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O impacto produzido pelos livros novo marxismo que veio a ser reali-

de Nicos Poulantzas foi enorme. E zada em Fascisme et Dictature, e que


não apenas na Europa: as traduções seria aprofundada nos seus últimos
de seus livros tiveram ampla difusão livros, L'état, le pouvoir et le socia-
na América Latina e particularmente lisme e La crise de l’état.
no Brasil. O Poulantzas que influen- O trágico suicídio de Poulantzas,
ciou as novas gerações de sociólogos em 1979, deu-se quando ele estava
e cientistas políticos foi principal- em plena forma intelectual. Nas últi-
mente o do livro Pouvoir politique et mas entrevistas que concedeu, prin-
classes sociales, marcado pelo althuse- cipalmente à revista Dialectiques, nº
rianismo. A taxonomia invadira o 28, em 1979, vê-se a riqueza das
marxismo, tornando-o próximo de suas novas interpretações.
certas versões do estruturalismo mo- Nos artigos que seguem, Fer-
derno. nando Henrique Cardoso e Fran-
Entretanto, num espírito inquieto cisco de Oliveira retomam os pon-
como o de Nicos Poulantzas, aberto tos pertinentes desta entrevista pa-
à participação política e atento aos ra, a partir deles, ampliar o debate
movimentos da história, já se pres- sobre a questão dos partidos no Bra-
sentia a crítica ao formalismo do sil.

2 NOVOS ESTUDOS Nº 2
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

m entrevista concedida à revista Ao ler estas frases sente-se o eco de que-


Dialectiques em 1979, Nicos relas caboclas: quantos de nós repetimos, à
Poulantzas colocou algumas sa c ie d a d e , q u e a se p a ra ç ã o e n tre " p ú b lic o "
questões que, embora não sejam e "privado", entre a "sociedade política"
novas no debate brasileiro sobre os parti- (o Estado) e a "sociedade civil" (o mer-
dos políticos, são penetrantes e têm atuali- cado e as classes) é velha? Conseqüente-
dade. Não é o caso de reproduzir na ínte- mente, nem a visão liberal da política nem
gra o texto, mas vale a pena ressaltar al- a ortodoxamente marxista (ou a neo-
guns pontos centrais. E vale não só porque ortodoxa, do marxismo liberalizado pela
em si mesmas as colocações são interessan- leitura apressada de Gramsci) dão o salto
tes, mas porque vêm de um autor cuja in- que a análise da política contemporânea re-
fluência entre os sociólogos e cientistas quer.
políticos de esquerda na América Latina Não obstante, no debate e na prática
foi enorme. política brasileira insiste-se em pensar os
Só que esta influência decorreu mais do partidos e os movimentos sociais à luz da
Poulantzas "althusseriano" do que do teoria política do capitalismo concorrencial
Poulantzas dos cinco anos anteriores a seu e da visão liberal, que (em teoria) minimiza
lamentável suicídio, período no qual reviu as funções do Estado e maximiza a força
seu pensamento. que as organizações da sociedade civil têm
Para começar, Poulantzas polemizou para regenerar o homem dos pecados do
com o próprio Althusser e com o dirigente poder.
político e intelectual comunista italiano
Pietro Ingrao, sobre a ação do Estado e A politização do social
sua relação com os movimentos sociais.
Vale uma citação mais longa: Poulantzas percebeu os riscos da tenta-
Ninguém duvida, portanto, que se assiste tiva de um ajuste de contas com a temática
atualmente a uma nova etapa deste pro- contemporânea que simplesmente ressal-
cesso, a saber, a presença direta do Estado tasse, diante do Estado-Moloch, o pampo-
no próprio coração da produção da mais- liticismo do social. Aceitou que houvesse
valia e da reprodução da força de trabalho uma politização do social e do cotidiano
(consumo coletivo, saúde, habitação, trans- postas como necessárias pelo próprio enca-
portes etc.). A extensão prodigiosa das valamento da sociedade e do Estado, mas:
funções do Estado compreendendo seu À condição, sempre, de não se perder de
alargamento na direção dos domínios do vista os limites da extensão atual do Es-
saber e da ciência, a concentração do saber tado . . . que colocam igualmente fron-
e do poder não são mais do que indicadores teiras a esta politização do social. Limites
deste processo. Assiste-se assim a toda uma estes que, ao que parece, perderam Ingrao e
reformulação dos espaços do público e do Althusser, cada um por seu turno. Ingrao,
privado, do político e do econômico e so- quando parece entender por politização
cial, a uma modificação considerável de uma "inclusão" exaustiva, possível, às ve-
sua articulação (o que coloca, entre outras, zes desejável, do social-privado no Estado-
a questão de uma nova articulação de suas síntese da política.
organizações respectivas, partidos e sindica- Althusser, que critica Ingrao por esta con-
tos). Esta presença de redes estatais no cepção da politização do social,
"cotidiano'' conduz com efeito ao que -In considerando-a como uma "politização
grao designa como a politização do social. burguesa" (o político), mantendo ele pró-
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prio a possibilidade de uma outra política, Para que o leitor não se equivoque é
proletária neste caso, mas situada radical- melhor dar nome aos bois. A velha es-
mente “fora'' do Estado (a política), num querda e a politicagem tradicional fazem
fantasmagórico lugar-inexistente. seu circuito vital entre os Partidos e o Es-
Para Poulantzas, em ambos os casos dá- tado, deixando à margem a sociedade e os
se um pampoliticismo generalizado (a poli- movimentos sociais (salvo na hora da cata
Certas tização exaustiva do social no interior do ao voto). Em contrapartida, o gênero de
colocações de Estado, para Ingrao, e a politização prole- política de certos setores "puros" das opo-
tária fora do Estado, no caso de Althus- sições sindicais ou de correntes esquerdis-
Poulantzas ser). tas do PMDB e do PT (que se engalfi-
fazem lembrar Ora, observa nosso autor, toda luta de nham e se esfalfam correndo atrás de cada
nossas querelas classes, todo movimento social (sindical, tremor da sociedade civil e não colocam as
ecológico, feminista, regionalista, estudan- questões reais e concretas da organização
caboclas til etc.) situam-se forçosamente no terreno do Poder e do Estado) é incapaz de articu-
estratégico que é próprio do Estado. lar lutas que levem de fato a politização
Uma política proletária não pode estar si- das massas a encontrar-se com o enigma
tuada fora do Estado, assim como uma do Poder.
política situada no terreno do Estado não No máximo tropeçam com a Adminis-
é, só por isto, forçosamente burguesa. tração. Pedem mais calçamento, luz e es-
Dito isto, Poulantzas recorda que para goto (temas e demandas importantíssimos
os marxistas (e se indigna de que hoje em para a vida do povo, sem dúvida), e imagi-
dia seja Foucault quem se recorda disso) nam que com isto põem em xeque o Es-
existem limites à concepção do Estado tado.
como o engolidor da política: Este, que no capitalismo avançado é di-
É precisamente na medida em que as lutas nâmico e não imobilista, deslancha políti-
de classe e os movimentos sociais desbordam cas que, ao serem exercidas, desarmam o
sempre e de longe o Estado - mesmo que vigor político-oposicionista (veja-se a Ad-
este seja concebido em sentido lato (inclu- ministração Reynaldo de Barros e
sive compreendendo os aparelhos ideológicos acompanhe-se o crescimento do prestígio
do Estado) -, na medida em que nem tudo do prefeito na periferia . . .).
é político ou em que a política não é a Dando um passo adiante em sua
única dimensão de existência do social, que análise, Poulantzas se joga contra a "con-
existem, de fato, limites à expansão do cepção essencialista do Estado". Esta vê o
Estado. Estado como um bastião inexpugnável,
como uma "máquina" à disposição das
Modos de ver o Estado classes dominantes.
O Estado, enquanto "instrumento" das
Não é preciso citar mais para que se classes dominantes, aparece como um
veja que Poulantzas pôs o dedo na ferida. bloco monolítico diante do qual ou bem as
Estamos nos debatendo no mundo con- massas populares se integram e
temporâneo (e o Brasil, helas, é parte dele) contaminam-se com a peste burguesa que o
com este dilema: uns não vêem senão o infesta, ou situam-se radicalmente fora de
Estado (em geral a direita e os ortodoxos seus muros, puras, em busca de sua
da esquerda); outros não enxergam um consciência-de-classe por-si (o Partido).
palmo adiante da politização do social fora Neste caso a política da esquerda de-
do Estado (em geral a nova esquerda, veria penetrar no castelo fortificado a par-
cristã ou anarquista). tir do exterior, assaltando-o ou cercando-o
Poulantzas clama pela redefinição dos pela guerra de movimentos. Em resumo:
termos da antinomia. E eu concordo com sempre através de uma estratégia frontal
ele: assim como é ossificada a visão estati- do tipo double pouvoir. O Partido é sempre
zante do processo social, mesmo porque a o anti-Estado que constituirá os sovietes
política se derrama por cima dos muros do que destruirão aquele.
Estado e flui à sua base, é ingênua a visão Será preciso, neste caso, dar nome aos
"esquerdista", dos que colocam todos os bois? Quanto da visão dos partidos brasi-
ovos na cesta de uma idílica "sociedade ci- leiros repousa nesta concepção? Talvez se
vil", que, na verdade, não pode existir se- tenha substituído Lênin. Mas por um
não entremeada pela rede dos tentáculos Gramsci que quando deixa de ser lido à la
estatais. lib e ra l (o G ra m sc i d o c o n se n so e d a le g iti-
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midade) vira o estratego militar, o do as- Daí a temática, necessária, do controle
salto ao Poder, e, às vezes, também à Ra- direto das decisões pelas bases, as experi-
zão. Poulantzas substitui esta visão por ou- mentações com as formas das revoltas po-
tra: pulares e dos movimentos sociais etc.
0 próprio Poder não é uma essência quali- Tudo isto há de constituir tema de refle-
ficável, mas uma relação. 0 Estado é pro- xão, pois estas lutas e movimentos, em sua
priamente constituído pelas contradições de especificidade e em seus alcances, desbor-
classe que, sob forma específica, tornam-se dam os limites das instituições da demo-
contradições internas a ele ( . . .). 0 que é cracia representativa.
decisivo na tomada de decisões políticas A esta altura de suas reflexões Poulant-
não é o que ocorre antes ou adiante do Es- zas envereda diretamente em questões que
tado. E o que ocorre no seio do Estado. são cruciais para quem hoje pensa no pro-
Mais do que raciocinar em termos de "no blema dos partidos no Brasil. Com efeito,
interior" ou "de fora" (do Estado) é pre- e sem que se necessite de muitas explica-
ciso raciocinar em termos de terreno e de ções, a "crise dos partidos" a que se refere
posições estratégicas: as lutas populares, sob Poulantzas não é algo que vitima esse tipo
seus aspectos políticos, situam-se sempre no de organização apenas na esquerda ou nos
terreno do Estado. países de capitalismo avançado. Ela é ge-
Neste passo haveria muito o que co- ral.
mentar e, possivelmente, restringir. É ób- Poulantzas recorda que já o austro-
vio que a noção de Estado de Poulantzas marxismo, para escapar do dilema posto
não se limita à máquina burocrática e ao pelo confronto entre a concepção de par-
controle político que as classes dominantes tido da III e da II internacionais, tentou in-
exercem sobre ela. Está incluída a noção corporar os movimentos sociais de demo-
de "aparelhos ideológicos do Estado". cracia direta às instituições democrático-
Mesmo assim, embora aceitando a crí- representativas. O resultado é conhecido:
tica ao essencialismo e à visão da destrui- os movimentos sociais dissolveram-se nos
ção do Estado pelo assalto "de fora", se meandros do Estado. Conclui o autor:
não se lêem estas observações junto com o E u m e p e r g u n t o s e e e m q u e m e d id a u m a
que antes foi dito (que a política não se li- c e rta te n s ã o irre d u tív e l en tre estes d o is a s -
mita ao Estado) pode-se passar do pampo- p e c to s n ã o é u m risc o a a ssu m ir e , m a is
liticismo ao pan-estatismo, que eu não a in d a , s e ela n ã o fo r m a p a r te in teg ra n te d e Entre a velha
subscrevo. u m a d in â m ic a d e tr a n s iç ã o a o s o c ia lis m o esquerda e
Mas vale a ressalva de Poulantzas: a dem ocrático.
substituição de Lênin por Gramsci, na Não tenho dúvidas em repetir o que já
a politicagem,
concepção do Partido, do Estado e da escrevi e disse tantas vezes: é isto mesmo. é melhor
Política, com o uso e abuso do conceito de Existe uma tensão irredutível entre partido dar nome
hegemonia "fora do Estado" como pré- e movimento, instituições representativas e
condiçao para tomar o Estado (que no formas democráticas diretas, liderança ins-
aos bois
Brasil se tornou habitual depois da crise da titucional e emergência de lideranças es-
"esquerda revolucionária"), não resolve, pontâneas.
por si, a intricada questão de como relacio-
Até aí tudo bem: no vasto espectro bra-
nar os Partidos (revolucionários e mesmo
sileiro que vai do centro à esquerda (menos
reformistas) com o Estado.
os ululantes, é claro), reconhece-se esta ten-
são e ela é saudada como positiva. Mas as
Reflexões sobre a democracia
conseqüências práticas daí decorrentes nem
sempre têm coerência.
Poulantzas criticou, conseqüentemente,
certas concepções eurocomunistas: o Es- A toda hora volta-se a pensar num par-
tado não é apenas uma relação (mesmo de tido que fusione o movimento social com a
classes). Ele possui também uma materiali- política institucional. Isto é visível clara-
d ade específica d e a pa relh o q ue não se m u d a mente no PT, existe em setores importan-
m ud and o -se ap enas as relaçõ es d e classe. H á tes do PMDB e de forma esmaecida apa-
q ue reivin dicar, po rtan to, e aqu i cabe, a auto - rece no PDT.
n om ia d a organ ização d a classe trabalh ado ra Subsiste, pois, o sonho do partido-
e d as m assas po p ulares. C aso con trário ela se germe-do-estado e do partido-condutor-
d isso lveria o u se co n fu n diria co m a o bjetivi- de-massas, ou pelo menos do partido-
d a d e d o a p a re lh o e sta ta l. canal-exclusivo das massas operárias.
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Note-se que a presença generalizada do n a n te : u n ifo r m iz a ç ã o e c a n a liz a ç ã o d e s te
Estado na vida cotidiana, a politização do d iscu rs o , fo rm a s p leb iscitá rio -p o p u lista s d e
social e a necessidade da democratização c o n s e n t i m e n t o a l ia d a s a o h e r m e t i s m o d a
do Estado levam à crise não só dos parti- lin gu a g em d o s esp ecia lista s.
dos de tipo comunista mas também dos Poulantzas não conseguiu resolver o im-
partidos operários de massa (eurocomunis- passe: diante da burocratização da vida,
tas, socialistas, social-democratas). da forte presença do Estado, por um lado,
A ação repressiva do Estado, que tam- e de movimentos sociais que por sua natu-
bém se generaliza e é correlata à ação eco- reza são policlassistas (feminista, ecoló-
nômica e social do Estado no capitalismo gico, estudantil, de consumidores etc.), os
avançado, vem junto com a difusão de no- velhos partidos — mesmo, senão que prin-
vas ideologias e de novas formas de legiti- cipalmente os da esquerda — ficam entala-
mação do poder. E desnecessário exempli- dos.
ficar para o leitor brasileiro: aí está a dou- As soluções inovadoras, à la Pietro In-
trina da segurança nacional e aí estão os grao, do partido-síntese dos movimentos
cantos de s e r e i a do consumismo sociais, correm o risco de não pegar. A es-
autoritário-oligopólico. pontaneidade do social escapa e, para
Só que (e a ressalva é essencial) a rela- captá-la, o partido dilui-se no populismo
ção entre poder e mercado, entre Estado e (por mais que os líderes "basistas" neguem
sociedade civil leva a "um deslocamento o fenômeno).
mais geral dos procedimentos de legitima- As soluções tradicionais fazem água a
ção, no bojo dos circuitos estatais, dos par- olhos vistos. Daí a "tensão irredutível"
tidos políticos à administração do Es- que é a confissão (não só de Poulantzas,
tado". A par disso, os mass media, contro- minha também) de quem não vê bem a
lados crescentemente pela Administração, saída.
tornam-se os instrumentos reguladores da No caso brasileiro — como no de países
nova "legitimidade". do mesmo tipo — há agravantes. Aqui,
Será preciso exemplificar? Quem não vê nem no passado chegamos sequer a ter par-
na TV o "governo social" do sr. Maluf, o tidos modernos (com programa, máquina,
"mercadão popular'' vendendo ilusões? E militância e utopia, à la Cerroni). E eles
quem vai aos magros comícios partidários? existiram nos países que se formaram à
sombra do capitalismo competitivo (com a
Os partidos e o poder ideologia liberal de Estado, a separação
entre este e a sociedade civil, os sindicatos
A crise alcança os partidos que estão autônomos e os partidos de classe). Existi-
(estarão?) no poder. Tantas vezes já es- ram no passado mesmo em nuestra
crevi, analisando o autoritarismo local, o América: é só ver o caso do Chile e, até
mesmo que Poulantzas escreve sobre a Eu- certo ponto, da Argentina.
ropa, que pasma a similitude da crise, ape- Fica, pois, a dúvida: será que nos países
sar das diferenças de situação. sem tradição partidária, que se industriali-
É a Administração que sustenta os par- zam e crescem economicamente sob o
tidos no poder, não são estes que servem ímpeto da internacionalização da produ-
de base e dão legitimidade àquela. ção, formando um sistema oligopólico do-
Ou alguém duvida que o PDS capota e minado pela Grande Empresa, pela Em-
chafurda no desespero se o Governo não presa Estatal e pelas Burocracias, ainda ca-
assume o casuísmo eleitoral? bem partidos "à la européia"? Poulantzas
E quem pensa que as classes dominan- arrisca a hipótese da "americanização" da
tes, a Grande Empresa, o Irmão do Norte, França.
o Establishment precisam do PDS para re- Há tempos Francisco de Oliveira e eu
produzir a ordem vigente? No Brasil é vimos falando da "americanização da
claro que não. Poulantzas acha que nos política brasileira (a sociedade de massas,
países de capitalismo avançado também os comitês eleitorais). Sabemos que não é
não. Neles, afirma, bem o caso. Não existe o botim do Estado
. . . o discurso do tecnocratismo autori- pelas máquinas partidárias (o spoil-system),
tário encontra na Administração um lu- porque estas não existem. Existe só a má-
gar privilegiado de emissão. ... Este quina do Estado. Pior a emenda do que o
papel da Administração influi por seu soneto: existirão comitês eleitorais sem
turno sobre o discurso ideológico domi- continuidade na entressafra eleitoral.
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Algumas perguntas Cautela, pois. Convém não esquecer
que o país que foi berço do capitalismo oli-
Eu sei (e como!) do esforço em marcha gopólico e é pai do proletariado moderno
para dotar alguns dos partidos atuais (os EUA) matou no nascedouro, nos anos
(PMDB, PT, PDT) de caráter moderno- 20 e 30, o ímpeto de um grande movi-
europeu. Militância, bases, convenções, mento operário.
programas. Barbas de molho, porque o capitalismo
Tudo isto existe. Existe até certa demo- que aqui impera (onde ele impera) é o ian-
cracia interna. Mas: que relação há entre que da segunda metade do século XX. Di-
os partidos e o Estado? Ou entre eles e o ficilmente ele será parteiro de uma socie-
círculo mais amplo da sociedade? dade que floresceu na Europa até o fim da
Será que não fazemos tempestades em primeira metade deste século. Lá, a crise
copos de água e julgamos que o que apai- dos partidos está ligada à emergência da
xona o "público interno" dos partidos co- nova fase do capitalismo. Aqui, os "novos
move a massa, quando esta, de fato, só se partidos" nascem quando já há a "nova so-
move ao impulso do mercado e da TV? ciedade" do capitalismo oligopólico. Serão
Será que mesmo a greve (eu seria o último eles de fato "novos", ou representam ape-
a negar a grandiosidade e a importância de nas ilusões dos que organizam seu pensa-
muitas delas) não é um "fato isolado", vir- mento, suas expectativas e seus sonhos a
tuoso, de luta, mas longe demais da polí- partir da crença de que algum dia o Brasil Novos Estudos Cebrap
SP.v.1,2.p.3-7.abr.82
tica para ser germe da regeneração? será como a Europa foi no passado?

FRANCISCO DE OLIVEIRA

Da paixão
de Poulantzas
a crítica contemporânea aos par-
tidos políticos aceitam-se, geral-
mente, sua desatualidade, seu
descompasso com as novas estru-
turas sociais e sua capacidade de represen-
tar interesses de crescente complexidade.
Como decorrência, aponta-se para a ne-
cessidade do surgimento de novas forma-
ções partidárias que preencham todos os
requisitos da teoria política e, mais, dos
nossos próprios anseios sobre o partido
com que sonhamos. Desde o "verdadeiro"
partido da classe operária, em que deposi-
tamos nossas esperanças, até aquele tam-
Chico Caruso bém "verdadeiro" partido da burguesia,
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Poulantzas sem militares e tecnocratas, para "saber- nhece que o "público" é uma condensação
puxou mos" contra quem estamos combatendo. autônoma da luta de classes "privada".
o tapete da Para "vermos" o rosto dessa burguesia — Indo mais longe, com Rousseau, o geral
que nem mais a revistas de escândalos con- não é a soma dos interesses particulares e
discussão, cede comparecer. Para construir nossa pode ter, e geralmente tem, até sinal con-
sepultando identidade na dialética do espelho: ou mi- trário.
heróis e vilões rando nossa antítese, ou Alice no País das Ora, o partido como forma da gestão
Maravilhas, entrando esquerda e virando dessa relação entre "público" e "privado"
direita e vice-versa. não pode permanecer imune à redefinição
Nicos Poulantzas, esse grego que reedi- desses termos. Como a forma de represen-
tou com sua morte voluntária a tragédia tação de interesses privados (sociedade ci-
que seus — e nossos, muito nossos — ances- vil) que se fazem gerais (no Estado), não
trais criaram, também procedeu tragica- pode deixar de entrar em estado pré-
mente no terreno da teoria. comatoso.
Ante o destino implacável da realidade É o Estado como relação o cerne do
dos partidos, respondeu com aquele defini- problema, cujo estatuto teórico é o mesmo
tivo desafio em que consiste a tragédia. da mercadoria (para a teoria marxista,
Enfrentando-se quase consigo mesmo, dos diga-se logo). No capitalismo oligopolista,
tempos de sua aliança teórica com Althus- ele financia simultaneamente a exploração
ser, sepultou heróis e vilões, puxou o tapete da mais-valia e a reprodução (gastos so-
da discussão, deslocando-a das velhas tri- ciais) da força de trabalho.
lhas, para submeter o Destino à interroga- Sublinho a palavra financia. Esta é a di-
ção grave da História. ferença crucial entre o capitalismo compe-
Em uma última entrevista, resumiu e titivo e o capitalismo oligopolista. Ela en-
aprofundou reflexões que já estavam em fatiza a necessidade do estabelecimento de
L'état, le pouvoir et le socialisme, guar- uma periodização, última reprimenda de
dando, ainda, um fio de compromisso com Poulantzas a Althusser.
o passado da Questão partidária: Ao estar presente no financiamento da
. . . eu não creio que estejamos, exata- contradição, o Estado a transforma: tanto
mente, como às vezes se diz (Balibar, espe- o que se considerava como sua "natureza",
cialmente), perante uma crise da “forma seu caráter de classe, quanto seus limites,
partido”: falar dessa forma me parece tão também mudam. E isto é radicalmente dis-
inexato quanto falar da “forma Estado”. tinto da concepção "essencialista" do Es-
Trata-se, na verdade, de um lado, de uma tado, contra a qual se insurge Poulantzas.
crise do "sistema" dos partidos políticos O Estado como relação surge na me-
relacionada com as novas realidades eco- dida em que os fundos públicos — a ri-
nômicas, com a crise atual do Estado e com queza social — intervém agora na reprodu-
sua nova forma de estatismo autoritário: ção de cada capital particular, e não ape-
crise de que participam, de um lado, os nas funcionando como "condições gerais"
Partidos Comunistas da Europa Ociden- da produção. Nessa medida, se destrói a
tal. E, por outro lado, se trata de uma anterior sociabilidade da competição inter-
crise dos próprios partidos da classe ope- capitais. De criador, a burguesia passa a
rária nos países do capitalismo avançado. criatura.
Mesmo correndo o risco da simplifica-
A crise existe ção, é impossível não perceber que a forma
da representação de interesses já não pode
Meto o meu bedelho para achar que é ser a mesma. E isto é o que interessa no
correto falar de uma crise da "forma par- plano da política. Essa é a matriz do que
tido", também. Do contrário, permanece- Poulantzas chamou de "estatismo autori-
remos sempre tentando construir "O Par- tário". O Planejamento ou a Administra-
tido". Essa crise é uma decorrência das ção é a forma da política por excelência e a
mudanças no Estado e na sociedade civil burocracia seu agente.
(Poulantzas prefere falar nas "relações so-
ciais de produção"), que afetam grave- Crítica vesga
mente o recorte entre o "público" e o "pri-
vado". Por último, como aviso aos navegantes,
A teoria do partido político no capita- restaria dizer que essas transformações não
lismo nasce no momento em que se reco- decorrem de nenhum automatismo "eco-
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nômico". São o resultado da luta de classes O Parlamento?
e da utilização que a burguesia fez do Es- — É m u ito b o m , b a ix o te o r d e n ic o tin a e
tado para deter as crises. sabor agradável.
De outro lado, o financiamento da re- — A h , m a s d e q u e e sta v a m fa la n d o ? P e n -
produção da força de trabalho através dos se i q u e e r a d o c ig a rro P a rlia m e n t.
gastos estatais também opera na redefini- As artes do mago Golbery esvaíram-se
ção do Estado como relação. Desde logo, na impossibilidade de uma representação
é a outra cara do mesmo processo de sus- burguesa através de partidos. Preso, ele
tentação da exploração. E desde logo, também, à teorização convencional, refor-
também, não é um resultado "a frio", se- mou os partidos, não para que algum deles
não sob o fustigamento permanente das chegasse ao Governo, mas para destruir a
classes trabalhadoras nos países mais maciça oposição e contornar os vendavais
desenvolvidos. plebiscitários das eleições.
A crítica vesga insiste em pensar que es- Criou-se o Partido Popular nessa re-
ses gastos são apenas concessões, para cor- forma. Cheio de banqueiros, "oposição
romper a classe operária com benesses que confiável". Partido burguês não apenas
lhe minariam o ímpeto revolucionário. dos sonhos de Merlin, mas também dos
Mas os gastos sociais negam o caráter de nossos: "afinal nossa antítese", frase quase Estamos
mercadoria da força de trabalho. Reduzem tão de enlevo quanto a antiga "enfim sós" falando
a base social da exploração, limitam o dos tempos do matrimônio como clímax
campo de atuação da lei do valor. do romance. do Parlamento
Esse é o caminho para o entendimento Resistiu pouco, menos que o tempo do ou do cigarro
do núcleo da contradição no capitalismo piscar de olhos. No fundo, não passava de Parliament?
oligopolista, e não o que muitas vezes se namoro entre nós mesmos, como fazemos
tenta encontrar: uma tendência estatística de também nos atos públicos da praça da
queda nas taxas de lucro e redução dos sa- Sé . . .
lários. E essa complexa contradição que Na hora H, o anúncio da "nacionaliza-
está no núcleo da crise nos países capitalis- ção" do Projeto Jari: que piscou mais e ba-
tas mais desenvolvidos, que o furor de Rea- lançou mais os corações de alguns grandes
gan, o cow-boy septuagenário, põe a nu. burgueses desta terra que as desventuradas
A crítica da esquerda sobre a social- aventuras do Quixote que é também Ulys-
democracia e o New Deal rooseveltiano ses e seu escudeiro Tancredo que é também
deveria pôr o acento no caráter limitado Sancho . . .
das políticas keynesianas do Estado do A formação e constituição das classes
Bem-Estar, e não sobre sua adoção como sociais não-proprietárias, dominadas, com-
"corrupção" da classe revolucionária. ponentes da "sociedade civil", sofrem de-
Entre nós, a burguesia já abandonou o cisivas mutações no processo de concentra-
partido como "forma" de sua representa- ção e centralização do capital, e na meta-
ção de interesses. Aliás, lá também. Qual é morfose do Estado como relação.
a diferença que se produz na Administra- H á u m a ssa la ria m en to a b ra n gen te, d esd e
ção entre republicanos e democratas nos as antigas profissões liberais até o opera-
Estados Unidos? E, um pouco menos ra- riado, o que constrói a plataforma de um
dicalmente, entre a "virgem de ferro" da amplo denominador comum na estrutura
Inglaterra, mrs. Thatcher, e seu antecessor social. Mas as formas desse assalariamento
imediato, talvez o "cavalheiro de sabão" favorecem mais a cissiparidade corporativa
mr. Callaghan do Partido Trabalhista? que a unidade de classe.
No Brasil, existe um partido do Go- Em segundo lugar, é forçoso chamar a
verno e não o Governo de um partido, ex- atenção para alguns gastos sociais que difi-
pressão dessa crise da representação bur- cilmente podem ser atribuídos a uma vigo-
guesa, de que os casuísmos são a bruxaria rosa reivindicação das classes trabalhado-
da impotência. ras. São muito mais um aspecto das políti-
"Nossos" burgueses estão assentados cas do ciclo econômico.
nos Conselhos. Interessa-lhes constituir O Funrural, por exemplo, e o cresci-
seus lobbies tanto para administrar preços e mento da Previdência Social não podem
mercados, quanto para conseguir os con- ser ingenuamente atribuídos à força do
tratos governamentais. Comparecem ao campesinato nem do operariado. Mas a
"beija-mão" natalino do ministro do Pla- forma em que se dão esses gastos revelam
nejamento. p re c isa m e n te se u c a rá te r n ã o im p o sto p e la
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luta de classes e sua natureza de verdadeiros interesses nos gastos sociais do Estado, e
componentes da política "keynesiana" do de outro, pelas razões da concentração do
Estado brasileiro. capital, uma ampliação sem paralelo do
O Funrural propiciou a criação de mi- "exército industrial de reserva".
Os sindicatos lhares de sindicatos de "carimbo", que são Esse "exército" não se mostra tanto no
de "carimbo" o refúgio das velhas oligarquias. A amplia- desemprego — que mesmo assim alcança,
são o refúgio ção da Previdência Social é a contrafação entre "aberto" e "disfarçado", algo como
das velhas dos gastos sociais, pois que se dá pela "pri- 20 por cento da população economica-
vatização" da assistência médica. mente ativa. Mostra-se muito mais na de-
oligarquias A ampliação das classes médias no Bra- sespecialização e na rotatividade.
sil resulta menos da concentração do capi- A síntese dessa contradição se expressa
tal — onde funciona como "trabalho téc- no FGTS. Ele é, ao mesmo tempo, como
nico" — e mais da centralização e da simul- fundo de garantia, uma ampliação do
taneidade internacionalização/oligopólios. gasto estatal na reprodução da força de
E, no Estado, da expansão dos gastos so- trabalho e um mecanismo de ampliação do
ciais e do planejamento como forma de "exército de reserva", ao financiar a rotati-
conflito de classes. vidade no emprego. E somente é isso, exa-
Isto que seria o anúncio do futuro — tamente pela razão já apontada. Muito da
pois a tendência é a da transformação de ampliação dos gastos s o c i a i s é
todo trabalho em trabalho intelectual — principalmente forma de política para o ci-
aparece como a corporativização de seus clo econômico, e sofre reversões na depen-
vários segmentos, de seus vários "ofícios. dência dessa política, e não por influência
Por isso, têm também a forma de "movi- dos trabalhadores, no Estado.
mentos" e não de "classes". É essa complexa dialética que está pre-
sente na ativação em cena dos "movimen-
Exército de Brancaleone tos sociais", mais que das classes. E há
Os salários e ordenados das classes mé- muito mais que uma homogeneidade dos
dias têm determinação distinta da dos sa- "movimentos". Uns anunciam a ruptura
lários das amplas massas de trabalhadores da institucionalidade burguesa, pois nesta
manuais. Resultam de pactos no interior não cabem os movimentos feministas, o
das grandes organizações burocratizadas, dos homossexuais, o ecológico, por exem-
empresariais e do Estado. Como "exército plo. São movimentos-limite.
de Brancaleone", não ameaçam o capital E outros expressam o estado de
do ponto de vista da produção do exce- "plasma" das classes trabalhadoras ma-
dente. Podem, no entanto, ser conjuntural- nuais, tanto pela ampliação do "exército
mente estímulo ou obstáculo à acumulação, de reserva" quanto pela reivindicação dos
pela importância que seus salários têm na gastos estatais (os movimentos por creche,
demanda agregada. água, esgotos, transporte, custo de vida
Essa dupla determinação torna-as massa etc.).
de manobra nas políticas para o ciclo eco- Essa estrutura tende a produzir subcul-
nômico, auge ou depressão, estabilidade ou turas políticas de ghetto. A forma da sub-
inflação, conforme se viu recentemente no cultura política das classes médias é a de
Brasil. uma luta de reivindicações corporativistas,
A política salarial de combate à inflação particularistas, consensual e burocrática. É
"achatou" os salários médios, sem que ne- a da imposição ao Estado de suas reivindi-
nhuma organização ou grupo de classes cações específicas, a rigor a transformação
médias tivesse poder para se opor. E ainda do orçamento público num orçamento de
há "teorias" que acham que são os tecno- ofícios.
cratas que governam. A medicina pública dá empregos e, ao
Essa característica das classes médias é médico, o desfrute do tempo de consul-
que as induz estruturalmente a uma proje- tório. Aos professores, a discussão dos sa-
ção corporativa de seus interesses, lários, antes do que saber o que fazer com
desligando-as das classes trabalhadoras as universidades. E salários que nada têm a
manuais e tornando-as vulneráveis à coop- ver — por exemplo, o dos professores uni-
tação burocrática. versitários com o dos professores de 1º e
Nas classes trabalhadoras manuais ocor- 2º graus. Bastam esses dois exemplos.
rem, simultaneamente, processos que Por essa forma, as classes médias radi-
tendem a fazer convergir, de um lado, os calizam, na verdade, a "privatização" do
10 NOVOS ESTUDOS Nº 2
Estado e ampliam o fosso entre elas e as tido Comunista Italiano. E, no poder, ape-
classes trabalhadoras manuais, embora o nas executores de um capitalismo de Es-
assala riamen to abran gent e pareç a tado, ali onde o capitalismo não havia
constituir-se em suporte para uma ação cumprido sua função.
unitária de classe. Hoje, estruturar partidos da vanguarda
operária sobre a subcultura do ghetto é ten-
Fim de um ciclo
tar imprimir vitalidade a uma concepção
A forma da subcultura política das clas- "privada" das classes sociais. Entre nós, o
ses trabalhadoras manuais é o "batismo". PT oscila entre uma envergonhada postura
O ghetto onde foram jogadas pela violência leninista e uma concepção de "partido de
dos processos já descritos e pela exclusão da massas", nunca explicitada, mas clara-
cultura política das classes dominantes mente calcada na nova quantidade da
tende a produzir uma atitude para a polí- classe trabalhadora e no "basismo" das rei-
tica que é igual à que se produz para a so- vindicações do ghetto, tomadas com ex-
brevivência: a política do "mutirão". Tal pressões de "autonomia".
como a construção da "casa própria" nos O PMDB repete o funcionalismo da
fins de semana, com os vizinhos e os com- segmentação, da corporativização e das
padres. subculturas, amalgamando maiorias sociais
A política consiste em dar as costas ao que são minorias políticas. A fórmula mais
Estado como relação, mas pode abrir-se às aproximada do partido-lobby, estilo Demo-
manipulações populistas do Estado como crata americano. Incorpora acriticamente
"aparelho". A "cara de pau" do governa- uma fração derrotada da burguesia nacio-
dor de São Paulo quando diz que "fez" os nal, confundindo essa incorporação com a
conjuntos de Itaquera e o uso abusivo, lite- concepção de "partido de frente". Na ver-
raríamente chato, da primeira pessoa, do dade, essa incorporação retira-lhe viabili-
"eu", nas falas do general Figueiredo, são dade estratégica, embora lhe dê imunidade
formas "basistas", pois saltam qualquer institucional.
mediação. Assim como a recusa de signifi- A tensão, assinalada por Poulantzas, en-
cativas lideranças sindicais de assumir a tre movimentos sociais e partidos políticos
luta pelo salário-desemprego, "pecado não pode ser entendida como uma adequa-
social-democrata". Na verdade, postura ção funcionalista, de um sujeito histórico Assistimos ao
do ghetto que deixa o Estado entregue indeterminado. O partido político contem-
porâneo do futuro já existe sociologica-
fim do ciclo
à. . . burguesia e seus sequazes.
E mesmo a "negociação direta" com a mente no Brasil. Ponho p minúsculo pro- dos Partidos
burguesia, sem a mediação do Estado — positalmente, pois serão os partidos e não Comunistas
que é confundida na pobre literatura um partido, e será um partido-fusão e não
teórica sobre o sindicato com a "tutela" do um partido-síntese nem "aparelho". Ele se
Ministério do Trabalho — , é um dar as escreve exatamente com as letras dos mo-
costas ao Estado como relação e revela a vimentos sociais que significam ruptura e
concepção "essencialista" do Estado como ultrapassagem da institucionalidade bur-
aparelho. guesa.
O resultado foi o de que não havia ne- Mas ele não será o funcionalismo da
gociação possível, embora os "atores" his- segmentação, da corporativização e das
tóricos, burguesia e proletariado, estives- subculturas do ghetto, que, jacobinas ou
sem frente a frente. moderadas, não importa, na verdade con-
A crise da "forma partido" sugere que o temporizam com a anarquia soberana do
partido político contemporâneo do futuro capital. Para transformar essa tensão e
não seguirá nenhum dos figurinos do pas- levá-la mais adiante, recolherá a unidade
sado. posta pelo processo do assalariamento
A fórmula leninista, do centralismo, abrangente, mas negando a cissiparidade
fundada numa ruptura vanguarda-bases, corporativista.
na verdade introjeção no partido do prole- Apanhará os conteúdos do Estado
tariado da ruptura operada no plano da como relação, para, trabalhando no interior
produção, não tem mais nenhuma vali- dela, caminhar para sua dissolução. Que
dade. Assistimos ao fim do ciclo dos Parti- passa necessariamente pela abolição da
dos Comunistas. propriedade privada. Trata-se, na verdade,
Fora do poder, são apenas uma desatua- da constituição de um amplo movimento
lidade incômoda — com a exceção do Par- para o socialismo. Novas Estudos Cebrap
SP,v.1,2.p.7-11, abr.82
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