tem
Opresiones. Primero tuvimos que “traducir” el con- e a expressá-las lenta e cuidadosamente. Trabalhamos sexuales o no, si se escapan, cuándo, cómo y dónde. poder de decisão, e poucas se atrevem a dizer. De fato,
cepto ya que era incomprensible. Luego ir lenta y cuida- com diversos grupos e surgiram diferentes opressões Será el novio. La joven carece de poder de decisión y somente as que já sofreram isso o expressam. “É assim
dosamente hacia el proceso de explorarlas y expresarlas. muito embora tenha havido um elemento comum que éso, pocas se atreven a decir. De hecho, solo las que ya aqui”, nos dizem, com um sentimento muito mais
Trabajamos con diversos grupos, y las opresiones que nos chamou muito a atenção. lo han sufrido lo expresan. “Pero asi es acá” nos dicen, próximo da resignação do que da luta.
surgieron fueron diferentes, aunque hubo un denomi- No grupo de líderes comunitários indígenas de uma con un sentimiento mucho más cercano a la resignación O grupo de indígenas quichés, que vivem com HIV,
nador común que nos llamó mucho la atención. comunidade arrasada pelo furacão Stan, reconstruída, que a la lucha. não mencionam o vírus durante a primeira etapa em
En el grupo de líderes comunitarios indígenas de em grande parte, pela autogestão desses líderes, a El grupo de personas indígenas quichés, que viven que compartilham as opressões. Diziam: “Me deixou”,
una comunidad arrasada por el huracán Stan y vuelta opressão que surgiu foi o fato de se sentirem utilizados con VIH, no mencionan el virus durante la primera “me trancaram”, “me discriminaram”, sem relacionar
a construir en gran parte por autogestión de estos líde- pelas ONGs para implementar seus projetos e serem, etapa de compartir opresiones. Contaban “me dejó” a opressão com o fato de serem pessoas que vivem com
res, la opresión que surgió fue la de ser utilizad@s por ao mesmo tempo, totalmente silenciados e ignorados “me encerraron” “me discriminaron” sin mencionar la o HIV. Tão acostumadas com o fato de que “disso não
las ong’s para implementar sus proyectos y a la vez ser por estas na hora de decidir. “Talvez seja porque não relación de opresión con el hecho de ser personas que se fala” que ocultam automaticamente. Assim que foi
totalmente silenciad@s e ignorad@s por ellas a la hora falemos bem espanhol ou porque não nos vistamos viven con VIH. Están tan acostumbradas a que “de eso possível processar o que estava acontecendo, acrescen-
de decidir. “Tal vez porque no hablamos bien español, como eles” – estas são as razões que encontram para a no se habla” que lo ocultan automáticamente. Luego tou-se à causa de quase todas as opressões o “porque
o porque no nos vestimos como ell@s”, son las razones discriminação que sofrem e a sensação de se sentirem de procesar lo que estaba ocurriendo pudimos agregar tenho HIV”. Essa frase é a mais complexa de dizer em
que encuentran a la discriminación que viven y al uso usados. O grupo não se atreveu a apresentar o Fórum a casi todas las opresiones el “porque tengo VIH”. Esa voz alta e a que repetem uma vezes ou outra durante o
del que son objeto. El grupo no se atrevió a presentar la diante de um público de fora da oficina, talvez pelo frase es la más compleja de decir en voz alta y la que Fórum, em um processo intenso e transformador.
pieza de foro frente al público ajeno al taller, finalmente, temor de perder o apoio das ONGs estrangeiras que repiten una y otra vez durante el foro, en un proceso O grupo ainda se nega a se apresentar como o
dependen de las ong’s extranjeras para poder desarrollar oferecem ajuda para o desenvolvimento das comuni- intenso y transformador. “grupo de pessoas que vivem com HIV”. A discrimi-
sus comunidades. dades. El grupo aún se niega a presentarse como “grupo nação que sofrem em suas comunidades é de tal ordem
En el grupo de jóvenes indígenas queqchí, la opresión Em um grupo de jovens indígenas queqchí, a opres- de personas que viven con VIH”, la discriminación que que a maioria não conta para suas famílias. Porém,
era la imposibilidad de estudiar para las mujeres de la são era a impossibilidade das mulheres da família pode- sufren en sus comunidades es tal, que la mayoría ni se lo apesar de tudo, continuam subindo no palco e, dentro
familia. Los gritos fueron eufóricos cuando una espec- rem estudar. Os gritos foram eufóricos quando uma cuenta a sus familias. Pero a pesar de eso, suben al esce- de seus personagens, até gritam: “Tenho HIV!”. Esse

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nario una vez tras otra y dentro de sus personajes hasta Fórum rompe a hipocrisia: no final da peça, todos e otras poblaciones había más variedad, más lucha, más também) para multiplicar o TO na região. Para que
gritan “tengo VIH”. Este foro rompe la hipocresía. todas no público estão contra a discriminação, mas na enojo, más volumen. Aquí no. Lo común a tod@s es el as populações oprimidas tenham cada vez mais acesso
Terminada la obra, todos y todas en la audiencia hora de subir e intervir para lutar contra ela, as alter- creer que la única reacción posible es la resignación o el a este espaço de expressão e transformação. Esse é
están en contra de la discriminación, pero a la hora de nativas apresentadas acabam por reforçá-la. Ou seja, dolor. Allí el sentido y razón del trabajo que hacemos, o sonho: começar, em novembro de 2010, um pro-
subir a intervenir para luchar contra ella, la refuerzan. as propostas se concentram em descobrir como a pro- para lograr, poco a poco, transformar esa resignación cesso de 1 ano, que ao final, resulte em pelo menos 10
O sea, las propuestas se centran en descubrir cómo se tagonista foi infectada. Isto revela que a discriminação dolorosa en una lucha digna que fortalezca a oprimid@s novos grupos de Teatro do Oprimido transformando
infectó la protagonista. Esto saca a luz la discrimina- se baseia em um juízo moral sobre as diferentes formas y desarme opresiones. a América Central. Acabamos de começar, e há muito
ción que se basa en un juicio moral sobre las diferentes de infecção, que em sua maioria estão relacionadas a Al ver que esta realidad que experimentamos en que fazer, porém isso, em vez de nos assustar, nos esti-
formas de infección, en su mayoría relacionadas con la questões de sexualidade. Como se o direito a uma vida Guatemala se repite en varios países de Centroamérica, mula.◘
sexualidad. Como si el derecho a una vida digna o no digna ou não dependesse da forma como a pessoa foi decidimos hacer lo posible (y lo imposible también) para
dependiera de la vía por la que se infectó y no del simple infectada e não do simples fato de se tratar de um ser multiplicar la herramienta en la región. Para que sean
hecho de ser un ser humano. humano. más y más las poblaciones oprimidas que tengan acceso
Ver la realidad así, tan cruda en escena, provoca Ver a realidade assim tão crua em cena provoca a este espacio de expresión y transformación. Ese es el
acciones de coraje y entusiasmo en los y las participantes ações de coragem e entusiasmo nos participantes do sueño: comenzar en noviembre un proceso de un año,
del grupo que distan de los impulsos que se permiten grupo, que diferem dos impulsos que se permitem y que al final haya por lo menos 10 nuevos grupos de
en su vida diaria En el Congreso de “Indígenas y VIH” em sua vida diária. Pouco a pouco, essas reações que Teatro del Oprimido, transformando Centroamérica.
en el que participamos, la mayoría de personas que não se sentiam capazes de ter convertem-se em fatos Recién empezamos y hay mucho por hacer, pero eso
supuestamente apoyan las luchas de esta población, concretos na vida cotidiana. Por exemplo, no caso de más que asustarnos, nos estimula. ◘
dieron la espalda al teatro foro y quienes lo presen- uma das atrizes do grupo, que enfrentou uma juíza 1 Multiplicación y Exploración del Teatro del Oprimido en Cen-
1 Multiplicación y Exploración del Teatro del Oprimido en Cen-
ciaron, no pudieron proponer ninguna alternativa a (com tudo o que isso significa em termos de nível e troAmérica
troAmérica.
www.me-to-ca.blogspot.com
la situación. Esto generó en el grupo sentimientos de status social: indígena-ladina, analfabeta-profissional, www.me-to-ca.blogspot.com
rabia e indignación que paradójicamente impulsaron la mulher do campo-mulher da cidade) e lhe disse, como
construcción de la dignidad del grupo frente a quienes muitas vezes durante o Fórum: “Que importância tem
l@s discriminan e ignoran. saber como eu me infectei? O importante é que estou
Y ver la realidad así, tan cruda en escena, hace que sendo discriminada, e isso é contra a lei”. Essa mulher
actrices y actores reaccionen honestamente desde lo dizendo essas palavras representa muito mais do que
más profundo, como no podrían hacerlo, ni soñarlo, en poderíamos imaginar há 8 meses, quando começamos
la realidad. Y poco a poco en este grupo el “ni poder este processo.
soñar con reaccionar así en la realidad” se convierte en Com os diversos grupos indígenas, as opressões
hechos concretos de la vida cotidiana. Se convierte en que surgiram foram diferentes, porém o denomina-
la oprimida enfrentando a una jueza (con todo lo que dor comum que encontramos em todos foi o da pouca
eso implica a nivel de status social: indígena-ladina, consciência da possibilidade real de transformar essas
analfabeta-profesional, mujer del campo- mujer de la situações. Em termos estéticos, foi bem claro. Ao fazer
ciudad), y diciéndole, como muchas veces durante el o exercício “o canto da sereia”, no qual, com os olhos
foro: “qué importa cómo me infecté? Lo importante fechados, cada pessoa deve emitir um som que expresse
es que me están discriminando y eso es contra la ley”. a opressão que sente, todos, sem exceção, foram sons
Esta mujer diciendo estas palabras es mucho más de de resignação, de silêncio, da dor de quem se cala. Ao
lo que podíamos imaginar que podrias hacer, cuando fazê-lo com outras populações, havia mais variedade,
empezamos hace ocho meses este proceso. mais luta, mais raiva, mais volume. Aqui, não. Todos
El denominador común que encontramos en todos acreditavam que a única reação possível seria a resig-
los grupos fue el de la poca conciencia de la posibilidad nação ou a dor. É por isso que fazemos este trabalho.
real de transformar las situaciones de opresión. Para conseguir, pouco a pouco, transformar essa resig-
A nivel estético fue muy claro. Al hacer el ejercicio nação dolorosa em uma luta digna que fortaleça os
“el canto de la sirena” – donde con ojos cerrados cada oprimidos e desarme opressões.
persona debe emitir un sonido que expresa la opresión E como vemos que essa realidade que experimenta-
que siente- todos, sin excepción- fueron sonidos de resig- mos na Guatemala se repete em vários países da Amé-
nación, de silencio, de dolor que se calla. Al hacerlo con rica Central, decidimos fazer o possível (e o impossível,

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Ações Concretas Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ações Concretas

viços, problemas na visita, cantina, refeitório, atendimento, em camburões e algemados. Entretanto, a instituição, por
família, processo, dentre muitas questões. O espaço de diálogo seu caráter híbrido, permite que seus internos transitem entre
foi sendo instalado. Em uma instituição onde as hierarquias dois mundos: o do direito, que os entende como presos, e
apresentam-se de forma exacerbada, na qual a cultura do o da saúde mental, que os classifica como pacientes. Como
“Sim, senhor! Não, senhor!” é fundamental para se estabelecer presos, puderam reivindicar seu lugar de pacientes e, como
categorias, a criação de um espaço em que esse indivíduo tenha tais, ser transportados em ambulâncias. Um novo olhar sobre
oportunidade de trocar e discutir ideias era quase inimaginável. os internos aparecia. Nas apresentações seguintes, atrizes e
Logo vieram as retaliações. Muitos diziam que as histórias atores se dividiram em ambulâncias e Kombis. O camburão?

O
Conduziu apenas o cenário.

T
não passavam de surtos delirantes. Como acreditávamos em

FO
indivíduos despossuídos de credibilidade? Quem eram eles e Evoluímos até o ponto em que as ambulâncias foram
elas para criticar o estabelecido como norma? dispensadas, e homens e mulheres do elenco passaram a
Investigamos os temas discutidos. Verificamos a veracidade seguir juntos para as apresentações externas no mesmo
das histórias contadas: verdade nua e crua. Sabíamos que o tipo de transporte destinado aos funcionários do sistema.
Teatro do Oprimido não daria conta de toda a problemática A alteração do meio de transporte representa um pouco das
vivida naquele contexto. Era preciso estabelecer um foco na transformações individuais e estruturais provocadas por esse
opressão mais latente e urgente. Percebemos que a lentidão dos trabalho. Nessa ação concreta, presos-pacientes assumiram
processos judiciais, fruto da alta burocratização do aparato o lugar de sujeitos.

Um grupo chamado
judiciário, estava na base de quase todas as opressões relatadas, Hoje, a maioria do elenco está desinternada, respirando
podendo estender o tempo de internação por 30, 40 ou até 50 outros ares. O caminho trilhado por eles e elas, de presos-
anos. Nessa estrutura, é comum que os sujeitos dessa engre- pacientes a cidadãos, foi fundamental para que retomassem

LIBERARTE!
nagem se familiarizem com o que é posto como regra. Cada sua caminhada em uma vida pós-Manicômio.
um em seu papel trabalha para que a indústria da custódia O Heitor Carrilho não é mais um local de entrada de novos
continue a funcionar. Sair desse lugar não é fácil. Desânimo e internos. O Rio de Janeiro, que antes possuía três Manicômios
conformismo são cotidianos. Judiciários, hoje tem apenas um. Mesmo havendo ainda muitos
Monique Rodrigues , Curinga do CTO e acadêmica em Sociologia. Surgiu a peça “Anseios de Liberdade”, com personagens desinternados sem vínculo social, pela escassez de instituições,
representantes dos diversos atores sociais dessa engrenagem: como as residências terapêuticas, o avanço é inegável.
defensores, técnicos, guardas, promotores e internos. As pri- O Teatro do Oprimido, conjugado ao trabalho de outros
Desde 2006 atuo no projeto Teatro do Oprimido na Saúde conjugação entre direito e psiquiatria. O sujeito louco infrator
meiras apresentações foram recheadas de polêmica. Técnicos setores que atuam para a transformação dessa realidade,
Mental, que me possibilitou entender o louco como sujeito, torna-se duplo objeto de saber, conjugado em um duplo estig-
e guardas se identificavam com as personagens ali colocadas. contribuiu concretamente para que a Reforma Psiquiátrica –
com especificidades e potencialidades. Descobertas e reflexões ma. A instituição, híbrida em sua essência, assume seu caráter
O Teatro do Oprimido provocou certo estranhamento com bem-sucedida na desativação de hospitais psiquiátricos e na
trazidas pela prática: Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe. No prisional; nela, a “cultura do cadeião” é vista em toda parte:
relação às opressões que pareciam naturalizadas, com as quais criação de CAPs, mas que permanecia tímida com relação
Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, tive uma experiência desde a estrutura física com seus altos muros e “enfermarias
todos estavam de certo modo familiarizados. Cada fórum aos Hospitais de Custódia - pudesse adentrar esse espaço
recheada de desafios e vitórias. Compartilho um pouco desses celas” (gradeadas), até a rotina com seus rígidos horários,
foi essencial para a discussão e investigação de caminhos para iniciar mais uma etapa na luta por uma sociedade sem
três anos de trabalho. controles de efetivo e entrada de material. Nesse contexto de
possíveis. Manicômios. ◘
As maneiras de atuação do Estado em sua função coerci- dupla exclusão, não se tarda a pensar que o sujeito enquanto
Uma das apresentações emblemáticas foi feita para juízes,
tiva - formas oficiais de punição - estão diretamente ligadas detentor de diretos e provedor de discursos é extinto, abrindo Referências:
promotores e defensores. Muitos dos convidados não sabiam BOAL, A. A Estética do Oprimido. RJ: Garamond, 2008.
à moral e às teorias presentes em determinada época. Os espaço para que este se coloque como objeto seja do saber
da proposta de diálogo entre palco e plateia. Esperavam um ________. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. RJ:
métodos punitivos acompanham seu tempo histórico e suas psiquiátrico ou do saber jurídico. Muitas eram as reuniões, Civilização Brasileira, 2005.
espetáculo tradicional, algo descolado da realidade. Durante a ________. Jogos para Atores e não-atores. RJ: Civilização Brasile-
transformações. Assim também ocorreu com a forma de tratar seminários e congressos que discutiam a relação da custódia
apresentação, o choque foi intenso. Internos, através do Teatro ira, 2006.
o louco e, mais especialmente, o louco infrator. com o tratamento psiquiátrico, escassas as representatividades CERQUEIRA CORREIA, L. Avanços e impasses na garantia dos
do Oprimido, discutiam e questionavam a função social dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais autoras de
Inicialmente, os indivíduos presentes nessa categoria eram desse grupo. delito. Dissertação Mestrado. Universidade Federal da Paraíba.
que ali estavam como espectadores. Vozes há tempos amorda-
internados em instituições psiquiátricas, o que, na avaliação de Como trabalhar nesse contexto? O Teatro do Oprimido Centro de Ciências Jurídicas. 2007.
çadas davam seu grito de liberdade. Momento do fórum: silên- DAHMER PEREIRA, T.; DANTAS, R. Compreender a relação
alguns, criava um ambiente hostil no local. Esse fato, atrelado pode ser uma ferramenta de transformação dessa realidade? de custódia: notas reflexivas para o exercício profissional – o caso
cio ensurdecedor. Silêncio de significados. Revolta, surpresa,
às necessidades sociais e às novas concepções ideológicas da Eu e Alessandro¹ tínhamos certeza que sim. Iniciamos a do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico in “Ética e
diálogo. Considero esse um momento divisor de águas. Direito”. Coletânea Nova de Serviço Social II. Rio de Janeiro.
época, fundamentou a criação do Hospital de Custódia e oficina, submergidos pelos olhares desconfiados de guardas e Editora Lumen Juris.
Surgem convites para apresentações externas. Na primeira
Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, primeiro Manicô- equipe técnica. Grupo formado: nasce o Liberarte. Momento
saída, surge o desafio do aparato de segurança para desloca- Notas:
mio Judiciário criado no Brasil, em 1921, representante da de contar histórias: uma chuva de opressões: escassez de ser- 1 Alessandro Conceição é Curinga do CTO e integrante da equipe
mento dos presos-pacientes. Atores e atrizes transportados TO na Saúde Mental.

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Ações Concretas Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ações Concretas

Enéas ficou responsável pela produção do evento. supunha, se dava conta de suas potencialidades.
Fez os contatos oficiais a partir de uma carta de Passada uma semana da apresentação na escola,
apresentação e de um folheto do grupo. A escola Enéas chega empolgado e diz:
agendou uma data para a apresentação. Com tudo – Ninguém me chama mais de maluco ou de
certo, providenciamos convite para a comunidade. Dalua na minha rua. Agora me chamam de
Chegamos na escola no dia marcado. Enéas, Enéas e até de Artista. Dizem que fui muito
produtor do evento, estava ansioso e muito nervoso, bem e que querem ver a peça de novo e mostrar
suava frio. Os outros integrantes do grupo, conscien- para quem não viu. Eles querem até vir assistir
tes da história do companheiro com a escola e da im- aqui no hospital. Voltei a ser Enéas, agora eu
portância dessa apresentação para ele, demonstravam sou gente de novo, e ninguém me joga pedra.
toda a solidariedade. Com o Teatro do Oprimido, eu pude mostrar
O pátio da escola estava lotado. Jovens, crianças, que sou diferente, mas igual. Que não sou uma
adultos, velhos, amigos e vizinhos do Enéas. Co- coisa que se pode jogar fora, que sou uma pessoa,
nhecidos e também desconhecidos para ele e para o um cidadão.
grupo. Antes de iniciarmos a apresentação, ouvimos Uma das primeiras perdas impostas a grupos so-
sussurros tímidos e provocadores: cialmente marginalizados é a da identidade. Pessoas
– Dalua! Maluco! Dalua! O que você tá fazendo passam a ser números, casos, índices, objetos de

De objeto a sujeito: uma


aí? Sai daí, maluco! estudo. Perdem o direito à identidade singular: nome,
Até que... tudo virou silêncio. A peça É Melhor particularidades, individualidade. Enéas tinha sido
Prevenir que Remédio Dar começava. Na encenação, alijado do direito humano fundamental ao nome, pas-

trajetória de humanização
o grupo aborda a loucura, a prevenção de DST/AIDS sando de substantivo próprio a substantivo comum.
e o preconceito aos usuários de saúde mental, com De sujeito a objeto. De protagonista a coadjuvante
uma teatralidade encantadora. Paralisada e surpresa, de sua própria história. Como negro, pobre e usuário
a plateia acompanha, cada vez mais concentrada, a da saúde mental, teoricamente, não poderia esperar
Claudia Simone, Curinga do CTO e do projeto Teatro do Oprimido na Saúde Mental. encenação. Pareciam não acreditar no que viam. por muito mais.
Quando Éneas entrou em cena, fazendo o pai de Entretanto, na realidade da vida prática, apesar de
Pirei na Cenna é um grupo de Teatro do Oprimido, com dez anos de história, for- uma das personagens, o silêncio foi solene. Nesse todas as dificuldades, teve condições de questionar
mado por profissionais e usuários da saúde mental e seus familiares. Em seu percurso, momento, seria possível ouvir até uma agulha cair no a sua “sina” e não aceitou o “destino” que lhe foi
reúne diversos exemplos de superação e de transformação, tanto individuais quanto chão. Silêncio sucedido de choro. A diretora, no meio oferecido. Apropriou-se do leme da vida e mudou
coletivas. E incontáveis intervenções sociais que forjaram a humanização de realidades da plateia, parecia não conseguir acreditar que aquele o rumo dos acontecimentos “previstos”. Quando
injustas e opressivas. Aqui, um exemplo terno. louco, alvo de pedras e ofensas, era um louco artista... propôs voltar à sua escola primária, onde aprendeu
Enéas,² um dos participantes mais antigos do grupo, em resposta à solicitação de ou um artista louco? Terminada a peça, só se ouvia a ser discriminado e desrespeitado, demonstrou toda
busca de locais para apresentação, fez a seguinte proposta: “Enéas, Enéas, Enéas!” E Enéas dizia baixinho: a sua generosidade e consciência. Não voltou por
– Gostaria de apresentar nosso espetáculo na escola onde eu estudei, que fica no – Eles lembraram do meu nome! vingança, mas, sim, por necessidade de transformar
meu bairro. A diretora, em prantos, subiu ao palco e publi- sua realidade.
Aceitamos a sugestão de imediato. Ainda assim, quisemos saber o motivo da esco- camente pediu desculpas a Enéas. Ela assumiu que Além de ter contribuído para a humanização da-
lha. Por que o desejo de voltar à escola primária? Então, Enéas nos contou um pouco havia dito a ele que não seria nada, que não faria quela escola – diretora, alunos, professores e comu-
mais de sua história pessoal: nada diferente por tomar remédio de maluco. Naquele nidade –, fez sua própria trajetória de humanização.
–No meu bairro, todo mundo me joga pedra e me chama de maluco. Quase nin- momento, ela pôde verificar que ele, apesar de todas Não aceitou o lugar de objeto das frustrações alheias
guém me chama pelo nome. Muitos se dirigem a mim pelo nome do personagem as limitações que tinha, poderia, sim, fazer muita e ocupou o espaço de cidadão, que atua para fazer
do nosso espetáculo: Dalua. A diretora dessa escola ainda é a mesma que me dizia coisa, tanto que fez. Fazia teatro, um teatro diferente, valer seus desejos e necessidades e conquistar seus
que eu nunca seria alguém, que não conseguiria ser nada, que não poderia fazer questionador e propositivo. Um teatro que atuava a direitos. ◘
muita coisa na vida, por ser usuário de saúde mental. Eu desejo voltar lá e mostrar dúvida como elemento transformador. O Teatro do
Nota:
para eles que me transformei em ator, que, apesar de maluco, consegui fazer muita Oprimido. Um teatro em que Enéas podia ser ele 1 Enéas, ator do grupo Pirei na Cenna, morreu em 2010.
mesmo, e se vendo atuar, descobria-se melhor do que A ele, nossa homenagem!
coisa na vida, até uma peça que fala sobre loucura e AIDS. Imagino que isso tenha
valor para eles. Imagino que, sabendo disso, eles vão me respeitar.

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Ações Concretas Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ações Concretas

buscam humanizar o tratamento psiquiátrico, sem muito caro.

Direito à boca,
camisa de força, choque elétrico ou tortura. Paciente: – Então, não dá.
Num dia de oficina de Teatro do Oprimido no Outro paciente: – Mas isso aqui não é um lugar
SELAB, os usuários estavam espalhados pelos cantos público?

aos dentes,
e cômodos da casa. Aproximadamente 20 se reuniram Dentista: – Não, aqui é meu consultório particular.
em círculo para o primeiro exercício, um passando o De graça, não tem jeito!
comando do jogo para o outro. Como qualquer grupo Como eu nunca havia reparado naqueles dentes?

à voz!
de iniciantes, muitas vezes, trocavam a ordem das coi- Entendi muito sobre as dificuldades de expressão: re-
sas, mas, aos poucos, avançavam na concentração. baixamento cognitivo, longos anos de tratamento, uso
Após o exercício, tentamos criar uma cena de de medicamentos controlados, quadros psiquiátricos
Teatro-Fórum. Havia certa dificuldade em compreen- associados a quadros neurológicos, perdas advindas
der o que seria “uma cena”. Em vez de insistirmos na dos períodos de crise, falta de dentes. Uma dentição
construção da cena, propusemos uma improvisação: saudável poderia melhorar as possibilidades de articu-
“O teatro deve ser um ensaio para a ação na vida
pacientes e médicos. lação verbal, favorecer a comunicação e, consequen-
real, e não um fim em si mesmo.”
(Augusto Boal) Cada dupla entende o comando do seu jeito. Pergun- temente, criar maior possibilidade de autonomia. Os
tado sobre quem faz o médico e quem faz o paciente, direitos à cidadania, à saúde e os direitos humanos são
“Não basta interpretar a realidade, é necessário Marco Antônio responde: – Sou o acomodado. essenciais a todos e todas.
transformá-la.” E Zé Luís completa: – E eu sou o preguiçoso. Perguntei se queriam ir ao dentista, e quase todos
(Karl Marx) Seria devaneio ou forma particular de entender uma levantaram as mãos e mostraram os dentes apodreci-
relação tão conhecida? dos, as bocas vazias, os sorrisos vazios. Era necessário
Numa outra dupla surge a improvisação entre promover uma ação social concreta continuada, para
dentista e paciente: além das improvisações teatrais: dentista para os usu-
Kelly di Bertoli, Curinga do CTO e do Projeto Teatro do Oprimido na Saúde Mental. Paciente: – Doutor, eu preciso arrumar meus dentes. ários internos da residência terapêutica. Pelo direito de
Com dentes estragados assim ninguém vai querer me comer, de falar, de ter saúde!
beijar! Os usuários ganham benefício mensal e também
Dentista: – Não! Não dá, é muito caro. moram em uma casa de responsabilidade pública.
Sou Curinga do projeto Teatro do Oprimido na Saúde, no Litoral Paulista. São muitas
Paciente: – Mas eu preciso arrumar os dentes! (Ao Nossas improvisações extrapolam a oficina e reper-
as estórias e as transformações individuais e coletivas que observamos, acompanhando
dizer isso, mostra os dentes apodrecidos ao dentis- cutem na sala da coordenadora, que, junto com seus
13 grupos em unidades de saúde mental, com usuários, profissionais, familiares e comu-
ta.) funcionários, providencia a ida dos pacientes internos
nidade. Nosso objetivo: introduzir o Teatro do Oprimido como política pública. Nossos
O ator que improvisa o dentista, inesperadamente, do SELAB ao dentista. O psicólogo e Multiplicador
Multiplicadores: psicólogos, terapeutas, assistentes sociais, enfermeiras, fonoaudiólogos.
vira-se para mim e mostra seus próprios dentes, ou de Teatro do Oprimido nos informa que diversos
Lutamos por uma sociedade sem manicômios. Nossa arma: o Teatro do Oprimido!
melhor, tocos de dentes podres, e diz: pacientes iniciaram tratamento dentário após as rei-
Nosso teatro não faz milagres. Entretanto, provoca questionamentos e profundas
Dentista (que se transforma temporariamente em vindicações ocorridas.
mudanças pessoais e coletivas. Ação social concreta continuada está no topo da árvore
paciente para se dirigir a mim): – Eu também estou Improvisamos a realidade para ensaiar como
do Teatro do Oprimido. Nas raízes dessa árvore: ética, estética e solidariedade. Alme-
com os dentes podres, olha aqui os meus dentes! Eu transformá-la, através de ações sociais concretas e
jamos fazer teatro como política. O "se ver agindo" que o teatro nos proporciona pode
também quero ir ao dentista! continuadas. O teatro começa na sala de ensaio e segue
revolucionar ações e posturas perante a sociedade. Atuar de forma consciente no palco
Quando percebi, estava criado um grande círculo intervindo na vida real. ◘
da vida.
em volta de nós, como se estivéssemos atuando em
Objetivamos que o teatro possa ser utilizado como linguagem e como voz para a
arena. Logo, aparece outra usuária fazendo uma
comunicação daqueles que são privados do seu direito de falar. No caso da Saúde Men-
médica e leva os dois pacientes para seu consultório
tal, a falta de autonomia dos usuários para buscar seus direitos, que não são garantidos Nota:
imaginário.
satisfatoriamente, limita suas vozes. 1 Primeiro Hospital Psiquiátrico em Santos fechado pela
Médica: – Eu posso tratar seus dentes, só que é Reforma Psiquiátrica.
O SELAB (Serviço de Lar Abrigo/ Residência Terapêutica para portadores de doenças
mentais), em Santos, é uma casa de saúde, de portões fechados, onde moram usuários
da saúde mental classificados como casos severos, que não têm contato com familiares.
Muitos são remanescentes do antigo Hospital Psiquiátrico Anchieta.¹ No SELAB, como
em outros equipamentos de saúde onde atuamos, profissionais que trabalham em equipe

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Ponto de Vista Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ponto de Vista

imediato nos encontros e cursos) no MST de Alagoas. educação rural.


Ao resgatar a história de vida de um trabalhador (sua Essas experiências foram me conduzindo a refletir
micro-história), passo necessário para a produção de cada vez mais sobre a relação entre Teatro do Oprimido
uma peça de TO, percebi que findava por reconstruir, e História. Enclausurados nas universidades, o impacto
por amostragem, a história de vida dos trabalhadores dos historiadores na vida social é livresco e mínimo. O
de determinada região. Mais que isso, recuperava essa TO pode abrir novas possibilidades para o fazer histo-
História com uma riqueza ímpar de detalhes, pois riográfico. O resgate histórico é um momento inerente
resgatava os sentimentos e os processos de assimilação à preparação das peças de Teatro do Oprimido. O que
física da opressão. hoje em historiografia chamamos de “micro-histórias”
Os trabalhadores revivem as histórias de empregados é um passo necessário à constituição das peças e dos
das fazendas e as comparam com a condição de não fóruns. Situações que revelam, em pequena escala,
terem mais patrão, percebem em que essa mudança problemas vivenciados por uma sociedade inteira em
alterou ou não a forma de pensar e de sentir o mundo. certa época.
O historiador-Curinga conduz o processo incorporando A constatação da naturalização do embrutecimento

Por uma História


informações e provocando o debate com questionamen- dos sentidos me fez adicionar ao exercício do Teatro do
tos. Assim encarnado, o Teatro do Oprimido deixa de Oprimido a ação desnaturalizadora do resgate histórico
ser um instrumento auxiliar de processos didáticos e se na luta pela libertação dos sentidos, seja reconstituindo

Que Saia do Papel


torna fonte de enriquecimento estético, e a história, um com os trabalhadores a robotização de seus movimentos
fazer vivo que se abre ao coletivo. corporais (no interesse de quem?), seja recuperando com
Num diálogo virtual com Augusto Boal (que produ- os estudantes universitários a trajetória da expansão
zia a “A Estética do Oprimido”), escrevi: “Um compa- da cana, que devasta vidas humanas e florestas, seja
Gladyson Stelio Brito Pereira, mestre em história/UFF, multiplicador de TO e militante do MST. nheiro relatou que, nas oficinas com os acampados, eles rememorando “pequenas” tragédias na vida de quem
riram e se divertiram muito. Disse: ‘Gladyson, a coisa se dedica a educar no campo.
A história como disciplina acadêmica e curso continuou sendo documentos escritos: monografias, mais importante que trouxe foi a alegria, nosso povo Como resultado desse esforço de resgate histórico,
universitário se consolidou, durante o século XIX, dissertações, teses... precisa disso!’. Só esse exercício de desbloquear o corpo, têm-se peças teatrais participativas, atraentes e popu-
sob a influência da chamada História “positivista” Na década de 1970, outro grupo de historiadores desafiar os sentidos e provocar a interação já foi liberta- lares, que estimulam pensamento simbólico e sensível,
ou metódico-documental, que pesquisava e analisava franceses, a “Nova História”, passou a usar como dor, pois a maioria do nosso povo, desde criança, está acessíveis a todas e todos. A História pulsa na tensão de
documentos escritos e oficiais. A História estaria no documentos históricos: fotografia, pintura, cinema, acostumado mais ao sofrimento e à dor que à alegria um teatro que resgata o passado, coloca os problemas
passado, resultando numa História contada do ponto de música, livros de contos de fadas, televisão etc. Dentre e ao prazer. Eles têm clareza de quem é o opressor e o no presente e se abre para o futuro no devir. Como foi,
vista do poder. O meio de divulgação era um documen- esses, Marc Ferro propôs os filmes como documentos oprimido, a luta pela terra não deixa dúvidas. Às vezes, como está e como poderá vir a ser a nossa História. ◘
to escrito: monografias, dissertações, teses... Algumas históricos e como forma de divulgar a pesquisa histó- o desafio é superar os costumes de uma vida oprimida
Referências:
transformadas em livros. rica. Porém, o resultado desse esforço inovador, com (viver o sofrimento como natural, tratar com rudeza BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do his-
A partir de 1929, os historiadores franceses March exceção dos filmes de Marc Ferro, foram documentos a si e os outros, não se permitir brincar etc.). Aquela toriador. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Bloch e Lucien Febvre, “Escola dos Annales”, propõem escritos: monografias, dissertações, teses... questão da opressão interiorizada.”
Boal retrucou: “Caro Gladyson, você tem toda Notas:
o uso de todo e qualquer resquício humano. “A diversi- Na Itália, historiadores como Carlo Ginsburg inves- 1 Bloch, Marc. 2002, p.79
dade dos testemunhos [históricos] é quase infinita. Tudo tigaram a história de “sujeitos coletivos”, chamando a razão quando diz que ‘o maior desafio é o de como 2 Em 2008, já morando em Alagoas, duas experiências fora
superar os costumes de uma vida oprimida (viver o do MST aprofundaram minha convicção no potencial da rela-
o que o ser humano diz, escreve ou toca pode informar atenção para o poder que têm as “micro-histórias” (a ção Teatro do Oprimido/Movimento de Massas/História: o II
a seu respeito”¹ . História de todos os homens no tempo. história da vida de uma pessoa, uma vila etc.) de clarear sofrimento como algo natural)’. Um grande abraço, Encontro Internacional de Teatro e Educação, em Barcelona,

Afirmavam que havia uma diferença entre o “passado” as relações sociais mais amplas. Anda assim prevalece- Augusto Boal.” onde fui a convite de Julian Boal, e, em particular, a breve,
porém intensa convivência em Paris com Julian Boal e Jeanne
e o “conhecimento do passado”. O “passado” não ram monografias, dissertações, teses... Realizei também experiências de resgate histórico Dosse, que me apresentaram ao “Jana Sanscrit”, que tem no TO
muda, mas o que pensamos sobre ele muda; cada nova Se o resultado de uma pesquisa historiográfica pode com outros grupos sociais em dois projetos de extensão,³ seu instrumento central de ação. Ainda em 2008, participei, com
um em União dos Palmares/AL, com estudantes da mais 4 militantes do MST de Alagoas, do projeto “Fábrica de
geração tem um novo jeito de pensar, novas dúvidas, se materializar em filmes como os de Marc Ferro, por Teatro Popular Nordeste”, promovido pelo Centro de Teatro do
novas perguntas. Os vestígios humanos precisam ser que não poderia também produzir peças teatrais? Universidade Estadual de Alagoas, na busca de com- Oprimido – CTO e que tinha como proposição a formação de

interrogados a cada nova geração, ou, como Lucien Fe- A partir de experiências de 2008,² iniciei um traba- preender a devastação ambiental e humana na Mata Multiplicadores de Teatro do Oprimido. Foi fundamental para
meu aprofundamento nas técnicas e na filosofia do TO.
bvre afirmou: “A História é filha do seu tempo”. Apesar lho de socialização dos jogos e exercícios teatrais e de Atlântica, e outro por meio da Universidade Federal 3 Projetos de extensão coordenados pela professora Silvana
das críticas, o meio de divulgação do resgate histórico produção de fóruns relâmpagos (cenas feitas para uso do Recôncavo da Bahia, com professoras rurais de Lúcia da Silva Lima.
Amargosa/BA, resgatando histórias de opressão na

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Ponto de Vista Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ponto de Vista

construção das identidades, porém o fato de não Entre 2008 e 2010, o espetáculo foi apresentado

TO para
nos sentirmos pertencentes a determinado grupo, para centenas de estudantes. A experiência nas escolas
necessariamente, não nos exclui dele. Nem o fato de reforçou a percepção de que ainda se perpetua uma
estarmos em constante processo de construção como educação heteronormativa4 , onde o comportamento

dialogar sobre
sujeitos sociais. de cada sexo é atribuído à natureza e não a constru-
Nosso comportamento, maneira de falar e vestir, ções socioculturais. Essa visão biologizante sobre o
a cor do nosso cabelo, e da nossa pele, entre outros comportamento de homens e mulheres permite, por

Diversidade
sinais, são “lidos” pelo olhar do outro que mesmo exemplo, a tolerância em relação à agressividade dos
contra a nossa vontade, nos identifica com um deter- meninos (considerada normal), em contrapartida a
minado grupo, que pode ser dominante ou margina- uma exigência de um bom comportamento das meni-

Sexual
lizado, que pode ser estigmatizado, mesmo que bem nas que devem ser menos competitivas e não participar
remunerado. O outro é outro gênero, é outra cor, é de atividades destinadas aos homens. Desconsidera a
outra sexualidade, é outra etnia, é outra nacionali- orientação sexual dos alunos como se essa questão não
dade, o outro é outro corpo³ . influísse em todas as relações sociais: consigo mesmos,
O projeto Diversidade Sexual na Escola, da Univer- no trabalho, na família e entre os amigos.
Leandro Loppes¹, professor, educador e multiplicador
sidade Federal do Rio de Janeiro, busca a promoção A percepção e expressão dos jovens sobre masculi-
do Teatro do Oprimido - CTO.
da cultura de diversidade sexual no espaço escolar nidades e feminilidades hoje é muito diferente do que
utilizando o TO para provocar o diálogo sobre essa se via há uma década. A construção das identidades
questão entre alunos das escolas públicas da cidade sexuais na contemporaneidade subverte muito mais
do Rio de Janeiro. Para iniciar esse projeto, buscamos os limites entre os gêneros, o que não significa neces-
A utopia está no horizonte: nos identificar, ao menos temporariamente² . Essa criar um grupo composto por pessoas que tivessem sariamente que a orientação sexual vá pelo mesmo
Quando caminho dois passos, ela se afasta dois passos; concepção nos leva a entender que a identidade na orientação homossexual, saídas da escola há pouco caminho. A mudança de paradigmas, no entanto, não
Eu caminho dez passos, e ela está dez passos mais longe...
contemporaneidade é fragmentada e flutuante... tempo. se dá de forma absoluta, nem poderia. Forças em senti-
Para que serve a utopia?
O TO parte do princípio de que determinados gru- Eis o problema identitário novamente! dos opostos entram em conflito para que determinada
Serve para isso, para caminhar! ( Eduardo Galeano )
pos sociais são oprimidos, acreditando que o método Montamos o espetáculo Coisas de Menina com mudança seja realizada atendendo a necessidades de
auxilia no processo de desvendamento e de rompi- jovens heterossexuais e homossexuais que queriam expressão de cada grupo.
O Teatro do Oprimido (TO) é feito pelos, para e
mento dessas opressões. Esses grupos são constituídos discutir suas sexualidades a partir do Teatro. Há muito tempo que vivemos a “ditadura do rosa
sobre os oprimidos. E quem são eles? Há controvérsias!
por pessoas que só podem lutar pela transformação A peça conta a história de Zezé, uma menina que e do azul”. Desde o nascimento, aprendemos que rosa
Oprimido é aquele que sofre opressão; humilhado,
da realidade opressora caso se reconheçam nessas gosta de jogar futebol e é repreendida pela diretora da é cor de menina e azul de menino. Basta uma obser-
vexado. Opressão é o ato ou efeito de oprimir. É o
identidades. escola, que chama a mãe da aluna para uma reunião vação mais atenta para perceber como a cor passa a
exercício exagerado de poder ou de violência sobre
Duas experiências me trouxeram a necessidade des- com a finalidade de apontar seus desvios e ressaltar a ser obrigatória em guarda-roupas femininos de muitas
indivíduos ou grupos; tirania, segundo o Aurélio
sas reflexões. Primeiro, a indignação de um doutor em má influência que a menina representa. Dona Cleide mulheres de todas as idades. Nada de mais, se essa
Buarque de Holanda.
teatro frente ao meu pré-projeto de mestrado sobre o leva um cartão vermelho da diretora, e é aconselha- simples preferência não ganhasse conotações sexuais
Para Paulo Freire, oprimidos são os excluídos dos
TO. O referido doutor retrucou ofendido, aos trechos da a conversar com a filha e transformá-la em uma diversas. Rosa virou sinônimo de feminilidade, de fra-
bens culturais, os sem teto, sem escola, sem comida,
do meu trabalho que apontava mulheres, negros e menina de verdade. Ao final, Zezé é metamorfoseada gilidade, de doçura, características inadmissíveis para
sem educação, sem arte. No TO é quem sofre opressão
homossexuais, entre outros, como oprimidos. Eu não em fantoche, vestida de rosa, enquadrada no modelo os homens e obrigatórias para mulheres. E quem não
e luta para superá-la.
sou oprimido, não sou gay, nem negro, sou muito bem esperado pela sociedade. se encaixa nesses perfis fica estigmatizado. Rosa virou
Ainda entendendo os conceitos: Identidade. Tem a
remunerado, e muito bem sucedido, sou ser humano e O que incomoda a diretora da escola não é so- uma preferência natural das mulheres. Em festinhas,
ver com o como eu me coloco diante da sociedade, com
não quero me encaixar nesses estereótipos... declarou mente o fato de a menina jogar futebol. É também, nove entre dez meninas vestem rosa, e apesar de a cor
quais grupos, representações e imagens me identifico
irritado após a leitura do meu texto. e principalmente, a transgressão no comportamento ter caído na graça de alguns homens, identificados
e me reconheço.
Outra situação: Uma aluna de um curso que eu de gênero cometido pela aluna. A personagem veste- por metrossexuais5 , ainda é pouco tolerada quando
Na pós-modernidade, as identidades deixam de
ministrava para o supletivo tivera que preencher uma se como menino e não tem interesse pelas atividades invade os guarda-roupas masculinos.
ser unificadas em redor de um eu coerente, havendo
ficha de cadastro e devia declarar a cor de sua pele. A atribuídas às mulheres. A mãe da menina, pressionada Não é por acaso que em muitos espetáculos de TO
dentro do sujeito identidades contraditórias empur-
aluna se declarou branca. pela diretora e não suportando a pressão social da que tratam das opressões contra mulheres ou versam
rando em diferentes direções (...) somos confrontados
Tanto o doutor como a aluna eram negros. família, dos vizinhos e agora da escola, sucumbe a sobre questões de gênero ou homossexualidade esse
por uma multiplicidade desconcertante de identida-
Como posto anteriormente, o sentimento de esse discurso e deixa-se influenciar. Zezé não tem a recurso é tão utilizado. “Rosa ou azul, boneca ou bola,
des possíveis, com cada uma das quais poderíamos
pertencimento é imprescindível para o processo de identidade esperada para as pessoas de seu sexo. casa ou rua, ih, não importa” canta o grupo Diversi-

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Ponto de Vista Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ponto de Vista

dade EnCena numa referência aos comportamentos


sociais atribuídos a cada sexo.
Entender a fragmentação e, paradoxalmente, for-
talecer as identidades pode ser o caminho para uma
sociedade que não violente pessoas coagindo-as a se
encaixarem em formas humanas homogeneizadas, em
que determinados padrões são aceitos e outros recha-
çados. Onde, só é permitido o que está na moda.
Apoderar-se da estética, da palavra, da imagem e
do som, para rasgar arquétipos de comportamento e
desestabilizar o status quo é o que se pretende. Para
isso clama-se que os espectadores invadam os palcos,
e transformem as imagens que vêem e não desejam,
em imagens de uma sociedade justa e convivial6 ,
ensaiando no palco a transformação da vida . Eis a
utopia! ◘

Referências:
1-BOAL, Augusto. O Teatro como Arte Marcial. RJ: Gara-
mond, 2003
2-BORTOLINI, Alexandre. Diversidade Sexual na Escola. 2ª
ed. RJ: Pró-Reitoria de Extensão/ UFRJ, 2008
O Caso de Jonas
3-FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 13ª Ed. Rio de Fabrício Gobetti Leonardi, multipllicador do Teatro do Oprimido – Santos /SP.
Janeiro: Paz e Terra, 1983.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 5ª
edição. RJ: DP&A, 2001 Jonas entra em cena. Adentra num espaço de livre usuária que acabara de chegar e não participara das
4-SILVA, Tomaz Tadeu, HALL, Stuart; WOODWARD, Ka-
criação. Tudo é possível. O tablado, improvisado atividades da manhã. O fato motivou outros a se soli-
thryn. (Orgs.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000 numa pequena sala de oficinas, não é utilizado para darizarem, e eles se recusaram a comer, como forma
5-http://pt.wikipedia.org/wiki/Heteronormatividade que expresse apenas a sua própria individualidade. de protesto. A copeira argumentava que a usuária
6-http://pt.wikipedia.org/wiki/Metrossexual não estava na lista de frequência do dia.
Jonas está dentro de um almoço que acontece no
NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial – Santos/SP), A situação contada costumava acontecer habitu-
onde ele realiza tratamento e que frequenta duas ou almente. Jonas sentiu-se identificado com ela. Estava
Notas:
1 Foi coordenador e Curinga do grupo Diversidade três vezes por semana. entre aqueles que fomentavam as grandes discussões
EnCena que integra o Projeto Diversidade Sexual na Percebe-se que o espaço estético em que mergulha e conflitos, às vezes chegando à agressão física. Sua
Escola, da UFRJ.
2 HALL, Stuart, 2001, p.25 Jonas traz uma relação de identificação e afastamen- impulsividade e agressividade levavam a um afas-
3 SILVA, Tomaz Tadeu, 2007, P.97 to. Ao mesmo tempo em que revela seu próprio ser, tamento tanto de funcionários quanto de outros
4 Heteronormatividade ou heterocentrismo se refere a atitude usuários, que o viam com forte antipatia. Seu diag-
com seus sentimentos, fragilidades, emoções, atitudes
de pessoas que enxergam a heterossexualidade como única
forma de orientação sexual (do grego hetero, “diferente”, e perante as situações etc., ele se descola da situação nóstico (transtorno de comportamento) referendava
norma, “esquadro” em latim) é um termo usado para descrever real e adentra na plasticidade do palco, mostrando-se o isolamento, dentro e fora do NAPS.
situações nas quais variações da orientação heterossexual são
marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, em cena. Como diria Boal, “o protagonista age e se Jonas, nesse Teatro-Fórum, toma o lugar do
crenças ou políticas. observa agindo, mostra e observa mostrando, fala e protagonista, mesmo sabendo que as regras não o
5 Metrossexual é um termo originado nos finais dos anos favorecem. Pega seu prato rindo e mexendo com os
ouve o que diz”.
90, pela junção das palavras metropolitano e heterossexual,
sendo uma gíria para um homem heterossexual urbano exces- A situação da cena foi revelada pelos participantes outros que já estão sentados. Chega para a copeira de
sivamente preocupado com a aparência, gastando grande parte do grupo numa discussão criada durante o almoço forma intimidadora e a obriga a servi-lo. A copeira
do seu tempo e dinheiro em cosméticos, acessórios e roupas de
marca. dos usuários que frequentam a instituição. Segun- argumenta que não é seu dia de atividades. O tom
6 BOAL, Augusto, 2003, p. 117 do o relato, a copeira havia se negado a servir uma anuncia uma lei intransponível: “Regra é regra”. Jo-

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Ponto de Vista Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ponto de Vista

nas levanta a voz e a ameaça. A cena é interrompida, nista, elogiando sua habilidade de resolver o problema
e ele vangloria-se de seu desempenho de ator. sem que houvesse uma disputa que pudesse chegar
Todos debatem a alternativa de Jonas e concluem às vias de fato. Foram comparadas as alternativas,
que não conseguiu almoçar porque sua postura havia e as reflexões faziam link com os fatos vivenciados
sido demasiado dura, como de costume na vida real. diariamente, sendo que ambos, copeira e usuário,
Claudio argumenta que via a copeira como a verda- poderiam assumir o papel de opressores, dependendo
deira oprimida da cena. Jonas ouve em silêncio, sua do direcionamento de suas atitudes, dependendo do
reflexão parece ir além do espaço da oficina. seu manejo frente ao conflito, situação recorrente.
Pede, então, para tentar novamente. Na nova pro- Nosso jovem foi embora pensativo, quase fugindo.
posta, chega mais calmo para conversar. A copeira Parece que aquele momento tinha significado para
não permite que almoce e o repreende. Novamente, Jonas a possibilidade de ouvir críticas e de pensar
se exalta e a ameaça. Outro usuário o convida para sobre suas atitudes, o que era quase impossível de ser
dividir seu prato de comida. Ele se senta à mesa e não realizado cotidianamente. As propriedades estéticas
dá mais ouvidos às reclamações dela. e sensoriais da cena, e, mais especificamente, da en-
Todos comentam o acontecido, a nova cena api- trada em cena, produziam a possibilidade de juntar
menta a discussão. Houve transformação? Alguns conhecimentos sobre si mesmo, sobre a dinâmica

Também
concluíam que a copeira era a oprimida ainda e que institucional e suas falhas.
as atitudes do protagonista a justificavam. Alguém Em uma oficina posterior, ouvimos o comentário
disse que o usuário que ofereceu dividir seu prato de Jonas: “Eu sei quando eu causo confusão”, como

sou Menino de Rua


estava referendando um folgado. Outro opinou que um desabafo não forçado e com um tom de tristeza.
a copeira deveria tê-lo servido e evitado a confusão Não daquela tristeza sombria que leva à inércia e
(o que acontece também). à paralisação. Jonas estava tomando contato com
Segundo Boal, o espaço estético é dicotomizante, outras possibilidades de vivenciar sua experiência, ob-
pois o protagonista torna-se sujeito e objeto da ação, jetivando novos saberes. Parecia um pouco envergo-
além de permitir que ele observe o eu-antes, que em nhado ao dizê-lo, mas não abatido. Reconhecer seus Janna Salamandra, multipllicadora do Teatro do Oprimido – CTO
parte subsiste no eu-agora, que é, de certa forma, o próprios limites, sua própria fragilidade e incoerência
eu-ainda. O processo de se auto-observar e de ser era pré-requisito para que se sentisse mais fortalecido Conheci o Centro de Teatro do Oprimido através de uma amiga de trabalho, que
observado é revelador. e aceito. Era condição para que conseguisse assumir por sua vez era amiga de Maura de Souza (que, na época, era fotógrafa do Mandato de
Outro usuário propõe nova alternativa. Entra em o seu papel de Sujeito e lutar contra as opressões que
cena e aborda a copeira com cautela, explicando que se operam na vida social.
Sou de família Boal). Minha amiga Cíntia foi convidada a participar de uma solenidade na Câmara
dos Vereadores, onde Boal ia homenagear um religioso. Como andava meio pra bai-
haveria de ficar na parte da tarde e que não teria a Jonas continua participando das oficinas e contri-
pobre e religiosa xo, me sentindo muito só nesta Cidade Maravilhosa, saindo de uma separação e com
oportunidade de almoçar. Além disso, os problemas bui com o processo coletivo que vem sendo construído a minha mãe insistindo que eu fosse para um lugar que odiava, Cíntia me convidou
sociofinaceiros que possui não permitem que compre no NAPS III e também em outras unidades de Saúde e por isso acredito para acompanhá-la.
algo para comer na rua. A copeira, desconcertada, Mental da Baixada Santista. Participa dos “diálogos Fui porque ela insistiu! Sempre achei que política era uma coisa para políticos pi-
mantém a postura de que não dá para servir o almo- teatrais” em que apresenta os trabalhos desenvolvidos que nada na vida é lantras se darem bem à custa de pobres ignorantes, que, por não terem conhecimento
ço, pois ele vem contado. Alguém diz que não é verda- por seu grupo, troca informações com outros parti- de seus direitos, se deixavam levar e convencer por cestas básicas, dentaduras, falsas
de e que a comida geralmente sobra. O usuário toma cipantes do TO e discute temas urgentes para todos. por acaso. promessas de melhorias que nunca chegariam. Mesmo assim, fui. Nunca tinha entrado
a palavra e resolve chamar o técnico de referência. Dedica-se especialmente aos trabalhos da estética, na Câmara de Vereadores. Pra dizer a verdade, tinha medo até de passar na porta e
Eliana (psicóloga multiplicadora) rapidamente coloca produzindo poemas, pinturas etc. ser presa por invasão de espaço elitizado.
alguém para improvisar o técnico, que entra em ação. Para cada passo conquistado, um novo desafio Depois da cerimônia, fomos ao CTO, onde havia um grupo ensaiando. Assistimos
Os acontecimentos são esclarecidos ao técnico, que surge. O trabalho não se finaliza, assim como no ao ensaio. Fiquei fascinada. Eu havia feito Teatro na escola, mas nunca tinha visto
entende o caráter excepcional da situação e concede término das cenas de Teatro-Fórum. É necessário ir algo igual. Aquela metodologia era a minha cara! Eu descobri que não era a única
o almoço. A cena encerra-se. adiante, pois há muito que fazer. Nesse sentido, o Jo- do contra, como dizia minha avó e meu pai, para quem eu era o avesso do avesso. Eu
Jonas, que observava, permaneceu quieto enquan- nas mostra que o TO pode ser um instrumento eficaz era como uma pedra no sapato, principalmente de meu pai! Ele tinha até vergonha de
to os outros comentavam a postura do novo protago- na busca da compreensão e da transformação. ◘ dizer que eu era filha dele, porque eu questionava tudo.
Não entrava na minha cabeça que mulher tem de aceitar ser tratada pelo marido

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Ponto de Vista Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Ponto de Vista

como uma escrava, a qual podia espancar cada vez cabeça pra ninguém, não leva desaforo pra casa, não Teatro Legislativo, e nos agasalhou com o Centro mãe. Voltei pra perto de casa e me escondi em uma
que se sentisse contrariado. Vi muitas vezes meu pai sei como ainda não apanhou na cara pelas ruas, de de Teatro do Oprimido. casa abandonada, em frente à casa de meu pai, e fui
espancar minha madrasta com fio de ferro! Eu me tão atrevida que é.” Até hoje meu marido diz: “Bem Quando fui indicada por Helen Sarapeck, Coor- encontrada no outro dia por um vizinho enquanto
dizia: “Se fosse comigo, o mataria.” Quando pergun- que minha sogra me avisou...” denadora do CTO, para trabalhar na ONG Chil- dormia.
tavam o que eu queria ser quando crescesse, dizia: Mas no dia em que eu conheci o Centro de Teatro dhope Brasil, com meninos de rua, fiquei receosa e Sei que muitos jovens são vítimas, assim como
“Policial, pra prender marido que bate em mulher.” do Oprimido, descobri que tinha razão. Eu não era fui pedir a opinião de Boal, que me disse: “Lembra seus pais, de uma cultura escravocrata, baseada na
Meu pai sabia que eu falava para ele. Chegou a me do mundo em que vivia! Era, sim, daquele mundo de um texto que você escreveu sobre como ficou violência. Crianças acuadas buscam na fuga de casa
proibir sair do quarto quando tinha visitas. que Boal, com o CTO, tentava transformar! Um impressionada com uma ação policial aqui na Lapa? a solução de suas vidas, ou pior, aceitam a violência
Lembro-me de uma vez em que um pastor de mundo no qual as mulheres têm direito de opinar, Você dizia que queria poder fazer mais que pular como realidade e se entregam a caminhos ainda mais
uma igreja evangélica muito famosa foi lá em casa de ser respeitadas como profissionais, de ser vistas e na frente do menino que o policial ameaçara com violentos, como o tráfico, achando que só podem
convidá-lo para ser pastor (nessa época, essa igreja tratadas como seres humanos que também são. Um uma arma, lembra?” “Sim”, respondi. Ele me falou: vencer seus opressores com a lei do mais forte. Na
estava no começo, ainda não era tão rica e tão gran- mundo onde crianças devem brincar e estudar e não “Então qual é sua dúvida? Ainda não aprendeu que verdade, descobri com este trabalho que esses me-
diosa como é hoje). O tal pastor me perguntou: “Oi, trabalhar como um adulto, onde negros têm direito o caminho é feito pelo caminhante ao caminhar? ninos têm coragem para encarar a rua sozinhos, em
você sabia que Deus ama as crianças? O que acha de ao respeito como cidadãos que são! Onde as pessoas Caminhe e descubra por você mesma o que tanto busca de uma chance de viver em um lugar menos
ser uma ovelhinha de Jesus e nos ajudar a montar têm o direito de ser como são e de ter sua orientação queria fazer! Se precisar de ajuda ou tiver dúvidas, injusto que suas casas. ◘
um rebanho?” Eu tinha uns 10 anos, respondi: “Se sexual respeitada. Onde pobres e ricos têm as mesmas estaremos aqui, eu e os Curingas para ajudá-la. Vá
Jesus me quisesse como ovelha, não teria me feito oportunidades. Esse era o meu mundo! O mundo em frente, você é uma mulher muito inteligente e
um ser humano!” Meu pai me fuzilou com os olhos. pelo qual eu ansiava. saberá tomar a decisão certa.” Foi a primeira vez
O pastor falou que eu estava possuída pelo Diabo. Ao descobrir o Teatro do Oprimido, tive a sensa- que alguém me disse que eu era inteligente e capaz
Eu falei: “Não disse que Deus me ama? Como é ção de ter vivido 29 anos de minha vida como um de realizar algo!
deixou o Diabo me possuir? Minha mãe diz que, burro de canga na cara. Só via o que era posto à Quanto à experiência com os meninos em situação Nota:
1 Designação dada pejorativamente a seguidor do movimento
quem ama, cuida!” O pastor ficou mudo e os olhos minha frente ou permitido por meus donos. Conhecer de rua, o que posso dizer é que, com esse trabalho, hippie, que floresceu nas décadas de 1950 e 1960 (Dicionário
de meu pai fumegavam de raiva. Fiquei de castigo o Teatro do Oprimido foi como, pela primeira vez, descobri que eu sempre fui um menino em situação Aulete Digital), ou a alguém com aparência ou estilo de vida
semelhante ao de um hippie.
por cinco meses. poder enxergar o mundo como ele era realmente. de rua, mesmo morando em casa com minha família.
Cresci achando que era uma anormal, porque não Com seus dilemas, suas injustiças, suas belezas, suas Ouvindo as histórias desses meninos, os motivos que
aceitava o que achava injusto e questionava o que nobrezas e suas pobrezas. O melhor foi descobrir os levaram a sair da segurança de suas casas, lembrei
me parecia errado. Aos 8 anos, meu pai passou a me que não estava só, tinha pessoas empenhadas em que, aos 9 anos, fugi de casa por 24 horas. Morava
acordar às 4h da manhã para trabalhar na feira com transformá-lo. em Recife, Casa Amarela, com meu pai. Era Natal,
meus irmãos. Ficava furiosa quando ele me levava Assim como aquele cara que, para mim, na e ele tinha montado uma linda árvore na sala, na
para feiras perto de praças, onde eu via crianças da época, parecia um político meio “hiponga”,¹ que qual nos proibiu de tocar. Eu estava brincando de
minha idade brincando enquanto eu era obrigada a acreditava no ser humano e que, por amor ao seu correr atrás da cachorrinha Laysa e, ao entrar na
trabalhar. Eu só podia brincar aos domingos depois próximo, criara uma forma fantástica de ajudar este sala, escorreguei no tapete, caí sobre a árvore,
de voltar da igreja, por apenas 2 horas. Na adoles- seu povo, massacrado pela opressão, a transformar que tombou contra a parede e quebrou uma
cência, ouvi duas moças conversando no ônibus. esse mundinho em que vive em um mundão de jus- de suas bolas. Fiquei com tanto medo de
Uma dizia pra outra que só se tornou livre da tirania tiças e igualdade. E sua única regra para tanto era apanhar que fugi.
dos pais depois que casou. Pensei: “Tenho que me a ética. Esse cara era um praticante da boa política. Fiquei vagando pelas ruas. Ao ver
casar logo!!” Augusto Boal não era religioso, eu sei! Ele dizia não uma vizinha, me escondi no cemi-
Conheci o pai dos meus 9 filhos aos 15 anos, e a crer em Deus. Mas, para mim, foi um grande prati- tério, saciei minha fome com os
primeira coisa que falei pra ele, quando decidimos cante de dois de seus mandamentos, através de sua deliciosos jambos vermelhos
morar junto, foi “NUNCA LEVANTE A MÃO PRA Arte: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” e doces que havia lá, dos
MIM! Pois, se fizer isso, trate de não dormir, pois vou e “Dai pão a quem tem fome, água a quem tem sede quais ainda posso sentir o
te matar com óleo quente!” Acho que ele ficou com e agasalho a quem tem frio”. sabor. Quando começou o
medo que eu fizesse isso mesmo. Quando foi pedir à O Teatro do Oprimido é a prova de amor de Boal cair da noite, entrei em
minha mãe para morarmos juntos, ela lhe indagou: pelas pessoas, tanto que, até o seu último suspiro, pânico com medo dos
“Você tem certeza que quer isso mesmo? Minha filha trabalhou para nos deixar a “Estética do Oprimi- mortos e dos vivos.
não é ‘flor que se cheire’ e eu não aceito devolução! do”. Boal nos deu o Pão da metodologia do Teatro Queria poder su-
Ela não é do tipo de mulher doméstica, não abaixa a do Oprimido, a fonte do líquido da justiça, com o mir, queria minha

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Canal Aberto Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Canal Aberto

Um Teatro que
É uma Loucura
Eliana Guimarães, atriz do GTO Pirei na Cenna.

Eu trabalhava na cantina do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba,


quando a diretora do grupo Pirei na Cenna convidou a mim e a Lúcia
para entrarmos no grupo.
Antes de fazer Teatro do Oprimido, eu tinha preconceito comigo
mesma, tinha vergonha de ser usuária de Saúde Mental, tinha
vergonha de falar com as pessoas, achava que elas sempre iam
me discriminar. Sempre que possível, escondia que já tinha sido

Minha
internada. Eu não me alimentava direito, gostava de ficar deitada
no tapete da sala e dava graças a Deus quando anoitecia para
sonhar com meus filhos, que estavam distante em Minas Gerais,

Pirei na Cenna História


São Paulo...
Depois do Teatro do Oprimido, deixei de esperar pela noite
para dormir. Queria que o dia fosse longo, para poder mostrar
para as pessoas que, quem se trata, também pode produzir, pode
criar, pode pintar, levar uma vida normal. Eu que vivia deitada no
Transformando o Cenário da Loucura Enéas Lúcio da Silva foi artesão e ator do GTO Pirei na
Cenna, de 1997 até 2010, quando faleceu.
tapete, pensando que não seria nada, hoje falo da minha história
de vida e do Teatro do Oprimido, que é diferente dos outros teatros
porque propõe transformar a realidade, e a minha mudou. Agora
falo abertamente que sou usuária de Saúde Mental, porque quero
Eu sempre fui normal. Cresci, trabalhei, até que um dia fui mudar o preconceito que as pessoas têm com elas mesmas e mostrar
“Se ator pode ficar maluco; o maluco pode virar ator.” trabalhar na antiga estação no Morro do Cavalão, quando levei que todos têm direito a ser feliz.
um tiro no braço e desmaiei. Chamaram a ambulância, fizeram Com a minha primeira crise, passei a ter medo de multidão. Ia
(Augusto Boal) os primeiros socorros e me levaram ao Antônio Pedro [hospital de comprar algo e voltava para casa dizendo que a rua estava muito
Niterói]. Voltei para casa e fiquei fazendo tratamento no hospital cheia, porque tinha medo das pessoas. Através do teatro, viajei para
Poucos imaginariam que, de um estágio de psicopedagogia, poderia surgir um grupo de São Francisco. Fiquei um pouco nervoso, alterado por consequência outros estados, conheci pessoas, me identifiquei com o mundo, me
Teatro do Oprimido. Cláudia Simone imaginou, e por isso, em 1997, convidou usuários do do tiro. Aí, me encaminharam para a Casa de Saúde de Niterói, onde tornei sociável. Assim como a loucura transforma as pessoas, vejo
eu fiquei durante dois anos da minha vida. que o Teatro do Oprimido está transformando a minha vida. ◘
Hospital Psiquiátrico Jurujuba para terem o primeiro “surto cênico”: o esquete “HIVida”.
Lá, me ensinaram a fazer tapete. De lá com a minha alta, tive
Daí em diante, outros delírios artísticos em forma de peças de teatro surgiram, com foco
várias criatividades de fazer cestas, ônibus, porta-joias, bicicletas
na questão da sexualidade e prevenção das DSTs/AIDS no universo da loucura. Assim surgiu
etc. Passei a ter crises de nervoso de dois em dois meses. Nessas
o grupo Pirei na Cenna, que rompeu os muros do hospital para dialogar com a sociedade. crises, me levaram ao Jurujuba [Hospital Psiquiátrico], onde inves-
O grupo se pauta no lema da luta antimanicomial: “cuidar sim, excluir não”. No Pirei na tiram em mim, dando-me a oportunidade de trabalhar na portaria,
Cenna, propomos que as pessoas rompam com a normalidade da loucura, instituída na reclu- em que tive compromisso. Fazendo o tratamento e trabalhando,
são, e lutem por uma saúde mental humanizada, em sintonia com o movimento da Reforma me senti alegre, não faltava. Mas comecei a ter tonteiras por causa
Psiquiátrica do Brasil. dos fortes remédios.
No Jurujuba, me apresentaram à Cláudia Simone, que me convi-
Desde a criação do grupo, constatam-se diminuição do número de internações, aumento
dou pra fazer teatro. Isso me beneficiou, trazendo alegria pra quem
da adesão aos medicamentos, expansão das redes sociais e aumento da autoestima de seus vivia na solidão. Fazer teatro com os exercícios me fez sentir melhor,
integrantes. A história do grupo também inspirou o CTO a desenvolver o projeto Teatro do não tive mais crise nervosa, sou alegre, tenho responsabilidade.
Oprimido na Saúde Mental e serviu de referência para a criação do grupo Liberate, do Mani- Cláudia é amiga amável. Obrigado, Cláudia Simone, por ter me
cômio Judiciário. ◘ ensinado a ser melhor e mostrar que nós, com sistema nervoso,
temos capacidade. ◘

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Com 22 anos eu fiquei “22” 


Sérgio Lima, ator do GTO Pirei na Cenna.

Meu nome é Sérgio Lima. Nasci na Paraíba e, com 8 anos, vim com toda a minha
De Menina Atriz
família morar no Rio de Janeiro, no Morro do Preventório, bairro de Charitas, em Niterói.
Com 10 anos arrumei meu primeiro trabalho: três vezes por semana estava numa feira, a Mulher
onde vendia de tudo. Com 15 anos, fui trabalhar para uma família muito especial. Ela
me dava de tudo (roupas, comida), e eu fiquei trabalhando lá até completar 22 anos. E Multiplicadora
foi exatamente nesta época, em 1997, que eu fiquei “22”. Tive meu primeiro surto e fui
internado no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, que fica pertinho de onde eu moro.
Foi um momento muito difícil. Eu me lembro de não conseguir controlar minhas
Eloana Gentil, atriz do GTO Pirei na Cenna e multiplicadora do
Teatro do Oprimido. “Se Eu Não Puder
ações, mas, ao mesmo tempo, podia entender tudo o que se passava a minha volta,
inclusive os maus-tratos que sofri. Mas foi lá no Jurujuba que eu conheci o Grupo Pirei
O sonho da menina de 14 anos, que queria ser atriz de novela, Mais Pirar na Cena,
se realizou num grupo de teatro de malucos, tendo como “palco”
na Cenna. Eu estava internado. Soube que estava tendo teatro no hospital e pedi para
entrar.
um hospital psiquiátrico. Mas não importava a classificação do
grupo, e, sim, o sonho a ser realizado. Aos 17 anos, a menina se
Eu Vou Pirar na Vida”
Desde 1997, muita coisa mudou na minha vida. No Pirei na Cenna eu sou feliz, porque tornou Curinga comunitária. Ensinou, aprendeu e aprimorou-se
o grupo é minha segunda família. Já viajei o Brasil inteiro apresentando nossas peças. na metodologia do Teatro do Oprimido. Foi nesse período que Entrevista com Wanderson Pacheco, ator do GTO Pirei na Cenna
Eu amo estar no palco. Sempre sonhei viajar de avião e ser conhecido pelo meu trabalho percebeu que não estava num grupo só de malucos, mas de seres
como ator e, no Pirei na Cenna, eu consegui. Posso não ter fama, mas tenho talento. humanos que transformam suas limitações em arte.
Quero agradecer ao grande mestre Augusto Boal, por ter criado o Teatro do Oprimi- Como foi para você entrar no Grupo de Teatro do Oprimido
E foi aí que essa menina começou a querer mais. Então, foi Pirei na Cenna?
do, e à Cláudia Simone, por ter criado o Pirei na Cenna. Sou Sérgio Lima, surtei aos 22! trabalhar com Teatro do Oprimido com jovens, idosos e até num Mudou tudo. Eu não estudava. Agora estudo. Não conhecia
Hoje sou “22” do Hospital Psiquiátrico Jurujuba, do grupo Pirei na Cenna e do Teatro grupo de mulheres, em que se discutia justamente a opressão nenhum lugar, passei a conhecer: São Paulo, Brasília, Bahia... Eu
do Oprimido. ◘ contra a mulher. Nesse período, descobriu que ser mulher é ter gosto muito de fazer parte do grupo. É um divertimento. Antes,
1 “22” forma pejorativa de denominação do portador de transtorno mental. Referente uma relação forte com a culpa e com neuras que podem nos as pessoas só me viam como doido, como maluco. Elas diziam:
ao antigo Artigo 22 da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) da década de 60. desestabilizar completamente. Se surpreendeu com mulheres dos “Ah, você não pode trabalhar.”, “Wanderson, não sabe ver din-
quatro cantos do país, além de Argentina e Portugal, que lutam heiro. Não pode andar na rua sozinho.” E antigamente eu dava

Fazendo Teatro, Me Sinto na Lua pela transformação.


A menina se tornou mulher e aprendeu ainda mais com o
Teatro do Oprimido, que para ela é como transformação e desco-
ataque. Agora, tudo mudou para mim. Muitas pessoas falaram
para a minha mãe que eu era inútil. Hoje, me respeitam mais e
percebem que posso fazer muitas coisas. Tudo graças ao Teatro
Lúcia Santana, atriz do GTO Pirei na Cenna. do Oprimido.
Fui convidada por Cláudia Simone para fazer parte do grupo berta de ser humano. Ela aprendeu que não adianta fazer parte de
Pirei na Cenna em 2003. Me interessei, fiquei contente. Quando um grupo ou movimento de Teatro do Oprimido se não entender Como você se sente fazendo teatro?
comecei, na peça “É melhor prevenir que remédio dar”, fazia um a essência da metodologia. Antes, para ela era ótimo subir no Eu me sinto o tal, porque as pessoas estão batendo palmas para
pequeno papel até interpretar a personagem Eterno Delírio, mãe palco, receber aplausos da plateia e, vez ou outra, atuar com um mim. É um trabalho prazeroso. Eu me sinto bem de fazer.
do Dalua. desconhecido na intervenção. Era maravilhoso para ela, pois podia
Mudou muito a minha vida fazer teatro, pois não tive mais exibir seu talento de atriz. Depois se perguntou o porquê de estar Como foi conhecer Augusto Boal?
internações e também passei a ser mais sociável, me comunicando fazendo tudo aquilo. Nos muitos hospitais psiquiátricos que se Foi um divertimento trabalhar com Boal. As coisas que ele falava...
melhor com as pessoas. Depois participei da peça “Saúde Mental apresentou, pôde compreender que, mais do que estar na cena da Eu ficava prestando atenção – tanto que eu fazia perguntas, eu
Positiva”, sobre a AIDS na saúde mental. peça, era preciso estar na cena da vida e atuar para a transforma- ficava observando as coisas que ele falava. Era tudo com certeza.
Nestes seis anos de teatro, participei de vários congressos de ção de um mundo melhor. Daí, percebeu a plenitude do Teatro do Tudo com verdade...
saúde mental e tive a oportunidade de conhecer vários lugares Oprimido. E constatou que a vida é feita de escolhas, e essas escol-
has é que nos fazem viver e lutar por um mundo melhor. Escolheu Você já se imaginou sem o Pirei na Cenna?
que não conhecia. Conheci Salvador, São Paulo, Brasília, Flori-
Eu já me imaginei, sim. Mas agora eu nem imagino mais. Se eu
anópolis, Piauí, São João Del Rey e Londrina. Conheci o Augusto o Teatro do Oprimido.
sair do Pirei, vou viver do quê? Imagina se eu não puder mais pirar
Boal. Atualmente, estou participando da peça “Doidinho para tra- Hoje, essa menina egoísta, inflexível e cheia de esperança se na cena... Aí eu vou pirar na vida.
balhar” e faço o papel da enfermeira, que se chama doutora Doids. tornou uma mulher, mãe de dois filhos e muito responsável. E
Estou feliz em estar participando. Como é bom fazer teatro! Passa tudo isso graças ao grupo de malucos, ou melhor, de seres huma- O que você espera com o Teatro do Oprimido?
tempo, passa hora e a gente não tem hora para parar. nos que a ajudaram a realizar seu sonho de ser atriz. Foi nele que Eu quero ser mais do que ator. Além de trabalhar no Pirei, eu quero
Teatro para mim é uma arte mundial. Me sinto na Lua quando ela aprendeu a ouvir, a pensar e dialogar. Nele entrou menina e se trabalhar em outros lugares. Eu quero crescer mais, eu quero pro-
estou fazendo teatro. ◘ tornou mulher: o Grupo de Teatro do Oprimido Pirei na Cenna. ◘ duzir mais. As coisas que eu já produzi, eu quero produzir mais...

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Método

choque que abalou meus preconceitos – ou nenhum


conceito. Descobrir que usuários podiam atuar, sim,
e muito bem, foi outro susto.
A partir daí, virei responsável pelo cenário e depois
me tornei sonoplasta, para, logo depois, ser incluído na
comitiva que se apresentou num congresso sobre DST/
AIDS em Cuiabá, no Mato Grosso. Foi a primeira vez
que viajei de avião!
Em 2002, o grupo começou a trabalhar com o
Teatro-Fórum. Me ofereci para atuar, mas Cláudia
achou melhor eu continuar onde estava. Mas, na
primeira oportunidade, quando um dos atores faltou,
entrei em cena. Esse evento provisório se estendeu por
seis anos, até que me tornei Curinga comunitário

Transformado do grupo, participando ativamente da produção dos


espetáculos “É melhor Prevenir que remédio dar”,

na cena, sobre sexualidade na saúde mental, e “Saúde mental


positiva” e, também, da montagem do Teatro-Fórum-
Dramaturgia do Teatro-Fórum
transformado Musical “CAPScitando”, com atores de outros grupos
comunitários do CTO.

na vida
Alessandro Conceição, Curinga do CTO e do GTO Pirei na Cenna.
Conheci Augusto Boal em 2003, quando ele foi ao
Hospital Psiquiátrico de Jurujuba para assistir pela
primeira vez ao Pirei na Cenna. Ficamos nervosos,
Bárbara Santos, editora da revista Metaxis e Curinga Internacional do CTO.

mas nos concentramos e conseguimos nos apresentar. O Teatro do Oprimido é um método teatral que propõe a abertura de espaços de
diálogo na busca de alternativas para a resolução de conflitos reais. Buscar alternativas
Depois do fórum, ficou conosco numa longa e praze-
não significa apaziguar conflitos. Trata-se de revelá-los para entendê-los e, a partir da
Não vou esquecer quando adentrei um hospital rosa conversa. Mais tarde, nos dirigiu na criação da
compreensão de suas implicações, poder encontrar meios concretos de superá-los.
psiquiátrico pela primeira vez, em 2001, e vi pessoas “Dança do Cotidiano”, atividade da Estética do Teatro
Nosso teatro se dedica à investigação de situações de opressão, cujo sentido aqui
me implorando cigarro, café e dinheiro. Um susto. do Oprimido.
está intrinsecamente ligado ao de injustiça, ao de desequilíbrio de poder e de falta de
Pensei que fossem me agredir. Até que a Curinga Nesses anos, tive oportunidade de me desenvolver equidade no acesso a recursos e a oportunidades. Citando Julian Boal², as relações de
Cláudia Simone abriu a porta do auditório do hospital no Teatro do Oprimido. A experiência me permi- opressão não dizem respeito a escolhas individuais ou fatalidades que colocam uns na
em Jurujuba, para eu assistir ao ensaio do grupo Pirei tiu avançar na multiplicação com adolescentes em condição de oprimidos e outros na de opressores. Investigamos relações reforçadas e
na Cenna: Niterói até, junto com Monique Rodrigues, criar o estimuladas por grupos socais aos quais estes e aqueles pertencem e/ou representam.
– Alessandro, é por aqui. Ah, quando te pedirem grupo Liberarte, formado por internos do Hospital Cada um de nós é um: únicos. Somos indivíduos particulares, singulares. Entre-
alguma coisa, basta falar “Não tenho”. de Custódia Heitor Carrilho. Além disso, desde 2006, tanto, cada individualidade é fruto das muitas relações sociais travadas ao longo de
Contrariar maluco não era perigoso? Um simples integro a equipe do projeto Teatro do Oprimido na nossas vidas. Através delas, entendemos o mundo a partir de uma perspectiva, assi-
“não tenho” poderia funcionar? Essa foi minha pri- Saúde Mental, do CTO. milamos crenças, colecionamos preconceitos e aprendemos uma certa forma de viver
meira desmistificação na saúde mental. A partir dessa jornada com o Pirei na Cenna, me em sociedade. Mesmo nas situações mais particulares, essas experiências coletivas nos
Dentro do auditório, vi pessoas maquiadas e com tornei Curinga do CTO, estudante de jornalismo e, o acompanham. Como se centenas de pessoas estivessem sempre conosco, influenciando
nossas ações e reações; as coisas que falamos e as que não temos coragem de dizer;
figurinos, ensaiando uma peça num cenário interes- mais importante, um cidadão consciente da necessida-
como interpretamos o dito e o silenciado; nossa aceitação, recusa e expectativa sobre
sante. Uma das atrizes me impressionou em especial, de de lutar para transformar este nosso mundo num
o comportamento alheio. Enfim, nossas vidas.
se entregando com toda verdade numa cena de muita lugar melhor e mais justo, num lugar mais humano.
Numa situação de conflito, ambas as partes envolvidas têm, nas relações sociais
comoção. Ao final, soube que, dos sete atores em cena, Pirando na cena, muito lúcido na vida, me considero
vivenciadas, a referência de como agir diante do problema partilhado. Sem investigar
apenas uma não era usuária de saúde mental. Tive um um militante do Teatro do Oprimido. ◘

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Método Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Método

o contexto social – que agrega aspectos políticos, so- e necessidade de transformar sua realidade. Conflito quanto para a sessão de Fórum. conhecimento e de busca de alternativas. Em especial,
ciais, culturais, econômicos e religiosos, entre outros que seja suficientemente claro e objetivo, para que a O modelo deve começar oferecendo à plateia con- se a função Curinga for desempenhada adequada-
–, pode-se passar a impressão equivocada de que o plateia possa compreendê-lo. Mesmo que não exista dições de perceber o contexto social que circunscreve mente, com estímulo à participação propositiva,
que se desenrola num conflito específico só acontece um conflito objetivo sem aspectos subjetivos, é neces- o conflito e a motivação (desejo e necessidade) que mediação de diálogo crítico, promoção de Ascese e
ali: naquele lugar, com aquelas pessoas, por questões sário estar atento para que a subjetividade seja fator impulsiona a protagonista a lutar. Denominamos de aproveitamento das possibilidades de realização de
individuais. A falta de compreensão da contextuali- de enriquecimento e de complexidade desafiadora, e, contrapreparação esse momento de representação ações sociais, concretas e continuadas. ◘
zação, que insere e determina essas relações, pode não, de obscurantismo ou dispersão. no qual a protagonista tem esperança e confiança
dificultar e até inviabilizar mudanças efetivas. Cada coletivo vivencia uma variedade de confli- em sua capacidade de conquistar o que deseja. Mo-
É exatamente na ausência dessa perspectiva que tos, antagônicos (quando as partes envolvidas estão mento que antecede o desenvolvimento da trama em
reside a insuficiência mais comum nos modelos de em campos opostos e é imperativo para o oprimido direção à crise, garantindo tempo e espaço para a
Fórum: o problema encenado acaba circunscrito à encontrar meios de desarticular as estratégias do plateia perceber a justiça da questão encenada e se
relação pessoal e maniqueísta entre dois indivíduos, o opressor) ou não antagônicos (quando, apesar da identificar com a protagonista e com sua luta. Esses
protagonista – muitas vezes caracterizado pelo pobre situação conflituosa, as partes buscam o entendi- serão fatores fundamentais para a tomada de posição
oprimido bonzinho – e o antagonista – frequentemen- mento conciliatório). Dentro de cada grupo, existem dos espect-atores no Fórum.
te representado como o opressor mau e desumano. conflitos mais relevantes para uns que para outros. No desenrolar das ações dramáticas, o modelo
Para a nossa dramaturgia, é fundamental que a Entretanto, a escolha de um conflito central para um deve explicitar, com objetividade, as estratégias usa-
questão particular (retratada no modelo de Fórum) modelo de Fórum precisa se constituir num processo das pela protagonista para conquistar seus objetivos e
represente os pressupostos sobre os quais estão ali- coletivo (estético e de discussão) que revele as questões realizar seus desejos. É a representação de sua forma
cerçados os comportamentos que, na cena, parecem mais relevantes para o grupo como um todo. Rele- de lutar que permitirá que as e os espect-atores per-
individuais. Apesar de a encenação apresentar uma vância que seja capaz de mobilizar esse coletivo em cebam as artimanhas do opressor para desarticular
situação privada, da vida de alguém, essa especifici- torno de ações sociais concretas e continuadas para as estratégias e provocar o fracasso. Analisando a
dade individual deve, necessariamente, nos remeter a transformação da realidade indesejada. situação, podem-se imaginar outras possibilidades de
aos fatores sociais que forjam a situação em questão. A produção deve associar relevância, desejo e ne- enfrentamento do problema que sejam mais eficientes
Isso de modo que se possa perceber que as condições cessidade. Desejo sem necessidade pode se constituir frente às armas do opressor e de seus aliados.
objetivas (estrutura / conjuntura social) que a influen- rapidamente em caridade, em favor. A necessidade A “crise chinesa” é o ápice do conflito, auge do
ciaram ou determinaram, do mesmo modo, produ- traz concretude, mostra a urgência da transformação, confronto, quando a protagonista se vê diante do pe-
zem outras especificidades com conflitos semelhantes, estimula o avanço da luta. Por outro lado, necessidade rigo iminente da derrota, mas ainda há oportunidade
no cotidiano de muitos indivíduos. sem desejo de mudança pode expressar apenas sinais de saída. Entretanto, na nossa dramaturgia, a falha
A inclusão de contextualização na dramaturgia de depressão. Estar ciente de uma injustiça social e da protagonista é necessária. Diante do perigo, não
do Teatro-Fórum é um desafio estético e uma neces- da necessidade de mudança não garante a realização percebe ou não consegue aproveitar a oportunidade,
sidade ética e política, que exige do grupo uma com- da luta: é preciso ter desejo, vontade, esperança, con- que, por menor que seja, deve existir. O fracasso da
preensão ampliada do problema para a preparação fiança na possibilidade de transformação. Desejo e protagonista é possibilidade de reflexão/ação para
do modelo. Esse movimento investigativo do micro necessidade garantem a motivação das personagens a plateia.
(situação particular) em direção ao macro (conjuntura para a luta. O Fórum propõe uma atitude investigativa e
social) foi definido por Boal como ASCESE, exercício Na dramaturgia do Teatro-Fórum, a motivação é propositiva à plateia: “O modelo mostrou como
fundamental tanto na preparação do modelo quanto fator crucial, pois é a expressão da vontade da perso- aconteceu, como foi que se passaram as coisas na
na sessão de Fórum. Para Boal, sem Ascese, o Fórum nagem, expressão de seu “querer”, guia de suas ações vida da protagonista. Mas, e SE não fosse assim,
não chega a se estabelecer plenamente. e estratégias. A caracterização é a maneira como a como poderia ter sido? As estratégias usadas não
Um coletivo de Teatro do Oprimido deve utilizar personagem demonstra esse querer: grosseira, ro- funcionaram para alcançar as metas desejadas. Mas,
todas as possibilidades para construir esse conhe- mântica, engraçada, séria etc. As personagens podem e SE fossem outras, qual teria sido o resultado? Ex-
cimento. Associar laboratórios teatrais, seminários ter comportamentos distintos para fazer valer sua perimentemos!” Notas:

teóricos, centros de estudos e atividades da Estética vontade, mas o fundamental é que essa vontade esteja Se a plateia compreende a pergunta formulada 1 Esse texto é um fragmento do ensaio intitulado “Drama-
do Oprimido é uma alternativa eficaz para a produ- definida. Caracterização, mesmo bem desenvolvida, pelo modelo, reconhece sua relevância e, de alguma turgia no Teatro do Oprimido”, retirado do livro que está
sendo produzido pela autora.
ção artística de um modelo de Fórum. sem uma motivação consistente transforma a perso- forma, se identifica, mesmo que por analogia, ou se
O ponto de partida desse processo de criação é o nagem num corpo invertebrado. Importa saber quem solidariza com o problema encenado. A sessão de 2 Curinga do Teatro do Oprimido que integra o GTO-Paris e
conflito, que deve representar uma pergunta ainda são e como são as personagens, entretanto identificar Fórum tem os ingredientes necessários para se con- atua internacionalmente. Em seu artigo “Opressão”, publicado
na Metaxis 6, aborda o conceito.
em aberto para o grupo que vai encená-lo, seu desejo o que querem é o ponto essencial tanto para o modelo verter em uma experiência coletiva de produção de

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Método Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Método

Boal se apropria do conceito de aura utilizado por escolhidos, enquanto a maioria precisa seguir sem
Benjamin como “a projeção que faz o observador so- questionar os dogmas divinos, a vontade de Deus.
bre o objeto” (Boal, 2009, p. 41), portanto para ele a No campo artístico, esse tipo de tomada de poder
aura é produzida pelo espectador ou religioso, após o acontece através de construções comerciais da arte,
objeto ser construído. Durante sua produção o objeto que nos fazem consumir o que a indústria cultural
pode criar expectativas e alimentar a energia que irá define como melhor. Revistas, filmes, jornais e músi-
fortalecer a criação de sua aura, mas somente depois, cas são criados com fins lucrativos e com qualidade
na presença do observador, essa aura toma existência. artística construída, validada, mesmo que a mesma
Claro que o objeto em si já carrega um poder, mas não exista:
com a complementação do olhar do outro é que a aura
se instala. E esse poder áureo pode ser transpassado “Auras, nestes tempos neoliberais, têm sido
tanto para o artista, quando pensamos numa obra comercialmente construídas pela mídia como
de arte, como para um sumo religioso, se pensarmos forma de acrescentar valor – dinheiro e fama –
em objetos ditos sagrados. E esse é o ponto principal a certas obras que nem sempre o têm.” (Boal,
do aspecto político da aura para Boal, pois, com a 2009, p. 45)
possibilidade de ela se expandir para o artista ou o
religioso, uma relação de poder se inicia. Com a possibilidade de reprodução técnica e em
série das obras de arte, Benjamin considera que a aura
A substância da aura é o Saber e o Mistério. desapareça, fazendo com que as obras percam sua au-

A Aura da Multiplicação
Ela se densifica como o acúmulo de tradições, tenticidade ou valor de culto. Fenômenos tecnológicos
histórias, conhecimentos e experiências vividas, fazem com que cinema, fotografia e música possam
que são o Saber; com mitos, esperanças, lendas, ser reproduzidos em muitas cópias, perdendo-se, dessa
delírios e alucinações, que são o Mistério. O forma, um original autêntico. Todas as cópias de um
sacerdote, ao guardar (esconder) o objeto, filme são o filme. Como diferenciar uma foto original
Flavio Sanctum, Curinga do CTO, pedagogo, diretor teatral, escritor e mestrando em Ciência da Arte pela UFF. apropria-se dos poderes mágicos, místicos e de sua cópia reproduzida com os mesmos padrões
No livro A Estética do Oprimido, Augusto Boal nos leva a uma viagem literária por rituais de que a coisa, objeto de adoração, é técnicos de qualidade?
aspectos políticos, artísticos, filosóficos e até científicos. Destaco aqui sua abordagem possuidora. [...] Nos rituais da igreja católica, Para Benjamin, a função ritual da arte se esvanece,
sobre a transformação social da arte através dos tempos, a partir de um ensaio¹ de os sacerdotes escondiam o significado de suas pois não está mais ligada a sua origem ou tradição,
Walter Benjamin, no qual o filósofo alemão fala do fim da Aura na obra de arte. missas em latim. A democratização da fé opera- pois através dessa reprodução de obras e objetos a
da pelo Concílio Vaticano II, ao permitir que as aura se perde. Nesse processo de multiplicar o produto
Para Benjamin, alguns objetos e obras de arte possuem um halo, uma aura que é missas fossem celebradas em línguas locais dos artístico, quanto mais pessoas entram em contato com
criada a partir de sua produção ou do magnetismo que o observador lhe imprime. Vários fiéis, deu volta atrás com o recente papa Bento determinada obra, mais lucro ela garante aos seus
elementos são necessários para que essa aura exista: pode ser a ligação de algum objeto XVI que, se não obrigou, ao menos permitiu criadores e maior é a sua interferência no tecido social.
ou obra artística com a religiosidade, tradição, mitos e mistérios, ou mesmo alguma que outra vez fosse usado latim diante dos Ao mesmo tempo em que a autenticidade da arte, an-
particularidade em torno do artista que a produziu. E Benjamin conceitua aura como fiéis, intimidados por essa língua, hoje solene. tes preservada, não está mais em voga, a reprodução
“uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única [...] Latim tem aura; vernáculo é chão. Latim é desenfreada de determinadas obras artísticas, deixam
de uma coisa distante, por mais perto que esteja.” (Benjamin, 1985, p. 170) aura das palavras incompreensíveis pelo vulgo a sociedade mais alienada e antiprodutiva.
Boal discorre sobre o pensamento benjaminiano dizendo que, no período das pin- ao qual, hipnoticamente, são destinadas. O
turas rupestres, a arte tinha uma função ritualística ou utilitária, estando a serviço uso de uma língua estranha aumenta a aura e O conceito de aura permite resumir essas carac-
da religiosidade ou das ações cotidianas, como estratégias de caça e combates. Os esconde significados. [...] Aura é arma. (Boal, terísticas: o que se atrofia na era da reprodutibi-
homens das cavernas desenhavam animais em suas paredes para poder estudá-los e 2009, p. 44) lidade técnica da obra de arte é sua aura. Esse
depois capturá-los. Os deuses eram esculpidos ou estavam representados na natureza processo é sintomático, e sua significação vai
a fim de serem adorados. Nesse período, e se estendendo para muitos anos depois, a Então, para Boal, um dos perigos da aura é a utili- muito além da esfera da arte. Generalizando,
arte tinha uma função ritualística ligada ora à religiosidade, ora às necessidades diárias zação do poder político e antidemocrático que ela pode podemos dizer que a técnica da reprodução
de sobrevivência. causar, através das religiões, que tratam os indivíduos destaca do domínio da tradição o objeto re-
como ovelhas acompanhando um rebanho guiado por produzido. Na medida em que ela multiplica
pastores. A suposta sabedoria fica nas mãos de poucos a reprodução, substitui a existência única da

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Método Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Método

obra por uma existência serial. (Benjamin, respeito à individualidade do espectador.


1985, p. 168) O que Boal sugere é a multiplicação de artistas.

UM TEATRO
Que cada indivíduo reencontre sua sonoridade in-
Boal complementa Benjamin refletindo sobre uma terna, seu ritmo, o timbre de seu coração, de seus
esfera contemporânea: órgãos, de seu corpo. Para criar ritmos e música. Não

SUBJUNTIVO
apenas copiar o que lhe é arremessado como arte,
Não só as obras são cobertas com auras me- mas poder descobrir. Que domine a linguagem das
diáticas, mas os próprios artistas, através dos imagens para entender o mundo a seu redor e tirar
meios de comunicação de massa – quanto mais proveito dele. A utilização da linguagem imagética
valorizados por esses meios, maior a aura que nas práticas do Teatro do Oprimido tem o objetivo
os envolve. Tudo tem preço – arte e artistas. de facilitar a abstração e a criação de metáforas da “A dor deste ser me transtorna. Pois, contudo,
Tudo tem seu momento e lugar: auras religio- realidade, para uma reflexão dessa mesma realidade poderia haver uma saída para ele.”
sas, esportivas, comerciais... e auras dos novos e sua transformação. Que utilize a Palavra, uma das (Bertold Brecht)
tempos. (Boal, 2009, p. 46) maiores criações do ser humano, para se expressar, “Vários outros mundos são possíveis.”
ampliar sua comunicação e organizar o mundo atra- (Augusto Boal)
O que ocorre não é a democratização da arte, vés de conceitos.
como desejava Benjamin, mas, sim, a massificação Som, Imagem e Palavra: pilares estéticos dos quais
devemos nos reapropriar. Julian Boal, integra o GTO-Paris, foi assistente de Augusto Boal
das obras de arte, que se transformam em mercado-
por muitos anos e hoje atua internacionalmente.
rias de consumo. O espectador vira consumidor e a Através da Estética do Oprimido, Boal oferece
obra mercadoria. ferramentas para que o indivíduo possa revisitar suas
potências artísticas e conscientemente tenha capaci-
Walter Benjamin assumia uma posição otimis- dade de compartilhar o que descobriu com outras Ao fazer teatro, os oprimidos recuperam inte- A possibilidade de todos fazermos teatro só é re-
ta, pois considerava que a sociedade industrial pessoas. Não se trata de reprodução de artistas, cada lectual e fisicamente a possibilidade que lhes é alizável porque já fazemos teatro, ou ao menos uma
levara à reprodução das obras de arte (livro, um tem sua individualidade, sua unicidade. Trata-se negada de produzirem suas próprias representa- forma, a que meu pai chamava teatro essencial:
artes gráficas, fotografia, rádio e cinema) e da multiplicação dos artistas natos, do artista que ções. Escapam, pelo menos em parte, da identidade
que isso permitiria à maioria das pessoas o cada ser humano é, buscando não uma arte massi- imposta pelo outro, o opressor. É uma recuperação Mas o que é o teatro? No sentido mais arcaico
acesso a criações que, até então, apenas uns ficada e reproduzida em série, mas o novo, o belo, e, também, necessariamente, uma pesquisa, uma do termo, o teatro é a capacidade que têm os
poucos podiam conhecer e fruir. Em outras em consonância com a vivência e a experiência de investigação. A construção de uma representação seres humanos – e não os animais! – de observar
palavras, Benjamin esperava que a reprodu- cada oprimido e oprimida. Cada qual com sua aura, própria passa necessariamente pelo desencadea- a si-mesmos em ação. Os humanos são capazes
ção técnica das obras de arte promovesse a individual, mas também coletiva. Uma aura solidária mento de uma crise das representações dominantes. de se ver no ato de ver, de pensar suas emoções,
democratização da cultura e das artes. (Chauí, baseada na Ética. ◘ É inevitável lutar contra “a invasão dos cérebros”, de se deixar emocionar por seus pensamentos.
2009, p. 290) descrita por Augusto Boal em A Estética do Opri- Podem se ver aqui e se imaginar lá; se ver como
Essa moderna aura não é misteriosa. É saber mido. Essa preocupação em não mais delegar nada são hoje e imaginar como serão amanhã [...]
No meu texto “Indústria Cultural – Monopólio sem mistério. É aura da verdade descoberta, a especialistas, em fazer com que um saber margi- Todos os seres humanos são atores (agem!) e
Estético”, publicado na Metaxis 06, digo que essa não do segredo escondido. Aura do futuro, não nalizado venha à tona, é a mesma que tem Foucault espectadores (observam!). Todos nós somos
reprodução da arte não oportuniza que mais pessoas só do passado revoluto. (Boal, 2009, p. 47) por ocasião das ‘investigações-intolerâncias’ pro- espect-atores.²
possam fruir ou produzir arte, mas, sim, massifica e movidas por ele dentro do Grupo de Informação
monopoliza essa produção. O fim da aura nas obras sobre as Prisões, do qual é um dos fundadores: Essa não adesão de si a si-mesmo, às vezes, signi-
de arte, verificada por Benjamin, nos revela um mo- Referências:
1-BENJAMIN, W. Magia e Técnica, Arte e Política. São fica uma capacidade outra que não a de fazer teatro:
vimento diferente ao qual o pensador alemão aludiu. Essas investigações não são feitas de fora, a capacidade de pensar. Essa dicotomia entre ator e
Paulo:Ed. Brasiliense, 1985.
Em vez de proporcionar uma maior democratização 2-BOAL, A. A Estética do Oprimido. Rio de Janeiro:Editora por um grupo de técnicos: os investigadores, espectador nos convida a pensar outras dicotomias: a
da arte, abrindo espaço para novos artistas, novas Garamond, 2009.
aqui, são os próprios investigados. Cabe a eles falha entre o que fazemos e o que somos ou podemos
formas de representação estética e maior fruição de 3-CHAUÍ, M. Convite a Filosofia. São Paulo:Ática, 2009.
tomar a palavra, derrubar os muros, formu- nos tornar; uma falha entre as pessoas e os papéis
diferentes públicos, a reprodutibilidade técnica da lar o intolerável, e deixar de tolerá-lo. Cabe a que representam, as funções que executam, os papéis
Notas:
arte nos encaminha para uma massificação cultu- 1 A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica (1985) eles se encarregar da luta que impedirá que a que preenchem. Dizer que cada um é teatro significa
ral. Arte produzida para massas, sem autenticidade, opressão se exerça.¹ dizer que podemos todos escapar de nós-mesmos e dos
produzida em série, com interesses econômicos e sem

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Método Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental
Método

lugares que supostamente devemos ocupar. Logo, é maravilhar-se diante de uma integrante de grupo po- desses termos, aos quais no entanto sempre se refere. reduziram o Teatro do Oprimido a um conjunto de
coerente que o teatro, como prática da representação pular que, após uma representação de Teatro-Fórum, Nenhum “retrato por inteiro”, mas pinturas feitas por técnicas; outros souberam se inspirar nos textos para
imaginada por Augusto Boal, seja solidário a esse se pôs a chorar frente ao espelho por se ver, pela pri- toques sucessivos em seus escritos. Às vezes, curtos fundar experiências absolutamente apaixonantes.
teatro – capacidade propriamente humana de se ver meira vez, como mulher – quando antes só conseguia trechos nos lembram que, se for absolutamente neces- Quando vivo, Augusto Boal já alertava para que as
em ação – no qual ele apostava. se enxergar como empregada doméstica. É sempre a sário nos atermos a essas palavras, elas não poderão traições imperdoáveis não fossem confundidas com
Formas teatrais não podem fornecer uma imagem mesma recusa obstinada da ditadura do real como ser reduzidas a uma visão maniqueísta do mundo. as heresias criativas. Manter a fidelidade a Augusto
estática do mundo, trata-se de um processo infinita- sendo o único real possível; sempre aquela vontade Um trabalhador oprimido pela exploração capitalista Boal não significa preservar uma pureza, evitar má-
mente aberto: de fraturar a aparência inquebrantável do cotidiano. também pode ser um marido opressor que bate na culas. É pensar que as propostas formuladas por ele
É buscar no presente todas as possibilidades, abando- mulher. Os oprimidos não são os portadores de uma continuam globalmente válidas para nos ajudar a
O que deveria ser eliminado no teatro, que é nadas pelos oprimidos ou negadas pelos opressores, verdade: “a cabeça dos oprimidos já é tão inundada entender o mundo e a transformá-lo; que ignorá-las
uma fixação de uma imagem da sociedade, é para considerá-las como sendo momentos suscetíveis por pensamentos que não lhes pertencem”;7 tampouco nos levaria indubitavelmente ao abandono de qualquer
esta tendência ao imobilismo, do “é assim que as de desencadear rupturas. são heróis positivos sem falhas, “todo oprimido é um perspectiva de mudança concreta da nossa realidade.
coisas são”. No Teatro do Oprimido, é necessário O Teatro do Oprimido é um teatro da esperança, subversivo submisso”.8 A qual critério poderíamos nos fixar para julgar nossa
mostrar que as coisas não são, elas estão sendo. que vê no presente não a repetição eterna de um tem- Os próprios opressores se dividem entre aqueles que fidelidade? Talvez possamos encontrar uma resposta
Nada é, tudo está sendo. E para isto, quanto po “homogêneo e vazio”, mas um momento em que têm coroas sobre suas cabeças e aqueles que não têm nas primeiras linhas do primeiro livro escrito por meu
mais dúvidas e incertezas forem criadas, mais contradições se imbricam e, com suas dinâmicas, nos nada a ganhar no exercício de sua opressão.9 Dizer pai, Categorias de teatro popular:
alternativas, potencialmente, teremos”.³ deixam entrever possíveis vitórias contra opressões. que existem oprimidos e opressores não é, como se cos-
Tentativa de nos libertarmos, pelo teatro, da ideia tuma dizer com muita frequência, uma simplificação As elites consideram que o teatro não pode e
As formas de teatro criadas por Augusto Boal são de que só há um mundo possível, para estudarmos a do mundo. Pelo contrário, significa problematizá-lo, nem deve ser popular. Contrariamente a isto,
as de um teatro integralmente voltado para a explora- existência de possibilidades paralelas. Teatro experi- ir além de uma simples moral que oporia seres bons a nós pensamos que não é somente o teatro que
ção minuciosa do real, no intuito de extrair daí todas mental no sentido atribuído por Brecht, “não é o caso seres que possuem uma essência maligna. É aceitar que pode ser popular; o resto todo também deve
as possibilidades negadas pela ordem dominante, de de algumas experiências formais, mas da necessidade as identidades não são fixas, mas que estão em cons- se tornar popular: em particular o Poder e o
um teatro “subjuntivo”.4 Teatro que não é aquele da de fazer com que se conceba, pelo teatro, a vida social tante movimento, pois “o oprimido não se define em Estado, os alimentos, as fábricas, as praias, as
certeza ditada pelo indicativo, mas que pode abrir em sua totalidade como uma experiência”. Brecht, relação a si-próprio, mas em relação a seu opressor”.10 universidades, a vida.13
campos em que hipóteses, opiniões, fatos irreais – cujas teorias e práticas constituíram fonte de inspiração Uma única coisa continua certa: “Se a Opressão existe,
considerados ou imaginados – podem se expressar. para Augusto Boal: é preciso acabar com ela!”11 Talvez seja neste ponto que se encontre o caráter
Quando Augusto Boal declara, em entrevistas e tex- E para acabar com ela, o teatro sozinho não será essencial capaz de fazer com que saibamos se estamos
tos, que o que devemos sobretudo deplorar, no atual ...o prazer para os homens consiste em deixar suficiente. Pode se tornar um instrumento poderoso ou não fazendo Teatro do Oprimido. Além das formas,
estado das coisas, é a espoliação dos oprimidos de sua de aceitar sem outra forma de processo o para contestar a ordem estabelecida, por ser o lugar das representações, dos contextos e das conjunturas:
capacidade de criar metáforas, ele não está falando mundo que os rodeia [..]; consiste em brincar onde os oprimidos criam suas próprias representações buscar, sempre, fazer com que a recuperação do palco
enquanto artista preocupado apenas em partilhar com com ele, fazer experiências com ele, ou seja: do mundo e, ao fazê-lo, se desvencilham da identidade por todos se articule com a recuperação por todos do
as massas as alegrias da criação. Pelo contrário, está executar sobre ele transformações que pare- que lhes é atribuída: a de serem incapazes de repre- mundo. ◘
apostando no fato de que, só quando os oprimidos çam favoráveis. É por isto que o público, em sentar. Mas essa força não basta, a representação da
Notas:
puderem imaginar alternativas possíveis (imaginação face deste espetáculo, começa a completar a greve importa menos que a greve em si: “O teatro 1-FOUCAULT, M. Dits et Écrits. Paris:Gallimard, 2001. p.364.
que não é apenas um exercício do espírito, mas que representação imaginando outras modalidades não é superior à ação. É uma fase preliminar. Ele não 2-BOAL, A. Jeux pour Acteurs et Non-acteurs. Paris:La Décou-
verte, 2004. p.16-21.
exige ações absolutamente concretas), eles poderão se de comportamento e outras situações, antes de pode substituí-la. A greve trará mais ensinamentos”.12 3-Idem, p.40.
opor a seus opressores. Se este mundo é incapaz de opô-las, seguindo o desenrolar da ação, àqueles O ensinamento que um Teatro-Fórum produz é im- 4-Idem, p.10.
ser interpretado, então é impossível mudá-lo. Se, ao e àquelas aos quais o teatro dá prioridade. As- portante, mas aquele que a experiência real de uma 5-A análise concreta da situação concreta é uma citação que Au-
gusto Boal tomou de empréstimo a Lênin para definir o que é um
inventar o acrônimo TINA – There Is No Alternative sim, o público se converte em narrador.6 luta oferece é ainda mais. O teatro deve resultar em Teatro-Fórum.
–, Margareth Thatcher estivesse de fato com razão, uma ação concreta, o ator em cena deve se tornar um 6-BRECHT, B. Théâtre Épique, Théâtre Dialectique. Paris:L’arche,
1999. p.184.
não haveria neste mundo lugar para o Teatro do Talvez pelo fato de Augusto Boal ter o espírito de ativista nas ruas, é o jeito de criar plenamente este 7-BOAL, A. Lê Théâtre de l’Opprimé, outil d’émancipation. In:
Oprimido. um dialeticista, por demais consciente dos processos teatro – que não se contenta mais com uma interpre- Théâtre et développement. Liège :Colophon.
Confesso que, muitas vezes, subestimei a coerência tação do mundo, mas contribui efetivamente para sua 8- _____. L’arc en Ciel du Désir, Op.cit., p.49.
que transformam incessantemente o mundo, ele jamais
9- _____. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro:Garamond, 2010.
contínua do pensamento de meu pai, que definiu o tenha desejado elaborar uma definição globalizante transformação. 10- _____. Jeux pour Acteurs et Non-acteurs, Op.cit., p. 293.
Teatro-Fórum, nos anos 1970, como uma análise do Oprimido, do Opressor ou da Opressão. Não en- Os livros de Augusto Boal, também sua experiência, 11-_____. Jeux pour Acteurs et Non-acteurs, Op. cit., p.25.
12-_____. Lê Théâtre de l’Opprimé, Op.cit., p. 186.
concreta da situação concreta5 para, 30 anos depois, contramos em seus livros nenhuma descrição lapidar se propagaram mundo afora. Existem grupos de Tea- 13-_____. Categorias de teatro popular. Buenos Aires:Ediciones
tro do Oprimido em dezenas de países. Alguns deles CEPE, 1972. p.9.

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Estética Estética

imagem
Teatro do Oprimido na Saúde Mental Teatro do Oprimido na Saúde Mental

é linguagem

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Glossário
CAPS
Centros de Atenção Psicossocial são serviços de Saúde Mental destinados a prestar
atenção diária a pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. São com-
postos por equipes multiprofissionais, com a presença obrigatória de psiquiatra,
Teatro do Oprimido na Saúde Mental enfermeiro, psicólogo e assistente social, aos quais se somam outros profissionais
Projeto desenvolvido pelo CTO para capacitação de trabalhadores da Saúde Mental do campo da saúde. A estrutura física deve ser compatível com o acolhimento, o
como Multiplicadores do Teatro do Oprimido. O TO é utilizado como instrumento desenvolvimento de atividades coletivas e individuais, a realização de oficinas de
lúdico, político e pedagógico para que trabalhadores da saúde, usuários e seus reabilitação e outras atividades necessárias a cada caso em particular.
familiares possam discutir a temática da loucura e do próprio sistema de saúde nas Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.
unidades, criando alternativas para democratizar e humanizar o tratamento em cfm?idtxt=33882.
Saúde Mental no Brasil.
Centros de Convivência e Cooperativa
Saúde mental São unidades de saúde não assistenciais que têm como objetivo promover a reinserção
A Organização Mundial de Saúde afirma que não existe definição "oficial" de Saúde social e a integração no mercado de trabalho de pessoas que apresentam transtornos
Mental. Diferenças culturais, julgamentos subjetivos e teorias relacionadas concor- mentais, pessoas com deficiência física, idosos, crianças e adolescentes em situação
rentes afetam o modo como a "saúde mental" é definida. de risco social e pessoal. As ações ocorrem por meio de atividades diversificadas –
Saúde mental é um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva como oficina de arte, música, esporte, marcenaria e costura – e são desenvolvidas,
ou emocional. A saúde mental pode incluir a capacidade de um indivíduo apreciar a preferencialmente, em espaços públicos.
vida e procurar um equilíbrio entre as atividades e os esforços para atingir a resiliência Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/pessoa_com_deficien-
psicológica. Admite-se, entretanto, que o conceito de saúde mental é mais amplo cia/programas_e_servicos/saude/index.php?p=12458.
que a ausência de transtornos mentais.
Fonte:http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo. UBS
php?conteudo=1059. Unidade Básica de Saúde/Unidades de Atenção à Saúde/Unidades de Saúde da
Família. Realizam atendimentos voltados para a atenção primária à saúde: Clínica
Reforma Psiquiátrica Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Odontologia, Psicologia, Serviço Social
É a ampla mudança do atendimento público em Saúde Mental que garante o acesso e Enfermagem. Programas de saúde: puericultura, criança e adolescente, doenças
da população aos serviços e o respeito a seus direitos e liberdade. É amparada pela lei respiratórias na infância, adulto e idoso, hipertensão arterial, diabetes, esquistosso-
10.216/2001, conquista de uma luta social que durou 12 anos. Ela significa a mudança mose, prevenção do câncer, climatério (pré-natal), saúde do escolar, planejamento
do modelo de tratamento: no lugar do isolamento, o convívio com a família e a comu- familiar.
nidade. O atendimento é feito em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Residências Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/sus_3edicao_completo.
Terapêuticas, Ambulatórios, Hospitais Gerais, Centros de Convivência. As internações, pdf.
quando necessárias, são feitas em hospitais gerais ou nos CAPS/24 horas. Os hospitais
psiquiátricos de grande porte vão sendo progressivamente substituídos. CAPS AD
Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=33929. Serviços para pessoas com problemas pelo uso de álcool ou outras drogas, geralmente
disponíveis em cidades de médio porte. Funcionamento diurno.
Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.
cfm?idtxt=33882.

Usuário
Pacientes, pessoas atendidas pelo Sistema Único de Saúde.
Fonte: http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/SM_Sus.pdf.

Homenagem ao contador de piadas...


Baluarte do Pirei na Cenna, Enéas Lúcio começou no Grupo em 1997
e participou de 7 produções do grupo. Antes, trabalhou em farmácia,
marcenaria e no almoxarifado do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Sua
habilidade permitia que fizesse objetos com maços de cigarro e latas de
óleo. Porém, seu maior hobby era contar piadas. A cada ensaio, a cada en-
contro, a cada apresentação tinha uma piada para contar. Quem visitava
o grupo não saía sem antes ouvir uma anedota de Enéas. Seu repertório
parecia interminável, às vezes tinha até algumas engraçadas!

80 M E TA X I S

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