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CONTRA OS FRACOS

Certo dia contei à caçula que encontrara um gato em nosso galinheiro. Surpresa, me perguntou
como ele se chamava ... Edgar, respondi. Minha esposa riu, porque sabe que tenho um amigo
de juventude com este nome. Daquele dia em diante, volta e meia a filha pergunta sobre Edgar.
No início temi que pudesse atacar as galinhas, que já não se incomodavam com sua presença.
Não é um bicho bonito e ainda se afasta quando me aproximo para renovar a ração ou para
fechar o galinheiro no final da tarde.

Edgar não tem olhos para as galinhas. Sua luta é contra os ratos, estas criaturas que parecem
sinônimo de criação de aves. Sempre de cara amarrada, Edgar não corre quando me vê. Afasta-
se com andar estudado, como quem diz “não tenho medo de você” e desaparece pela
vizinhança. Não sei se tem um lar, mas seu cardápio permite supor que é bichano de rua. Numa
noite em que caía um senhor temporal, Edgar estava abrigado no galinheiro quando fui cerrá-lo.
Com pena, deixei um pouco de ração e leite. Na manhã seguinte fui libertá-lo. A chuvarada
passara e me senti feliz por tê-lo protegido. Qual nada! Cavara um buraco e se evadira. Batendo
a poeira deve ter pensado “O que este camarada está pensando? Ficou maluco?”.

Quando criança perdi um gato. Chamava-se Mimo e merecia cada letra de seu nome. Envolvera-
se numa briga qualquer na boêmia dos muros, no namoro dos telhados e morreria de tétano. Era
um tempo de poucos recursos e os animais não tinham os cuidados de hoje. Por vezes até
mesmo exagerados, convenhamos.

O jogo de Edgar e dos ratos é de sítio, de tocaia, com expectativa de capoeira. Segundo a lenda
de uma cidade alemã, prolongadamente sitiada, quando a população já andava a fazer sopa de
pedra, alguém propôs uma saída inédita. Exporiam numa ameia o traseiro de um menino para
que o inimigo imaginasse que estavam gordos e que a estratégia de estrangulamento poderia
delongar-se ainda muito mais. Enganado, o inimigo levantou acampamento e a cidade foi salva.

Gatos não têm a fibra de gansos. Em sua languidez felina, Edgar se ausenta do posto de guarda
e os ratos retornam. Historicamente, dois grandes não brigam. Aos pequenos restam as táticas
diversionistas, evitando o confronto, a luta aberta. Quando chispas saltam no ar entre dois
grandes, cada um deles se alia a terceiros, buscando construir uma vantagem para depois usá-
los como seus vigários. Não é à toa que admiramos, até sem querer, um baixinho que se mostra
valente, imprudente até, e se gruda no pescoço de um grandalhão, que o desafiara sem fazer
ideia da encrenca em que se meteria. Mas isto é raro, coisa das Termópilas, de vietnamitas.

Coloquei na alça de leitura o livro “A guerra contra os fracos”, de Edwin Black, cuja essência é a
denúncia de que a eugenia - criada no século XIX pelo matemático inglês Francis Galton,- teve
apoiadores de peso nos Estados Unidos antes de assumida pelo nazismo. Seu alvo eram
doentes mentais, epiléticos, alcoólatras, criminosos, pobres, ... Na extensa lista podemos hoje
acrescentar os mais fracos dentre os fracos: as vítimas do aborto. A eugenia é um diabolismo.

Muitos ícones seriam varridos do Olimpo se algumas de suas opiniões fossem amplamente
divulgadas. Em 1910 Churchill declarou ao primeiro ministro Asquith suas preocupações: “ A
inesperada e crescente ascensão acelerada das classes insanas e débeis mentais, somada à
firme limitação dos contingentes prósperos, enérgicos e superiores, constitui um perigo nacional
e racial que não se pode exagerar”. Em seu primeiro encontro com Stalin, Churchill declarou que
a Inglaterra visava a população civil como um alvo militar, destroçando casas em todas as
cidades germânicas para abatimento moral do inimigo: “Não teremos complacência e não
mostraremos piedade”. Genocida de milhões, Stalin sorriu e disse que isto não seria mau.

Em 1944, quando a rendição da Alemanha era apenas questão de tempo, Churchill defendeu a
utilização de armas químicas e biológicas contra civis, encomendando a preparação de bolos de
antrax que seriam lançados nas pastagens do norte alemão, envenenando o gado e a
população. Patrick Buchanan revela que os tais bolos foram testados no litoral da Escócia, que
permaneceu contaminado até 1990. Conhecer a história tem o balsâmico poder de combater
hipocrisias. Edgar e os ratos têm um jogo selvagem, mas lutam apenas pela sobrevivência.

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