Você está na página 1de 166

BENTO DE JESUS CARAÇA

CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA
,
MATEMATlCA

Campolto • impr.ssa nl
TIPOGRAFIA MáTtMÁTlCA, l.D"-
RUI Alm\fanle B.rrelo, 20, r}1:
LISBOA
LISBOA
1 95 I
Conceitos Fundamentais da. !fatemática compõe-se de três
I PARTE Partes, lttl'ldo as duas primeiras <:orrespondentes ao 1. 0 e 2. 0 volu-
1" ediçõo Junho de 1941 mes, respectivamente, da obra com o mesmo título, publicada na
2." ediçio Agoslo de 1941 II..BibUoteca Cosmos, -fundada pelo Autor e por ele dlh'gúla até
3." edição Janeiro de 1942 Junho de 1.948-13 a3." Parte, inédita e desUnada a um 3. 0 t'olume.
4" ediçiio Junho de 1944
Profundo agradecimento fica expresso aqui ao EX,ma Sr.
5." edição Selembro de 1946
Prof. Dr. António Ferreira de Macedo, pela leitura da 3.0 Parte,
aos EJ::.m<JS 8rs. Drs. j}{anuel Zaluar Nunes~ Alfredo da Costa
II PARTE Miranda e Augusto de Macedo Sá da Cosia, pela leitura do ori-
ginal, sua prepara~il0 tipográfica e revisão das provas, e à Ex.-
1." edição Junho de 1942
Sr. a Ellg." D. Guula Lami Matias que desenhou a$ figuras do
2." edição Julho de 1944
texto. A todos se dcre o ter sido let;ada a bom termo a pubUcat;ão
I, II e 111 PARTES da nova edição desta obra.

1.' ediÇiío Dezembro de 1951

No conjunto das obras do Autor, esta reedl'ção é a que em


primet'ro lugar se publica depois de 25 de Junho de 1948. Queira
o Ea:. mo Sr. Prof. Doutor Francisco Pulído Valente considerá-la
como puyca da maior gratidão.

Lisboa, Dezembro de 1951.


CÂNDIDA CARAÇA

VII
PROFESSOR BENTO DE JESUS CARACA
18-4-1901 - 25·6·]948

Nasceu em Vila Viço8a, em 18 de Abril de 1901, filho de


Jodo Aniónio Caralia cde D. Domingas da Conceiçáo Espadinha,
trabalhadorclJ rurais.
Terminou os estudos primários em 1.911 e o curso liceal em
1.918. Frequentou o Instituto Superior de Ciências EC011ómicWJ e
Financeiras (1. S. C. E. F~) de 1.918 a 1!J23, alio em que se ficencioll.
}foi nomeado 2. Q assistente do 1.0 grllpo de cadeiras do 1. S.
C. E. F. em 1 de Novembro de iMO, 1." assistente em 13 de Dezem-
bro de 1924, projclJ80r fxtraordi1Hírio em 14 de O!Ltubro de 1927
e prof8ssor catedrático da 1. a Cadeira (Alatemáticas Superiores-
Algebra Superior. Principws de Análise infinitesimal. GeomfJtria
Analítica) em 28 de Dezembro de 192.9.
Regeu no UM lectivo 1924-25 a 2." Cadeira (Matemáticas
Superiores - Análise lrJ.ftnítesímal. Cálculo das Probabilidades e
S/UJ8 Apli~at;õe8) e rk 1926 a 1946 a 1.'" Cadeira.
Em 7 de Outubro de 1946 foi demitido do cargo de profes801'
catedrático, mediante processo disciplinar de cuja decisão reCOl7'8U.
Foi eleito Presi'dente da Direcção da Sociedade Portuguesa
de Matemática pa1'U o biênio 1943-44 e DelegaM da Sociedade
aos CangrelJsos da As.~ociação LUl!o~Espallhola para o Progresso
da8 Ciincias de 1942 a 1944 e de 1946 a 1.948.
Em 1938 propOs, C01U os profcssortJ8 A. de Mira Fernandes
e C. M. Beirdo d<J, Ve{ga, ao Conselho Escolar do 1. S. C. E. F.
a furuJaçi10 do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à
Economia de que foi Director até Outubro de 1946.
Em 1940 fundou, i:om os profelJ8ores Antánio Montei/·o, Hugo
Ribeiro, J08é da Sl1va Paulo e Manuel ZaluaI', a flGazeta de
Jfatemátlca».

IX
. Em 1941 fundou a «Biblioteca Cosmos}) de que foi o único
dtrector. Galileo Galilei, valor cientifico e moral da sua obra (Confe-
r~nda).2." edição, Lisboa, 1940.
Foi Pre8ident~ da Direcçilo da Universidade Popular Portu~
guesQ., durante mmtos alias consecutivos. A arte e a. cultura popular (Colifer~nda). Lisboa, 1936.
Rabindranath Tagore (Confer@ncia). Lisboa, 1939.
Algumas reflexões sobre a Arte (C011jerência).Lisbo a .1943.
BIBliOGRAfiA
Abel ~ Galois. Gazeta de Matemática N.~ 2 - Abril, 1940.
, Sobre a inter.venção do prinCipio de substituição de intinité· Ao lattor. Ga;;ela de Matemática N.o 5-Janeiro 19-11
slmos no estabeleCImento de algumas fórmulas do Cálculo Díferen- O cinema no ensino. Gazeta dlJ Matemática N.o 10~..Abril
ciál. Revista do Instituto Superior de Comércio. Lisboa, 1929. 1942. '
Sobre a aplicação de nm grupo de fórmulas do Cálculo dM Galileo e Newton. Gazeta de ,Matemática N.o ll-Julho,
Probabilidades na teoria dos seguros de vida. RlJvista do In8tí~ 1942.
tuto Superior de Comercío. Lisboa, 1930. Nota (Pedagogia). Ga~eta de Matemálica N.\l lI-Julho,
Sobre o espaço de capitalização. RiJvista de Economia, 1942.
Lisboa, 1948. Resposta às considerações anteriores (Pedagogia). Gazeta
de Matemática N.\l 12-0ntnbro, 1942.
IIl;terpolação.8 integração numérica. Lisboa, 1033. Algumas reflexões sobre 08 exames de aptidão. Gazeta de
. Lições de Algebra e Análise. - Volume I, 2. a edição, Matemática N.o 17 _ Novembro, 11M3.
Lisboa, 1945; Volume n, Lisboa, 1940. Nota (Pedagogia). Gazeta de Mafemdtica K.o i9-Maio
~4. .
Cálculo Vectorial. Lisboa, 1937.
Conceitos Fundamentais da Uatemática. _ Volume r 5 a O número 7.. Gazeta de .Matemática N.\l22-Mar~0, 1044.
edição, Lisboa, 1946: Volume n, 2." edição 1944. ,. Em guisa da continuação dum debate (Pedagogia). Gaze!a
de .illatemática N.o 23 Fe\'ereiro, 1945.
A "ida e a obra de Enlrtsto Galoig (COIiferênda). Lisboa
1932. '
A cultura integral do indivíduo, problema central do nosso Colaborou ainda nas revistas Técnt'ca, Sean! Nova e Vértice
tempo (Co1lferérwt'a). 3. a edição, Lisboa, 1941. no quinzenário O Globo e nos semanários O Diabo e A L{ber~
Jade.
x
XI
Prefácio

-Duas atitudes em face da Ciência

A Ciência pude $Im' entarada sob doi.s aspectos dijf!Tentes.


Ou se olha para ela tal como vem e:epo8~a nos liL'ros de ensúw,
como coisa criada, e o (tspecto ti" o de um todo harmotlioso, onde
os capitu{os se encadeiam em ordem, sem contradiçDes. Ou se
pl'ocura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressú;o, assis-
tir à maneira como foi sendo elaborada, e o aspecto e totalmenle
diferente - descobrem-se hesitações, dúvidas, contradições, que só
um longo trabalho de refle::cão e apuramento eOWJIJgu/J elimtllar,
para que (ogo su-r;jam outras hesitações, outras dúvidas, outras
contradi90es.
Descobre-se ainda qualquer coisa mais impartante e mai.~
inf&rcssante:_no primeiro aspecto, a Ciência parece bastar-se
a si própria, a formação dos conceitos e das teorias parece obe-
decer só a necelw'dades interiores; no segundo, pelo contrário,
vil-se toda a influtnda que o ambiente da vúú:J. 80dat eoeerce sobre
a criação da Ciência.
A Cü:neia, encQ1'ada assim, aparece-nos como um organismo
vivo, impregnado de condição humana, com as I1UaS forças e as
suas fraquezas .e subordinado às grandes necessidades do homem
1Ul sua luta pero entendimento e pela libertação; apar-ece-nos,
enfim, como um grande eapUldo da 1'& humana social,

A atitude que será aqui adoptado

Será ei,fa a atúude que tomaremos aqui, A .Ll1atemátiea é


geralmente coWJiderada como uma ciência à parte, desligada da
realidade, vivendo na penumbra do gabinete, um gabinetefeeluldo,

XIII
íN D I C E

1.' PARTE, NÚMEROS 1

Capitulo I
onde nilo entram os ruidos do mundo B:<:ter-iQr, nem o sol, nem os O problema da contagem:
•a
clamores dOIJ homens. Isto, só em parte é 't'erdadeiro. 1.0 Números natunus 3
Sem dúvida, a Matemática possui problemas próprios, que 2.° Operações. 16
não têm ligaçdo imediata com 011 outros problemarr da vida social.
JJ/as ndoká dúvida também de que os seus jundo.mmd08 mergu·
lham tnnto como os de outro qualquer famo da Ciência, na vida Capitulo Il
real; uns e outros entroncam na mesma madre. O problema da medida. . . 29
Mesmo quanto aos 8CIM problemas próprios, raramente acon~ 1.0 Construção do campo racionttl 29
tece, se eles sito de facto daqueles grandes proMema8 que põem 2. 0 Propriedades do campo racional 38
em jogo a sua essênâa e o seu desenvolvimento, que eles nt'lo
interessem também~ e profnndamente, a /'orrenle geral das ideias.
O leitor Bneontrará ajustificaçi'1o delJtes pontos de visia nos Capitulo III
capitulos que se segu,em..Ne8te primeiro volume PJ esiiio agru- Crltica do problema da medida. 48
gados aqueles conceitos básicol/ que dizem reI/peito à noçào de 1. 0 Critica. 48
quantidade; nos seguintes rJ serão estudados os que têm por 2.° Constrllção 53
tema as noções de lei, de evolução e de classificação.

Lisboa, Junho de 19'1. Capítulo IV


Um pouco de história. 64

Capitulo V

o campo real. 83

[IJ Rifere-se à L" Parte desta obra, então pulieada isoladamente. Oapitulo VI
['] Rifere-:re ir, 2_" e a" Partes desta obra, prOJcctadas en!il-o eomo lJolu-
mes, dOi. quais se publierrn o Te/a{iw à 2." Parte. Números relativos 95

XIV xv
2,' PARTE, FUNÇOE8, 105
Capttulo 1
Estudo matemático das leis natura.is 107
l.~ Ciência e lei natural 107
2. G Conceito de função. 125
Capítulo II
Pequena digresllão técnica 140
1.0 Observações preliminares. 140
2.° Algumas funções importantes 142
Capitulo 111
Equações algébricas e números complexos 153
1.0 Equações algébricas 153
2." Números complexos lGl
3." Interaeção. 170
Capitul,o IV 1• PARTE, NÚMEROS
Excursão his tórica e filosófii:a 179

3,' PARTE, CONTINUIDADE 211


Capitulo I
O método dos limites 213
1." Conceito de infinitésimo 213
2.° Conceito de limite . 227
Capitulo 11
Um novo instrumento matemático - as séries
Capitulo 111
O problema da continuidade 288
~OTA I 313
NOTA II 317
ERRATA 319

X VI
Capítulo I. O problema da contagem.

1.0 - Números natureis.

I. A contageml opereção elementar da vida individual e


sociel.
Toda a gente sabe como as necessidades da vida corrente
exigem que, a cada momento, se façam contagens - o pastor
para saber se não perdeu alguma cabeça do seu rebanho, o
operário para saber se recebeu todo o sarário que lhe é devido, a
dona de casa ao regular as gnas despesas pelo dinheiro de que
dispõe, o homem de laboratório ao determinar o número exacto de
segundos que deve durar uma experiência - a todos se impõe
constantemente, uns mais variadas circunstâncias, a realização
de contagens.
Se o homem vivesse isolado, sem vida de relação com 08
ontros homens, a necessidade da contagem diminuiria, mas
não desapareceria de todo; a sucessão dOB dias, a determinação
aproximada das quantidades de alimento~ com que se sustentar
e aos seus, pôr-lhe-iam problemas que exigiriam contageM mais
011 menos rudimentares.
Mas, à medida que a vida social vai aumentando de
intensidade, isto é, que se tornam mais desenvolvidas as relações
dos homens uns com 08 outros, a contagem impõe-se como uma
necessidade cada vet mais importante e mais urgente. Como
POdA, por exemplo, supor-se a realização de uma tIaMac~ão
comercial sem qne um não saiba contar os gélleros que compra,
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA
4 BE~TO DE JESUS CARAÇA

o outro o dinheiro que recebe? Como pode, com mais forte até 10.000. Ora, facto essencLaI-a maior ou menor callhecime~to
razão, pens!t~-se num mercado, numa feira onde ninguém sou- dos números está- ligado com l.t8 condições da vida eeonóm~ca
deslJes pavos; quanto mais intensa é a vida de, ~elação, qnanto
besse contar? mais frequentes e actívas são as trocas comerCULlS dentro e fora
Sempre que lIOS }lO~~ns se põe ~Ol problema do qual
depende a sua vida, mdtVldual ou socLal, eles acabam por da tribo, maior é o conhecimento dos números.
resolvê-lo, melhor ou pior.
Pergunta-se portanto: - Como resolveram os homens o 3. f8ctores humanos.
problema da necessidade da contagem? Não são apenas as condições da vida social que influem no
conhecimento dos mimeros naturais; actuam neles também
2. Números naturais. condições humanas individuais.
Em primeiro lugar, a maneira como a contagem se faz;
A resposta a esta pergunta é a seguinte: - pela criação dos
para pequenas colecções de objectos, é habitual contar-se pelos
números ?laturllÜ dedos e este facto teve grande influência no aparecimento dos
1) 1,2,3,4,b,6,.··. mim~os; nao é verdade que o nome dígito, que designa os
números naturais de 1 a 9, vem do latim digitus que significa
Por quantos séculos se arrastou a criação destes números? dedo? Mas há mais: - a base do nosso sistema de numeração é
É impossivel dizê-lo' mas pode afirmar-se ~om segurança que 10, número de dedos das duas mãos(l). Nos povos primitivos
o homem primitivo d~ há 20.000 ou mais anos não tinha destes de hoje, eSsa influência é tão grande que, em .certos nomes de
númerOs o mesmo conhecimento que temos hoje. números, figuram partes do corpo humano - alguns dizem duas
"intimamente têm sido estudados com cuidado certos ml1~ em vez de 10, um homem rompleto em vez de 20 (signi.
agrupamentos d~ povos existentes na África e na Austrália. ficando que, depois de esgotar 08 dedos das mãos, se conta
Esses povos, em estado muito atrasado de dvilj~ç~~, permi- com os dos pés), etc. Noutros, ainda, nem sequer existem
tem-nos fazer uma ideiu da maneira como os prullltJ\·oS que nomes de números - quando se quer exprimir uma quantidade,
viveram há alguns milhares de anos se achavam. em relação fazem-se. gestos com as mãos.
a 8sta questão. Os resultados gerais desse estudo podem resu-
mir-se da segllinte maneira:
l.~-A ideia de número natural não é um produto purG
4. Põe 8 vida primitiva outros problemas t
do pensamento, independentemente da experiên.cia; os home~s Os povos primitivos mais atrasados que hoje se conheeem
não adquiriram primeiro os n~meros natur~ls para dep,Ols têm uma vida social tão panca desenvolvida que, para os pro-
contarem' pelo contrário, os numeros naturaIS fornm-86 for· blemas que se lhes põem, bastam os números naturais.
mando le~tamente pela prática diária de contagens. A imagem É só quando o nível da civilização se vai elenndo e, em
do homem criando duma maneíra completa a ideia de número, particular, quando o regime de propriedade se vai estabelecendo,
para depoi~ a aplicar à prática da contagem, é cómoda mas falsu. que aparecem novos problemas - determinações de comprimen-
2.° - Esta afirmação é comprovad,+ pelo que se pas:m
ainda 110je em alguns pO\'os, Há tribos da Áf:ica Central q~e
não conhecem os números nJém de Ó on 6(1); ha outras que yao (1) Têm sido usada.s out!'(l.S bases, mas) qnase sempre, números múlti-
plos de lO, J1~, no entanto, a base ideal sena 12, porque se presta melhor
que 1.0 li subdivisões; 10 tem apenas dois divisores diferentes dele (além
(1) Estão assün próltÍmas das erianylls nos primeiros allOS de vida; da unldade): 2 e 5; 12 tem quatrD: 2, 3, 4, 6.
para elas tudo 'quanto' passe alêm de 3 é - muitoE.
COYCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 1
6 BE:iTO DE JESUS OAllAÇA

tos, áreas, etc., - os quais exigem a introdução de novos Aponta para um dos objectos e diz: ttm; apont~ outro e
números. Trataremos disso no capitulo seguinte. diz: doü, 6 vai procedendo assim at~ ero;gotar. 08 ~bJectos da
colecção; se o 1Ütt"mo número pronuncIado for otto, dizemos que
5. O símbolo zero. a. colecção tem oito objectos O O O O O O O O
(fig, 1), I I I I j j j j
o homem civilizado de hoje, m.esmo com conhecimentos Por outras palavras, I ? ] 4 5 tl 7 8
matemáticos que não viio além da instrução primaria, começuL.'\ Podemos dizer , que
, adconta- F' t
.g,
a sucessão 1) (pág. 4) não pelo um mas por zero, e escrevê- gem ae reaI lza J azen o cor·
-Ia-ia assim: responder JlUCe5i5Ú;amenfe, a cada oqjecto da colecçao, um número
da lJuce88ilo natural 1). Encontramo-nos assim em fac~ da ~pe:a·
2) 0,1,2,3,4, .... ç/lo de «fazer corresponderD} uma das operações mentais maIS Im-
portantes e que na vida da todos os dias utilizamos co~stantem~nt~.
Ao primitivo, de hoje ou dos tempos pré-históricos, nãu Esta operação de «fazer corresponder» baSeia-se na.ídeia
ocorre, porém, o considerar o zero como um númeroj por isw, de correspondência que é, sem dúvida, uma das ideias baSilares
não chamaremos ao zero um número natural e à sucessiio 2) da Matemática.
chamaremos sucessão dos números inteiros. A corre~ondência ou associGA;ào mental de dois ent~s - no
A criação de um símbolo para representar o nada constituio exemplo dado, os objectos a os mímaras (fi~. 1) -eXJge que
(rum dos actos mais audazes do pensamento, uma das maiores haja um antecedente (no noSSO exemplo, o obJecto) e um con-
aventuras da razão»(!). Essa criação é relativamente recente sequente (no nosso exemplo, o numero); a maneira pela qual
(talvez pelos primeiros séculos da era cristã) e foi devida às o peDEmr no antecedente deaperta o pensar no consequente
exigências da numeração escrita. Todos conhecem o princípio chama-se lei da correspondência.
em (jue essa numeração se baseia e qual é o papel que nela
desempenha o simbolo Ul'O. Uma coisa em que nem toda a gente 7. Classificação das correspondências.
repara ó que essa numeração constitui uma autêntica maravilha
que permita, não só escrever muito simplesmente os números, A ideia de correspondência é tão importante que nos vamos
como efectuar as operações - o leitor já experimentou, por demorar um pouco no seu estudo; ele fncilitar·nos-á enorme·
exemplo, fazer lIma multiplicação, ou uma divillão, em numeração mente a compreensão de certas questões qne aparecerão adiante,
romana? E, no entanto, já antes dos romanos tinha florescido como seja a questão dos irracionais, o conceito de função, etc.
<lo civilização grega, onde viveram alguns dos espiritos matemá- Numa sala encontram-se seis pessoas - três Antónios, dois
ticos mais penetrantes de todos os tempos j e a nossa actual Josés, um João. É claro que o pensar em cada uma dessas
numeração é muito posterior a todos eles. pessoas desperta-nos imediatamente o pensar no seu nome pró-
prio; temos, por consequência, aqui uma correspondência:
6. A ideia de correspondência. homem (antecedente) ->- Mme-pr6pl'io (consequente).
Suponhamos que uma pessoa, de posse do conbecimento dos Por outro lado, o pensar num determinado nome-próprío
nlÍmeros naturais, quere contar uma colecçll.o de objectos: como desperta o pensar na pessoa ou pessoas com esse nome, e temos
procede? a correspondência;
(I) J. Pelseneer, Esq«isse du progri:s de la pensée ntalltématique. nome-p1'óprio (antecedente) ->- homem (consequente).
8 BBNTO DI!: JESUS CARAÇA. CONCEITOS I<TINDAMENTAIS DA MATEUÁTICA 9

Em que diferem estas duas correspondências? Em terem mos estabelecer entre elas uma correspondência. Se elas se encon-
trocado os papeis de antecedeIlte e consequente; sempre que tram no caso representado na figo 2, há equiva1ência~ e isso quere
duas correspondências estão nestas condições, dizem-se rBC'í· dhoor que, se se tivesse feito separadamente a contagem de cada
praca, uma da outra. uma delas, se obtinha o mesmo número. Isto é - a equivalência
Consideremos a correspondência homem ---.. nome-próprio; de duas coucções de olv'eclos ;;ígnffita igtwldadi3 de quantidade,
todo o antecedente tem. consequente (a não seI' que na sala se melhor, igualdade ck número de ob)ectolJ.
encontrasse alguma criança ainda não registada); urna cor-
respondência em q!la isto B6 di5 chama-se completa. 9. Prêvalência.
Quantos consequentes correspondem li. cada antecedente?
Um só; toda a correspondência completa nestas MndiçÕ0s diz-se Suponhamos ag{)ro. que se dava o caBO representado na fig, 3.
univoca ou um-a-um. Não há equivalência entre as colecções A) e B)j a corres·
Consideremo8 agora a correspondência reciproca n01M-pró. pondência A) -+ B) não é completa- o número de objectos de A)
prio ...... homem. Esta correspondência é completa (se considerar- é maior que o de B).
mQ3 a mesma. colecção acima menciemada) mas não é uniuoca Por outro lado, verifica.- 1 2 J 4 :; 6 1
- há antecedentes (António, José) aos quais correl!ponde mais mos que B) se pode pôr em f 1 f f f f t
de um consequente; toda. a. correspondência. eompleta em que cotIespondêneia hiunivoca A) O O O O O O O
isto se dê chama-se um·a-vários. com umapartedeA),istoé: I! 1 ! 1 1 J
B) é equivalente a. uma. parte B) O O O O
8. As correspondências biunívocas; equivalência. de A), sem que A) seja equi- ~ J L l
valente a nenhuma parte de 1 Z 1 '"
Pode acontecer que uma correspondência. s~ja unívoca e a B)j a colecçào A), neste F' 3
reciproca também; se isso se der, a correspondência cha-
8Ua. caao, diz-oo prêvalente 8. B). lU,
ma·se biunívoca. Exemplo: Assim enquanto a equivalência se traduz pela igualdade, a
1 2 3 4 5 numa saia. encontram·S8 prevalência traduz-se pela desigun.ldade - o número de objectos
seis homens com as res- de A) é maior que o de B) - e este estudo pode resumir-se
i
O
i i i 1
pectivas esposas; fi. cor-
reRpondêncía marido _ es-
assim: o todo ndo é equit:alente à parte, o todo é prevalente à
A) O O O O posa é completa e unívoca,
pa1'te,. 011. linguagem yulgar, estas afirmações euunciam-se assim:
o todo é maior que a parte; mas, devido n. raz.ões que só adiante

B)
!O O1 O1 OI O1 a correspondência reci~
proca. esposa +-- marido é
tllmbém completa e uni-
podemos esclarecer, é melhor conservar o primeiro enunciado,

la, Princípio de extensão.


voca - a correspondência
~ l l i l
é biu{iivoca.
Sempre que
ViU-fie atrás como a operação da contagem, repeti lIa por
muitos milhares de anos, acabOll por levar à criação dos números
1 2 3 .(o 5 dUa8 CQ-
Fig.2 lecções de entidades se po- naturais, e viu-5e que a extonsão do seu conhecimento depende
dem pôr em correspon- do grau de civilização e da intensidade da vida social do homem,
dência biuníroca, elaa dizem-se equú;alentes, Assim, a ideia que tem do número natural o homem civi-
Vejamos como a ertuivalência intervem directamente na con- lizado de hoje é mais complet1., mais geral, do que aquela
tagem. Suponhamos duas colecções de objectos A) e B) e procure- que tem o homem primitivo j é mesmo diferente da que tinha
10 BE~Q DE JESUS CARAÇA COriCEITOS }<'U~DAMENTAlS DA MATEMÁTICA 11

o filósofo da Grécia antiga, a mais elevada e bela civilização da PÔr esta pergunta é o mesmo que pôr esta: onde acaba a
Antiguidade, separada de nós por pouco mais de 20 íléculos. SUC8$são dos números inteiros'~ ou ainda: qual é o maior número
Para o primitivo, e mesmo para o filósofo antigo, Os núme- inteiro, o número inteiro além do qual não pode pensar-se que
ros estavam impregnados de Natureza - a Natureza em cuja la- exista mais algum?
buta o homem adquiriu todos os seul:l conhecimentos-os núme- A resposta depende, evidentemente, da pessoa a quem for
ros estavam ligados às coisas de que eles se serviam para contar. feita a pergunta. Se for a uma criança de tres anos, ou a um
Para o homem civilizado de hoje o número natural é um primitivo dos mais atrasados que hoje existem, o maior número
ser puramente aritmético, desligado das coisas reais e inde- não irá além de ó ou ti; se for a um primitivo dos menos atra-
pendente delas - é uma pura conquista do seu pensamento. Com Ilados, já andará por uns milhares. E se for a um homem & ...i-
esta atitude, o homem de hoje, esquecido da humilde ori~em lizadO J a um representante da cultura média de hoje? Eis como
histórica do número, e elevando-se (ou julgando elevar-se) aCIma esse homem, afastado da origem histórica do número, pensará:
da realidade imediata, concentra-ge nas guas possibilidades de .naquela sucessão, eu passo dum número para o seguínte jun-
pensamento e procura tirar delas o maior rendimento. Não é tando-Ibe uma unidade; pOI' meio desta operação mental elemen-
aqui o lugar de discutir o fundamento filosófico de tal atitude. tar - Juntar uma unidruie - eu passo do 1 para o 2, do 2 pam
Verifiquemos, no entanto, como um dado real que não pode o 3 e vou tão longe quanto quiser; se me derem um número ri,
ser posto de lado, que o homem tem tendêneia a generalizar e por maior que seja, eu posso sempre efectuar sobre ele a mesma
estender todas as aquisições do seu pensamento, sl'Ja qual 101' o operação mental e obter um nÚIDpro maior - n+ 1 -logo, para
caminho pelo qual €SIiJWJ aquisú;ões se obtêm, e a procurar o maior mim, não há um número inteiro maior que todos os Qutros. Impor-
rendimento posmvel dessa/! generalizações, pela e:eplO1'uçao metó- ta-me pouco que a certa altura esteja já construindo, com fi
dica de todas as sua..., ronsequiJnclas. minba operação IPontal elementar, nlÍmeros tão grandes quo não
Todo o trabalho intelectual do homem, é, no fuudo, orien- tenha possibilidade prática de considerar colecções que esses
tado por certas normas, certos principios. Aquele princípio em nameros sirvam para contar; importa-me pouco; eu, da reali-
vIrtude do qual se manifesta a tendência que acabamos de men- dade prática, tirei a ideia dos primeiros números e a da opera-
cionar, daremos o nome de principio de ezte1tlJão. ção elementar de passagem de um ao seguinte; agora, vou tírar
N o estudo que nos está ocupando, encontraremos outros todas as consequências dessa ideia e dessa operação; o meu
princípios: por agora, vamos ver já uma aplicação importantis- pensamento não vê barreira para aplicaçliO da. operação ele-
siroa do prinCípio de extensão a uma das questões mais discutidas mentar j por outras palanas, aceita, não pode deixar de aceitar,
de toda a história da Ciência. a possibilidade de repetição ilimitada do acto mental- Juntar
uma unidade".
11. O primeiro contado com a noção de infinito. Eis como raciocina o homem do hoje; para ele, de posse do
conceito gerai de número inteiro, nlio há número maior qne os
Voltemos à sucessão dos números inteiros outros. Este facto exprime-se por qualquer dos seguintes enun-
ciados, equivalentes: 3) a lfllcessào dos números inteiros é
2) 0,1,2,3,4,· ... ilimitada,. b) dado um número inteiro, por maior que seja, eX{8te
6empre outra maior,. c) liá uma b!finidade de llU11Ie1'os ll/teiros.
o que querem dizer, nesta sucessão, os três pontos colo- Para dar bem a ídeia d.e que a sucessão dos números inteiros é
cados depois da última virgula? Esses três pontos - sinal de ilimitada, ela escrever-s8-á daqui por diante assim:
retw~Jlcia matemática - querem dizer que não estão lá escritos
todos os nu.meror; inteiros; faltam numeras inteiros. Quantos? B} 0,1,2,3, .. ·n, ....
12 BENTO DE JESUS CABAQA CO:'o<CEITOS FUXDáMENTAHI DA MATEMÁTICA 13

Estamos à porta do dominio do infinito,. preparemo-nos Pois hem; admitindo tudo isto, tem significado real o
para o 8altO no desconhecido. falar-se no conjunto dos pontos da recta, "isto que, dado um
ponto qualquer, podemos averiguar sempre se ele está ou não
12. DefiniçãO de conrunto. alinbado com A e B - se estiver, pertence ao conjunto: fi o caso
do ponto N da figo 4; se não 88ti\'81', não pertence: é o caso do
A palavra conjunto bá-de ser empregada viritlEl \-ezes nesta ponto M.
exposição e vamos, por isso, dar, desde já, o seu significado. I'onhamos agora a seguinte questão - quantos pontos tem
Num certo momento olbamos para uma sala, por exemplo, uma a recta? Consideremos dois pontos A e D, quaisquer, que deter-
sala de espectnculo, oode está um agrupamento de pessoas; é
claro que essas pessoas são, uma a uma, entidades determinadas minam sobre a recta um segmento AR (fig. 5); dividamos esse
e gozam em comum da propriedade de, no momento de que segmento ao meio - obtem se o ponto Ai ; dividamos AI Jj ao
falamos, estarem nessa sala,. qualquer pp,ssoa que nesse momento meio - obtem·!I8 .iÍ2 j dividamos A~ B ao meio - obtem-se A J etc.,
passe na rua, não goza dessa propriedade. ' até onde? onde pártt a possi-
Portanto, se falarmos no conJunlo ih pessoas que estda delltm bilidade de prosseguir na dL- A"-----Ã-,--Ã;-Ã;::à
da sala, referimo-nos a qualquer coisa de bem determinado e dsão ao meio? Se el1carar~
tal que, dada uma pessoa qualquer, podemos averiguar com mos a questão do ponto de Fig.5
rigor se ela pertence ou não ao conjunto de que se falou. vista.. prático, a divisão pára
Definlção. Em geral, dizemos que é dado 'Um conJunto de na o.ltura em que obtemos segmentos tão pequenos que já não
certos elementos quando: a) eleiôl são, de si, entidades determi- há instrumentos com preciEllio suficiente para a levar mais looge.
nadas; b) al~m disso, há a possibilidade de averiguar se um Mas ponhamos a questão do ponto de vista teórico, à luz do
elemento qualquer, dado ao acaso, pertence ou não ao conjunto. princípio de ea:tensão; só é possh'el uma de duas coisas - ou o
Por exemplo: temos o direito de falar no conjunto dos ponto geométrico é um pequeno corpúsculo com dimensões, em-
númeroll inteiros e, pelo que vimoiôl acima, esse conjunto é infinito bora muito peqnenas J e a operação de divisão ao meio ter-
ou, por outras palavras, tem 'Uma lnfinidade ih elementos. mina quando se obtiver um segmento de comprimento igual ao
comprimento do corpúsculo; ou o ponto geométrico tem compri-
13. Existem outros conjuntos infinitos" mento Ze:J'O e então, por mais pequeno que seja o segmento
Ã:J1 obtido numa divisão ao meio, é sempre possível pensar
Em face da definição que acabamos de dar de conjunto terá uma nova divisão ao meio. Neste caso, o acto mental de divisão
existência a entidade conjunto de pontos de 'Uma recia r ao meio pode repetir-se ilimitadamente, e teremos sobre o se-
Seja (fig. 4) no plano P a gmento AB uma infinidade de pontos ~, A t ,··· A,,, ... - tere-

~
~ ~ recta definida pelos dois pontos mos 'Um novo conjunto infinito.
/
~
A
' ~-
li: A e B. Sabe-se que a geometria
considera a "eeta como figura
só com uma dimeusilO-compri.
Qual das duas coisas devemos aceitar? Por agora, não
0demos dar. as r~lz1Jes que nos levam a uma escolha, mas o
r.
eitor pode ficar sabendo desde já que a primeira hipótese se
Fig.4 mel1to-e o ponto como nito tendo
choca com dificuldades de tnl ordem que tem que ser abando-
ea:tensão, portanto com dimen.
sões nulas; sabe-se ainda mais, que dois pontos A e B deter- nada (1); resta a segunda-o conJunto dos pontos da rectaé infinito.
minam lIma redu e só uma - qualquer outro ponto da recta
está alinhado com os dois pontos A e B. (1) Ver a justifieaç'ão no capitulo oi.o; (parágrafo 13 e seguintes). Lã
será vista a grande importância filosótíca e lustóriea que esta questão tem,
BESTO DE JESUS CARAÇA CQ)TCEITOS FUNDAME},""fAIS DA MATEMÁTICA 15
14

Mais; se olharmos para a figo 5 verificamos que, sobre 6, ... 2n, . ' .. São ambos conjuntos infinitos, e entre eles pode
o segmento Ali, alem da infinidade de pontos AI' A z "" An,o. o
estabelecer-se uma correspondência biunívoca, como mostra a
!ui mais úifin{dades de pontos - entre A e Ai podemos fazer o figo 6 - a cada número de N) corresponde um de P) e nm
mesmo raciocinio que fizemos entre A e B; entre AI e A~ o só - o seu dobro j a cada
mesmo, etc. Encontramo-nos, por cOllsequência, em face de um número de P) corresponde M ·1. 3 ... n ••.
infinito de natureza diferente do infinito da sucessão 3) (pág. 11).
Será possivel comparar estes diferentes tipos de infinito? A
um número de N), e um só
- a sua metade.
Quer isto dizer que P)
!
p} 2.
f
~.'"
t'
2n••••
questão é delicada, mas podemos ver alguma coisa dela; vamol!
dar os primeiros passos no dominio encantado do infinito. e N) silo equivalentes: mas
P) é uma parte de N) logo,
em conjuntos infinitos o todo e a parte podem ser equivalenteiJ}
14. Correspondência no infinito.
o que não se dava no finito (pág. 9).
A nossa operação da contagem vai ainda fornecer~nos o
modelo (mas agora só o modelo) do que há a fazer para com- 2." Ea:emplo: - Seja (fig. 7) o triângulo rectângnlo BAC e
parar 08 vários tipos de infinito. Vimos que se realiza uma con- tiremos a meio de AB uma paralela A'e' a A 0,- sabe-se, da
tagem fazendo corresponder objectos a números; 'Vejamos 58 geometria, que o segmento A' G tem comprimento igual a metade
será possivel estender a ideia de correspondência aos conjuntos
infinitos. Nada mais fácil; pela correspondência, a cada elemento do do segmento A C.
vem associado antro pelo pensamento; nào há mais que supor Pois, apesar disso, o conjunto, infinito, de pontos de A'C'
qlIe esta operação ~ fazer corresponder a - se pode repetir inde· é equivalente ao conjunto, infinito, de pontos de A G. Para o
finidamente. Ora, se já aceitámos, duas vezes, a possibidade de verificar, basta estabelecer, entre
repetição ilimitada dum aeto mental porque nlio a admitir agora '} 8 esses dois conjuntos, uma corres·
Assentemos, portanto, em que se estende a conjuntos infi- pondência biunivoca, do modo se-
nitos a noção de correspondência e vamos transpor-tar para eles, guinte: a cada ponto P de A'e'
tanto quanto possivel, as coisas já adquiridas, em especial a faz-se corresponder u ponto ~ll (úni-
noção de equivalênda, tão importante, corno vimos, na contagem co) de AO em que AC é eIlcon~
das colecções finitas - se, entre os elementos de dois conjuntos trado pela recta B P j a cada ponto
inJinitos, puder estabelecer-se uma correspondlJncía biunivoca, esses
dois c01!}'untos dizem-se equiraunús.
\ N de AO faz-se corresponder o
\
\ ponto Q (único) em que A'C' é
15. Primeiras consequências do salto no desconhecido. encontrado pela recta Nil.
A M N - C Os dois: conjuntos são, portan-
As definições que acabamos de dar são as mais naturais pos- to, equivalentes; mas A' O' tem
Fil].7
sivel porque são as que saíram directamente de coisa tão simples comprimento igual a metade do de
e tão ligada à vida real diária do homem como a operação da
contagem. Vamos ver, no entanto, que, no dorninio do infinito, AG - o todo pode ser equ{!)alente à parte.
elas nos vão trazer surpresas. Verificamos, portanto, e isto tem a maior importância, que
Q
1. Ereemplo:~ Consideremos o conjunto dos nlÍmeros naturais a simples aceitação da possibilidade de repetição ilimitada de um
..I..V) 1, 2, ... n, ... e o conjunto dos números pares P) 2, 4, acto mental-base do conceito de infinito~exige o abandono de
16 B:Elil'IO DE JESUS CARAÇA. CO~CEIT08 FU~DAMENTAIS DA. MATEMÁTICA 17

certas verdades fundamentais cuja evidência a vida de todos os ra~Oe8 jtln~ament(J.is: adição, subtracção, multiplicação, divisão.
dias impõe. A estas ~a que Junt~r mais três que se lhes ligam imediata~
Que o homem, deslumbrado pelas possibilidades do seu pen- mente; SitO a potenClação, a radiciação e a logaritmação.
samento, se afaste dã realidade imediata, acei.ta-se; que ele pre- E~tas sete ~perações podem agrupar-se no seguinte quadro,
tenda fazer jogar, em cheio, o prt"ncípio de extensàQ, óptimo; que adIante sera explicado;
mas que esteja sempre atento às consequ~ncias, às vez~g al', mais
surpreendentes e chocantes, que esses VÔOS trazem consigo. E
tudo é de aceitar, de braços abertos, se conduzir, como é o caso
aqui (será "isto isso mais tarde), a uma melhor compreensão da GRAUS DIRECTAS INVERSAS
realidade.
1." Adiç1io Subtraeção
16. Pode fazer~5e uma anatomia do infinito ~
Voltemos à questão posta atrá.s - a comparação dos vários 2." :Multiplieação Divisllo
tipos de infinito, em especial o tipo do conjunto dos número:'!
inteiros, a que chamaremos tipo do numerável, e o do conjunto
dos pontos da recta, a 'lue chamaremos tipo do continuo. Radicia~,ão
A questão, posta em termos de rigor, será naturulmente 3." Potenciação
esta. :-os dois tipos serilo realmente distintos do ponto de vistll L"garitmação
da equivalência, ou não? Por outras palavras, existirá, ou não,
uma correspondência hiuntvoca entre os dois conjnntos? Se
existir, o tipo do contínuo será equivalente ao tipo do nume~
18. A operação da adição.
rável; se n'ão e:1istir, tratar·~e-ú, de fneto, de dois tipos dis-
tintos de infinito.
Antes de mais, a questão pode, de facto, resolver~R6? é É a ope!aç.ào mais simples e da qual todas as outras
possivel fazer uma anatomia do infinito 11 Até aqui fizemos com· depen~em. -!:- Idela, de adicionar ou somar está já incluída na
parações dentro de cada um dos dois tipos, mas ainda não entre rópl'la noçao de numer? natural- o que é a operação elementar
um tipo e outro, e será naturalmente este o objectivo mais im~ e passagem d~ um numero ao seguinte, senão a operação de
!!~mar uma uUidade a um número? Pois bem, somar a um
portante de tal anatomia. A. esta questão prévia responde-se-
pode-e o instrumento é·ainda 11 mesma noçã() de correspondência. numero a, dado,. outro nÚIDero b, é efectuar a partir de a, b
passagens suceSSIvas pela operação elementar.
Mas, quanto aos resultado!!, deixamos agora a questão em
aberto; no cap. 5." diremos mais alguma coisa sobre ela.
Non~Il~.-Ao número? dá-se o ~olUe de adwümando,. a b,
o de adwwnador,. aos dOIS, em cOllJunto, o de parcelas.
2. -Operações.
0

Símbolo.-A soma de a com b representa-se por a+b.


17. As operações da Aritmétice.
'fodos conhecem, desde os elemeIltos de Aritmética estu· !apéÍll.----:~~a soma, o adicionando representa nm papel
dados na instrução primária, aS quatro operações, chamadas Qpe- pa8InVO; o adlcIOnador, um papel actito.
18 HEXTO DFJ JESUS CARAÇA
CONCErtOS FUNDAM~NT.!IS DA MATEMÁTICA 19
Proprieáades.
Propriedades.
1.° grupo.' 1." grupo:
La _ unicidade. + b = ai + b'
a = a' ,b = b', ...... a 1. a - unicMade . a = a' J b =b' a· b = a' . b'
2. 8 _ monot6nica b>b' --+a+b>a +b' 2.lI.- monot6nica b>ll a·b>a·b'
3." - modulai' .. a+O=a 3. a - anulamento °
O, a=Üj recIprocamente, se produ-
4. a _ redução . .• a+c=b+c-+a=b. to é nulo, deye anular-se,
pelo menos, um dosfaetorel'!.
2. grupo:
Q
4. a - moáular .. a· 1 = a; a· b = a -.. b = 1
5.~-redução .. e*O,a.e=b·e -a=b.
5. a _ comulativa. a+b=b+a
6." - aS$oeiatit:a. a + (b + c) ~ (a + b) + c ('). 2. gruPQ:
Q

6. a -comutativa. a· b = b· a
Define-se soma de illtUS do duas parcelas, assim:
7. 8 -associativa. a. (b. c) = (a. b). c
a+'J+c=(a+b)+c 8. a -distrwutil'a a· (b + c)=a. b + a. C (1).
a +b+ c+ d = (a + b + c) + d Define-se, como no caso da soma, produto de mais de dois
6 anàlogamente para qualquer número n de parcelas. factares.
20. A operação de potenciação.
19. A operação da multipliceção.
Símbolo -.. dI<.
Simbolo _ axb ou a· b. Definição. - A potência a" define·se como nm produto de
D([/inição - A multiplicação define-se como uma soma de
factores iguais:
parcelas iguais (n)
(b) õ) a"=a·a···a, al=a.
4) Q.b=a+a+· .. +a. 1!0mes. - Ao ~úmero a, faetor que se repete, chama·se base;
ao numero ri, numero de yezes que a figura como factor
No caso em que b=1 põe-se, por definição, a·1 = a. ebama-se 8i1!poente j ao resultado chama-se potência. '
NOlMS. - Ao número a, parcela que se repete, chama-se Papm. ---: A base desempenha um papel passivo, o expoente
muUiplicando,. ao número b > 1, número de vezes que a aparece um papel actwo.
como parcela, cllama-se 1ntdtiplicadoT j aos dois, em conjunto, Propriedades.
dá-se o nome de jactores,. ao resultado, o de produto. 1. 0 .grupo:
Papéis. - O mnltiplicando desempenha um papel pa88'tVO; 1. a - unicidade .. a= b,n = 111 _ a" = b'"
o multiplicador, um papel activo. 2. a _ monotóníca. n >m, a > 1 -.. a" > um
{ a>b -+a">b"
(I) A colocaçã-Q do pa.rêntesis significa que se c()usidera a soma efec-
3."- ." . 1n =l,Ú"=O.
taada.
(I) Sobre (J papel dos par~nte~is, vid& a Dota do fundo da pág. 18.
20 BESTO DE JESUR CARAÇA. CONCEITOS FUNDAMENTAlS DA MATEMÁTICA 21

2." grupo: Vamos estudar ràpidamente cada. uma das inversas.


4. a _ rnultiplicativa a"'· a" =am+"
5. a _ distn'butiva•• (a. b)" =a"· b" 22. A operação da sublracçâo.
6. a _ ••••••••••• (am)" = a"'''.
Símbolo ...... a - b •
21. As operações inversas. DefinUj1o. - Em virtude d~.definição dada acima, a llubtrac-
Em relação a cada uma das operações anteriores, pode ção é a operação pela qual se determina um nlÍmero c que, somado
pôr-s8 o seguinte problema: - dado o 1'elTUltadQ da operação com b, dá a:
e um dos dados, determinar o outro dado. 6) a-b=c..- c+b=a.
Pôr este problema é pôr o problema da inversão das ope-
rações e aquelas novas operações que resolvem o problema, Nome8. - Ao número a dá-se o nome de dt'minuendo ou adi-
para dada caso, chamam-Se operações inversas das primeiras. tivo,. a b o de dim-inuidQ'f' ou 8uhtrac#vo j a o o de Te8to ou
V Rmos ver o que se passa com cada uma delas. diferença.
Adi9do. - A inversiLo consiste em - dada a soma e uma das
parcelas, determúlar a outra. Deveria haver duas operações P0881'bttidade. - Para que a operação seja possiveI, é nece.-
iuyersas, conforme ae pedisse o adicionando ou o adicionado,., Bário que o aditivo seja maior que o 8ubtraotivo ou, pelo
mas, em virtude da propriedwle comutativa J~ adição~ ,os papéis menos, igual a ele: a ~ b .
das duas parcelas podem trocar-se, e as duns Im-erSRa fundem-se
numa só, que se chama suótracçt1o. Proprledades.

l.lulUpUcaçào. - A inversão consiste em - dado o produto 1.° grupo:


e um dos (actores, determinar Q outro. Deveria também haver
duas inversas, mns que se fundem nUIDa só - divisêio - em vir-
1. a - unicidade. a= a',b = b!--->- a- b =
a'-b'
tude da propriedade comutativa do produto. 2. a - monotónica a>a l --->-a-b>a'-b
{ b>b r --->-a-b<a-b'
Potenciaçao. - A inversão consiste em - dada a pot~ncia 3. a - modular , • a-O= ai a-h = a ...... b = O.
e um. dos dado.~, base ou e;cpoente~ determinar o outro. Agora há,
de facto, duas inversas, porque nno existe comutatividade Da 2.° grupo:
potenciação i por exemplo:
4. li- _ ••••••••• a+(b-c)~(a+b)-c
5~=5·5=2ó Õ. a _ ••••••••• a-(b + c) = (a- b)-o
2~ = 2·2·2·2·2 =32. 6.lI- _ •.••..... a-(b-c)~(a+c)-b
7. a _ . (a + c) - (b + c) ~ a - b
Aquela inversa pela qual, dada a potência e o expoente, se 8. a _ ...•..•.. (a-c)-(b-c) ~a -b.
determina a base chama-se radiciaçao j aquela pela qual, dada
a potência e LI. base. se determina o expoente chama-se lQgarit- A justificação de cada uma destas propriedades está na
macao. definição dada. de subtracção e nas propriedades da. adição j ma!
22 BE~TO DE JESUS CARAÇA CO~CEITOS FUNDA}IENTAIS DA )lATE)IÃTICA 23

P,·opriedades.
1.° grupo:
l.a _ unicidade. a = a'Jb = b' ....... (l",:b = a' :b'
ja>a' --->a:b>a':b
b-c c 2." - motwtóJtü,a 1 b> b' ---> a: b < a: b'
3." - mod!dal' . a:l=a
4,"~· , ... , . b*O_O,b~O,
h-c
2.° UI'UPO:
a (a + b): c = a: c + b: c
Fig. ti a· (b- c) = a· b -a· c. Õ. a - di,st1ihutira { (a-b):c=a:c.~b:c
(a'h)' o ~ a,(boc) ~ (00 b), a
23. A operação da divisão. o.a _ . ( (a,h)"~ a,(I>· ~ (a 01 ocl'"
Símbolo ...... a: b ou
a 7. a - •.•••••• { (a, b) ~ (a oc), (b ,,)
(a'h)~(a")'(b")

b 8. a _ • • • . • , ••• (a' o),(b, d) ~ (a,o), (ood),


Dfjini;;ào - Pela definição dada em 21, tem-se Todas estas divisões se supõem possiveis no sentido da
7) a:b=c +-- b·c=a. àefinição 7).
Com a introdução da operação de divisão, completam·se
A definição exige que seja b=FOj caso contrário, qualquer agora as propriedades da potenciação, juntando:
que seja c, ter-se·à sempre b· c=ü (mult. prop. 3. a) e a igual- à propriedade 4. a am : a" = a"H'
dade de condição não é satisfeita. à propriedade !~V .. ,........ Ca: b)n = 0," : bn .
Nomes. - Ao número a chama-se dividendo; ao número b,
divisor; ao nlÍmero c, eoeiente,. a divisão é, portanto, a ope- 24. A operação de radiciaçio.
ração pela qual, dados o dividendo e o divisor, se determina " (que
um terceiro número, codente, que multiplicado pelo divisor dá Simbolo ...... Va se lê: rai~ de iJl(lice 11 de a).
o dividendo.
Definirjio, -Pela definição dada em 21, tem-se que a
POfjfjibilidade. - Para que a operação seja passivel, deve o radiciação é a operação púla qual, dado um número a e um
dividendo ser mrUt1'plo do divisor; caso coutl."ário, não existe "
númel."o inteiro c que satisfaça a c· b=a; é o caso, por exem- número 'li, se determina um novo número b = Va, tal que
plo, de 7: 3 - não há inteil."o cujo produto por 3 dê 7. sejaa=bn ;
Neste caso, existe então um quarto número r < b - Testo
-tal que é verificada a igualdade 9) a = b" --;. b = lia (determinação da base).

8) a=b.c+r NIYffU!I!, - Ao número a chama-se radicando; ao sinal


chama-se sinal de radical,. ao número n chama-se indice do ra-
r
(no exemplo dado, é T=1_7=2. 3+1). dical; ao número b chama-se raiz.
24 BENTO DE JESUS CÁRAÇA CO~CRITOg FUNDA!l1E"S"TAIS DA MA'1'EMÁTlCA

Possi1n7idade. - A operação só é possível quando a seja lO)


uma -potência. de expoente n de GutN númerQ. Por exemplo,
é posrdvel v'4 mas não V5. Reparando em quais são aqueles (determinar;ão do expoellte,. comparar com 9).
números que são quatirados- 1, 4, 9, 16, 2õ, ... - aqoele~
que são cubos - 1, 8, 27, 64, ... - quartas potências, etc., PO!l8w'ilidade. - A operação só é possível'quando a é umn.
vê-se que o caso mais geral ti o da imposswiUdade da radt'ciaçao. potência de base b; por exemplo, é POSSi;'Elllog149, visto que
49 = 72 1 mas nào logd 20; o caso mais geral é o da impo88ibi..
PI'opriedadcs. lidade.
1. 0 grupo: Propriedades.
" m
1. n _ unicidade . •• a = b, n = m _ Va """ fi 1. grupo:
Q

" " La _ v/lticidade . a,=a', b=b' ...... 10gb a log.'.' a'


~. a _ 'lIIonotónica .•
[a> b -Va>Vb 2/ - manotón.ica a>o'" - 10gb a
=
> logó a'
" m 3. a _ ••••••••• log"a=l.
\ n>>n -va<Va
" " 2. grupo:
Q

3. a _.,". o •••••• VI ~I, VO~O.


4."_ 10gb (a . c) = logótl + 10gb C
2/' grupo: 5. a _ 10gb (a : c) = 10gb a -logbc
" "" 6. a _ logb(a") =n.logha.
~Vav'b
4. a - dil!tributiva.•
[ va:b
"
~~Va,Vb
"" 26. Propriedades formais.

5. 8 _ •••••••• -,. (Va


")' = Va" P
Em todas as operações, as propriedades que classificAmos

-
no 2.° grupo desempenham. um papel muito diferente das do
.. ...g ..rq
6. 8 vav = Vap.q VaP'g 1.° grupo. Enquanto estas dizem respeito à maneira como 05

v
_ ••••••••••• =
resultados variam quando os dadOI:! variam , as do 2.° grupo
I' ".,.
mostl'am as "'árias formas pelas quais os dados podem ser
7. S _. 0.0 ••••••• Va ~va. combinados sem alterar os resultados. Por isso, às proprie-
dades do 2.° grupo ge chama propriedadeR jormaú.
25. A operação de logaritmação. No cálculo aritmético e algébrico elas são duma aplicação
constante e quem as conhecer bem, principalmente as da soma
Simbolo ---+ 10gb a (que se lê loga)'itmo de a. na base b). e produto, tem a chave do cálculo algébrico . .Por exemplo, em
obediência à propriedade distributiva da multiplicação, escreve~
Defl'1lU)do. - Pelo que se disse em 21, ti.- logaritmação 6 a. ~se ti.- igualdade 2 (~~+y~-4,'r+ 1)=2~~+2lf-8;r+2 .
operação por meio da qual, dado nm número a e um número Duma maneira geral, pode afirmar·se que as propriedades
b>l, se determina um terceiro número n=logba tal que formais das sete operações constituem o conjunto das leis ope~
fJeja a=b". ratáriaB do cálculo.
26 BE:S-TO DE JESUS CARAÇA CO~CEITOS FU~DAME~T.AHI DA )[A'l'E~[ÁTICA 2.

menor dispêndio possivel de tmergia mental, niío só no dar da


27. O zero como dado operatório. definiçiio, como nas: suas: consequências.
Esta directriz corresponde a um princípio geral de e~OJ!Omia
A introdução do zero como dado}JfO\"OCa por vezes pertur· do pellsamenlo que nos leva, seja nos aetos elementares da labuta
bnçôes nas operaçíJes, tais como atrás foram dofinidas e estu- diária, seja nas construções mentaill mais elevadas, a preferir
dadas. Essas perturbur:ões podem ser de duas llatllrezaS~ou, sempre; de dois caminhos que levam ao mesmo fim, o mais
em face da dpfiniçtio, a colocaçiio do zero num dos dados con- simple~ e mais curto.
duz ti. uma impossibilidade; ou então está-se em face duma ope- No caso que nos está ocupando, o que é que devemos e~o­
ração possível, maS que n Jellnição dada não abrange. )lom1;;ar? Nós possuímos um conjunto de leis opaatól'ias, formado
Está no primeiro caso, por exemplo, a didsão a:O-ll([ pelas propriedades formais dtls operações - Ó Il generalidade
l:lJ1possibifidaile, visto que o cociente, se existlsse, seria um da aplicação desse coujunto que devemos conservar. Quer
número c tal 'Iue c . O=a; ora c . 0=0 J como se sabe [19 prop. dizer, convém qne ali 'ilOViM dfjiltiçoe,q sejam dad{u de modo tal
:3.a, pág. 19J. que a,i leis formaú das operações !he~ s'V"am ainda aplicáreis.
Está no segundo caso o produto a· O; efecti\'amente) ~ste principio é conhecido pelo norn~ de prillcipto da p~r­
(c)
~-~ mal/hlcia das leis formais. ou princípio de Hankel, e não é maIS,
sabemos que U· a=ü+u+ .. · +U; mas que significado tem, como vimos, que a aplicação particulnr, na ~fatemática, do
em face da defini(.'ão de Vro<luto [19,4)], uma multiplicação em princípio geral de ecolwmia do pensamcnlo"
que zero seja multipliclldor, isto ó uma soma de zero parcelas,
cada uma delas igual a a? Nenhum!
Eneontra-se no mesmo caso a potência aO ; em face da defi- 29. Duas aplicações do princípio de economia.
nição [20,0), pág. 10J aO não tem significado - não há produtos Vamos ver, à lu;'. do que acabamos de dizer, que definições
com nenhum factor. devemos dar de a·O e aO.
No entanto, reparemos bem, não são caSOii de impossibili- Comecemos por a'O. Sabemos, por um lado, que a ope-
dade; são apenas caSOB que as definições dadas não abrangem. ração da multiplicação é comutativo. e, por outro lado, que
Convirá deix{L-Ios assim e não atribuir significado a a·O e a aO? O.a=O; logo, S8 queremos conservar esta lei lormal- comuta-
De modo nenhum - o priudpio de extensão leva-nos a procurar tividade - a definição a dar deve ser tal que a·O=O.a=O;
uma definição; no decorrer dum cálculo algébrico pode anular-se tomamos, portanto, como nova definição
um expoente, pode anular-se um ftlctor multiplicador; como
será incómodo ter de renunchl.r a continuar o cálculo para se 11) a·O=O.
não e::Jtrtr li operar esterilmente sobre simbolos sem signifi- Vejamos agora t\ potência aO. Stl.bemos que a potenciação
cndo t Mas, como dar as definições nm"as ? goza da propriedade multiplicativa aM • (~"=a"'+"; S(l qu.eremos
manter esta lei formal, a entidade a definir, X=ao, deve vtr a Sei'
28. Princípio de economia. tal que o produto X"a" se efectue segundo ela; isto é, de\'e vir
a ser tal que aO . a"=a o+ll ; mas O+n =n, logo det'e ser aO" a"=a"
}~ claro que as novas definições, uma \'ez que nito estamos e esta igualdade exige iH!, prop. 4. a] que seja aO=l. A manu-
obrigados pelas antigas (que não são aplicíLVeis), podem ser tenção da lei ex(ge, portanto, que seja
dadas como qutsermos. Mas não ó menos claro que conúm que
essas novas definições saiam) o menos possirel, dos moldes das 12) aO=1
antigas, para que a introdução delas no cálculo se faça com o e é estu a definição que tomamos.
28 BENTO DE lEBUS CARAÇA

o leitor verifica fàcilmente q ne, com as definições 11) e


12), são mantidas as restantell leif'l form~is da multiplicação e da
potenciação.

30. As operações inversBs e o princípio de extensão.


Vimos que todas as operações iuy{'rSafl apresentam casos
de impossibilidade, por vezes mesmo mais frequentes que 08 de
possibilidade. Capítulo 1/. O problema da medida.
Aplicações sucessivas do princípio de e:rte1tsào levarão a
reduzir todas essas ilnpossibilidlldes; pam isso 6 preciso criar
novos campos numéricos; é o que faremos nos capitulos seguin· L" - Construção do Campo Racional.
tes, pondo em evidência as necessidades de ordem prática ou
teórica q De, de cada vez, obrigaram a uma nova extensão.

lo A operação da medição.
Medir e contai' são as operações cuja realização a vida de
todos os dias exige com maior frequência.
A doua de casa ao fazer as suas provisões de roupa, o
engenheiro ao fllzer o projecto duma ponte, o operário ao ajustar
um instrumento de precisão, o agricultor ao calcular a quanti6
dade de semente a lançar à terra de que dispi'le, toda a gente,
nas mais variadas circunstâncias~ qualquer que seja a sua pro-
fissão, tem necessidade de 'medito. }'Ias o que é - 'medir 'J Todos
sabem em que consiste o compara)' duas grandezas da mesma
espécie - dois comprimentos, dois pesos, dois volumes, etc.
Para comparar, por exemplo. os comprimentos dos seg-
mentos de recta AB e CD (fig. 9),
aplicam,s6 um sobre o outro, fazendo A. ·----'t~--~.B
coincidir dois extremos-no caso da C'~·-----iD
figura, os extremos A e C; feita essa
operação, vê-se que o ponto D cai Fig.9
entre A e B e o resultado da compa-
ração exprime-se dizendo que o comprúnento de lrB é maior que
o de CD ou qne o comprimento de CD é 1n.enor que o de AB .
~ste simples resultado - comprimento mal'or ou menor que-
não chega, porém, na maioria dos casos. Pede-se, em geral,
30 BE::'lTO DE JESUS CABAÇA COYCEITOS FUXDAME~TAIS DA MATE;\IÁTICA 31

niDJl. resposta a e!',ta pergllnta - quantas vezes cabe um compri- Serio. tão incómodo tomar como unidade de comprimento
mento noutro? Mas isto não é tudo ninda; se não houver um de tecidos para vestuário a légua, como tomar para a unidade
termo de comparação único para todas as grandezas de uma de distâncias geográficas o milímetro, E como se traduz essa
mesmn espécie, tornam-se, se não impossíveis, pelo menos exigência de comodidade? nisto - que a expressão numérica da
extremamente complicadas as operações de troca que a vida medição não dê números maus de enunciar e dos quais se não
social de hoje exige. faça, portanto, uma ideia clara (1).
É, portanto, necessário:
Podemos, portanto, afirmar:
VI - EstaLelecer um estaldo UUlCO da comparação para todas
as grandezas da mesma 611pécie; esse estalüo chama-se 1.0 _ Em princípio. a unidade pode escolher-se como se quiser,
unídade de medida da grande7.a de q na se trata - é, por mas, na prática, o número que há de vir a obter.se como
exemplo, o centímetro para os comprimentos, o grama-peso resultado da mediçiLO condiciona n escolha da unidade.
para os pesos, o segundo para os tempos, etc. Isso depende da n,ltureza das medições que hajam de
2. 0 - Responder à pergunta - quantas vezes? _ acima posta, o fazer·se. Para medições de dimensões nas cólulas tomlHle
que se faz dando um número que exprima o resultado da o mícron - milésima parte do miliIlletro; para as necessi·
comparação com a unidade. dadas correntes da vida toma-se o metro; para as distân-
cias entre os astros toma-se o ano-luz ou seja 365x24x
:!teta mimara chama·lle a medida da grandeza em relação a x3.GOOx300.000 quUómetros, etc., etc.
essa unidade. 2. ~ - Uma mesma grandeza tem, portanto, tantaS medidas quan·
Por exemplo, na figo 10, o resultado da comparação expri- tas as unidades com que -a mediç.ão se faça. Se, com a uni-
O me-se dizendG que no segmento CD dade u, uma grandeza tem medida m, coro outra unidade
ç•.-,- -.--- --- cabe tr~8 v"ezes a unidade AB, ou u r =u: k a mesma grandeza tem medida m} =1n' k .

A'·-~~'8 que a medida de CD tomando AB


3. A operação da medição, a propriedade privada
Fig. 10 como unidade, ti três.
o Há, portanto, no problema da
e o Estado.
medIda, três fases e três aspectos distintos - escolha da unidade' ..\. primeira vista pode parecer que o aspecto de que estamos
comparaçao com a uni.dade; ezpresllào do re!>ultado dessa com~ tratando--o número que se obtém como resultado da medição-é
paracão por um número. de Somenos importância. Mas é um grande êrro supÔ-lo. Um
homem possue um bocado de terra; vejamos a quantidade de
2. 1nterdependência dos aspectos. circull..~tâncias em que esse aspecto intervém:
a) Em todas as relações, de base económica, existentes
o primeiro e o terceiro aspectos do problema estão intima- entre o possuidor e a terra~para calcular a quantidade de se-
mente ligados e cada um deles condiciona o outro. Easll. inter- mente a semear, o tempo que a terra let,-Ta a lavrar, etc., ó
dependência é bem visivel se os considerarmos pela ordem necessário saber a sua área.
acima posta - escolha ----.. expressão numérica; mas ela joO'a tam-
bém na ordem inversa. I'>

A escolha dt\. unidade faz-se sempre em obediência a con- . (i) Está-se vendo, por exemplo, o que seria uma pessoa pedir numa
siderações de carácter prático, de comodidade, de economia. lOJa a décima milésima parte de oma légua de fazenda?
B~NTO DE JESUS CARAÇA OONGEIT08 FUNDAMEYTÁIS DA MATEMÁTICA
32

b) Em relac;;ões de indivíduo para individuo, com base na Suponhamos o caso da fig. 11. O segmento AB, medido
terra p08suida~ todo o contra~o de venda de q?e ~ te~ra seja com a unidade CD = u, mede 4. Se dividirmos a unidade CD
objecto exige, entre outras cOisas, uma determmaçao tao apro- em 3---.l...artes iguais e tomarmos para nova unidade o segmento
ximada quanto pOflsí'{el da sua área. u' =o CE, temos a considerar 08
c) Em relações d~ indivíduo para com o Estado, com ~ase seguintes dois aspectos do problema: .01'-_._._.---._-.. . . . - ....."
na terra possuida-o Imposto depende, ·como se sabe. da arca
l."-A medida de .AB tomando c......r -D
da propriedade, além de outros elementos.
Em todas estas relações, que abrangem, por assim dizer~ toda como unidade u' = DE é 12, o que Fig. 11
a actividade econômica do possuidor da terra, é necessária a está de acordo com o que dissemos
determinação cuidadosa de áreas, as quais dependem" segundo no final do parágrafo :2 deste capitlllo (pág. 31).
regras que a Geometria ensina, da medida de certas dImensões. ~." - Quanto à. medida de AR com a unidade u = cn-, tanto
monta dizer que AB vale quatro unidades u, como dizer que
4. E ossim nasceu a Geometria .•. Ali vale 12 das terças partes til = G'E de u. Portanto, o resu]·
tado da medição com a unidadeu tanto pode ser expresso pelo
Heródoto - o pai da Ilistória-historiador grego que viveu número 4 como pela razão (I) dos dois números 12 e 3, isto é.
no século V antes de Cristo, ao fazer a história dos Egipcios 12
\10 livro II (Euterpe) das suas Húl6rias, refere-s8 deste modo às
pelo cociente 12: 3, ou "3 .
origens da Geometria: Em geral, se uma grandeza, medida com ao unidade u,
Disseram-me que este 'l"ei (Se~óstris) tinha repartido todo o mede m, e subdi.vidirmos u em n partes iguais, a medida da
Egipto entre os egipcios, e que tinha dado a cada um uma porção mesma grandeza, caIU a mesma unidade u, exprime·se pela
igual e rectallgular de trrn'ay com a obrigação de pagar par ano razão dos dois números Meu, onde M m.u é o número
llm certo tributo. Que $e a porç{Jo de algum .fosse diminuida pelo de vezes que a nova unidade cabe na grandeza a medir. Aritme-
t'io (Nilo), ele fosge p1'Ocurar o rei e lhe expusesse o .que tiuh,! ticamente, este facto traduz-se pela igualdade
acontecido à sua terra. Que ao mesmo tempo o rei BIlVUlva medt-
dores ao local e fazia medir a terra, (j .fbn de saber de quanto ela m·»
estata diminuída e de só fazel' pagar o tributo C{mJorme O que 1n=(m'1l):1i ou llt=--·
tivesse .ficado de terra. Eu creio qlre foi daí que nasceu a Geo- •
metria e que depois ela passou aos gregos». 6. Um coso, frequente, em que é necessário o subdivisio.
Como se vê, as relações do indivíduo para com o Estudo,
com base na propriedade, impuseram cedo (Sesóstris viveu pro- Só por acasO a unidade se contém um número inteiro de
vàv8lmente há perto de 4,000 anos) a necessidade da expressão vezes na grandeza a medir. O caso da figo 11 é um caso de
numérica da medição ... excepção; o mais frequente é o caso da fig. 12 - aplicada a
unidade sobre AB J sobeja uma porção, PlJ, de segmento, infe-
5. Subdivisão da unidade. rior à unidade. Como fazer para ewprimir ainda numiJricamfflte
a med~o de ATI com a mesma unidade CD "!
Há, por vezes, vantagem em subdividir a unidade de medida
num certo número de partes iguais; vejamos O que acontece (i) Bazà,o de dois nu.meras tomar-se-á aqui sempre eomo ~inóllimo de
à expressão numérica da medição. qtwdente desses dois Ilúmeros.
,
BENTO DE JESUS CARAÇà
CONCEITOS nrNDAJlEfiAIS DA _UATEMÁl'ICA 35
Dividamos oiJ num número de partes iguais suficiente para dessas partes caiba m vezes na grandeza a medir, a dificuldade
ql1.e cada uma delas caiba um número inteiro de vezes em AB - no surge sempre que, e s6 quando, m não seja divislvel por n
p caso da figura, dividimos CD em três isto é, no caso da impossibilidade da divist/,o (cap. l.0, 23, pág. 22):
..---,-·_·-.....::,8 partes iguais e a nO\'8 unidade couoo Se queremos resolver a dificuldade, devemos criar um lIQVO
(-'.""""'""() onze vezes em AB. Então: campo numérico, de modo a reduzir essa impossibilidade.
Flg. 12 l.°_A medida de AS em l'dação
(t 'J1QVa unidade é 11. 9. Os moldes da criação do novo campo numérico.
2.0 _ Que pode dizer-se da medida de AR em ,.ela~o i), . Pod~mos resumir, do modo seguinte, as considerações
antiga unidade CD t Se quisermos seguir o caminho anterior aCima feItas:
~ principw de eco-riomia - dizemos que eltM medida é dada pela 1.0_ O principio de e:rlelUJão leva-nos a criar novos núme-
razl10 dos dois números 11 e 3. Mas essa razão não eXl&te em ros 'Por meio dos qll&.is se pOssa exprimir a medida dos segmentos
números inteiros, visto que 11 não é diviJJivel por 3. nos casos da figo 12.
.2.0-~. ~náliae da q~e~tão mostra que a dificuldade reside
7. O dilema. na lmpossl~I!ldade d~ dlVls~o. (exacta) em números inteiros,
quando o dLVIdendo nao é multI pIo do divisor.
Estamos em face de um dilema. Uma de dnas : A ostes dois pontos juntemos o
a) Ou renunciamos a exprimir numericamente a medição 3.0 - - Se queremos obedecer ao principio de economia)
de AR com a unidade CD, o qne, além de incómodo, levanta devemos fazer a constrnção de modo tal que:
novas questões - se podemos exprimir a medida em relação à a) com os novos números sejam abrangidas todas as hipó.
nova unidade e não em relação à antiga, será porque aquela teses de medição, que.r estejam nos c8sosda fig.ll, quer dafig.12;
terá algum pri'i'ilégio especial? Qual? Porquê? b) os novos numeros se reduzam aos números inteiros
b) Ou desejamos poder exprimir sempre a medida por um sempre que o caso da medição a fazer seja análogo ao da figo 11.
número - principio de ~tenslJo - e então temos qne reconhecer
que o instrumento numérico até aqui conhecido - o conjunto 10. O novo campo numérico.
dos números inteíros - á insuficiente para tal e há que com- Satisfaz-se ti. estes requesitos dando a seguinte definir;à'o.
pletá-lo, aperfeiçoá-lo nesse sentido. Como?
Sejam, fig. 13, os dois segmentos dá recta AB e CD em
cada um dos quais se contém um j

8. O aspecto aritmético de dificuldade. n6mero inteiro de vezes o seg_ {Q ~


04,c::, '-' 8
mento u - AB contém m vezes
Uma vez que se trata de nÚ(Ileros e de relações entre
números, vejamos onde reside ti. dificuldade, do ponto de vista
aritmético. Examinando os casos da figo 11 e da figo 12, verifi-
e (Ijj contém n vazes o segmen·
to ti. Diz-se, P01' d~finiçito, qne a
,
C'ç'"-__·_lL_-,D

CI\.-8e imediatamente que ti. dificuldade está apenas, em que no medida do segmento AB, to· Fig. lfJ
segnndo, o número 11 não é divisivel por 3 - existia a razão
12 11 mando -CD como unidade, é o lIúmero -
n'
"'
e escreve·se
12: 3 ou "3 e não existe a razão 11 : 3 ou "3. Em geral, sem-
- ",-
pre que, feita ti. subdivisão da unidade em n partes iguais, uma 1) AB~-.CD
n
36 HE'S'l'O D~: JESI!8 CARAt)A CONCEITOS F(JNDAM";~'""TAI5 DA )IATEMÁTICA 37

quaisquer que sejam os números inteiros m e 'I! (n não nulo); dada em õ partes iguais, cabem 2 dessas partes na grande2la a
se m fôr divisivel por 1l (caso da figo 11), o número n"' coincide 1 a e o numero "'25'
me d'Ir, d'lz-se que a med'd"
com o número inteiro que é cociente da divisão; se m não fór 2.3. _ A dh,isão de números inteiros m e n pode agora
divisível por Jl (caso da figo 12), o número n"' diz-se fracciol1árl·o. ~elllpre exprimir-se simbOlicamente pelo número racional!!!:
>, "
,
o numero -m;,~
UJz-se, em quaIquer h"'potese, ' I -ao
I'QCW'Ila - o cociente de 2 por á é o número racional ti'accionáriD ~, o
, f,'
"
número 111 chama-se numerador e ao número n denominador. Em 'td
COc'aen e IeO por <)'"t" o numero ' I '111iclro
1'aClOna, ,10 - = :.> .
particular, da igualdade 1) resulta que 5
As propriedades deste novo campo nomérico serão vistas
2) "1
-=Jt nos parágrafos seguintes. Por agora, insistamos em que ele
constitui uma ge1161'alizaçflo do conJunto dDs números inteiros.
- ----- -- II --~
Vejamos qual é a operaçào mental por meio da qual eS~:l
se AB = it • Cf), ~ também AB = - • CD, e que generalização foi conseguida.
1
12. A neg~ção d~ negação.
3)
Fixemos a nossa atenção sobre o ll.6pecto aritmético que
- 11 - , -
AB~-,AB
esta questão nos apresentou desde o inIcio.
porque as igualdades AR = AB e siio equiva-
Temos dois números inteiros til e n (n::,bO)j estes dois
lentes. " números estilo entre si na seguinte relação aritmética - 00 m e
divisivel por n, 00 não é; exprimiremos este facto dizendo que
11. O campo r~cion~t entre m e TI e~iste a qualidnde de f i seI' D1l ndo divisive! por n.
a) Se a quaMlade é de m ser divisivel por n, os dois
Antes de passar adiante, detenhamo-nos om pouco a reflectir números definem, por meio da operação de divisão, um terceiro
sobre a natureza dos novos números e sobre a operação mental número - o seu cociente.
qoe levou à sua definição. b) Se o. qualidade é de ln não ser divisIvel por 11,) a operaçàQ
Encontramo-noEl com um novo conjunto numérico-o con- da divisão, combina.da com ela, nega a existência do número
junto dos números racionais) ou campo raeio'nal- que com- cadente. .
preende o conjunto dos números inteir08 e mais o formado Pois muito bem; a essência da nossa definição (parágrafo
pelos números jralXionários; estes são, de facto, os números 10. ver I) consiste precisamente em negar essa negaçi10 e, desse
novos. modo, construir o novo numero - o número fraccionário - que
As vantagens obtidas pela soa criação aparecem desde já. veio constituir a parte nova do campo generalizado.
como seodo as seguintes: Encontramo-nos, assim, de pOSse duma operação mental
1. a _ É possival exprimir sempre a medida dum segmento -- negaçllo da ne.qaf)ao - criadora de generalizações. Havemos
tomando outro como unidade; se, por exemplo, dividida a uni· de encontrar mais \'ezes ti. aplicação desta poderosa operação
38 BENTO DE lESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAl8 DA MATEMÁTICA 39

mental. Como agora, o caminho da generalização compreendeil~


sempre 11.8 seguintes etapas:
14. Ordeneçio.
1. a - reconhecimento da existência duma dificuldade; .A. otdenação do campo racional estabelece-ae dandQ as
2.& - determinação do ponto nevrálgico onde essa dificnld.1de definições de igua1iúule e desigualdade.
reside - uma negação j O primeiro critério do parágrafo 13 dá imediatamente as
3.& - negação dessa negação. definiçl'les necessárias.
Uma generalização passa sempre, por conseqnência, pelo
ponto fra~o duma construção, e o modo de passagem é a. nega· 15. Igualdade.
çdo da negaçilo j tudo está em determinar e isolar, com cuidado,
esse ponto fraco. D'fin."ifo. Dois números racionais l' = m e 8=.!.. dizem-ae
. ~ n q
O campo desta operação não S6 limita. às ciências mate· ignaiB quando exprimem a medida do mesmo segmento, com a
máticas j ele abrange não só as denominadas ciências da natureza mesma unidade inicial.
como as ciências sociológicas; duma maneira geral, pode p
dizer-se que - onde há evolt~do para um. estwro superior, é rea- CORsequendas. O número s = - pode não ter os mesmos
lizada a negação duma negação. q
numerador e denominador que l' = ~, visto que cada uma daI!
n
10 partes iguais em que a unidade é dividida (v. figo 13, pág. 35)
2.° - Propriedades do campo racional. pode, por sua vez, ser subdividida em k partes, sendo k qualquer.
Feita. essa nova subdivisã.o, CD e AB ficarão contendo respec-
13. O método de estudo. tivamente n· k em· k das no\ras partes, de modo que a medida

À definição de número racional, dada n08 parágrafos ante- sera, expressa peI '
o numero ' 1 --k-
racIona , de da
m·k que, em vlrtu
cedentes, segue-se o estudo das srras propriedade!! - igualdade, ".
desigualdade, operações i só depois dislio ficará completo o definição, deve ser considerado como igual a 'IJl •
conhecimento do campa racional. n
Para dar as definições necessárias, eeremOIi guiados por m
Conclui-se daqui que - dado um. númem racional r= -
dois .fias condutores de raciocínio, dois critérios. fi '
1.0 _ A /}I"igem concreta dos números racionais, isto é,
o seu significado como expressão numérica de medição de wd.o o nkmero racional s = g ande p = m . k, q =D • k (kin-
q
segmentos.
2. Q - O principia de economia [ca.p. 1.0, pág. 261 que se teira qualqueJ' 1ll1o nula), é igual ar.
traduz em dois aBpeetos-analogía de definições com as dadaB em Façamos os produtos mq e pnj tem·se mq=mnk e pn=mnk,
números inteiro!!; manutençao das leis formrUS das operações. donde mq = pn; a definição de igualdade pode pôr-se, por-
Os dois critérios completam-se, recorrendo-se ao segundo tanto, assim :
quando o primeiro forneça um caminho demasiado longo ou não 4) 1Jl P
- = _ ...... - 4 1JI.q=p.n
forneça caminho nenhum para a definição a dar. " q
BENTO DF. JESGS CARAÇA CONceITOS FUNDAME~'TAIS DA MA'l'~J\(ÁTlCA 41

devendo entender-se com o sinal ......_ que as relações de depen- 3.:1 _ Se os dois números não têm Dem o mesmo numera-
dência entre as duas igualdades se devem considerar 0,08 dois dor, Dem O mesmo denominador, reduzem-se ao mesmo deno-
m p minador e comparam·se em seguida: dados
sentidos; isto é, a igualdade m, q=p' n arrasta - = - , e rec\-
n q »>
r=-,

procamenteJ -"' =
p arrasta
-- 1Il • q = P 71.
n q tem-se
111' q /I • P
Este facto pode traduzir·se ainda pelo seguinte enuociado 1'=--, 11=-----
- não se altera um número raeional quando se multiplica (011 n·q n·q
divide) o seu numerador e o seu denominada/" pelo mesmo número donde
natural_ p
Reduçilo ao mesmo denominadol". Esta propriedade permite õ)
)11
> -- m-q > )l.p.
n q
efectuar sempre a redução de dois números racionais ao mesmo
p 17_ A adição,
denominador_Dados l' 0= _ e s=- "'
q , podemos esere,'el'

.
n Definíçrto. A definição é dada ainda segundo o primeiro
critério do parágrafo 13 - dados dois números racionais r e s
q
1'=--
in'

li ''1
,-. p-n
q
-
.'11
('). medindo, com a m68ma unidade, dois segmentos, chama-se soma
r +s ao nÚ1'IUlro racwnal que mede, ainda com a mesma unidade,
o segmento soma dos dois.
16. Desigu.ld.de. Para esta definição ficar completa, tem qne definir-se soma
de dois segmentos. Sejam
DejiuU;üo. - De dois números racionais r e s, diz.se ma.iol'
aquele qne, com o mesmo sefl"lJJnto unidade, mede um segmento
Jig. 14) os dois segmentos de
recta AB e CD; chama-se
A-,---,_o_'C---'-'-D •
maior. (-'----------'0
Conlleqttencias. La - Se 08 dois números têm o mesmo soma deles ao segmento AD
denol'/u'naMr, é maior (menor) o que tiver maior (menor) nume· que se obtém transportando
rador(S). GD para a recta sobre a qual Figo U
2. a - Se 08 dois números têm o mesmo numerador, é maior existe AB J e fazendo lá
(menor) o que tiver menor (maior) denominadoreS}. coincidir a origem C de CD com a extremidade B de Ali.
O leitor verifica fàcilmente esta.s duas propriedades, fazendo GcmsequtJneias. La _ Re os dois números dados têm o mes-
as figuras convenientes, com base na figo 13 da pág. 35.
m p
mo denominador, r ,~'" --, s = -, mostra a figo 14 que o
(1) Na prática, efectu&-sl: a .redução ao menOl' denominador COm.UlJI
que é o menor múltiplo comum dos dois deuomioadores. Isso fai: parte da
"
" m+p
Mcnica ope'1'&:íl.mal cujo estudo não é o objectivo deste livl'o. segmento ~oifD ti medido pelo número - - , logo
m+p "
1;) Estão aqui dois enunciados - um com as palavras mGio!', maJor,
outro com as palavras menor, menor. m p
(1) A'lUl estão também .lois enunciados - um com as palavras malor J 6) --~"-=--.
menm-, outro com as palavras menor, maior_ 11 'n n
BENTO DE JESUS CA..RAÇA CONCEITOS ~'U!'lDA)fENTA[S DA MATEMÁTICA 43

2. 8 - Se os dois números não têm o mesmo denominador, 2,"'~ Verificam-se todas as propriedades da subtracção dI}
podem reduzir-se pràviamente ao mesmo denominador (pará'- números inteiros [ca.p. 1.0, pa.rágrafo 22, pág, 21].
grafo 15); tem-se então, dados 3. a_ A operação, como em números inteiros, tem 11m caso
>n p de impossibilidade - aquele em que o aditiyo é menor que ().
r~
-- n' S=~,
8ubtractivo.
q
que
19. A multiplicação.
m'q 1l'p
r~~-,
n·q
,=--
n.q' Dl[/inigf1o. a) JfuUiplicadOl' inteiro - segundo critério do
donde parágrafo 13 ~ analogia:
(o)
,

..!!.- ·1l =.!!.. +.!..+ ... -I-.!-. [cap_ 1,~, parágrafo 19, 4)J, donde,
logo q q q q
7) 1n p 111 • q+lt . P por 17, 6), pág. 41.
-;+q= n·q . p n·p
3."'- Verifica·se que se mantêm todas as propriedades da. 9) -·n=--·
q q
adição de números inteiros [capo V', parág. 18].
b) .Mltltiplicad01' j'raceirmário, multiplicando inteiro - 58-
18. A subtracçeo. gundo critério de 13: manutengdo da comutatividade do produto:
Definigdo. Dá~se conforme o segundo critério de 13 (pág. 38) p p p·n
10) n·-=-·r!=--.
q q q
~analogia. Dados dois números racwnais r = m, s=k, chama-se
u q
c) Caso geral-extensão de 10):
diferença r ~s dêles a um tereeí,'o número racional d tal que
J' p. 1-
s+d=r.
OOllseql!lncias. l.a - Satisfaz à definição o número
p ,.
~._=-~~--.
p.- , ,
l/l,·q-n.p 11) q s q ~
d= ; efeetivamenoo, em virtllde de 17,6) e de pro-
n·q ConsequéllCÜ18. Mantêm-se todas as propriedades da ope-
1JI· q-n·p p ração em números inteiros [capo 1.0, parág, 19, págs. 18 e 19].
priedades já conhecidas, tem-se d+s=
n, q
+-= q
m·g-n.p 'Jt·p 1n'q~n'p+'»'p m·g 20. A di"isio,
~ + -- _ ~ - - = 1'.
"'-q n'l) n·q l1·q D{/i1Ii~tlo. a) DivisorillteiJ'O - segundo crittírio do pará-
Pode, portanto, escrever~se grafo 13 - analo,gia:
m p m'q-ll.'p p p
8) -_._-= 12) - : n = x +- n·x=- [cap, 1.0, parág. 23, 7) pág. 22].
n q 1/.. q q IJ.
bENTO DE JESUS CARAÇA CO'SCEJTOS I'U'NDAMEN'l'.-\lS DA MA'fEMÁ'fICA

p
À igualdade de condição, Ii-. ót' = fi ' satisfaz o nú.mero À igualdade de condição satisfaz ° número z = P Il, visto
q'1'
p p p·n p
" ' - - visto que(9)J -·n=-~- e este número é p·s t· p·s-r p
q·ft q.n q·n lf que - - - ~ - - - = - e tal número é único, em virtude
imico, pela unicidade do produto. q'1' s q·r·8 q
Tem-se portanto da unicidade do produto j tem-se portanto
p p
13) -:n=-~ p r p.g p s
q q·n li) -;-= .~~-~_._.

q li (j'1' q r
logo para dividir tt1n numero racional paI' um inteiro (1ldo nulo 1)
multiplica-se o denominador por cslle inteiro. Consequências. La _ A operação da divisão é sempre pos,
De 13) conclue-se, em particular, que, dados os inteiros a sivel, excluindo, como sempre, o ~aso do divi~o~ 116r nulo.
a a 2. lt -Mantêm-lIetodas 8.11 proprl8dades da dIVISão de números
e b, se tem a: b = T : b = b- I portanto tem \'alor, em toda a
inteiros [capo 1.0, parágrafo 23J.
sua generalidade, a igualdade
14) a:b='::" 21. A potenciação de expoente inteiro.
b
D4ínü;.{io - segundo critério do parágrafo 13 -allalogia ..
excluindo apenas b = O, pois nesse caso a operação de divisão
não tem significado. Em vista disto, consideraremos, daqui em •
diante, comoequivalentas os sinais de divisão (:) e de frllCção( -I. p
Destas considerações resulta imediata.mente que o sogundo 18) [capo 1.°,20,5), pág. 19).
q
membro de 11) (pág. 43) pode escrever_se
p. l' C0118equênciaB. l.a _ Da definição e de 20, 15) (pág. 44}
resulta imediatamente
ti P·l' p·r
--~--:q=--

donde
q

P
8

p. r
r
q • ti
19) (!..)"
q
~ .!:.- .
q"
15) _.--~-
2. a _ Mantêm-se todas as propriedades da potenciação em
q ti q ·8
números inteiros [cap. 1.0, 20, e final de 23J.
igualdade qlle se traduz habitualmente dizendo que se e.fectua o
produto de dois nÚ.mer08 racionais faundo, termo a termo, o
prodltto dos m"meradorelf e denominadores. 22. A radiciação.
b) Divuor fraccionário-- segundo critério do parágrafo Dejini~tlo. _ Segundo critério do parágrafo 13 - analogia ..
13 - ana/o.gia ~ •
p , r p
16) -;-=iC ,r._=_.
L_
20) n. fi -=3: ..- 3:11.= ~ [capo 1.0 24, 9)pág. 23J.
q , , q V-q q
46 BENTO DE JESUS CARAÇA COXCEI'.rOS Jo'U:s'DAllE'STAIS nA MA'l.'EMÁTlCA 47

Consequfncias: 1. a-Da definição e de 19), pág. 45 resulta ConsequênciQk. As propriedades desta operação deduzem-se
" imediatamente das da radiciaçlo.
que, quando existem
"-p e V",-q ,
V é J:l
vi
= ,,-' 24. A logaritmaçio.
Vq Tratamento análogo ao dado em números inteiros (pága.
24 e 2õ) com as mesmas propriedades e análogos casos de
2, Q - C! caso n;tais .geral é o da impossibilidade da operação, impossibilidade.
como em numeras mteIros.
3,*-Mantêm-se ainda as propriedlldes [capo 1.0, 24, pág. 24J; 25. Os dois conjuntos, dos números inteiros e dos racio~
nais, têm 8S mesmas propriedades'
a propriedade monot6nica amp1ia~se: se l'
p
=-q 11
> é verdade :SO estudo de todas as propriedades anteriores} ioi dito
" m sistemàticamente-mantêm-se as pt'opriedades. Ocorre, portanto,
que de n > 11< resulta Vr < Vr-, mas se 1'< 1 passa-se o con~ perguntar - os doiEl conjuntos numéricos tem exactamente as
trário; por exemplo, tem-se mesmas propriedades? Não é assim. Quando se diz- mantêm-se
as propriedades - não se exclue o caso de aparecerem proprie~
2 4 dades novas que, não contrariando as anteriores, as ampliem.
e ->-.
3 O
lt o que na realidade se dá. Por exemplo, em números inteiros,
todo o número nlio nulo ou é igual a 1 ou maior que 1, de modo
qua, se 11- não é nulo, 8e pode afirmar que a . 11- ~ a .
23. A potenciação de expoente freccionário. ~fa8 no campo racional há números menores que 1 e niio

Defilli~'ão - segundo critério de 13 - manu.tençda das lei8 nulos - todos os P com p < q -logo, se n é racional, pode
fOl'mais. q
, acontecer que seja. a· n < a. A propriedade anterior, que se
Seja a operação r'l a definir. Qualquer que seja o valor que traduzia pela relação a· n::::" a, é agora ampliada do modo
seguinte:
,x =
" venha a ter, queremos que sobre este simbolo 89 opere
'I"q"
com as leis formais habituais; deve ser, portanto, em particular, ~ a.n~a_n~l.
No capítulo seguinte temos que fazer, com demora e cuidado,
,x'I=cJr=r%-2 [cap.1.°,20,prop.6. pág.20Ji 11 ori! P .q=
q
0- estudo de algumas propriedades do campo racional, estudo
esse que não fazemos já porque nenhuma das considerações até
p.g agora feitas impõe ti. sua necessidade. Por agora, limitemo-nOB
~ ~q-- = p, logo 3!1 = 1'P donde, por definição de rai7; [capo V' ti. apresentar, sem justificação por ser um pouco longa, 08


24,9)pág. 23J, x=VTP; a nova operação deye ser, portanto
resultados da variação da potência, no Caso mais geral que até
agora conhecemos - base e expoente racionais: r S •
definida do modo seguinto; J a) Varia:ç4o emrelaçi!o à base-a potência cresce com a baBe.
b) Variagão em 'l"elaçtla ao expoente - a potência cresce com
21) o expoente se a base é maior que 1, e decresce quando o
expoente aumenta se a base é menor que 1.
COSCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATE!tlÁTICA 49

Do ponto de vista prático, a resposta é imediata-sim. De


facto, quando se aumenta o número de partes em que se divide
CD, o comprimento de cada uma delas diminue e chega uma
altura em que a precisão limitada dos instrumentos de divigâo
e de medida não nos permite ir além de um certo comprimento
mínimo-a parte aliqllota de CD com esse comprimento mínimo
será também, evidentemente, paI"te aliqnota de AB. A parte
Capítulo 111. Crítica do problema allquota comum existe, portanto, sempre; se não tiver sido
encontrada antes, é o segmento de comprimento minimo que
da medida. pràticamente se pode obter. Assim, este resultado impõe-se à
nossa intuição. Imp6r~se-à ele com a mesma força à DOSga razão 'I

3. Um coso embaraçoso.
1.° ~ Crítica.
Congideremos o seguinte caso de medição de segmentos.
Seja (fig. 15) o triângulo rectângulo BOA isósceles, isto é,
em que OA= OH, e procuremog, para ellte triângulo, resolver
1. Posic;io do problema. o seguinte problema-achar a medida da hipotenu8U AB lo-mando
como unidade o cateto OA. •
No parágrafo 10 do capo 2.° fez-se construção do campo
fi.
Se, como a intuição manda, 8
- m--
numérico racional com base na igualdade AB= - . CD a qual essa medida existe, há um número
n
racional r = '!!:... t'rredutível (ge o
exprime que :lo medida do segmento AB, tomando como uni- n
dade o segmento ci5, é o número racional ~. nito fosse, tornàvamo-Io irredutivel
n dividindo ambos os termog pelo
Essa construção assenta, como lá se vin, na seguinte ope- maior divisor comum) tal que [cap.
ração: divide-se a unidade cn em tantas partes iguais quantas 2.°, parág. lO, 1) pág. 3D]
as necessárias para que cada uma delas - parte aliquota de CD 1)
-
AB~-.OA.
m-- 0''--------:>:4
- caiba um mlmera inteiro de vezes em .Ali, isto é, seja tam- n Fig.15
bém parte aUqnota de AB. Ora, nós vamos ver que esta
O problema da crUica põe-se deste modo - ea:ute 8empr~ igualdade é incompatível com outra igualdade matemática.
uma parte alíqu,Qta de CD que 81'fja parre alíquota de AS? Sabe-se, com efeito, desde os principios da Geometria, que em
todo o triângulo rectângulo CAB de lados CB=a (hipotenusa)
2. Os dois pontos de vista. e AC =b, AB=c (catetos) se verifica a relação (Teorema de
Pitágoru8) :
O problema pode ser encarado do ponto de vista priLtico
e do ponto de vista teórico. 2) a2 =â2 +c2
50 BENTO DE JESUS CABAÇA 51
CO~CEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA

a qual exprime geometricamente (fig. 16), que a área do qua- número é par, esse número tem que ser par, como o leitor ime-
drado construido sobre a hipotenusa é igual à soma das áreas diatamente verifica, notando que o quadrado de todo o número
dos quadrados construidos sobre os catetos (I). ímpar é impar. Deve ser, portanto, m par, logo n del'e ser ímpar,
" Apliquemos esta proprie-
/ ' \. dade ao nosso triângulo da visto termos suposto a frac~ão !!!:.. irredutivel. Chamando k à
// \ figo 15; temos n
/ .. metade de m I podemos escrever m=2 k, onde k é um nÚlllefo
-(~/ .. '\\ e como, por hipótese,
inteiro, e introduzindo este valor de m na igualdade m2 =21l2
vem (2k)~=2n2, donde 4k 2 =2n2 , isto é, n2 =2k 2 , 1fas daqui

.'
•• _._. C
"
/" / /
/

vem
conclui-se que n 2 é par, logo, pela mesma razão invocada acima,
que n é par. Portanto. n deve 8/l1' siraulUtneamenie par e ímpar
e isto é uma monstruosl'darie aritmétú:a.
A: ;8
4. A encruzilhada.
t i ou seja
Estamos chegados a uma encruzilhada onde bâ, aparente-
Fig.16 3) ABJ = 2 õA~. mente, apenas os seguintes caminhos de salda:
Por outro lado, elevando ao quadrado ambos os membros 1.~ - Abandonar a igualdade 1), isto é, abandonar a possi-

da igualdade 1), vem - (m)' ·OA2


AB~ ~ = -; e comparando esta
bilidade de exprimir numericamente, sempre, a medida
dum segmento.
2.~ - Abandonar o teorema de Pitágoras.
igualdade com 3) tem-se, em virtude da um'cidade do produto,
3.~- Conservar a igualdade 1) e o teorema de Pitágoras,
mas abandonar a exigência da sua compatibilidade
4) lógica.
4.° - Conservar tudo, mas admiti.r qu.e um mesmo número
Assim, a existência da medida de AB, tomando OA como possa ser, simultâneamente, par e illlpar.
unidade, e a aceitação do teorema de Pitágoras conduzem à Destes caminhos, o "Último deve ser rejeitado imediata.
igualdade 4). Ora nós vamos ver, e este é um facto fundamental mente. A paridade de um número é uma propriedade que assenta
reconhecido há mais de 2b séculos, que a igualdade 4) é um unicamente sobre o facto de ele ser ou não divisível por 2'
aceitar que um número possa ser, ao meBmo tempo, par ~
monstl'O aritmétieo. , impar, obrigaria a pôr de parte as bases da Aritmética.
Com efeito, dela conchle-s~ que m~ = 2 ou seja m2 =2ng, Os caminhos primeiro e segundo vão contra o principio de
n
isto é, que m'l é um número par; mas se o quadrado de um eor:tensào [capo 1.0, parág. 10, pág. 9J. A tendência em Mate-
mática é adquirir, eompletal', estender, generalizar; em Matemá-
tica só se abandona (luando se rec.onhec.e um "ício de l'acioci·
(1) A demonstração deste teorema. célebre encontrarae em qlla.lqller nio. Ora, a igualdade 1) deu as suas provas na criação do campo
compêndil1 de Gwrnetria. O leitor pode ver um apanhado hístlirico das racional e seria, portanto, penoso renunciar à sua generalidade;
várias demonstra)lQeS em E. Fourrey, CuriOiitis gérnnétríql.les, cap_ 2.°. o teorema de Pitágoras é uma verdade geométrica que se pode
52 BENTO DE JESUS CA.RAÇ'A

estabelecer independentemente do facto de dois segmentos tet'em


ou nlio medida comum.
Resta o terceiro croninho ...

5. Princípio de compatibilidade lógica.

Esse, porém, é o último que nos resolveriamos a seguir.


Não é evidente que a razão humana exige, nas suas construções,
harmonia, acordo?
Como poderemos resignar·nos a admitir ti, coexistência, no
nosso raciocinio, de duas aquisições que se contradizem?
Toda ao teoria matemática é urna construção progressLva
feita à custa de conceitos - os seres de que trata a teoria - e
de afirmações feitas Bobra eSlles conceitos. Em estado nenhum
da. construção se pode tolerar desacordo. - Ela 6 dominada
por, entre outros, um principio geral de compatibilidade lógica
dos sares e das afuma\\ues, principio êaso que é} na Matemática}
a expressão de um outro mais geral que domina toda a cons-
trução científica - o principio do acordo da ra;:ilo consigo
própria.

6. Um novo caminho.
Rejeitados todos os caminhos indicados por insuficientes,
impõe-se um novo esforço criador, um arranco para um estado
mais elevado do conhecimento - COn$eTVar tudo: a igualdade 1),
o teorema de Pitágoras e a exigência de compatibilidade lógica,
e, para conseguir essa conservação universal criar nOVQ8 núme-
ros, mais gerais que os racionais, números esses que confiram
à igualdade 1) uma generalidade que a faça abraçar os CMOS
do capo II, e mais os casos análogos àquele que con8iderámo8
agora no parágrafo 3 deste capítulo.
Encontramo-nos aqui nnma situação análoga àquela em que
nos encontrAmos quando, verificada a insuficiência dos números
inteiros para exprimir u medida, fomos forçados à criação dos
números racionais.
Repare-se, no entanto, bem: a situação é análoga, mas o
aguilhão que nos leva à criação nova é diferente: -lá~ era Q
54 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS Fl:NDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 55

Sempre que dois segmentos de recta estão nesse caso, diz·se Vejamos agora a (';oTl'~pondência reciproea. - como pode
que eles são income1l8urá~et$ (o que quer dizer que não têm ela estabelecer-se? Seja P um ponto qualquer da recta ; procure-
medida comum). A afirmação feita equivale portanto a esta:- mos a medida de OP com a unidade OA; se essa medida
na medida de segmentos, o caso mais geral é o da úICOmeJl8ll-
raMlidade. P ]. j ' • •
existir e for o número raciona1 B = - , o qna e en ao UlllCO,
Trata-se, como se vê, duma inlrUficiência geral do campo q
numérico racional para traduzir as relações geométricas, e se façamos corresponder a P °
número !-.:-. Mas o número fi pode
vamos meter ombros à eliminação dessa insuficiência, temos que não existir j basta, para isso, que OF seja incomensurável
começar por estudar cuidadosamente as propriedades do campo com OA [parágrafo 8, deste capítulo J; logo, a corl'espond~'1lcia
racional e as da recta, comparaudo-as. (P) -+ (R) nflo é cmnpleta. .
Em resumo podemos afirmar que a correspondêncza
9. Os coniuntos (R) • (P). J
(R) ........... (P) não bi"Ullívoca [eap, I, paragrafos 7 e 8], e neste
enunciado simplicissimo se traduz a insuficiência do instromento
o campo numérico racional, ou seja o conjunto dos números numérico revelada na existência das incomensnrabilidades.
racionais, será, daqui por diante, designado assim-conjunto (R). Que 'há fi. fazer agora? Aprofundar o estudo da qu~stão,
O conjunto dos pontos da recta será designado por conjunto (P), procurando determinar qual é o jacto que nega a biuntvocldade;
Uma vez que vamos estudtll' as propriedades comparadas a criação do novo campo estará na negaçao de.1se facto.
destes dois conjuntos, vamos começar por ver de que maneira
podem eles pôr-se em correspondência e de que natureza ti essa 11. Em demanda da negação,
correspondencia.
Vamos passar em revista} uma a uma, as propriedades
10. A correspondência (R}..--.. (P). caracteristicas do conjunto (P), isto é, da recta,
Essas propriedades características são: úifinidade, ordena-
Seja (fig. 17) uma recta (R) sobre a qual se tomou um ção, densidade, conUnuidade. De cada vez, definiremos a pro-
ponto O, arbitrário, como origem, e um segmento OA, como priedade correspondente no conjunto (R) e procuraremos se ela
unidade. Be verifica nele ou não. Onde houver urna que se não verifique,
Seja o número racional r = m; dividamos OA em 11
ai estará a negação dn binnivocidade.
n
pnJ."tes iguais, e a partir de O, para a direita, marquemos m 12. Infinidade.
dessas partes - obtemos um
ponto B j o número r é a O conjunto (P) é infinito como sabemos (capo I, parâgrafo
medida do segmento OH 13). O conjunto (R) é também infinito, pois que abrange o
Fi,'l,17 tomando OA como unidade conjunto dos números naturais que jâ o é,
[capo lI, partÍg. 10, ptÍg. 35J.
Esta operação pode efectuar-se sempre, qualquer que seja 13. Ordenação.
m Entre os pontos da recta pode estabelecer-se, com toda a
r = - , e o ponto B é único, logo a corresponrU:'1lcia (R) _ (P)
n simplicidade, um cl'ilério de ordena,çllo ~ dados dois pontos A
é completa e uniJ;oca [capo l} parágrafo 7, pág. 7J. e B, diz-se que A precede B se estiver à sua esquerda.
56 BENTO DE JESUS CARAÇA CO:!'fCEI1'OS FUNDAMENTAIS DA "MATEMÁTICA 57

Este critério de ordenação é transitivo, querendo com isto Ora, nós vamos ver que 1Iá uma infinidade de núme~8
dizer-se que se A precede B e B precede P, o ponto A pre- racwnais d/<d. Com efeito, d, por ser a diferença de dOIS
cede P (fig. 17). numeras racionais, é [(cap. lI, parágrafo 18, pág. 42)]
Todo o conjunto em que haja um critérw de ordenaçâo, . m
transitivo, diz-s8 um canjunto ordenado - O conjunto CP) é, por um número raclOnal, logo é d = - com m e n inteiros; por
n
consequência, ordenado.
Ora, o mesmo se pode dizer do conjunto (R); como critério
de o)rdenação podemos tomar este: de dois números racionais r
outro lado, todo o número racional da forma '"
n+p
com p
e s, digo que r precede 8 se for '1'<8. E, como sabemos Iver a inteiro é [cap. lI, parágrafo 16J menor que d.
definição dada em capo lI, parâgrafo 16. pág. 40], se r<8 e 1n VÕ 1n
süo
s<t, é r<t. Logo, todos os números ~-1-' - - 0 - , ... - - ,
n-l- n+... n+p
números di <d. E quantos são estes? uma infinidade! uma vez
14. Densidade. que admitimos [cap, I, parágrafo 11J que a sucessão dos números
inteiros é iUmitada. Conclusão: o cmJjunto (R) é denso e esta
No parágrafo 13 do capitulo I, ao procurar resposta à propriedade depende apenas do carácter illjinito do conjunto
pergunta - exiBtem conjlllltos infinitoB além do dos números dos números inteiros.
inteiros? - vimos que a suposição de que o ponto geométrico Ainda não encontrámos a negação da biunivocidade!
não tem dimensões leva imediatamente ti. admitir que, entre dois
pontos quaisquer A e B da recta, e:eiste sempre uma infinidade
de pontos, e isto por mais próximos que .Li e B estejam um do 15. Continuidade.
outro (1).
Todo o conjunto em que isto se dê, isto é, tal que entre o problema da continuidade é dos mais importantes da
dois dos seus elementos quaisquer exista uma infinidade de ele- Ciência e dos que mais têm Bido estudados e debatidos em todos
mentos do megmo conjunto, diz-se um cordunto denso; logo, o 08 tempos.
conjunto CP) é denso. Todos nós temos a noção intuitiva da continuidade como a
Não é denso o conjunto dos números inteiros, como o leitor de uma variaçdo que se faz por gradaçiles insenltÍveis. quer seja
imediatamente reconhece, mas é-o, como vamos ver, o con- o movimento de um automóvel sohre uma estrada, oposto ao
junto (R). movimento que teria sobre a estraàa um eanguru; quer seja a
Sejam, com efeito, l' e s dois números racionais quaisquer, variação de comprimento de uma barra metálica com a tempe-
arbitràriamente próximos um do outro, e suponhamos r < s j ratura, oposta à variação que se obteria cor/ando ou soldando
seja d=s-1'. Se somarmos a' r um número d'<d, obtemos um bocados à barra, em qualquer fenómello a respeito do qual
número r' maior que l' mas menor que 8; portanto, a existência falemos de continuidade, entendemos Elcmpre variação por graus
de números racionaiB r' entre r e s está dependente apenas da insensivBis.
existência de números racionais d' menores que d 1 e os ri serão Mas, na continuidade, há mais alguma coisa que isso:
tantos quantos forem os di. naquilo que para nós é a imagem hleal da continuidade- a linha
recta-há mais do que simples l'ariaçao ]JOI' gradalJijes inSenifil'els.
(11 Nos parágrafos 12 a 15 do capo IV! veremos que a suposição
A recta ultrapassa, em riqueza interior de estrutura, esse
contnina, isto ~) de CJ.ue o ponto geométrico á uma figura com espessura, simples varia]' gradualmente, sem Elalíos, sem, como habitual-
leva a dificuldades ta18 que não pode manter-se. mente se diz J soluçõeB de continuidade.
58 BENTO ))E JESUS CABAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 59

Se fosse só isso, a reeta seria apenas um conjunto denso de P. O próprio ponto P, que produz a repartição, pode ser
de pontos, -\'isto que, pelo facto de o conjunto (P) Ber denso, de colocado indiferentemente na e1a\!lse (A) ou na. classe (B).
um ponto a outro se pa.ssa sempre por uma infinidade de pontos, Sempre que, numa recta, seJem uma repartição dos seus
portanto por gradações insensíveis. pontos em duas classes (A) e (B)
Ora, como vamos ver, há na 1'ecta 1naÜJ do que a simplew satisfazendo às duns condiçoes: ~ ~
deu/lI'dade. Por falta do conhecimento desse ti.lcto, surgiram na - 1. a nenhum ponto escapa à '" /'
história da Ci0ncia problemas que durante séculos se conside~ repartição; 2. a todo O ponto da
raram insolúveis. classe (A) está à esquerda de to- P
Não procuremos construções complicadas para e:eplicur a do o ponto da classe (R)-diz-se Fia. 18
continuidade; alguns filósofos, e dos maiores, falaram e escre· que se tem um corfe, do qmü (A)
veram inutilmente sobre explicações da continuidade (I). Fixemo- e (B) são as classes constltutivas; o corte constituido pelas duas
·nos nesta ideia - para nós, a imagem ideal da continuidade é a classes (A) e (B) representa-se abreviudamente por (A, B).
linha reda,. contentemo-nos, para perceber a continuidade, com FeIo que vimos acima, podemos anrmar que todo o ponto
o grau de clareza que tivermos da noção de linha recta; pro- P da recla produz nela um corte,
curemos antes um critério distinti.vo, tão simples quanto possível, B a afirmação recíproca será também verdadeira ?Por outras
que nos per~ta, em face de um conjunto qualquer, verificar se ~alavras, sempre que se considere na recta um corte ~ repar-
ele tem ou naO a mesma estrutura da recta e, portanto, se se tIção em duas classes nas condições euunciadas-ba\-erá sempre
pode também atribuir-lhe on não continuidade. O que vamos um ponto P que produza o corte, isto é, que separe as duas
procurar é uma espécie de 1'eagente que nos mostre se, num classes?
dado conjunto, existe ou não essa propriedade) assim como o Eis onde está, como vamos ver) o n6 da questão da conti-
químico determina se, num dado soluto, existe ou não certo nuidade,
elemento. O reagente pode não dar uma e.rplicw;ão do elemento
procarado, fiM nem P?r isso ele será menos útil ao qutmico no '17, Ricardo Dedekind.
estudlJ do soluto que trver entre mãos.
E exactamente 11 situação em que noa encontramos aqui, Em 1872, o matemático alemão Ricardo Dedekúld publicou
Tndo está na procura dum bom reagente. uma obra intitulada Continuidade e números ÍI'racionai.i, dedi~ada.
:Não se julgue que tal procura foi fácil. Discute-se conti- ao estudo deste problema. Nessa obra encontra-se, pela primeira
nuidade há mais de vinte e cinco séculos e o bom reagente tem vez, um tratamento rigoroso do conceito de continuidade e :L
pouco illtlis de setenta anoa ! resposta à pergunta que formulámos. Vejamos como Dedekind
põe a questão: «•.• nós atribuimos ti recta a qualidade de seI'
16. O conceito de corte. completa, sem lacutw8, ou seja, continua...Ma-s esUJ, continul'dade,
e7?' que consiste'l A resposta a elJla pe"gunla deve compreender em
Seja (fig. 18) uma recta e um ponto P sobre ela j ê evidente St tudo, e somente ela permitirá desenvolver em bases cientificas Q
que, em relação ao ponto P, todos os pontos da recta se repar- estudo de todos os campos continuos. Nattn'almente, m1:o se e<m·
tem em duas classes: a classe (~1)} dos pontos que estão à segue nada quando, para e:cplicar a continuidade, se fala, dum
esquerda de P, e a classe (B), dos pontos que estão à direita modo '1:ago, de uma eonea:<10 ininterrupta nas suas partes mais
pequenall; o que se procura é formular uma propriedade caracte·
(I) Na 3. a parto veremos alguma coisa sobre a importância histódca e ristica e precúa da eontt'nr.ddade q/[e possa servir de ba8e a dedu.
filosófica deste problema. . çOes verdadeiras e próprias.
60 BENTO DE JESUS CA1UÇA. CONCEITOS .l<'U:SDAMENTAIS DA /lU.TEMÁTICA 61

Pen2ei nisso iJem resultado por muito tempo mas, finalmente, Este é, de facto, como a experiência demonstrou, o bom
aeMi () que procurava. O meu resultado será talvez Julgado, por reagente da continuidade. Para. o vermos, vamos aplicá-lo ao
várias pessoas, de vários modos mas a maior parte, creio, serâ conjunto (R) .
tXmt;orde em conlJiáerá-la bastante ba1uxl. Consiste ele na conside· Põe-se uma questão prévia - será possivel definir, no con-
raçi'io seguinte .. junto (R), o conceito de corte? É; basta que a.-estar à esquerda
Verijicou-se que todo o ponto da recta: determina uma de<:om- de - em pontos, se faça corresponder - ser menor que - em
posiçl1o da mesma em dualt partes, de tal llaturesa que todo o números.
ponto de uma delas estrí à esquerda de todo o ponto da outra. Assim, tem-se um corte no conjunto (R) quando existirem
Ora, eu vejo a essência da continuidade na inversão desta duas classes (A) e (B) de números racionais tais que: 1.0 todo
propriedade, e, portanto, no principio seguinte: «SC uma repar- o numero racional está classificlldo, ou ero (A) ou em (B); 2.°
tição de rodos 08 pontos da rect-a em duas classes é de tal natu- todo o número de (A) é menor que todo o número de (B).
reza que todo (} ponto de uma das classes est{t à esquerda de tOfÚ) 'remos, por exemplo, um corte quando pomos numa classe
(} POtlto da outra, enttlo exilJte um e um IJÓ ponto pelo qual é (A) todos os números menores que 5 e o próprio 5, e numa
pI'oduzida IJsta repartição de todos os pontos em duas elussesJ ou classe (B) todos os niuueros maiores que [); neste caso, fi é o
esta decomposição da recta em dualJ parle,~. elemento que separa as duas classes.
Como já dilJse, creio nã,o ermr admitindo que toda a gente Ponhamos agora a questão fundamental da comparação,
reconhecerá imediatamente a exactidiJo do princípio enunciado. que nos trouxe até aqui: do ponto de vista da continuidade, os
..<1 maior parte dos meus reitores terü uma grande desüuselo ao conjuntos (R) e CP) têm a mesma estrutura, como a têm do
aprender que é esta banalidade que deve revelar o millté7'io da ponto de vista da infinidade, ordenação e densidade? ou não?
continuidade. A este propóldto observo o que segue, Que cada Responde-se 11 questão investigando se o conjunto (R)
um ache o princípio emmeiado Mo evidente e lão concordante com satisfaz também ao axioma da continuidade de Dedekind-Cantar,
a sua própria repl'e3entação da recta, isso satisfaz.me ao máximo isto é, se tOM o corte no conjunto (R) tem um numero de (R)
grau) porque nem a mim nem a ninguém ê possível dar deste a separar as duas classes.
princípio uma demonstraçào qualquer. ..ti propriedade da recta Vamos ver, num exemplo muito simples, que não é assim
e:vpressu por este princípio não ê mais que um axioma, e é 8Gb a - no eo?fiunto (R) há cortes (A, B) que n/70 tlJm elemento de
forma deste axioma que nós pensamos a continuidade da recta, separaçtlo.
que reconhecemos à recla a sua conlinuid4de~. Efectuemos uma repartição dos números racionais em duas
18. O bom reagente da continuidade, classes (A) e (B) do modo seguinte: ~ pomos numa classe (A)
todo o número racional r cujo quadrado seja menor que
Em resumo, Ricardo Dedekind caracteriza a continuidade 2_rS<2 j pomos numa classe (B) todo o número racional s
da recta por esta afirmação, que daqui em diante designaremos cujo qua·drado seja maior que 2_82 >2. Constitui esta repar-
por axioma ou postulado dll. continuidade de Dedekind -Iodo o tição um corte (A, B)? Em primeiro lugar, o critério de repar-
corte da recta é produzido por um ponto dela, ~·sto é, qua7quer tição é um critério definido, sem ambiguidade; dão-nos, por
que sqja o corte (..:1, IJ) exisie sempre um ponto da reeta que separa exemplo, o número 0,7: - onde o devemos pôr? como 0,7 2 =
as ditas classeJ (A) e (1'1)(1). =0,49<2, o numero vai para a classe (A) ; dão-nos o número
(I) Quase pela mesma altura, o matematico ::demãQ G. Cantor fOI"!Uu1ou 1,5-tem·se 1,5 2 =2,25>2, o numero vai para a classe (B).
a camctcri:/.a~ão da conti.liuidade por uma ml'\lielra I;euwlhanoo; pm: 1<'80, a Vê-se, por consequêneia, que o eritério de repartição abrange
este eounciado se chama, com maior propriedade, axioma da continuidade todos 08 números racionais; só lhe escapa um número-aquele
de Dedekind-Canlr»'. cujo quadrado seja igual lL 2; 1I'l.a8 esse, como vimos nO pará-
62 B~8TO DE JESUS CARAÇA CQXCEITOS FL:~m.UIE8T.AIS DA MA1'EMÁTICA 63

grafo 3 deste capítulo (pág, 49), lulo e;elste no campo racional j nlÍmero racional, bastam dois números naturais-o seu nume-
portanto, podemos afirmar que todo o número racional está rador e o seu denominador-para definir um número real são
classificado (1. iL condição), Quanto à segunda, Ó evidente também necessárias duas infinidades de números 1'acianais visto que os
que ó verificada, em virtude da maneira como varia a potência elementos constitutivos da definição são as duas cl~sses (A) e (B)
(cap. lI, parágrafo 25. pág. 47) de s~>3>r~ resulta 8>1'. do corte e estas classes têm, cada uma delafl, uma innnidade
Temos então efectlvamente definido assim um corte j qual de números. Por eXf'mplo, enquanto na definição do número
é O elemento de separação das suas duas classes ?-nào existe! racional.! entram apenas os números 7 e 5, combinados nela
ele seria o número de quadrado igual a 2, número cuja não 5 '
existência nos levou ao contado com o problema da incomen- operação da divisão, o número real irracional y2 é definido como
surabilidade, o número que separa a classe dos números racionais r tais que
. Impl"le-se portanto uma conclusão - D conjunto (R) não T~<2 da classe dos: números racionais 8 tais que 8 2 >2, isto é como
sahsfaz ao cwioma da continuidade de Dedekind-Cantor· o con· o número quo é maior que toda '
Junto (R) não é canUnuo,. finalmente, eneoniloúmos a ;a~do da a infinidade dos r e menor que ~ 'I')y-
1úlo..biur;iv?cidade da correspolldBncia (R) __ (P); fopámos o
motwo mtuno da negaçào!
toda ~ infinidade dos s (fig. 19),
E claro que, pela definição
r~2 " " J- i>:l
que acima demos, os números o 'li
19. A nove definiçeo. racionais são números reais e, Figo 19
portanto, têm também uma defi-
Temos o problema resolvido; uma vez determinado o fua· nição em que figuram duas infinidades de números (por exemplo,
damanta da negação, aplicamos o método que já nos 18\'on à 1 é o número real que separa a classe dos numeras racionais
cr~ação dos númer?s racionais - negar a negaçí'to. Que se passa?
Ha cortes no conJunto (R) que ndo tém llro elemento de sapa· ou
~ em que m<n
d ld
a c asse '
os numeros ,.m
raCIOnalS - em que
ração em (R)? São esses mesmos que nos vão criar os novos " n
e~ementos de sep~ração. Basta, para isso, dar fi, seguinte defi. m>n). Mas como os números racionais podem ser definidos
mção: - chamo nume-ro real ao elemento de separaçdo dfM duct8 apenas com dois números inteiros, não é preciso recorrer ao
classes dum corte qualquer no conjunto dos números racionais' infinito quando eles têm que ser estudados em si. Esse recurso
se exis~e ~~ número racional a separar as duas classes, o númer~ só 86 impõe quando eles sfJo estudados como elementos duma cate-
real comcldtrá com 6ílIJ6 número racional J' lJe MO e:r:iste tal número goria mais geral, a dos números reais.
o número real dir-se-á irreteional. ' Este facto-necessidade de recorrer ao conceito de infinito
O leitor, recordando aqui a definição de nlÍmero racional. -explica que, sendo o fen6meno da incomensurabilidade conhe-
dada no parágrafo 10 do capo lI, pág. 35, notará a abBOlnta cido há mais de 25 séculos, só há muito pouco tempo, com a
identidade do método numa e noutra; no que elas diferem, é obra de Dedekind, exista uma teoria satisfatória dos números
apenas na natureza daquilo que tem que ser negado: lá, a irracionais. Os problemas de carácter cientifico e filosófico que
impossibilidade geral da divisão; aqui, a não existência geral se prendem com esta questão são muitos e duma importância
duOl elemento de separação de duas classes. extrema, Por isso, e de modo a conseguir UOla visão suficiente
A própria natureza do problem<\ obriga, no entanto, a que da. grandeza do deba.te, vamos abri.r um parênte~i~ na nossa.
os novos números agora introduzidos-os números irracionais- exposição, que retomaremos no capitulo V.
não sejam de carácter tão elementar como os racionais; a razão
fundamental disso está. no Beguinte ~ enquanto, para definir um
CONCEITOS FUNDAMENTAlS DA MATEMÁTICA 65

dizer-se, da teoria da dência,. mas, quantos séculos vão de um


momento ao outro?

2 Condições socieis.
Não é em qualquer local e sob quaisqner condições que
pode esperar-se o aparecimento de tais esboços cientificos. A
Capítulo IV. Um pouco de história. sua organização exige uma atitude de cuidada observação da
Natureza e um esforço de reflexão que não são compativeis com
a vida do homem primitivo, para o qual a luta diária pelo sus-
tento e abrigo imediato abgorv~e todo O tempo e atenção.
A ciência só desponta em estado relativamente adiantado da
1. A inteligibilidllde do universo. civilizaçiio, estado que, como diz S. Tal/lor, permita «a todos
tlWer e a argu.nll pensan.
A actividade do homem, quer considerada do ponto de ESll8JI condições parecem ter sido realizadas pela primeira
vista individual, quer do ponto de vista social, exige um conhe- vez, no que diz respeito ao mundo ocidental, nas colônias gregas
°
cimento, tão completo quanto possível, do mundo que rodeia. do litoral da Ásia Menor, no dobrar do séculu VII para o
Não basta conhecer os fenómenos j importa eompreende1' século VI antes de Cristo. O comércio, principalmente de vinho,
os fenômenos, determinar as razões da sua produção, descortinar azeite e têxteis, produzira ai um florescimento econômico
as ligações de uns com antros. . . sensivel.
Nisto, na investigação do «como 'f» do «porqu2?» se distmgue Por outro lado, ligado à civilização comercial, encontra-S6
fundamentalmente a actividade do homem da dos outros animais. um conjunto de condições de vida - facilidade e neeessidad'3 de
Quanto mais alto fôr o grau de cQrItpreensi10 dos fenómenos viajar, contacto com povos diferentes, etc. - que a tornam
naturais e sociais tanto melhor o homem se poderá defender moito mais própria para o desenvolvimento cientifico do que a
dos perigos que o'rodeiam, tanto maior serlÍ o seu dominio sobre civilização agrária, ti. qual é, de sua natureza, pesada, opressiva,
a Natureza e as suas forças hostis, tanto mais íàcilmente ele fechada.
poderá realizar aquele conjunto de actos que concorrem para a
sua segurança e para o desenvolvimento da sua personalidade, 3. As preocupeções fundementais.
tanto maior será, enfim, ti. sua liberdade.
A inteligibilidade do universo, considerado o termo unt'versO Pensando no Universo e procurando, como acima dissemos,
no seu significado mais geral- mundo c6nnico e mundo social- (parág. 1) compreender 08 fenómenos, descobrir as suas razl':les
é por consequência, uma condição necessária da vida humana. e UgaçõtJs, os primeiros pensadores foram levados a pôr as
Compreende-se portant? que, desde há mu~tos século.s, ~am seguintes questões fundamentais.
sido realizados notáveIS esforços no sentido de atingir uma 1,1I._A natureza apresenta-nos diversidade, pluralidade:
parcela de verdade sobre a realidade. de aspectos, formas, propriedades, etc. Eriste, no entanto, para
Onde, como e por quem foi lançada pela primei~a vez para. além dessa dlversidade aparente um princlpw tínico, ao qual tuoo
o espaço a pergunta _ porquê 1- imposslvel de. o ~lZer. q que se reduza'!
já é mais fácil é fixar datas aproximadas ao primeIro conJunto 2. a-Qual é a estrutura do Universo? Como foi criado?
coerente de l'espo~tas ao essa pergunta, ao primeiro esboço, pode Como 6e mO'lJem os astros e pOTqM '1
,
66 BENTO DE JESUS CARAÇA
C01lTCElTOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 67

Destas duas questões interessa-nos principalmente aqui, por 5. A resposte de Heraclito.


se ligar mais directamente com o nosso assunto, a primeira.
A cidade de Efeso era também uma colónia gréco.jónica
4. As respostas iónicas. do litoral da Ásia Menor. Lá nasceu, pelo ano de 530 R. C., o
filósofo Heraclito. À pergunta que nos está ocupando, deu ele
As primeiras respostas à primeira p~rgunta foram dadas uma resposta profundamente original, muito diferente da dos
pelos filósofos das colônias jô~icas d,a ~sia :LIlenor-Mil.eto, filósofos que o precederam e o seguiram.
prineipalmente-e foram afirmahva8, dlfermdo ape.nas na ;:tatu- Enquanto, para os filósofos jónicos, a expUcaçi10 se baseia
reza do princípio ou elemento único ao qual tudo dena redUZIr-se. na existência duma substância primordial, permanente, para
Para Tha/es de Mileto (o mais antigo desses filógofos jónicos Het'aclito o aspecto essencial da realidade á a tr(ma!ormaçào
e que viveu, aproximadamente, de 624 a 5408 a. C.) é a âfJU,a que as coisas estão permanentemente sofrendo pela acção do fogo.
esse elemento único. Tudo é água! afirmação de que hOJe O mundo dos filósofos de Mileto era um mundo de perma-
sorrimos, mas que, aos olhos de um observador de h~á 20 séculos, nência, da matéria; o mundo de Heraclito era o mundo dinâmico
apresentava razõeg fortes de verdade ao notar, Bao só quanto da transformação incessante, do deü'Ír. Vejamos, à luz dOl~ POUCO!
a água é indispensável à germinação das plantas e, duma maneira fragmentos que se conhecem da sua obra, quais eram as ideia.s
geral, à existência da vida, mas ainda B facilidade de pas~ principais de HeracUto.
sagem da água pelos três estados fisieos habituais-sólido (gelo),
liquido e gasoso (vapor de água). 6. O devir do mundo.
Para Ana.:cimandl'o de ..l lileto, contemporâneo de T10alelJ (1),
existe também uma substância primordial mas que não é, como O aspecto fundamental que a realidade nos apresenta e
a de Thales, conhecida de todos; essa substância é infinita e aquele, portanto, ao qual se deve prender a razão ao procurar
indeterminada,. as coisas materiais formam-se por determinaç~e8 uma ettplwaçt10 racional do mundo, é o estarem constantemente
parciais desse elemento fundamental-o indeterminado. as coisas transformando-se umas nM outras. Morte e vida
O indeterminado-em grego apeiros-é, para Ana.rimandro, u~em-se, formando um processo único de evolução-«.o fogo
Vlt'(J a morte do ar e o ar vive a morte do fogo,. a água 'L'ive a
<l8em morte e sem corrupção 11, (começo e origem do existente,.
Ana.mmenes de MI1eto, contemporâneo de Thales e An«:eÍ- morte da terra e a ten-a vive a morte da água». Assim a morte
mandro, admite também a existência de uma substância primor~ não significa destruição, ruína, mas fonte de uma nova vida.: a
dia! que não é, porém, iudeterminada, se bem que infinita:-é todo o. momento a morte actua e a vida surge. Daqui resulta
o ar. Anarimenes dizia que ólquando o ar se dilata de maneira que é .lmpossi~el, num dado instante, atingir a permanênda, a
a ser raro, torna-se fogo, enquanto que, por outro lado, os estabilidade seja ~o que for; tudo flu.i, tudo devém, ti. todo o
ventos são ar condensado. As nuvens formam·se do ar amassado, moment~, uma COIsa noYa-llfn não poáes descer duas vezes ao
e quando se condensam ainda mais, tornam-se água. A água mesmo no, porque 7l0'L'as águas correm sempre sobre ti».
eontinuando a condensar-se, torna-se terra; e quando se con- Mas, ~eassim é, as coisas, ao mesmo tempo, sào e não são
densa o mais que pode ser, torna-se pedraD. elas próprIaS, e o mesmo processo de evolução nos atinge a nÓ5
Assim, por um processo de rarefacção e condensação, era - asomos e não somos» -transformamo-nos constantemente.
percorrido o ciclo do que os primeiros :61ósofos chamavam 08
quatr08 elementos-terra, água, ar, fogo.
7. Harmonia dos contrários,
Donde resulta o devir? e porquê as coisas se transformam
(1) Ana:Eimandro viveu, aproximadamente, de 611 a 545 a. C. constantemente? Porque há um principio universal de luta, de
68 BE-:;rTO DE ,TESUS CARAÇA. CONCEITOS FUND.Al1ENTAIS DA :MATEMÁTICA 69

tensão de contrários) que a. todo o momento rompe o equil1brio cação racional das coisas, via-o Pitágoras nas diferenças ~e
para criar um equilibrio oovo- 'Ia luta é o pai de todal1 tU eoísalJ quantidade e de arranjo de f(fMlla; no número e na harmonUl.
fl o rei de rodas a8 coisas j de algum fez cWuses, de alguns, 1uYmens j Um dos mais destacados representantes da escola, Filo/ao,
de alguns , escravos', de outros, homeM lívresll. Noutro passo,
Heraclito afirma:-fos lu;mens nllo sabem como o que vana é
. afirma: \I todas lU coislU Um um número e nada se pode com-
preender sem o número:&.
concorde consigo próprio; há uma harmonia das tensões opostas
como a do arco e da liraD. 9. Uma ideia grandiosa.
Para Heraclito, portanto, a harmonia não :9.sulta ~a junção
de coisas semelhantes mas da luta dos contrarlos: Dl8tO é ele No fundo duma afirmação destas palpita uma das ideias
consequente com a sua\deia fund~mental do de~ir-com~ poderia mais grandiosas e mais belas que até hoje têm sido emitidas na
a união dos semelhantes gerar Vida nova? Nao é preclI3amente história da Ciência-a de que a compreensão do Universo con-
o contrário que a Natureza nos mostra pela accão conjunta do !'Ii.ste no estabelecimento de relações entre números, isto é, de
masculino e do feminino? leis matemáticas j estamos, portanto, em face do aparecimento
Em resnmo mnndo da energia, do fogo como princípio dll. ideia luminosa duma ordenação matemática do Cosmos.
actuante-ólo jogo, no seu pr~!!".eBso, julgará .8 condena;á todas Ouçamos o que, dois séculos mais tarde, ti. este respeito
lU coisasa-da luta dos contrarIaS, dD.jlu€-ncUl, do demr, tal é, diz Aril1tóteles (1), na sua Metafísica.-
nos seus traços fundamentais, o quadro que o filósofo de Efeso « ••. aqu.eles a quem se chama pitagórwos foram 08 primei'rOs
nos oferece da realidade universal. a consagrar-se à8 Matemáticas e fizeram-nas progredir. Pene-
trados desta disciplina, pensaram que os princípios das Mate-
8. A respasle pitegõrica. máticas eram osprillcipws de úJdos os seres. Como, desses
prindpios, os números SiJo, pela sua ~latureza, os primeiros,
Pitâgorall de Samos (1) é D.ID filósofo ~ue parece ter vivido ~ como, n08 números, os pitag6ricos pensavam aperceber uma
entre os anos 080 e 504 a. C.. Da sua Vida ponco se sabe ao multidão de analogialf com a8 coÍ8IU que eanstem e se tram-
certo, a despeito das toneladas de tinta q:ue, com maior ~Oll fonnam, mais que no Fogo, na Terra e na Agua (tal deter-
menor fantasia têm corrido acerca da sua Vida e da sua acçao. minaçdo dos números sendo a Justiça, tal outra a alma
É no en~nto seguro qne, a partir do século VI a. C., e a inteligência, tal outra o tempo critico, e do mesmo modo
existiu e exerceu larga influência na Grécia uma seita, de para cada uma das outrtu determinaç3u) " como eles va"am,
objectivos místicos e cientificas, denominada escola pitag6rica,. além di88o, que os números exprimiam as propriedades e tu
dela parece ter sido Pitágoralf o fundador.. Será sempre a? proporçiJes musicais,. como, enfiTll, todas as coisQ$ lhet1 pare-
conjunto de ideias que caracterizavam essa Seita que nos referi- ciam, na lUa inteira natureza, ser farmadas à s6'lTU!lhança
remos quando empregarmos o nome de Pitágoras. dos númel'Os e que og nl~meros pareclam ser lU realúlam
O que distinguia, em relaçã.o à questã.o que estamos e!ltu- primordials do Unlverso, consideraram que og pnncipws dos
da.ndo, a escola pitagórica? .A. resposta dada por ela, pr~fun­ números eram os elementos de rodos os SM"es e que Q Céu.
damente original também, dlstmgUla-se d~ todas a~ anterlOre,s inkiro é harmonz"a e número" (i).
por esta ca.racteristica fundamental: o motivo essencial da exph~
(1) O ensino na escola pitagórica fazia-se por transmissão oral i daí
resulta uma ausência de textos originais sobre qQe se possa f:azer nm estudo
(I) Sam08 li 1;1 nome de uma ilh.a ~o!!ar Egeu" junto ao litoral da Álllia diree~ há que fazex reeoIl8tituições pelas referêneias posteriores.
Menor; Pitágoras parece ter sido orlglI1árlo dessa ilha. ,~) Metafilliea. A. 5:
70 BDTO DSi JESUS OABAQA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 71

10. Verificeções. cido com o nome de teorema de Pítágoras (cap. IH, parág. 3,
figo 16~ pág. 50): num triângulo reetfingulo de hipotenusa a e
Desta ideia grandiosa - que tiS lei!! matemáticas traduzem catetos b e c vale a relação
a harmonia universal-os pitagóricos: apresentavam uma mul-
tidão de justificaçne&. Vamos rf'lfe- I)
rir-nos a algumas no campo da Geo-
metria e a urou no da Música.. Que lei matemática tão simples a regular a estrutura duma
Na figura 20 está indicado como, figura geométrica! POI" isso, este teorema foi sempre conside-
pela adjunção snees!!i.va. de pontos rado coroo a mais brilhante aquisição da escola pitagórica.
Dum determinado arrllJljo geométrico, N o domínio da música, Pitágor(Ul reg/stou triunfos não menos
se vão obtendo triângulos equiláteros notáveis. Por experiências feitas no monocórdio (I), ele verificou
a partir uus dos outros; este facto que os compri.mentGs daB cordas que, com igual tensão, dão
geométrico - geração de triângulos notas em intervalo de oitava, eBtão entre si na razão de 2 para
a parti.r nus dos outros - é regido 1 j em intervalo de quinta, na razão de 3 para 2; em intervalo
pela lei matemática simples 1+2=3, de quarta, na razão de 4 para 3. Como Pitágoras deve ter
vibrado de entusiasmo ao verificar como até as relaç(jes de coisa
Fig.20 1+1+1-~1+1+1+4_1~
...
em geral tão subtil e incorpórea coroo o som - 1\ matétia, por excelência,
da harmonia-s8 traduziam em relaçoes numéricas simples! E
1) 1 +1 + a+ ... + n _ n (n + 1) Dlo é dificil meter Duma única relação matemática estas har-
1 monias musicais.
· a e bd"
SeJam .
alI! numeros quaisquer, . m= -
e seja a+b
- a sua
que dá. o número total de pontos empregados; por isso, aos
1
+
números da forma n ('li 1) os pita. média aritmitiea; chama·se média harmóniea dos mesmos dois
2 números à.quele número h que forma com a~ m e b UIna pro-
góricos chamavam 'liÚmer08 trian- porção nas seguintes condições
gulare8.
Na fig. 21 está um esquema 4) a: m: :h: b.
a.nálogo para a formação de qua.
dradoll a partir uns dos outros. a· b
Daqui tira-se imediatamente (2.) h_ - - . substituindo m
Aqui a lei matemática é 1 +3= m '
=4=2 2 , 1+3+b=9=311, ••• pelo seu valor,
em geral 2·a·b
5) h~--·
2) 1+1+5+·· -+(1 n-l)_n' a+b
Fig.21
e daqui vem o nome, ainda hoje usado, de quadrado de um
número. (1) Instrumento com uma corda só e um cavalete móvel que permite,
9'eslocando-o, .-lividir a corda em dois segmeJltos lia razão que Be quiser.
l\tIas li verificação mais simples e mtl.is bela, era, sem dúvida,
a fornecida pelo eélebre teorema que para sempre ficou conhe-
n Numa proporção qualquer, o produto dos meios é igual ao produto
dO It extremos.
72 BENTO DE JESUS CABAÇA CO::iQElTOS ~'[JXDAME:<rTAIS DA M.ATEMÁTICA 73

A proporção 4) toma, portanto, O aspecto mónadas como OS números se formavam por quantidade e arranjo
de unidades (v. figa. 20 e 21).
. a+b . . 2.a.b.
6) a.--2
. .-a+b
-.i. Uma consequência imediata de tal pensamento era o atri-
buirem-se virtudes especiais aos números, uma vez que eles eram
o principio de tudo; por isso, na passagem de Aristóteles que
Pois bem: façamos, por exemplo, a = 12 e b = 6; vem transcrevemos se fala em que dal determinação dos números
era a justiça, tal outra a alma e a inteligência, etc.lI.
12+6 9
m~--'-= J h=
2 . 12 . 6 = 8 ; apropor~l8oé
- 1",;,: 9 :: 8 : 6 . Uma vez Deste pendor, foi-se até ao ponto de fazer as
2 12+6 entorws necessárias à realidade quando ela se não mostra....a de
Ora esteg quatro números dão, precisamente, as razões dos acordo com as propriedades misticas dos números j A"istáteles deu
comprimentos das cordas do um exemplo célebre disso.
Quinta quinta monoc6rdio que fornecem os Em resumo, podemos dizer que a escola pitagórica nos
intervalos musicais de oitava, apresenta um lado positivo e um lado negativo.
'2 9 8 6 quinta e quarta, como resulta do Constitui o lado positivo a sua. aspiração para a iuteligi-
~ esquema da figo 22. bilidade, emitindo a ideia grandiosa da ordel1<l9ito matemâtica do
E como isto S6 dá sempre Cosmos e dando uma primeira realização dela por algumas leis
que seja a=2.b, como o leitor matemáticas notáveis.
fàcilmente reconhece, na relaçã.o Forma o seu lado negativo tudo aquilo que aGS nÚlnerG!
Fig.22 numérica 6) está, afinal, con- se atribui fora da sua propriedade fundamental de traduzir rela-
densada a harmonia musical! ções de quantidade:
Que mais seria preciso para enebriar uma mente ávida de O lado positivo leva às mais lumiuosas realizações da eiência
encontrar o porquê da harmonia universal? e mais duma vez tem orientado o progresso cientifico; o lado
negativo leva ao misticismo confuso que hoje se refugía nas
11. Grendeze e mesquinhez duma ideie. alfurjas onde sa deitam cartas e se lêem sinas.

O próprio brilhantismo dos triunfos parece ter sido preju- 12. Ases quebradas.
dicial ao equilíbrio da esCGla pitag6rica como conjunto de dou- A escola pitagórica devia receber em breve um desmentido
trina. Da afirmação, bela e fecunda, da existência duma rY1YÚJ- brutal à afirmação que constituía o seu lado positivo e a sua
n~o matemálica do Gosmos - todas as coisas têm um número aspiração mais nobre - a ordenaçllo matemática do Cosmos. A
- fez-se esta outra afirmação, bem mais grave e difIcil de veri- natureza das coísas quiz que fosse precisamente através da mais
ficar - as eoisas s(1o números. bela das BUas couquistas - o teorema de PitágOT(U; - que esse
Para a apoiar, houve que, fora da experimentação e da desmentido houvesse de ser pronuncíado.
verificação, procurar uma estrutura da matéria idêntica à estru- Seja o triângulo rectãngulo isósceles BOA (fig. 23) e pro-
tura numérica. Tal procura parece ter cristalizado na afirmaçào
seguinte: que a matéria era. formada por corpilsculos cósmicos, curemos medir a hipotenusa AB tomando como unidade o la.do
de extensão não nula, embora pequena, os quais, reunidos em OA. Resulta. do estudo que fizemos no parágrafo 3 do capo fi,
certa quantidade e ordem, produziam os corpos; cada um de que tal medida não existe, isto é, que não existem doi8 números
tais corpúsculo!! - mó71ada - era assimilado à u1iidade numérica inteiros m e n. que traduzam a razão dos comprimentos dos dois
e, assim, os corpos se formavam por quantidade e arraytjo de segmentos OA 9 AR. Mas que é feito, então, da afirmação de
74 BENTO DX JESUS CAkAÇA COYCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 75

que «08 principias dos números são 08 elementos de todos os. de~ses indícios, a seguinte passagem de Plutarco (I), na vida de
seres), que «o Céu inteiro é harmonia e número) ? Que valor tem Numa PompíUus, XXXV:
ela, se os números não podem dar conta, sequer, desta coisa sim-
ples e elementar que é a razão dos diz-se que 08 pitagóricos 11(!0 queriam pfJr as suas obras por
1: •• •
8 comprimentos de dois segmentos de escrito, nem as slIas invenções, mas imprimiam a c~ncia na
reeta? Onde está o alcance universal memória daqueles que eles recollheciam dignos disso.
dessa afirmação? No dia em qna foi E como algumas -rezes comum'caram alguns dos 8e1.l8 mais ínt~mos
descoberto o fenómeno da incomen· segredos e das mais escondidas subtilezas da geometna a
surabilidade de segmentos, a 6scola algum personagem que o nàQ merect'aJ eles didam que os
pitagórica 6stava ferida de morte. deuses por presságios em·dentes, ameaçavam vingar, e~te
Para ver quanto era fundo o samifégio e esta impiedade, com alguma grar.de e publtca
golpe e grave li ameaça de ruIna catamidadeJl.
total, basta recordar o que atrás
O :A dissemos sobre a teoria das m6nadas. De resto, o carácter de seita da escola pitág6rica, em que
Fig.23 A ser ela verdadeira, li recta, como os aspectos mistico e politico, este fechado e aristocrático ~~),
toda li figura geométrica, seria for- onlbrea\'am com o aspecto cientifico, prestava-se a essa tentattva
mada de mónadas postas ao lado uma~ das outra~ e, então, ao de segredo à volta de questão de tal mllneira embaraçosa..Onde
procurar a parte aliqnota comum a. dois segmentos, ela encon- s6 havia a ganhar com o debate público e extenso, os pltag6-
tl"ar-~e-ia sempre, qua1lto mais não fosse quando S8 chegasse, por
ricos institu.iram como norma, pelo contrário, o segredo, o
subdivisiJes sucessivas, às dirMTlsí'Jes da mónada -- se um segmento
silêncio.
tivesse m, outl"o n vezes o comprimento da mónada: a razão dos Uma outra tentativa de foga parece ter residido numa vaga
comprimentoa seria ~. A descoberta da incomensurabilidade esperança de que, considerando como infinito - um infinito
n grosseiro, mal identificado, que era mais um muito rrrande, do
fazia estalar, como se vê, a teoria das mónadas e a consequente que o infinito moderno - o número de mónadas que formam um
assimilação delas às unidades numéricas, e punha assim, em segmento de recta, talvez a dificuldade desaparecesse. Efectiva-
termos agudos, o problema da inteligibilidade do universo. mente, a demonstração mais antiga da incomensurabilidade
Era tlldo, até aos mais intimos fundamentos da teoria, a (aquela que era conhecida nesse tempo e que reproduzimos no
ameaçar uma ruIna estrondosa I Como sair deste passo dificil? parágrafo 3 do capo IH) baseava-se, no fundo, em que o número
Como conciliar a teoria com o fenómeno da incomensurabilidade, não pode ter ao mesmo tempo as duas paridades. Mas se esse
imposto por considerações de compatibilidade lógica? número fOSS6 infinito, o argumento teria a mesma força? Não
O leitor, que seguiu a coDStruÇli.O feita DOS parágrafos 8 a 19 estaria ai uma escapatória de recurso? .
do capo lU, conhece o caminho de saída j mas, que fez o fi16~ Isto não é uma simples conjectura j o desenvol'nrnento
sofo pitagórico há 25 séculos? Como reagiu ele?
(l) Escritor gre~o, nascido na cidade, bojo desaparecida, de Cherrm.ea,
13. Tentativ8s de fuga. por altura do ano 50 da nossa era. TornOIl-S6 célebre pela sua Dlltáve1
coleeçl1.o de Vidas rUJtr Homtltltr ilustres.
(!) O que foi llrigem de uma revoLta popular que estalou em Crotmia
Vários indícios posteriores mostram que a primeira reacção eontra a Eseola fi originou a sua destruição; nela parece ter perdido a vida
foi a de elJwnder o caso. Citaremos, como um dos mais precisos o próprio Pitágo-ra6.
76 BENTO DE JESUS CABAÇA

posterior do IDovimento filosófico e a polémica dva que aparece,


logo a seguir, sobre o tema do infinito combinado com as afir-
mações dos pitagóricoB, mostram bem claramente o caminho
geral que as coisas seguiram.
Essa. polémíca foi conduzida principalmente por uma nova
escola filosófica. - a escola de Elea.

14. A crílice eleética.


Elea, em latim Velia, era uma cidade da costa ocidental da
Itália do Sul que COlllltituia. pelos meados do século VI a. O.,
uma das muitas colónias gregas na Itália, colônias eSSllS cnjo
conjunto era designado por Grande Gréda.
Em Elea nasceu, não S8 sabe aQ certo quando, mal'i pro·
vàvelmente entre ó30 e 5=?0 a. C., um filósofo - ParménUles-
que, primeiramente ligado à escola pitag6rica, se havia em breve
de separar dela, procedendo a um exame critico de todns as
noções e concepçOes filosóficas: que até ai tinbam sido emitidas_
NãG podemos dar aqui. um apanbado sequer, da construção de
Parmenides de Elea; a sua crítica levantou alguns dos problemas
mais importantes de que a história da filosofia e da ciência dá
conta, em todos os tempos,
A sua preocupação fundamental era idêntica à dos filósofos
que o precederam: - qual é a natureza intima do ezilJfente 1 Dal'!
pequenos fragmentos que hoje se conhecem da sua obra (o
célebre Poema) e das referências posteriores, depreende-se que
Parménides distinguia aquilo que era objecto puramente da razito
- o que ele chamava a verdade - e o que era dado pela obser.
t:a~o, pelos sentidos - o que ele denominava a opinido,
Opondo assim a razào à opinÜ1o, Parmém-des, abriu um
debate, duma importância e alcance excepcionais, que até hoje
tem trabalhado Intimamente todo o movimento cientifico - as
relações entre a razão e fi experiência, entre a teoria e a prática,
o debate do {dealümlO e materialUmo.
Ao existente ele reconhece, na parte do Poema dedicada à
verdade, as caracterlsticas segnintes - um'dade, homogeneidade,
continuidade, l'mobilidade, eternidade, relegando para o 'Vulgo da
opinido todos aqueles atributos que porventura contrariem este!.
Grande parte desta construção, que tem o seu qutl de
78 BENTO DE JESUS CARAÇA COXCEITOS FUNDAME~TAlS nA MATEM.ATICA 79

haver um espaço - se estivessem unidos, em que se distinguiam Aquiles, comparada com a da Tartaruga, aquele nunca. apanha
um do outro? - e esso espaÇo deve seI." maior que as dimensões esta I Suponhamos, pura fixar ideias, que a veloci.dade d~
de om corpúsculo, visto qua estas são as menores concebíveis; Aquiles é dupla da da Tartaruga. Quando A atinge a POSI-
logo, BIltre os dois posso intercalar um corpúsculo, 3, e fico ção A 2 (onde T estava inicialmente), T está em T2 , com
com dois espaços: um entre 1 e 3, e outro entre 3 e 2, na8 o avanço TI T2 ignal a metade de Ai TI. Quando A alcança
mesmas condições. Posso repetir T, (posição A 3)J T está já
O1
0··0···O
3 n 2
o raciocinio indefinidamente e fico,
portanto, com a possibilidade de
em T ll com o ayanço Ti Ts • _~ A2 AJ Aq
'-----'i,--i2"7J-r.-
O ra.ciocinio prossegue inde-
" meter entre 1 e 2 quantos corpilA· finidamente (porque estamos
lllg_ 24 CUlDS quiser. _ Qual é então o nú- Fil}.25
snpondo infinito o número de
mero que pertence ao segmento que vaÍ de 1 a 2? mónadas) e há sempre um avan~o de T sobre A. Como !!le per-
Como se vê, é a própria afirmação fundamental da escola cebe então que A possa alcançar T? .
pitagórica que está batida em cheio pela argumentação de Zenào. Como o leitor vê a concepção corpuscular da escola prta-
Mas esta argumentação vai maia longe, devastando progressiva.- górica está batida por'todos os lados, sem possibilidade de porta
mente a construção e levantando, de cada vez, no\"os problemas. de saída.
A escola eleâtica fora duramente atacada por estabelecer a Os argumentos de Zendo nào fazem maís que tornar pal-
imobiUdade como uma das características do existente - há coisa pável a incompatibilidade dessa concepção com a estrntura da
mais real e segura do que o movimento no mundo? 1'ecta. Mas essa incompatibilidade fora revelada já, com força.
Zenão responde: - não se trata de saber se há ou não há indestrutivel pela existência das incomensurabilidades. Desse
movimento no mundo, mas de sa.ber se ele é compreeumvel, isto , d .
dia. em diante, a escola. podia, quaD o mUlto, apresentar uma
é, compatível com a explicação racional que dDmos do Universo. fachada brilhante a encobrir minas interiores.
Nós J eleatas, não o compreendemos, ndo conseguimos pô-lo de Zenão é o homem que aparece, de picareta na mito, a.
acordo com o resto da e;cpficação racional, mas v6s, pitag6ricos, arrazar a fachada.
julgais compreender e nadais apenas em contradições. Uma de
duas: num segmento de recta ou há um número finito de mónadas 16. Balanço.
ou há uma. infinidade. Vejamos o primeiro caso; considerai uma.
Está. o leitor vendo a quantidade e importância das questõ~s,
flecha em movimento percorrendo esse segmento de recta; em
de carácter filos6fico e cientifico, que surgiram à volta da critlc~
cada instante, a ponta da flecha ocupa Ulu lugar: a localização
do problema da medi.da, pelo aparecimento das incomenllurabl-
duma mÓnada. - O que se passa entre um lugar e o seguinte? lida.des e cOllsequente necessidade de nO\Ta ampliação do campo
NadaI Porque, não havendo nada entre duas mónadas conse-
numérico. Ligado com essa necessida.de, encontra-se todo o
cutivas, não podeis dizer-me coisa alguma sobre um movimento
VaBto problema da inteligibilidade do Universo.
que se realize onde nada existe j conclusão: - o mo\'imento da
A maneira pela qual essa ampliaçào se fez foi vista nos
flecha é uma sucessão de imobilidades! Percebeis?
Consideremos agora o segundo caso: há uma infinidade de parág~afos 8 a 19 do capo m. Agor;t, ap~s es!a ligeira excm:são
histÓrIca, resta-nos ver qual o cammho unedtato que as COlSRa
mónadas; então, o movimento é igualmente inconcebivel. Supo.
seguiram e, antes de mais, fazer um balanço: das concepções
nbamos que dois móveis - A (Aquiles) e T(Tartaruga)- partem
que descrevemos, o que ficou e o que se perdeu?
ao mesmo teDlpo, um da posição AI outro da posição TI (a
Tartaruga tem o avanço AI TI). Por mais pequeno que seja o l.o-Vimos como surgiu a ideia heracliteana do devir, em, ~ue
ayanço da Tartaruga e por maior que seja a velocida.de de consiste, e como mais tarde apareceu a coucepcão eleatica.
80 BENTO DE JESUS CARAÇA COYCEITOS liU'SDAHENTAI8 DA ld.ATEIlÁ'I'ICA 81

da imobilidade eterna, em contraposição com ela; neste ciência gregas, que passam li. constituir a corte brilhante dum
momento nada podemos, dizer, li não. ser 9ue elas s~ 6nc?D;- personagem oculto e perigoso - o imperialismo ateniense. Os
tram frente li frente, disputando pl'lllitw8 para li mteligl' seus desejos de hegemonia sobre toda a penlnrmla começam a
bilidade do Uni,erso. . tomar o primeiro plano das preocupações dos homens, e o
2.0_ Vimos como a escola pitagórica emitiu ao ideia gra~dl~sa d~ próprio tipo do filósofo grego - o homem que procurava viver
ordenaçifo matemática do COgm08 e como tal ldma fOI na demanda da virtude c1vica e do conhecimento da Natureza-
arrastada no ruir estrondoso dessa escola. altera-se a pouco e pouco. Surge um conjunto de preocupações,
3."'-Mas 08 últimos golpes de picareta, os argumentos de Zenllo dizendo respeito mais directamente ao homem, o qual tende a
de Eleu, dão. pela sua própria essência, um fio condutor tornar-se o Ci>ntro do munM" surge, mais tarde, a razllo di>
para se encontrar um caminho de salda. Desses argumentos Estado, que estabelece uma nova hierarquia de valores e exige
resulta: . lima subordinação geral aos interesses do imperialismo de
a) -que as dificuldades levantadas ~elo fenó~eno da lI~comen Atenas. A vida borbulhante, tah'ez um pouco desordenada, das
surabilidade só podem sar resolvidas depOIS de um CUldadoso cidades livres dos séculos VII e VI a. C. vira o aparecer das
estudo dos problemas do infinito e do 1llot:imento. A estru- grandes hipóteses, as grandes discussões, as grandes aspirações
tura. da recta, da qual depende a income~sur8bilidade, à inteligibilidade; a vida de Atenas, sem dúvida mais brilhante,
aparece, nos seus argumentos, ligada li. esses dOIS problemas, mas domillada por um pellsamento político de expansão e
b)- que em qualquer hipótese, a recta nio pode ser pensada absorção, vê a decadência lenta desses grandes motivos, dessas
co~o uma simples justaposição de pontos, mónadas ou não j grandes concepções. Contra o que é habitualmente afirmado,
há nela qualquer coisa. que ultrapassa uma simpl~s c?lecçãO temos que concluir que o clima de Atenas foi morlal para o
de pontos; essa qualquer coisa-a. sua contmuúlade- desenvolvimento da ciência clássica.
necessita dum estudo aprofundado, ligado com o aspecto Daqui resulta que nenhum dos problemas postos pela
numérico, quantitativo, da med~d.a. critica de Zenão foi resolvido na antiguidade.
4."-Vimos como a concepção eleatlCa levantou um problen;'a Concluiu-se pela incapacidade numé1'wa para resolver o
teórico dominando todos estes - o problema do conretto problema das incomensurabilidades; portanto, pela degraJlaçi10
da 1:erdaJli> e meio de a adquirir. Feito o balanço, pergun- do 7uime'·o em ,.el~o à Geometria. Consequência: abandonou~se
tará o leitor: - que aconteceu a seguir? o que a escola pitagórica afirmara de positivo-a crença numa
ordenaçlJo matemática do Cosmos - e retomou-se, a breve trecho,
17. As novas preocupações e os dois horrores. em termos cada vez menos nobres, o lado negativo das suas
concepções.
Todos estes problemas continuaram a ser intensamente Concluiu-se pela e:rclusllo do conceito quantilativo de Í1ifinito
debatidos maS, ao lado deles, surgiram ouo:os cujo intere~se dos raciocinios matemáticos - a matemática grega toma uma fei-
imediato os nltrapassou, ou deformou o seu cam:nho de res?l?-çao. ção de cada vez mais jinitista: invade· a o horror do infinito.
Estamos no meado do século V a. C.. A mtensa actiVIdade Concluiu-se pelo abandono das conceplJõi>s dinllmiea&, sempre
pol1tica e militar em que nessa altura a Grécia ~stá mergulhada, que tal fosse possivel- a matemática grega é invadida pelo
traz a cidade de Ate?ias à primeira plana da VIda da peninsula. horror do movimento.
Ela torna-se (I) a grande metrópole da arte, da filosofia e da Estes traços - degradaçlJo do número, horror do úifinito,
horror do movimento - constituem a trincheira cómoda da hiber·
(I) Como I) leitor deve ter notado, todas as escolas filosóficas a que nação, formam o biombo prudente que o filósofo grego coloca
noe referimot viveram fora da metrópole grega. ~ntre si e a realidade. Mais tarde, havia de levantar-se um


82 BE),'"TO DE JESUS CARAÇA

vento portador de forças novas, que, raagando o biombo em


farrapos, colocaria novamente. os homens ~m contado com, ti.
realidade, estoante de vida. Mais tarde ... VInte séculos depOiS,
já Renascimento em fOfa. . .
O resto da história será contado adIante, a propósito das
matérias que serão estudadas nos capitulos seguintes (2. a e
3. a Partes).
Capítulo V. O campo rea/.

1. Recordendo uma definição.


No pará.grafo 19 do capo l i foi dada, nos seguintes termos,
a definição geral de número real: - chama-s6 número real ao
elemento de separação das duas classes dum corte qualquer, no
conjlluto dos números racionais; se existe um número racional
a separar as duas classes, o número real coincide com esse
número racional; se não e:s::iste tal número, o número real
di2-se f'rracional.
Por esta definição é criada uma classe de números - os
números reais - que, como nela se d.i2, engloba os números
racionais e contém, além deles, outros números, denominados
irracionais.
Ao conjunto de todos os números revis chamaremos campo
real,. designá-lo-emas por conjunto (R), ou campo (li).
Vamos fazer um estudo sumário deste campo, de modo a
poder responder a algumas perguntas que atras foram feitas.

2. CI~ssificação dos números reais.


Do que está dito na definição e do que se viu no capitulo li,
conclui-se que os numeras reais podem ser classificados no
seguinte esquema:
. . (inteiros
raCIOnaIS .. •
Números reais(. . . fracclOnarlOs
lrraClOnms
84 BENTO DE JESUS CARAÇA
CONCEITOS FUNDAJlENTAIS DA MATEM.ÂTICA 8ó

o leitor que tenha seguido com atenção todo o desenrolar •


desta epopeia viu como determinadas necessidades umas de Vti. Em qualquer doe dois casos, existe a raiz, logo, 110 campo
ordem pratica,. outras de ordem teórica, levaram a' percorrer real desapu:rece a impOllJÜJilidade da radiciação.
este longo cammho: desde o número natural, nascido na rape. A conclusão mantém-se se a for um nÚmero real qualquer,
tição de contagens, mal identificado ainda, mas já. esboçado Da de modo que pode afirmar-se - no campo real e:cistem tod08 Q8
mente do homem primitivo, até ao conceito de número real, •
para cuja criação há que recorrer a duas infinidades de números;
criação esta tão laboliosa que, à sua passagem, ruem sistemas
números da forma viomle a é um número real qualquer, e eIJ8e8
número, 8i!0' em geral, irracionais. O n6mero a pode, por sua
filosóficos e alteram.se as matrizes do pensamento. E no entanto vez, ser Já o resultado de uma radiciação ou mais de uma'
- e aqui reside a beleza máxima do progresso científico - desde o racioclnio mantém-se com a mesma força ': por exemplo, te~
que a questão foi posta, correspondendo ti. um problema básico,
aqui de carácter teórico, ela acabou por ser resolvida, apesar
das enormes dificuldades que essa resolução topou e a que alu-
e:'tistência, no campo real, o número V+ Y3 + Vó.
2

dimos nos parágrafos anteriores. É este, sem dúvida, o ensina- •


mento mais notável qlle o estudo desta questão nos fornece. 4. 0.1 números irracionais são todos da forma Vã,
Vejamos agora quais são, do ponto de vista propriamente
matemático, as consequências mais importantes da introdução O resultado a que acabamos de chegar chama a nossa
dos novos números_ !l'te~ção para o problema seguinte: se, partindo dos números
lDtelros, operarmos so.bre .eles com as quatro primeiras opera-
3. A impossibilidade d~ radiciaçeo. ç~e8 (as operações raCLOnalS: somar, subtrair, multiplicar e divi-
d.lr), obte~os sempre números do campo racional· se introdn-
Temos, em primeiro lugar, uma importantissima conse. zlr~os m~ls a operação da radiciação, saímos do ca~po racional.
quência de carácter aritmético. Viu-se, no parág. 22 do capo II Sera entao ve:dade qu~. o~ nÚmeros irracionais só possam
(pág. 45), que a operação da radiciação é, em geral, impossível obter-se a partIr da radlcmçao fi Ou, por outras palavras, seril
no campo racional.
As coisas passam-se agora diferentemente. Seja a um verdade, que todos .os números ~rracionais são da forma ~a?
N~da .do que ~o~ até agora dito nos autoriza a dar resposta
" será aquele
número raci.onal qualquer; por definição de raiz, Vã afirma~v~, ~ defimçao que demos de número real é independente
número b tal que b"=a. No campo racional, a questão põe-se da radICl.açao. Só depois da teoria feita, mostrámos que as
assim - o número b em geral não existe. No campo real a raizes eXistem Seill!?r? como nú.rn~os em geral irracionais, dei-
questr~o toma outro aspecto, mais geral. Façamos, no conjuuto x:ndo_aber~ a POSslblhdade da eXistência de números irracionais
(R), uma repartição em duas classes, do modo seguinte: pomos q e n~o sejam raizes. Ora existem de facto, tais números: nm
numa classe (Li) todos os números racionais l' tais que r"<a, deles e o número n, talvez o número mais célebre da Matemática.
e uuma classe (B) todos os números racionais s tais que 8">a.
Estas duas classes constituem um corte (A, B), como facilmente 5. O número n.
se verifica, e definem portanto um número reall. Uma de duas:
ou as duas classes têm um número racional a separá-las, o qual Consideremos uma circunferência de raio qualquer r
será o número racionall, tal que l"=a, ou não; se não tiverem, (fig. 26); demonstra-se que o comprimento P da circunferência
o nÚmero l, então irracional, definido pelo corte, é a raiz (do qual o leitor pode ter uma imagem consideraudo esticado o
8ô B~~TO DE JESUS CARAÇA CO~CEITOS FUSDÀMENTAIS DA MATEMÁTICA 87

fio AB que, dobrado, formasse a circunferuncia) é dado pela e mesmo, frequentemente, apeuM
fórmula 5) T. = 3,14.
1) P=2r.r. Por exemplo: se um homem, ao abrir um poço, põe este
oa problema ~ o poço tem dois metros de diâmetro, quanto tem de
circunferência? - a resposta é imediata: P=2· 3,14=6,28 m.
2) Se tomássemos o valor dado por 4), tariamos P=2· 3,1416=
sendo d o diâmetro circunferência. Se escre,-ermos a igualdàde =6,2832 m., resposta cuja precisão já nito interessa, porque
2) sob a forma ninguém vai entrar com décimos de milimetro em medidas
p de poços!
2 a) 7;=- O leitor poder{\ perguutar nesta altura :-lní problemas de
d medida cujo grau de precisão exija o conhecimento da!! 707
teremos que -- To é a razão do perímetro de qualquer circunfe- deetmais com que 68t3 calculado 7;1 Não 1 muito longe, extre·
rência pal'a o seu d/limeira. mamente longe disso!
Pois bem, demonstra-se que o número r. é in'acional (1) e que Jft no século XVIII, hou.e quem calculasse r: com mais de
rufo é exprtmível por uma rai:;
100 decimais:; pois: bem, a respeito desse cálculo diz Jacques
Oll combinaçào finita de raízes Hadamard~ um dos melhores matemáticos do nosso tempo:
aetuando sobre números inteiroil. dornece jâ uma precisão tal que, sobre uma circunferência com
Este número, pela sua im- um ralO de mil milhões de vezes maior que a distância da Teria
portttncia enorme, tem sido ao Sol, o erro seria mil milhões de vezes menor qne a espessura
objecto de muitos estudos n; dum cabeloD !
Por aqui se vê que grau de precisão, absolutamente fora
Fig.26
(} esti calculado actualmente com
707' (!) casas decimais. Vumos das necessidades, mesmo do bboratório mais e..xigenteJ fornece
dá-lo com as primeiras 20: o valor actualmente conhecido.
Para qllê, então? Por causa dos pro1)lemas de carácter
3) 3,1415926535 89793 23846· teórico que se levantam à volta deste número e dos: outros que,
como ele, são irracionalS e não exprlml,"eis por meio de radicais.
Não julgue o leitor que nas: aplicaçDes prátictlS seja preciso
conhecer tantas casas decimais; na prática, a não ser em deter-
minações de um extremo rigor, toma·se: 6. A correspondência (R)+--+(P). Os dois contínuos.
4) 1": = 3,1416 Deixemos o número To, que tem dado, durante mais de
trinta séculog, água. pela barba aos melhores matemáticos
~l) O J~it()r 'lua olbe para a igualdade 2a) sem atendel' bem ao seu. e retomemos o tio das nossas considerações - estudo do
signihcado, pade: ser ltJv1l.da [\ SUpCll·, err[\damc>nte, que 'T'i: Ó um IHÍluero campo real.
racional, vista que li ~ li expressão gt!raL dos números racionaisj mlls, para No parágrafo 10 do capítulo III ,erificámos que a cor-

que assim seja, é preciso que rn e n sejam númerQS inteÍL'os, o que não llcon-
respondência número ,·acional . . . -+ponto da recla não é biunivoca,
tece em 2a). . e nessa carência de biunL\-ocidade fundamentámos toda a cans·
f) Veja-se a este: propósito, por exemplo, o artigo O numero 11:, do truçào que nos levou ao campo real. É ti. altura de perguntarmos
autor, na Gazeta de MÚlemMic«, n.O 22. se ti. carência desapareceu, iBto é, se a correspondência
88 BENTO DE .;IBSUS CARA.ÇA COYCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 89

n.úmero real_ponto da recta constituem os conjuntos (R) e (R) tipos nOVOB, 00. ligam~se a
algo.m dos dois já considerados: numerável e continuo '1 A
é binnivoc&. Tudo foi feito para que assim seja. A correspon-
dência é, de facto, binnivoca: a todo o número real corresponde questão esta resolvida para o conjunto (R) que, como vimos no
um ponto da recta, a todo o ponto da recta corresponde um nú· parágrafo anterior, tem o tipo do continuo.
mero real. Por outras palavras, e recorrendo ao conceito de equi- Ma" o conjunto (R), que tipo tem? o do numerável, o do
valência dado no parligrafo 8 do cnp. I (pág. 8) - o conjunto continuo, 011 um tipo novo '!
OOS pontos da reeta é equivalente ao conjunto dos námeros 1'eau. A resposta mais natural parece ser a seguinte: o conjunto
Atrás [cap. I parág. 16, (p1Íg. 16)] designámos por tipo do (K) nÃo tem o tipo do contínuo, porque toda a critica e construção
continuo o tipo do conjunto dos pontos da recta. Agora encon- feitas no capitulo TIL resultam precisamente da carência de
bíunivocidade de (R) em relação a (P); mas (R) também não
tramos ol}tro conjunto infinito - conjunto (R) - que lhe é equi- deve ter o tipo do numerável, porque ti. distinção destes dois
valente. E por consequência natural dizer que o conjunto dos conjuntos é evidente - (R) é denso e (N) não é. Há mesmo uma
números reais é também do tipo do continuo. Temos assim dois
continuos, equivalentelf: o conUnuo geométrico, conjunto (P) dos diferença muito maior entre (R) e (N) do que entre (R) e (R):
enquanto (N) tem apenas pon~
pontos da recta, e o continuo aritmético, conjunto (R) dos tos isolados da recta de modo A P Q 8
números reais. que, entre dois pontos quais· -o1-2--j~~-(R'
Este resultado não deve surpreender o leitor que tenha quer da recta, há um número F' 27
visto, a partir do parágrafo 10 do capo ID, toda a construção finito ou nenhum ponto de (N) _ _ .g.
orientada no sentido do desaparecimento da negação da binni~ (v. na figo 27 os segmentos AB e PQ), pelo contrário, em
vocidade entre 08 números e os pontos da recm. qnalquer segmento de reda, por mais pequeno que seja, há
sempre uma infinidade de pontos de (R). A diferença entre (N)
7. Os conjuntos (NJ, (R), (R) e os dois tipos de infinito. e (R) é palpável, visual, intuitiva; a diferença entre (R) e (R)
Consideremos os quatro conjuntos: não é intuitiva, só pode apreender~se pelo racioc1nio. pela critica,
(.N) - dos números inteiros pela exigência. de compatihilidade lógica. O tipo de (R), que é
(R) - dos números racionais diferente do de (R), deve ser também diferente do tipo do
numerável, deve ser um tipo novo.
(K) - dos números reais Este é o raciocinio mais natural, aquele que a natureza
(P) - dos pontos da recm. imperiosa das coisas parece exigir. E, no entanto, este raciocínio
No parágrafo 16 do capo I (pág. 16), tomámos os conjuntos 000 e,tá certo - (R) não tem um tipo novo, (R) tem D ftpO do
(N) e (P) e, estudando a possivel comparação deles, pusemos o llumeravel.
seguinte problema: os dois tipos - do numerável, conjunto (N), Esta afirmação constitui, à primeira vista pelo menos, um
e do contíntlO, conjunto (p)-serão de facto distintos, do ponto autêntico desafio ao bom senso, à intuiçào; ela não é, por isso,
de vista da equivalência? ou não? menos verdadeira. O leitor já está prevenido de que é perigoso
Vamos agora responder 8 esta pergunta, que lá foi deixada entrar no doml.nio do infinito unicamente armado da sua intuição,
em aberto. do seu bom senso ... a lâmina aguda da razão não pode aqui
Antes porém de afazer, notemos que no caminho encon· descansar nm instante.
trámos mais dois conjuntos infinitos-(R) e (R)-em relaçio 80S A que se chama conjuntos equivalentes? àqueles entre os
quais será interessante pôr também o problema da compara.;ão: qnais se pode estabelecer uma correspondência biunivoca [cap. l,
90 RESTO DE JESUS CARAÇA
COXCElTOS FU)ODAME.'ITáIS DA MATE:'IÁTICA 91

ptlrágrafos 8 e 14J; se se pro"ar que é possível estabelecer entre


(R). 8 (N). uma correspondência dessas, ficará provada a sua do conl"ínuo, a que pertencem (R) e (P). Resta portanto, ape-
eq?-lvalênCla. Para o demonstrar, procedamos da seguinte ma. nas, comparar estes dois tipos, para o 9.U8 bastará, por exem-
nelra: vamos agrupar todos os nÚmeros racionais de modo tal plo, comparar (N) e (R). Que se pass!l.? O ,leitor, posto d~ 80:
qu.e, em cada grupo, fi. soma dos dois termos de cada fracção breaviso pelo resultado surpreendente do tipO da (R), heSitara
se.J~ a me~m.a; todo o númer? que já figure num grupo anterior agora certamente em responder o que a intuição lhe dita; que
sera suprimIdo. Teremos aSSIm: os dois tipos são distintos - não será possível, por qualquer,ur-
1 tificio subtil, no g6nero do usado na demonstração antenor,
l,n grupo: soma 2 ...... -~I estabelecer uma biunivocldade entre (.LV) e (R)? Demonstra-se
1 que tal não é, de modo nenhum, possível,. mas a demollstr[lç'i'to
"' grupo: sorna 3 --+
G, ~ ~ 2) é um pouco delicada e não a faremos nqUl.
Aceite este re:mItado, teremos finalmente reduzido 08 quatro
conjuntos que até aqui nos apareceram - os três conjuntos
grupo: soma 4 .......
(l.., 2 ~ 1 ,~~3) numéricos e a recia - a dois tipos de infinito - Ilumer:íxel e
3 2 1 continuo - dütintos um do outro.
I 32 4
) Resumindo os CB-racte1'6S deles, temos o quadro seguinto,
4.0 grupo; soma';) --->-
onde o sinal + representa o carácter afirmati\'O e o sinal- o
( 4'3"' 2 '1=4
etc. negativo:
Coloquemos ugorJl estes g,I1POS ti. seguir uns aos outroS' e TIpo do Tipo do
façamos corresponder a cada número deles um número inteiro;
Conjunto Ordonado Infinito Donao
I IlulIlorá.yol nootinu"

Soma 2 Soma 3 Soma 4 Soma 5 Soma G (K) + + ! +

1,
I
G'2)'
I I
3 2
I I I I
(L4 2 '~'4)'
(fi)

(fi)
'el
+
+
+
.
+
+
+
+
+
+
+
+
+
I, 2,3, 6, 7, 8 9,
' l' d 8. São O tipo do numerável e o do contínuo os únicos
IS8J1l
111 • •
-
n um numero raCIOna Irra uUvel qualquel'" este existenles ~
número figura no g.rIJpo da soma m + :>l" dentro desse grupo Os resultados do parágrufo anterior sugerem esta pergunta
ocupa um lugar determinado e corresponde·lhe, portanto; -- 08 tipos do numerável e do contínuo esgotam os tipos pos-
um determinado número inteiro e um s6; reclprocamente, n:!, si\'eis de conjuntos infinitos? ou_, por outras palaHas, todo o
correspondGncia acima estabelecida, a cada numero inteiro cor- conjunto infinito tem que ser, necessàriamente, numerá\"el ou
responde um número racional e um só. Que concluir daqui? cqui\'alente u (P)?
que os dois conjuntos são e'luh"alenteEl! logo, (R) tem o tipo do No último quartel do século ll:lsssado, Geo1'[J Cardo/',
numerável. matemático alemão, criou, qunse sózinho , um capítulo das Ctêu-
O nosso problema está portanto notà\'elmente simplificado; cias Matemáticas, denominado TeOJ·ia dos Conjuntos. A essa
nos quatro conjuntos considerados, só encontrámos dois tipos _ teoria pertencem os resultados da comparação de tipoEl llue
- o tipo do llumerável, a que pertencem (N) e (R), e o tipo acabamos de apresentar e muitos outros em que aqui nZtO falamos.
92 BENTO DE JESUS CARAÇA COXCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 93

Um dos factos fundamentaia estabelecidos na Teoria dos


Conjuntos (l) é 11 extstência de uma infinidade de tipos (Ú infinito 10. As operações.
ordenando·s6 nnma hierarquia em que o tipo do Ilumerável cons:
titui o primeiro elemento, e o tipo do continuo o segundo Em cada nm dos conjuntos numéricos até agora estudados,
conhecido (2). inteiro e racional, procedeu-se, após a construção do conjunto,
Qual é O instrumento de que a Teoria dos Conjuntos se a.o estudo das operações. Aqui seguir-se-ia o mesmo trabalho;
serve para construir essa hierarquia duma infinidade de tipos?- não o vamos fazer, no entanto, limitando-nos às seguintes indi-
Sempre o mesmo intrumento, aquela maravilhosa '/laÇa0 de eOM'e8- cações gerais:
prmd~neia, nascida humildemente nas contagens rudimentares do l.a_o instrumento de definição e estudo das operações é,
homem primitivo e que, transportada ao dominio do infinito se naturalmente, aquele mesmo conceito de co;te que serviu pa.ra
tt:ansforma Dum instrumento poderoso de classificação no pr~di. li criação do campo real. O estudo e determmação das propne~
groso escalpelo da mais extraordinária anatomia até' hoje feita dades das operações, em toda li sua minucia, são porém às
pelo homem-a anatomia do infinito! vezes bastante árduos; mas esse trabalho pode simplificar-se
por meio de um outro instrumento, tirado do conceito de corte (1).
9. Anatomia e Fisiologia. 2. a-Como resultado geral, pode afirmar-se que se mantêm
as propriedades do campo racional; surgem, no entanto,
~as, assim como O corpo humano; no complexo das suas algumas circunstâncias novas:
propriedades e reacções, não fica inteiramente conhecido mesmo
com a mais minuciosa anatomia possivel, porque a ela escapa a) desaparece a impossibilidade da radiciação, como vimos
tudo o que diz respeito às leis orgânicas que a esse corpo no parág. 3 deste capitulo;
p~rtensem como ser vivo, assim a noção de correspondência
nao da con~a. ~e tudo o que o infinito contém de proprie- b) a operação de potenciação aparece com uma possibi·
dades e posslbihdades - a noção de correlJpondência IJÓ por si lidade nova, que exige uma definição nova.: ~urnr
dá-nos a anatomia, ndo a fisiologia M infinúo. ' , um número irracional no expoente da potênCia, por
Esta ideia! que nos dá. uma limitação do valor da noção de exemplo uma potência da forma 21"2, Qlle signifi-
c~rrespondêncla partl: a co~pree~são do domlnio do infinito, cado se pode atribllir-Ihe? Não temos por agora
ha-de ser desenyolVlda m8!S adlant~,<3.D. parte); por agora elementos para responder a esta pergunta.
lembramos ao leItor o segulDte, que Ja a Justifica: no quadro
~o parágrafo 7, "eri~ca-se qne a no9do de correspondência é ~- 3. a-As operações são sempre definidas de maneira tal que,
i,,!sensível Q() ~en8o, Visto que ela confere o masmo tipo (nume- quando os números reais que nelas entram se reduzem a númer~~
ra~el) ao conjunto (R) que é. denso e ao conjunto (N) que não racionais, elas coincidem com as operações do mesmo nome, Ja
o e. Ora, para a estrutura intima de um conjunto infinito o ser anteriormente estudadas no campo racional. ,
o~ n~o ~enso é ,d~ma importância enorme, como a própria 4. a-Como j{, se fez notar a propósito do campo raclOnal
v18uahzaçao geometrlCa o mostra. (cap. 11, parág. 25), a identidade de propriedades nã.o de~e
entender-se num sentido rigido; as propriedades anteriores sao

(i) - Pelo próprio Cantor em 1897. (1) _ O leitor que deseje ver como esta teoria se faz duma maneira
_ (l) -, CcmM&ido, porque a questão da existência de tipos iutennediários completa pode consultar) por exemplo, Liçi:ks de Ál,ebra", Análise, Vol. 1.'\
DaCl está aJUda bem esclarecida. 2,- edição, capo V, do Autor.
BE~TO DE JESUS CARAÇA

mantidas, mtH~ certas rela~ões que não tinham significado no


campo anterior passam a tê·lo no campo mais geral. Por exemplo,
n" n n n
no campo racional, as igualdades (Va) = a, Vã· v'b =v' a . b
só têm significado para um número restrito de valores de a) b,
e n; no campo real, elas têm existência universal, quaisquer
que sejam os valores que essas letras tomem.
5. R -Mantém-se a impossibilidade da subtracção-no caso
em que o aditivo é meDor que o subtractivo. Capítulo VI. Números relativos.

1. As grandezas que podem ser tomadas em dais sentidas.

Certas grandezas, e daquelas que com maior frequência


aparecem na vida corrente, SilO susceptíveis de ser tomadltS
em dois sentidos opostos.
Quando se quer, por exemplo, constrnir uma escala dos
tempos, por meio da qual se possam fixar numericamente os
acontecimentos históricos - é isso que faz um calendário - to-
ma·se um acontecimento para origem - no nosso calendário o
nascimento de Cristo - e, a partir dessa origem, contam-se os
tempos para lá e para cá. Assim, cada acontecimento vem
marcado com um número e uma indicação correspondente à po·
sição que esse acontecimento ocupa em relação à origem; por
exemploJ se dissermos: Sócrates morreu em 391} u. C., Galileo
nasceu em 1564 d. C.) referimo-nos ti. dois acontecimentos per-
feitamente localizados no decorrer dos tempos, dois aconteci-
mentos que distam um do outro 1962 anos.
Anãlogamente, quando consideramos o movimento de um
ponto, saido duma certa posição inicial e realizando-se ao longo
duma trajectória rectilínea, precisamos, para indicar a posição
do ponto num determinado instante, de saber) entre outras
coisas, em qual dos dois sentidos opostos, sobre a recta, o mo-
vimento se realiza.
Seja (fig. 28) a recta R) e o ponto 0, tomado nela como
origem. Se o ponto móvel tem uma yelocidade tal que, em
cada segundo, percorre uma unidade de comprimento, sabemos
96 BENTO DE JESUS CABAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 97

que ao fim, por exemplo, de õ segundos, ele percorreu 1} uni- Qller dizer - se desejamos obter, IJempre, resultados de
dades, mas essa simples indicação não nos permite saber se o prob.le~1l8 como os postos acima, tem08 que nos libertar da im-
móvel está em P ou em Q. p<J881bilu:ade da subtraeção.
Se porém ao numero 5 jun- . ~IlU8 lima ve~ nos aparece uma impossibilidade operacional
tarmos um sinal indicati\""o do a lin:ll~a.r as condIções de resolução de um problema, a 11egar ti.
Fig.28 sentido do movimento, li du· pOSSIbIlIdade de dar, em todos 08 casos, um resultado numérico.
vida desaparece. Esse sinal Que fazer? Como. das outras vezes, impõe-se a criação de
pode ser qualquer, mas há li nece!lsidade de tomar um sobre um novo campo numériCO.
o qual nos entendamos de uma vez para sempre. A foute da criação vai ser precisamente a dificuldade en-
contr~da; o método da criação vai ser o método, jâ duas \'ezes
experImentado com sucesso, da negatjio da negaçt1o.
2. Aspecto aritmélico de questão.
4. O conceito de número relativo.
Isto, só por si, não chega:. Se o móvel, partindo de O,
esta. no ponto P ao fim de 5 segundos, isso equivale a afirmar ~~ obediência ao que acabamos de dizer, damos a seguinte
qne nesse tempo ele percorreu o segmento DP, de medida r.. defiwçao:
Suponhamos agora que ele muda o sentido do movimento e Sejam a e b ~is nÚmet'~8 reai8 q,uaisquer:. ~ diferença
continua com a mesma velocidade durante mais três segundos. a - b chamaremos numero relatwo, que diremos POSltu;o nulo ou
Ao fim desses três segundos, ele estará no ponto S (fig. ~8). a negativo, conforme j{;r a> b, a = b, a < b. '
uma distância 2 da origem. Se for a> b o número relativo (positivo) coincidirá com o
Como obter esse resultado final, a partir dos dois resul. resulta~o que, nos campos numéricos anteriores, aprendemos a
tados parciais nas duas fases que considerámos no movimento? de~rmlOar~ se f?r .a < D, o número relativo (negativo) tomar-
Muito simplesmente: - à medida, 5, do segmento percorrido -se-a como Igual a .dlferença D--=- a, precedida do sinal- (menos).
na primeira fase, subtraimos a medida, 3, do segmento percor- Por. exemplo, a diferença 8-0 é o número relativo positivo 3 .
rido na segunda; o resultado traduz-se pela operação 5-3=2. a diferença 5-8 é o numero relativo negatlvo- 3. '
Assim, o resultado final obtêm-se por meio de uma. sub- !J0m~ se vê" os elementos novos que aparecem no campo
tracção. Mas é isso sempre possh'el? relativo sao ~s nume:os negativos; os números positivos são os
números reais anterIOrmente conhecidos, encorporados agora
no novo campo com uma qualificação uova. O mesmo acontece
3. Dificuldedes; como seir deles. nas construções anteriores: quando se criou o campo racional
os nómero~ naturais ent~aram ne~e. com todas as suas proprie:
É fácil ver que não. Suponhamos que o m6\'el, partindo dade~ de numeros naturais e adqUIrIram propriedades nOVas de
de O, sempre com a velocidade de uma unidade por segundo, rel~çao! resultantes da sua nova qualificação como números
segue para a direita. durante ó segundos, pára e retrocede com raCIOnaiS. !?or exemplo, o numero natural 2 segue imediata.
a mesma velocidade durante oito segundos. Ao fim desse tempo, mente o nomero natural 1 e precede imediatamente o nÚmero
o exame da figo 28 mostra que ele está em S', três unidades à natura'. 3;. ma~ o número t'Ucional 2 não segue imediatamente
esquerda de O; meu e8te resultado é impossível de obter por uma o o.úmero raewnal 1, nem precede imediatamente o nÚmero
8ubtracçlto, visto que nesta o aditivo, 5, seria menor que o racwnal 3; enn:e 2. e 1, como entre 2 e 3, há uma infiuidade
subtrativo, 8. de números racwnaur.
98 BENTO DE ,JESUS CARA.ÇA
CONCEITOS FUNDA.MENTAIS DA MATEMÁTICA 99

o mesmo acontece quando os números racionais são encor- dicar o valor absoluto de um uúmero, encerra·se esse número
parados no campo real- adquirem propriedades novas de re· entre dois traços verticais, de modo que se tem sempre
5
lação. Por exemplo, o número racional 2 e o número racional
1)
8 combinados pela. operaçiio de radiciação, conduzem a impos-
sIbilidade no campo racional e fi. possibilidade no campo real. 6. O conjunto dos números relativos e o conjunto dos
Na vida social, as coisas não se passam de modo diferente. pontos de recte.
Um homem tem propriedades diferentes conforme o campo,
o agregado, em que se considera. O homem como mem~ro da Vamos pôr, em relação ao campo real relativo, o mesmo
sua familia da sua freguesia, do seu país, ou da humanidade, problema que pusemos em relação ao campo real absoluto - na-
é biolôgica~ente o mesmo, mas socialmente diferente. A~ suaS tureza da correspondência entre 08 seus elementos e os pontos
propriedades variam conforme o agregado que se consldere. da recta. Que se passa? A definição dada 00 parágrafo 4 e o
Por exemplo uma dessas propriedades - a elegibilidade exame da figo 28 mostram·nos Imediatamente o seguinte: dada
para certos carg~s publicas - não tem existência. quando o a recta orientada, isto é, a reda em que se tomou um ponto
homem é considerado como membro da sua. fam1lia, e surge O para Qrlgem e dois sentidos opostos - de O para a direita,
apenas quando é tomado como membro duma nacionalidade. ou senNdo positivo, e de O para a esquerda, ou IJentido negativo
-., há uma correspondência biuoivoca entre o conjunto dos seus
pontos e o conjunto dos números relativos - a todo o ponto à
5. Qualidades de um ser. NÍlmeros relativos e absolutos. direita de O corresponde um número real positivo, e reclpro·
camente j a todo o ponto à esquerda. de 0, um número real ne-
Ao conjunto de relações em que um determinado ser se gativo, e reciprocamente; ao próprio O corresponde o número
encontra com os antros seres dum agregado chamaremos as .""".
qualidades desse ser. Deste modo, todo o segmento OP tem, qualquer que seja
Pelo que acabamos de ver, as qunlidades dum ser depen- a posição de P em relação a 0, uma medida,. essa medida é
dem do meio em que ele se considera imerso - a a~llado ~lOVO, poBitiva Ba P está à direita, e negativa se está à esquerda de O.
qualidades novas MS seres que o compõem.. ~ número 2 tem umas A igualdade
qualidades como membro do campo raCIOnal e outras como 2) OP~a.;;
membro do campo real; tem agora outras como membro do
campo relativo. passa, assim, a ter significado universal, qualquer que seja a
Pode haver necessidade de especificar que um número real poaição de P na recta orientada; ao número a chama·se, em
a é considerado independentemente das suas qualidades no qualquer hipótese, medida algébrica do segmento OP.
campo relativo - o número a será dito, então, um número
absoluto. , •. 7. Ordenoção.
Para distinO'uir o numero absoluto a do numero pOSitiVO
que no campo l:lrelativo, dele resulta pela nova l}ualificação, Uma 'Tez definido o campo reJati\'-o, é preciso proceder ao
rep:esenta-se este por + a j a dIz-se, então, o valor ahsol!"to ou estudo das suas propriedades estruturais. Oomecemos pela
o móduto de + a; anàlogamente, o número a~soluto a dlz-se. O orden~o.
módulo ou o valor absol!~to do número negatlvo - a j para m- Dados doí~ numeros reais relath'os a e b, aos quais cor·
100 BENTO DI!: lESOS CABAÇA COS'CEITOS FUNDA1IENTAIS DA MATEMÁTICA 101

respondem biunlvocamente os pontos P e Q, diz-se que é a > b, Por exemplo, quanto à adiçdo e 8ubiJ'acção, será [capo 1,
a = b ou a < b conforme P está à direita de Q. P coincide com parág. 18 e 22, págs. 17 e 21]:
Q, 011 P está à. esquerda de (p-q) + (r-r) ~ p - q+r-r~p+r- q - r~ (p+r) _(q+r)
Q. Na fig. 29 estão indicados
três casos de posição relativa (p-q)-(r-r) ~ p-q-r + r~p+r -q - r~ (p+r)- (q+r)
com dois números relo.tivos a donde fàcilmente se tiram as regras práticas de cálcnlo, utili-
e b em que lal > Ihl; mostra· zando, quando algum dos dados seja negativo, a observação
-nos ela que: feita no final do parágrafo anterior.
1. ~ - de dois námero8 positivos, é maior o que tiver maior Em particular, tem-se a+(-b)=a+(O-b)=a+O-b=a-
valor absoluto; -o ;a-(-b)=a-(O-b)=a+b-O=a+b, isto é, somar um nú-
2.~ - qualquer número positivo é maior que qualquer número mero negativo equivale a subtrair o número posi#vo com o mesmo
negativo; módulo,. subtrair um mí:mtlTO negativo equivale a s9mar o número
3.~ - de dois números negativos, é maior o que tiver menor positivo com o mesmo módulo.
valor absoluto. No campo relativo, as duas operações aparecem-nos assim
Quanto à igualdaLle, da definição dada acima resulta que unificadas numa só, que se chama adü;ão algébrica.
dois números relativos são iguais sempre que têm o mesmo Quanto à multiplieaçi1o, tem·se [capo 1, parág. 18, 19 e 22
valor absoluto e o mesmo sinal j um mesmo número relativo págs.17 J 18e21]: '
pode, portanto, ser definido por uma infinidade de diferenças
p - q de números reais - exige· se apenas que não varie o sinal (p-q). (r - 8) ~ p. (r- r)- q. (r- r) ~ pr- pr- (1'- qr)
nem o valor absoluto da diferença. Por exemplo, o número =F-~-W+~=P+P-~-F
- 3 pode ser definido pelas diferenças 20 - 23, 15 -18, 1- 4, ~ (pr + qr) - (p. + qr).
0-3 etc., em geral pela diferença. a-(a+3) onde a é um
número real qualquer (zero inclusive). Em particular, tem·~e
Isto tem importância porque, dado um númerO negativo
(+a). ~+ b)_(a_O).(b_O) ~ + a. b
p-q, qualquer, se pode escrever, chamando r li diferença q-p:
3) p-q~O-r~-r
4) (+ a). - b) ~ (a -Oj'
(O-b) ~ -a· b
(-a). +b)_(O_a .(b-O) __ a.b
portanto, todo o número negativo pode ser considerado como uma (-a).(-b)~(O-a .(O-b)_ +a·b
dijerel!çfZ em. que Q aditivo é zero e o subtractivo é o llúmero real
igual ao seu mOdulo. igualdades que contêm a conhecida regra dos sinais.
A d~'viarto define-se como habitualmente - inversa da mul-
tiplicaçlo - e para ela vale uma regra dos sinais semelhante à
8. Operações. da multiplicação.
As operaçõe~ sobre números relativos definem-se por ex· A potenciaçdo (que, para expoontes fraccionários, abrange
tenção imediata das operações com o mesmo nomo estudadas a radiciação) exige um estudo um pouco mais demorado. Se o
no campo real. Procurará manter-se, tanto quanto possivel, o expoente é um número l'eal absoluto, ou, no novo campo, um
conjunto de leis operatórias e atender-se-á nos resultados, à
j
námero polJitivo, servem as mesmas definições com os r&8ultado~
definição dada no parág. 4 deste capitulo. Os resultados novos, agora ampliados: por exemplo, da regra dos sinais resulta que,
quando aparecerem, serão sempre consequênetas destes critérios. se o expoente é inteiro e a base positiva, a potência é positiva,
102 BENTO DE IE8US CARAÇA coxçJ:<:lTOS l<'UYDAJlEYTAIS DA MATEMÁ1'ICA 103

mas que, 86 a base é negativa, há que atender à paridade do essas impossibilidades-a da divisão no campo racional, a da
expoente - se o expoente é par, a potência é positiva, se o ex- radiciação no campo real, a da subtracção agora no campo rela·
poente é impar, a potência é negativa-o qne se resume nas tivo. Parece~nos por consequência que eliminámos: todas 8S impos-
igualdades sibilidades a, deste ponto de vista, o trabalho de generalizações
progressivas a que temos procedido adquire uma alta significação.
b) (+ a)" = + a1>, (_a)n = + a2k , (_a)U+l= _ a2k+l,
Estamos, porém, na situação do caminheiro que, após longa.
jornada, vê súbitaI?ente alongar-se o caminho com, uma ,:"o~t~
Em particular, é inesperada, escondIda numa dobra do terreno. Ar!! ImpossIbIli-
dades caíram uma a orna, mas, com a introdução do campo
6) ( + 1)" ~ +1 , (- 1)" ~ +1 , (-1 )"+' ~ -1. relativo, surgiu uma nOi"a! Procuremos, com efeito, levar
ao fim a determinação da potência que acima definimos
Se o expoente é negati\To, há que dar uma definição nova;
o critério é, como sempre, a manutenção das leis formais [cap.
,
VI, parág. 28 pág. 26l. Faz-se o seguinte raciocfnio: seja qual (_4)-"2 = ~. A que é igual V- 64? Por definição, será
for o valor que a-" venha a ter, queremoa que sobre esta potência
se opere como se opera no campo real j em particular, deve ser
° número x tal que:1: 2 =-64 j ora, da regra dos sinais, deduzida
no parágrafo anterior, resulta. que o quadrado de qualquel'
portanto ar. a-->"=a"+(-"l =aT-"=a". Mns [capo 1.0, parág.29,
número real relativo é sempre pm~itivo; logo, não existe a raiz
pág. 27J a esta potência fomos já levados a atribuir o significado procurada.
aO=1, logo deve ser a a-"=1, dondeT
,
Dá-se o mesmo sempre que, o índice do radical sendo par,
o radicando é negativo; com efeito, 21<V a seria aquele número
7) :l' tal que x 2 1< =-a, e não existe número x que satisfaça a esta.
igualdade-quer x seja polritivo, quer srOa negativo, a potênet'a
x2.1< é sempre positiva [parág. 8, fórmula 5, pág. 102J.
e é esta a defillit;:.ào que a.doptamos: por exemplo, será Estamos, portanto, em face duma nova impossibilidade.

-,
,
-, O estudo completo da radiciação, que o leitor fará sem
dificuldade, à luz das definições dadas, leva aos resultados
1 1 1 1 1
2 =-=-, (-4 )
22 4
.; = ----==== =- seguintes:
-4' V( -4)' V- 64 indiCle par - duas raizes, plXlitil'a outra 'fIlgatil'4

!
tl1It(II

Radicaw po8itiVQ
9. Desapareceram todas as impossibilidades operatórias' indiCle ímpar _ uma raiz, JH!8itivn,

indloo par- nenhuma raiz


Verificámos no 1.0 capítulo que, em números naturais, são
em geral imposslveis as operações inversas-subtrncçiLo, divisão
e radiciação (1). Nos capitulos seguintes vimos cair, uma a uma,
RadicalUfu ntgatlvo
, !índice ímpar-uma l'aiz, negatit'a.

A. parte o aspecto pouco harmonioso que este quadro tem,


(~
E logaritmação. Poremos de parte, por 81l'1u811W, 1;1 estudo desta ele apresenta-nos uma negação de existência, que possivelmente
operaçao.
causará embaraços.
104 BENTO DE lESUS CARAÇA

o leitor, familiarizado com o processo de generalização


que até aqui tem visto operar, pensará imediatamente que essa
dificuldade pode dar origem ti. um novo campo numérico que se
obterá por negaçt10 dessa negaçt1o. bto é evidentemente reali-
zável mas, antes de o flLZer, ponhamos ti. pergunta: - vale a
pena? haverá porventura problemas cuja plena resolução exija
ti. ultrapassagem da negarjlo mencionada?
Não estamos, por enquanto, em condições de responder
devidamente a esta pergunta: fá.-Io-emos na segunda parte desta
obra. Lá veremos que existem tais problemas e que eles exigem,
de facto, ti. passagem a um campo numérico mais geral.

2.' PARTE. FUNÇÕES


Capítulo /. Estudo matemático das leis
naturais.

1.° - Ciência e lei naturel.

1. Objecto da Ciência.
No capitulo IV da 1. a parte (pág. 64 e seg.) vimos como o
bomem, na sua necessidade de lutar contra a Natureza. e no sen
desejo de a dominar, foi levado, naturalmente, à observação e
estudo dos fenômenos, procurando descobrir as suas causas e o
seu encaMame-nto.
Os resultados dêsse estudo, lentamente adquiridos e acnilln·
lados, vão constituindo o que, no decurso dos séculos da vída
consciente da Humanidade, S6 pode designar pelo nome de
Oiência. O conhecimento cientifico distingue-se, portanto, do
conhecimento vulgar ou pri'mário, no facto essencial seguinte:
este satisfaz..se com o resultado imediato do fenômeno - uma
pedra a.bandonada no ar, cai; uma leve pena de ave, aban-
donada no ar, paira ou 80be-; aquele faz a pergunta porquiJ 1
e procura uma resposta que dê uma explicação aceitável pelo
nosso entendimento.
O objectivo final da Ciência é, portanto, a formação de um
quadro ordenada e explicativa dos fenómenos naturais (l)J~
fenómenos do mundo fisico e do mundo humano, individual
e social.

(i) No parág. 9, pág. 119, se encontra l\ no\,ào de jenõmenQ natural.


108 BENTO DE IESUS CARAÇA CONCEITOS l<'UNDAHENTAIs DA MATEMÁTICA 109

2. Exigências. E é esta acção.reciprocll.) tantas vezes desconhecida 00


desdenhada por certos homens de ciência e certos filósofos, que
Duas são !l8 exigências fundamentais a. que esse quadro vai a todo o momento tecendo a Ciência, fazendo dela e8se
explicativo deve satisfazer: maravilhoso instrumento humano, instrumento de lota, sempre
t.a-Exigência de compatibilidade. As razões são as qn6 incompleto, constantemente aperfeiçoado.
demos no parág. 5 do capo IH (La parte, pág. 48)-obediênciu
ao principio de acõrdo da razdo consigo pr6prl'a.
2. a-E:cigêJ1cia de acõreio com a realidade. Os homeM 3. As dual características fundamentais.
pedem à Ciêllcia que lhes íoruel;a um meio, não só de conhecer,
mas de prever fenómenos-quanto maior fõr a possibilidade de A ReaUrlnde que :to inteligência nOR homeml KA p,llforça por
previsão, maior será o dominio dêles sobre a Natureza; quem compreender, o Mundo, no seu sentido mais largo, apresenta·se
sabe prever sabe melhor defender-se e, além disso, pode com duas caracterlsticas essenciais:
provocar a repetição, para seu uso, dos fenómenos naturais. A 1. a _ Interdependência. Todas as coisas estão relacio-
Ciência deve Ber considerada, acima de tudo, como um iUBtrU· nadas ODUlS com as outras; o Mundo, toda esta Realidade
mento forjado pelos lwmenlJ, instrumento activo de penetl'açl1o no em que estamos mergulhados, é um organismo vivo, uno, cujos
desconhecido. compartimentos comunicam e participam, todos, da vida uns
É evidente que, se as previsões fornecidas pejo quadro dos outros.
explicativo não forem confirmadas pela realidade, êsse quadro
pode satisfazer altamente a primeira exigência, mas nunca
.
Olhemos , por exemplo, coisa tão simples como o cresci.
mento duma pequena erva num campo, e eXll.DllDemOS, com
poderá. ser o instrumento de que os homens necessitam. cuidado as coisas de que depende: temos, em primeiro lugar,
Entendamo.noll bem. A Ciência não tem, nem pode tM', a constituição geológica do solo, a quantidade de calor recebida
como objectivo descre\'er a realidade tal como ela ê. Aquilo a do Sol, etc., coisas qUEl não podem perceber-se desligadas da
que ela aspira é a construir quadros racionais de interpretaçdo situação da Terra no sistema solar, e dêste no Universo; é por
e previsi1o,. a legitimidade de tais quadros dura enquanto durar consequência, todo o problema cosmolõgic? Em segundo l~gar,
o seu ac6rdo com os resultados da observação e da experi- sobre o crescimento da pequona planta mfluem as condlçõ~s
mentação. cllmatéricas da região, o estai! dependem de toda a compleXl-
Em nenhum momento, o homem de ciência pode dizer que dade de fenómenos atmosféricos e marinhos, actividade das
atingiu a eSlJénet"a última da realidade; o mais que pode desejar manchas solares, etc.. Temos, ainda, a acção exercida pelos
é dar uma descrição, uma imagem, que satisfaça às duas exi· outro~ organismos vegetais e animais-há, próximo da pequena
gências fundamentais. erva, outras plantas? quais? e animais? da que natureza?
A História da Ciência está cheia de exemplos de renoyação concorrendo para a sua destruição ou para a ~ua conservação?
e substituição de quadros explicativos, tornados insuficientes por é a região habitada pelo homem? se é, que lDteresse tem ~le
deixarem de satisfazer à segunda exigência; li. todo o momento, pela pequenina planta? que animais cria .ele que a po~~am preJu-
a. actividade teórica (construção de quadros) e a actividade dicar ou favorecer? porquê? que condIções de fertilidade pro·
prática (observaçl\o e experimentação) estão, não só colabo- por~iona ele ao s~lo? que regime de cul~~ra exerce? porquê?
rando, mas em acçi'lo-recíproca, que faz que nenhum ~quema quais são as condIções de trabalho da reglao?
interpretativo esteja isento da, substância real que o al~lIl;enta, Como so vê, uma vez examinada a questão com um pouco
que nenhuma experiência esteJa desacompanhada da activldado de cuidado começam a aparecer as dependências, a ligar-se os
racional que a inspira e orienta. problemas ;'-problema cosmológico, problema fisico, problema
110 BENTO Di> JESUS CARAÇA CONCEITOS FO~DAME:iTA1S DA MATEMÁTICA 111

econômico, problema social, tocam-se e entrelaçam-se no mais Este princípio do permanente rejuvenescimento tem preo-
intimo detalhe do organismo universal. cupll.do os pensadores de todos os tempos e provocado as atitudes
2. a-Flubncia. O Mundo está em permanente evolução' mais contraditórias.
todas as coisas l ti. todo o momento, se transfoMIlam, tudo flue; Uns, aceitando-o como um dado real, uma caracteristica
tudo devém. Isto, que é a afirmação fundamental do filósofo Hera- fundamental da Natureza, fazem dele a base de partida do seu
dito da Efeso (1. a parte, pág. 67 e seg.) foi, posteriormente esforço na compreensão do real. Outros, aterrorizados pelo
reconhecido por grandes pensadores e pode ser vermcado po; sentimento de instabilidade que ele provoca, instabilidade que
qualquer de nós, seja qual for aquele objecto em que fixemos a nada poupa, do mundo fiaico ao mundo social, reagem, pro-
nossa atenção. Pois não ti verdade que tudo está 8ugeito a uma curando substituir o mundo real do devir, por um mundo artificial
m~8:na lei de nasc~ento, vida e morte, que, por sua vez, vai da permanência.
orrg18ar outros naSCimentos? A História do Pensamento está cheia deata luta gigantesca,
Isto é evidente para 08 sêres do mundo animal; é·o ainda luta de que traçámos, no capo IV da 1. a Parte, um dos primeiros
para os do mundo vegetal, mas parece falso para os objectos episódios.
do mundo mineral. Não é objecto deste livrinho a descrição completa das fasas
No entanto, basta observar com atenção, tomando o recuo posteriores dessa luta, mas a ela teremos que nos referir ainda
conveniente; notar como a.té as coisas mais estáveis se alteram para esclarecimento de certos problemas.
com o tempo: como o ferro em'elhece com a ferrugem, como a Por agora, vamos seguir o fio dos raciocinas que se ligam
rocha se desagrega e se toroa areia, como as próprias montanhas ao objecto dírecto deste capitulo ;-0 estudo matemático das
mudam de forma pela erosiio, como os rios mudam de leito, as leis naturais.
margens dos continentes ganham e perdem em luta com o mar.
Tud!} está numa permanente agitação s, por graus insensiveis,
evolucionando de forma qne a Terra não é, neste instante, a 4. Dificuldedes.
mesma que era há momentos, e será daqui a uns momentos
diferente da qne é agora. De tal modo que nem a própria frase Comecemos por observar que as duas características fun-
ta que é agora) tem significado real; - durante o tempo que damentais que apontámoll-inüf1'dependencia e flUência-nos
ela. levou ti. pronunciar, ou a eBCrE.Wer, o prooosso de evolu~ão colocam em sérios embaraços ttO pretendermos empreender o
actuou e a Terra transfonnou-se. E evolucionando assim, estudo de qualquer facto natnral.
ela participa ainda doutra evolução mais larga; girando em Se tudo depende de tudo, como fixar a nossa atenção num
tôrno do Sol, ela entra na vida de outro organismo-o sistema objecto particular de estudo? temos que estudar tudo ao mesmo
solar-com a sua evolução própria que condiciona a de cada tempo? mas qual é o cérebro que o pode fazer?
um dos seus COIll:pOnentes. E assim, do mesmo modo, de grau Por outro lado, se tudo devém, como encontrar, no mundo
em grau de complexidade e de extensão; do sistema solar à movente da fluência, oS factos, os seres) os próprios objecto!
Via Láctea, desta ao Universo, considerado como conjunto de do nosso estudo?
ilhas galácticas. Veremos, no decorrer deste trabalho, como os homens de
De modo que, do extremO superior ao inferior da escala, do ciência conseguiram encontrar os métodos de investigação que
movimento prodigioso de e~pan8ào do Universo, ao movimento, permitem fazer o estudo da realidade fluente.
não menos pI"odigioso, das partículas constituintes do átomo,- Agora, vamos ocupar-nos do primeiro grupo de perguntas:
tudo flue, tudo devém, tudo é, a todo o momento, uma -as referentes à interdependência.
coisa nova.
112 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS lfONDADNTAlS DA MATEHÂTICA 113

pata a recomposlçao dum certo compartimento da Realidade, é


5. Noçio de isol.,do. necessário constantemente construir cadeias, e a cada elo da
cadeia corresponde um nivel de isolado.
No. impossibilidade de abraçar, num ouico golpe, a totali-
dade do Universo, o observador (1) ,'uorta, destaca, dessa 6': Noção de quelidede.
totalidade, um conjunto de sêres e factos, ab:draindo de todos
os outros que com eles estão relacionados. No capo VI da 1. a Parte (pág. 98) ti..-emos já ocasião de
A um tal conjunto daremos o nome de isolado; um ÚJolado definir o conceito de qualidade, o que fizemos da maneira
é. portanto, uma S6CçdO da realidade, nela recortada arbitrària- seguinte: ~ao conjunto de relações em que nm determinado ser
mente. É claro que o próprio facto de tomar um isolado com· se encontra com os outros sêres dum agregado, chamaremos as
porta um êrro inicial- afastamento de todo o resto da realidade qualidades desse sern.
ambiente,-êrro que necessàriamente se vai ref1ectir nos re~ml. Temos agora que dar maior precisão a esse conceito,
tadoa do estudo. "Mas é do bom-senso do observador recortar o porque ele importa grandemente para o que vai seguir-se.
seu isolado de estudo, de modo a compreender nele todos os Sejam A e B dois componentes dum isolado,. entre eles
factares dominantes, isto é, todos aqueles cuja acçiio de inter- existem relaçMs de interdependência. Consideremos uma dessas
dependência influi seniUvelmente no fenómeno a estudar. De que relações; nela podemos distinguir dois sentidos: um de A para
Ilem sempre isso se cOIlsegue, a hist6ria da Ciência e a vida de B, e outro de B para A; diremos, do primeiro 8entido~ que tem
todos os dias oferecem múltiplos exemplos. Quantas vezes, na antecedente A e consequente B, do segundo, que tem antecedente
observação de um certo fenômeno ou no decurso duma dada B e couseqwmfe A; distingui-las-emas respectivamente pelas
acção, surge um facto inesperado. Que quere dizer-inesperado? notações: sentido de relaçi10 A_B e sentido de relação B..... A.
Que o isolado não fora convenientemente determinado, que um Por exemplo, suponhamos que A e B são duas espécies
factor dominante estava. ignorado e se revela agora. Será pre- °
animais, das quais B se alimenta de A. Nesta relação, sentido
ciso acrescentar que no aparecimento do inesperado reside um A-B implica para o consequente B uma fonte de conservação,
dos motivos principais do progrefJso no conhecimento da rea_ e o sentido R..... A implica para o consequente A uma fonte de
lidade, porque, obrigando a uma melhor determinação do isolado, destruü;l1o.
exige um mais cuidadoso exame das condições iniciais? . A relação é uma., simplesmente os seus dois sentidos têm
Muitas vezes, o estudo encaminha-se de modo que há SIgnificados distintos para os respectivos consequentes.
necessidade de tomar um isolado como elemento constitutivo de Pode acontecer que os dois sentidos duma mesma relação
um outro mais largo. tenham o mesmo significado j diremos então que se trata duma
Por exemplo, apôs ter tomado como isolado cada um dos relaçã;;l simétrtca.
órgãos duma árvore e estudado a sua fisiologia particular, cons- Por exemplo: de acordo com a lei de gravitação de A"ewton,
titui-se um isolado superior-árvore e terreno-no qual se entre dois corpos c e c', de massas m e m', desenvolve-se uma
estudará a vida fisiol6gica da árvore. Por sua vez, a árvore força atractiva cuja intensidade é proporcional ao produto
pode ser tomada como uma unidade dum novo isolado mais largo m· m1j aqui, os dois sentidos c_c l e cl_c têm o mesmo signi-
-uma floresta,- a flora duma certa região, etc. Quere dizer, ficado-desenvolvimento duma aeção atractiva.
Definiçi10 de qualidade:-Svam A, B, ... L componentes dum
(I) Entenderemo~ aqui o têrmo ob&f,.~r num sentido muito largo; isolado; ao coniunto de todas as relações A_E, .. ·A_L
todo aquele - homem de ciência, agricultor, literato - que, num dado
momento l empreende um estudo qualquer. dá-se o 1W1lUJ de quah'dades de A em relaçilo a B, ... L.
114 BENTO DE JESUS Cll.IUÇA COYCJllTOS )fID'DAMElilTAI8 DA J',IATEMl~TIOA 115

Desta definição resultam algumas consequências impor- a um %latema de referência, são rectilíneos e uniformes, não se
tantes: pode dizer de um deles fIue é mais ou menos rectilineo e
l.a-Dados dois objectos A e B, entre eles existem sempre uniforme que o outro.
relações de interdependência; a cada uma delas corresponde uma Para outra! qualidades, porém, o caso passa-se de maneira
qualidade de A em relação a B, e uma. quttlidade de B em diferente' vejamos dois exemplos:
relação a A j se a relação fõr simétrica, cada uma das duas E:ctdnplo a) :Joiio, António ? Munuel suo três indivíduos a
qualidades que dela resultam diz-sa também simétrica. Por respeito dos qUll.lS, pelo conheClmento que. temos do s~u com-
exemplo, a qualidade atractiva existente entre duas maSB3S portamento em situações ~emelhante~l consldera~os Jo~o como
quaisquer m e ml é simétrica j é também simétrica a qualidade mais corajoso que Ántómo e AntónlO como ~~lS coraJoso ll..ue
de equlvaUncia entre dois conjuntos (La Parte, capo I, parág. Manuel A qualidade coragem, que João, Antamo e Manuel tem
8 • 14). emrel~ão a nó:;:, obse1'vadores, admite graduações de intensidad~,
2. a -Não se pode f3lar de quaUdades intríusecas dum. ser as quais respeitam a transitiv.idade,-se .temos .João como malS
ou objecJo, de qualidades que residam no objecto-em.si. As corajoso que Antônio e Antónlo como mal.s coraJoso que Manuel,
qualidades são relações orientadas j se os consequentes mudam, temos evidentemente João como mais corajoso que ~anUjI. .
mndam as relações. Por exemplo, nma folha· de amoreira tem, E:cemplo b) Consideremos um corpo.e em ~Ovlmento e seJ~
para a Úl"vore, a qualidade de ser um órgão de respiração, para v a. sua velocidade em cada ponto da traJectóna (~). Es~~ qnali·
o bicho de seda, a de ser um meio de nutrição, para o homem, dade-velocidade do móvel c-é suscepth'el de mtensdicação,
a de ser verde, de poder servir de meio económico, etc. de aumentar ou diminuir, corno toda a gente sabe,
3. a _É indispensável qne o leitor se familiarize com & ideia Pois bem,-daquelas qualidades, como ~ ikJ8 exempl~8 a) e
de plasticidade e flUência da noção de qualidade, que se compe- b), a respeito dag quais se podem fazer os )uizOfJ .de maM. que,
netre bem desta verdade fnndamental-a isolado novo, quali- menos que, maior que, menor que, diremos que admttem vartaçtlo
dade8 nova8. É preciso sempre, quando se consideram as quali- çegundo a quantidade. . .
dades dum ser, pensar no isolado a que ele pertence, pensar no A quantidade aparece-nos, aSSim, como nm at:r~buto da
seu eonte;r:to; só em relação ao contexto é que as qualidades qualidade e é sempre neste sentido que usaremos o têrmo neste
têm significado. livrinho. Na linguagem corrente ele é por vezes tomado ~omo
Assim como há níveis de isolado (parág. 5), assim há sin6nimo de número ,.-quando se diz: lIma grande quantidade
também nlveis de qtUJlidat'k; o leitor tem alguns exemplos no ca'[l. de pessolls, quer significar-se: um grande número de p~ssoas;
VI, 1. a Parte (pág. 97), e com facilidade encontra muitos outros. Na linguagem científica e filosó~ca, o. têrmo quant~dade e
empregado muitas vezes, com sentidos diferentes. AJ'lBtótel~s
7. Noção de quantidade. definiu qua~tidade como uquilo que é divisível em dois ou maiS
elementos integrantes, dos quais cada um é, por natureza, uma
Há qualidades que não são susceptíveis de admitir graus coisa una e determinada» (2).
diferentes de intensidade, isto é, qualidades a respeito das quais Frequentemente, toma-se quantidade como líaquilo que é
se não podem fazer juizos de mais que, maior, menoa que, menor'.
Por exemplo, uma circunferência não é mais nem menos
circular que outra; duas rsctas dum plano, em geometria eucli· (1) Só na 3." Parte será definitlCl~ com. úgor o lJ.ue se ~ntende por veto·
deana, n.ão podem Ber mais ou menos paralelas - ou são paralelas cidade num ponto; para a eompreellsao d~ ql.l;e.ae dIZ aqul,.basta, ]lorém, ~
ou são concorrentes. nOi;lào intuitiva que toda a gente ~m do 6lgmrlcado duma traso COlDO esta.
Do mesmo modo, dado~ dois movimentos que, em relação -o combóio passou pela gare de X a 10 km. a hora.
(Z) Metafísica 3 13, 1020 a.
116 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 117

obje~to de med~daD o,n, pelo menoEl, aquilo que, por natureza, eomo tal, 86 em relaçilo a ela pode ser conslderada. A questão
admite ser medido, amda que ae não possa representá-lo efec- de saber se a. variação de quantidade é ou não snsceptivel de
tivamente por um número (I). medida não tem significado absoluto mas apenas significado
O sen,tido que ~saremo8 aqui e que acima estabelecemos é, hiatárlco j-num dado momento, em determinado estado de
como o lettor vê, diferente. &vanço das ciências da Natureza, pode apcender-66 a medir o
Consideramos a quantidade como um atributo da qualidade que até ai era impossivel.
e não como um olijecto,. nem sequer exigimos que haja possibiM
lidade de medir para falarmos em quantidade. No exemplo b), li-
quantidade (da velocidade) pode ser medida; tem sentido o 8. Transformação da quantidade em qualidade.
falar-se duma velocidade dupla, tripla, de outra; mas no exemplo
o) não se dá isso-a qualidade coragem admite uma variação Aos homens interessa, como atrás dissemos, (parág. 1),
segundo fi. quantidade, mas essa variaçiio não é tradu71vel em construir um. quadro explicatiliO dos fenômenos naturais. Em
nÚmer?8; tem selltido o dizer-se que João é mais corajoso que que consiste?
Antónto mas não que a coragem de João é dupla da de AntÓnio. Tomemos um certo úwlado de estudo; arrastado na fluên-
De resto, o poder ou não traduzir-se em números uma cia de todas as coisas, ele transforma-se - cada um dos sellS
variação de quantidade é uma questão que depende, acima de componentes devém a todo o instante uma coisa nova. Alteran-
tudo, do grau de conhecimento momentâneo dos homens j não do-se constantemente os elementos constitutivos, alteram-se as
é, de modo nenhum, uma questão que possa pôr-se em absoluto. su.as relações, isto é, as suas quaUdades, e o úolado aparece a
O progreslm das ciências de observação permite em certa altura todo o momento com qualidades novas.
medir o que antes se sabia apenas que Yariava segundo a Rigorosamente, deveriamos dizer que a cada momento
quantidade. temos um i.solado novo, mas, pelo mesmo acto arbitrário que
O que é necessário para que se possa medir uma variação nos levoll já a recortá-lo do seio da Realidade (acto justificado
de. ~uantidade ~ e)-Q.ue cada estado possa ser obtido, por pela necessidade e comodidade de estudo), diremos que o iso-
adJ(;ao, .a partir ~e. outros estados, e que essa adição seja lado evoluclona e que os diferentes estados observados corres-
comutativa e assoClatJva(~). Tomando então um desses estados pondem, não a. isolados novos, mas a diferentes fases de e"l:oluçi1o
convenientemente escolhido, para unidade, a medição faz-s~ do isolado inicial_ Este modo de yer é, natllralmente, condicio·
comparando cada estado com aquêle que se tomou como uni- na.do e limitado pela própria natureza da evolução - pode chegar
dade; veja o leitor o que dissemos a pág. 29 e sego (l.a Parte) uma certa altura em que o isolado apresente qualidades de tal
a propósito da medição de segmentos e interprete-o dentro modo diferentes que não haja vantagem ou possibilidade de o
deste6 elementos teóricos gerais que estamos agora apre- considerar o mesmo. Vai aqui muito do bom-senso do ob~er­
sentando. vador e das conveniências do seu estudo.
Como imediatamente se verifica., a possibilidade de medição O aparecimento de qualidades novas no decurso da evolução
exi6te, no estado actual do nosso conhecimento, no caso do de um isolado~ ou sua transformação noutro com estrutura
exemplo b) e não existe no do exemplo a). qua.lita.tiva diferente, põe em evidência a ligao:;ão íntima,
Em resumo, a quantidade é um atributo da quaUdade e, já acima assinalada, entre os conceitos de qualidade e qUaD~
tidade.
Consideremos um corpo em queda livre no ar: por exemplo,
(1) Voca:hulário filosófico de A. Lalanàe, arti~o Quantité. Uma pedra abandonada sem velocidade inicial no alto duma
(!) V. Plerre Duhem, La TMOJ"ie Physique, pago 163.
\3) 1.- Parte, capo I, pág. 17-18. tôrre. Mostra a observação que o movimento da pedra é, a
118 BE~TO DE JESUS CARAÇA COyeEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 119

principio, uniformemente acelerado (1) mas que a resistência do nos apresenta- formação e dissolução de agregados politicoB,
ar exerce sabre ela uma acção de freio cada vez mais intensa, ete., - são fenômenos nos quais em dado momento foi atingido
de modo que, a certa altura, o movimento se torua uniforme, o ponto critico em que a quantidade se transformou numa
isto é, a velocidade não aunlen ta mais, conserva-se constante. qualidade nova.
(Seja dito de passagem que é devido a iate- que se torna pos-
slval o uso de paraquedistaB na guerra moderna). 9. Noção de lei.
Analisemos este facto à luz dos prindpios que temos
vindo a expor. À evolução dum isolado, chamaremoS daqui em diante um
Temos 11m isolado - Terra_pedra - no qual existem, entre jen6mena 1latural.
outras, estas duas qualidades: a) mQVimento acelerado da pedra Fenômenos naturais são, portanto, o movimento dos corpos,
em relação à Terra, por virtude da acção da gravidade; b) resis- a vaporização da água sob a acção do calor, a passagem duma
tênCi'a do ar opondo-se à queda. li. quantidade de cada uma corrente eléctrica num condutor, a germinação duma semente,
destas qualidades varia durante a queda, e essas qualidadeB Bão o exercício de direitos politicos pelos cidadãos, etc.
tais que o aumentar da quantidade de reBistência do ar provoca Em virtude desta definição, explicar nm fenômeno é explicar
a diminuição da quantidade de velocidade de queda; pode, por· a evolução dum isolado.
tanto, dizer-se que a intensificação da quantidade da resistência Essa evolução manifesta-se pela alteração das qualidades
do ar eontraria a qualidade '1J1o'llimento acelerado. Chega. um mo· dOi! componentes do isolado; logo, e:cplicar um fenómeno é dar
mento - é a experiência que o mostra - em que a intensificação o porquê da alteração das qualidades. Mas, esse porquê como
da quantidade de resistência do ar atinge um gran tal que o atingi-lo? Pode o homem estar certo de nalgum instante ter
movimento deixa de ser acelerado para passar a ser uniforme; alcançado a essi!noia intima das coisas (para empregar, por um
dai em diante, a velocidade, que vinha a aumentar cada vez momento, a linguagem da metafisica)? Tarefa vã! As coisas
menos, passa a ser constante. Nesse momento, a qualidade revelam-5e-nos pelas suas relações connosco - nada mais po-
movimento acelerado desapareceu e surgin outra - movimento demos atingir que iBBo 1
uniforme. O trabalho do cientista é, portanto, o de observar e des-
Vê-Be, portanto, como a intensificaç:lo duma quantidade, crever os fen6menos e ordenar os resultados da sua observação
(lue contraria uma qualidade estrutural dum isolado, pode chegar num quadro e;,cplicatirJO - construção inteleetual- coerente, e
a destruir essa qualidade e a fazer surgir uma qualidade nova. cujas consequências e previsões sejam confirmadas pela obser-
E' com esse significado que se fala na tramjormaçi1o da quan- vação e experimentação.
tidade em 'fU,alidade. O ponto (empregando aqui o têrmo ponto A observação mostra que há certos fenômenos que apre·
como indicativo dom conjunto de condições) em que essa trans- sentam regularidades, isto é, comportamento idêntico, desde que
formação se dá, chama-se ponto crítico da evolução do isolado. as condições iniciais sejam as mesmas.
A vida quotidiana oferece-nos a todo o momento exemplos A existência. de regularidades é extremamente importante
de transformações destas. A ebulição da água, o rompimento porque permite a repetição e previsão, desde que se criem as
duma membrana ou chapa a que se faz suportar um pêso cres- condições iniciais convenientes; ora, repetir e prever é fun-
cente, para não falar já da multidão de fen6menos que a hiBt6ria damental para o homem na sua tarefa essencial de dominar a
Natur0za. Toda a técnica se baseia nisso, e o leitor que pense
{1} Movimento em que a velocid~de ti crescente e proporcion~( a() um momento na possibilidade e utilidade dessa técnica na vida
tempo; se a queda se roa!ízasse nO vácuo) a r13la.\lã(l entre a velocidade e o corrente - de um extremo ao outro da aparelhagem técnica,
tempo seria v = 9,81. t, (t mediJ(I em Mgnndos, to em metro~). da enxada ao ciclotrão - verificara sem trabalho que tal possi-
120 BENTO DE JE~US CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 121

bilidade e utilidade se baseiam nestas daas coisas essenCl&lS: liquefeito; logo que a temperatura desça abaixo da tem·
repetir os fenômenos tantas vazei'! quantas sejam precisas, prever peratura critica, o gás pode liquefazer-se, submetendo-o
os seus resultados. a Ilma pressão conveniente.
Daqui resulta que uma daEl tarefas mais importantes no W. - Entre dois corpos de massas 7n e m' desenvolve·se uma
trabalho de investigação da Natureza é a proeura d~ regulari- força atractiva que é directamente proporcional ao pro-
dades dos fenômenos naturais. duto das duas massas e inversamente proporcional ao
quadrado da distância dos dois corpos (lei da gravítaçi10
Definição: - Chamaremos lr:i natural a toda a regularidade de de Newlon) (1).
evoluçtto dum UJolado_ IV. - Toda a necessidade tende a provocar as rea.cçMs próprias
Com esta definição, e do que anteriormente se disse, fica a dar-lhe satistação (1.'" lei da psworogia funcional de
estabelecido que o quadro explicativo que 08 homens procuram Clapal'êde).
cOIlstruir deve assentar sGbre leis naturais, e que na. sua procura V. - Para todo {) corpo, em queda livre no vácuo] as altaras
e ordenação deve consistir o objectivo essencial da Ciência. de queda são directamente proporcionais aos quadrados
dos tempos de queda (lei da queda dos graves).
10. Diferentes tipos de lei. Destas cinco leis naturais, a primeira e quarta podem ser
consideradas como leis qualitativas, a terceira e quinta eomo
Estamos de posse do conceito de lei j percebe-se que, con· leis quantitativas, com as relltrições que acima pusemos à classi-
forme a natureza do isolado e da sna. evolução, possa haver ficação. Quanto à segunda, ela fornece o tipo que chamámos
dois tipos fundamentais de lei: lei qualitativa-quantitativa - a manutenção da qualidade estado
lei qualitativa - aquela qne diz respeito a variação de gasoso está dependente de variações quantitativas de pressão e
qualidade; temperatura, e o objectivo da lei é, precisamente, acentuar essa
lei quantitativa - aquela que diz respeito a variação de ligação, determinando as condi.ções sob as quais a quantidade
quantidade. (de preaslio) 8e- pode- transformar e-rn qualidade- nova (esb.1do
Que estes doi", tipos não podem ser rigidamente separados liquido).
é evidente em virtude do que foi dito nos parágrafos 7 e 8; a
utilidade da dístinçf10 está em que a ui acentua, por vezes, um 11. Primado da qualidade ou de. que.ntid"de~
ou outro aspecto da Realidade. Frequentemente, mesmo, a lei
põe em evidência a ligação íntima. da. qualidade e quantidade, A Realidade existe, independente da nossa vontade. Mer-
de modo tal que se não pode classificá-la em nenhum dOll dois gulhados na fluência universal e tendo necessidade, para. fins
tipos; diremos então qne se trata duma lei qualitatíva-quantita- humanos, de a explicar] lançamos, sôbre ela, toda uma teia de
tiva (em rigor, todas o são). leis - regularidades dos fenómenos tais como se nos revelam.
Vejamos alguns exemplos de leis: A tonalidade geral dessas leis, o tipo dominante delas, é
1. - Cada planeta descreve em tôrno do Sol l1ma elipse, da qualitativo ou quantitativo? A qual dos dois damos o primado
qual o Sol ocupa um dos focos (1." lei de Kepler)(l). para a e:x:plical)l1o'! A história da Ciência dá a esta pergunta
lI. - Para todo o gás existe uma temperatura, chamada uma resposta nitida - à medida que a Realidade se vai conhe-
temperatura critica, acima da qual ele não pode ser cendo mellw-r, o primado tende a pertencer ao tipo quantitativo.

(t) João Keplel', astrónomo que pode Ber considerado como um dos (t) IsaM NI!lL,wll (16402-1727), físico e ma.temático, uma das figuras
precursores da Astronomia moderna (1571.1630). domiDantes da Ciência. moderna.
122 BE:"l"TO DE ZESUS CARAÇA CO:S:CEITOS F~DÀlI(E:S:T.AIS DA MATEMÁTICA 123

Não é que a Ciência, no seu avanço, tenda a pôr de parte O {[sico francês Pierre Duhem, referindo-se, DO seu belo
a;qualidade, e isso seria, mesmo, absurdo, uma vez que as qua. livro A teoria física, à querela entre os cientistas de espírito
hdadas traduzem as relações de interdependência dos sêres uns moderno do Renascimento e os filósofos tradicionais da Esco-
com os outros (parág. 6), e a interdependência é precisamente lástica, diz: «Aquilo de que os filósofolJ do llenascimento acusavam,
n~a ~as c!,racteristicas eSElenciais da Realidade (~arág. 3). Mas ~ aeima de tudo, os filósofo8 escoltbticos era de im'entarem 1tma
CIeuCla ,nao se ocupa apenas de descrever, empreende a tarefa qualidade nova cada vez que tmt fenómeno novo lhes chamava a
de exp~u:.ar 8, nesta, há um facto que se impõe com fôrça cada atençdo j de atrlbulrem a uma virtude particular cada efeito que
vez maIOr - para obter a 6xplicaçi1.o das variaç/'j6s de qualidade ndo tt'nham nem estudado nem analüado,. de imaginarem glte
há que aprofundar o estudo das varillçlJes de quantidade. tinham dado uma e;qJlicaçi1o onde se tinham Umitado a pôr um
A segunda lei que demos como exemplo no parágrafo 10 nome e de transformarem a8sim a Ciffncia num calilo pretensioso
oferec~'no8 ~ma ilustração flagrante disto. Durante muito tempo, e inútilJJ.
os fíSiCOS nao encontravam explicação para O facto seguinte: E dá um exemplo célebre de explicação ... verbalista.:
-v: maioria dos gases podia liquefazer-se por um aumento con- .A luz, ou antes, a iluminaçdo é um movimento luminar de raios
ven.lente de pressão, mas ontros, denominados então gases refrac- compoMos de corpos luminosos que enchem 08 corpos transparentes
tárlOs ou perm.anente8 (oxigénio, hidrogénio, azoto e alguns e que silo movidos luminarmente por outros corpos luminosos» (I).
outros), suportll.vam as maiores pressões sem se liquefazerem. Está o leitor vendo? Mas há mais ...
Só em 1863, An~rew"1l!o8trou a existência, para cada gás, de uma
temperatura crlt~ca, aCima da qual não se podia obter a lique- 13. Um exemplo cêlebre.
facç~~. Ora, .dava-se ~ circunstância de que, para os gases de
que Ja se obhvera a 1tquefacção, essa temperatura era relativa- O fenômeno do movimento dos corpos foi daqueles que pri-
mente alta °
" (157° para anidrido sulfuroso, por exemplo) , e , por
ê sse mo t IV?, as temper~turas a 9.ue normalmente se operava
meiro atrairam as atenções dos pensadores, como dissemos no
capo IV da l.a Parte; lá mostrámos como êsse problema esteve
estav!,,~ crlada~ as condições de hqu~facção. Para os gases re- intimamente ligado à evolução da Maternatica e da Filosofia na
fractarlOs, porem, a temperatura critica é extremamente baixa Grécia clássica. Apontámos também, embora ao de leve, como
(-119° para oxigênio, -147° para o azoto, - 2400 para o hidro- circunstâncias determinadas, principalmente de carácter politico
~énio)~, portanto, só abaixo dessas temperaturas eles podem ser e social, induziram na ciência grega posterior ao século IV :I.. C.
liquefeitos por aumento de pressão. Vê o leitor como só uma va- o Mrror do moü·imento (2).
riação de quantidade (temperatura) permitiu dar uma e:rplícação Quer isto dizer que ele foi pO!'lto totalmente de parte? Do
do fenómeno - alteração de qualidade - até aí misterioso? modo nenhum I Procurou-se dar dele uma explicação que o re-
Exemplos como este oferece-no9 a história da Ciência em legasse para o museu das múmias e o tornasse consequentemente
abundância. inofensivo, embora existente. E como há sempre um filósofo para
Mas há mais ... cada tarefa, por mais ratorsR e macabra, essa filósofo surgiu,
na pessoa de Aristótele....
12. O perigo do verbalismo. Aristóteles, qua aliás conseguiu realizações interessantes
em alguns domínios do pensamento, den do movimento uma de-
É tão fácil pôr um nome a uma coisa! arranjar um rótulo
para encobrir a nossa ignorância! E tão generalizada a ten: (1) Duma carta dirigida a Paseal pelo jesuJta Padre NoH, antigo pro-
dência, em certas épocas históricas, para elevar os rótulos à fessor de Descarta no colégio de la Fleche.
categoria de explicaçào ! (%) V. o capo IV desta Parte.
124 BE!frQ DE JESUs CARAÇA CONCEITOS FU:NDAME}l'TAIS DA MATEMÁTICA 12õ

finiçio e uma teoria qualitativa tão Bubtis (1) que conseguiu tor- Por toda a parte, em todos os ramos do conhecimento, há
ná·las totalmente incompreeusiveis a este pobre ente - o homem esta tendência para o quantitativo, para a medida (í), de modo
de-todos-os-dias e de-todos-os-Iugares - que, com trabalho e tal que pode afirmar-se que o estado propriamente cientifico de
sangue, muito sofrimento e algnmas alegrias, um pouco de ca- eada ramo só começa quando nele se introduz a medida e o es-
pacidade de entendimento e grande dose de ilusão, vai encon- tudo da ,'ar,iação quantitativa como explicação da. evolução
trando, às apalpadelas, o seu caminho nesta maravilhosa Reali- qualitativa. E o que está a~onte<:endo nos nossos dias a uma
dade de trevas e luz em que está mergulhado. ciência em formação - a PIIlColog1a - e a uma outra que des-
Só duma coisa parece ter-se esquecido Aristóteles - de ponta-a Sociologia; ambas se estão ema~cipaDdo da descriç~o
observar o movimento lOque foi origem dum percalço de vulto verbal e procurando atingir, lentamente, a ldade da adoleSCênCia
- afirmar (}!lsica, livro N 216 a) que «a expert·~ncia m08tra cientifica.
que 08 crrrpOIJ, cuja força é maior, stja em pêso, seja em ligeireza, Com o significado e as restrições referidos no começo à()
todas as outras condi~e8 iguailf quanto às flgura8, atravessam parág. la, podemos portanto falar, plenamente, no primado da
mai/J depressa um espaço igual e na proporção que a, grarulezas lei quantitativa no seio da crtncia Moderna.
(p~ ou ligeireza) tem entre si, afirmação que equivale a esta
- Q/J corpos caem com velocidades proporcionai, aos pesos - e
que a Física experimental mais tarde havia de desmentir 2. 0
- Conceito de função.
totalmente e).
14. Primado da explicação quanlitaliva. 15. Inlervenção da Matemática.
O leitor pode ver, pelos exemplos que apresentamos, como Na 1. a Parte viu-se, em vãrios exemplos, como os conceitos
é grande o perigo de deslisar no abuso da explicação qualitativa. matemáticos surgem, uma vez que sejam postos problemas de
Os construtores da Ciência moderna, do Renascimento em di· interêsse capital, prático ou teórico: - é o número, natural,
ante, apercebendo-se dêsse perigo, deram rllmo novo à barca surgindo da necessidade da contagem, o mbner.o :r:aclOnal, ,da
da Ciência, dedicando-se à observaçao e experimentafido, pro-
curando medir, tentando explicar por variações de quantidade,
da medida ,
. o número real, para assegurar a compatlblbdadelóglC&
de aquisições diferentes.
tectlodo nma teia de leis quantitativas. E natural, portanto, esperar que, ~e coisa tão import~nte par~
O novo rumo da barca da Ciência está cheio de triunfos. No o entendimento e explicação da Realidade como é a lel quantt-
capo IV desta Parte trataremos mais demoradamente deste assunto, tativa, surja também ~ conceito matem~tico pr~pri? para o seu
mas queremos dar, desde já, um exemplo frisante. A 1. alei de Ke- estudo; esperar aqui, amda, que a neceSSidade crie o rnstrumento.
pler (parág. 10) é uma lei qualitativa,- pois muito bem: ellsa lei e as Assim acontece de facto.
outras duas leis de Kepwr (estas quantitativas) estão englobadas, O leitor, instruido pelos exemplos anteriores, ~ão esperará,
como se demonstra sem grande dificuldade, na lei da gravitação de decerto que esse instrumento tenha saido dum Jacto, prontl>
Newton (parág. la, III), que é o tipo perfeito da lei quantitativa (3). e acab~do; que aos cientistas se tenha .apresen.tad~ a qllestão
assim: _ temos aqui uma multidão de le~ quantita~vas, vamos.
(1) Vidé F~ica de Aristóteles, livro lII. criar o instrumento próprio de est~do. MUI.to longe diSS? I Deu-sft
(Z) Por obra de Galileo (1564-1642), o fundador da Física moderna e uma gestação lenta em que neceSSIdade e lllstrumento lllter-actu-
o vexdadeirca iniciador do método cl'..perimental em Ciência.
(3) Essa delIulllstração é uma parte da obra de Newto~ Princrípios
matemQ.tic08 da filOJJofia nalural, um dos maiores mODllmentos e1snUficoB de ~) lnclusivê na Geometria'fara ex.pliear as formas das figuras (coisa
todos os tempos. essenCialmente qualitati.va). Vid cap. IV.
126 BEY1'O DE JESUS CARAÇA C01'lCEl'1'OS FUl:\'DAME:-iTAIS DA MATEMÁTICA 121

aram, ajudando·se e esclarecendo.se mutuamente. No capo IV Então em que consiste, afinal, a lei? - Na forma de cor·
"eremos alguma coisa sobre as condições históricas dessa ges- respondência dos dois conjuntos. Se, por consequência, queremos
tação e evolução; as páginas que seguem contêm apenas um estudar leis quantitativas, temos que c1iar um instrummto mate-
esquema de como a questão pode ser vista hoje. mático cuja ess/incia seja a correspawl1incia de dois conjuntos.
Está o leitor notando que novamente nos aparece, no seio
16. Surge o instrumento matemático. desta questão vital para a Ciência, aquele mara.vilhoso instru-
mento da COlTespondência que nos surgiu logo no conceito de
Suponhamos que temos que estudar uma v~ri8;cão de quan· número natllra1 e não mais nos abandonou ao longo de toda a
ti.dade; seja, para fixar id~ia5, a variaçiio ql1antit~tlVa de espaço 1." Parte? Como tudo isto, afinal, é simples!
e tempo no fenómeno da queda dos graves no vacuo. Suponha-
mos realizadas as condições flsicas necessárias - o isolado 17. Noção de variável.
conveniente - e procuremos a regularidade do fenómeno: a lei
quantitativa. Que fazemos? 2.Iedimos as alturas de queda em in- Estamos de posse da idéia fUIldamental do i~8~rumeIl;to 1\
tervalos de tempo iguais, e estudamos depois a variação dessas criar; de que se trata agora á de, com os materlal8 coIbidos,
alturas de queda: é claro que, quanto mais pequenos forem os in- fazer a montagem do instrumento e aperfeiçoá-lo.
ter....alos de tempo em que fazemos as medições, melhor se conhe- O instrumento consiste na correspondência de dois con-
cerá a variação. Suponhamos que se fizeram as medições de juntos de números; a primeira coisa a fazer, para o torr::ar
segundo em segundo e que se encontraram os valores seguintes: fàcilmente manejável, é arranjar uma representação simbólIca
para. os conjuntos; de contrário, ter[amos sempre que estar
tempos (em segundos) O 1 2 3 4 I) pegados a tabelas de resultados particulares e não obteriamos
espaçQs(em metros) O 4,9 19,6 44,1 78,4 122,5 a generalidade conveniente.
Essa representação simbólica consegue·se introduzindo o
Não é, evidentemente, nesta simples tabela que se encontra conceito de variável, o que se faz da forma seguinte: Seja (E)
toda a regularidade, a lei quantlta#va; mas ela dá uma primeira um conjunto qualquer doe númeI"os, co-ujunto finito ou infinito, e
idéia dessa lei. Em que consiste, no fundo, esta tabela? Em duas convencionemos representar qualquer dos seus elementos por
sucessões, dois conjuutos, de números - o dos tempos, que re- um simbolo, por ex.: x. A este ifÍmholo, representativo de qual-
presentaremos por conjunto t, e os dos espaços, que represen- quer do, elemmtos do conjunto (E), chamamos variável.
taremos por conjunto e - postos em correspoIldêIlcia um com Quando dizemos, por exemplo: seja (E) o conjunto dos
o outro, correspondência essa da qual podemos afirmar que é números reaÍs do intervalo (0,1), e seja:c a sua variável, que
univoca (1) no sentido de t para e, visto que não podemos, eviA qneremos signiftcar? Que o s[mbolo :l:!, sem coincidir indt·vitlual-
dentemente, conceber um movimento de queda em que, ao fim mente com nenhum dos númerOIJ reais delJse intervalo, é sus-
dum certo tempo, o mesmo corpo tenha percorrido dois espaços ceptival de os representar a todos; é, afinal, o sbnbolo da vida
diferentes. Onde está a lei quantitativa de que aquela tabela eolectiva do conjunto, vida essa que se nutre da vida indiyidual
nos dá apenas uma primeira aproximação? - A lei está na de cada um dos seus membros, mas nito se reduz a ela.
forma como essa correspondência do conjunto t ao conjunto e A variável é, portanto, uma entidade que, dizendo respeito
se realiza; se a correspondência mudar, mudarão os conse- a nm niveI (I) de isolado - o conjunto - superior ao do número,
quentes - aqui os espaços - mudará, por consoquõncia, a vaA é, ela próprIa, de uma natureza superior. Isto é perfeitamente
riação, mudará a lei.
(1) V. parlig. 5. pág. 112.
(1) V. 1.' Parte, capo II págs. 7 e 8.
128 BElofTO DI!: JESUS CABAÇA CO~CE1T08 FUNDAMENTAIS ])A llIATEllÁTICA 129

compreensivel dentro do quadro geral de ideias que esboçámos remos variável independente; à varidvel e chamaremos variável
nolS primeiros parágraCo8 deste capitulo j no entanto, o carácter dep,,,,L,,,,.. . .
contraditório do conceito - a variável é fJ não é cada um dos Assim, o conceIto de Janç{1o aparece-nos, no campo mate-
elementos do conjunto - deu origem fi. que a sua introdução na mático como o instrumento próprio para o estudo de leis.
Ciência seja relatiYamente recente. Pelo seu carâcter essencial &pare bem O leitor em que, qUlllldo nós dizemos que
- sintese do se1' e ndo ser - ela sai fora daquele quadro de e =j(t), dizemos mais qualquer coisa do que o que está na
ideias que quer ver na Realidade uma permanência e irrompe tabela do parágrafo 161 nesta, estão apenas indicados algu1U!
ligada à corrente de pensamento que, expressa ou tàcitameotf>, pares de valores da correspondência, ao passo que na afirmação
vê na flu8ncia a primeira das suas caracteristicaB.
Uma variável é o que fõr determinado pelo conjunto numé-
/J =.f \t)
está implicado que a qua!qUt!l" valor de t correspo.~de
um Vil. ar (e um 8Ó) de e. Por aqUl pode começar a ver-se Ja fi
rico que ela representa - a sua 8:Ubstdncia, o seu ckJmínio, como f6rça latente que este novo instrumento traz em si.
daqui em diante diremos. VamolJ resumir e fixar o que está dito numa definição, a
Dois casos p~icularmente importantes são aqueles em que: que nos reportaremos daqui em diante.
a) O dominio é o conjunto dos números reais compreendidos
entre dois números reais a e b dados, ou, como correntemente
se diz: o conjunto dos números reais do intervalo (a, b); a va- Definitj1o: - Sejam x e y duas vaJ'iáveis representativas de con-
riável x diz-se então t'ariável real continua (1), ou simplesmente juntos de números.,' diz·8e que y é junçdo de x e escreve·8e
variável real.
b) O domínio é o conjunto infinito dos números naturais 1) y ~ f(x)
1, 2, 3, ... ; utilizaremos, neste caso, o simbolo n e designaremos
a variável por varUível inteira. entre as duas variáveis existe uma correspondência ul'lívoca
tuJ
Da um outro caso muito importante falaremos adiante no 8entido x ....... y. A x chama·se variável independente, a
(cap. m, parág. 22). y variável d-ependente.
18. Noção de função.
Para indicar que !I é função de :J:, usaremos também escre·
Voltemos ao exemplo do parágrafo 16 1 a lei da queda dos ver simplesmente 11 (x); para. representar aquele valor o de 11
graves consiste na correspondência. do conjunto dos tempos que corresponde a um valor particular a de x, escreve-se b =
(antecedentes) ao conjunto dos espaços; estamos agora em con- = f (a) ou b = Y (a), conforme se usou a representação y =
dições de criar o instrumento matemático cuja ess{jncia seja essa ~f (x) ou y (x).
correspondência. Seja t a variável do conjunto dos tempos e e
a vanállel do conjunto dos espaços; a lei consiste na existência 19. Modos de depnlção.
duma dada correspondência entre t e eJ correspondência de que
sabemos que é unívoca no sentido t - e. Diremos que a vari- Encarando agora o conceito de função do ponto de vista
ável e é função da variát;el t, e escreveremos simbOlicamente prbpriamente matemático, pondo de parte a origem concreta do
e f(t); à variável t, antecedente da correspondência, chama- conceito, põe-se a questão seguinte: como se estabelece a cor·
respondência da variável independente para a dependente? por
(1) Porque o COnjunta dos número~ reais é o equivalente aritmético da que maneira podemos determinar qual o valor b de!J que corres-
conlinuo geométrico. Vidé 1.~ Parte, pág. 87 e sego ponde ao valor a de o.c? por outras palavras, como se define
130 BENTO DE lESUS CARAÇA CO~OEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 131

cada função particular lJ (z)? como se dá, em cada caso, a lei definição anaHtica, cadeia em que está sintetizada a conexão da
da correspondência (l.a P....rte, capo r, parág 6, pág. 7)1 Vamos Matemática com as ciências da Natureza.
ver que há várias maneiras de o fazer. Repare bem o leitor: o conceito de função não se confunde
com o de e;rpressuo analítica ;-esta é apenas um modo de
20. De~nição enalftice. esta belecer a corres pondência das duas vari{weis. Por outras
palavras, pode dizer-se que uma iguuldade como 2), em que
Consiste este modo de definição em dar um conjuuto de figura y ígualado a uma expressão analitica em :e, contém uma
operações de modo tal que, por meio delas, se possa fazer cor· lei matemática ligando 8S duas variáveis; essa lei matemática
responder a cada. valor a de a: um valor b de 'I' Demos, por define a correspondência que existe entre :c e 11 e fltz, portanto,
exemplo, a ignaldade . que y seja t'oução de a:. A lei matemática constitui, portanto, °
terreno de que a função se vai nutrir. 1fa!l, na definição que
2) demOli (parág. 18), não está dito que seja êste o único terreno
em que a função possa enraizar, e já. ,'amos ver que há outro
Efeetuando as operações iudicadas no segundo membro, não menos próprio. Tudo i8to n08 le\"1\. I\. concluir que não
vemos que esta igualdade faz efectivamente corresponder a cada devemos confundir !';'1lçtio com e:epresslio analítica,. e, no
valor de ao um valor de y; por exemplo, a .2'=1-y=4,9, & entanto, estas duas .deias andam constantemente confundidas
Da linguagem e na escrita dos matemáticos! O leitor 116 muito
~=2_y"",19,6,
1
a m=3--+lI=44,l, a a:=--y=1 ,22lJ, etc. raramente encontrará, na pena dum matemático, uma frase como
2 esta~seja a função y (ao), cuja defi.ni~ão analitica é y=4,9 ao~;
Portanto, a expressão analitica do segundo membro de o matemático escreverá mais simplesmente - seja a função
2) define uma função ,'/J (z). y=4,9:rfJ.
Como o leitor fAcilmente verifica, essa expressão anaUtica °
trrol dirá o leitor. Sim, êrro; mas seja leitorindulgente
permite construir a tabela do parágrafo 16 e, além disso, dá para com o matemático. O matemá.tico é um ser hUIDlLIlO, com
a possibilidade de obter o valor de 11 correspondente li. qualquer os mesmos defeitos e as mesmaB limitações dos outros sêres
outro valor real de :c. humano8. Um dêss68 defeitos é a indolência que o faz sacrificar
à rotina; houve um tempo-vai para s.écu.1o e meio ou dois
Dado, por exemplo, a w ° valor a= :' ela dá-nos pua 11 o séculos-em que a noção de função, ainda não suficientemente
depnrada, se assimilava inteiramente A de expressão analítica;
valor 0=4,9. (:Y=11,025; pois mnito bem, dentro do grau de então para cá, ficou a maneira de dizer, que não COITeS-
ponde hoje ao estado de evolução do conceito.
de aproximação que as medidas com:[>ortam, é 11,025 m. a Vamos a,e;ora mm~trar como se pode IUI.ti8fuzer à definição
do parágrafo 18 sem falar em expressões anal1ticas.
altura da queda de um grave no vácuo, durante : segundos.
2l. SistemB5 de referAncie.
E como isto se dá para quaisquer valores de .1l (representando
tempos) e os. correspondentes nIores de y (representando espa- No que vai seguir-se, tratar-se-á de interpretal)lJo geomé-
ços), diremos que a igualdade 2) é a traduçdo a'1lallt;'~a ou a lei trica de cOl1Ju'1ltosde número". Esta ideia não é no\"a pUfa o leitor j
matemática do fenômeuo da queda dos gra'l:es no vácuo. na 1.. Parte lidámos demoradamente com ela e foi até dêsse
Temos assim ama cadeia: lei quautitativa-função-sua lidar que satu a coostrução do coojunto de números reais.
132 BENTO DE JESUS CARAÇA COXCEITOS l"UNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 133

Que tizemos'~ l'omámos um sistema M reJerêllcia, muito orientado o eixo OólJ como na figo 30, toma-se para sentido positivo
simples, constituido (fig. 30) por uma. recta em que, a partir do outro eixo aquele sentido tal que o semi-eixo positivo ();):
dum ponto 0, arbitrârío, denominado origem, se tomam dois se pode levar à coincidência com o semi-eixo positivo Oy por
sentidos: um conveneionado positivo, de O para a direita, outro orna rotação de 90 o feita no sen-
negativo de O para a esquerda,. a tecta assim orientada chama-se tido dirroto ou positt'vo (contrário
ei:J!o. Tomado ainda. arbi· ao sentido do movimento dos pon·
~ ~ tràriamente, um segmento teiros dum relógio).
----'-0-; A OP como unídade, o eoo- Pôsto isto, nós podemos tomar
Fig.aIJ junto dos números reais cada. um dos eixos para cada uma ,
relativos pode por-se em das variáveis - sobre o eixo o.v
correBpondência. biunivoca com o conjunto dos pontos da recta, interpretamos geometricamente
para o que basta fazer corresponder a cada número real a aquêle conjunto de números reais
aquêle ponto único A, para a direita de O se a é positivo, para que é o dominio da variável :c, e
a esquerda se é negativo, tal que o comprimento do segmento sobre o eixo Oy aquele conjunto
OA seja lal. Abreviadamente pode dizer-se-faz-se corresponder de números reais que é o d07llinio
de lI. As duas variáveis aparecem-nos Fig.31
a a aquêle ponto único A tal que a. medida al!pbrica de OA assim representadas, ou interpreta-
seja a. Reciprocamente, a todo o ponto A faz-se corresponder das, independentemente uma da outra, e nós podemos, além
aquele número relativo que, com a mesma unidade OP, é igual disso, utilizar o plano definido pelos dois eixos para fazer
à medida algébrica de OA; assim se assegura, como sabemos, construções geométricas que definam correspondªnci.as entre
a biunivocidade da correspondência. as duas variáveis, .isto é, construções que definam funções
Agora, porém, o problema é um pouco mais complicado- Y ("l· Oomo?
temos não só que interpretar Ilimultâneamente dois conjuntos
de mimeros mas, ainda, arranjar maneira de, nessa interpretação, 23. Definição geomélrica duma funçio.
podermos representar também a correspondência das suas
variáveis respectivas. Isso consegue-se, doma maneira sim. S~jn. (fig. 32) um sistema de referência cartesiano e uma
pies (1), com um sistema de referência denominado carte,iano curva (C) que não seja cortada em mais de um ponto por umll
por ter sido usado pela primeira vez por Renê Descartes (2) paralela ao eixo Oy.
(em latim Carte$ius) na primeira metade do séc. XVII. Essa curva permite definir uma função !I (:c), para o que
basta fazer o seguinte:
22. O sislema clSrtesilSno de refer'ncie. Seja P um ponto qualquer da curnt e tiremos, por ele,
perpendiculares aos eixos, as quais os encontram nos pontos A
Consiste ele no seguinte. Sejam no plano, (fig. 31) dull.s e B j sejam a e b os números reais (relativos) iguais, respecti-
rectas concorrentes que, por comodidade, se tomam perpendi· vamente, às medidas algébricas de OA e OS. Suponbamos feita
culares entre si, e orientadas coroo a figura indica- uma vez uma construção análoga para cada ponto da curva e façamos
corresponder a cada número a o número b obtido pela cons-

~
l) Entre outrllll, porque bá outros sistemas de referência. trução indicada. Fica assim definida uma correspondência do
2) Matemático e. principalmente, filosMo (1596-1650). A sua obra
tiloao lca marea uma era na bistória da Filosofia. Da sua importância na conjunto dos aa-variitvel ólJ-UO conjunto dos bb-variávely-·
Matemática falaremos adiante. fica, portanto, definida uma função y (x).
134 BENTO DE JESUS CARAÇA CO:ol'(,'EITOS FUNDAMENTAIS DA MATElI..Ál'ICA 135

Trata-se, de facto, doma função no sentido da definição do Temos assim, por uma construção geométrica simples, a
parágrafo 18, visto que, como impusemos à curva a condição fossibilidade de estabelecer uma correspondência htunivoca

r I
8 ~__
de só ser cortada Dum ponto por
cada paralela ao eixo O,IJ, a cor·
respondência é univoca no sentido
ti.' Parte, pigs. 8-9) entre par de nnmeros reais e ponto do
plano. Esta correspondência generaliza imediatamente aquela
que na 1.- Parte, (pág. 9lJ) foi estabelecida entre a recta e
:c-y: a cada a corresponde ape-
nas um b.
o conjunto dos números reais
(relativos). Lá, mostrou-se
Yl
Hld.Jl)r...-=:'!.---~(If)
Vê o leitor que, assim, defi-
nimos uma função ,1/ (:c) tão bem
que a cada ponto da reeta
c07'f'U1Jonde um nÚJn/;lro real, li I
4-~----
I:
B~-~-- \
como no parág. 20; lá, o inIJ-
trumento de definição era uma
ea:pTeslJdQ analitica; aqui, é uma
e redprocamente; agora vê-se
« cada ponta do
que """""J J_
plano

eorre"l'".-e um par tu" nume-
'J
1
I
I
B(bJ.- -:::':.-,..,/~tI}
'f '
I
t
2L _, ! i curva. Em cada um dos casos, a ros rea!'8, e reclproeamente. _l J-J,
__ ::
~==::::+~:: , ' ,
,_L_J_J~
função
. t rumao
ma
não
t o se confunde
que servm
com O
. para a
Daqui em dia.nte, chamare·
mos !LOS números (a, b)
ArriJ
F" B3
AII1J

f A2 J X definir. as coordenadas cllrtesianas tg.


Fig.32 Esta mesma questão pode ser do ponto M, a .abscissa e b ord~nadaJ ao conjunto dos do~s eixos
. . encarada, como Vamos ver, de um (sistema carteSIano de referênCia), eiXOS coordenados; ao eIXO Ox,
OU~O ponto de VIsta. Para iSSO, vamos dar uma noção prévia, eixo das abscissas " ao eixo OU. eixo das ordenadas; ao ponto O,
mUlto Importante-a de coordenadas. origem dai eoordena.daJJ. Sempre que quisermos indicar que o
ponto M tem coordenadas (a, b)~abscissa. a e ordenada b-
24. Coordenadas cartesianes. escreveremos, como fizemos na figo 33. M (a , h).
Voltemos ao sistema carte6iano de referência definido no Pois bem, a construção que acabamos de fazer permite
parágrafo. 22, e seJam a. e b dois números rea.is, u~ pertencente encaraT.sob ontro aspecto o problema das relações do conceito
ao dominw da vartável or, outro ao domím'o da variável y. Mar- de funçl!o com o de eurva. De que maneira?
quemos, sobre os eixos respectivos, (fig. 33) os pontos A e B
que lhes correspondem, isto é, os pontos A e B tais que OA=a 25. Imegem geométrica duma função.
OB=~ (medidas algébrif'8s). ' Seja y-j (or) uma função definida não geomêtricame~te­
Tiremos por A e B perpendi.culares aos eixos e seja M o definida por uma. expressão analitica 00 pelo enunciado directo
seu ponto de e~con!ro; ao par (a '. h) façamos corresponder o da correspondência entre x e y.
ponto M. Como l~e~Jatamente se verdica pela própria construção, Seja como rór, pelo simples facto de se tratar de uma função
esta correspondenCla é uni'!;oca no sentIdo (a~h)_M, isto é, ti. y (x), sabemos que a ca.da .valor a da variável ;,c COTl"?sponde
cada par (a, b) corresponde um ponto M e um só. um valor b de y. O que dlssemos no paragrafo .anterlOr per-
Reciprocamente, ti. cada ponto .Ji' do plano podemos fazer mite~nos construir (fig. 34) o ponto ..i.ll (a, b). Feita nma",co~s.
corr~sponder um par (ai, hr) e um só; basta tirar por M' per~ tração análoga para. C'ada par de valores das duas Va.t1aVeIS,
pendtculllres aos eixos (fig. 33), determinar as medida8 algé- obtemos no plano um conjunto de ponto~.
r
bricas a' e h dos segmentos DA' e URr, respectivamente e fazer A esse conjunto de pontos chamaremos imagem geométrica
corresponder a flfl o par de números reais (ar ,h'). ' ou representação geométrica da função y (xo).
\
136 ll~STO D1<; JESUS CAllAÇA CONCEITOS FUNDAME:STAI8 DA ltATEMÁTICA 137

Assim, de toda a função, seja qual for o modo como é defi- sentido intuitivo do termo-figura obtida pelo movimento con'
nida, nós podemos sempre cODstruir uma imagem geoméfr{ca l e tinuo (1) dum ponto? Não!
essa imagem é um conjunto de pontos do plano. O leitor poderá pensar que casos como este são de excepçio
- Uma curva, dirá o leitor apressado. e qn~, em geral, a imagem geométrica duma fllnção coincide com
-Mais de\-agar. O conceito de curva tem uma larga his· uma curva, no sentido corrente do têrmo. Não é asslm, porém.
tória que vale a pena ser ('ontada porque ela foca alguns dos O que é geral é darem-se casos coroa o apontado; aquelas
motkos mais lntimos da história da Ciência. Contaremos resu- funções cujas imagens são cur\'a8 no sentido corrente, formam,
midamente essa história no capo IV, entre a multidão de todas as funções y

1 ,
,
mas podemos dizer desde já ao lei·
tor que houve uma altura em que
curva e imagem geométrica duma
função se consideraram como sin6-
y (~), um agrupamento intimo-são elas,
portanto, qll6 constituem a exl'epção!
Pois mnito bem, é entre estas que
se encontram as funções mais impor· r-2l
,, tantes, pelo men,OS do ponto de vista ~
-- - ' nimos; melhor, em que se tomou

-
___"_~;J ·í~ j j
como ideia mais geral de curva. o
conjunto de pontos da imagem geo.
of--I_I-"":;'X métrica de uma função y (ót').
das aplicações. E, por exemplo, uma
delas a função (já nossa conheeida~
parág. 20) de definição analitica .'lJ=
Cedo apareceram, porém, &8 =4,9 ~2.
Fig. H4 dificuldades. Consideremos, por Se a representarmos geometrica.
exemplo, a função tlssim definida: mente, encontraremos a curva da figo 36,
cnja parte para a direita de Oy pode
ser consideraM como a tradução geo- .10 ~
métr~ca da lei da queda dos graves Fig.36
no vacuo.
Trata-se, de facto, de uma funçlio no sentido da definição dada É ainda nesse agrapamento [nfimo que se encontram muitas
no pará.grafo 18-0 domínio da variá\'el;c é o conjunto de todos ontras (unções cnjas definições anal1ticllll são leis matemáticas
09 númeroEl reais; o dommio da variável 11 é o conjnnto dos de importantes fenómenos naturais.
três números-I, 0,+1, e a correspondência x ...... y é uniyoca
(não o é a soa reciproca,
mas isso não é exigido
, 26. O importente e o excepcional.
na definição). A imagem Esta idei1\.-que o importante se encontra entre o eoccepcional
geométrica desta fuoção .,~----- -aparece, à primeira vista,coroo um pouco desconcertante. A
é coostituida (fig. 35) visão de um Universo em que o fumlamental para o seu enten-
pejas duas semi-rectas
o • dimento se ache entre o excepêi01lal, entre o particular, não
paralelas ao eixo O:r: J
menos os pontos -1 e
+1, e pelo ponto O.
------6-. pode deixar de causar um profundo sentimento de decepção.
Repare, porém, o leitor no seguinte. Dissemos atrás que «a.
Uma semi-recta que Fi 35
nio acaba, outra que não g. (1) Para o entendimento desta frase apela-se a{lenas para o significado
llOrrente do «movimento continuo". A noção de cemttDllidade há-de aer eatu~
começa e um ponto entre as duasl É esta figura umll curva no dada. mais tarde (3. a Parte).
138 BENTO DE JESUS CARAÇ1A COYCEITOS FUNDAMENTAIS DA !IA.TEMÁTICA 139

Ciência. não tem~ nem pode ter, como objectivo, descrever a a tradução, no campo geométrico, daquela lei anaHtica que a
Realidade tal como ela éil (parág. 2), mas apenas «construir expressão analitic& implica.
quadros racionais de interpretação e previsão» (parág. 2), Por exemplo, o fenómeno da queda dos graves no vácuo é
,1aDl~ar sobre a Realidade fluente uma. teia de leis, regulari- regulado, no campo analitico, pela lei matemática 20 2)y=4 9#'
dades, como elas se DOS revelam, dos fenômenos naturaisJJ . Imente rego Iado, no campo geométrico, pela' curva da
é 19ua " figo
(parág. 11). 86, visto que, tanto a expressão analítica como a curva definem,
Que qner dizer, dentro deste modo de ver, que o impor- afinal, a mesma. função y (.r).
tante se encontra entre o excepcional ? Quer dizer, o conceito de função permite estabelecer uma
Apenas isto :-que os instromentos que nós criamos (aqui correspondência entre as leis matemáticas e as leis geométricas,
o conceito de função) para ti. interpretação da Realidade, ultra- entre as expressões analíticas e os lugares geométricus (c(lnjuntos
passam, por vezes, em possibilidades racionais (não quer dizer de todos os pontos que gozam de uma mesma propriedade).
em adaptaçilo à realidade), as necessidades que originaram o Para esta.belecer eSS8 correspondência não há mais que a cada
seu aparecimento. A Natureza mostra-nos um seu aspecto, deter· eaJpre88{Jo anal1tica, fazer corresponder aquele lugar q~e define
minado pelas qualidades das coisas em relação a nós. Forjamos a mesma função que ela. A expressão analitica, ou, melhor, a
o instrumento 8 as malhas do quadro interpretativo para o igualdade y=e:cpreufto analítica chama·se equação do lugar que
estudo desse aspecto, e a nossa aetividade racional é levada em lhecorresponde; assim: g=4,9.:n2 é a equação da curva da figo 36.
seguida, pelo principio de extensão (1.« Parte, pág. 9). a tirar
dele todas as consequências racionail!l, todas as pol!lsibilidades 28. A gr08nde unificaçeo.
lógicas. Que admira que a certa altura desapareça o acordo
que existia junto da fonte da criaçã.o, e que aquilo que é possfvel, Veja bem o leitor o que hiL de importante nesta nova relação
para a nossa lógica, não encontre a contra·partida de e:cisttncia 1 -trad«çao de leis analiticQ8 em leia g~ométTl·ca8.
O leitor deve ter sempre presente, a este respeito, estas palavras Em primeiro lugar, o facto de se obter assim uma unificaçlJ.o
de Jean PerTiu: d?8 dois campos-~eométrico e. analitico-qne, durante perto de
Toda a noçoo acaba por perder a sua uit'Udade, a sua pró- vmte séculos, se tmham conSiderado separados em comparti~
pr-la 6igniflcaçao, à medida. que nQ8 afastamos das condiçiJes mentos estanques.
ezpertmffltai8 em que ela teve a llua origem (1). Nesta unifiraçiio, reaJizada de .há tr~s séculos para cá
Adiante teremo~ necessidade de ,·oltar a esta ideia. Por reside um dos factos mais dramáticos, mais importantes e mai~
agora, vamos ainda. chamar a atenção do leitor para um aspecto profundos da história do Conhecimento; no capitulo IV n08
extremamente interessante dos problemas que estamos estudando. ocuparemos dêle com um pouco mais de vagar.
Em .segundo lugar, O facto de ser o próprio conceito de
27. leis analíticas e leiS geométricas. função, 1Dstrumento de estudo das con-esponciéneiafJ, que vai
agora. servir de elemento definidor deSSA nova correspondência,
Está adquirido que de toda a fnnção y (óI:) se pode construir de motivo de unificação dos dois campos.
uma imagem geométrica. Suponhamos que a função fora definida Está o leitor vendo a potencialidade extraordinária deste
por uma expressão analitica-a imagem geométrica da f1lDção é conceito? Neste livrinho não podemos mais que leva.ntar uma.
ponta do véu sobre o domínio encantado das possibilidades que
ele nos oferece.
('J
EJlpace et Temp8-AefualiMs Scientifiques et Industriellcs l Her-
mauu l 940.
É o que faremos nos capitulas seguintes, em duas ligeiras
excuf8ões- uma pelo dominio da Técnica, outra pelo da História.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 141

primeira propriedade da multipUcaç«o (La Parte, pág. 19),


obtém-se, multiplicando ambos os membros por....!...., 2:I!y . ...!....=
2z 2:I!
1
_ - , ou seja (pelas propriedades comutativa e associativa da
2z

Capítulo 11. Pequena digressão técnica.


multiplicação), y. (2~ ._1_)
=- ~.
2al
como
2a:
E 2.r . 2z 1
.....!...- = €r
. 1
y .1=y, tem-se finalmente y=-'
2z
Esta nova igualdade estabelece uma correspondência entre
1. 0 _ Observações prel iminares. as duas variáveis, univoca no sentido :n-!Jj ela define, portanto,
y como função de z.
Todas aa vezes que uma fuução y (:n) seja defiuida como
1. Ume questão prévie. neste exemplo [igualdade 1)], diremos que ela é definida impl't-
eítamfmt6 ou qne é uma junçi10 implicita; por contraposição,
Neste capítulo, encontraremos algumas funções definidas diremos que uma função é 6i1plkita quando for definida como
por igualdades em que figuram expressões analíticas .que envol- no exemplo do parâgrafo 1. _
vem as variáveis. O leitor deve recordar.se do que dissemos DO O que distingue, portanto, as duas formas de definiçao é Q.
parágrafo 20 do capo I sobre a distinção entre os conceitos de facto de o conjunto inicial de Qperações recair só sobre a
função e expressão analítica. Para quem tenha sempre presente variável independente (definição explicita) ou sobre as duas
essa distinção, não há inconveniente em usar a liugl18gem abre- (definição impllcita). Quando se consegue fazer (o que nem
viada a que lá se faz referência. Fica, portanto, entendido, sempre é passive!) (I) o que :fizemos neste exemplo, isto é, tirar
duma vez para sempre, que todas AS vezes que dissermos, por da primeira. igualdade outra. em que ag operaçõeg recaem só
exemplo: ueja a função y=zS+ h entendemos: ueja a (unçlo sobre a variável independente, diz.-se que se e:x:plicitou a fnoção.
II (z) cuja definição analUica é g=,:cS+h.
3. O conjunto des leis operetóries.
2. Definições explicite e implCcite.
Neste exemplo e no anterior, fizemos certas operações
Acontece b vezes que a expressão analitiea que define a sobre as variáveis; pode perguntar-se: que operações são legi~
função não envolve apenas a variável independente, .como no timas? Qual é a aparelhagem operatória de que podemos dispor?
exemplo acima, mas sim as duas, num certo conJunto de A esta re%peito observemos o seguinte. As variáveis com
operações. . que temos de trabalhar são simbolos representativ~s de conjuntos
Seja, por exemplo, a Igualdade de nú.meros; por consequência, elas bão-~e possUIr aque~as pro~
2aW-1=O. priedades operatórias que os seus domimos lhes determmarem.
1)
Pela primeira propriedade da ad:i,f)i1o (1. a Parte. pág. 18), (I) A definição ímplícita duma função é mais delica1a do que a ~pli­
pode ~screver-5e 2a:.1I-1 +1 =0 +1 ou seja 2rey=1. Daqui, pefa. r.ita e levanta problemas que não podem ser tratados aqUl.
142 BENTO DE JESUS CARAÇA CO'NCEITOS Jo'lJ1IDAMI<."'NTAIS DA MATEMÁTICA 143

Suponhamos, por oxemplo, que .r, y, z, são três variáveis reais Mas isto não basta; é preciso aCl'escentar que essas operações
(cap. I, parág. 17); que significado tem a operação a:+y? Este: sejam em número finito, o que está impHcito na igualdade 2). SÔ
-que a qualquer nlÍmero do dominio de :r se adicionoo qualquer mais tarde (I) poderemos dizer qual a necessidade e importâncill.
número do domlnio da !J; ora, a adição de dois nlÍmeros goza desta observação.
da propriedade comutativa (La Parte, pág. 18), portanto, em O nome polinómio inteiro usa~se indistintamente para
geral, é :t'+Y=Y+.:t'. Por um raciocinio análogo, verificamos designar a expressão analítica 2) e a função definida pela
qoe .'t'+(lJ+Z)=(x+y)+z, :e(y+z)=xy+xz, etc., isto é, as ape· igualdade
raçl'les sobre as variáveis gozam do conjlmto de leis operatórias 3) y ~ 1'(",).
que na 1." Parte estabelecemos para os números.
Esta observação tem uma importância enorme porque nos A toda a igualdade da forma
coloca, de um golpe, numa situação vantajosa-trau!lporta, para
o limiar do estudo das funções, uma bagagem de il1struwentos 4) P(z) = aGz" + a l r + ... + an
t
_l;X + a" = 0,
de valor inapreciável, e com a qual já estamos familiarizados.
obtida. igualando um polinômio inteiro a zero, chama-se uma
equaçt70 algébrica~' o gran do polinômio diz-se grau da equação,
0
2. -Algumas funções importanles. Por exemplo:
ó) "'-a.' + 1}.,-6~O
4. Polin6mlos inteiros.
é uma equação algébrica de grau 3.
Chama-se poUnómw intidro em 3! a toda a expressA0 ana- A todo o número a que, posto em lugar de:l!, transforma a
1Itica da forma equação numa identidade, isto é, tal que
6) P(a)=O
2)
chama-se uma raiz da equaçt\o 4) ou um zero do polinômio 2).
onde ao, ai , .. , ali, denominados coeficiente, do polinômio, silo A equação fi} tem as raizes 1, 2, 3, villto que 1-6+11-
números reais (l) quaisquer, e n. cbamado grau do polinómio, é ~6~O, 2'-6· 2'+11· 2~6~8-24+22-6~O;3'-6.3'+
um número inteiro e po,itivo. São, por con!lequência, polinômios +11. 3-6~27-Ó~+33-6~O.
Adiante, no capo UI, nos ocuparemos de algumas das pro-
inteiros as expressões g=201:'+~'l-1 ,y=V2, W+y't...u:-.!.., priedades das equações algébricas.
[) 3
o primeiro de grau 4, o segundo de grau 3 i mas já não o é a.
expressão Y=ólii +w+l, visto aparecer nela o expoente nega- S. FunçCes racioMis.
tivo -2.
Dá-se este nome a toda a função cuja definição llnalitiea
Como se vê, o que caracteriza o polinômio é o facto de as
operações que incidem sobre a variavel u: serem apenas-adil;ào pode reduzir-se ao cociente de dois polinómios inteiros em u:
algébrica, multiplicação, potenciação de expoente inteiro e posi-
tivo (que é um produto). 7)

(1) Vide generalização, no parág. 22 do capo UI. (1) Vide, na 3," Pa.rtel o capítulo referente à noçM de ltJ·rU.
144 nE~TO DE ,1E~lH! CAttAÇA CO~CEI'rog .FU~DAJ.IE~TAlS nA )lATEMÁTlCA 14õ

1 m-l sentido contrário ~sentjdo retrógrado)-o a1"Co ABA'M' é posi-


São funções racionais por ex,: 1/=;jJI=-. Y=--' etc. tivo, O arco AB'M é negativo.
• ' :r: oT+l
A cada arco corresponde um tlngtLlo ao ccntt'o isto é
Da definição resulta que as, operações, que in~id~m sobr~ ~ aquele ângulo cujo vértice está no centro da circnDf~rência ~
variável independente são: adição algébrica, multiplicação, diVI- cujos lados passam pela extremidades do arco-no arco _,LV
são-as chamadas operações racio1tai~-aplicadas um número corresponde o ângulo a. Diz-se,
finito de vezes. então, que o ângulo a 8ubtende o
arco A.Mj um ângulo ao centro será
6. funções algébricas. considerado positivo ou negativo
A toda a função !Á:c) que possa. ser d~finida implicitamente
(parág. 2) como raiz duma equaQão algébrica da forma
conforme fôr positivo ou negativo o
arco que ele Bubtende.
Utilizaremos, no que yui se.
li r
l.'rc'--1:t:""'''''%--l,
goir-se, a medida dos iingulos ao J_
8) P,(x) , JI' + p, (x): y'-' + ,., + p_. (xl' ,v + P.(x) ~ O centro em rad1'anos. Chama·se J'a-
diano aquele ângulo ao centro tal t1
onde PrÁ..x)."· .p".(:c) são polinómios inteiros ero ro, chama·se uma que o arco que lhe corresponde (que
jurwl10 algébrica de w. ele subtende) tem um comprimento
8'
. São em particular, algébricas todas as funções racionais, igual ao raio l' da circunferência.
, P(x) d d fi ' ' d Como o perímetro da circunfertiDcia
visto que fi função [7)J y= Q(re) se po e e mt como raiz a
é C=2m- (1. D Parte. pág. 86), isto
equação Q(re). y- P(x)=O que é da forma 8)-basta fazer Dela é, vale 2r. raios, o D.ngulo ao centro total vale 21: rar;ü'anos
n~I. PJ.")-!4") , l\(xl~-P(,,), , , , visto que a cada raw (em arco) corresponde um rad%'ano (e~
As funções algébricas não racionais sdize~e trraClOnats. ângulo). Por outro lado, esse ângulo total vale quatro recto$, ou
seja 36()O; logo, tem-se, entre a medida em graus e a medida
É irracional, por exemplo, esta função : ,Ij= : j{l)-l. Com efeito, em radianos, a seguiute correspondência;
V.1:'+1
ela é raiz (veja o leitor porquê) da equaç~o, (x+l)· Jt-(x- graus O 45 90 135 180 270 360
-1)=0, a qual se obtém de 8) fazendo n=3, po(x)=:+l. O'l':'l': 31t 'l'::l::
Pl(ót')=P2(Z)=O, Ps(:r)= -(.1.'-1). Ela ~l portanto. algéb~cate radianos 4 () 27>.
como não é racional visto que sobre a: mClde uma operaçao nao 4
ra.cional-a radiciação-é uma função irracional. Seja então, COlll as convenções estabelecidas, o ângulo ao
centro a e o seu arco correspondente AM e tiremos por 111 uma
7. Funções circuleres. perpendicular ao diâmetro AIA.
Chama-se seno do ãngulo a, e representa-s6 por sen a, ao
Seja (fig. 31) uma circunferência de centro O e de raio cociente do segmento PM (orientado, sempre com origem em P,
OA=r e sejam AIA e 7FlJ dois diâmetros perpendi~ulares. qualquer que seja a posição de M) pelo raio r:
Tomemos o ponto A como origem de arco~ ;obre ti. clrcuníe· "PM
rêncis l e convencionemos tomar como pOSltl~08 os arcos no 9) S/ln a=~-'
sentido ~9. seta (sentido directo) e como negatiyos os arcos no r
14(j BENTO DE JESUS CAKAÇA
CONCErTOS l"lIXDA.MEXTAIs DA KATl<:~[,í.TI(;A 147

Cham~se co·seno do mesmo ângulo, e representa·s6 por Co


~os a, ao cociente do segmento OP (orientado, sempre com ar!'· ângulo - -corresponde ao arco Afl' (fiO'
gem em O) pelo raio l' :
k- ;;iJ :2 ",. 37) ) o :io2:ulo-,.
~
nu

.
arco AB'A' , o no/:,'l.l
• Io - ---[lO
3r. tlrco AB'A'B.
OF 2
10) coa a = - . As imagens geométricas das duas funções não se limitam ao
r
que está repre..~ntado na figo 38; elas prolongam-se indefinida.
Ê claro que, conforme o quadrante em que tt extremidade mente para a di,
do arco ae encontra, assim o 8eno e eo...seno são positivos ou reita e para a es-
negativos. querda, reprodu-
Para o ângulo ar, por exemplo, tem· se zindo periodica·
mente o trOço do
intervalo (O,2r.).
se11 a
,=--,
PIJf'
C08
,
a =--'
OP' Com efeito, das
r ,. definições resulta
que, sendo a um ângulo compreendido entre O e 2.., se tem
o leitor obtém, sem dificuldade, os resultados que viio no
quadro seguinte 11) sen (a -I- 2r.) = sen a, cos (a + 2r.) = COI ae)
• qll&d.
o 1.' qu&d. _2,' r. 3.' quul.
3r.
_ o.· q....d. 2. donde, para n inteiro qualquer,
2 2
seno O poso + 1 poso O nego 1 nego O 12) SIm (a + 2nn) = S6n a, cos (a + 2n~) = C08 a.
co-seno +1 poso O nego 1 nego O poso +1 _ Expri-!De-se este facto dizendo que ns funções sen ~ e C08 x
sao peM6dicas e têm o perúxlo 2'R'.
Com base nas construções feitas e nas igualdades 9) elO),
podemos agora definir as funções sen:r: e C08 x, do modo Entre a~ funções sen x e cos x existem relações importantes.
Vamos referIr-nos a dUM
seguinte: seja ::c a variável real representativa do conjunto dos
valores dos âugulos (medidos em radiano8, por exemplo); a cada __Das ~efinições, 9) ~ 10), resnlta que 8t1l1 g a + cos2a =
valor de i.C façamos corresponder o número real que a igualdade PM' OF' PlJi + !5J"
~ + 14 = ri ; mas da figo 37 tem-se que
9) determina; seja y a variável desse conjunto de números re&ia
- y é (cap. l, parág. 18) função de w que representamos pela [~orema de :t"tágoras (1. a Pa_rte, ~g8. 49-50), aplicado ao
notação y=sen x. Do mesmo modo definimos a função g=coa ót". trlangnlo rectaugulo OPMJ P/.1P + OfYJ=OW=r'l. logo é
Na figura junta (fig. 38) estão as imagens geométricas das
duas funções sen x e coa x-em abscissas puseram-se as medidas 13) sen 2 a+cos 2 a=1.
dos ângulos em radianos j a parte para a esquerda do eixo OY
diz respeito a ângulos negativos-as definições dão-se da mesma
maneira, atendendo a que os ângulos negativos tGm origem em â (li Ba~ta notar que) 8e ao ângulQ a da figura 87 somarmos 20; se obtem
em A (fig. 37) e são contados no sentido retrógrado: assim, o ~ ngu 1) (eorrespon~ente ao areG ABAIB'AM) (1+21;, com a mesriIa origem
e a mesm! ex:tr~mldade .'If que 1) ângulo (l,
148 BENTO DE JESUS CAltAÇA COS"CElTOS FUNDAMEYTAIS DA MATEMÁTICA 149

A segunda relação diz respeito a ítugulos complementares, 8. Uma eplicoçio importante.


isto é, ângulos cuja soma é ~ radianos (um recto). Seja (fig. 39) Consideremos o triângulo uctà1/[/ulo BAC (fig. 40) de
o

o ângulo u=AÔJI e o seu complementar b=MÔB. Por definição ângulos A= : (radianos), B e C, e làdos a (bipotenusa), b e e
PJ[ , cos u= OP
e, sel! u= __ __
"
o (catetos). Supondo traçada uma circunferência de centro C e
r r raio CB=a, us definições ~) e 10) do parág. 7 dão sen C=
Marquemos, sobre -OA J o segmento OQ'=P-tll ti sobre 013
o segmento OP'=OP; construamos = Ali =~, cOs C= ~~ =.!!- donde
• sobre estes segmentos os reetân·
gulas OQM'P' e GPMQ. É evidente
OH a CB c

15) C=<I sen C, b=a cos C.


que eles são iguais ti que ]f' está
sobre a circunferência, de modo que Notando agora que os iingnlos B e (/ são complementares (1)
'e tendo em conta as relações 14) do
rf ----d~~L-M A eo igual triângulo (2) OQ'~;Y' é rectângulo
ao triângulo (1) OQM (sio parág. 7, tem-se •,,
O metades de rectângulos iguais). Dos
lG) e a 11 b= a ,~en lJ , ,,
, ,
= CO/l
elementos da Geometria sabe-se que,
em triângulos iguais; a lados iguais \ Q
isto é, nt~m
triângulo 1'ectâll[/ulo, !Jual-
ile opkm ttngulos iguais; logo, o
ângulo QÔM que no triângulo (2)
quel' cateto é igual Ui) produto da hipo-
• •,
tenusa pelo seno do ângulo opoJ{to ou
se opõe a Q'~~r é igual ao llngulo
Fig.3fi
J.1ÔQ=MÔB=b que, no triângulo (1), se opõe a QM=QlM'.
pelo co-seno do al/[/ulo adjacente.
São inúmeras as aplicações que,
C A •
Fig.JO
Tem-se, portanto, para seno e co-seno do ângulo b=J.lfÔB na vida corrente, se fazem destas rela-
que, como acabamos de ver, é igual a AÔ;lf, ções e de ouiras mais gerais qne se referem a triângulos llllO
rectângulos-determinaçOes de distâncias de lugares inacesslveis}
Q'Mr OP' OP levantamento de cartas topográficas, etc..
sen b =--~ --~ -- =C08 a Vamos dar, como exemplo, urou dus aplicações mais ,antigas
r r l'
e mais interessantes.
OQ' OQ NJ
cos b = -- ~ - - = -_.- = sell a
l' r r 9. Um problema célebre.
isto ti, o seno dum angulo é igual ao co-senO do seu COTJJ.plementor. Aristarco de Samo~ foi um astrónoroo e matemático que
Isto pode exprimir-se pelas igualdades (orna vez que, se ót: e y ~i\'euno século IH a. C.. Graude foi o seu engenho e pene-
são complementares} é re +y = "
- }don
de y = -"- )
3!
tração em coisas tocando a Geometria e o sistema do mundo.
~ 2
(1) Porque a soma dO'; três ângulos do triângulo ~ 2 rectos (r. radiano.)
14) seu (; -x)=cos:r, cos (; -x)=senJ:. e o ângulo A é igaal a 1 rccto, logo B+C=l recto -- ("
.
2" l'adilmos ) .
;
100 BENTO DE JESUS CARAÇA CO:O!CEITOS FU:SDAMENTAIS DA :1L\.TEMÂnCA 1M

Al'igtarco foi, que se saiba, o primeiro homelli que lançou a mente, Aristarco tomou paJ."a S, complementar do ângulo em 1~
hipótese audaciosa de que era o Sol, e não a Terra, que ocupava 1
o centro do mundo, hipótese hoje ultrapassada, mas que desem- 3 0 e é de facto --=19,11.
sen 3°
penhou um papel de primeira plana na história da Ciência. Teve
O raciocinio é perfeito e espanta como ele determinou certas
pouca sorte a antecIpação genial de Ari"tm'co,. contra ela se ootras relações que correspondem a verdadeiros cálculos de
ligaram, em côro quási unânime, geômetras e &str6nomos. Uns
e outros se agarravam à ideia de que ti. Terra, habitação do senOS.
Num.. coisa, porém, o seu trabalho falhOU-Da determinação
homem, devia, por necessidade racional e por determinação dos do tngolo S; o seu valor efectivo é aproximadamente 10 1, muito
deuses, ocupar o lugar central do Universo. O caso complicou-se diferente dos: 3° que tomou i a imperfeição dos instrumentos do
de maneira tal, sobre Ilma questão à primeira vista de natureza seu tempo justifica sobejamente este erro de observação, que
puramente éientifica, inseriram-s6 com tal força os preconceitos
morais e psicológicos dos homens que, alguns séculos mais tarde, não de racioclnio. Para 8=10' tem-se 1 =348,775, donde
se declarou digno de maldição todo aquele que pretendesse ~tn lO'
«mover a Terra e pôr o oon em repouso». E, deste modo, TS=343,775. TL.
tudo entrou na ordem: a Astronomia atrazou-se 18 séculos e a
A:ristal~o ficou reservada a glória póstuma de Gopérnie<J da 10. FunçOes transcendentes.
anUguiJ.lade.
, Um dos problemas a que Aristarco dedicou maior atenção No parág. 6 deste capitulo dcunimos função algébrica e
foi o da determinação da distância da Terra ao Sol. A soluçã.o, yjmos alguns exemplos.
um prodfgio de engenho para o seu tempo] é, em linhas gerais, A todas as fnnções da variável real re que não sejam algé-
a seguinte: bricas dá·se o nome defunções transcendentes. São transcendentes,
Notou que, quando u Lua está em quarto crescente, o por exemplo, as funções circulares} que acabamos de estudar.
triângulo TLS da fig. 41 (observador na Terra, centros da Existem muitas outras funções transcendentes; de algumas
Lua e Sol) é rectângulo em. Lj nos ocuparemos mais tarde (3.& Parte).
nestas condições, se se conhe·
HI--------;t7s cer a dil5tância TL (da Terra 11. Sucess15es numeráveis.
à Lua) e o ângulo em S, deter~
Todas aa funções consideradas at.é aqui, têm por variável
minar-Be-á a distância TE (da independente a variável real a!. Vamos agora considerar as fun-
Terra ao Sol) j com efeito, da ções da variável inteira n (cap. I, parág. 17).
fórmula 15) do parig. B resulta Numa função dessas, o dominio (conjunto dos valores da
TL=TS· Btn S donde TS= variável independente) é a sucesslío dos números naturais n)
= T 'i 1 . P'
.I.... - _ 018 mOI'Ib
o em, 1, 2, 3, .. , ; o conjnnto dos valores da. variável dependente é,
Pig.41 sen S portanto, numerável (1.& Parte, pág. 16 e seg.). A correspon-
.Ârl"i1tm·co calculou que TS dência de um a outro pode ser indicada do modo seguinte
esta compreendido entre 18 vezes e 20 vezes TL, o que equivale 3, ,
n) 1,
,, 2, Jl,
a dar para _1_ um valor numerico entre 18 e 20. Efectiva. , j
...
Sim 8 (~~) a·l, Uz, a" "" ,
152 BENTO D~ JESUS CARAÇA

onde os indices apostos à letra a indicam precisamente quaL o


va.lor da função que corresponde a um dado valor da yariável.
Ao conjunto dos nllores da funçüo
17)
dá se o nome de SUCe8SM llulnel-ável~ e n a" o de Urmo geral da
4

sucessão. Com esta definição, tanto monta falar em sucessão


numerável como em j1mÇao de variável hlteir'l1, e para indicar e8~e Capitulo 111. Equações algébricas e
facto escreveremos
números complexos.
18) u,,=f(n).
Nas sucessões numeráveis mais simples (e mais importantes) 0
é dada li lei analítica da correspondl'lncia, isto é, é dada uma 1. - Equações algébricas,
expressão analitica que define o termo geral da sucessão; para
obter os têrmos, individualmente, não há mais que dar a n os
valores 1, 2, .... Seja, por exemplo, dada a sucessão de termo
1. O problema fundamental.
gerala".=~.±.~; tem.seat=1+1=1 ao=2+1=;]' ,U3=
2" ~ ,- 2~ 4
Definimos já equaI;tfo ltrgl!bj'iüa,. é (cap. lI, p~l';lg. 4) toda
3+1 1 a igualdade da forma

1) aox"+Ctj;t"v--[+ ... +a"~la'+a,,=O:

11, número infeíro e positit;o, chama-se !}I'aa da equu~ão; à


\"ariável x chama.se incógnita e aos números (!o, at, ". a ll ,

coeficientes da equação. Sabemos já também o que se entende por


raiz da equação: é todo o nÍlmero de tal que

2)

Pois bem, o pl'oblema ftmdameutal da teorIa das equaçõe3


algébricas é a dete1'miJlaçOo das suas 1'aiZe6, ou seja, a resoluçilo
da equaçll-O. Este problema, que está longe de ser simples, tão
pouco simples que até lút pouco mais de cem anos permaneceu
envolto em denso mistério, dh·ide·se em dois: 1."-a equação 1)
tem raizes? quantas? 2.8 _se tem, como determiná-Ias'~
Vamos ver alguma coisa destes problemas, começando petaf'l
equações algébricas mais simples-as do 1.~ grau.
154 nE~TO DE JESUS CARAÇA. CQ:slCEl.'1'OS \"U~D""'MB~'I'AIS D.\ )IATJ~~ÁTICA lóó

2. Equações do 1.0 grau. 3. AI-iebr w'al muqâbaleh.


Uma equação algébrica de grau 1 é da forma o leitor reparou de certo em que as duas patlSageo8 funda-
mentais) na resolução que acabamos de fazer. lJão as seguintes:
3) a~O
para a;r = - h
e resolve-se fàcilmente. Com efeito, da 1." propriedade da b
Z."- de a:e = _. b para J:=---
adição (l.a Parte, pág. 18, depois generalizada) resulta que, se a
somarmos a ambos os membros da igualdade o número -b, ela
não se altera; a equação dada equivale, portanto, a esta e em que elas são consequências directas das leis elementares
a;r+b-b=O-b, ou seja, aplicando propriedades bem conhe· da Aritmétioa.
cidas, fUC= -b. Da 1.a propriedade da multiplicação (1." Parte, Estas duas operações-passagem de um termo de um
pág. 19, generalizada depois) resulta agora que, sem alterar à membro para outro e divisão de ambos os membros por um
mesmo número (diferente de zero)-são de um emprego cor·
ignaldnde, se podem multiplicar ambos os membros por .!-
a
(1), rente na teoria e prática de equações e tão corrente que uma
delas acabou por dar o nome a um capitulo importante da
1ogo t em-se a· -1; 1 ) = - 1
~. -
1 . por ser a· -=1
ou seja, 1
Matemática. Vamos ver como.
a a a ' No século VII da nossa era, levantou·se, em face de uma
Europa desorganizada e inconsistente, uma potência aguerrida e
b ameaçadora, o mundo árabe, que a revolução religiosa e social
4) ;;e=-_.
a de Mahomet organizava e atirava para um destino mundial. Em
poucas dezenas dI} anos, constituiu-se um império que abranwa
b todo o norte de Afries, a Peninsula Ibérica, a Siria, a Arábia,
Das operações feitas resulta que este numero - - , posto
a a Pérsia e parte do Turquestão; limitado a Ocidente pelo Atlân-
em lugar de ~ na eqlla\;ão 3), a transforma numa identidade, tico, as suas fronteiras iam, a Oriente, até para lá do Indo_
logo ele é raiz da equação; e não há mais nenhuma, visto que Não cabe aqui a descrição da vida deste império que, alguns
as operações efectuadas estabelecem a equivalência entre as séculos depois, se afundava por não ter construido armadura
igualdades 3) e 4). interna que aguentasse tão grande corpo. lnteressa.nos, porém,
Ficamos assim sabendo que roda a eqltaçdo do 1.<J ,I}rau, em alto grau, o papel que esse império desempenhou Da história
ax+b=O, tem uma e uma só raiz, da Civilização. E que, estendendo-se no Oriente pelas terras que
séculos antes haviam feito parte de outro grande império efémero
:;1= b _ -o império de Alea-andre o Grande-ele foi ali beber os restos
a sobreviventes da cultura grega e trouxe-os à Europa, com a
qual manteve estreito contacto durante muito tempo.
Aventura estranha e maravilhosa foi esta, que a cultura
grega, ou o que dela restava passado o século IH a. C., para
(I) Visto que se supôs es:prcs~amellte a# O; caso contrario, a oporaçoo lle transmitir la Europa~ não tivesse seguido o caminho normal
não seria permitida, porque ~ nti'fI f' nenhulI1 nfwifr(l, -o Império Romano-e tivesse antes dado esta grande volta
pela India, pela Pérsia e pelo norte de ,'\frica. Estranha aven~
lõ6 llEXTO la; JESrS CAltAÇA CO'SCEITOS }'UNDAMENTA~'3 DA MAn;}IÁTlCA 157

tora e'ilsa qlle neeeSl>itou o eOUcUl'SO de grandt'l8 desloeaçoes de Já sabemos resoher esta equação num caso muito particular
povos-da milhares de quilômetros de extensão-ero busca de -aquele em que a equação se reduz a
uma ilusão de glória para alguns~ de bem estar para R maioria,
deslocações conduzidas, a mil anos de distância) por dois grandes 6) :r~-m=O
agitadores de povos-Alexandre e .J.Wahomet.
Mas é sempre assim; a Cultura e a Ciência, produtos ou (al-jebrl) ;Vil =m. Neste caso, }lor definição de 1"adiciaçJ.70
humanos, acompanham os homens e forjam-se Da8 soas lutas, (1. a Parte, págs. 23 e 103), tem-se x=+{m, e são portanto esta!5 :
nas suas marchas inquietas para fugir ao sofrimento e buscar
uma vida melhor. ól'-'l=+vm eóC2=-Vm, as raizes da equação.
No começo do século IX, um árabe, Mohammed iho Miisii Se a equação não está neste caso particular, todo o trabalho
ai· Khowãrizmi1 bibliotecário do CaUfa, segundo parece, e homem de resolução consiste em transformá.la de modo a conseguir II
viajado dentro do Império, escreveu um tratado a que chamou forma 6). Vejamos como.
Al-jebr lV'al muqabalah, que foi o inspirador de todos os tratados Substituamos, era 5), a variável x pela nl.riável .Ih ligada
posteriores até aos primeiros tempos do Renascimento. Esse Com ela pela relação
tratado, que é o autêntico traço de ligação entre a matemática
hindu (e, através dela, dos restos de matemática grega- que !J-b -b+y
I) ;c=--~

tinham chegado à índia) e a Europa, de qn.e se ocupaya? Da 2a 2a


resolução de equações do Lo e 2.1) graus e das regras a que
obedecia essa resoluçTLO; da maneira de fazer certas operações; }<~ claro que vamos obter outra equação, cujas raízes, '16
e da resolução de alguns problemas. existirem estarão ligadas com as de 5) pela relação 7) j substi-
PoiB muito bem; uma dessas regr::l.8 de resolução, a mais
importante decerto, por dar nome ao tratllto - Al;/ebr-que se tuindo
,
, ("-b)' y-b
temuR a. _.- - + b· - - + c = O, donde [1."-
"a
pode talvez traduzir por-l'listittdçdo-corresponde exactamente , 2a "
• 1 (y_b)2 /f-h,
à primeira operação que acima mencionámos-passügem de um Parte, pago 45, fórmula 19)J a· - - + b • - - T C = O.
termo de um membro para outro, com troca de sinal. (2a)' 2a
Tão grande foi a influência do tratado e tão frequente tI. )[ultiplicando ambos os membros desta igualdade por (2a)2
aplicação da regra, que o seu nome- al1~lYJ'-acaboupor designar (Z."- operaÇão do parágrafo 3) obtem-f:le
tudo quanto diz respeito a equações; esse nome passou às lin·
goas europeias com pequenas modificações-âlgebra, algMre, a· (y_ b)~ + b· (y-b)· 2a+ c· (2a)~ = o;
etc ...• E aqui. tem o leitor como uma simplea operação pode vir a
designar todo um ramo duma ciência e se prende, pela sua ori- efectunndo as operaçlies e notando que
gem, a. um dos capitulas mni.s importantes da História das Reli-
giões e da üivilizal1ào.

4. Equeç&es do 2.0 grau. e que


(2a)~ = 2a. 2a = 4a2 ,
Uma equaçiío algébrica do 2.1) gran é da. forma 1;61"81
vem
5) a~+b::c+c=O, o. (y'-2by+ b')+ 2ab· (y- b) + 4n',~ O
CO~ÇEI1'OS FUNDAMENTAIS DA MA'fEMÁTICA 159
158 IIK\(TO DI': JJi;SUS CAIUÇA

ou, dividindo ltor a, rendo dizer que o problema não tinha solução; arrumava o
caso dizendo que a equação não tinha, nesse caso, raízes, e
.1f'!- 2bU + h2 + 26 .0J-b) + 4ac = 0, dormia sossegado porque essa interpretação esta'"a de acOrdo
ou seja com a realidade e as necessidades da prática.
:l- 2011+ b2 + 2b!J- 26 2 + 4ac =0.
Daqui resulta, por ser -2by+2611=O e +b2_262 = -f;!, ó. Equeções do 3.° grau.
./f- bi + 4ac = 0, Passaram, sobre a resolução das equaçnes do 2.° grau,
muitos séculos sem que se soubesse como resolver as do 3.°
011 seja (al-jebr!) y'?=b 9 -4ac. Esta é lUIla equação do 2.° grau
em y, da forma 6) com m=b2 -4ac; tem, portanto, duas raizes 11)
?/t=+Vbt -4ac e Yt=-Vb 2 -4ac. Foi já em pleno Renascimento, no primeiro quartel do
Entrando agora com estes valores de y na relação 7) século XVI, que os algebristas italianos, herdeiros directos da
têm-se as dnasraizes da equação [»), :t'1= -b+Yl, 11:2= -b+.1lt , cultura que os árabes tinham recolhido no Oriente (I), obtiveram,
2a 2a com exilo, a sua resolução.
isto e, Eis, a traços muito largos, os resultados gerais desse
estudo (que, a principio, se fez apenas em casos particulares),
-b+Vh9 4ac empregando a linguagem e a forma. de escrita de hoje.
8) :t'1 = 2a . d f - y-al d
P or melO a trans ormaClI.O X = - - 1'e uz-se a equaçlto

que se podem escrever conjuntamente sob li forma 3""
11) à. forma
-b+Vh9 4ac
9) ~~
12)
2.
e esta, após um arililcio conveniente, mais longo e mais traba-
5. Um pequeno embaraço. lhoso do que para as equações do 2.° grau, prova-se que lá
resolvida pela fórmula
E se a expressão que figura debaixo do radical (o chamado
<iescriminante)
10) m=bt -4ac 13)
fôr negativn. l' Nesse caso a radiciação não ê possh'el (1. Parte, 11

pág. 103) e, por consequência, a expressão das raizes 9) não


tem significado. '
Aos algebristas antigos, gregos, hindus e árabes, não tinha
passado despercebido este caso embaraçoso. (i) As cidAdss m.lrltim3s it3Iia~8~, Veneza J;»'inci~almen.teL~an~l'e­
MaM, sempre que ele se dava., o problema concreto que tinha ram deSde muito cedo relações comereJ&UI com o Onent8 (Império BJzantino)
dado origem à equação via·se que era um problema sem soluçl1o; e o nono de Afdca j essas relações intensificaram-se progressivamente a
o algebrista interpretava o descriminante negativo como que- partir do !l1Íc. XL
160 CONCEI TOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 161
. ~ tão complica.se, pOIque aS fórmlllas Mais de vagar I O nosso problema nã,o é impossível; ora
Como o leItor ve, a. qU~6 d'd
de resolução se tornam, a me I a que o enau aumenta, cada "ejamos : quando a aresta :c do cubo é mnito pequena, o volume
tl=~ é também pequeno e menor que a soma
vez meDOS manej ,áveis .. orérn em graus diferentes, ú 3.r+l, mas, à
Esta compl.tcação atlD.g~ P medida que 01: aumenta, v vai-se aproximando de v'+1= 3:c+l ,
;imeiro procura, antes de e cbega mesmo a ultrapassá-lo; por exemplo, para ~= 1 é v= 1
matemá.tico teóriCo e o Sra~code~P por um critério de eBtética,
tudo, as possibilidades a, eo dO e vl+l= 4, mas para 01:=2 é já v=2 s =8 e v'+1= 3·2+1 =7.
'crité rio de economia de Conclui-se deste racioclnio que deve haver uma altura em que
ama a simplicidad(J j o segun 01 Pd~t:~ de cálculo. Em face da
trabalho, procur a processos ~p.e o fático o mais a.tingido. os dois volumes se igualem e o valor de x para o qual isso se
fórmula 13), é, porhco~seqd U~~~gl~~ nmPfacto mais importante e der é raiz da eqnação do problema: :c3=3x+1. Esta deve.
Mas em breve aVIa e portanto, ter uma raiz (I).
mais grave que atingiria igualmente um e outro. Que concluir daqui? Que a posição cómoda assinalada no
final do parág. 5 não é já possivel; as necessidades do cálculo
7. Um grande embaraço. ultrapassam·na j o nosso instrumento de cálculo -conju nto dos
ntím.eros reais- não chega; há uma raiz e ele não permite cal-
O" e rabIema: seja li o volume dum cubo culá~la; há que ir mais além.
Ponhamos o se",umt P I l' i do rectâng ulo cuja área da
de aresta J:!, e ,v' o de u~ .pari ~ lPr~:ta do cubo' determinar :e Que essa necessidade imperiosa tenha sido posta em relevo
base é 3 e cOJa altura e 19ua a 1
pel8IJ equações do 3.° grau, e não pelas do 2.° (nas quais, porém,
°
de mo d tI a que se ' 3 ~av=t l'+l.
problema leva imediatamente a'
o facto da impossibilidade analitica já aparecera muitos séculos
antes), mostra bem que o progresso da Matemática se não rea-
,Como v=~ ~~301::i °ou seja :é_3x -l=O , que é1d a liza sempre em obediência a um plano lógico de desenvolvimento
segumte eqoaçao - " b
a--3 b=-l , --;;=-;: :;-, interno, mas, muitas vezes, pelas pressões exteriores, que a
forma 12). Temos, nes t e ca, '0 -- -' ~ ::: obrigam a procur ar, às apalpadelas, o seu caminho.
lfJ 1 a3 27 _ 1 bz-, aJi =!-1 = _! a, portanto, a
- = - , <)7 = - 27 - - , 4- T 27 4 J ~
4 4 - I
a fórmula de reso uç o ã 13) dá para. raíz da equaça o, 2 -Núm eros complexos.

14) x ~ 'J-~-+-V--~1 'J; -V ~. 8. Posição do problema.


Encontramo-noB na mesma situação em que por várias vezes
nos achámos na 1. 4 Parte- perant e uma incapacidade do ins-
-
A resolução do problema depende, como se vê, do cálculo
3- . mas esta l'm;::. na·0"~.. iste , como "'imos na l.a Parte,
trumento analitico em face duma operação. Semelhantes incapa-
cidades, foram, até aqui, resolvidas com recurso ao método de
de
V -4"'
pág. 103. ne o a ontado no parág. 5 para
negat;l1o da uegaçtlo. Ê esse método que vamos aqui ainda usar.
De que Ile trata? Em que consiste agora a negação? No seguinte:
Estamos no ::smo cas
as equações do grau-,
_lo
dir 1
o leilor j ti. não existência de
, (i) Podemos afirmar que essa raiz e81:á compreendida entre
---a'
__ quer apenas dizer que o nosso problema é lmpossivel. 1,8 e 1,9
V 4
-.isto que para w=l,8 é v=5~83'2<v'+1=6,( e para :1:=1,9
-6,859 > lJ' -+ 1_6,7. e já v=

"
CONCEITOS ~'UI'IDAHEXTAI8 DA H:ATEMÁTICA 163
BE~TO DE JESes CABAÇA
162
onde a e b são números reais, cllamaremo'<> n'umerQ$ eompwxQ$
,. .
seja a um número real, qualquer j não existe v' _a , isto é, n~o
2
.
a a chama..S8 parU rBa I e a h eoe-l:ciente
'J~'" ' to a'e
d" ,'A o cODJun
existe nenhum número real re tal que x2=_a •
2
acomplexo.
a
e I o os os numeros' complexos dá.se o no
me
ae eamjXJ
Como negar esta negação? Criando um simbolo novo
que satisfaça, se possivel, às leis habituais do cálculo, e por O campo complexo contém o campo real ar h
meio do qual se possa exprimir V aS ou, o que é o mesmo, os núme~os complexos re~uzem.Be à sua part~ re~f~. par =0,
que torne possivel a igualdade :t!'=_a'J. Isto é o que diz o ASSim, sImples
ll. • • criação da unidade " de11 origem ' a um
método; trata.se agora de lhe dar a realização, que vamos DOVO campo numenco-o campo complexo - que generaztt.O li
procurar que seja tão simples quanto possivel. carnro rea. lEI8 e D01{O campo pode considerar-se bfd
partir de duas unidades; como o 1 o a
1 1.
d' _a . 'real: 1 ' da qual , por melO
. _ unidade . '-'W a a'Iça0
• depOIS'
8
..:1-
9. A unidade imugintrie. pc & lVlIIRO e ~als tarde pela operação de corte se ti, ,;, t d
Consegue-se isso criando o simbolo i-unidade imaginária
os números reais ,. ~ a o os
l
-obedecendo às condiçl"les seguintes; l' 2 -a 'I.midade,imaginária: i, da qual resultam por roulti-
1.*-0 simbolo i satisfaz ao maior número poss[val das leis i
p l:aQd.o.por um nu~ero real, os imaginários puros e depois
po a Iça0 ~om um numero real, os complexos. t
operatórias habituais.
2.a_Satisfaz ainda à seguinte lei AIo conjunto das duas unidades (1, l) chama-se óase do campo
comp t:t'O.
'/.'2=-1.
15)
Verifiquemos se o nosso objectivo imediato foi de facto
11. Construçio.
conseguido. Temos _ag";as . (_1)=a 2 t'2 (2" condição) logo,
9
se fizermos re=ai temos (l.a condição) :é!=(ai'f=a • t'2=_a!,
'Defin'
estruturaç~o ,
nefuc~:a c;:~~~o não ba~ta. É preci~o proceder à
9 sequências das defini õ ., Pdo, dexalUlllar com CUidado as con·
da igualdade w= -a! tiramos portanto re=ai=V - a • , ., ~ es JU a as, procurar se, porventura
Conseguimos, por consequência~ o que pretendiamos : negar ::as.:.eCl~o mtroduzlr outras novas, deduzir as propriedades:
a nl10 ean.stêncW da raiz, obter uma expressão simbólica. dela- das slla:'p:s~n:;lr;:d:s~o novo instrumento e adquirir o manej~
~=ai _ expressão simbólica que se conseguiu pela introdução da
nova entidade - unidade imaginária, i. pma observaçã? ~omina todo este trabalho-im usemos
É claro que i não é nenhum número real, nem pode ser; (parag: 9),úcomo primeira condição, ao símbolo i o s~tisfazer
se houvesse algum número real que satisfizesse à igualdade 15) ao maIOr n ~e~o poss!vel das leis operatórias habituais: vamos
não se teria verificado a impossibilidade da radiciação, não teria ~or consequeoma, t~ata-Io como a qualquer número, ou variável
sido, por consequência~necessário criar amnovo campo numérico. .Às~~ando fOr preclso, recorrer à segunda coudição: {i=_1.
se podem estudar todas as propriedades do campu
comp Iexo.
10. O campo complexo e a sua base.
=2:3f~t_~~~ã2 terem?s,por exemplo: (2+30+(1-5t)=
Aos números da forma bi_produto de um número real b - +1+3~-5t=3+(3-[)t=3-2i; em geral
pela unidade imaginária i - costuma dar-se o nome de imagi-
nários pUTOS. Aos números mais gerais, da. forma 17; (a+hi)+(e+di)=a+M+c+di
~(a+c)+(b+d)i,
16) a + b-i
164 llENTO DE IESUS CI,RAÇA CONCEITOS l<'UNDAMEN"TAI8 DA MA1'EMÁTICA 165

Para o produto virá (2+3i). (1_5i)=2(1_5i)+3i Mas como determinar x+yi? Se o leitor se der ao trabalho
(1_ól)=2 -lOi + 3i _15t'2=2_U_lói i =2_7i_15· (-1)= decalcul~r (ót+Y1'Y, encontrará (a:+ yi)s=0c8-3rey+(3ms y -ti') (.
=17-7i, a, em geral, (a+bi). (e+dl)=a(e+dl')+bi(c+dl')= e, como Bete complexo tem de ser igual a 1 + 2i, deverá 116r
=ac+adi+bci+bdi~=ac+(ad+bc)i+bd. ( -1), logo
"" - 3zy' ~ 1
18) (a + bi). (o + d'l ~ (ao - bd) + (00 + bo)i. [ 3wy-y3=2;
Para calcular uma potência, pôr-se-á, por definição, se o
expoente for inteiro e positivo, quer dizer, a determinação da raiz a:+!Ji está dependente da
resolução conjunta destas duas eq nações, dêste sütllma de equa-
çiJes, como S6 diz em linguagem matemática. Ora essa resolução,
sem ser impossivel, é, no entanto, muito trabalhosa e não é, por
cOOl'laquência, própria para o cálculo efectivo da raiz.
e, se for inteiro e negativo, Mas, desde que o indice da raiz aumente, as coilJas pioram
-em geral a resolução é impossivel e a raiz não pode calcular-se.
20) a+bi- n = 1 Mais uma vez encontramos a radieiaçdo a impedir-nos o
( ) (a+bij" caminho; a radiciação -último reduto da imposswilidade!

definições inteiramente análogas às que foram dadas no campo 12. ,Resisldnc:ias.


real (La Parte, pags. 19 e 102).
Ora facto capital, prova-l!Ie sem grande dificuldade, que Deixemos, por agora, esta dificuldade e retomemos o fio
todal!l estas operações gozam das mesmas propriedades formais das considerações feitas nos parágs. 8 alO.
(L a Parte, pago 25) que as opera~ões dos mesmos nomes do A generalização a que neles procedemos está de tal modo
campo real. . . na linha das generalizações anteriores feitas no campo real-
E quanto às outras propriedades? às que dizem respeIto a tanto do ponto de vista da origem, como do método-que. ao
'\"ariaÇA'les de valor ~ Essas dependerão, naturalmente, dos homem de hoje, nada. há nela que provoque repugnância 0\1
critérios que se estabelecerem para metiar que e mlm()1" que. dificuldade de aceitação. Não se deu, porém, o mesmo com os
Ora dá-se a circunstltncia de que em nenhum problema em algebristas do século XVI. Sugestionados pelo aspecto, que
qne inte~vêm os números complexos houve até hoj~ necessidade consideravam artificioso e fora das possibilidades numéricas, da
de considerar tais critérios. Onde não há fUreeSSidade nlto há igualdade 15), consideraram os novos nlÍmeros como mero
criaçWJ e portanto, não há que falar, no campo complexo, expediente de cálculo, sem lhes conferirem dignúUule numérica.
naquelas' propriedades que dizem respeito a ma-lar que e Este modo de ver arreigou-se de tal modo no esp1rito dos alge-
menor que. . bristas que, já no século XVII, Descarte8 usou, para designar
Quanto ás operaçrJes inversas, definem-se, amda, da.~elma 08 novos números, o nome de lmag~"nárÚJ8.
maneira e os cálculos não são dificeis, excepto para a. radlClaçio. Para bem perceber este modo de encarar as COiSM, basta
Esta. con'tinua a. dar-nos que fazer. Se quisermos, por exemplo, lembrar que, nessa altura, ainda os números negativos, e muito
,
determinar V1+2iporemos, por definição,
'
v' 1+2i=x+yi, com
menos os irracionais, não tinham adquirido a dignidade numérica.
Na sua Ge011liJirw., livro cuja data de publicação-1637-marca.
(z+1Ii)'~1+2i (1." Pado, pág. 24). o inicio duma época na história da Matemática, Descartes chama, às
COSCEITOS !<'UNDAMENTAHI DA MATEll.ÀTICA 167
166 RESTQ DE JESUS CARAÇA

dência esta que generaliza, duma maneira elegante, aquela corres-


raizes negativas das aquaçOes, raizes fal&as e aos nÚlneros pondência estudada na 1. a Part~, enn:e número real e ponto da r,ectr;.
irracionais números surdos. (1). Mas, dirá o leitor, não ha aqUl nada de novo, além da ldela
De todas as surpresas que a história das Matemáticas nos
apresenta, a menor não é ce.rtamente esta- que, a,:tes d~ os
números negativos serem conSiderados como verdadeiros nume-
de coordenadas cartesianas; esta
representação está implicita na cons-
tração de 1637!
y r
("'ôr.-~----/"r'fa'+/jf)
ras, já eram conhecidas e praticadas quas.e todas as reg~a8 Há' há qualquer coisa de novo 'I '
operatórias sobre os nÚmeros complexos, COlSa que parece 1300-
plesmente absurda, uma vez que os nú~eros complexos resultam
e de ar;ojado; na representação de I :
de raizes quadradas de números negativos.
A razão é esta-que os matemátiCOB se resignavam ao for- i!ir::Ee;:f~~:':~:~~ede~~:~i!~ - - - - r-------~l'1(mb')
l-fi'lJJ:
malismo consentindo em criar e usar aquelas regras convenientes
para ef~ctuar um cálculo que fornecesse um resultado desejado;
complexos da forma O+bí, isto é, : i
todos os imaginários puros tl'Jm repre- ) !~
mas dai a considerarem todos os simbolos sobre que operavam - sobre o eixo
sentaçao . Oy e, por o 41a) Alo!
comonúmerrJlr, ia uma grande distância, aquela distância que eonsequ@ncia, este eixo aparece aqui Pi,'l.42
separa um simples expediente de manipulaçilo, do cuidado , mais como lugar dos imaginários puros.
profundo, de ~ompreensi1o. . A representação de Wessel vai, portanto, mui,to além, Deste
Distância que, no entanto, acabou por ser percorrida, logo ponto de vista, da simples representação cartelna?a. ,
que se conseguiu uma realização m8UlJl dos números complexos. Compreende-se agora qu~, uma vez consegu~da uma .real?--
Como? zação vÍSt«ll que, ainda por Cima, é uma generalização dire.c~a
da dos números reais, os simbolos a+bi não tardassem ll,. adqUIrIr
13. Represenleção geométrica dos complexos. direitos de cidadania no campo matemático. Foi o que realmente
aconteceu mesmo assim com algumas peripécias, das quais a
Já no declinar do sãc. xvm, em 1797, um topógrafo mais im~rtant6 foi o esquecimento total, dllrante um século,. a
norueguês, Caspar Wessel, entre,gou à 4cademta Dinamarque8u que foi votado o trabalho de Wessel. Mas, alguns anos depOls,
de Ciencws e Letras uma Memória, publicada. em 1799, Sobre a em 1806, Jean Robert Argand criava, por ai, a mesma repre-
representação analítica da Direcção onde, pela primeira vez, foi sentação, cuja glória, indevida, ficou ligada ao seu nome durante
apresentada uma representação geométrica dos números com- muitas dezenas de anos.
plexos. Em que consiste orna tal representação? Seja (fig. 42)
Oxy um sistema de eixos, orientado como o sistema cartesiano
de referência (cap. 1.0, parág. 22); seja a+bi um cornplexG 14. Umo relação inesperado.
qualquer e M o ponto do plano de coordenadas (a, b) (cap. 1.0, Consideremos ainda a representação geométrica de U'"esMJl
pág. 134); façamos corresponder ao complexo a+bi o ponto M. (fig. 43): •
Seia a'-"ora rec}procamente, M um ponto qualquer do plano de No triângulo rectângulo OAM tem-se [cap. lI, parag. 8,
, "
coordenadas , (ai, b'); façamOE~ correspond ar ao ponto M' o
Mmplexo a' + b' i. Estabelecemos, assim, uma correspondência fórmulas 15) e 16)] OA=a=r. cos ('I, AM=b=f" senO, onde r=
biunivoca entre número comple:J:o e ponto do plano, correspon- =OM=Va2 +b2 ; tira-se daqui a+bi=r, cos!.l+r· sen!.l· i logo,
todo o complexo se pode escrever sob a forma
(1) Ainda hoje, na pena de alguns autores anglo-l\axónicos, Be encontra 21) a-+- bi= r(cos9 + i· sena).
a designação números tmrdlJs, por números irracionais.
168 .BENTO DE JESUS CARAÇA CO~CEITOS ]<'USDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 169

110stra esta relação que o complexo a+bi pode ser definido onde k é um inteiro qualquer. Mas esta fórmula diz·nos ainda
pelo número r, que se chama O seu módulo, e pelo ângulo 9, mais, após uma discussão cuidada-que o segundo membro tem
·que se chama argu'TfIRnto. Em particular, todo o número real é n (nunca menos, nem maill de n) determinações, que se obtêm
representado sobre o eixo O~ e é, portanto, um complexo com dando a k, n valores inteiros consecntivos, por exemplo Os
argumento zero (u. o real positivo) ou.,. (0. 0 real negativo); todo valores 0,1,2, "'11.-1.
o número imaginário puro bi é representado sobre o eixo Oll e Quer isto dizer, afinal, que todo o número, real ou com.ple;ro,
tem, por consequência, argn- tem lt raízes de índice n-caiu o último reduto da lmpossibíZidade!

'1
Blbl-----~--~

n
__
,,M((J+IJI1
mento ~ (se b é positivo) ou
2
Compare o leitor este resultado, belo na sua simplicidade, com
o quadro da pág. 103 da La Parte. Que diferença t
De acordo com o resultado que acabamos de enunciar, o
-, 3'1' (se é negativo) (fig. 43). nú.mero 1, por exemplo" tem três raízes cúbicas, quatro raizes
," •" fluartl18, etc.. O cálculo, feito com a ajuda. da fórmula 22), for-
rr
--I:::'''tif-....
TT O
...,,....-_.--+ ,

Aia) X
E assim nos surgem, ines·
peradamente, as funções eir-
nece os seguintes resultados:
CUla1"(lS a estabelecer uma
conexão entre a essência ana- raizes cúbicas d, 1 , 1,
-1 + i~/3 -1-iV 3
o
Fig.4;] I1tica dum complexo e a sua
representação geométrica.
Para o estudo das propriedades do campo complexo, que
raizes quartas d, 1 , 1, ,, -1, -i. "
deixámos esboçado no parág. 11, dispomos agora, além dos o leitor pode fàcilmente verificar estes resultados, fazendo
inBtrumentos que lá usámos, ainda da sua representação geomé. as elevações convenientes a potências; para as raizes quarta$,
trica e da relação 21). Com tlLlltos instrumentos o estndo não tem-se imediatamente 14 =1, i4=~"'l . ~'2=( -1) . (-1 )=1, (_1)4=
deve ser dificil t Não o é de facto, mas não valeria a pena =1, (-~)'=il=1.
fazê-lo S8 nada viéssemos a obter de novo. Felizmente, não
se dá isso i o uso da rela~.ão 21) permite-nos abordar, desta vez 16. Novas perspectivas.
com sucesso, o estudo dama operação que até agora se tem
furtado .li um tratAmento geral que a torne sempre possivel. De cada vez que se faz uma criação, v.brem-se naturalmente
perspectivas; desta vez são elas duma. vastidão enorme. Os
15. O último redulo de impossibilidade. números complexos vêm tornar possivel a unificação de certos
Seja a+hi=r(c080+i· 8e'nIJ) um complexo qu.alquer e n resultados que, sem eles, ficariam sempre reduzidos a restos
um número inteiro e positivo j por definiçl\o, a raiz de indice /I dispersos no campo real. Ponhamos, por exemplo, esta questlo
do complexo será outro complexo X (cos.1l+i . stm!J) tal que que o leitor porventura se terá posto já a si mesmo e que
[a: (cos y+i . senY))"=r(c08 6+i . sen e). Um raciocinio simples resulta do quadro da pág. 103 da 1. a Parte-que razão profunda
haverá para. que o nú.mero 16 possua o privilégio de ter duas
"
mOlltra G.ue a raiz Va + bi=x (cosy+i . seny) se determina pela raizes quartlUl, 2 e -2, e o número -16 nenhuma? A única
igualdade, dita, talvez imprbpriameote, fármula de Moivre. resposta que podiamos dar no campo real (e que não é expli.
caçio oenhuma)-há dois números cuja quarto. potência é +16
.~__ ,~_ ( 9+ 2kr. , 9. .'.+-:2:::k:::c.) e nenhum cuja qoarta potên.cia seja -16 - podemos agora subs·
22) ya+bi=y".. cos +~'8e'n-
11 n tituir esta: não há privilégio nenhum; amhos Mm quatro r~f:!s
170 BENTO DE JESUS CARAÇA 111
CONCEITOS ~'UNDAMENTA1S OA MA'l'EMÁTICA

quartas; para o número 16, duas são reais e duas complexas, aonvenientemente (1), chega-se à conclusão de que satisfazem à
para o número -16 !lão todas complexas. equação os três seguintes valores de x: rel=2. cos 20°=1,88.
Factos como este (hã muitos ontros que não podemos apre- z2=-2· cos 40°=-1,532. a:s=-2. cos 80°=-0,348.
sentar aqui) tornam inteiramente justa esta afirmação de um A equação tem uma raiz. verdadeira e duas fal/jus diria, à
matemático-o caminho entre duas verdades do campo real passa, Descartes um algebrista do séc. XVII; a equação tem três
muitas vezes, pelo campo complexo. raizes redia uma PQ8itiva e duas negativas, diz, mais avisado, o
E como a tarefa essencial da Ciência é, não apenas legistar algebrista ::noderno que adquiriu o conceito geral de número.
os factos mas, principalmente, descobrir os c&JDinho8 que vão Deparamos assim com este r~sultado notável-;-os complex~s
de uns ~ outros, isto bastaria para que a criação do campo foram criados para se consegUir obter uma raJz que se sabHl.
complexo fosse bem vinda na Matemática I que existia; eles não sÓ permitiram determiná-la, como revelarlUll
a existência de mais duas! Simplesmente, essas, por serem
negativas, não convêm ao problema concreto-determinação do
3 -Inlerecçiio. comprimento duma aresta-e, por isso, estavam escondidas na
equação. ,
17. O teorema fundamental de Álgebra. Uma discussão da fórmula de resolução 18) do parag. 6
leva à seguinte conclusão-toda a equação do 3.° grau tem
Os números complexos sairam, como vimos nos parágrafos três ratzes.
8 a 10, da teoria das equações algébricas. Veja-se agora como Este resultado, junto aos anteriormente conhecidos-as
eles reagem sobre essa teoria, isto é, quais são as conseqnênciaa equações do 1.0 grau têm uma raiz i as do 2.°, duas-sugere esta
que, para as equações, resultam da criação do campo complexo. questão: quantas raizes tem uma equação algébrica de grau n 1
Voltemos ao exemplo do parág. 7. Viu-se lá que a equação A resposta está num dos resultados mais importantes da
:c~=3.v+1 tem a raiz Álgebra-toda a equação alg~brica de grau n tem n raizes.
Esta resposta foi pressentida por alguns matemátieos ~o
comêço do século XVII - entre eles Gtrard e De8cartes-e 'leIO
a ser estabelecida com rigor pelo final do XVIII, como conse-
qnência duma outra propriedade, o chamado teorema fundamental
3 3
Mas, como -"4=(-1)',=(-1). T (v'3)' =l'2 (V3\'
2 )l
da Álgebra-toda a equação algébrica tem uma raiz, real OI!
complexa.
Do aparecimento dos complexos ao estabelecimento destes
tem-se \ / - ~ =i V.}, logo a raiz pode escrever·se sob a forma
resultados vão mais de dois séculos-dois séculos de trabalbo
duro, em que alguns resultados pressentidos pela intuição foram
confirmados, e outros n ã o . , , .

23) ~ = V~ ir; + 3J ~ -ir;.


+
Vamos falar" a traços muito largos, .de ~m destes 1IItip~os,
que constitui um autêntico drama da histórIa da 1fatematLCa,
drama até pela vida das pessoas que nele desempenbaram os
primeiros papéis.
Efectuados os cálculos com a ajuda. da fórmula 22) do
parâg. 15, notando que essa fórmula dá, C?illO lá S8 disse, três
(i) 1550 exige uma ,liSCllssão um pouco ext€nsa que não pode sei
valores para cada radical cúbico, e combmando êsseB valores ftlita aqui.
172 BE'N"l'O DE JESUS CAKAÇA. CO:"lCEITOS .FU~D.MIE~TAIS DA }IATEMÁ'I'lCA 173

18. O problema da resolução algébrica. dramento destes resultados parcelares num quadro geral; sempre
a mesma preocupação do cientista-enquadrar materiais dentro.
R~pa.re o lo!tor ?&s fórmulas de resolução de equações de esquemas explicativos, cada ve7. mllis gerais.
algébncas que ate aq UI encontrámoa [parág. 2 4)' parág 4 9)' Foi outro jovem, contemporâneo de Abel, igual a ele em
parág: 6,.13)]. A complicação das fórmulas c~es~ com ~ g~au; precocidade, em génio e em desgraça, se bem que o seu oposto
do ptuneIro grau para o segundo surgem radicais' o indica dOIl em estl'nctura sentimental, Evariste Galois, quem respondeu.
radicais ~ o número de radiciações li efectuar au~entam do 2.0 completamente a esta questão. Deu um critério geral para ave-
para o 3. grau j no entanto, elas apresentam uma caracteristica riguar, dada uma equação aJgébrica, se ela admite, ou não, reso-
c?mum-é que ~ raízes vllm e:cpres8a8 analltieamente nos coefi- IUl;ão por meio de radicais. Ora, dell8e critério rellUlta que atll ao.
Cientes c~ a Vuda. ~lU operaç?6S de adiçí10 algébrica, multipli-- grau 4 a equação é, e dai para cima em geral não é (1), re8olút'el
caçiW, dlVl.8i!O e radwUl9ilo, aplicadas um número finito de vezes. por me,"o de radWais.
Manter-se·á esta característica para as equações de gran n . Estava conseguido o objectivo. :Mas, daqui resulta agora
qua~q~er? PÔr esta questão é pôr o problema da rtJsolu6aidcu.k uma questiio alarmante: não se podem, então, resolver eqnações
algebnCi!J ~n~ me~hor, da resolubilidade por meio de radicais. de gran superior a 4? Não há maneira de calcular as suas
A mtmç~ d~ que a resposta deve ser afirmativa e o facto raízes? Não é assim; há processos para calcular as raizes de
de, logo na pI'lmelra metade do século XVI, se ter conseguido qualquer equação algébrica com 11 aproximação que se quiser.
a resolução das equações .do 4." grau e ela obedecer aos moldes Esses proceslJos aplicam-se mesmo às equações de graus 3 e 4
apontados, mais aferrou os algebristas a esta convicção. Todo porque são muito mais cómodos do que o emprego das fórmulas
o periodo que decorre daí até ao fim do século XVIII é um de resolução.
longo periodo de tent~tivas e de insucessos para estender às Os métodos da resolução aproximada- de re8ol~o numé·
equações_ de gra~ supenor ~ 4 a resolução por me~o de radicais. rica, como se lhes chama- aplicam-se também com SUceS80 a
A equaçao do õ. grau resiste como um baluarte mexpu""nável equaçrJell transcendentes, isto é, a equaçl'les obtidas igualando a
Tanto fracasso junto acaba por despertar esta ideia---': zero uma expressão analítica em que figuram funções transcen-
estaremos porventura correndo atrás duma quimera? Mesmo ao dentes, por exemplo a equação lIen [J!=i'C.
morrer ~o século XVIII~ um matemático italiano- Paolo RI/fjini
-anunciOU a demo~straçao d~ q~e a equação do 5.° grau não pode 19. Resultados novos sobre um problema antigo.
reso~ver-se por mel.o de radicaiS; a validade da demonstração
SUSCItou porém dÚVidas. Consideremos uma equação de grau maior que 4 e de
Pouco~ ~os mais tarde, no primeiro quartel do século XIX, coeficientes inteiros, por exemplo ;c1-;e6-1=0.
~lll matematIco norueguês, um d?s mais pur08 génios materná- Prova-s6 que e8ta equação tem uma raiz real, positiva, e fi
t~cos ~e todos os tempos, tocado Igualmente p:ela garra da inte- raizes complexas. Essa raiz real, é irracional, como vamos ver.
ligênCia e da desgraça-morre obscuramente (á beira da glória 1) Suponhamos que não era: haveria uma fracção irredutivel E..
aos 37 anos numa aldeia da Noruega-Niels Abel deu a demons- q.
tração efectiva de que a equação do ó.o grau se nã~ pode resolver
por meio de radicais.
Resolvida, duma maneira inesperada, esta questão r61:1tava
tal que
(-P)' - (P)'
q
-
q
p'
--1=,=OouseJ8~. . q'
p' -1=,=0, donde,
--c
q
achar resposta para esta outra-quais as razões por q~e até ao --,,-,-
(1) A não ser para certas equações cujos coeficientes satisfazem a
grau 4 há resolnbilidade por meio de radicais e no ,1. o não há? rela{lÕes partieulares; por exemplo, a el]uaçá.o do 6. 0 grau (Il"-1_0 é re80~.
e do grau I') em diante? Era, em suma., o problema do enqua- !úvel pOI" radicais.
174 BENTO DE JESUS CABAÇA OONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MA'rEM.Á'rICA 115

multiplicando ambos os membros por q7, pT_p 8. q-q'=O, ou relação particular) em combinação finita de operações racionais
p7==.p8. q+~t. e radiciações 80bre os coeficientes. Quere dizer, aquele número
Esta igualdade pode ainda. e8crever~Be ,I '
irracional não é como os nlÍmeros {2, VI + tlD por exemplo i
p'~q(P' + q') é um número não exprimivel por meio da radi~ais so~re números
e mostra que q é divisor de pi, (o caciente da divisão é r+(8). inteiros e isto vem lançar uma. luz nova e lmpreYlsta sobre a
naturez~ dos números irracionais. Efectivamente, como o leitor
Mas, por uma propriedade que o leitor encontra em qualquer viu na La Parte (cap, lU), as irracionalidades surgiram por
livro de Aritmética, o inteiro '1, primo com p, não pode ser virtude da impossibilidade da radiciação. e ~té ao século ~
divisor de p1, logo a igualdade é impossível e não exil!lt6, uma coisa considerou-se sempre como smónlrnO da outra. POIS
portanto, raiz 1!.... • muito bem, da teoria das equações surge este facto fuudamental
q -«.3 poll8ibiUdades da irracwnalid<Jde ultrapassam de largo as da
Daqui tiram~Be duas conseqüências importantes. radieiaçdo! É um novo dominio do desconhecido que se abre!
1. a_A equaçao dada nilo tem raWea fracrlonárias, logo, a
sua raiz real só pode Ber inteira. ou irracional. 20. Clusific~ndo e irracionelidade.
Ora inteira não é, porque para ro=l obtém-se no primeiro
membro-l J a, substituindo ~ por qualquer outro número inteiro As coisas vão mais longe ainda. Um estudo completo do
e positivo, o primeiro membro vem sempre positivo. A raiz real campo real (que não podemos fazer aqui) leva aos resultados
é, portanto, irracionaL seguintes:
Generalizando o racioc1nio que fizemos sobre e$ta equação,
prova-se fàcilmente que, dada uma equação algébrica de eo8fi- 1. 0 -Há uma primeira class6 de nlÍmeros reais- os cbam~dQ8
cientes t'nteiros e com coeflcumte do 1,° têrmo unidade: zn+ números algébricos-que são aquel~8 que poden;'- ser ~e:li~ldQs
+
+ aI x..- t + " . a,. =0, as suas raízes racionais, se e:e'istl'rem, 8(10 como raizes duma equação algébrICa de coefiCientes mtelros.
Pertencem a esta classe:
necessàriamente int81:ras.
Daqui resulta uma maneira muito simples de estabelecer a a) os números racionais, visto que z=~ é raiz da equaçã.o
irracionalidade de certos número8; tomemos J por exemplo, o q

número a=Vf.); este número é raiz da equação W-5=O, como
q..::-p=O;
b) 08 números que são combinações finitas de operaçõ~
imediatamente resulta da própria definição de radiciação. Ora racionais e radiciações sobre números inteiros, tal8
esta equação está no caso anterior I) não tem, portanto, rafzes , , ',-~=
fraccionárias; raizes inteiras também não tem, como se verifica como t/2" , t/1l ,V2+Yl +V 7, etc. ;
fàcilmente, logo aS raizes reais que houver (1) só podem ser c) os números irracionais que, por serem raiz?s de e,qul1yões
irracionais. (gerais) de grau superior a 4 e de coefiCientes mtelros,
2. a_ Vimos que a raiz real da eqnação z1-Wi-l=O é niío pertencem à categoria a) ou b).
irracional; mas, como o grau é superior a 4, essa raiz não pode 2. o_Há uma segunda classe de números reais-aqueles que
exprimir-se (a não ser que 08 coeficiente8 satisfizessem a qualquer são irracionais e não algébricos; são chamados númeroS trans-
f"..endentes, É transcendente, por exemplo, o número 'Ir com que
" as outras duas sllo complexas,
(1) Há apenas uma, precisamente t/ô; travámoll conbecimento na La Parte (pág. 85 e Ilegs.).
'COmo resulta da aplicação da fórmula 22) do parág. 15. 3.G-Tanto a primeira classe como a segunda são infinitas,
176 BENTO DE JE8L'S CARAÇA COXOEITOS FUNDAMENTAIS DA MA'l'EMÁTlCA 177

a primeira do tipo do lIumerát:el e a segunda do tipo M contínuo d~s;oberta das incomensurabilidades, nos tempos recuados de
(1. 8 Parte, pág. 88 e segs.). Pttagoras 1
A .irracional~dade, de começo tida como destruidora da
21. O que cabe no intervalo (0,1). ha~ollia do Unwerso, acabou por ser metida nos quadros
gerots. do c~mpo numérico, classificada. Foram necessários,
Estes resultados chamam de novo a. nossa atenção para as para ISSO, DUO menos de 25 séculos j mas a própria demora
relações entre o denso e o continuo, aborda.das na 1. 8 Parte. testemunha da g~andeza da obra . .J?ara a conseguir foi necessúrio,
Olhemos para o intervalo (0,1), conjunto dos números reais eutre outras COisas, o desenvolVImento que u teoria das equa.
OLxLl; os números raciona'ia (r) desse intervalo formam um ções algébricas tomou a partir do século XVI e este só foi
conjunto deusa, e a simples intuição diz-nos que eles preenchem possh'el com a criação dos números complexos. Mais uma
todo o intervalo. prova daquela grande verdade que atrás citámos-o caminho
No entanto, os desenvolvimentos a que acabamos de refe- para o real passa muitas vezes, pelo complexo!
rir-nos permitem afirmar que nesse intervalo cabe, além de
22. Continua a aberfura de perspectivas.
l.°_A infinidade (numerável) dos numeros (r), ainda:
2.o_A infinidade (numerável) das raizes quadradas dos . . .Não se faz .ideia, à primeira vista, da quantidade e impor-
mesmos números (rh porque elas são números reais, tan~la de do~lmos novos que a criação dos complexos permite
em geral irracionais, compreendidos entre zero e um. ab~.r: .A: n.oçao de complexo e a noçào de infinito são dois dos
3.o_A infinidade (numerável) das raizes cúbicas dos mesmos prill(np~IB Instrumento.s da Matemática moderna, e, no emprego
números. ~nerahzado desses msh·umentos, reside talvez ti sua maior
4.o_A infinidade (numerável) das raizes quartas e a das diferença e~ relação à Matemática antiga. Tendo tra'7ido o
raizes quintas ... a das raizes de indice u, qualquer, leitor, atraves _duma cu:ta digressão técnica, até às fronteiras
dos mesmos números (r). d~sta construça? grandl?sa, det:ffio-nos aqui. O servir-lhe de
5. o_A múltipla infinidade {numerável) de todas as combi- ~lC,,:rone em tais .domlmos é llussào de outros que não deste
naÇões racionais de números das alineas anteriores e h\'rml1o de vulgarlzação,.Antes, porém, de retomarmos a nossa
que conduzam a números menores que 1 , por exemplo excurs~?, por outras regiões, queremOB dizer-lhe que as noções
de vanavel efunção (cap. r, parág. 17 >'f
. h+:
V 2 V
/L
3
e 18) se estendem imediatamente ao
campo complexo, como é óbvio· a I I

6.o_A infinidade (numerável) de todos os numeras algé- variável complexa pode representar'.se '
bricos menores que 1 e nlio compreendidos nas aUneas pelo símbolo z=re+iy onde re e y (}1---lW~@f-
anteriores. rep~esentam. conjuntos de números ~);~á '!~d
7.o_E, depois de tudo isto, não pa8sámos sequer do nume- reais. Se ;c e y forem variávels reais ~(I ~_.
rável! No intervalo (O, 1) cabe ainda uma outra infi- eon!~nuas, então z=re+ty chamar-se.á : a,;~!!'!I :
nidade, doutro tipo, de números-a infinidade (continua) varlavel complexa contínua ou sim- O ~ __
dos números transcendentes, positivos e menores qne 1. plesmente variável compleoea. O seu b !(

~om1nio é, geometricamente, o con- F!O· 44


Que possibilidades racionais nos oferecem os conceitos com JUDto de todos os pontos de uma certa região do plano, como,
que temos vindo a trabalhar t Que caminho andado desde a por exemplo, no caso da figo 44.
n8 llENTD DE JESUS C.U1AÇA

o conceito de função de variável complexa permite gene-


ralizar a definição de polinómio inteiro dada no parág. 4 do
capo lI. Chamaremos, em geral, polinómio inteiro à expressão
analitica

onde n é inteiro e positiro, z=~+iy é a. vtlriável complexa e Capítu/o IV. Excursão histórica
!'-
ao! aj ... a n números quaisquer, reailf QU comple:l!os. toda: a
equação P(z)=O continua a chamar-se equaçl10 algébrita,. COl!la e filosófica.
curiosa, os resultados gerais dos parág. 17 e 18 ~este capitulo
sobre a teoria das equ8.\:ões algébricas mantêm-se mtactos.

1· Retomendo o fio...
Ko capo IV da l.a Pal·te. (pág. ü4 e 8egs.) fizemos um estudo
rápido de alguns problemas que, na Grécia antiga, se levan-
taram em relação com o conceito de número,
Vimos então como surgiram algumas grandes concepções
fitosóficas ~ o devir heracliteano, a O1vlenaci'/o matemática dos
pitagóricos, a imobilidade dana dos eleatás - e como elas se
chocaram.
Aludimos ainda, ao de leve, às condições psicológicas e
sociais qlle acompanharam essa evolução (págs. 79-82). Não
"amos agora entrar em largas explanações sobre a mesma
questão, mas temos que a retomar. O assunto que ao longo de
toda esta Parte nos tem ocupado - o conceito de função ~
exige·o para inteira clarificação do seu significado na história
da civilização ocidental.

2. Problemas.
Pelos meados do século V a. C., a Grécia encontram·se a
braços com um conjunto de problemas duma importâncht
enorme. Acabara de sair vitoriosamente da prova de fogo que
para ela representara a ameaça de conquista persa e dai resul-
tara esta consequência de grande al('afice - as cidades grega~,
até aí isolada~l constitnindo estados inteiramente D.utónomos,
180 BE'S"TO DE JESUS C.\.RAÇa CQ)iCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 181

haviam 8ido obrigadas, em face dessa ameaça, a aproximarem- da terra com esse problem~t e mais o da luta de todos os diul;i
-se, a concertarem-se numa polItica de defesa comum. Estava, com a classe comercial e dos artesãos.
por este motivo, posto às cidades gregas o seguinte problem:1 Em resumo - aus@ncia de classe social de unificação polí-
politico: iria continuar a poHtica de aproximação? iria essa tica, ausência de equilíbrio interior em qualquer das cidades j
polltica levar à constituição de um Estado único, atingindo-se insuficiências que condenaram a Grécia no fraccionamento
uma unidade que superasse a multidão Jas autonomias parce~ político, a que só uma fôrça exterior havia de pôr termo:
lares? o imperialismo macedónico primeiro, o imperialismo romano
A esto problema, que, para cada cidade, era um problema mais tarde.
(,4l'te,'}w, juntava-se o problema. l'ntenlO de cada uma: tinha cada Todo o periodo que vai do fim da ameaça persa à conquista
uma das cidades de per si atingido uma situação de estabilidade 'I maced6nica - pouco mais dum século - é gasto em lutas das
ou, pelo menos, tinha em alguma, ou algumas, sido atingido o cidades umas com as outras. Cada uma das mais importantes-
equillbrio dos diferentes factares económico8 e sociais interiores, Atenas, Esparta, Tebas - pretende realizar 11 unificação pol1tica
equiUbrio esse que permitisse o lançar·so no empreendimento em seu beneficio; o imperialismo militar aparece a pretender
exterior de impulsionar a unificação? impor o que uma insnficiência orgânica não permite- O resul-
Tais problemas, cuja importância o seu próprio enunciado tado é um afundamento geral.
revela, eram dominados por este outro: existia na Grécia. o
elemento neceggário de aglutinação das parcelas politicag? exis- 4. Consequências intelectuais.
tia. alguma classe de interesses cosmopolitas que servisse de
elemento actuante para a soldagem dessas parcelas e passagem É neste ambiente, neste conteieto, que "ai desenrolar· se a
a uma unidade politica mais vasta, isolado social superior? evolução da Ciência e da Cultura. gregas. Em que termos?
As grandes escolas filosóficas a que nos referimos na La
3. Insuficiências. Parte nascem) todas, fora do continente grego, nas colónias da
Ásia-Menor ou da Itália, colónias de civilização comercial. Pelos
A esta. última pergunta a História responde - nüo; não meados do século V, Atenas, por "Írtude do papel que repre-
existia uma tal classe. Houve, é certo, elementos importantes sentara na luta contra o invasor, torna·se a metrópole da cul-
para a sua formação nas cidades em comunicação directa com tura grega; esta vai lá evolucionar, condicionada pela luta in-
o mar e que tiraram, portanto, do comércio e artesanato uma terna e externa a que acabamos de fazer referência, luta domi·
das suas fontes de riqneza; mas~ mesmo nessas cidades-Atenas nada pelo antagonismo terra-'flUlJ'.
à frente de todas - se desenvolvia por essa altura urna. luta A situação apresentava-se em Atenas nitidamente fayorável
agitada entre a terra e o mar .. a ferra, o elemento tradicional, aO mar .. a classe dos comerciantes e artesãos adquire pôso
fechado, dominado por uma aristocracia limitada nos seus inte- econ6mico e audácia crescentes e é tomada de UUla enorme febre
resses e nos seus horizontes, e o mar, o elemento de comuni· de saber - as concepções das grandes escolas descem ao povo
cação de povos, o elemento cosmopolita e renovador por exce- que tende a apropriar-se delas; aparecem e mnltiplicam~se homem'!
lência. duma feição nova - os s~filJtas - homens que tomam a profissão
De modo que temos, em linhas gerais, a situação seguinte: de ensinar e democratizar a Cultora.
na Grécia continental interior, uma aristocracia da terra im- Mas, a bro\'e trecho se desenha uma reacção contra este
pondo pela fôrça uma. estratificação social rigida mas constan~ estado de coisas, reaeção que "ai atingir não só O rumo da evo~
temente ameaçada de se subverter, e consumindo nessa tarefa lução da Ciência como também a extensão da sua expansão
todas as suas energias; na Grécia marí.tima, uma aristocracia popular.
182 BE:>:TO ng JESUS CARAÇA CO~CEITOS "FU~[lAMEl'l"T.US DA MA'l'.I'~[ÁTlCA 183

5. A mudança de nevegeção. Paú bem! adeus oh ,I maravilhosa e.'1pel'al!()a! Quanto mais


lia mais 1IIe afastava dela. Com efeito} ao avani'ar I/n leitura,
Sócmteit (1) e J principalmente, Platào (J), são 0:5 tilú::;ofo;; vejo llJn homem que mJo faz Ilada do h,'spil'ilo) que lhe mto dis-
desse rumo novo. Em que consiste ele't Numa aristocratização trilme nenhum papel nas calMas pa-rlic,tla/'{}'f da ardem das coisas,
tio saber; no desviar a atenção das coisas externas ao homem que) pelo contrário, alega a efjSB propósito, acçues do ar, do étel',
para o centrar nas internas, morais e psicológicas; no tema da da água e mllitalJ ordras eXjJlicaçõelJ descollceJ'tultles(l).
l"irtude em plano superior ao do bem-estal' te1'1"eno,. na intro-
dução sistemática dum principio espiritual na explicação cientí- Vista que a causa me tinha fugido, riMo Ijue nt"io pudem
tica 1 em substituição das tentativas de e,;:plicação materialista; nem descobri-la ]101' mim nem apl'el1dê-Ia com antro, para me JI,ir
em suma, na tendência para o abandono da realidade sensivel, Ir, gua procU/'u finha que «mudai' de lIat'egaçãoJ>,
da realidade fluente, e pnra o refúgio no seio do espiritualismo, Ao longo do Fedon e em passagens (la outras obras !=luas,
onde se pode construir, à ,-outade, uma pel'manêtlCia que abrigue Platão explica o fllllunmento e a essência do romo novo. 'fra-
dos vendavais da transformação, .. ta-sA de adquirir a verdade. Como? analisando a realidade ex-
E' o próprio Platão que nos dá conta des:sa mudança de terior sensível, e tirando dela critérios de "erdade? Nüo!
rumo ao mostrar-nos, no diálogo Fedolly o seu mestre Sócrute,; Recefd-me de me 101'um' completamente cego da alma d/i'i-
diBcOl'rendo àcêrca da desilusüo que a leitura de Anaxá[/oras(3) !lindo os me!IS olhos para m eoisas e esf01'çando-me POI' entrai'
lhe provocam. Ouçamo-lo (i) : em cOlltacto com etaa pOl' cada u.m dos meus sentidos, Pareceu-me
[Eifj que Imi (lt'a Ott't·(' a leitr./l"u dUIII h'm'u 11ue era, dizia·se. tndispensát'el refugiar-me do Indo dafj (!leias e procl/J'w' l.~('I' neraa
de Ant:lX'ágoraa e onde se falnlJa assún: ké em última análise Q a t'el'daàe daa coisas Cl
Espírito que tndo OrdeJlOll, é Ide qne li a causa de fadas as caMas».
(Trna fal caisa aleg1·ou-me,. pareceu-me que havia ranta.qem em 6_ As Formas ou ldeies.
faze'~ da Espll'ito uma can,~a lInú·eJ·sal .. fj8 assim é, pe-nsei eti,
esse Espírl:to ordenadOl' qllej/lstameuie realú:a a o1"(lem unive1'sal, Para dar realização a esta atitude mental, Pia/tio construiu
deve também dúpoJ' cada coisa em t)(H'licn1m' da melhor maneira um sistema filosófico - a teoria das .Formas 0\1 fdeias - de que
p08sirel, .. dá no Fedon os traços fundamenta-iB.
Sócrates expõe e Simmias fornece-lhe as reslJOstas e p<l.usas
J\'r'io havia mais q1le neelal'·mo-lo e estara prouto a wlo necessárias (3): ó{ Qnanda é que, portanto, retomou 86cmtl:s, (t
deiJr;jar autm espécie de calualidade! alma atinge a j)erdade'! Ndo há dú'dda que quando ela p"oe/u'a
encarai' qfJalquel' questãa com a ajuda do carpa, ele a rmgwUt
COIIi fl/U; al"cWl" me agal"'l'ci à leitllJ'(!! Lia-o o mal's depress(~ nuliealmellte.
que podia, afim de me iIlMruh', o mais rripidamente pO.'Mil'el, do ~ Dizes a rerdade.
IIlelhor e do pior. -1\'("10 é, por couseljuf1ncia, uJ'dade que é no aeto de racio-
cinar que a alma, se alguma t'cz o consegue, 'di manifestar-se
plename1!.t~ a realidade dum ser'!
(1) Atenil:llse (4.70.3(j9 S. C.). -:::irmo
e) Atelliens~ (428-347 a. C.); (le ullla das mais nobres famílias de
Atella~. Pdo lado <lo pai a sua ascendência ia"diúa-so, até ao deus PfJ8rdrUm. (I) :\a filosofia ll", Aiw",{,gorat, COJll eieito, a aCi'ào do Espirito !imita-
(3) Natural de Clazomhle, DO litoral da _\~ia-]\feHOr (500--428). Exerceu -,;e ao impulso illicial i no resto procuram-se explicaç,ões mecânicas.,

e,
rrande influEncia intelectual em Atenas.
Fedrm, 97 b) e se!!'.
C!) Pedon, 99 e.
(8) Fedlm, Oi) b tJ SL!g.
184 RL'ITO DE JESUS CABAÇA COXCEITOS FUNDA)[ES'l.'AlS DA MA l'EMÂT.lCA 185

- E sem dúvida, ela raciocina 'l2Wf coltdiçõed óplimas preci- se aUra/' à caça das "saUdades, de cada uma em I!i meSi/llt também
samente qUQ"do nenhuma perturbação lhe advém de lado nenhum e por si 1Il~sma e 8em mistura 'I E isso depois de 8e ter, o mm·s
nem do ouvido, nem da t,ista, nem duma dM', nem dum pra:rer: possit:el, desembaraçado dos olhos, dos ouu{dos, e, para bem, dú:er,
mas quando, pelo contl'án'oj era está o mais possível isolada em do corpo inteiro, pois que é ele que perturba a alma e a tmpede
si própria, mandando pafjSea1' o corpo, e quando; quebrando tão de adquirir verdade e pensamento, todas as vezes que ela se ~e
radicalmente quanto puder, toda a relação, todo o contacto com em relação com ele 1 Nilo é verdade, Simmias, que é esse, se alguém
ele, el(t aspira ao 1'cal. o pode faur no mundo, que atillgtra o real '?
-É: e:eaclamente assim! -Impossível, Soel'ates, de falar com maior 't'erdade/»
Ndo é verdade que é nesse estado que a alma do filósofo faz Fizemos esta longa citação para pôr o leitor em contacto
ao má;rimo abstracçt10 do cr.rrpo e lhe foge: enquanto proeura com a raiz do pensamento de Platito-a renlida.de não está nas
isolar-se em si pr6prl'a f coisas sensiveis, está nas Ideias ou Formas: bom, belo, justo,
- .." '1lanijeslamenfe! grandeza, força, etc, j as coisas sensivei!l não são maiB que
Mas que dizer disto agora, Simmias'i Afirmamos nós a eJJÍ;j- imagens on cópias das Formas,. a verdade niio pode, portanto,
tência de qualqlWr cOMa que seja (r,jltIJlo) em si ou negamo-la '! adquirir·se pelo exame, por meio dos sentidos, do universo
-Afirmamo-la, evidentemente, por Zeus/ exterior sensivel, mas apenas pelo pensamento puro, pela acti·
--E também, ni'lo é 1:erdade, de q1.lalquet· coisa ql1€ s,!}a ,"idade da alma isolada do corpo; este não faz mais do que
«belo» e ~bom» f perturb~la, impedi-la de pensar.
-Como ndo'!
-Mas, evidentemente: Hunca viste com os teus olhos nenhuma 7. A fluência e a permanência.
coisa desse !Jénero?
~ Claro que não. Como está bem de ...-er-se, um tal sistema dove encontf!\r,
-Mas então, é pOl'que a aprendeste por qualquer Qutt'O sentido no seu choqne com a realidade de todos os diag, dificuldadeg
diferente daqueles de qU€ o corpo é (} t'nl'trumento 'J Ora, aqutlo graodeB. O próprio Platão as reconheceu e deixou na sua obra
de que falei é para tudo, assim para «grandeza»: «saúde», «força» traços dessa preocupação. No Parménides, 11m diálogo qne de\"6
e para o resto também, é, numa palavra e sem excepçào, a sua pertencer à maturidade de Platão, ele discute precisamente o
f'ealidade: o que, precisamente, cada uma dessas coisas é. Portanto problema da existência das Formas separadas, pondo em cena,
é por meÚJ do corpo que se obsel"t~a o que há nelas de mais verda- deBta vez, o velho filósofo Parménúles de Elea, o sou discipulo
deiro? Ou, pelo contl'ário, o que se passa não é, antes, que aquele Zen(({), e Sdcrates, nm Sdcl'ate~ jovem que apenas ensaia os
de entre nog que melhor e mais e:eactamente se th'er preparado a primeiroB paf>gOB na Filosofia. Após uma longa di8cussão à volta
pensar em si megma cada uma das coi~as que encara e toma como das dificuldades citadas, discussão onde, coisa. curioBtl. e instro-
o'-:J'eeto, é esse que deve aproxhllal·.se mtug daquilo que é conltecer tiva, elas se não resokem, Parménides declara (I): Imagina,
cada uma delas 'f pelo contrário, Sócrates, que se persiste em negar a ea:istencia da~
~É absolutamente ce1,to. Formas dos seres, atenDendo a todas as dIficuldades e:cpolJtas paI'
~ E, porta"to, esse resultado, quem o i'ealizarâ lia IJua maior nós ou a outraA semelhantes, e em recusar que haja, para cada
pw'eza Bel/aO aquele que 1/0 mais alto ,qrau pOIlBÍvel usa,., para se realidade, uma Forma preeüla, ~Vào JUJJ:cJ'á maÚJ para onde dirt'gú'
aproxim(J)' de cada coisa, /lÓ do pensamento, sem recorrer, no acto o pensamento, pois qu,: se nàO qufz q!1B a forma especifica de cada
de pensar, nem à vista nem a qualquer outro sentido, sem arrastar
cons{go nenhum em campan1u'a do raciodn{o"! Aquele que, por
meio do pensamento em si mesmo e por si mesmo, e /lem mistura, (1) Parméniáes, 135 li (! c'.
186 BENTO DE JESUS CARAÇA CO:'\CEI'l'OS FU~D.-\ME::olTAIS DA MATEMÁTICA 187

8eJ'guarde ithnlirillde jJlfl'JlW/lelde,. e iMO lJel'ú tlIlÍAJ.uilw' a prÓpl'ill <lue nào mOI'l-e, que se comporta sempre da mesma maneira,. por
virtude da dialética. Eis aquilo de qlle tu [Jw'eces ter-te aperce- ril,tude do seu pari!ntesco com eli! (1), é sempre junto dele que ela
bido acima de tudo. rem tomar I) lugar ao qual UU) dá direito toda a realkaçdo da SIW
-Dtzes a l'elYiade-lel'Ía cOl/col'dado Sócrates. e;r:ixtência em si mesma e por Bi mi!sma,. deÍ<Ea de vagabundem' e.
-, Que farás tu ellMo dajiloflojla! Pam onde te háiNle rollw' lIa vizinhança dos seres deSCI·ltOS, cQlJserva, ela tÇtlJ1bém, sempre a
lIe lUIO tens resposta pw'a e8ta.~ queBtries! sua identidade e a sua mesma maneiJ·a de 3m', E porque está eJiI
-.Não tenho I!eJlhuma em t"18ta, que saiba, pelo menos de confocto com coUias dessa espécie».
mam.elltOJ). O outro testemunho é de Aristóteles. ~\.o passar, na Jietu-
Estll pa8sagem tem uma importáIlcia enorme porque nos física em revÍsta as teorias dos filósofos anteriores, refere-se-
põe em face da grande preocupação de Platão, o objectivo tinul assim ' ao seu mestre Platao de cuja doutrina filosófica mais tardt'
da sua filosofia- obter lJualquer coisa 9ue guarde identidade per- se separou, nalguns pontos importantes (2): ~Desde a suajut'eu-
manenle e u qual o pensamento se possa prender; se a realidade lude, Platão, tendo sido ami!Jo de CrAtilo e familiaJ' tom (1-1
sensível é fluente e, portanto, o contrário do permanentemente opiniões de Heraclito , segundo as quais foda~ a,1 coisa;! sellsivei.~'
idêntico, \'olternos-Ihe as costas e refugiemo-nos, como acima estão num fluxo perpétuo e uda podem ,~er oqjecto de ('Q1Jheci·
vimos, (parúg. 5) «do lado da3 IdiJian. menta (~) consel"rou-sejiel (~elJta oJYiniào, Por ontro lado. Sócrates,
Dilema implacável em que PiaMo se debate 1- ou as Idéias, cujas li~ões incidiram exclusivamente 80bre a8 co/:sas morais e nào
com todas as dificuldades e as consequãnóas (lue delas resultam sobre a lVattJ.reza lnlei1'Cl, tinha cOllludo~ neste domhdo, P1'ocw'ado
(entre as ([uais esta, necessária: que só se pode bem filosofar, () universal e sido o pl'imeiro a,fixar o pensamento sob1'e as (!f:t;·
só se atiuge plenamente a verdade depois de morto), on isso, ou JI1Ii(les, Platão se,guin o seu eJll~ino mas foi le'mdo a pcusar que
o \"endanll da flui!ncia, da tmil~rorma~'ii.o, com todas as suas esse llllírersal det:ia existil' em 1'ealidad6s rlmna ordem diferente
consequências, implacáveis também. , . da dos se-i·ell sens-iveis,. ndo pode exi8th', com efeito , julgàlia ele,
De que este era, de facto, o seu grande objecti\'o, abundam mlla definÍl~ão commJl dos oly·ecto8 sellsirei::! iudin'duar's, daqJlell"~
os testemunhos, Vamos d:lr ao leitor mais dois. O primeiro, ainda pelo lII(;'nos"que estilo em pe17Jüua tran8,foJ"maçao. A fa~ l'ealid(lde,"
do próprio PlaWo (1): <cViJo didamos nó::! (:tinda isto há pouco! d-flt enWo (} 1I01l1e de Méias . . ,~ (I)
Q/te a alma poJ' rezes emprega o corpo para o exame de uma Olt Como se vê, o testemunho do discípulo e contempon1neo
outra questão, paI' l'nle1'médio da 'Vista, do olwido ou de outro concorda com o dos textos citados-a doutrina de PIaMo sai da
sentido j porq(/e quando o ea'ame se fa:: 1)01' tllih"médto dum senado de lIel'aelito por oposição :l. ela; o seu objecti\~o essenci"l p.
é o corpo que é um instrumellto, Enttio dizlamo,~ nó::!, a alma ri criar uma pC1·manênct"a racional, mansão artiticinl duma llureza
nrrustada pelo Wl'pO na direcç{fo daquilo Ijllejamal's gua,-da aSila e duma verdade artificiais.
identidade j era propl'ia se perde, se perttH·ba, a cabeça anda·llie
ri roda como ,~c elHivess8 bpbeda e): é pOl'glre está em cOl/tacto
tom COMas desira espécie.
- Absolutamente!
-Quando, pelo contrário ela ext.! em si mesma neste exame, (I) Aquilo que é ]Juro, d~J'I/() e id'~nl;"o.
da 'Voa l1a rlirecf;flo do que é ]JI/ro, que possuí sempl'8 a 8~istfncia, (!) MetaJí8iea, A fi, 987 b. . " .
(3) Não couheço llenlllull fragmento de l1ei'aeü/o (llltlL' cs~a lJJJJJO;;51!.J1.
Ii<la<le seja afirma<Ja.
(I) Fi'doJ/. 1 7\J <: ~ 'I . (l) Aristóteles iusiste, nontra pàllsagelll (Melafí~ie(lJ M 4): ft.\. doutrh,a
(2) o termo tigum ('OtJl toda a 5ua C.flH'za. no tnto: methY01W'I, de das ldf!ias foi, nos ~eus fundadores, a c()ns€qu~ncla dos ar!!,UTncntos tlt>
i1lcthYf4-0 - ,'ml,elH!d(l r-Se. Heraelito sobre a verdad(l das ('oüas, .,,»
188 BENTO DE JESUS CARAÇA COYCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMATlCA 189

8. Outras carocterístices. 9. Consequêncis5.


Não é aqui o lugar, evidentemente, de fazer uma exposição Se temos demorado o leitor com todas estas cítações é
e nma critica minuciosas do sistema filosófico de Platão. Mas porque o sistema filosófico de Plat!1o ,tem uma importância
ele importa-nos grandemente pelas suas consequêncius; vamos, enorme na história do peUBamento e é preCISO, portan~o, conh~~e.r
por isso, fixar a nossa atenção sobre duas das suas caracter&;- ao menos a sua base. Nascido Dum momento de crise da CI\·lh·
ticas, além daquela que acabamos de acentuar. zação grega como mostrámos atrás, ele imprimiu à sua supers-
A primeira é a natureza idealista desse sistema. Recorde o trutura uma' orientação que bavia de ter as mtLi~ largas reper·
leitor o que dissemos a pág. 76 da 1. nParto sobre o debato entre cussões sobre o movimento histórico seguinte. E uma grande
idealismo e materialismo e verá que PlaUia ollfileira ao lado dos vaga nascida dos problemas duma crise social e cujo movimento
idealistas, ao lado do sou mestre espiritual Parménide.,. Mais, alteroso se prolonga até nós,
pode afirmar-se que é Plaido o pai do idealismo, por ser o Não é que o sistema filosófico de Fraldo seja aceite Da; sua
construtor do primeiro 8istema desta natureza. Parmênidea não inteireza por todos os filósofos posteriores; muito longe dISSO.
fizera mais que pôr o problema, pelo menos naqueles textos Alguns discutem-no, rejeitam a sua teoria das Idéias j entre-
que llOje se conhecem dele. estes conta-se logo o seu discfpulo mais célebre, Aris(óteles,.que
A segunda é o carácter de élite do sistema de PlatlW. na Metafiaica critica duramente a teoria das idéias. Mas ha no
A apreensão da verdade, tal como ele a entende, exige um pensamento de PIatilo q~alqu€'r coisa de ~ais impor~ante, de
esforço, uma ele\'ação espiritual (em sua opinião) que está fom mais fundo, qualquer cousa de que a teorlll. das IdéIas é um
do alcance do homem vulgar. bto, que paira CoillO um véu instrumentO-a defesa. contra. a fluência e o car!wter aristocrático
sobre toda a sua criação, é afirmado expressamente numa do sistema-e isso fica.
passagem do Timeo, uma das sllas últimas obras e onde, O pensamemento grego dominante aparece invadido pelo-
portanto, se pode encontrar o resultado mais elaborado do seu horror da transforTllaçào, e dar resulta o horror do, movir:re:nto,
pensamento (1): Se a intdecçdo e a opinião t'(Jr(iadeira são drix do material, do Iltnstvel, do manual, O homem de éllte, rejeita o-
f/éuf?ros distintos e), esses olljectos illvisít·eis eocistem em si i são a·~ manual, o mecdnico, e exalta o bem e a virtude, de cuja procura
ldeias que nlIo podemos pe1'ceber pelw aellados, mas somente pelo faz o fim máximo do llOmem,
intelecto, - Nisto, que é fundamental, concordam Platão e Aristóteles,
., • Ora devemos afirmar que a intefecçao e a opinião sào duail noutras coisas tão divididos e opostos" ,
coisas dil1ttntal1 porque Um ol'igenA dÚltinta& e comportam~8e de São de Aristóteles estas afirmações que provam o que-
maneiras,difm'entes. acabamos de dizer (1): , '
., ,B preciso dizer, ainda, que na opinião todo o homen, rÉ precisa, portanto, ensinar aos Jovel1s apenas 08 conh~a'
participa, e que na inteIecçt1.o, pelo contrário, 08 deultes têm parte, menws út6l's que lhes 1/00 venham a impor um gênero ~e vida
mas, dos homens, uma pequena categoria sômente,D sórdido e mecdrdco, Ora, deve cOllHiderar~se cama mec6:mca toda
}J suficientemente claro: não é verdade? a arte, toda a elêneia que t01'1la incapaz dos eXercícl'os e dos aetoS'
da virtude os corpos dos homens Um'es ou a sua alma ou a sua
inteUgência. Eis porque chamamos mectlnwas todas as artes que-
alteram as digposiçiJes naturais do corpo e todQ8 QS trabalhos que
(t) Timeo, õ1 d c sego
(Z) Repare o leitor n3 semelhança CGUI o pelJi;amento de Parminide/1-
(1,' Parte, pg. 76). (t) Pfl/jtiC(I, V 1 11, 1.
100 BE~TO DE JESl;S C.\lIAÇA COXCEITOS F"LXDAMEXTAl'l DA MAnmÁTlC..l, 191

$,70 l1II.'Tcewíl'l·os,. pm'l.JlIe IUl0 deiX'aIlJ aos penU(lJlento8 Nem liber- púrpura: porque 1108 deleitamos e,om mnall (' com outras e, contudo,
dade neJn deraçao)). t~mos 08 perfumistas /J os tinfw'w'oll como pessoas ris c mect2nicas,
Noutra pallsagem da mesma obra (I), Ar[stóteles diz; Responàeu muito bem ÁntMtenes a um qlW lhe dizia que Isménias
«Nilo é, portanto, bom qu.e o homem dI! bem fiem o {Wntem era um excelente lOcador de flauta: cttambém acho, mal apesa?'
de Estado, nem o bom cidadilo apnmdam estas espécies ck trabalhos disso, homem que não rale nada, P01"qUC, se ?ssim nào fosse, nilo
(os trabalhos das al'te,~ mecanicas) que s6 convPm aos que eRt1lo seria um tão e:ccelente tocadol' de flauta)). Tem a propósito dizer
(lestinados a obedece,',. a Menos que se s/rcam apellM al[JUmas qlt8 Pape, rei da ~llacedóllia, disse uma l'e.; a seu filho Alexan
rezes para sua pró)Jria 1tlilidade. Dout1'a maneira, 11118 detrom de dre-o-Grande que tinha cantado muito bem num .resUm, e como
..sei' senhores e outros perdem a condição de escrar0811. homem que entendt'a Ill.uifo de música: «.Nilo tens 1"ergonha de
Ainda uma outra passagem para vincar bem o que nnr- cantar tilo bem'? Porque basla que mil 1'ei empregue P01' Tezes o.~
mámos n: seus ÚciO.'l' a ou1:1'1' cantar os cantadO/'es e Já faz 1Il.nita honra à,~
• t,islo. ~ue estamos examinando qual é a cOllsfitlliçllo polí-
OI . : . JllUSa8 em querer algumas t'ezes ouvi'!' 0-'1 obl'l':iro~ de tal arfe
tICa iIIaiS perjetta e qlw esta constilldçi1o é a que contribui melllor quando des se desprcam a qu.·em cantará melhQl'1),
pam .a feliâdade da ,cidade,. e, por outro lado, pois que se ditm Mas quem exerce de facto al,guma arte baixa e ,ti': p/'odu:'.
{:nf~l'wrmente que a felicidade nao poderia e~8tir sem a virtude, em te8temft1l!lo (lontra si próprio o trabalho que ('111pregou em coi8a,~
r: . rls/vel que num Estado perfeitamente governado e CCt"lllposto de úu'ttei8, pam provar qne .foi Pl'«ffuiÇ080 em aprende!' as flonestai:
Cidadãos ~UIl s{io homens ju~tos no 81lntido absoluto da palavra, I! e úteis. E nào hom.:ejamaisjQl:em de bom cora~'ão e gentil nature;;a
11(10 relatlVamenle a um Sistema dad{l, os ddaddOs 11>'10 devem que, ao ol/w;r a imagmn de Júpitn', que está 1/(t cidade de Pisa,
~xcrCeJ' nem ,as artes ,meclinicalJ nem as profissões mercantis; desfja88e sel' Fídl'asJ nem Policfeto ao ver (I de .Irmo que está em
porque este gen({I"O df'mda tem qualquer coisa di' 1~il (' é conl1'ário Argos, nem que de8eja.~se ,~el' Anacl'collte, ou PilémlJn, 0l( .ih'qui-
lI, m'rtude, TóquiQ por tetO al,guma vez 1gentido prazer em lei' as .ma·'! obm.'!, •• »
Também, 1I({0 de7;em, para serem verdaderl'aJIUJllll:J cidaddoir Está o leito!' yendo? Nem Fi(lia~ ~
dedkar-se ü agricultnra, porque têm nece8sidade de Úci08 par~
f~~'em nascer a n'rtude na alma e para pl'eeneherem o.ç dn'('re,~
ClVIIJD, 10. Consequências matemáticas.
_ Nilo é só dos escritos deste ou daquele filósofo que trans-
pira o hOITO~' do me;ânico e do manual. Esta concepção im'adiu Julgámos indispensiwel fazer esta exposição, um pouco
de tal maneira a Vida grega, que na pena de Plutarco (cuja longa, para que o leitor esteja em condições de bem aprender
opinião ~?rece o crédito que lhe conferem, por um lado o seu o porquê de algons aspectos do pensamento mntemi\tico na
senso Critico, e, por outro, o recuo de alguns séculos que o ~mtiguidade.
deixa Julgnr sem ~ ,paixão do momento e, portanto, separar o A Ciência e Filosotia gregtUI, lendo pela cartilha de Platílo,
~ssenclal do acessorlO) encontramos a seguinte passagem (entre impuseram-se, a partir do dobrar do séeulo V para o IV a. C. ,
outras), para nós hoje um pouco surpreendente (3): {luas limitações :-rejeição do devÍt' como base duma explicação
ct,. ,1flllit.as vezes, ao ap"feiar uma obra, cksprezamos Q racional do mundo; rejeição do mmmal e do mec((m'co para fora
<Jbl'eiro, COIJ/O na.-l composições de perfumes (' nas tinturas d,: do domfnio da Coltora,
Estas duas limitaçõeEl vão pesar duramente sobre as pos-
(1) Poliliclh, IJI, lI, 9,
slbilidades de construção matemática, obrigando o pensamento
(2) Polilím, IV, VIII, 2, helénico a uma queda ,'ertical, nama altura em que parecia.m
(I) Virta de Per/"Ies, I.. estar criadas as condições para uma ascensão vertiginosa. Ebs
192 BENTO DE JESUS CABAÇA.. CONCEITOS FU;<rOAME:'l'TÁ.HI DA MATElIrÁTlCA 193

representam uma autêntica auto-condenação à esterilidade, como É O que, de facto, acontece. A matemática grega, DO seu
vamos ver. pariado áureo, é uma matem~tica esse"?-ci~lmente qualit~tiva, e~
Está o leitor recoràado do que dissemos no parág. 17 do que o número cede o passo afi.ql~ra, a.tarma. Como naO devl!\
1. fI capo sobre a essência do conceito de variável'! Da sua ser assim? Não é !I. figura., a forma-o triângulo, a circunfe-
natureza contraditória, de síntese do 881' e nllo ser? Como rência, a elipse~eminentemente apta a guardar sempre a sua
poderia um tal conceito surgir na Grécia post_socrática, domi- identidade ?
nada por uma doutrina :filosófica que, como mostrÍlmos atrás, Nisto-no primado da figura e consequente der;radagdo do
rejeitava. a coniradiçt1o, o devir e procurava, em tudo, aquilo número- ....eside um doll aspectofl principais da matemática grega.
que guarda permanentemente a S/.la identidade? Não ( A variável, É, a este respeito, altamente instrutiva a leitura do Timeú,
porque o é, nito guarda a 8Ut1 identidade) ultrap80sHa o lago tr8oo- um dos últimos dialogas de Platao, como atrás dissemos, e DO
qnilo mas estéril da pe17nan2ncia. qual ele pretendeu dar um sistema do Mundo. Ora que vemos
Daqui resulta imediatamente a incapacidade da ciência grega nós no Timeo? Uma tentati~'a para explicaI' os elementos e as
para construir o conceito de função (cap. 1.0, parág. 18) e, por suas transformações por meio de figuras geumétricas. PlaMo
consequência, para abordar o estudo quantitativo dos fenómenos começa por afirmar (jua (I) a:todot1 os t"iângulos tiram o seu prin-
naturais. O mais que poderia fazer era um estudo meramente cipio ik dois tipos de trittngulos] rectângulos, um isósceles e
qualitati~o com todos os. seus perigos, de certos aspectos da outro escaleno.
Realidade. De:3tes últimos, procura o mais belo e afirma que é aquele
E aqui tem o leitor um exemplo, possivelmente o mais triângulo rect:lngulo entre cujos cate-
importante de todos, de como fi, Matemá.tica, do me5~o modo tos b e c existe a relação b~=3c~; com
flue toda <lo constru~ão humana, depende do con.Junto de dois destes triàngulos pode formar-se I
I
condiç~es sociais em que os seus ínstruOlentos têm de actuar. u~ triângulo equilátero, como se vê I
Subordinação que a não humilha, antes a engrandece. na figo 45. I
Quanto às razões pelas quais é /~
n. O ideei de ordenaçijo matemática. este triângulo o mais belo, o nosso I O
filósofo limita-se a dizer que seria I 11
Chegados a esta altura da exposição, perguntar-se-á: Perde. milito traballloso demonstrá-lo ... (~),
rtLm-se então todas as esperanças numa ordenaç/lo matemática do opinião com a qual nito vejo inconve- <._--_.'---....
" -Q
Cosmos? Essa maravilhosa aventnra, nascida ingenuamente nos niente em concordar. C
primeiros pitagóricos-dodas as c.GÍSQ.8 Um 11m número e nada. se Em seguida dá-nos a chave de Fig. 45
pode comp,'eender sem. o númerQ~ (1)-e logo batida duram~nte todo o mistério (1'): .. Escolhamos por-
pela critica eleática, pode cOllBIderar-se, pelo menos provIso- tanto <1JÍlt triângulos com os quai.8 sao constitaidos 08 corpos do
riamente terminada? Não é assim. A despeito de tudo, das fogo e de todO!l os outr08 elementos: um I'l íll6llceleB, o outro tem
contradi~ões não resolvidas da incomenstlrabilidade, o ideal da sempre o quadrado do seu lado (cateto) maior, trl"plo do quadrado
rndenaçeto matemática não desaparece e brilha ainda com força do mais pequeno. E agora, precí,emofl o que foz' dito adma. 08
em PIAmo e depois dele. Simplesmente, ess.a _ordenaç~o 'l!'aie- quatro elementos (terra, água, ar e fogo) tinham-nQs parecidQ
máttca tem necessàriamente, que perder a felÇao qUlUltItatlva e
refugiar-se 'nos doIllÍnio8 do qualitativo.
(1) Timeo 53 d.
(!) T>:moo 54 b.
(l) Vide 1.' Parte, pág. 69. (3) Timeo 54 b e c.
194 BEXTO DE JESUS CARAÇA
COXCEI'l'OS l!'U~DAMEYTAllj DA MATEMÁTICA 195
nascer sempre redprocamente uns MS outros, mas era uma falsa
aparbncÚJ.. Com eJettoJ quatro géneros nascem 12. Geometria e Mecânica.
08 ma8 é dos triân"
gulos de que acabamos de falar" . .•
Ora ai está ... o nosso filósofo conseguIU o seu ob,lecb\ Todas estas considerações chamam a nossa atenção para o
"o I proble ma seguinte :-que é, pura o geóme tra antigo, nrna cun;af
Escam otear a transfo rmação , o devir (falsa aparên cia I), pondo,
entre nós e ele, a figura geomé trica-o ser que guarda a iden· E' intuitivo o considerar-se urna curva como gerada pelo ma\'i·
mento de nm ponto, e já :fizemos (parág , 25, cap.1.° ) referên cia
tidade! Está suficientemente claro? a isso. Mall, para o geóme tra grego, seria porven tura o proces so
A se<TuÍr descreve os poliedros regulares e mostra como dt'rllimieo de descrição suficientemente di,rplO para gerar figUfllS
eles pode~ ser gerado s a partir de triângulos j d.epois -cilmu lo
da fantasia I _ atribui ti. cada elemento um pohedr o regular .: geomé tricas- aquele s seres que guardam a sua identidAde? Tudo
quanto dissemos atrás nos leva a suspeit ar que assim no'l'o dem
«À terra atribuamos a figura cúbica. Porque a terra é a mal/~ ser, Movimento e transformac:iio são coisas tão intimamente
difícil de mover das qw:ttro espécies e ti de t~o8 os e,arpoa Q 111a13
ligadas , que lima atitude mental que rejeita uma, deve logica-
tenaz. E é muito necessário que o que tem taIs pr?p;ledades,teu,ha
mente, banir também a outra.
recehido, (UJ nascer, bases mais sólidas, ,. (I}JJ ; a agua atribUI o
Se a figura aparec e como um biombo que nos defende da
icosaedro, ao ar o octaedro e ao fogo o tetraedro,
flu{;ncia (v. o paritg. anterio r) como pode a figura admitir em
FeitaB estas atribuições, Platão declara (2): rodas estQ,~
si, na slIa ger-aç:1o, o movim ento?
fiUltras convém concebê·las tão pequenas que em cQ~a gt!'IIe ro
'nenhuma possa ser vista iridi~idllQlmente, .Pel~ cont1'árw, quando Poderá o leitor julgar que isto é uma simples conjec tura,
feita hoje, sobre o que pensarium os geómetrnfl gregos formados
se agrupam, as massas qu.e formam sã? visivel$. E,' pelo que toca
às relações numéricas que dizem reepetto ao S?U numero, aos seus
na escola de Platão , mas abundam as provas de que a~sim era
movimentos e outras propriedades, deve consIderar-se sempt-e que de facto.
o Deus, na medida em que o ser da necessidade se delxava eslJO.u- Vamo'il aprese ntar duas.
idneamente persuadt'r, as realizou p01' toda a parte de maneo'a Plutarc o, a cujo testemunho temos recorri do mais de uma
vez, diz-nos na Vlda de Marcelo, XX]: OI,., essa arte de im'enta r
exacta e assim harmonizou matemàticanrente 08 elementos»,
e cO'1l.8truir instrumentos e máquinas, que se chama a Necdnica, ou
Vê-se portant o que o ideal da ordena ção matemática não
Orgl1nica tilo amada e opecia da por toda a espüie de gentes, foi
desapareceu, ele continua a palpita r; simplesmente, além ~o primel'ramellte posla em relê1'O por Arquit as e por Eudó;J:1'o, em
elemento mistico que vemos nesta última passagem, a orden~çuo parte pam tornar agradavel e embelezar um pouco a d~ncia da
matemática está subord inada às relações de figuras geométriCas Geometria por esta coisa gractosa, e em parte também para a{iterça /'
_ a Aritmética cedeu o passo à Geome tria, a figura ascendeu ao e fortific ar, por eaJemp/os de instrumentos materiais e sensÍ1.!eis,
primei ro plano. • alguma8 proposições ,qeométricas, de que se níJo podem achar as
Nos El8'mentos de Euclides, um dos ruoou,mentos materna-
demonstrações intelectil;Qs por razões indubilál'eis e necessúrt'as,
ticos mais import antes de todos os tempos, ha traços pronuu · como é a proposição que ensina a achor duas linhas mMio8 pro-
ciados desta mesma influência. porcionais, a qual nito Re pode achar por razão demonstrat!'l'a e,
contudo, é um princíp io e jit'lldame1l.to necessário a muitas cot"sos
que dizem respeito a pintura . Um e outro reduziram~na à manu~
factura de alguns inlltrumentos que se chamam mesolábios e me,~6·
grafos que servem paro achar estas li11hos médias propOl'ci01lQÚr,
(1) Timeo 55 e. tirando certas linhas cun:as e secções secantes e obliquo.s. }rIas
(2) Tiflleo 56 c. depoM, tel1do-se Platdo encolerizado contra eles, fazendn-lhes ver
196 BEliTO DE JESUS CARAÇA CUNCEITOS FUNDAMENTA.IS DA MATEMÁ.TICA 197

que eles corrompiam a dignidade do que havia de excelenle na 13. Resumo.


Gcometn'a, fazendo-a descer das coisas inlelec#vas e incorporais
às coisas sensiveis e materi'lis ao fazer-lhe UiJar de matéria cor· Podemos concluír, brevemente, as considera~ões até aqui
poral em que é preciso virmente e bai~amellte empngar obra dq feitas do modo seguinte.
111((0,. desde es.~e tempo, d(qo, a Mecânica, on arte dos engeuheirof!, Vimos como determinada situação e evolução social da
'l.'eio a ser separada da Geometria e, sendo longarnente tida em Grécia, do 8é~ulo V para cá, impô!!, na superstrutura intelec-
desprezo pelos filósofos, tornou-se uma das a1'le,~ militarclJ». tual dessa SOCiedade, a adopção de uma corrente de ideias da
O segundo testemunho está separado deste por 16 séculos qu~l .re~ultara1? no domínio da Matemática as consequências
prlIlclpals segUintes:
e encontra-se no começo do livro 2.° da Geometria de DescaJ'les
(1637): 'Os antigos nofllTam muito justamente que enlre os pro-
bfemaa M Geometria uns s(to planos, outros sólidos, outros lineares,
a, incapacidade de conceber o conceito de variável e por-
tanto, o de função; da!: '
úil(') é, que U'IU podem ser construidos usando apenas rectas e b) abandono do estudo quantitativo dos fenômenos naturais
drculm" enquanto outros m}'o O podem ser senào empregando, pelo e refUgio nas concepções qualitativas j paralelamente:
menos, alguma sec~do cónica,' nem enfim os outros, a nào ser que c) primado da fignra sôbre o número e consequente degra-
se empregaI! al,quma ouCra linha maú composta. Alas espanto-me de dação de~te; logo:
que eles ndo tenham distingnido diversolt graus entre 8lttas li1Ihalt . d) separação da Geometria e da Aritmética, o que fará dizer
mais compolttas e nào compreendo a raitão pela qual lhes chamaram maIS tarde a DeBcarteg: rc ... o escrúpulo que faziam os antigos
mectÍnicalt e ndo geomürica8. Porque se se diz que é por caulfa em usar dos tarmos da Aritmética na Geometria, que nlfo podia
de ser necessário usar máquinas para as descrever, entilo dever-se-ia proceder sen!l0 de que. eles ndo viam claramente as sua.., relações,
rejeitar pela mesma razão os circulas e as rectDs, villto que só se causava. n;u~ta obscurúiade e embaraço na maneira pela qual êfes
podem traçar no papel com um compa"so e uma régua, que se se expr!ffiWm»;
podem também chamar máquinas». e) exclusão, do seío da Geometria, de tudo quanto lem-
Como o leitor vê, estes dois textos completam-se e confir- brasse o movimento, o mecãnico e o manua!' donde:
mam inteiramente o que atrás dissemos s6bm a exclusão do f) um conceito estreito de curva, limitado à recta, circun-
movimento dos dom[nios da Geometria. Mas encontram-se com ferência e cônicas;
facilidade outras confirmações; por exemplo, no carácter está- g) tendência para fugir de tudo aquilo que viesse ligado às
tico das definições dadas DOS Elementos de Euclides. Ele não co?cepç~s q.uanti~ativag e dinâmic.as; em particular, do con-
define recta como O caminho mais curto entre doi~ pontos, mas ceIto de mfimto, Dao porque se baOlss8 da Filosofia tal conceito
sim como a figura que rep0'U8U ig/J.almente em relaçào MS seus mas porque se renunciou a abordar um estudo quantitativo dele
pontos (definição 4). Não define a circunferência como a linha e S8 passou a eliminâ-lo sistematicamente dos racíodnios mate-
descrita por um ponto que se move num plano conservando-se máticos; da Matemática grega veio·nos nm método de raeiocl.nio
a uma distância fixa dum ponto desse plano, mas como afigura - Q método de exaustão - que não tem outro objectivo.

plana formada por uma .w linha tal que torWs 0$ se.gmentos de Estas características viio manter-se durante qnási dnas de-
reeta tirados para ela de um ponto JJUuado dentro são iguais zenas de séculos na Europa. O seu reinado só devia terminar
entre si (def. 15). quando un;.a sociedade nova, dominada por uma classe nova, por-
ta.dor~ de Interesses e problemas novos, impusesse à Filosofia e à
ClênCl8 um rumo diferente.
198 BEl!ITO DE JESUS CAKAÇA COSCElTOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁ.TICA 199

14. As cidades da Europa medieval. Dá·se, na EUl'opa. medieval, um conflito análogo ao que se
dera na. Grécia antiga - o conflito entre a terra e o mar -- e
A partir do século XI, começam a aparecer na Europa em que uma das partes está representada também pelas cidades
sintomas duma tran&formaçào profunda. O facto fnndamental comerciais e industriais. Mas a situação é agora muito diferente
que dá origem a essa transformação, e llem o qnal nada se pode - essas cidades de tipo comercial e industrial penetram pelo
perceber da história subsequente da Europa, é o aparecimento, Conttnente, vão enrlÚ7.a.r DO próprio seio da sociedade agrária,
fixação e desenvolvimento das primeiras cidades. enquanto na Grécia se haviam limitado às regiões da costa.
Limitadas primeiro às regiões costeiras mediterrânicas e Como consequência, desenvolve-se e ganha peso crescente na
bálticas, de onde mais fácilmente se podia fazer o comércio com Europa uma elasse social - a clasae burguesa - que não só
o Oriente, começaram pouco a pouco a espalhar-se pelo Conti· há-de conquistar a autonomia das suas cidades, como deve mais
neute, primeiro estabelecendo a ligação das dUaB regiIJes citadas, tarde. porque os seus interesses cosmopolitas o exigem, pro-
dp,pois alastrando, numa rêde de malhas cada ~'ez mais apertadas. mover a fusão delas em unidades políticas mais largas - as
As cida.des deram trazer um elemento novo à economia novas unidades nacionais.
Buropeia, até ai confinada nos limites estreitos dnma economia Existe agora, por consequência, o que faltara à sociedade
agrária de pequenas unidades - os dominios - bastando-se a si anti~a (parág. 3).
llróprias. Elas passaram a constituir núcleos de atracção e aglu-
tinação onde as necessidades cresceote8 do comércio de longo 15. Nova mudança de navegação.
trânsito impuseram a fixação, em escala cada vez maior, de
população tirada aos dumlnios rurais - pequenos comerciantes Todo este complicado processo a que acabamos de fazer
e pequen08 artesio8, necessários pura prover o aglomerado ur~ alusão e de que referimos apenas o agente fundamental, leva os
bano de produtos alimentares e manufacturados. homens a uma atitude mental nova. As necessidades do Comér-
Uma. vez posto em marcha 8ste processo de deslocaçào da cio e da Indústria exigem um estudo do mundo exterior tal como
sociedade existente, ele não pára mais. A cidade adquire cada ele se nos apresenta, com as suas propriedades e os seus pro-
vez maior peso como unidade económica e politica e seguem-se cessos de transformação_
alguns séculos duma luta crna e heróica em que as cidades Um filósofo que disfruta tranquilamente uma situação privi-
~frontam os poderelJ. cOllstitufdos - senhores feudais, reis on legiada pode discorrer subtilrnente sobre a natureza metafisica
lI?peradores ---:- e procuram a criação duma ordem política que dos elementos e procurar explicá-los por poliedros regulnres ; o
81n'a os seus IOteresses. artífice que forja as armas com que a sua cidade se há·de
Ligado ao aparecimento das cidades está o aparecimento defender do poder tirânico do imperador não tem tempo para
na Europa de um tipo novo de homem, o comerciante, muito tal- tem que procurar a melhor têmpera do seu aço e para isso
d[ferente do tipo até ai existente - os seus horizontes são mais tem que estudar as ligas de metais, observar como elas se com-
rasgados, os seus interesses encontram-se espalhados por lu- portam na sua forja, procurar os materiais com que obtenha
gares multo afastado$ do Continente, as suas condições psicoló- nela as temperaturas necessárias.
gicas endurecem e ganham em audácia no exercício duma pro- Os pnbJemas da navegação, por exemplo, levam a uma
fissão em que os fracos ou os amantes da vida tranquila e investigação cada ,-ez mais cuidadosa dos movimentos dos astros
sedentária não tpm lugar. a, duma maneira geral, exigem um estudo mais rigoroso do
O desenvolvimento das cidades leva, 'Portanto, à criação movimento, um estudo quantitativo, que permita medtr e prever.
duma classe de indivíduos que, pelas suas condições individuais Para cada exigência nova que aparece, é uma insuficiência
e sociais, em tudo se opõe às classes até então dominantes. antiga que se descobre, é nma barreira que tem de se derrubar.
200 BE:ITO DE JESUfl CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 201

E ao filósofo antigo, cantonado detrás do desprezo altivo pelo mell0s que ,eja controlada nM 8Uas wnclwJijes pelas obras certiji·
manual e pelo mecânico, responde o cientista novo, construtor cadoras da E:rperiencia». Se a E:eperiêncin. a que Rogüio Baco1/,
dos seus próprios instrumentos de trabalho, instrumentos que, alude não é a J!,':.r:pedêllcia tal como a entende o cientista moderno,
por vazes, na sua humildade aparente-tal a luneta de GaWeo se ele se debate numa multidão de contradições inerentes à
-são, na realidade, as alavancas poderosas a cujo implliso epuca em que vive, não deixa de ter direito, no entanto, a
derruem duas dezenas de séculos de filosofia estéril. ocupar um lugar na primeira :fila daqueles que combateram pelo
Não se julgue que esta nova mudança de navegaçr1a se primado da experimentação.
realiza com facilídade. },<"'axendo paralelo à luta entfe a cidade No dobrar do séc. XV para o XVI, encontramos, porém,
e a sociedade agrária, desenvolve· se no dominio intelectual o problema. já formulado em termos que lhe dão nma feição
a luta entfe o filósofo tradicional, súbdito do reinado espiritual nova.
platónico-aristotélico, para quem a verdade está. no pensamento Foi um homem extraordinário. a quem parece nada ter sido
e nos seus quadros lógicos, e o filósofo novo para o (IUal ela alheio das preocupações dominantes no seu tempo, do dominio
há-de ser primeiro descoberta na Natureza, pela observação e da Técnica ao da Ciência, da Filosofia e das Artes-Leonardo da
experimentação, e depois, mas só depois, elaborada pelo pensa- Vi1.ci - quem deu essa formulação precisa. Encontramos nele,
mento. Põe· se, portanto, no\'amente a questão do primado- em termos vigorosos, a rehabilitação dos sentidos, e consequen-
para onde deve ele ir? Para a Razão ou para a Experiência? temente, a condenação da atitude platónica sobre a degradaçdo
Questão escaldante, à qual os filósofos e cientistas da do corpo em face da aquisição da verdade.
Europa do Renascimento hão-de dar uma resposta que ultrapassa 11; Dizem 8er meetlnico aquele conhecimento que saí da E;cpe-

de largo os quadros anteriores do problema. mncia, e cümlifico o que na8ce e acaba na Razilo, e 8emi-meclt-
nico o que nalJce na Ciênâa e acaba nas operaçõe8 manuaia. Mas a
16. A caminho do conceito de função. mt'm me part>f:e que 8i)o vàs e cneias de erro aquelas ciêndas que ndo
llallCem na Eoeperiência, mili de toda a certeza, ou que nào termi-
Razl10 e E.rperi@neia opl'lem·se a principio como dois cami- nam na E;rperiência, isto é, tais que a sua origem, meio ou fim,
nhos contrários para atingir um fim-o conhecimento t"erdadei1'O. nuo pafJlla por nenhum dos cinco sentidoi!. E se nós duvidamos da
O primeiro, tendo a defendê-lo toda a imensa corte da :filosofia certeza de carla coisa que passa pelos sentidos, quilo mormemente
tradicional platónico·aristotélica que, com cambiantes várias, devemOIJ duvidar daquelas coisas que são rebeldes aos sent1"dos,
domina as Escolas de então; o segundo, acompanhando as CO/NO a esg~ncia de Deus e da alma e semelhantes, àcêrca das
necessidades económicas dum mundo que lentamente vai ganhando quais "empre se disputa e cont61lde» (I).
forma. Surge a.qui ou além um pensador que a pouco e pouco Mal5 Leonardo não se limita a um simples empirismo como
interpreta essas necessidades e vai firmando o traçado. O mais m~todo de aquisição da verdade; a l5imples experimentação
ilustre de entre estes pioneiros é o monge franciscano RO.rJério não chega:
Bacon que, já na segunda metade do séc. XIII, com batia IlNenhuma l1l1;estigação merece o nome de Ciência se MO
contra a ignorância dos doutores de Paris ('), afirmando paslJa pela demonstraçào 1/latemátican; .. nenhuma certeza e:.r:iste
que la Razão não pode di3tinguir o sofisma da demollsiraçào a onde não se pode aplicar um ramo das ciiJncúu matemáticafJ ou
8e não pode ligar com essas ciêncialu (2).
(1) Centro de uma das mais antigas universidades europeias. Um dos
capItulos mais interessantes da história da eivilização ocidental é precisa-
mente a criação e desenvolvjmento das Unjversidades, acompanhando a (I) Tratado de PÚltura.
formação da Europa nova. Eua história não pode ser contada allui. f) l'ra/Cldo de Pintura.
202 BEno DE JESUS CABAÇA. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA. MATEnÁnCA. 203

Destas citai;ões e de muitas outras que poderíamos fazer 18. De novo 8 fluência ..•
aqui, ressalta nitidamente o pensamento de Leonardo da Vinei
-obsen'ar, investigar a Natureza, o mllndo sensivel, e submeter A introdução do conceito de função como instrumento
os dados dessas observações aos processos matemáticos. necessário para o estudo da nova realidade da Ciência - a noção
Ú método é, como S6 vê, oposto ao que está implicito na de lei natural-traz consigo, como não pode deixar de ser, um
filosofia de PiaMo,' a sua aplicação leva dentro em pouco a conjunto de ideias e concepçôes que lhe estão inerelltes.
esta consequ(';ncia-o aparecimento da lei quantitativa como Recorda·se o leitor do que dissemos, no parágrafo 17 do
entidade fundamental da filosofia da Natureza. capitulo l, sobre a natureza do çonceito de variâvel e a aUIL
ligação à filosofia da fluência? E de esperar, portanto, nos
17. Uma ideia grandiosa que renasce. construtores novos, da Ciência, uma atitude de concordância
com essa filosofia.. E o que, de facto, se dá: lI. Olha para a chama
Repare bem o leitor no que este método de aqlllsll~ao da e considera a sua beleza. Fecha os olhos e torna a olhar: o que
verdade implica, recorde o que dissemos no capítulo l desta ves nào estat'u lá e () que lá esfavajá () não encontras» nos diz
2. a Parte sobre o estudo das leis quantitativas e a necessidade Leonardo da Vinci (') numa fórmula elegante que lleraclito
consequente do conceito de fun~ão e fica de posse deste facto poderia subscrever.
fundamental-o rumo novo da Ciência, qne a nova sociedade Dois séculos mais tarde, Newton põe nltidamente a con-
determina e vemos formulado nos escritos de da Villci, é o cepção da fluência: (I Considero aqui as quantrdades matemáticeuJ
rumo duma ordeJlaçlio matemtrtir.a do Universo. Mais tarde, na não formadas pela adjunçdo de partes mínimas, 'mas descritas
pella de Newton, êsse ideal de ordena~ão será formulado em pai' um movimento contínuo. As linhas descriias, e portanto
termos lapidares: « ••. Os modernos, f'veitadas (UI formas Ilubs- tlo'alias, nt'lopor aposl~i10 de partes, meu pelo movimento continu.o
ianel'ais e as qualidades oculta", ocupam-se de referir a leis de pontos,. as superfícies pelo movimento de linheu,. os sóli,Jos
maielllátieaR os fenómenos naturais» (t). pew movimento de superfícies: os Ilngulol1 pela rotaçilo de lados,.
Veja porbmto o leitor como. ao cabo de 20 séculos, renasce o tempo por um fluxo contínuo, e assim para as outras. Estas
das cinzas, onde parecia enterrado para sempre, aquele ideal de gerações têm verdadeiramente lugar na natureza das cois<u e reve-
ordenação Matemática quantitativa que "Iramos despontar com lam_se todos os dias 1.0 movimento dos corpOIl'/J (2).
os pitagóricos. Que caminho andado e que diferença! Quantas . Não se pode ser mais nitido, não é verdade? De resto, o
ilusões ingênuas desfeitas I E veja também como só uma trans· próprio nome que New(on dá às funçlles revela bem a sua atitude
formaó,;ão orgânica total da sociedade veio a exigir a criação do mental- chama·lhes fluentes; O uso do nome junr;ilo só mais
conceito que ha\'ia de fazer renascer êsse ideal. tarde se generaliza.
Da potência desse conceito como instrumento matemático,
"imos alguma coisa nos cap". II e UI. Agora vamos terminar 19. Primado do nómero.
com algnmM indicaçOes breves sobre o seu significado geral e
a sua e,'olução. A mudança de atitude é, como se vê, total em relação ao
problema da fluénâa. E como este é o problem<l. fundamental,
a mola real que vai tocar todas as outras questões, percebe-se
sem dificuldade que vamos encontrar, nestes séculos da cl.'iação

(I) Cci'dilJe F; citado de Leonardo, Oma senza lettere; por G. Fll magal1i.
(I) Principio~ matemáticos da fiLo~ofia natural. (~) lsacw Newton. Tratado da Quadratura das curvas. Introdução.
204 BE~TO DE JESUS CARAÇA COêll:CErrOS ~'UX[)AME~TAI8 DA MATEllÁTICA 203

da Europa e da Ciência moderna, a inversão daquelas caracte- devemos ter sempre OA1+.AP1=r2 ; mas OA=;r:, AP=y,
risticas que no paritg. 13 apontámos como resumindo os resul-
coordenadas de P, logo é necessàriamente
tados da evolução antiga. A algumas delas, nomeadamente a)
e b), DOS referimos já; vamos referir-nos brevemente às c), d) e f). 1)
O numero é, em última análise, o que constitui a substância
do conceito de variAval e, portll.oto, de fun.~iío ; o papel primacial a equação da ci:·conferência.
que esta passa a representar na Ciência traz. como consequência, Reciprocamente, se nos derem li equação 1) raciocinamos
o número para a primeira. plana da explicllI;ão cientlfica; daqui assim: gei que, pura todo o
resulta o primado do número sobre afigura a, consequentemf"nte, ponto M(;ro,?Jo) do plano, é y
o :fim da separação da Aritmética e da Geometria em comparti- d = y';t:~ + y~ a flua dil;tilncia à
mentos estanques (veja·se a citaçãu de De<lcarte8 na atinea d) orígem (corno resulta da aplica.
do parág. 13). ção do teorema de Pitágoras ao
O leitor que esteja recordado do que dissemos nos parágs. triângulo OQJf da figo 46); por-
21 a 28 do cap. l.~ sobre as relações do campo analitico e do tanto, os pontos P(x,y) que
campo geométrico, dos conceitos de função e de CUr\'a. de lei salisfazem à equa(,~tlo 1) são
8 x
analUica e da lei geométrica, está de posse dos elementos eSS{lD- todos OB pontos do plano tais
ciais que o habilitam a julgar esta questão. Lembramos-lhe que o quadrado da. sua distân-
apenas que é na. obra. de De~cal'tes já. cÍtada-a Geome(rta~que cia à origem, x~+ yZ, é cons-
se encontra a formulação do método das coordenadas que permite tante (I) e igual a r 2 , portanto
estabelecer essas relações e lavar à construção dum dos rtlmos são todos os pontos cuja dis- Fig.46
mais importantes da Matemática-a Geometria Analitica-de tância à origem é constante
que demos a base nos mesmos parágrafos. e igual a r. Mas o conjunto desses pontoB é a circunferência de
Mas há um ponto que queremos esclarecer ainda: faHmos em centro na origem e raio r, logo é essa a curva que tem 1) como
primado M número; portanto, ele deve, não dizemos sobrepor-se equação.
à figura, mas permitir uma explicação daquilo que lhe é e~sencial Por um raciocínio anâlogo, apenas um pouco mais compli-
- 8 gua forma (e não apenag as dimensões). Se tal primado cado, conclui-se !lue a curva correspondente à equação
existe, tratar-se-á então de uma e:rpfícaçdQ quantilatt'ra da forma,
3:
2
li
precisamente o contrário do que queria o sigtema de Platão, 2) a~ +p = 1
como vimos pelas citt\ções do Timeo. Ora é de facto isso o que
a Geometria AnalUica permite fazer. é a elipBe de semi-eixos OA=a e OB=b, b<a (fig. 47).
Que é a equação doma cun'a (eap. l, parág. 27) ?-llma Vê o leitor como o número (que forma a base da equação)
lei matemática a que satisfazem M coordenadas dos sens pontos. permite explicar a figura na sua forma e dim('lls('les?
Na equat;ào está tndo, forma e dimens('les. Mas há mais. 8uponhamoB que na equação 2) b cresce e se
Seja, p'or exemplo, a circunferência da figo 46, com centro aproxima de a. A cada valor b i de b corresponde uma elípBe
na origem das coordenadas e geja OB=r o seu raio e P (.'1:, y) com os semi·eixos a e bi • A medida q l1e b, se aproxima de a, a
o ponto geral da curva. A que condição analítica. satisfaz elipse vai sendo cadú vez menos diferente duma circunferência
ele? Por definição de circunferência, deve ser OP=r qual-
quer que seja a posi~lio de P (x, y) sobre a curva, logo,
CONCEITOS FUNDA1lJENTAIS DA lU.TEMÁTICA 207
206 BE:'lTO DE JESUK C !l.RAÇA

por doÜJ movimentos separados e que ndo têm entre JJi relaçao que
de centro o
e raio OA mas é sempre uma eUpse. Se, no entanto,
se possa medir exactaiminteJl.
b atingir, na sna variaçiio, o valor a, para esse valor ter-Bc-á Com a criação da. Geometria analítica, a sorte das curvas
a,02 y~
y -+-=1 donde a-'+l!=a 2 ,
a2 a2
passou a tlstar ligada, como é natural, à das funçl'les que servem
para as definir analiticamente, de modo que, a breve trecho, foi
isto é, não se tem já uma tomado, como conceito mais geral de curva, a imagem geomêtrica
elipse mas a circunferência, duma j"ttrlçdo real de raríá'Vel real y (:r).
C01'\'3 essencialmente diferente A definição de curva, difIcil no campo propriamente geo-
• b' • na sua forma.
Está O leitor vendo como
métrico, passou assim para o campo unalitico, onde parecia.
mais simples. O conceito de curva alargou-se desse modo extraor-
• A um!\. variaçãü de qU<lUdade di.nàriamente e, em particular, as eUn'l\S rejeitadas por Descarte3
- a forma duma figura - se receberam direitos de eidadania na Geometria.
explica por uma variação de Mas esta nova concepção. à primeira vista satisfatória por
quantidade? E como este facto dar um conceito geral e simples, revelou-se embaraçosa. Não
entra llMjuela lei geral de porque pecasse ainda por estreiteza, como as anteriores, mas,
passagem da quantidade à qua- pelo contrário, porque se mostrou larga de mais.
Fig_ 4'7 lidade- a que nos referimos Já nos referimos a isso no parúg. 25 do capo 1.'>' onde
no capo !.'}? apresentamos a imagem dnma função y(x) (fig. 3ó, pág. 13ô) que
o primado do número atinge aqui toda a profundidade se afasta muito da noção intuitiva.
do seu significado 1 Mas o desacordo pode ser mais completo ainda. Conside-
remos a seguinte função y(x) assim definida (D(richelet) no inter-
20. Que é uma curva? valo (O, I): para u: racional--4Y =0, para re irrllcional--->-y= 1 .
É, evidentemente, uma função, no sentido da definkâo do parág.
No parág. 25 do capo 1.0, ao tratarmos da imagem geomé- 18 do capo 1.0, uma vez que a todo o "alar de x corresponde um
trica duma função, encontrámo-nos diante desta questão-que é s6 valor de y. Procuremos a sua imagem geométrica. Que pOlle
uma curva?
dizer-se a respeito dela?
No presente cap[tulo tornámos a encontrá-la em duns épocas 1
históricas diferentes e vimos como lhe foram dadas respostas Se ;c é racional, por exemplo - , ?J é zero, portanto o
diferentes (parág. 12). De facto, os ge6metras gregos, na sua 2
preocupação de excluir du Geometria tudo o que tocasse o ponto correspondente está sobre o eixo Ox, no segmento OA;
ml'cClniro, considera\'am como cnrvas gf!ométricaa apenas a cir- se w é irracional. por exemplo tio, o,
,'11 é um, logo O ponto
cunferência e as c6nicas. Contra este ponto de vista insurgiu-se, corresponde-nte está sobre o segmento BC (fig. 48). E como
como Vimos, Descartes, que, desse modo, alargou o conceito de
curva. admitindo na Geometria, senão todas as curvas descritas há no intervalo (0,1) (em que a função é definida) uma infini-
mecanicamente, pelo menos algumas delas. Para ele, com efeito, dade de números irracionais e outra de racionais, conclulmos
«a eapiral, a quadl'atriz e OUI'l'Uif semelhantes .só pertencem ver- que a imagem da nossa função é constituida por uma infinidade
dadeiramente às medtnicas e não sào do número das que penso de pontos do segmonto OA, mas nilo todo o segmento UA, e uma
que de'l.'e11/, ser recebidM aqui (1)J porqlte as imaginamos deSc1itM infinidade de pontos do segmento BC, mas nno todo o segmento
(I) l.a Géométrt'e, livro 2.°. BC. Se unirmos dois pontos quaisquer P e Q da imagem, no
CO~CEITOS FIDIDAlfENTAIS DA MATEMAncJ.. 209
nE~TO DE JESUS CARAÇA
208
poder dizer em que comiste essa restricção do quadro analítico;
segmento PQ figura, em qualquer hipótese, uma infinidade de só o poderemos fazer na 3. a Parte.
de pontos que não pertencem à imagem da função - tod~~ Mas repare o leitor nisto, que é importante - na necessidade
aqueles que tiverem abscissa irracional se P e Q estão sobre DA que temos de caminhar, tatean.do, entre o que a intuição nos dá
l.l. partir da Realidade e o que a razão nos permite com os ins·
(porque a esses correspondem, como a VI/lO, imagens e~ BC);
trumentos que forja.
todos aqueles que tiverem abscissa racional se P e Q estiverem
1 .
sobre BC (porque a esses correspondem, comO a "2 ' Imagens 21. função, lei e ec&so.
~ -
em OA),. todos os pontos entre P e Q se um pertence fi. OA: e Uma faceta importante dessa necessidade ti posta em evi-
dência por um aspecto da evolução do conceito de função. Esse
outro a BC (porque y só toma os valores zero e um e nao conceito não teve sempre a generalidade que lhe damos boje.
valores intermediários). . Surgido, lentamente, da necessidade de estudar leis naturais, ele
Em resumo a imagem da função é constituída por duas achon-se, a breve trecho, identificado com a relação analitica
infinidades de p~lltos desligadas um:! da outra e sem nenhum que define a correspondência das duas variáveis. No princípio
segmento-é, portanto, uma do século XVIII, nm matemático ilustre, João Bernoulli, definiu
imagem não materializá\-el à função assim: «chama-se aqul função duma grandeza Tal·lável a
vista, não visivel! Pode uma uma quantldade composta de qualquer maneira dessa grandeza
tal imagem ser considerada variável e de CO'MtantesD. Para ele, portanto, a função era a
como uma curva? expressão analitica, e esse ponto de vista prevaleceu durante
As dificuldades não param muito tempo e impregna ainda a linguagem de hoje (1).
aqui. Se alguma coísa está Reconheceu-se porém que, devido a circunstâncias que não
inerente à nossa noção intui- podemos desenvolver aqui, esse ponto de vista era insuficiente
ti'ça de curva geométrica é o e que hada vantagem em depura']" o concelto de função pondo
facto de ela constituir uma em evidência o que nele havia de essencial- a corres-
figura com uma só dimensão. pondência das duas variáveis. Chegou-se desse modo, pelo
Pois bem, pelo principio deste final do século XIX, à definição moderna de IUemmann·Dlrl-
século, houve quem desse a chefet que demos no parág. 18 do capo 1.0.
definição anal1tica duma curva O conceito ganhou assim em generalidade porque se libertou
que passa por todos os pontos da eventual forma de estabelecer a correspondência das variá-
dum quadrado - duma cuna veis, mas essa mesma generalidade o obrigou a afastar·se das
preenchendo uma área! condições de que nascen.
Há pouco a imagem não se via, agora vê-se de ynais! Ponhamos a seguinte questão: qual é a função mais geral
Todas estas dificuldades mostram, afinal, uma COlsa- é q~e, y (oe)? O que equivale a perguntar qual é a correspondência mais
para o objectivo geométrico da definição de curva, o conceito geral possivel entre duas variáveis? Se escolhemos uma lei
de função, na sua maior generalidade, é um quadro largo de determinada para a correspondência, imediatamente a particula-
maÍ8. Há que o restringir, que o apertar um pouco, para que as rizamos) de forma que chegamos à conclusão seguinte-a cor~
imagens obtidas estejam de acordo com a nossa noção
intuitiva. (1) Vide o flue Ji,8emos no parág. 20 do cap. I a este respeito.
Não temos, por enquanto, os elementos suficientes para
210 BENTO DE JESUS CARAÇA

regpondência m.......y mais geral é aquela em que os valores de!/,


correspondentes aos de a:, são quaisqu,er. Mas, quem diz quaisquel'
diz: sem lei nenhuma, diz: ao aeMo; portanto, a função y(x)
mais geral é aquela em que os valores da Yariável dependente
são dados ao acaso,
Estranha conclusão I O conceito de função nasceu do de lei
natwral,. ao procurar depurá-lo, generalizá-lo, encontramo-nos
com o acalto, noção precisamente oposta à de lei I Condenação
dos nossos instrumentos de trabalho que, assim~ flutuam entre
duas noções opostas? Não! Reconhecimento desta verdade fun-
damental, enunciada por Gon8tth; «lei e acaBO são noções conjn-
gadag que só adquirem todo o scu sentido quando tomaãas uma
em relação à outra. Nem uma nem outra têm e:ristfJncia autónoma
-a sua crmtradl'çl1o mutua faz uma parte do seu s(J'ntidQr. (I).

Verdade que é uma cOllsequência desta outra-todas as 3.' PARTE. CONTINUIDADE


coísas devem 8&1' estudadas (Jm relação com o seu contexto, É neslle
tlwullal que devem lIer Julgados os resultados que os ínstrltmenWII
a'Tlalitico,~) na ~tl(a forma 1IIaÍ8 geral, permitem adquirir.

(2) Sâence et [OI, pag, 21,


Capítulo /. O método dos limites.

l.°-Conceito de infinitésimo.

1. Dificuldades Gntigas.

o leitor que tenha acompanhado li eXpQI;lIçaO feita. DOS


capitulas anteriores (Partes l.a e 2. a), de\'s estar recordado do
que representou, na. história da Filosofia e da Ciência, a critica
desenvolvida no séc. V a. C. pela Escola de Elea contra as pro-
posições fundamentais da Escola Pitag6rica. A rnina desta Escola
representou a prirMira grande crise da Hi.$tória da Matemática,
crise cUjas características essenciais procurámos traçar no capo
IV da l.a Parte e que o leitor deve ter agora bem presentes
para a compreensão do que vai seguir-se.
Ú principal objectivo da critica eleática. - objectivo, diga-se
de passagem, realizado plenamente - foi mostrar que a teoria
pitag6rica das mónadas, que aspirava a ser a matriz duma inter-
pretaJ;ào geral do Universo, era inadequada a tal fim e era uma
fonte de incapacidade e contradições. Zentío de Elea, numa crí-
tica impiedosa de que nos foram consen'ados por ArisMteles os
seus célebres quatro argumentQs, verdadeiros modelos de vigor
e de clareza na argumentaJ;ào, provara com efeito:
l.~-Que a afirmação da Escola Pitag6rica de que todas as
emas têm um número era inconsistente em face da
teoria das mónadas.
,2.~-Que a mesma teoria não fornecia base suficiente para
a compreensão do movimento.
Estes são os dois aspectos fundamentais da crise. Do pri.
214 BEN'W DE JESUS CARAÇJo. COXCEITQS FUXDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 215

meira, adicionado à verificação, já anterior, do fenômeno da Aí"is1óteles que é de quási dois séculos posterior) a sua argumenta·
income1lf3UrabilüladeJ resultou o eclipse, durante séculos, daquela ção ficou na História da Ciência com este valor inestimável-mos-
grandiosa aspiração duma ordenação matemática do Coamos, de trar-nos que o mOVl'menta não pode ser compreendido como uma
que a Escola Pitag6rica nos fornecera uma primeira realização. sucessão de estados particulares; considerá.lo assim, equivale
Dele nos ocupámos, com algum pormenor, na l.Q e 2,a Partes, a abordar o seu estudo por um método estático que traz consigo
mostrando como foram forjados, embora só muito tarde, o germen da infecundidade e da incompreensão-não é, já de si,
dois instrumentos necessários à solução da crise - uma teoria o abordar o estudo do movimento por um ml!todo estático qual-
satisfatória dos números irracionai$ e o conceito de fu~o. lJ uer coisa de paradoxal?
O segundo ll,1lpecto vai sar agora objecto do DOSSO estudo. Na verdade, a essência do movimento é tal que, quando
Vamos recordar em que consiste a dificuldade, ver os desenvol- vamos a querer fixar a posição dum móvel, em determinado
vimentos a que deu origem a solução encontrada, e lançar uma instante, num ponto da sua trajectória, já ele ai se não encontra
vista de olhos sobre as perspectivas que essa solução permitiu -eIltre dois instantes, por mais aproximados que sejam um do
abrir. outro, o móvel percorreu um segmento, com I1ma infinidade de
pontos. Dêste fenómeno se pode dizer, como Leonardo da Vinci
disse da chama-olha para a chama e considera a sua beleza;
2. A argumenteçõo de Zenão de Elea. fecha os olhos e torna a olhar: o que v{!s não estava lá e o que
lã estava já o não encontras,
Expuzemos na l.! Parte (1), com alguma minúcia, os argu-
Reconhecemos aí um permanente compromisso ent!e o lJet"
mentos de Zenão tradicionalmente designados por argumentos e o não-ser - a cada instante, o móvel está e ndo está em deter-
colttm o mOV1'mento mas que melhor será designar por argumentos minado ponto j e entre ponio e ponto, por mais próximos, há
contra a cOmprell1lstio do movimento. Deles !esulta que, em face uma infinidade de pontos! Tudo isto é inabordável, pelo método
da teoria p'itagó1'ica das mónadas e, por co'ltsequ~'ltda, co'ltsMerado estático que considera o movimento como uma sucessão de
o movimento como uma sucessão de estados dum móvel (2), ele é estados (posições) do móvel.
igualmente incompreensivel quer essa rmcessão seja finita (argu·
menta da flecha - não se percebe o que se passa entre um
estado e o seu sucessivo) quer seja infinita (argumento de 4. Novos temposl novos problemas, novas atitudes.
Aquiles e a Tartaruga - não se percebe como aquele alcança E eis o dilema posto em toda a sua crueza simples-ou
esta desde que ela parta com um avanço por minimo que seja). renunciamos a compreender o movimento, ti. integrá·lo num
quadro racional interpretativo dos fenómenos naturais, ou temos
3. A essência da dificuldade. que ir para o seu estudo numa atitude de espírito diferente.
Entendamo-nos bem sobre o que queremos dizer quando
Qualquer que tenha sido o objectivo efectivo e inicial de escrevemos-ú' para o seu estudo. Com isto queremos significar:
Zenão, (nós não possuimos mais do que o breve testemunho de procurar obter uma teoría quantitativa, da qual resultem métodos
de cálculo que nos permitam pUler previsões, sujeitas ao test da
EJ:peri~ncia e da Observaçào,
(I) A p'gs. 17-79, cuja leitura é Deste mOlDllntlJ recomendada p3.l':llJ Se o objectivo é diferente, por exemplo, especular de feição
entendimento do que se segue. metafisica, sobre a quinta essência do movimento, a atitude de
(::) Efectivamente, a teoria das mónadas, oposta à da continuidade
eLeática, implica que (> movimento dum móvel é IJma 5uc~ssão de est:ldos _ espírito pode ser diferente, pode mesmo ser qualquer: daí não
de passagens de mónadas a mónadae sucessivas. resultará provávelmente grande mal para o mundo, mas tamLem,
216 BESTO DE JESUS C .l.RAÇA COSCEITOS l<'UNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 217

decerto, não um muito grande bem. - A Pí.sica de "h·tstótele$ que assim se viu demitido da situação proeminente de lugar do
oferece-nos disso o primeiro grande exemplo. movimento natural (1). Uma das consequências imediatas desse
~ras cada época, com a sua particular compleição social, facto foi que se pôs naturalmente ao espirito dos pensadores
tem os seus problemas dominantes. E a partir do século XVI, esta pergunta-qual é a força responsável por que os planetas
a l'écnica pôs problemas para cuja resolução se tornou indispen- se movam em órbitas elipticas? (tal pergunta não se puulla
sável a criaçiLo duma teoria quantitativa. Um desses problemas, enquanto os planetas eram considerados como movendo-se de
sem dúvida um dos mais importantes, foi o do estudo dos movi- movimento natural). Assim se instalou no primeiro plano das
mentos dos astros, tornado indispensável pelas necessidades da preocupações dos pensadores este problema da causa física
navegação de alto mar. Foi preciso para esse efeito efectuar do movimento c:~). .
um duplo trabalho - realizar uma grande massa de observações; Para abordar o estudo deste problema em condições que
procurar integrar esses dados num quadro interpretativo racio· permitam êxito, é preciso tomar esta atitude de espírito - o
nal, um conjunto de leis. movimento é um dado e não uma coisa a explicar, um fenômeno
Sabe-lia como a primeira parte dessa tarefa foi realizada que se trata de estudar nas suas manifestações observadas, fisi-
por Tycho-Brahe e ti. segunda iniciada por Kepu!l' e terminada camente e não metaflsicamente; o objectivo é encontrar uma
na obra magistral de Newton. lei ou conjunto de leis que, englobando os dados observados,
A obra de Kepler representa um grande marco na História permita prever resultados a confirmar, ou não, pela experiência.
da Ciõncia e pode dizer-se que marca o inicio, palpável, duma Nenhum preconceito devemos portanto levar que nos incline, por
grande viragem na atitude dos pensadores, e que interessa neste pouco que seja, a pretender explicar a natureza intima do fenô-
momento registar. Como vimos no capo IV da 1.... Parte, poste- meno dentro de quadros racionais pre·estabelecidos; tal atitude
riormente à grande crise a que já acima fizemos referência, li seria mortal para o êxito da empresa.
mentalidade grega encerrou-se numa atitude finitillta de que
encontramos uma das manifestações mais acentuadas na cosmo- 5. Necessidade de um novo conceito.
gonia que ficou sendo geralmente aceite (I) - um mundo finito,
geocêntrico, formado por uma sucessão de esferaB centradas Vamos então para o estudo do problema do movimento
na Terra, esferas nas quais todos os astros se deslocavam nesta nova atitude de esplrito, livres de preconceitos, dispostos
em movimentos circulares. a cIrculo era a figura que convinha a aceitar todas as consequências e a tomar todas as audácias,
a uma tal concepção finitista-com efeito o movimento circular que a emergência requerer.
fecha-se sobre si mesmo, completa-se, o plano em que ele se a que é que se passa? Que a natureza (3) do fenómeno é
dá pode rodar de qualquer ângulo sobre si mesmo sem que a tal que, como dis!'lémos acima, «quando vamos a qnerer fixar fi
trajectória circular se altere; era, por isso considerado como o posição de um móvel, em determinado instante, num ponto du.
movimento perfeito, o movimento natural. sua trajectória, já ele ai se não encoutra-entre dois instantes,
Keprer, estabelecendo em 1609 a sua primeira lei - as por mais aproximados que sejam um do outro, o móvel percorreu
órbitas pla,netárias stfo elipses das quais o Sol ocupa um dos (1) A segunda machadada foi dada por Galiíetl com o lrrincipfo de i",,f,.-
focos-deu a primeira machadada nesta supremacia do círculo (2) da-o lugar do movimento natural paBsou a sE.'~ a Tecta. Será preciso acell-
tuar o que este factl) :representa na passagem duma atitude finitista para
I1ma infinitista?
(I) Apesar das vo"es discordantes: peiQ meno:>, quanto ao geocentrismo, (~) 81)bre este problema e a sua importância na criação duma determi-
a de A,.i~taTOO
de 8a.ml;J8. ' nada atitude cienafica, nos cietltistas fost-Henascimento, ver H. T. Pl~d!fC,
(!) Que a revolução copenlicana, Cllm toda a sua impor tância, deixara., Science súlce 1.!JO(), The PhiloBophica Librar::, 1941.
UI) entanto, intacta. (J) Natureza que, rcpetimoB, não é nosso objecti\"o eXl'liru,.
218 llEYTO D~ JESUS CARAÇ~ CONCEITOS FUNDA.JIKNTAlS DA IiATEMÁTICA 219

um segmento, COm uma in:ti.nid..de de pontosD; (ta cada instante. E assim nos surge, forjado no âmago da grande dijiculdade,
o móvel estú e não está em determinado ponto». o conceito de infiníUsimo de que adiante daremos a definição.
Que quer isto dizer? Que não poderemos obter resultados,
em qualquer instante 0\1 ponto, se o tormarmos em si, isolado 7. Definição de infinitésimo.
dos outros pontos; que o que se passa num instante e num
ponto só pode sef entendido integrado na sua útterdependkncia Chamaremos contorno do ponto P, a qualquer segmento
com o que se passa em instantes e pontos que o precedem e A..4f do eixo O:IJ, de que F, seja o ponto médio. A PA = ~
seguem. Mas este preceder e serl/tir tem aqui o carácter subtrl de dá-se o nome de amplitude do contorno AA'.
que ntlo há ponto que preceda ou siga imediatamente outro- Designaremos por vl2:úlhança do ponto P o conjunto dos
entre os dois, por mais próximos, há um infinidade de pontos, seus contornos. Note-se que dado um número positivo à qual-
logo há uma infinidade de possibilidades que contam na inter· quer, arbitràriamente pequeno (1), há sempre na vizinhança de
dependência. De modo que não poderemos eertamente obter P contornos de amplitude p < li .
resultados no estudo do fenómeno com a ajuda simples de Um conjunto de pontos diz-se pertencente à vizinhança de
números a marcar pogiçMs de precedfmcia ou seq'Uência entre um ponto se todo e qualquer contorno deste contêm pontos
instantes ou pontol:l-csses números, por menor que seja a Ema daquele conjunto.
diferença deixam-nos sempre fugir uma infinidade de possibili-
dades da interdependência - aquelas que correspondem ao seg- DEFINIÇÃO r. - Dá-se o nome de infinitésimo a toda a variável
mento que eles encerram. Mas tt condição primeira do êxlto (Í representativa de 11m conjunto de pontos pertencentes à vizi-
precisamente que isso não aconteça! Que fazer? Só um 00'-0 nhança da ()T'igem quando nessa variável consf<krarmos
conceito. sucessivamente valores XI, X2 J ••• X n , ••• tais que I X n I < o
para todos os valores de n > nl e todo o ~ > O.
6. Os moldes do novo conceito. Note-se bem que é condição necessaria para 3J ser infini-
tésimo que haja valores de a: na vizinhança de zero, mas que
o que está dito esclarece-nos suficientemente acerca. das ellta condição ntto é suficiente. A variável :r só será infinitésimo
condições a que deve obedecer esse conceito. Ele deve ser de qnando considerarmos sucessivamente valores seus tão pró-
uatureza a permitir que se dê conta dn infinidade de estados ximos de zero quanto quisermos. Ao tomar, quando pos-
possh-eis entre dois estados quaisquer; de natureza a permi- sível, na variável a: uma sucessão iCI, >t\i, ••• a:,.'" COm a
tir-nos trabalhar, não só com estados determinados, mas com li. propriedade indicada, dizemos que se faz tender para. zero;
illfinidade das possibilidades entre dois estados. tomando dessa variâvel outra sucessão sem a propriedade indi-
:Não pode, por consequência, ser um número, mas há-de cada, já a mesma variável x não tende para zero, não sendo,
poder representar qualquer MS números dum conjunto numérico portanto, um infinitésimo.
com'eniente - o novo instrumento matemático det'e <ler portanto Para ver como o conceito dado se amolda de facto ao
lima varMvel (1). estuJo de problemas como o que noa está ocupando, seja a: a
Por outro lado, como êsse instrumento vai ser aplicado ao variável real, infinitésima no sentido apontado, e consideremos
e$tudo do que se passa num ponto em interdependência com
pontos arbitràrinmente pró:dmo8, essa v.'lriável deve ter no seu (1) A frASe 6 pleonástitlaj daqu~ por diall~ evitar~Ds sempre e~te
domínio números arbitrà-riamente pequenos em módulo. defeito; todas as vezes que de um numero.se. d.lssel· qll.e e qualquer, fle.a
entendido que ele pode ser tomado como ar~lt::an~mente pequeno, ou arbl~
tràriamente grande. A construção da frase mdltlara, sempre, de que lado se
(1) Vido a definij.'ão da l"W"itítle!, na 2.- l':<rto, a pig. 127. eetabaleee o arbitrário.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEiM.íTICA 221
220 BRlfTO DE JESUS CUAÇA

acons~lha-n08 a tomar bem posse do terreno, estudando o novo


litrajectória de um móvel, e nela um ponto O. Sejam (fig. 49), concelt? através duma realização particular.
sobre essa. trajectóris, os pontos P e pl cuja distância ao . Seja a ~ariável inteira .~, isto ~, eomo ~abemos, (2. a Parte,
ponto O 1 em valor absoluto, é ; j por mais próximo que P p:u-ag. 17, pago 128), a varlaval cUJo dominIo fi o conjunto infi-
seja de O, isto é, por mais pequeno
mto J dos números naturais '
--=~ .f__ que seja o número a,
no dominio do
2) 1/) 1,2,3,4,,,,;
p' o P infinitésimo x há corno se viu urna
Fig. 49 infinidade de números mais peque-
nos que a.Portanto, o trabalhar consideremo!! esta outra variá.vel X = ~
n
com o infinitésimo x equi\Tale a trabalhar com a infinidade de
pontos entre P e P', pois todos eles têm distâncias a O que 3)
são, em valor absoluto, menores que õ.

8, Infinitésimos e vizinhanças.
Uma vizinhança não é um l1egmento, mas sim uma
variável cujo domínio é constituldo por uma infinidade de
segmentos onde há sempre segmentos de amplitude inferior a
qualquer número positi....o,
O conceito geométrico de vizinhança corresponde portanto
ao conceito analítico de infitlité$imo e, por meio deste, podemos
estudar o que se passa na vizinhança de pontos, isto é, ver como
joga, no fen6meno a estudar, a l'nterdependên.cia dum ponto com
os sens vizinhol1; é esse como ViIDOS acima, o nosso objectivo,
Estamos portanto de posse do instrumento pr6prio ao fim
em vista. Resta agora afiná-lo, de modo a tirar dele o maior
rendimento.
Esse instrumento há·de aparecer-nos muitas vezes daqui em
diante e sob várias formas. Não se esqueça nunca o leitor disto
n (uma infinidade), superiores . 1
-.
I
Se, por exemplo, for

õ = 0,0002 = 10 000 ~ __1_, para que seJa - < ----


_ um infinitésimo nao é um número, é uma varÍth;el. A falta de 2 . 1 1
compreensão deste facto foi origem durante muito tempo de . 5.000 :ri. 5.000
enormes discussões e muita confusão, a que adiante teremos de basta que seja. n> 5.000' por exemplo, para n = 5.001 é
fazer referência. 1 1 1 '
-~--<--~a
n 5.001 5.000 .
9. Uma reeliz8ção porticuler. O inlinitêsimo X = J.....
n Estamo>! ,portanto em presença do seguinte facto que com-
pleta o antenor: qualquer que slja o número positivo õ pode
A tendência habitual em Mawmátíca, uma vez criado um fazer-se-lhe corresponder um tnieiro nl tal que para todo o
novo conceito, é estabelecer as suas propriedades gerais e gene- 1
ralizá-lo, se possível. A despeito disso, nós vamos, durante n>n1' é -<~.
D
algum tempo, seguir um outro caminho. A delicadeza do assunto
222 'BENTO DE JESUS CARAÇA CONCElTOS IWNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 223

Tomemos, como outro exemplo, õ= 3 . 10-7 ; para que seja ü) 1


1 3 107 an =-,
-<3.10-7 = _ basta que n>-; logo, se tomarmo! 2"-
n 107 3 isto é, a :mcess.iio cujo conjunto de valores é
n1 = I (1~1), temos a certeza de que para. toda ainfinl"daiie 7) 1 I I 1

dos inteiros n tais que n > Dl é ..!.- < õ. :f; fácil rer que esta sucessão goza da mesma propriedade
o
Comparando este facto com o estabelecido na definição I do que estabelecemos para a função a",=~
no parágrafo 9. Tome-
n
1
parág. 7, vemos que, 8 variável X = n
possui ti. propriedade mos, com efeito, um número apositivo earbitràriamente pequeno;
que lhe confere o carácter de infinitésimo. para que seja ~<a basta que 2n >2..a e é evidente que I)or
Que a consideração deste infinitésimo particular tenha 2~ '
ou não utilidade, isso dependerá do êxito que ele facultar UM , " .. I ,
maIOr que seja o numero POSltlYO -;- Ita sempre uma potência de 2
aplicaçlies a que o sujeitarmos. Veremos, dentro em pouco, que o
esse êxito é completo. que o ultrapassa, e não só urna mas todas as seguintes; quer

10. As sucessões numeráveis.


,
Isto d'Izer que, uma vez encontrado um inteiro 1/1 tal que 2"'>-
1
,
Na 2.« Parte, pág. 151-152, desta obraapresentámos ao leitor 't
sera, d
para o o o n>nL, 2">-
1,Isto é a =-<L
1
umas entidades matemáticas, chamadas sucessões numeráveis, de Õ " <)lL

que não fizemos até agora nenhlUD uso; é chegado o momento


de as chamar ao primeiro plano das nOSsas preocupações. Se, por exemplo, fõr 0=0,003, para que se tenha -!...<
Recordemos que elas são entidades da forma 2"
3 . 1.000
4)
<0,003= 1.000 bas.ta que seja 2">-3-=333.33 .. ,; ora

em que figura uma infinidade de números reais, posta em C01'- para nL=9 tem-se 2 9 =512>333,33 .. " logo para todo o 11>9
rellpon.dlneia biunívoca com °
conjunto dos números. inteiros; , ta t <) 1.()(X), 1
e cer men e •./'->---, Isto é, -<O 003.
são, no fundo, junçlJes de varüível tnteíra (2.~ Parte, pág. 151) o 3 2'"
que indicamos escrevendo Podemos fixar o comportamento desta função de '"ariável
5) •• -/(0), , t ' 1 d'
m eIra a,,= ')" Izendo que - a todo o 11úmero pO$l~tivo d é pos-
Uma dessas funções de variável inteira é a que considerá- "
mvel fazer correspouder um inteiro nl tal que para todo o n>nl se
mos no parágrafo 9, X = an = ~
n
. tem -<a ou tal que a igualdade n>nl an'asfa a de81~gualdade
~ ,
Vamos ver como nestas funções se pode verificar o carácter 1
infinitesimal. 2" <a, o que escre'-eremos simbblicamente assim
Seja, por exemplo, a sucessão numerável
JIBYTO DE JESUS CARAÇA CüXCElTOS FUNDAMEH'TAIS DA MATEMÁTICA. 225
224

1 . Convém, por isso, fixar nUDl& dfllfinição geral, esta possibi-


8) n>nt-+-<o. lidade de comportamento.
2'
DEFI~IÇÃO II - Dada a fU1Uj'lO de variável inteira 3 n = f(o) l
No fundo, esie comportamento é o mesmo que o da função se a todo o número posit'Ívo 13 se pode fazer corresponder um
a.. =1- e por isso exprlml-
' . 1o-emas dizendo que - a junção inteiro Dl tal que a desigualdade n > Dl arraste a desigual-
n dad, 1".1<1,
1
a =-éumm
n ~
''.fi't''
me8Wwcom-. 1
n
9) n>nl-!a"i<o
O infinitésimo.!.. recebe, em conexão com esta linguagem, o diz.se que essa função é um illjinil~simo com 1- .
n n
nome de ítljinítésímo principal. Pomos, na definição, Ia" I para prever a hipótese, frequen-
temente verificada, de a função tomar valores negativos; é evi-
11. Uma definiçeo importante. dente que o sinal só por si, não afecta. o carácter infinitésimal
-o que importa é o valor absoluto.
Muitas outras funções de variável inteira se comportam Notemos ainda que dizer que a n é, em valor ab~wluto,
anàlogamente 11 função que acabamos de estudar; por exemplo, menor que d, é o mesmo que dizer que a", está compreendido
entre -a e +3; ti. condição 9) pode portanto pôr-se sob a forma
1 1 _ 11 + 2 cUJ'o estudo deixamos
asfunções«,,=--,a,,=-,a,,- 2
:}'
10" n n 9') n>nl---? -o<a.. < +0
ao leitor (I).
Podemos ilustrar esta situação no diagrama junto (fig. DO)•

• +2
(1) Para a última lembraremoS que, para que seja ~ <8" baota que
n'
_~J_ > ~; ora esta desigualdade é certamente assegurada se ~' que e ." ~ .6

n+2 :t 3 1 nl 1 . Fig.5O
" !"r maior "'ue - ' basta portanw que -2- > -, ,ou seja
menor que - 2 ' v 'I S"' n O inteiro ?ti depende de 1;; a partir dele· (região de n > fil), todos
n+ os valores de a" estão entre _ ~ e + 3:; dos valores de n aJlteriores
111> _2
06
," o nue nos perml't. u'bt,r fàcilrnente valores de n, não certamente
• _ 's, mas "uc
menoreS pOSSlHll '1
satisfazem. Por exemplo, para ~ = 0,()(x)1,
a ni naJa se afirma. Qllalqoer que seja S' > 0, poe mais pequE>oO,
há sempre um nj nas condições da figura.
As escalas das duas linhas (de fi e ao) são difeI'cntes.
. . 2 2 _ 20000 e ?t > 141 satisfaz; mas já satisfaz também
tenamos aSSim n > T - , . . 12. Uma lin9U~gem cómoda.
' ' '
n=101 e to d os os superIoras.•, .' . p,.'tica o "'ue
'1. _
interessa essenCIalmente
.
e
". TI ''o \I menor 1 na defimçao
eOC\ln t rar um n ( e mb VI ,
não se exige que o U saremos frequentemente, no decorrer desta Parte, para
seja) quc assegure à funS-ão \I carácter infiniteSImal. exprimir que uma sucessão numerável «,,=](n) é infinitésima
226 BENTO DE .lESUS CARAÇA
CÜ}}CEITOS FUNDAMENTAliS DA MATEMÁTICA 227

com..!.., esta maneira de dizer - a função ali = r(u) & vizinha infinito. apesar de haver uma infinidade de valores para os
n quais (I.. é efectivamenu zero.
de zero quulIdo n é vizinho de infinito. A questão pode tomar um aspecto ainda mais agudo. Seja
Esta linguagem j ustifica-se, uma vez que é para 11 convenien- a sucessão numerlÍvel
temente grande que a" é arbitrariamente pequeno. Mas, enfim,
toda a maneira de dizer é convencional e o que nos importa 111
fixar é o que queremos significar quando empregamos determi-
11) 1,-,-.-,0,0,0,-, .0" ..
2 3 4
nadas frases. O sentido desta fica fixado duma vez para ..empra
_ dizer que a,. é vizinha de zero quando n é vizinho de infinito em que todos os termos, a partir do 5.°, silo nulos. Ainda aqui
...!-. E como o racanhe- 1
é afirmar que a,. é um infinitésimo com
n se trata de um infinitésimo com -;; seja c um número positivo
cemos nós? Vedficando se a" satisfaz ou não à definição lI. qualquer; como é a..=O pa,ra n>4, é evidente que para n>4
O termo viânho neste sentido adquire uma maior generali. se tem a..<c logo, as condições da def. 11 são verificadas e a
dade do que a que possui na linguagem corrente. é vúdnha de zero quando n é vizinho de infinito. "
Seja, por exemplo, a sucessão numerável (1) . Isto tem im~ortância. por motivos que adiante serão escla-
reCidos (ver parag. 18 deste capítulo). Por agora convém que
o leitor se não esqueça de que: '
10) 1 O .!:.- O ~ O ]_ . 0 _1_ ...
a) a intercalaçoo de zeros entre os term08 duma 8UC6,8l10
, '10' '102 ' '10a ' '10'"
'lI'Umerável infinitésima não lhe faz perder o carácter
infinitésimal;
1
Trata-se, ou não, de um infinitésimo com -? Vejamos: b) uma 8ucessão numerável constituiria 8Ó por zeros a partir
n dum certo termo (que pode ser o primeiro) é uma suces-
1 s{1o infinitésima.
seja õ um número positivo i como a,. lá alternadamente O e - ,
1(l"
li. desigualdade a..<c reveste este dois aspectos O<c, ~ <a; 2."-Conceito de limite.
10'
ora a primeira é evidente e a segunda é certamente verificada
para n conveniente e dependente de d. 13. Uma sucessão de comportamento Rotével.
As condições da definição II são portanto, satisfeitas, e conti-
nuamos a dizer que a,. é vizinha de zero quando n é vizinho de Algumas sucessões numeráveis, sem serem infinitésimas
1
com - , têm no entanto um comportamento que as aproxima
(I) o leitor pode verifica.r, o que não é esscudal para o que vai
seguir-se, que o termo gera.l deEta EuceEsão sc pode pôr 50b a forma Il. =
delas."
Seja, por exemplo, a sucessão
_ - ' - . .!. . [1 +
10rr,,~ 2
(_1).+1]
onde I (.':) significa a parte intdra
2
de -•
3 4
2 .
12) 2,-,-, ... -n+l
-; . , .; all ="+1
_.
2 3 n n
228 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 229

Não se trata, evidentemente, duma sucessão infinitésima; positivo qualquer, existe sempre um inteiro UI a partir do qual
b'18ta notar que, por ser a,. =
n+l
- - > 1,
não é possível, desde é If(n)I=la,,-ll=_I_<d. Logo, ainda aqui a diferença
n ,,+1
que tomemos 3<1~ obter valores de n para os quais seja a.,.<~. a,,-l é vizinha de ze1"O quando fi é vidnlto de rnfinito.
E' porém passlval, como vamos ver, construir ti. partir dela II - Consideremos agora a sucessão nurnerável
uma sucessão innuitésuoa; consideremos, com efeito, a oo\ra
sucessão numerável I[)) 2,2 - 2-, 2,2 __ 1~, ... 2,2-~, ....
10 102 10" J

13) f(") ~ a,,-1 9 1 1 [1 +(-1)"]


a,,~"---'~'
101\1'/~) 2
tem-se f()n = - n+- 1 - 1 = - 1 e -1.c, como ''lIDOS
. . 9
no parag.
n 11. 11 e estudemos a diferença f(n)=a,,-2; tem·se
deste capítulo, um infinitésimo.
A sucessão 1.2) tam portanto isto de notável-está relaew- 1 1 1
16) 0,--,0,--,···0,-_
2
",'
nada eom o numero 1 de maneira tal que a diferença ali -1 é 10 10 10""
vizinha de zero quando n é vizinho de infinito.
f(n)~ _ _l_.~ .[1 + (-1)"]
1 2 10 (nI ) 2
14. Outras sucessões de comportamento semelhante.
esta é, como fácilmente se verifica [ver, no parág. 12. a suces-
Muitas outras sucessMs se comportam, em relação a certos
números, de maneira análoga. Vejamos alguns exemplos. são 10)J, nma função infinitésima com .!-.
I - Seja a sucegsão numerável n
III - Seja ainda, para concluir, a sncessão numeráve1
1 2 3 n n
14) a.~--.
"2'"3'"4"" n+1 , ... ; n+I 17)

Não é infinitésima j basta notar que todos os seus termos A diferença I(n)=a"-,,, ou seja a sucessão numerável
SiLO superiores a .!. (1) • 18) 0,0, ... 0, ... ; a,,=O
2
Façamos a diferença a,,-l; temos f(n) = a,-.-1 = _n_ _ é, como sabemos do parág. 12. uma sucessão infinitésima.
n+I
-1 = - _1_ que é nm infinitésimo; efectivamente, dado a 15. Significado comum.
11+1 O exame que acabamos de fazer põe-nos em face do
seguinte facto: há sucessões numerávE\is ali em relação a cada
(I) O leitor recordará, a cste propósito CQmo a propósitl> da sucessão nma. das quais existe um mímero L que está relacionado com a
12), a seguinte proposição - quand() aos dois tel''1JWS duma fracção numérica sucessão de modo tal que a diferença a",-L é infinitésima
se adiciona o 1numo m'imero, essa frac~ão ap1'O;z:ima-se da unidade.
230 BENTO DE JESUS CARA<}A. COlliCEITOS FUNDAMMAlS DA MATEIÚTICA 231

1 b) A todo o número positivo õ pode fazer-se corresponder


com - ou, o que é o mesmo, é vizinha de zero quando n é vizi.

nho de infinito.
um íntetro nt tal que

Nmt casos que estudámos, é L=l para as sucessões 12) e 19) n>n1_la,.-LI<~
14), L=2 para a sucessão 15) e L=~ para a sucessão 17). ou
Reparemos agora um pouco no significado do facto que
acabamos de apontar. 19') n>~_L-~<~<L+a
Antes de mais, que quer dizer, do ponto de vista aritmético, c) a" é vizinha de L quando n é vizinho de infinito.
que a.-L é infinitésimo com 1..? Quer isso dizer em face da d) a" pode escrever-se 80b a fm'ma a,,=L+f(n) onde {(u)

definição 11

(parág. 11), que a todo o número positivo a se pode
',G 't'
e, utt~m ' com -1 .
c:8WUt
n
fazer C01'regponder um inteú'o UI tat que
19) .>n,_Ia.-LI<3. 16. Primeira definiçãO de limite.
Ora como a diferença, em valor absoluto de dois números Convém fixar, por uma linguagem simples, o comporta.
significa &. distância dos dois pontos que tê'm esses nlÍmeros mento de sucessões tais como as que acabamos de estudar.
como abscl~8a8, a desigualdade Ia,,-L I<õ significa que a.. está Daremos, para eS8e efeito, a seguinte definição:
compreendido entre L-a e L+õ ao 19) pode portanto escre-
DEFI~IÇÃO. IH. Diz-8e que a 8'11cessllo numerâvel a" tem por
ver·se sob li. forma
limite o número L, quando n tende para infinito, e e8(',re1JiHI8
19')
E, como õ é positivo e arbitràriamente pequeno, isto signi-
20) ._0
lim«,,=L (')
1
q, fica. no fundo, que a.. é vizinho quando a diferença an-L é infinitésima com
, -, =:=:::::::.._ de L quando n é vizinho de infi- n
o "I 'L'fI nito. Anàlogamente ao que fizemos com a definição de infinité-
Fig./H Obtem-s6 outro aspecto simo, podemos ilustrar ti. situação num diagrama (fig. 52).
deste mesmo facto raciocina.ndo
da seguinte maneira: a função f(n)=a..-L é vizinha de Zf'rO
logo a..=L+f(n) é vizinho de L. Por outro lado, todas a~
vezes que a,. se puder escrever Imh a. forma a.=L+f(n) com
f('II) infinitésima, evidentemente a,,-L=f(n) é também infini~
téslma.. Fig.52
Vale a pena registar, porque nOIl será útil adiante, a equi- O 7I j depende de ~>O e exi~te sempre qualquer que este
valência, que ficou estabelecida, destas proposições: stja; na região n >711 todos OS" produzem ~~ compreendidos
entrt L_I) e L+llj dos anteriores a "I na.da se afirma..
a) A difermça !l.. -L é infinitéstma com 1
n
ou~ 'Vizinha de
(I) O Bimbolo 00 Iê-Je infinito e o slmbolo n_«> Ui-se 7l tende para
zero quando n e tlizinho de infinito. infinito.
232 BESTO DE JESUS CABAÇA CO~CEITOS FID1DAMENTAI8 DA lIATEMÁ1'ICA 233

Na prática e l'onforme nos for mais conveniente, podemos pondesse a esta carncteristica essencial do fenómeoo - o que se
substituir livremente a condição contida na última parte da passa num ponto só pode ser entendido em interdependência
definição por qualquer das expressões equh'alentes b), c) ou d) com o que se passa em pontos vizinhos, Baseado directiLmente
do parágrafo anterior, sobre esse conceito, estabelecemos tlgora o de limite - dizemOIl
De acordo com esta definição podemos agora escrever que a n tem por limite L se a n tJ 'l:izinho de L qUal/do n li vizinho
[p,<ág. 13 e 14] de úifinito. Que significa isto? que L é pam a sucessão no, o
resultado da interdepelldlmcia dos seus termos.
21) lim 11+1 = 1 Tomar n vizinho de infinito. é considerar nm conjunto de
,. .... '" n
termos da sucessão com índices arbitràrinmente grandes, o resul-
22) 1im~n_~ 1 tado final da interdependência dos quais é o limite L. Esso
,.-.... n+1 resultado da interdependência é tão bem determinado qne, como
é fácil de demonstrar, quando e:ciste é thdco.
23) lim 12 _ _1_ . .!. [1 +(-1)"]1_ 2
,. ..... "" lO'(nf2) 2 18. Meneires de dizer.
24) Esta última frase levanta imediatamente um problema-
quando existe? entilo pode não existir? o jogo de interdepen-
dência de estados vizinhos pode não levar li. nada? como um
É claro que, na definição dada, o número L pode ser zero; rio que se perde nas areias dum deserto?
nesse caso a definição diz-nos que: quando a sttcess{to ao é irifi-
Já responderemos a estas perguntas que têm a sua impor-
niUsirna com ~, diz-se que lima,.=O. tância, e talvez maior do que neste momento o leitor supõe,
n "_00 Mas antes de o fazermos, vamos fioear a nome11clatura, coisa tão
As sucessões infinitésimas nparecem,nos assim como UIU essencial em Matemática como em qualquer d:ts Ciências
caso particular das sucessnes com limite: ser l'nfinítésimo é ter Naturais,
limite zero e reciprocamente. Consideraremos cOOJo tendo exactamente o mesmo signi.
Antes de prosseguir detenhamo-nos um momento a consi- ficado as três expressões seguintes:
derar o significado da definição de limite a qne acabamos de
chegar. a) a sucessão numeravel a" tem por limite L,
b) a su.r:e88do llUmerável ao tende para L,
17, A noção de limile e o conceilo de interdependência. c) a 8ttCe8'1lt'lo l1ttmerotlel a" con-rerge para L.
Obtivemos esta definição no decorrer de um caminho já. A segunda destas expressões ó empregada Íl'equentemente
longo, partindo, está o leitor recordado, de preocupações àcerca na linguagem corrente, mas com um significado muito menos
do problema do movimento e dispostos nós a alcançar, não uma preciso do que aqui. Na linguagem corrente, tender pam é ap1'Oxi-
eoepUcaçdo do fenómeno movimento, mas uma teoria quantitativa mar-se de; aqui, é muito mais do l:lue isso-é apro;ri'mar-8e de, mas
da qual possamos obter, pelo cálculo, resultados a confirmar no senado illjinitettimal, isto é, de roodo tal que a distância se
pela experiência. torne infinitésima.
Reconhecemos, poucos passos andados, qne era necessário E já que estamos tratando de expressões empregadas na
criar um novo conceito - o conceito de infinitésimo - que res. linguagem corrente, não será talvez demais que corrijamos uma
234 BE~TO DE JESUS CARAQA COYCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEllrÁTICA 235

maneira de dizer e uma ideia muito espalhada a propósito da fazemos tender n para infinito, ela se não conserve vidnha de
noção de limite. E' frequente ouvir dizer a respeito de limite nenhum numero.
que é aquilo de que uma variável SI! apro::cima indefinidamente Seja, por exemplo, a sucessão
8IJm nunca o atingir.
Pondo de parte o que há de defeituoso e impreciso nesta 25) 2,4,8, ... 211 , ••• ; a,. =2".
afirmação, fixemos a nossa atenção na ideia contida na sua última
parte-sem nunca o atingir- nada mais errado 1 Uma sucessão Que notamos n6g? Que, à medida. que n tende para infinito,
numerável pode atingir o seu limite uma, duas, uma infinidade de se encontram termos da sucessão superiores a todo o número
"ezasl A sucessão 14) do parág. 14 não atinge o seu limite positivo aj tomemos, por exemplo, a=f>.ooo- o termo da
que é 1; mas a sucessão 15) do mesmo parâgrafo atinge uma sucessão correspondente a 1/.=13 é 2 13 =8.192>5.000 e o leitor
infinidade de vezes o sell limite 2; e a sucessão 17), ainda no reconhece sem dificuldade que qualquer que seja o número à
lTIesmo parágrafo é tal que todos os seus termos são constituídos tomado, é sempre possível encontrar um expoente n tal
pelo seu próprio limite I . que 2"'>A.
Continuemos com a nomenclatura. Mas há mais, e isto é fundamental no comportamento da
sucessão considerada, uma yez encontrado um indice 1/.1 para o
19. A operação de passagem ao limite. qual 2"'>& (no nosso caso 1/.1=13), para todos os termos
seguintes, isto é, para todo o 11.>11.1 é também 2"">&, o qne
Ligada com a existência de limite duma sucessão, está a resulta do facto de a potência 2" aumentar quando aumenta o
operação de paslJagem ao limite - considerada a sucessão seu expoente.
Em linguagem sugestiva podemos dizer que esta sucessão é
at,Ui,Il:I,···a",·,· tal que, quando 11. se avizinha de infinito, ar. se avizinha também
de infinito.
fazemos tender n para infinito (isto é, consideramos sucessiva.
mente termos com índices arbitràriamente grandes) e passamos
ao limite (isto é, determinamos o resultado da interdependência 21. Segunda definiçãO de limite.
dessa innnidad'8 de termos).
Estas maneiras de dizer sã.o essencialmente dintlmica6- Convém fixar esla modalidade de comportamento, estabele-
jazemos tender, passamos - indicativas duma atitude de espírito cendo uma nova definição de limite.
muito diferente da simples consideração estátiea dos termos da
sucessão. Entre estas duas atitudes de espirito medeiam na DEFISIÇÃO IV. Diz-se que a suces,,(lo númerável a" tem por
História da Ciência 2.000 anos e. ao longo desses vinte séculos, limite «mais-infinito, quando n tende para infinito e escreve-se
arrasta-se O calvário duma ideia - a ideia de infinito! Ideia.
perante a qual os gregos recuaram e que é retomada e utili.
zada Ilgora, como elemento activo desta nova operaç-ão.
26)
.-"
lima,,=+ '>O

quando a todo o número positivo & se pode fazer eorre8'p01lder


20. Outro comportamento possível, um inteiro nl tal que
Vamos começar a responder às questões postas no inicio
do parág. 18. De facto, uma sncessão pode ser tal que, qnando 27)
236 BE~TO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUSD.l..MENTAIS DA MATJl:MÁTICA 237

Ainda esta situação se pode ilustrar num diagrama termos ultrapassando todo o mÍmera positivo para que se diga
(fig. (3). que ela tem limite +00; isso é necessário mas não ésufleíellte.
De acordo com a definição, o leitor reconhecerá sem difi- Suponha-se, por exemplo~ a sucessão seguinte
culdade que se pode escre- 36) -1,4,-9,16,.· a,,=(-1)"n 2
ver, por exemplo,
cujo comportamento está ilustrado na (fig. 54)
28) lim 2/1 =+ 00 j Que se verifica? Que existem. de facto, na sucessão, valores
.~.
su.periores a todo o número
29) Um nll=+oo; positivo mas tambem valores
H_ inferiores fi todo o número nega-
Fig.53
tivo. Não há, e iSSQ é essencial
O ni depende de J. o existe sempre, 30) UmlQ'l=+ooj na definição, uma região n > lIf Fig.51
"
qualquer que ele seja. Na região n>l'1f .~-
todos os 11 produzem a" superiores a correspondente à qual todos os
l! ; dos ant€riores a !lJ naJa se afinn3. 31) Um nl=+oo. <I" sejam vizinhos ou dlll11 mimero finito L, ou de +=, ou do
.~.
-00. Qllalquer que seja o 1/} tomado na região 1/ > n} há
Um comportamento análogo nos leva sem dificuldade tL termos a" vizinhos de + DO e termos vizinhos de - 0.>. A sucessão
definição de limite «menos-infinito» correspondente à quals6 não temI por consequência, limite nenhum ~ oscila entre ·-co
pode construir u.m diagrama análogd ao da figo 53. e +00.
Comportamentos Qscilatório;J se podem .tambem verificar
. • DE"'IXIÇÃ~ V,.Diz-se que a sucessão numeravel a n tem por sem que a oscilação seja entre -00 e +00. E o caso das duas
lumte «menos-mfimtOD quando n tende para lnflllito e escreve-se sucessões
32) lima,,=-oo 37) 1,2~~,4,2-,6t'" 1_ , ... ;
2n, __ a",=n(-l)N j
3, 2n+l
quando a t~o ? número negativo - Ao 8e pode fazer faze,- corres-
ponder um 1ntelro Dl tal q'Ue 38) 1,0,1,0, ... 1,0,.·. a"~~ [1+(-l)"+'J
33) n > n1--+ a .. <-~. ilul:ltradae: respectivamente nas figo 55 e 56.
A primeira oSCl1a entre zero e + 00; a segunda entre zero
Assim, é por exemplo,
34) lim(_n3 )=_=; _o--"~'_
3')
HO

lim(-n")=-oo. .~'~~~
Qrri~2---i'-"':::=:-'--5 ~ -
.~o
o
Flg. 55 Fig. 56
22. Ainda outros comportamento$.
e um. Nenhuma tem limite, pois para nenhuma existe uma região
Chamamos vivamente 8 atenção do leitor neste momento II> 111 correspondente à qual todos os a" se mantenham vizinhos
para o facto de que não basta que na sucessão numerável haja ou dum número finito, on de +co ou de - 0 0 .
238 nE~TO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MA.TEMÁTICA 239

23. Continue a nomenclelurB. 12) a, ~ •


n'
+ 1. (2
'2'3'
~ i. ... n +
n'
1...)
Vamos dar mais alguma8 definiç~es que nos permitam fixar,
em p~ucas palavras, todos os comportamentos possíveis atrás limitada, convergente, limite 1.
desclltos.
I. - Uma sueessdo diz-se limitada quando tod08 08 seus
termos esWo encerrados entre dois números, ou, por outras pala-
14) n (1 2 3
a"=n+l i "2'"3'"'4""'11+1""
" )
vras, estdo dentro dum l'nrervalo finito. limitada, convergente, limíte 1.
As sucessões 21) 22) 23) e 24) do parág. 16, a sucess'ão 38)
do parágrafo anterior são todas limitadas.
II. - Quando uma 8ucessdo não é limitada, diz-se não- 15) .. ~2-~(.) ~[I +(-1)']; (2 ,2-~.2.2-}-.... )
10/ ~ :! 10 lOIl
-limitada. Neste caso costuma sempre fazer-se referência ao
lado, positivo 011 negativo, em que a limitação se não dá; se senão limitada, convergente, limite 2.
faz referência nenhuma, entende-se que a não-limitação 8e veri·
fica dos dois lados. 17) a,,=r.j (r.,r., ... ";;, ... )
As sucessões 25) do parág. 20, 28), 29), 30) e 31) do
parág. 21 e 371 do parág. 22 são Mo-limitadas superiormente limitada, convergente, limite r..
(que-r dizer, do ado positivo); as sucessões 34) e 3D} do parág.
21 são nao-limitadas inferiormente (quer dizer, do lado negath'o); 25) .. ~2'; (2,4,8 .... 2", ... )
a sucessão 36) do parâg. 22 é não-limitada. não·limitada superiormente, divergente, limite + 00 •

. lII: ~ Uma 3ucell3êlo diz·1fe convergente guando tem limite


jmto,. dlvergente quando tem limite infinito (positivo ou negativo),- 29) a,,=n 2 ; (1,4,9,16,."nll , ... )
indeterminada ou oscilante quando não tem limite. não-limitada superiormente, divergente, limite + 00 •

Classifiquemos em face desta nomenclatura, as sucess~s


apresentadas anteriormente: 30) a,,=lO"; (10,10 9 ,103, ... 10"', ... )
não-limitada superiormente, divergente, limite + 00 •

7) .. ~ .!..
2'"
(.!.2'4'
.!. ." _1 ... )
2n' 31) a.. =nl; (1,2,6,24, ... nl, ... )
limitada, convergente, limite O. não-limitada superiormellfe, divergente, limite + 00 •

34) a.. = - n 3 i (-1, - 8, - 27, ... - n3 , ••• )


10) .. ~ ~ . .!.. [1 + (_1)'+']' não-limitada inferiormente, divergente, limite - 00 •
10 f (-i) 2 '
limitada, convergente, limite O. 35) a,. = - n"; (-1, -4,- 27 ,-2õ6, .. · -n", ... )
não.limitada inferiormente, divergente, limite - 0 0 .
11) a..=O,n>4; (1, ~, ~,~ ,0,0, ... 0, ... ) 36) a' ~ (-I)" n'; (-1,4, -- 9.16, .. · (-1)".', ... )
limitada, convergente, limite O. não-limi.tada l não tem limite, oscilante entre - 00 e + 00.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA HA-TEMATICA
241
BE:'<TQ DE JESlJS CAIt.I,.ÇA
240
PRl:ilCÍ PIO (IERAL DE CONVERGÊNCIA. É condiçl1o necessá ria ~

37) a,.=n (-l)"j (1,2,~,4


3
'~IÔ
o
,... 2n'~lJ ".) ~n+
suficien te para que uma 8ucessd o numerá vel

não-limitada superiormente, não tem limite, oscilante entre


SItia converg ente, que a todo o número positiv o ~ lJe possa fazer
O e + 00. <Õ
corresponder um inteiro 01 tal que a demgua ldade Ia Ü-ó- jJ - - a u I
> e para todo o p tnteiro e
a,,~ ~[1+(-1)"+'} (1,0, 1,0, ... 1,0,. ·.) s~a verifica da para todo o n nl
38) positivo .
Não insistimos, por agorn, neste ponto delicado da teoria
limitada, não tem limite, oscilunto entre O e 1. dos limites. Notaremos apenas que toda a averiguação individual,
O leitor, vê exemplificados, nesta tabela, o~ vários tipos de feita para um valor particular de a ou de p, conBtitui uma
condiçào necessá ria de tonverg ênâa. Fazendo~ por exempl
o,
comportamento atrás descritos. K otará em partICular qu~: ado:
a) Aquilo q,ue distLngue ~as ~u<;essões do ponto de VIsta do p = 1, tem-se o seguinte enunci
comportamento e terem ou nao lUlllte; pode fazer-se a este pro- É condiçã o necessá ria para qlfe lima IlUCe,i,~(i(/ JIllnleJ'ável
pósito a seguinte classificação: al,a2, ···lI.. ,.
limite finito - convergentes seja converge/de que a todo o número positiv o a
se pOiJlJa fazer

39)
sucessões
numeráveis l
com limite limite infiuito _ divergentes
(pos. ou nego
)

sem limite - indeterminadas


eorrespolldeJ' ltm inteiro nl tal que a desigua
s1ia 'Verificada para todo o

25. As sucess ões monotónicas.


n > Dl .
kJ..ade ia n + I - t\.n I < ~

Há sucessões numeráveis para as quais as coudições teóricas


de com-ergêneia são mais simples que a8 do Princip lo geral de
b) UUla sucessão pode Ber limitad a e n~o ,ser com:e~gemeJ com;el'gfJnâa e o quadro de classificação do comportamento
é
exemplo: a sucessão 3t:l). rode ser ndo-hmtiada e nao ser mais simples do que o quadro 39) - süo as chamad as sucessõ es
diverge nte, exemp los: as sucesBl'les 36) e 37). m01lOtó lU'Ca8.
Denominam·se assim as sucessões que têm, como o Dome
24. O princípio geral de convergsncia. indica, um só tom, ou ritmo de 'l:ariaçi1o, que são Cl-escentes ou
decrescentes.
O leitor já avalia decerto nesta altura, e avalari arâ melbor Uma sucessão monotó nica crescente é caracterizada peltt
em fuce dos desenvolvimentos que adiante fazemos, como pode
8er importante saber se uma sucessão numeriwel é ou ,n~o é
propriedade
convergente. Tal averiguação é teoricamente ~empre reahzavel, 40) a.,+l > a"
embora na prática, por vezes, com extreUla drficuldade. que nos indica que cada termo é lJuperior ao anterio r (I).
Acontece porém que, em graode nú.mero ?6
.casos, essa
simples possibilidade teórica t~U1 uma lmportanCla enorme. a., a ;iueessã... di~se
(1) Se 813 verifica r a condi<;.,ão, mai8 fraca, a"tl :;
Vamos, por isso, aprese ntar ao lelto~ (sem o demoJ?-strar) o cha-
yeralmenlB cre!lcenle ou CretlrBnte nQ sfntido largo; muitas
propriedades da6
mado princip io geral de con"l:er.9ên~la, de que maIS tarde (cap. IIllcesllõeg Cl"ellcentes se estendem às geralmcote crescent es.
ll, parag. 12) faremos uma aphcaçao Importante:
"
242 BIll'l'TO DE IESUS CARAÇA.
CO~CEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 243

Anàlogamente, uma suces!lão monotónica decrescente é carac· de eorte que demos na Parte 1. a, capo 3.~. parág. 58
terizada pela prupriedade e sego
41) a,,+ 1 < a". Vamos repartir todos os números do conjunto (R) dos
números racionais em duas classes-numa classe (B) pomos
As sucessões 14), 25), 29), 30), e 31) são cresct'/tte:l1i as todos os números racionais superiores a todos os termos da
SUCCElSSões 12), 34) e 35) são decrescentes. sucessão (cabem lá, em particular, todos os números superiores
Em que consiste a simplicidade de comportamento destas a 8 IDas também, possivelmente, números inferiores); numa classe
sucessões? - neste facto, que nunca sílo indeterminadas. (A) pomos os restantes números racionais (fig. 57). Verifica-se
Demonstra-se com efeito, e a demonstração é, como vamos ÍacHmente que: a) Todo o número racional fiCA. assim classifi-
ver, muito simples, o seguinte cada; o leitor pode certificaNlB
disso operando, por exemplo,
TEOREMA. Toda a g1tee~giio monotónioo cre:reente teln limite,:!inito sobre a sncessão 14) que é cres-
ou infinito (I). cente-dado um número racional
r qualquer é selllpre pOJlsivel (I)
Podem dar-se, com efeito, apenas dois casos - ou a SU(,>flIl- determinar se ele pertence à Fi,q.57
são ~ limitada superiormente ou não é. classe (A) ou à classe (B): se 011 termos da sucessão não ultra-
l.~ caso. A sucessão ti niio-Umitada I1Uperiormente. Quer existe algum termo da sucessão passam If .... a. "If; mas porlem ficar
i!lto dizer que, qualquer que geja o número positivo ó., existe igualou superior a r, ele vai longe dele, de modo que em (Bj
sempre um termo da sucessão maior que ele, isto é, existe um para a classe (A); caso con· caibam números inferiores li 8. A
nl tal que a". > ~. Mas como a suces!lão é crescente, para todo
o n > nl é a.. > a", (~), logo a,; > ~; significa isto que, qnalquer
trário, para a classe (B). b) Todo número
o número da classe (AJ é menor
L"
repartição é um corte que define nm
8 i êsse número P. o
limite da Bu~eg~ão.
que seja ~, existe um 121 tal que que todo o número da classe (BJ.
Trata-se, portanto, eCectivamente dum corte, o qllal~ como
n > 121 --+ li" > .i se sabe, define um número real,. seja L esse número. A respeito
de L podemos afirmar desde já que não há nenhum termo da
e isto quer dizer (V. parag. 21 def. IV e figo 53, pág. ~36) qlle sucessão que o ultrapasse (2); vamos provar que L é limite da
sucessão. Seja, com efeito ii um número positivo, arbitràriamente
lim I.l,,=+oo. pequeno; no intervalo que vai de L - õ a L (v. figo 57) há um
termo da sucessão aRI (8) - se não houvesse nenhum, então a
2.° caso. A 8Uce8sClo é Umitada Supel'úNmente, isto é, existe classificao;ão estava mal feita e a classe (B) deveria esteuder-se
um número 11 que os seus termos não ultrapassam: a,. L. 8. A para a esquerda pelo menos até L-d - e portanto uma infini-
demoIlstração é, neste caso, um pouco mais delicada, mas íacil· dAde: a infinidade de todos os termos com índices n superiores
mente apreeusivel pelo leitor que esteja bem recordado da noção a nl e que estão todos, porque a sucessão é crescente, à direita
de a,.,.
A distância de an, a L é inferior a ii, logo a distância de
(1) Vale um teorema análogo para as su~essões monotónieas decrM-
ceotes; o leitor fará, sem dificuldade, a transposição do enunciado e da
demonstração. (1) Embora, por vezes, trabalhoso.
(t) Se 11 sucessão nio for monoMniea crel>C8nte isto pode não se dal"i (2) Resulta imediatamente da maneira como {l;Ii feitlJ Q t'Qrre.
veja--se pl;lr exemplo a lIueessão 37). (O) Está aqui l;I p<Jllto 'n~l'1'áI.'Peo da demonstração.
244 BE~TO DE JESUB OA&AÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 245

todos os a" com n > ni a L é a j'ortiori inferior a d; "erificamos .Ais primeiras dizem respeito à combinação do conceito de
portanto que a ti se pode fazer corresponder um i.nteiro r/.l limite com as operações elementares da Aritmética já nossas
tal que conhecidas, e estudadas na Parte l,a pág. 16 e seg.. Seria demo-
rado e um pouco fatigante para o leitor fazer o estudo porme-
norizado de cada uma dessas combinaçves. Vamos dar·lhe apenaI>
o resultado geral desse estudo:
logo, pela def. UI do parág. 16, ê Sejam
lim a,,=L. 43)
H>

Assim, nos dois casos, a sucessão tem limite e o quadro 44)


39) do parâg. 23 toma o aspecto mais simples:
duatJ sucessões llllme"â:veís com limite] finito Ou úifinito; a COIll-
I!UcelWiJes Ilimitadas --;. limite finito: conviJrgente8 büuu;ào destas stlCessões p01' qualquer das operaçlJes elemen-
42) tares (I regida por este princfpío gMal - o sinal de limite é
mOllotánicas não-li1nitada~ _7 limite infiniw: diverge'n~8.
permutavel com o sinel operatório - com estas duas importantes
re8t1~õe8 :
o comportamento, é como se vê mais regular: não há lugar 1. a _ Que o resultado obtido pela permutaçao nt'I'o leve a
para. sucessões oseilantes.
llellkuma únpossibiUdade operatórla (I).
Para. estas sucessões, o princípio geral de CO'n-r;81·g2ncia
(parág. 24) toma este áspecto 2. a _ Que esse 'resultado não dP lugar a nenhum dos seguintes
, Princípio de cotwerg8neia das sucessões monotónica8.- símbolos ~,::, O X 'XI, O':> - 00 , 1 00 ,()o , coo, conhecidos pew
E CfYIl.di'1ao nece8sária e sufidente para que uma 8Ucessdo mono-
tánica erescente sf{ja convergente que ela 8t;ja limitada supe- 1/onte de símbolo8 de indeterminaçlio.
riormente. Assim nós teremos] por exemplo,
Repare ainda. bem o leitor numa coisa - a monotonieiciade t!
como mostrámos uma C011diç{1o apenas 8UjlCie1lte e ndo neces8ária 45) lim (a"
n~~
+ bIt) = lim a" + tiro b;,
n~~ n~~
<le exist€ncia de limite (jinito ou infinito); por outras palavras:
toda a 8uces8i1o m01lOMnt'ca tem limite (como demonstrámos) mas (permutll.bilídade do sinal de limite com o de adição) excepto no
pode uma suces$do não monotónicu ter também limite - as suces- caso de serem lim a" = + 00, lim bn = - 00;
sões 10) e 15) (parág. 23) oferecem-nos exemplos disso, ;, ..."." n....'"

26. Propriedades operatórias. 46) lim (a", b") = lim a" ,lim b"
,,-+o: J!~""""'"

Como melhor será esclarecido adiante, o nosso objectivo (permntabilidade dos sinais de limite e multiplicat;do) excepto no
final é utilizar o conceito de limite e a operação de passagem ao caso em qne um dos limites é mtlo e o outro infitlito;
limite para a resolução de certos problemas. Para isso torna-se
indispensável conhecer a.s propriedades que essa. operação
possui. Classificá-Ias·emos em dois grupos - propriedades ope- (I) Esta restriifão irá desaparecendQ II medida que as impossibilidades
raMrias e propriedades de passagem ao limite. opl'ratori!.ls se forem reduzindo,
246 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS I"U~D.AIlENTAI8 DA MATEMÁTICA 247

lim a" fazer de cada vez, o que em linguagElID técnica se chama -


. a,.
47) ] .m -b ~ o levantamento da in!kterminaçllo.
~. " lim b" . 2n 8 +5nll +7
Seja, por exemplo, calcular ltm . Nume·
bnll - 311 + 2 n~oo
(permutabilidade dos sinais de limite e divist1o) excepto n08 dois rador e denominador tendem para infinito com n de modo que
casos: estamos em face duma indeterminação : . Para a levantarmos,
lima,.=O, limb,,=O; lim a.,==, limb.. ==; ete. dh'idamos ambos 08 termos da fracçào por n 5 e passemos ao
~_ ........., n....... ".. . '" limite.. Vem
5 7
'O. Os símbolos de indeterminaçio. 2+-+-; .,
• =2n::.'-=-,+-=:5n::"_+-'-c7~ I. n n
Quais 8S razões da restrição 2,a? Estão simplesmente nisto :~~ 5n s -3n+2 = n~~ 5 - -
::I 2'
- é que, nos sete casos apontados, a que correspondem o que +-
n2 11.3
chamámo8 simbolos de iooeterminaçao, o resultado da operação
não pode ser apontaLio a primi. . fi . 7 . . 2 3
umave~ que 11m -=hm a=hm---s=l'm 5= O.
Enquanto que o resultado da divisão do número real a:#O ".......,n n_... n lI ....... n II.-->",n
pelo nÚIDero real b+O, quaisquer, pode ser sempre apontado
O leitor pode levantar deste modo a indeterminação : de
a priM como o número real único c = : qne multiplicado por
qualquer fracção P(n) , onde numerador e denominador são poli-
b dá um produto igual a a; pode uma tal determinação indicar..ae Q(n)
quando dividendo e divisor são nnlos? Ela. seria, se existisse, nómios inteiros em n, quando n -. 00; para esse efeito dividirá
aquele número c que multiplicado pelo divisor, zero, produzisse ambos os termos da fracção por n" sendo a O menor dos dois
o dividendo, zero; mas existe um nÚIDero c, único, satisfazendo graus de P(n) e Q(n) e passará em seguida ao limite quando
à igualdade c • O = O? Não! A esta igualdade satisfaz toda. 8 n_·~oo.

infinidade dos números reais! Por isso, ao simbolo (e 6Ó ~


O 28. Um caso importante de indetermineçio.
como dmbolo e não como resultado operatório ele deve ser
entendido) se chama um símbolo de indeterminaçcto. Adiante havemos de encontrar, com generalidade um panca
Raciocinios análogos, que o leitor fará bom em tentar levar maior, este problema das indeterminações e do seu levan-
a cabo, valem nos restantes seis casos "pontados. 1amento.
Mas então, perguntará o leitor, se nos sete casos de sim w Por agora, vamos ocuparwDos dum caso importante.
bolos de indeterminação, as regras operatórias não são aplicáveis, Consideremos o seguinte limite
quer isso dizer que renunciamos a operar, e conseqnentemente
a. obter um resultado nesses casos? De modo nenhuml O que se 46) lim (n
11.-+'"
+
n
1)" _lim (1 + 1:.)".
,,_, n
passa é apenas isto - o resultado, em cada um desses casos, não
pode ser designado a priori; há que obtê-lo, ou tentar obtêwlo, de Como é lim n +1= 1 [parag. 23, 12)] e lim n = 00 ,
cada vez que um desses casos se apresente, há que procurar 11-7., n "......
248 BE~TO DE JESUS GARAÇA CQXCEITQS FU~DAMENTAI8 DA MATEMÁTICA 249

estamos precisamente 0.0 caso de um dos sim bolos de inJeter· operatorias sào propriedades de passagem ao limite e o resultado
minação - o caso 1"'. ]1~ posstvellevantá·la e determinar assim geral do parág. 25 mostra que:
o limite 48)? É possível e não difícil. Um cálculo que omitimos r. - Â parte 08 casos de indetermúUlção, em Ijlle nada pode
aqui, mas que damoíl no fim do volume, na Nota l, mostra-nos que dizer-sc a priori, 08 8inais operatóri08 C01l8m'Vam-se na pas8agem
esse limite existe e está compreendido entre 2 e 3. É um número ao limite. Vamos ver o que se passa noutros casos, procurando.
ú?llcional (Parte 1. ~ pág. 83 e seg.), trall8ctmdente (Parte 2. a , pág., antes de mais, responder a esta pergunta - se todos os termos
175 e seg.) designado habitualmente pela letra e e que, pela enorme duma sucessão forem positivos, será o limite também positivo?
importância teórica. que possui e cousequente atenção que se lhe Por outras palavras - a propriedade a" > O conservar-se-á D/,
tem prestado como indiVidualidade, é bem de facto - o prindpe passagem ao limite '?
da Aritmética. Encontra-Io-emos por mais duma vez nos capi- Para poder responder a esta questão, vamos começar por
tulas seguintes deste livro. Como é um número irracional, tem considerar a que-otão reciproca - 8e li m a,. > O, o q!le pode
uma d-lzima ir'.fin#a e não-periódica,· vamos dar dela os vinte
dizer·se a respeito dos idf/.ai,~
" ... ",

primeiros decimais, como fizemos já para. o número To (Parte 1....


~
pág. 86), com o qual aliás, ainda que o não pareça, ele é estrei- de a" '?
Vejamos; seja lim a" =
tamente aparentado (1): "'--"0:> _ -o--i~--:;3TL- -
= L > O. Sabemos que, dado "1 -.
e = 2,71 82818284õ9ü4ó23ó36 ... iJ > O qualquer, é possivel deter- Fig.58
minar um índice 111 a partir do
NãO tem uma grande importância que o leitor se lembre qual todos os termos da sucessão estejam compreendidos entre
destas casas decimais para alem da segunda ou terceira, mas é
importante que não esqueça esta igualdade L-3eL+~(parág.15,19');façamosentãoa=~ >0, haverá.

49)
"_H' (
e =1"im 1)".
1 +-
n
IIIll Ímlice '/l, tal que
L 3 L
JI > 111 ...... -
2
< a <'-.
ll
2
29. Propriedodes de passagem 00 limite.
Mas os u", sendo maiores que Lo suo a .fOl'tiol'i maiores que
Ocupemo-nos agora do segundo grupo de propriedades a
que fizemos referência no parág. 26 - as propriedades de paa· zero, logo:
Mgem llO limite. Essas propriedades dizem respeito à seguinte II. ~ Se l~ma sucessdo '/lumel'ável rem limite positivo, eJJish!
preocupação - sabido que nina certa propriedade se verifica UIM uma ordem a pari/r da qual tOMS os termos são positl'V08 e).
termos duma mcessc'fo numerâvel1 será verdade que casa mesma Agora já podemos responder à pergunta feita acima - () que
propriedade se encontra ainda no limite da sucessdo '1LBto é, eSSR if8 passa no limite quando os termos são lodos poBitivos '! Só pode
propriedade c01Uervar-8e~á na. passagem ao limite'? E a recIproca? passar-se uma de duas coisas - o limite ou é positivo ou nulo.
Encaradas deste ponto de vista geral, as propriedades Porquê? Porque se fosse negativo, haveria uma ordem a partir
da qual todos os termos seriam negativos, contra a hipótese.
(1) Por meio da rÓI'mula de Euler B;"'= coa al+ i seu z que, para. z ......,
dá e"" = -1. Para a domonBtra9ão ver por exemplo Emir:lopedla dell~ Mate- (1) Evidentemente, vale uma propriedade allá\oga no caso de I) limite
1ft(l!ir1Je Elementari, pig"!!. 589 e aegs. ~cr negativo.
BE::i'rO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 251

Podem(}1; sintetizar este resultado assim:


e D + :.!:..; daqui resulta que, ti. partir da maior das ordeus l/I
4
m. - 50) a" > 0-.;.. lim a.. à O (l). . que -à (ver u
li.....", e NZ, a. diferença b,,- a,. é certamente maIOr
2
Daqui resulta, duma maneira muito simples, que :figo 59) o que contradiz a hipótese de essa diferença se podei-
tornar arbitràrillmente pequena.
IV. - 51) a.. <r ~ Um a"Lr Não podendo ser Li =!=L é neces·
"~.
sàriamente L "'" Li e temos por-
(basta que o leitor aplique a propriedade anterior à sucessão
b,,= r-a,,).
Se repararmos nos dois resultados que acabamos de obter,
tanto que
V. - Na" eondiçi'Jes acima
enunr:iadas, é
d
"
.-•
notamos que têm esta caracterlstica comum - as propriedades Piy. 59
f'xpressas por desigualdades - a" > O, a" > r - conservam-se na ;)2) lim a" = lim b".
~ ~.
passagem ao limite, mas enfrWJueddas: a condição a ~ O é, com Outras propriedades de passagem ao limite existem ainda.
efeito, menos forte, menos restritiva, mros fraca que a con- mas estas são 88 fundamentais para a compreensão da operação
diçll.o a>O. que estamos estudaudo e do método que sobre ela se baseia-
Para terminar, ponhamos a seguinte qnestão - Ileiam
() método dOIl limitell.

30. O método dos limites.


fh,b 2 ,···b""" limb.. =V
No decorrer dos capltulos que se seguem faremos várias
dUlU Ilucessi'les numeráveis com limites rellpectivamwte L e L' j aplicações deste método.
$UpQ7lham08 que os termOIl correspondentes dessas suees.al:le.a se A sua importância é tal que, embora correndo o perigo d0'
avizinham de modo tal que, qualquer que seja õ > O, eJ:istem repetir o que já foi dito, vamos parar um momento e considerar-
sempre termos correllpondentes tais que b" - a,. < d - que pode a seu significado. Todas as vezes que, na estudo dum fenômeno
dizer-se a respeito dos limitell L e L'? Suponhamos que L e L' de qualquer natureza - f'LSico, biológico, econômico, geométrico,
8ão diferentes - seja, por exemplo, D = L + d. - para a determinação quantitativa dum seu estado nos apareça
Como sabemos (parág. 25, 191) podemos encerrar todos os eOffiO indispensável o considerar a interdependência desse estado

term08 de a", a partir duma certa ordem UI, entre L - ~ e


com os estados vizinhos, essa determinação far.se·á por meio
dum limite -limite que é a resultante da infinidade de possibi-
4
lidades dos estados vizinhos.
,~ + !:... e anàlogamente. a partir dnma certa ordem 'li, em geral Surge·Doa assim uma operação nova - a operaçdo de pas-
4 sagem ao limUe - de que estndámos as pr0J,lr!edades nos par~.
diferente da anterior, todos os termos de bti entre l}-~ grafos anteriores; um dus aspectos eSseoCUllS desta operaçal>
4 reside precisamente no facto de ela, construir um resultado à.
custa. duma infinidade de possibilidades, no facto, portanto, de
ela tomar o infinito como um elemento activo de construção.
(1) Ainda aqui vale uma propriedade análoga no caso em que O~
&ermOl/ são negaüvos. Por mais duma vez no decorrer desta obra, em particulu
BESTO DE JESUS CIo.RAÇA 253
CONCEITOS FUNDAHENTAIS DA MATEKÁTICA

na La Parte, capo IV, parág. 16, e na 2. a Pu.l'te, capo IV,


parág. 13, nos referimos a este problema da. admissão do con- AI' Al , , .. An , ".

ceito de infinito como elemento construtivo na determinação de Tl,T~.,··Tn",·


resultados; vimos, em particular, como esse problema surgiu,
preso ao da compreeu!lào do movimento e como ambos, no fundo, e, contemplando-as em atitude estática, finítÚJta, nota que a dis~
estavam ligados a concepções diferentes do Mundo - vimos tância AIIT.. nunca é uula e diz - não compreendo como A
como na Antiguidade Clássica, S6 opunham em relação a eleg, pode alcançar T!
:lEI concepções eleátiea e heracliteana (Parte 1. 8, capo IV, O matemático moderno de posse da operação de passagem
parág. 14). ao limite, raciocina desta maneira: no estudo do fenómeno em
Que o conceito de limite e consequentemente o método dos questão, o estado particular - encontro dos dois móveis, - se se-
Umites, está na linha de pensamento de lJerarJito, que assim viu, der, só pode ser compreendido em interdependência c0;o OB-
vinte séculos passados, o triunfo da sua concepção, é evidente estados vizinhos. Determinemos portanto o resultado dessa mter-
para quem tenha seguido lt construção feita neste capitnlo. Como dependência: se chamal" d à distância AI TI (avanço inicial de
exemplo do modo como esse mesmo facto é reconhecido moder- T. sobro A.) as distâncias dos dois móveis nessas posiçõe&
namellte, citaremos as seguintes palavras de Jacques Hadamard, IlUcessivas são
um dos melhores matemáticos franceses contemporâneos: .Não é
somente pela maneira de tratar os problemas que a Ciência d d d
Matemática moderna difere da que a precedeu: a partir do d'"2''4''''2''''''
Renascimento, esta Ciência foi transformada não somente nos
seus métodos, mas no seu próprio objecto. Pode dizer-se que o " d
papel de um precursor, a esta respeito, foi desempenhado pelo filó- e, como limite desta sucessão nomerável, temos I lm- = O c
":""..,-2"
sofo grego IJeracUto que, no século V antes da nossa era, ensimwa - annlamento da. distância no limite.
que o estudo do ser, num estado determinado, DitO se basta a Assim, Zenào de Elea, contemplando estàticamente as suas
si próprio e deve, de toda a necessidade, ser completado pelo duas sucessões, infinita.s de possibilidades, nllo pode fazer mais do
do devir j que a consideração deste é indispensá\'el à. compreensão que verificar o desacordo entre a realidade e o esquema racional
daquele. Esta intuição adivinhlH's o caminho que havia de que queria arruíntlr - a concepção pítagórica do Universo-
seguir, precisamente, a Ciência Matemática nos tempos moder- mas sem ser capaz de integrar o movimento no seu próprio
nos» (1). esquema - a concepção eleática, dominada pelo conceito da.
Vejamos como esta via nova, aberta pelo conceito de eontúlUülade na {molnlidade.
limite, permite resolver dificuldades antigas. Está o leitor cer- O matemático moderno, adaptando em relação no conceito.
tamente recordado, da argumentação de Zenil.o de Elea a respeito de infinito uma atitude dinOmica, tomando-o audazmente, comI)
da compreensão do movimento, argumentação que expusemo8 elemento de construção ('), obtém o resultado que a experil'ncia
na Parte 1.1, (cap. IV, parág. 15, pags. 78-79) e que relembrâmo8 confirma e construi o instrumento matemático que permitirá
nos primeiros parágrafos deste capltulo. Que faz Ze~o no seu integrar o movimento no mundo da continuidade - o instru-
argumento Aquiles e a 1 artaruga 't Construi duas sucessões de mento próprio para o estlUw matemático do delJir! - e que cons-
posições llucessh'as de A. e T.: tituirá uma das principais alavancas do renascer daquele gran~

(I) EncyclopMic Fraf/çaíse, 'rOlOO I, Parte 11I. (1) O que IJão é, como veremos~ isento de perigo~.
2M HEXTO DE JESUS CARAÇA

dio:m ideal- uma vez surgido e logo arruinado - da ordenaçdo


'I1lntemática do OQlmoR. Enca.rado deste ponto de \'ista., o método dOi!
limitesconstitut uma das mais belas vitórias da inteligência humana.

31. Sir Isaac Newton.


Não julgue o leitor que este método surgiu na cabeça de
algum construtor privilegiado, com a forma lógica sob que Capítulo /I. Um novo instrumento mate-
neste capitulo o expusemos. Esta é o resultado de uma longa m6tico - as séries.
evolução, entre tentativas, dúvidas, vít6TÍas e disCDSl!Ões. Rafe-
rir~nos'emos a isso num outro capitulo desta obra. Para já,
tloeremos mostrar ao leitor a forma com que o método apareceu
na obra de um dos seus primeiros e mais potentes realizadores
- o grande Newton. 1· Uma some de espécie nove.
Na sua obra magístral- Pr/."ncípwfJ MatemáHcos da Filo-
.sofia Natural- uma das maiores que a inteligência do Homem Acabâmos de ver como ll. operação de passagem ao limite
produziu em todos os tempos, ele apresenta as baaes do que nos permite interpretar matemàticamente o encontro dos dois
chama o l.létodo dru primeiras e últimas razões e que não é outro móveis postos no argumento de Zeulio de Elea. Permitirâ ela
senão o Método dos limilefl. Como primeira dessas bases, enunciou o também obter o ponto em que esse encontro se realiza, isto é,
determinar o espaço andado por cada um dos dois móveis até
L~;MA 1. As quantidades e as ratJi)es de quantidades que tendem
ao ponto de encontro? Vamos ver que sim.
constantemente a tornar-se t[;lIais num tempo finito, e cuJa d(fe. Suponhamos para simplificar (fig. 60) que a distância que
rença, antes desse tempo, se torna menor que qualquer d~ferença separa aS posições ini-

,,
dada, sertio enfim (quais. ciaisde A. e T. é igual à
unidade, A 1T;=1 j sera r ~ ~t~!
então (se a velocidade ,, , I"
Ueconhece-f3e, sem dificuldade, neste lema a propost'ção r de A. é, Como supose- ,
I

:... 1 h :15: :
do parág. 28. Que diferença na cODstrnção do método! Mas não ! ~_~_l_
mos, dupla da de T.) A ..,
parece ao leitor que, pôr aquela afirmação como primeira das
Lases do método, oferece, pelo menos, uma longa margem para
-- 1 - 1
A!lT'j="2' A a T.'l="4'···
1
"r, r,
discussões sõbre a sua legitimidade? Foi o que, precisamente.
aconteceu. O Método das Jlrimeiraa 8 últimQ$ raZÕ8$ nasce0 já A..T.. =
1 , .. de
num ambiente de larga controversia a respeito dum método 2,,-1
-anterior - o dos lndivisit.'eis. Newton, prellseutindo a tempes- modo que a soma dos espaços andados por A. quando ocupa
tade, justificou-se logo de entrada, com certa minúcia, o que a 'Posição A" é
nem sempre estava nos seus hâbitos fazer, sobre a essência do seu
método. Trabalho perdido I A tempestade redobrou e os seus > 1 +-+-+.
1 1 1
ecos rolaram ao longo de todo o século XVIII. até quási ao 1) S ~ 2 ~-2
" 2 22
final do XIX. Estarão eles hoje totalmente extintos?
2M BENTO DE JESUS CARAÇA COS"CEITOS FUNDAMENTAIS DA l("\'fEIIIÁTICA

ou seja, por se tratar da soma dos termos duma progressão L. Será, se isso se der. )1as, dá-se? A entidade 3) não tem
geométrica de razão 1/2 J as propriedades da soma r
A. Vejamos a coisa com um ponco mais de generalidade e
2) S = 1 -11'"-'
," =2 ( 1 - -1-) =2---.
1 abandonemos, por um momento, a entidade 3). Consideremos
" 1 - 1/2 2"-1 2i1-~ uma suc~ssão numerável de números reais quaisquer, positiTOS
ou negativos,
A soma dos espaços andados por A. atê ao ponto de
encontro obter·se-iL agora (cap, 10, parágrafo 29) pela operação 4)
de passagem ao Umite a partir de Sn e ter-se·á
e formemos, a partir dela, as duas entidades ll.nalíticas
8 = Em 8 .. = lim (2-1/2>1-2)=2-0=2.
ó) Ul+II~+"'+U,,-
Âssim, os dois móveis encontram·se à distância 2 do ponto
de partida de A., resultado que a experiência confirma.' Fomos, 6) UI+Ut+···+ U,,+.
deste modo, condnzidos a considerar n. entidade anaUtica
. A primeira é, sem dú\'ida, uma Sorna de H pnrcelas a,
1 1, 1 qU~lsquer
3) 1 +-+-, ... +-+ ... que elas sejam, podemos usar as propriedades habi.
tum.~ - trocar a ordem dos termos (prop. comutatit'a), colocar
2
2 2 2"
ou tirar parêntesis (prop. associativa), etc., sem que ela se altere.
e foi sobre ela que exercemos a passagem ao limite acima indicada. !Ias não podemos fazer isso à entidade 6) sem correr o perigo
Entidade anaUtica que é J afinal, nma soma duma infinidade de de nos encontrarmos em face duma JllOllIftruolfÍdade Q1·itmética.
parcelas, dirá o leitor. L. Como assim?
A. J~ o que \'ais ver, amigo. Vou «demonstrar·te] que
2. Pequeno diálogo do leitor com o autor. 1 = 21
Considera a soma (empreguemos, prodsuriamente, essa
Autor. Um ponco maís devagar amigo. Julgas.te renlmeute designação)
no direito de chamar soma à entidade 3)?
Leitor. Porque não? 7) S~l
1 ·c 1
__ 1 + 1 1 +
A. Vamos a ver. Não é verdade que a adiçllo, tal como 2 '3 4 [) 6
até aqui a temos considerado sempre, é nma operação que
envolve um número finito de parcelas? e multiplica amllOS os membros da igualdade por 2; obtens
L. Sem dúvida.
A. E que essa operação é caracterizada por um conjunto 21212121
de propriedades que a individualizam, no meio da aparelhagem 23=2--1 +---+---+---+---+
3263749[)
operatória de que dispomos?
2 1
L. Também é verdade. +----+ ....
.A. Que acontecerá então se a entidade 3), apesar de revestir 11 6
a aparência duma soma, niio possuir as snas propriedades? Não
será perigoso continuar a chamar-lhe soma '! Ag'Ol'll dá ao segundo membro o seguinte arranjo, em que

"
258 BEN"TO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FU:IDAMEN'TAIS DA MATEMÁl'ICA 2õ9

não !Ie omite DeDl repete nenhum termo, usando apenas a pro- perspectivas que subitamente se rasgaram 11 nossa contemplação
priedade comutativa, maravilhada I
_ lIas 6ste exemplo (muitos outros poderia apresentar-te)
28=2 - 1 -1- +2- -1- - -
1 -)- 2 11 2
-:-----l-
1 .", mostra bem como ó fácil abrirem.se alçapões aos nossos peg-
2 3 3 4 Õ ã 0 I 7 7 neles cairam alguns dos grandes da História da Matemática. A
ideia de infinito pode ser de uma utilidade preciosa nas nossas
põe os seguintes pnrêntesis mãos, mas, para que se não tran!lforme, pelo contrário, numa
nova causa de confusão, temos de ir para ela isentos de quais-
2S~(2-1)-!-+ (~_!-)_!-+(~ -~)_!-+ quer preconceitos quanto à extensão das propriedades das enti-
23,13 40D6 dades finitas. É como se, de súbito, nos encontrâssemos, audazes
12
+\7-7-·
1) mas surpresos, em face dum gigante, portador de forças des-
conhecidas - temos que forjar novos instrumentos de luta e
adaptar UIDa estratégia nova. Vai nisso a condição do êxito da
e efectua as operações dentro deles (propriedade associatiYa); noslJa empresa.
obtens L. Estou pronto a acompanhar-te nessa nova jornada, se,
contudo, ela não for demasiado árdua ...
28= 1 -1 - -+- 1 1..L.1 1 ...L _ I _ • A. 'Não I Vai ser extremamente simples! Ê tndo uma questão
2 . 3 4' 5 6' 7 de se ser metódico - cientlficamente metódico.
Primeira coisa - vamos banir da nossa linguagem tudo que
isto éJ 2 S = S donde 2 = 1 . possa originar confusões. Àquilo a que chamaste soma duma
inflnldade de pareelaa, vamos dar, desde já, outro nome; "amos
O resultado é manifestamente absurdo, não é verdade? Ora, passar a chamar-lhe uma série. Assim,
quais são as causas de erro em todo o raciocl.nio que fizemos?
L. Só vejo três possiveis: ou a igualdade 7) nada defin.e de DEI<'1XIÇÃO I. - Ohamamos série ti entidade analifica
facto e S não existe; ou é S = O e a pasl'lagem de 28= S para
:3 = 1 não é legitima; ou então a aplicação das propriedades 8) Ul+U2+ ... +tt,,+ ...
da adição não é aqui legitima.
A. Muito bem. Das três possibilidades que encaras, só a e~n qzw .figur? uma infinidade de termos (1) UI, Ut, • , . U", ... 1
última é, de facto, uma causa de erro no nosso caso; havemos hgados pelo smal + ; ao termo U n chamam08 lermo geral da sble.
de ver adiante (parâg. 14 deste cap.), que ti. igualdade 7) não é Os termos podem ser números: quaisquf:\r, reais on comple-
illJsória e que é 8*0 (parág. 7 deste cap.). xos, ou mesmo entidades mais gerais; vamos supor, por
L. A conclusão é, na verdade, perturbante. Como proceder enquanto, que são números reais.
daqui em diante? Deveremos renunciar a trabalhar com somas a essencial da nossa estratógia é ver em 8) uma entidade
duma infinidade de parcelas "I nova, sobre cujas propriedades nada pressupomos. Quanto à
A. Toda a já longa conversa que temos tido desde que aparelhagem de ataque, ela vai ser dominada por nm conceito
assistimos à criação dos números naturais a partir da operação no-vo - o conceito de convergêllCÚt - (lependente do de limite~ e
elementar da contagem, te deve ter ensinado que em Matemática, que vamos agora estudar.
a regra nl10 é renunciar. "
:lluito menos o devemos fazer agora, em face de tão grandes (1) Banimos tamb~m o nome parcelas.
260 BENTO DE JESUS CARAÇ'A COXCEITOS FUYDAMENfAlf$ DA MATEMÁTHJA 261

3. Conceitos de convergência e divergênci~. 1 1 1


13) l+~-L~+
') L <)2
... +-+ ...
Seja então, a seri" -' ... 2"
a) Ui + nil -I- ... + 11" + ... 0, pelo que vimos no parágrafo 1 deste capítulo, conrergellle e
tem por soma 8 = 2 .
de te17liO geral Uu' ..1 série
Oonstruamos, a partir dela, as somas parciais
1 1 1 1
Sl = U1
14) 1 + - + - + - + .. , +-+ ..
1! 2~ 3! 11 !
S2=U1 + U2
83 = Ui + U2 + ua é convergente, como veremos adiante (parág. 5) e tem por SQma
um número compreendido entre 2 e 3. Mais precisamente,
S" = UI -I- U2 + ... + lt" demonstra·se que esse número é aquele que definimos no
parág. 27 do capo LU pela igualdade
e consideremos a sucessão numerável, chamada sucessi10 de..filli·
dora da série
10) ;,'1, 8 2 , ... S" , ...•
15) '~lim(1 +Lj".
" ...."" n/

DEFIYIÇÃO li. - Se a suces8l10 10) tiver Umite fl'llito (cap. V', Xli. "Nota II no final deste \'olum6 damos ao leitor a demons-
parag. 16 e seg.), a sêrie diz-se convergente e ao número tração da igualdade
11) 8~lim S"
lu) ' ( l+~
e=hm 1)" =l+~+~-I-
1 1 ... 1
+~+'
n ..... '1O n 1! 2! n1
chama-se some da série.
A série
Se a sucessão 10) tiver limite infinito, positivo ou negati\·o
(cap. LU, parág. 20), a série diz·se divergente (por extensão de 1 1 1 1
linguage-In J diz·se ainda que ela tem soma infinita). 17) 1 - - + - - - + .. , +(-1)"--.;- ...
Finalmente, se a sucessão 10) for indeterminada (capo 1. G 3 [) i 2» + 1
paritg. 22), a sh-ie diz-se também indeterminada ou oscilante. é também convergente, como veremos no parág. 14 deste cap., e
Em resumo:
= S
Série convergente ---+ Soma S
-+
tem por soma ° lll'lmero ~4 (o que só mnis tarde 'P0deremoli

' S = + "" -.. Série divergente . . . . Soma + 00 mostrar).


12) I I III ' A série

1
,,__ " Não existe _ Série indet. ou oscilante ....... Soma
não existe. 18) 1+2+3+" +11+"·
Vejamos alguns exemplos. é divergente, como imediatamente mostra a sua sucessão
A série definidora
262 HE~'.rO DE JESUS C;\R.... ÇA.. CONCEITOS FU~DAUENT.u8 DA )lATEllÁTICA 263

8 1 =1, S~=:3, ... lim S,,= +=, S. As séries de termos positivos.


Para estas séries pode estabelecer-se que
A série
PlIOP. 1," - Uma sêrie de tm'mos positivoo nunca é illde.tennúwda
1 1
1+_-1..-_+ ... 1
+_--i.. ... - ou converge ou diverge, e a condir;l1o nece88á1'ia e sufieünte
19)
2 3 I n ' para que eonvú;ja é que a 8ua 8I/Cessao definiI.lo1'a sfja limi-
tada superwrmente.
chamada Sél"ie lulrmónica, porque cada termo é média har-
m6nlca (1) dos dois que o compreen.dem} é divergente (demQllS- Isto resulta imediatamente de que, se a série
tra-sel. A sua divergência, por não ser tão intnitiva, como a da 22) Itl + + ,.. +"n" + ...
U2
série 18) por exemplo, foi motivo de perplexidade durante bastante
tempo; no entanto, na segunda metade do sécnlo XVII, já ela tem os seus termos todos positivos, a sua sucessão dfi}im:dora
ficou estabelecida Cl . 23)
A série
é monotónica Cl'escente (cap.l,o, parág. 24) \'isto que de u,,>O
20) 1-1 + 1 ~ 1 + ... + (-1)'-' + ... + >
resulta S" = 8"_1 u" 8"_1'
O leitor não tem mais do que recordar as propriedades
é, evidentemente, indeterminada, visto que a sua sucessão defi- destas sucessões e transportá·las para as séries através dos
nidora conceitos de convergência e divergência para veri:ficar a verdade
21) 1,0,1,0,,·. da propriedade enunciada.
É agora muito fácil mostrar qne, como dissémos: no pará.
é, como sabemos (cap. 1.0, parág. 22), também ~·ndetel'minada.
grafo anterior, a série
1 1 1 1
4. Propriedede$, 24) 1 + - + - + - + .. ·+-+ .. ·
11 2! 3! nl
Voltemo!! agora a nossa atenção para esta questão impor- é convergente e tem por soma um número compreendido
tante - uma vez que as séries entram no dominio da aparelhagem
matemática, precisamos de saber quais as suas propriedades e entre 2 e 3.
quais as regras operatórias a que o seu cálculo está sujeito. Calculemos Sn; tem-se
Tal estudo é longo e não pode ser dado aqui em pormenor j SI 0== 2
vamos apenas apresentar ao leitor os sells resultados essenciais. , ,.. 1
Logo no ini.cio desse estudo surge, como faCto de capital .s~=;::+-

reltvo, o aparecimento de uma categoria de séries de propri6dadss


2!
particularmente simples. 8 3 = 2 +.!..+.!-
. :? I 31
(I) Ver Pa.rte t.", pág. 71 i o leitor ....erifica sem dificuldade que a 1 1 1
<lefiniç50 que lá é dada coodu!'; a que se c é média aritmética de a 11 b, l/c S" =2+-+-+···+-
2 ! 3! N.!
é média harmóniea de l/a. 6 l/b.
(1) Por Pietr(J Men!l()U em 1650 e Jacquet BenuJIlU! em t689.
264 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 265

Ora, em primeiro lugar é c\'idente que da ordem dos fel'mos ou a aposiçilo Olt sIJpl'essào de parim-
tesis não altera o earácler da série nem, 110 caso da conver-
25) 8,,>2. tJência, a klW soma (1).
Por outro lado, tem,se .t demonstração, embora fácil, é um pouco extensa pelo
qne a nilo damos aqui ao leitor.
S" ~ 2+ ~+ ~ + .. , + ~< 2 +~_L~+ ... +_1~ Quer esta propriedade di7.er, no fundo, que as séries de
2! 31 n! 2 L 2Z <)"-1 termos positivos se podem tratar como as adições dum número
e como finito de parcelas - podem trocar.se termos, associá-los ou
desassociá·los corno se quizer sem que isso produza alteração
., I 1 1 1/2 - 1/2" na soma.
... +-+-+···+-=2+
... -
O)
..
0)2 1 0);'-1 1("... = Repare o leitor num dos aspectos deste facto - seja uma
- st'>rie de termos positivos
= 2 + 2(1/2 -l/:!") = n__ 1~
;Z,,-1 21) UI + t/2 + ... + ti" +
vem e construamos o seu S"
2(\) S" <:J. 28) 8,,=111 +112+ .. , +u".
A sucessão definidora é portanto l1'mitada s/pm'io1'lIlenfe
]~ claro que no 8", soma de n parcelas, nle sempre a
(S" inferior a :3 qualquer que seja 11) logo, como se trata duma
propriedade comutativa e a propriedade associativa, mas que se
série de termos positivos, a série converge (propriedade 1."
deste parág.). passa no seu limite? Conservar-se-üo ainda essas propriedades?
A propriedade 2. Q diz-nos precisamente que sim. ela pode por-
, Aplicando agora às duas desigualdades 25) e 26) as pro-
tanto enunciar-se desta maneira:
priedades de passagem ao Umile (cap. V', parág. 28) temos as
• duas novas desigualdades PRor. 2. Q - a) 1\las séries de termo" positivos, as propriedades
Mmufafira e associativa C01l8erram-Se na passagem ao limite.
8,,>2 ---.. lim S,,~2
"~.
6. As séries de termos reais mas de sinais arbitrários.
8,«3 ---... lim S"L3
" .... :<> As conclusões a que acabAmos de chegar são profunda-
que nos mostram que a soma da série está: compreendida mente modificadas, em geral, quando se trata de séries em que
entre 2 e 3. há uma infinidade de termos positivos e outra de termos nega-
Quanto à manutenção das propriedades formais da adição, tivos, corno e, por exemplo, o caso das séries já nOSS81'
estas séries comportam-se também da maneira simples que é conhecidas
descrita pela seguinte propriedade:
(1) Considerando a divorgíJncia como 110 '!(I,SQ de soma infinita, IJ final
Paol'. 2. ~ - As séries de tel'IMS posttivos gozam das propn'edadeil tio enUllcia10 torna-se mai::! aimplee -OI . ,a altel"lll:iW da ordem ÚQ/1 lerl1WIl
comldatit'u e associat!'va - qner úto dizer que a alleraçdo {lU a tljlO9içi'lo ou $"pl'e,~s1i(J trC p[lTêJrtcsil! nlio altera a I!&ma da l!érieB.
200 BE~TO DE JESUS CARAÇA CQXCEITOS FU~DAMENTAl3 DA MATEMÁTICA 20j

29) 1-1+1-1+." a" = (_1)"-1


34)
1 + ____
l __ 1 1 L ... a" = (_1)"-1. _1
30) ou seja
2 3 4'
" 33')
111
- + - - + - - + ...
1 1 1 1 1·2 3·4 5·6
31) 1 - - + - - - + .. · a" = (-1)". - .
1! 2 t 3! nl
1 1
34') 1 - - - - - - ...
A série 29) mostra-nos logo que a propriedade l.a do pará~ 2·3 4·5
grafo anterior não é aqui, em geral, válida - uma série de
termos reais eD'/n sinais arbitráriQs pode 8er indeterminada. e daqui podemm. concluir alguma coisa a respeito ua soma S
E quanto à prop. 2. a? O caso requer um exame um pouco da série dada.
mais demorado, que vamos no entanto fazer com um rnlnimo de Com efeito em 33') tem-se para 11 > 2, S ">"9+
1 1 _ 7
19-----:)
tecnicis1JlO. '" ~ 1~
7 1 10
7. Quento à propriedade associative.
logo 8::::::.. 12 e em 34') tem-se para n> 2 Sn<l--=-, 6 12
10
Vamos encará"la sob os seus dois aspectos - aposição e donde S L.. - . Pode) por consequência, afirmar-se que para a
e supressão de parêntesis. Para cada um deles vale uma pro· -12
priedade que daremos ao leitor sem demonstração. soma S de 32) vale a aproxima~ão dada pela dupla desigualdade

PROl'. L" - Numa 8érie convergente de term08 f'eaia podem colo- 7 10


35) -LSL..-
carose par~ntesis como iJe quizel' sem que a soma s~a alte,·ada. 12- -12
Assim, da série que sabemos ser convergente (embora não _ . _ d 3 1
tenhamos ainda dado as razões) (D ou seja uma aproxunaçao fi 12 =4 .
Tomando mais um e mais dois termos em cada uma das
1 1 1 1 1
32) 1 - - + - - - + - - - + -.. séries 331) e 34 1) o leitor encontrará as limitações
2 3 4 5 6
37 LSL47 . _ 1
obtemos, por aposição de parêntesis, as duas séries conve"l"gentes
:16) "proxlmaçao -
60- -60 6
e com a mnma soma
37) 533 LSL638 aproximação.!. (I).
33) 840- - 840 8
(f) Repare o leitor bem que este r::l.eioCÍnio, só por si, n§o prova que S
nata; ele estâ suhordiuado a que ::I. série seja convergente, o que ainda
(I) Vide parág. 14 deste capo não sahemos averiguar. Só o aprenderemos no parágrafo 14. _
268 HE~"O DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMEN'l'AIS DA .MATE:'I.ÁTICA 269

Quanto 11 supresssão de parêrrtesis, é ela regida pela donde ela resultou - apelJas pela operfl9ão de tirar e ptJl' pal';}n·
~eguinte propriedade tesÚJ! - tem soma zero, logo 1 = O J
O leitor, atento às considerações que até aqui temos feito,
PROP. 2. a _ Numa sél'ie com:ergente de termOfl reais, podem, supri. reconhece imediatamente qne o raciocinio feito para (ldemonstrar~
mb--se parêntesis desde que a ?lat'u sene obtida seja conver- que 1 = O não vale nada, visto que tirar os parôntesis na séri~
gente; fie iS80 se der, então a suprelJSIlo faz·1Je sem alteração 38) não é legitimo por se obter assim uma série que não é con·
da soma, vergente. Mas no século XVII esta questão estava longe de ter
sido tirada a claro como o está hoje e iUguus grandes da Mate-
Como se vê, a legitimidade da operação está aqui sujeita a mática, como Leibníz e os Berf/oulU, ticaram impressionados com
uma condição - a de que a 1wva sél'ie 8#a convergente .' e ó este resultado paradoxal. E como há sempre gente para quem
portanto mais restrita do que a operação atrás considerada de as coisas mais obscuras são a própria claridade (1), não faltou
apor par~J!tesi,~: Na adição dum número finito de parcelas a quem aproveitasse a «demonstração matemática de que O = In
legitimidade das duas operações tem a mesma. força e aqui tem para base duma cOIlstruçãozinha metafisica. AfJfJim, referem os
o leitor um exemplo flagrante de como propriedades igualmente hiatoriadores que Guido Grandi cria que a «tranaformaçàull do
fortes em entidades finitas deixam de o ser por efeito da zero em um por meio duma s~rie era uma demonstração mati;'l-
opera.ção de pa.ssa,qeln ao limite. . . mática de que do nada se podia. criar qualquer coísa por meio
B do século XIX o estabelecimento, em bases rigorosas, duma força infinita I
do conceito de convergência e J cOfisequent0mente, da legitimidade Como w os problemas da. ori.gem do Universo fossem
de aplicação às s~ries das propriedades da adição. llas as coisa tão pequena que pudesse caber numa simples operação de
séries começaram a Ber usadas muito tempo llntes, I$endo-o já tirar um parêntesis ou pôr um paréntesis!
correntemente na segunda metade do !ooulo XVII.
O resultado foi que, durante muito tempo. se cometeram 8. Quanto 6 propriedade comutativa.
em cálculo de séries, os mais ,'ariados êrros. Referiremos ao
leitor um dêles, ligado com as propriedades que neste momento Aqui, o facto dominante é êste - a p1'opriedade c011l1ttatinl
estamos estudando. não é, em geral, válüla nas 8éries. Quer dizer.. a troca dos terll1M
Seja a serie, convergente, e de soma zero duma série convergente pode alterar profundamente a sua con-
vergência.. .
:38\ (1-1)+(1-1)+---+(1-1)+--- a,.~I-I~O. A «demoDstracii.ol) que fizemos no parágrafo 2 deste capi-
tulo de que 1 = 2 baseia-se precisamente neste facto - com um
Tiremos os parênteBis; obtemos a série arranjo conveniente dos termos, conseguimos que a série se
transformasse noutra. de soma dupla.
3~) 1-1+1-1+ .. - Portanto, leitor, em séries - cuidado com (/ propriedar.ll~
comutativa l
-e agora, nesta, tornemos a pôr parentesis, mas duma maneira Não quer isto dizer que não haja séries, além, claro, das
diferente : séries de termos posith'os - em que a propriedade comntativa
~ 1-(1-1)-~-~-~-~-'"
Esta série é manifestamente convergente e tem por f!.Oma. (I) O que não vai, evidentemente, :roem uma terri\'el cotltn-
1, "isto que SI = 1,81 = I, SJ = 1, ... S" = 1, ... mas a série j
partida.
270 BESTO DE J~SUS CARAÇA COXCEITOS FTJNDAIII~TAlS DA MATEMÁTICA 271

seja válida. Um estudo desta questão, que excede, no seu por· vergê~da tem com a propriedade comutativa - as relações
menor, os quadros deste livrinho, le\'[L-nos às seguintes con- descrItas pelas seguintes propriedades
clusões. PROl'. La - Toda a série abifOlutanumte convergente goza da
propriedade comutativa, isto é, pode alterar-se, de qtUJlquel'
9. CooV'ergl$neía absoluta e convergência simples. maneira, a ordem dos seus termos sem que u :néU soma u
allere.
Consideremos as duas séries de termos reais, já nossas
conhecidas, ambas convergentes Uma série que goze da propriedade comutativa, illtO é,
em que se possa alterar de qUtllquer maneira a ordem dos
1 1 1 termos sem que a 80ma se altere chama-se habitualmente nma
41) 1--+---+ série de convergência incondicionada. Com 6sta nova definição.
11 2~ 31
a propriedade La pode enunciar·se assim: -
1 1 1
-12) 1--+----'-··
') 3 4
. L
PROP. 1. a. a) - A convergência absoluta de l!ma série assegura a
sua convergenc~'a incaniliciQnada.
e formemos as séries dos módnlos dos I>SUS termos: Quanto às séries semicomrergentes, passa-se o seguinte:
1 1 1 1 PROl'. 2. a - A convergtncia simples nao a.ssegtl1'o, a convergência
41) 1+-+-+-+ a,,=- t:ncondieionada; pelo contrário, é sempre pos8ivel dar aOIl
. 11 2! 3! n! termos duma série semiconvergente um a'ITanio tal que se
passe, à 11O$Sa vontade, qualquer das três coisas 3eguintes:
1 1 1
1+_+_-'-_+ ... 1 a.) a série continuar con'l.\ergente com Olitra soma, pi"h'úl-
U,,=-.
2 3 L 4 n mente designada,-
b) a série passar a ser divergente,.
Estas são ambas l claro, séries de termos positivos e a sua. c) u série passar a ser indeterminada.
convergência é-nos já. conhecida - a série 41 1) é convergente
(parág. 5 deste cap.) j a série 42') é a flérie harm6nica que sabemos E aqui tem o leitor a razão pela qual para «demonstram,
ser dit.ergente parág. 3 deste cap.). no parágrafo 2, que 1 = 2, fomos buscar, precisamente, urna
série semiconvergente.
DEl"IXIGÃO IH. - Toda a série convergente tal qlle a série dos Não abandonaremos este assunto sem chamar a atenção do
m6dulo$ dos seus termos s~ja convergente chama-8e IIIbsolu- leitor para um aspecto dele, em que talvez já tenha reparado
tamente convergenle; toda a série convergente tal que a -° simples conceito de convergência, tal como o definimos no
série dos módulo8 dos sens termos srja divergente chama-se parágrafo 3 deste capitulo, não chega para assegurar que a
simplesmenfe convergente ou semiconvergente. propri~dade comutativa se conserve na passagem ao limite; para
ISSO fOI preciso criar um novo conceito, mais restrito mas
Assim, segundo esta definição, a série 41) é a&olutamente fiam forte: o de convergência absoluta. Conjugando isto com
C01llJtn'gente ou de convergência absoluta,. a série 42) é simples- algumas considerações já feitas atrás, não vê aqui o leitor os
mente convergente ou de converg~ncia simplM. primeiros sinais do despontar dum novo grande tema - averiguar
Pois muito bem - o carácter absoluto ou simples .Ja con· das condições sob as: quais certas proprle-dades s-e comportam
272 BENTO DE JESUS CABAÇA CONCEITOS FUNDAHENTAI8 DA JlATEHÁTICA 2'13

{lUando sujeitas à operação de passagem ao limite e modificar os mulUplicando cada parcela duma soma por trxlaA a, da olitN e
conceitos quando preci~o, para que nessa passagem elas se adicionando os resultados:
conservem '(
Adiante encontraremos outras, e porventura mais impor- 46) (a, + a, + ... + a.) . (b, + b, + ... + b.)-(a,b, +
tantes ainda,varialJões deste tema. atll, + ... + aIb,,) + (4tbl + a,hl + ... + a,b..) +
+ ... +(a.. b1+a"bl +··· +a"bn).
10. Oper"ções sobre séries. É natural que, ao tentar multiplicar duas séries
Voltemos agora a nossa atenção para esta outra questão ~ 47) UI+Ug+U3+ " . +u..+ "0

será possível submeter as séries às operações habituais: Somá·las?


48) Vl+V~+Va+··o+V .. +'"
Multiplicá·las'? E se fõr, de que maneira? Sob que condições?
O exame da. questão, na sua generalidade, levar-nos.ia para procuremos faz&.lo por extensão natural deste processo e que,
muito longe dos quadros deste livro - basta-nos estudar o que assim, comecemos por multiplicar cada um dos termos duma
se passa com a ndição e a multiplicação e, mesmo assim, mais série por todos Of! da outra, o que nos leva ti. um quadro dupla-
nada faromas do que apresentar os resultados; eles ser-nos~ão mente infinito
precisos adiante.
Quanto i~ wlj~'ão de só·retJ, as coisas passam-se com extrema
simplicidade.
Dadas duas séries convergentes 49)

43) ltl + 1/~ + o • o + ti" + .. o soma S U",Vs

44) Vi+r2+ o •• +t'",-:- --, soma T com uma infinidade de linhas e uma infinidade de colunas.
Agora, seguindo sempre o caminho mais natural, há que
o leitor, apoiado apenas no conceito de convergência, não tem a procurar arranjar estes termos numa série sem omitir nem
mlnimil dificuldade em provar que a série repetir nenhum j a maneira mais simples de o conseguir é ir
tomando os produtos que estão em cada uma das sucessivas
45) 111 -1- Vi + U2 + ii2 + .. -+ U" + v,. + o __ diagonais, como está indicado em 49), e fazer da soma dos
produtos em cada. diagonal, um termo da série a construir.
obtida adicionando termo a termo aS duas dadas, é convergente Obtemos assim a série
e tem por soma S + T.
Mas já quanto /lO produto se requer um pouco mais de 50)
cuidado. em que
U,=UIVi
11, Multiplicl!lção de séries. Us = Ui V2 + 112'!Jl
Antes de mais nada, vejamos: como fazemos nós a multi-
U:\ = UIVa + U2t'2 + UaV,
plicaçlo de duas somas de 11 parcelas jl - ,Multiplicando, diz-nos
11 propriedade distribnti"a da multiplicação em relação à adição,
274 BE."i'l'O DE JBSUS CABAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA HATEMÂTICA. 270

Feito isto pergunta-se - que relaçl:les 'existem entre as séries de que adiante teremos de fazer uma. aplicação importante.
47) e 48) e a série 50)? Essus relações sào descritas pelo Como o leitor decerto já. notou, esse algoritmo representa. a
seguinte teorema que nos limitaremos a enunciar: eztensào às 8érie8 da propriedade distributiva da multiplicação.
Teo7'6ma da MultiplicaçaQ de séries. - Considerada' as séries E não deixou certamente de reparar também no papel preponde-
47) e 48)j ambas supostas eonvergentC8 e de 80mwr respectiva. rante que nessa extensão - conservação na pa8sagem ao limifc-
representa o conceito de convergência ablloluta.
mente S e T:
a) Se 47) e 48) são ambas absolutamente convergetltes, então
a série 50) é tambem absolutamente convergente e tem por soma 12. Como averiguar da convergência duma série l'
S . T (Cauchy).
b) Se uma, pelo menos) das séries 47) e 48) é absolutamer,te Está tudo muito bem, dirá o leitor. Estou, neste momento,
convergente, então DO) é convergellte e tem pQ1" soma S· T de possa do conceito de com'ergência e da sua importância,
conheço algumas propriedades fundamentais ligadas com esse
(Mertens).
c) Se 47) e 48) .,ao convergentes e 50) tambem é convergente, conceito, sei mesmo efectuar algumas operac:ões sobre séries,
então a sua soma é igual aS· 'f (Abel). mas como reconheço eu se uma série ó ou não convergente?
Temos deixado até agora, propositndamente, de lado essa
O leitor notara ti. menor força dos resultados à medida questão que faz parte mais dn téc1lica das séries do que do
que as condições da hipótese vão sendo também menos fortes. conjunto de ideias gerais que lhes estão ligadas. Não é sempre
Notará, em particular, que o enunciado c) deixa aberta a fácil, e às vaze" ó mesmo extremamente difícil) averiguar se
a possibilidade de 47) e 48) serem convergentes sem que 50) o uma série é 011 não convergente; os matemático~ possuem, para
seja (o que se não dá em nenhum dos dois casos anteriores); isso, uma complicada aparelhagem constitnida por uma multidão
s0 isso se der, então a operação de multiplicação, como foi daqnilo ti. que se chama critêriOB rk conl'ergêncla, a respeito
descrita, não tem significado. É o que se passa, por exemplo, dos quais VSIDOS dar umas indicações muito ligeiras.
quando se quer multiplicar ao série Em primeiro luga.r) é fácil estabelecer uma condÚ;(lo nece~
~ária de convergência, isto é, UIDa condição sem a verificação
da qual a série é certamente di\Tergente. B:1sta, para isso,
51) recordar que, wgundo as defilli<;J:les dadas (parág. 3 deste cap.)
uma série
por si própria i obtem.se, pelo processo descrito, fi, série de
termo geral 53) UL + u~ + ... + u... + ...
52) U"~(-I)"-'.[ 1 + 1 + ... + é convergente se o fOf a sua sucessão definidora
Vl·Vn V2.Vn-l
+ 1 + 1 ] M)
Vn-l·V2 Vn·Vl
e aplicar a esta a condição llecessâría de contlerg~"ela que no
que não é convergente (vide a prova no parág. 12 deste final do parág. 24 do capo I deduzimos como consequência do
capitulo). principio gel"al de (,onvergPllcU1.
Em todos os casos em que fi, série 00) é convergente, Lá se estabeleceu que é condl·çl1o necessária (mas ntlo i!Ufi·
tem·se no processo descrito o algoritmo de m:ultiplicaçrIo de séri&f ciente) para que a 8'!tcessao numerável 54-) seja con'tergente que a
276 BENTO DB JESUS CA.lU.QA
CQXCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁ.TICA. 277

todo o numero positivo a 8e ]JOS3U fazer corresponder um inteiNl mas como, por um lado vn .vn
= n e, por outro há, no segundo
membro, n fracç06s tem-se Iunl > loque impede que u,. seja
n 1 tal que a desigualdade
um infinitésimo; não é, portanto, satisfeita a condição neces~
55) Ilária 56) e a série não converge, como tinhamos anunciado.
Chamamos vivamente a atenção do leitor para o carácter
8~a verificada para todo o n OI • > da propriedade que estamos 68tudando - 6 uma cond-ição neces-
Ora 8"+1-8" = (UI Ug + + ... +u... + Ua+l) - (UI + u.s+ 'ária, e nâ'o 8uficiente em geral j quer isto dizer que, sempre que
+ ... + U,,) =:li e a condição enunciada equivale portaoto a
U,,+I uma série lhe nllo satisfaz, nao-converge com certeza (carácter
que o termo geral da série UM1 ou, tanto monta, u,,' BOj. necessário),. mas pode uma série satisfazer-lhe sem que convi1:ja
'.< ., . 1. (carácter não-s/Lficiente).
mJ.mtelumo com - Por exemplo, a série harmónica (parág. 3 deste cap.)
n
Podemos portanto considerar estabelecida uma candiçl1tJ 1 1 1
neeessária de convergência. É condUji1Q necessária de contJer- 58) 1+-+-+ +-+ ...
g@ncia duma série 2 3 n
53) Ut+ U2+"'+ U"+,,, satisfaz fi condiç:fLO neces8ária, porque I i l i -.!:..- = O e, apesar
que iI'tia
disso, ó di"ergente, como sabemos.
56) lim «,,=0 .
• 4_
13. Dois critérios de uso corrente.
Esta propriedade tem urna importância prática (e teórica)
enorme porque permite logo rejeitar da com-ergência todas ae A condição a que nos acabámos de referir é uma condição
séries que a ela não satisfaçam. Como aplicação imediata, vamo! com'erg0ncia. Ela é completada pela exis-
l1ece88úria, apenas, de
pro"ar que não é convergente a série de termo geral tência de muitas condições sujirlellles, mas não necessitrias clw-
mudas rritérios de convcl·IJfhwia. Têm estns condições a SU:1 impor"
1 1 ta.ncia porí.JU8 uma vez \-erificadaR, Rsseguram a cou\-ergPnciaj
j

57) ".~(-1)~" [ .I ./
,,1.yn
+ ./• .1
y2'vn-1
+ ... + mas essa importância é limitada pela fulta de unh'erS1Llidade fine
lhes ad,-em, precisamente, de ntio serem condições ne(,f'ssúria~.
1 1 ] Vamos apresentnr ao leitor, sem os dmllollstrar, dois
+ Vn-l·V2 + Vn.{l desses critérios, pOrYentnra os mais importantes por serem os
de mais larga, embora li.mituda, aplicação.
que encontrámos no final do parágrafo anterior. É claro que
11" diminuirá em ,'alar absoluto se nós substituirmos todas as Critério da Razão. Dada uma série
raizes que figuram no 2.° membro pela maior delas Vn; temos 59) U1+UZ+ ... +u,,+
portanto
1
1 1
lu.l> V",Y;; + Vn.{ti + ... + Vn.{n'.
Be existe l u,,+,[
I i f i - - - = L ,a sua corn;ergenrlU
. . obd
e eee a:
I u"
278 BEXTO Dle JESUS CUAÇA CO::oTCEITOS FUNDAMENTAIS DA IIATEIÚTICA 279

L < 1 - converg~ncia absoluta


60)
I L > 1 _ ndu convergência
L = 1 .... MO diz nada.
Como aplicação, estudemos, por meio deste critério, a
Os dois critérios, da Ratão e da Raiz, prova·se, estão lnti·
marnente relacionados j mas no pormenor das !luas relações, que
têm sua delicadeza, não entramos, bem como nada diremos a
respeito do neto diz nada apesar de nesse caso, Ber L = Li = 1
convergéneill. da série(i) e alguma coisa mais se poder afirmar.

a aB a~ a' 14. Um ceio particularmente simples: o das séries elternas


61) 1+-+-+ ... +-+ ... u.. = -
I! 21 nl .1
Encerraremos estas breves indicações sobre o estudo da
onde a é um número real qualquer, positivo ou negativo. convergência com a citação de um caso em que esse estudo é
Tem-se, neste caso, particularmente simples - o das chamadas sér{es alternas.
Dá-se este nome àquelas séries cujos termos são alterna-
a"" damente positivos e negativos; são alternas, por exemplo, a
série
U,,·rt _ I
-'~-a-"--
("+1)!
-
.1
'. I-- ("+1)!
64)
1 1 1
1 - - + - - - + ...
I .1
2 3 4
logo existe L = lim
......." u..
I I
~! .. +1 = O e como L = O< 1, coo- cuja convergência anunciámos logo no parág. 2 deste capo sem
que até agora a tenhamos estabelecido j a série
cl~imos que a série ê absoll!tamente convergente qualquer que
seja a. 1 1 1
Não deixe o leitor de registar na sua memória este resul- G5) 1 - - + - - - + · ..
tado, de que faremos mais tarde uma aplicação muito importante. 3 5 7

Critério da Raiz. Dada uma série que no parág. 3 afirmámos tambem ser convergente, sem ter
então dadas as razões; e tantas outras.
62) UI+Ui+···+U.. + ... Pois bem, a convergência destas séries é regida pela Regra
cU Lewniz. Dada uma série alterna

.-.
8e ea:i:cte I i m ti Iu,.1 = V , a sua converg8ncia obedece a:
G6) UI-'U:+U3-1~4+ ..• +(_l)"-IU,,+ ...

Li < 1 ...... convergtmcia absoluta

I
se a) os valores absolutos dos termos formam uma suus&40
63) V > 1 .-;. neto convergência monotóniea decrescente e
L = 1 ..... não diz nada.

(I) O lc.itor n<ttará que a série 14) do parág. 3 que define o núm~e ,
é o caso particular desta que correapoudc a a = 1.
a série é convergente. -
b) o termo gel'al satisfaz a 1 i m u" c: O,

Em face desta Regra, é agora evidente que as séries 64)


280 BENTO DE JE8US CAIUÇA. CQNCEITOS FUNDAHElfTAIS DA IlATWTICA. 281

e 65) são convergentes; a convergência é claro, é 000- efeito das viagens maritim.as, como do ponto de vista astronó~
·absoluta visto as respectivas séries dos módulos serem mico, por virtude da obra magistral de Copérnt'co, Kepler, e de
amblUl divergentes. GaUleo, entra decerto por muito no engrossamento dessa cor·
rtlnte infinitisro.
15. Noyo diálogo do leitor com o autor. A convergência destas correntes creou uma atmosfera na
qual nasceu naturalmente a teoria. das séries.
Lei/ar. Uma pequena pausa, por favor; parec~·me que L. Está bem, mas agora snrgo a minb:l. segunda dúvida,
tenho direito a ela porque estas últimas jornadas têm sido, ainda de natureza histórica.
vamos lá, um pouco ásperas. Ao mesmo tempo desejava escla- Aceito tudo quanto acabas de referir, mas não me esqueço
recer umas dúvidas. de que já me disseste que - é do sérulo XIX o estabeleci-
Autor. Ia precisamente prop6r-te uma paragem, pois há mento em bases rigorosns do conceito de convergência (1). Ora
certos pontos sôbre os quais vale a pena voltar a falar. Mas, esse conceito é básico na teoria das séries, sem ele não se pode
antes de mais, vejamos quais são as dúvidas. saber que espécie de série se tem na mão; como se compre·
L. Em primeiro lugar, dois pontos de natureza histórica. ende então que se ande perto de dois séculos a trabalhar
A teoria das séries constitui, pelo que tenho "isto, uma aplicaçno com um instrumento desconhecido, afinal, na sua essência?
imediata do método dos h'rTl1'tes e este aparece, como dizes, filiado A. E, no entanto, foi precisamente o que aconteceu. Só no
naquelas preocupações que andam ligadas às grandes discussões primeiro quartel do séc, XIX, pela obra de Bolzano e depois
entre as escolas :filosóficas da Grécia Clássica. Devo entender de Cauchy, se assentou em bases rigorosas o conceito de con'
que seja esse, de facto, o grande motor de todos estes desen· vergência, subordinaIldo-o àquele Princípio a"l'al de Conrel'[Jência
volvimentos matemáticos? a que ficou feita referência Del parág, 24 do capo L
A. O único, de modo nenllUm; é um deles apenas:. No A teoria das séries oferece-nos nm dos mais flagrantes
mundo do pensamento da Europa post·medieval desenham·se exemplos de como as necessidades actuam como aguilhüe8 na
várias: correntes, das quais algumas vêm a com-ergir, digamos criação dos conceitos, independentemente da sua ordenaç1ío
ass:im, no ).lfélodo dos Ulldtes. Uma é a corrente que vem dos lógica. Primeiro é preriso obter resultados e, para isso, criam"sc
tempos antigos:, retomando certos temas postos de lado - no capo os instrumentos precisos; as preocupações de rigor e de orde-
IV da 2. a Parte procurúmos explicar porquê - mas não inteira· nação aparecem mais tarde,
mente esquecidos. É uma corrente especulativa que sobretudo Isto ó a Ciência tnl como ela se faz,. por is!lO ela nos apre·
se exerce sôbre problemas geométricos. Outra é a corrente nas· senta um tão maravilhoso entrançado de verdade e êrro, UIIla
cida das necessidades da vida social presente - a elas aludimos no convi\'ência paredes-meias dos triunfo!! mais luminosos com 08
prineípi.o do capo I desta 3. aParte - e que levam os matemático~ fracassos mais retumbantes. Já atrás te flz referência a alguns
11. procura instante do quantitatiro e dos melhores métodos de cál· êrros perigosos praticados com séries; vou apresentar-te mais
cuIa; no prínciplo do séc. XVlI faz-se a esse respeito uma alguns, para bem ilustrar o que a<'abo de dizer-te.
invenção maravilhosa - a dos logaritmos, - e cedo se reconhece Leonhard Euler foi um dos mais fecundos e dos mais brio
que as séries são, para o cálculo dos logaritmos, imtrumento lhantes matemáticos do século XVIII, ao qual se devem algumas
de eleição. das mais úteis e muis belas aquisições do dominio da Análise
Outra, ainda, é uma corrente que resulta da nova atitude
dos homens em relação com a jdeia de infinito; os grandes
creadores da Europa post.medieval são illfillitistas; o subito
alargamento do mundo, tanto do ponto de vista geográfico, por (I) Parág. 7 deste ~ap.
282 BENTO DE lESUS C!RAÇA COYCEIT08 FUNDA.MENTAIS DA. XA.TEMÁnCA. 283

Matemática. Pois bem) este grande da História da Matemática uma boa maneira de obter e, com quantas casas décimaitt
acredita",a por exemplo Da igualdade (1) qnizermoso
1 L. O cálculo apro:J:t"mado f Mas entio as 80mas das séries
-~1-2+3-4+ ... convergentes não podem obter-se exactamente?
4 A. O que qU0T dizer eotactamente? Na prátiea nós gov0I-
e ns igualdade uamo-nos com 08 números reduzidos a dizima, não é verdade?
1-3+5-7+···~O. Ora se a ,oma da série tiver uma dizima infinita não periódica
que fazer. senão prOCUflU' um valor aproximado?
L. CoiBa na verdade de espantar! Há de facto casos em que se obtém fàcilmente o S.. da
A. Não sei porquê, amigo. Verdade e êrro nio podem série em função de n; então passa-se ao limite quando n tende
tomar-se em absoluto, mas têm significado apenas quando para infinito e obtém-se a soma. Mas esses casos são raros j
apostos contra o seu contexto. De época para época, este varia na sua grande maioria o que há a fazer é o seguinte:
e varia consequentemente o significado da verdade e do êrro. Considera-se a série convergente
Aquilo que hoje arrepiaria qualquer estudantinho de Matemáticas
Gerais duma Universidade foi outrora ouro de lei para 08 Ul+U2+ .. , +u.. + ...
melhores matemáticos j nisso s6 ...·ajo uma prova do cllrácter
histórico (no sentido acima indicado) e não absoluto da urdade; e a sua sucessão definidora
uma pro\'ll. de que a Ciência é feita pelos: homens para os
homens, sujeitos a todas as suas limitações. E assim os seul! 8 1 ,82 , , , , 8 n , .. · j limS,,= S.
HO
sucessivos triunfos têm maior valor, não é verdade?
L. Talvez tenhas razão. Mas esclarece-me ainda em rela· Cada um destes 8 1 , 8: ... é um valor aproximado de 8; o pro-
ção a um ponto. Disseste que uma das correntes que desaguou blema está portanto em tomar um Sp conveniente para que,
na teoria das sérl'es foi a da necessidade de obter bons processos com ele, tenhamos nm valor aproximado de S, com a aproxi-
de cálculo. Não estou vendo bem o que as séries têm com isso. mação que desejarmos. Do ponto de vista prático interel?:sa
A. Lembras-te do modo como te apresentei as séries, portanto, não apenas que a série seja convergente, mas que o
logo no parág. 1 deste capitulo? Pois bem, toda a série con- seja ràpidamente, para que com um pequeno p possamos obter
yergente pode ser utilizada para calcular o número que é a sua uma boa aproximação de S. A série 61) é ràpidamente conver-
soma. E esse cálculo pode realizar-se por meio da série em gente,. para termos o valor decimal que demos no parág. 28 do
melhores condições do que de qualquer outra maneira. capo I com 20 decimais
Por exemplo, sabemos que o número 6, em que váriall
vezes temos falado, é a soma da. série convergente 68) e = 2,71828182845904523536 ...
1 1 1 1 basta-nos tornar os primeiros 22 termos da série 67).
67) 1+-+-+-+···+-+···. Mas já para outras séries as coisas se passam muito dife-
11 21 31 ui
rentemente j para obter o .alor de To' com os vinte decima~
Temos aqui, fazendo o cálculo aproximado dessa. soma, dados a pág. 86 da 1.a Parte,
1 1 69) • ~ 3,14159265358979323846·.·
(I) Que deduzia 113Cl'çVeud0"4 - (1+1)' = (1 + 1)-1 tl aplicando e
desenvolvimento do B(nómiQ de Newton. a partir da série
BENTO DE JESUS CABAÇA CO][(JEITQS FUNDAHB:ll1TAI8 DA. KATEUTlCA.

~ 1 1 1
70) ~-1--+---+ iSllo acontece, (e há séries que convergem ainda. mnito maislen·
4 3 5 7 taroente que a. série 70) utiliza;-s6 para o cálculo dl> núm~~o
deBejado outra (ou uma cOlllbmação de ontra.s) que convU"J&
.eria preciso tomar, pelo menos, um nlÍmero de termos igual a ràpidamente. É o ca80 do número 1õ' j a partir da série

100:000.000.000.000.000.000. 71) .::. _ 4(..!.- _ L ..!.-s + ..!.- ..!.- - ..!.- ...!.- + ...) _
4535 5 5 5 1 57
L. Tomarei o cuidado de não ler este número! 1 1 1 1 1 1 1 )
A. Ia precisamente dar-te esse conselho i mas, em todo
o ca80~ vamos a ver se consigo fornecer·te uma ideia palpável
- ( 2â9 -a'
23g:J+Õ' 2391>-7· 2391 + ...
do que ele significa. Supõe que há cerca de 100.000 anos, pode obter-se", com um gr,an~~ número de decimais e sem ter
quando as trevas do cérebro do Homem de ..I..Veanderthal w?l se que mobilisar os homens prlmltlVos ...
adelgaçavam para dar lugar, a espaços, ti. uma té~ue clarIdade L. Concedido. Podemos andar para diante. Dou-me por
de entendimento, o nosso pobre antepassado, subjugado a um satisfeito, por agora.
cruel castigo, tinha começado a calcular termos ~a sér-.ie 1~) à A. Sou eu qnem não se dá ainda por satisfeito.
razão de 1 por minuto, cálculo e soma aos anterIores lOclUlda. Prolongul:lmos nm ponco esta pausa para voltarmos a falar
L. Para homem primitivo não é nada mau· .. nnma questão importante que já por várias vezes nos tem apa-
A. Supõe .1Índa (jUS nilO em um homem primitíro, mas recido e continuará a aparecer - a questilo da conservaçdo cU
tantos qmlntos os habitantes actuais do globo - 2.000 milLões propri'ea.ades na pas~agem ao limite. Recordas-te? , ..
- que o trabalho de uns se somara, sem perda de tempo, aos L. Perfeitamente, e não tenho a esse resp61to a mzmma
dos outros e que todos esses pohres sõr-es estarnill há 100.000 dúvida; há propriedades qu~ se conservam tal qnal na passagem
anos a calcular sem descamm. Estt'ir-se-ia agora á beira de ao limite' outras que se modlficam enfraquecendo-se; outras que
obter as vinte casas decimais do r. J para se ~onservarem exigem uma modificação de conceitos, tal
L. Quase tanto ü"H.balbo perdido como o que os jorna- a propriedade comutativa das série~;. outras ainda a respei,:o
listas americanos gastam, neste maravilhoso séc. XX, a guardar das quais nada S8 pode afirmar previamente, tal a supressao
a sete cha,-es o segredo da bomba atômica 1 ~ras, meu amigo, de,parêntesis numa série convergente... ~ 'N
esse exemplo lança-me na perplexidade. Tudo se reduz, afinn!, A. Muito bem I Mas sabes que esta questao que hOJe nao
• em series, ao cálculo aproximado da soma e à chance do se Calr Oferece para ti a mínima dúvida (não será Ul~ bocadin~o arro~
sobre uma série r~ridarnente ou lentamente conyergentü? E eu jado dizê-lo?) foi dorante muitos séculos Illoh~'o da.. ma~or ,per·
que me sentia disposto a conccd~r-Ihes u"m crédito ma~s largo! plexidade e uma daquelas, a respeito das quaIs mala dlflcl1. se
A, E por maior que ele seja, a realidade excedera sempre mostrou obter um esclareCimento completo? Vou ver se conslgo
a tua expectativa, podes estar certo disso: O trabalho. com dar-te uma ideia da sua importância histórica. t;a.bes, decerto,
séries não Se reduz de modo nenhum, ao calculo aproximado inscrever um poligono regular nurn~ ?ircunf~rência? .
da sna soma. Ela~ oferecem-nos perspectivas teóricas duma L. Sem a minima dificuldade: dIVido a ClrcunferênclIl em n
beleza e duma potência de realização de que neste momento partes iguais, tantas quantos os lados do potigono a inscrever.•
não podes sequer suspeitar. . e uno 08 pontos de divisão.
Mas, antes de mais, deixa-me dizer-te que não nos reSJgnamos A. lfeu bom amigo, a tua inexperiência conserva-te intacta
à chance de cair sobre uma série lentamente convergente. Quando esta santa virtnde da coragem de afirmar! Mais tarde, quando
286 BENTO DE IESUS CARAÇA C01fCEITOS FUNDAMEXTAIS DA MATEMÁTICA 287

tiveres. ganho mais informaçl1o, perde-Ia-ás sem dúvida; tu de aceitação da ideia de infinito em Matemá.tica, dadas a8 difi~
ganharas decerto com a troca, mas os teus irmãos não sei Essa culdades da. quadratura do circulo,
operayão que não oferece para. ti a minima dificuldade cou'l:ltitui, A, Começas ti. poder ver com justeza alguns dos grandes
por 81 só, toda uma questão que levou mais de 2.000 anos a temas da História da Matemática. Agora repara no seguinte -
esclarecer! esta suposição de que toda a propriedade se conserva numa pas-
Mas ponh~amo-Ia de parte, porque não \'em agora para o .agem ao limite era tão natural, estava tão arreigada no espirito
nosso caso, Nao oferece de fa('to a mínima dificuldade dividir a dos matemáticos, que ainda no final do séc. XVIlI encontramos
circun~erência ,e~, seis pnrtes i~uais e inElcrever o hexágono, a nnma obra de SimoIl L'IIuilier, E::cposition élémeniaire des prin-
a pllrt~r dai diVidir em doze e mscr(wer o dode<lágono, e assim cipes des calculs snpérieurs esta paElsagem:
sucessn'amente Que acontece, quando o número de lados
Aumenta? Se uma quantidade variável, susceptível de limite, goza cons-
L. Acontece que os lados se vão cada vez distiu"'uindo tantemenie duma certa propn'edade, o seu limite goza
menos dos arcos correspondentes da circunferência e q~e no conSimltemente da mesma propriedade.
limite, , , '
A. Não te precipites! Serás, de fncto, capaz de dar uma E nota que se não trata de um qualque1'. L'Huilier ganbou
resposta correcta se bem te recordares do que te disse na pri- com essa sua obra um concurso aberto pela Academia de Berlim
melra parte do capo I. Mas isso nüo nos importa grande- em 1184 para se obter Oluma teoria clara e precisa daquilo que
mente agora, que estamos a considerar a questão histori- se cbama infinito em Matemática»,
mente. Estás vendo como a questão é mais funda do que à primeira
. . Intuith',amente, salta à vista o que ias talvez dizer, que no vista parece fi
1tnlIte o pohgono Ele confunde com a circunferência ... L. Mais fonda e mais interessante I Como é bom, ver a
L. Era isso mesmo ... Rainha das GiêncUuJ aproximar-se dos homens, a recolher
. A, Podemos dizer hoje mnito melhor. Mas foi isso o que aquela dose de humanidade que é inerente a todas as suas obras!
dl8Eleram logo os primeiros geómetras que se ocuparam do caso. A, Agrada-me ver-te nessa diElposição de espírito. Porque
No séc. V a. C. oa Grécia Clássica antes da invasão do medo temos que ir a outras jornadas, e não menos árduas do que as
~o irrfi.I/~to, o ~ir~nlo era assim considerado como um polígono passadas. A próxima vai ser, através da velha e renovada
mfimttlatero, ldeIa. que ressurge depois em muitos ge6metras do questão da continuidade.
Renascimento.
M,,?-s ligada ti. _e5t~ ideia vinha esta outra e era aqui que a
confusao se estabelecla - um poligono regular é fàcilmente
quadrâvel com os instrumentoEl elementares, régna não graduada
e compasso (I), logo o circulo, que é o limite do poligono deve
llIer tambem quadril.vel. Estás vendo?
L. Perfeitamente. Supunha-se, sem demoustrar, que na
pa.ssagem ao lim~te se conservava a propriedade de ser quadrável!
Reconheço que ISSO não deve ter contribuido para uma faciJi.dade

(1) Isto é, é possível construir, com régua não gradllada e compasso


um quadrado de área igual à- do pollgono dado. I
COYCEITOS FlJNDA.MENTAIS DA MATEMÁTICA ::89

limite. Com efeito, no capo I, depois de darmos !I. definição


geral de illfinité~iino,. passamos imediatamente· a;
estudo duma
realiz.ação particular - fi, doiJ)finitéslmO X = n-e ao da
noção de limite das funções da variável ~nteira. ,
Mas o estudo dos fenómeno8 natura~ através das leis an~­
lftiCtlFõ que os traduzem, o estudo ltnalitlCo das, curvas atraves
Capítulo 11/. O problema da continuidade das funções de que elas são imagens, neceSSitam do uso da.
variável real e é portanto adaptada a esta forma que temos.
de elaborar agora a noção de limite.
1. Continue o diálogo ...
J. Noção de limite des funções de variável real.
Leitor. Velha sei bem porquê; já a encontrámos mail'l
duma vez. Mas renovada, como e por quem?
3. Recordando uma definição.
Au/or. É melhor guardarmos para mais tarde uma con-
versa sobre o assunto. Por agora recordar·te-ei apenas dois Não vamos aqui, pelo menos por enquanto (l), encontrar
factos referentel!l à posição da questão da continuidade na ideias novas, mas apenas agpectos diferentes das que tratám~s
Grécia Clássica. Um é que a polémica eleática contra. as insu- DO capítulo I, o que vai permitir-nos andar ?U; .pouco nJms
ficiências e as contradíções do sistema pitagórico levou à con· depressa. Lá, tndo foi conduzido de mod~.a pO~Slbl.htar o est~ldo
cepção de um mundo continuo e móvel onde .0 movimento é do comportamento das funções de varIavel mtelra (tu =.1 (u)
apenas opiniiJo e não verdade - creando assim um qIladro na vizinhança de infinito. Aqui, tratando-se de funções de
extremamente estreito em que a continuidade é incompativel com variável real, haverá que estudar o seu comp.orta~ento t.~to na
o devir. vizinhança dum ponto finito a como na de ,mfintto (pOSitIVO 011.
Outro é que o pensamento grego nunca conseguiu romper negativo). Isso vai levar-nos ao estabeleCJIOen.to de algn~~
as malhas deste outro quadro racional - a grandeza geométrica definições fundamentais, para o completo entendimento e aSSImI-
é contínua, os números aão por sua essência descontínuos- lação das quais o leitor deve ter bem present"J tudo quanto se
donde resulta a impossibilidade de crear uma teoria quantitativa disse no capitulo I.
da continuidade. No parág. 7 do capo I mostrámos já c0r.n0 o conceito
Pois bem, vou mostrar-te como a noção de limite permite de infinitésimo se adapta ao estudo de um fen~n:'eno natural
romper estes dois quadros .e ll;ltrapassá-h~s, ~stabelecendo, por (por exemplo, o movimente) de um móvel) na VIZInhança ~um
um lado, uma teoria quantltatlva da contmUldade e, por outro, ponto, ao qual, por simplicidade, se fará corresponder a abSCissa
integrando esta no munM do de1.Ji1·.
zero.
2. Necessidade de voltar à variével real.
Convem-nos realizar esse trabalho em termos da maior
generalidade que nos seja possível neste momento alcançar, (I) Só no parág. 12 encontramos uma ídoia nova, que é a de /imite
e para lSgO temos que voltar às noções de infinitésimo e de la/eral,
1~)
290 BEXTO DE JESUS CARAÇA CO~CEI't'OS FUNDAMENTAI~ DA MATEM.ATICA 291

4. Os infinitésimos principlIis x - a e Quanto ao primeiro, dizer que a: está compreendido


x ?ntre a-r} e a + d é afirmar (fig. 61) que x está. dentro do
mtervalo de amplitude
:Mas, como acima dissemos, pode haver necessidade de J que tem como ex-
tremos a-d ea+J. 0 ~ :_ _ ~_._ _
estudar um fenómeno natural na vizinhança de qualquer ponto
finito a ou na vizinhança de infinito. Recordemos (2. a Parte, ,,_& a a..f
Para o primeiro desses casos serve a funçiio ,11 = x - a • pág. 128) que se chama
Então, qualquer que seja ~ positivo há sempre valores de x intervalo (u, b) ao con- Pig.61
talEl que \;e - a 1< a, são eles todos os que verificam junto dos número reais
~ dupla desigllaltiade a--;-lI<x<Q.+~ ~ig[\i_
a-õ<x<a+8. eompreendidos en tre !lea que x pertence ao Jnwrvalo de alllpli_
O infinitésimo x - a - vizinho de zero quando ;c é vi- os dois números reais tude S' e centrado ~(}bre () pOllto a.
zinho de a - nas suas funções de instrumento que vai permi- dados, a e b; o inter-
tir o estudo do comportamento de funções y (x), reais de valo diz-se aberto se os extremos a e b não fazem pa.rte dele
\'ariável real, na vizinhança de a, recebe o nome de infin~ e fechado se fazem. Ao intervalo centrado sobre um ponto
tésimo principaL dá-se também o nome de conUJrno desse ponto (sobre a recta);
assim o intervalo (a-d,
Para o gegundo caso mencionado serve a função y = ..!... .l:(_s 1.0:: >5_ lil <.i -A .l:>+S a+à) é um contorno
~
~. _ _--'::":'_ • .o: 5 -.~ do ponto a com ampli-
Logo qualquer que seja a positivo, há sempre valores de a: -5 o .s tude ~ (v. pág. 219).
Fig. 62 Quauto ao segundo
tais que I~ l
<? e esses são todos os que verificam Ix I>-} A desigualdade I ~ I > s signifiea que m ti
exterior ao intervalo (- IJ, + $).
aspecto. dizer que
1
Ixl>T = 8 é O mesmo

ou uma das desigualdades ;,c < - ~ , x > +..!.- . que dizer que a: toma só valores :v> + 8 e x< - 8 e que por-
I I tanto (fig. 62) é exterior ao intervalo (-8, +8) .
E claro que podemos considerar apenas a parte x > + 8
O infinitésimo .l -
~
vizinha de zero quando x é vizinho e então a: diz-se u-izinho de mai8~inflnito, ou só a parte ;v<-;
e então iC dir-se·á vizinho de menQ8~injinitQ. Tomaremos nma
di!, infinito - 1."ecebe ainda o nome de infiniM8imo principal. ou outra destas possibili.dades conforme a particularidade do
No seu significado analítico ele não difere do anterior - problema que estivermos estudando.
são duas formas do infinüésimo principal, das quais usamos
uma ou outra conforme o problema que tivermos a estudar.
6. Infinitésimos com x-a e com
x
5. Significados geométricos. Seja agora y(x) umajunçao real de variá11el real e vejamos
se se pode estender-lhe o conceito de infinitésimo com x - a
Mas já do ponto de vista geométrico a diferença entre os 1
00 seguindo a mesma linha de pensamento que nos levou
dois aspectos é sensivel.
CO:SCEITO! Jo'UNDAMEliTAIS DA MATEMÁTICA 293
292 BE:STO DE JESUS C A.RA..ÇlA

a estabelecer o conceito de função a" = f(n) infinitésima com o linaI ...... lê-ee, ainda, como no capo I, arrasta.
De acordo com esta definição, o leitor não tem dificuldade em
~
n
(cap. I, parág. 11). reconhecer qne a função y = seu 3J é infinitésima com 3J e com

Consideremos, por exemplo, a função !J=(:C~ 1)2 e vejamos 3J - 1>, q ne a função !J = COI!! ;r é infinitésima. com ;r - 2:. e com
2
se existe algum conjunto de valores de x dentro do qual y
seja vizinho de zero, isto é, como já sabemos, inferior em valor 3r.
~--, etc.
absoluto a Ó, qualquer que seja õ > O. ~
Tomemos à = 1/10.000; para que seja IY (or) I = I(;e_1)2j =
Quanto aos infinitéllimos com ..!:.., razões em tudo análoga!
-(~-1).<_1- basta que ,eja 1"'-11<1/100 ou ,eja ~

10.000 &s que desenvolvemos nos parágrafo! la e 11 do capo I,


-1/100 <;r -1 < + 11100 ou, ainda, 1 - 1/100 < x < 1 --,-- levam-nos a dar a seguinte definição
+1/100.isto é, ;r pel1encente ao intelTalo 1-1/100, 1+1/100.
Para qualquer outro valor de amplitude ô > O este facto DEFINIÇÃO lI. - Diz·se que a fU1UJilo y (x) real de variável real,
mantém-se - exil'lte sempre um intervalo (1-8,1 +8) em todos
os pontos do qual III
(or) I < à. E' claro que a amplitude desse
interYalo depende o valor de õ inicialmente tomado, isto é~ 11
é inj1'nitêsima com 1..-
~
quando rúldo um número ô > O qual-

quer, se lhe pode fazer co'rresponder um número também poi!itivo


é função de Q (no nosso caso, para d = 1/10.000 vem 8=1/100) s (a) tal que para rodos os pontos e;r:teriores ao intervalo
o que indicaremos: brevemente escrevendo s (o). (-5,+S) se tem
Ficam assim estabelecidos estes dois factos:
li) qualquer que seja a> ü dado previamente, existe sem-
pre um intervalo, (1-.i,1+~.' com 8(0) no qual é Iy(a:)!<a; 3) ly(x)I<1.
b) a desigualdade IY (J::) I < d é verificada, não apenas
em pontos desse intervalo, mas em todos os seus pontos. Segundo esta definição a função y = 1/Ji' é infinitésima
Fixaremos este tipo de comportamento dando li
com ~ j para que seja, por exemplo, 11/:xJl1 < 1/1()6 basta que
DEFIXIÇ10 I. - Diz-se que a jtlnçuo y (x), real de variável real, seja 1:c3I>lüG ou l:cl>102 , isto é l que seja :c>+lOOou
é infinitésima com x--a quando, dado um número >
ô O qual- < -100, o que é o mesmo que dizer que :v seja exteriOr ao
;r:
quer, 8e lhe pode fazer corresponder um número também interv-alo (-100, 100).+
positlvo s (ó) tal que para todos os pontos do in!er;;alo Convém notar desde já que acontece frequentemente uma.
(a--s,a+s)ltetem
função ser infinitésima com 1.- apenas de uma das bandas do
I) intervalo (-8 l +8), isto é, '"apenas para valores positivos ou
apenas para valores negativos de ;;c. Quando isto acontecer
A condiçãa final pode pôr-se sob a forma, equivalente,
diremoa que y (or) é infinitésima com ~ - positivo, ou com
'"
294 BENTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 295

infinitésimo com l/x); se


l... negativo, conforme o caso. É o que se passa. por exem- y(:c) fossa infinitésimo
" 1 . 1 ..
com - - POSltLVO ou - ~
1
pIo, com a função y=lÜ" que é infinitésima com --negatlVo x :r
_ 1.. " _." - negativo, dir-sa-ia, fun-
e uao com - - POSltlVO como O leitor fàcilmente V8l:.w.ca. ção vizinha de uro
"
Isto tem importância por causa do conceito de limite que
quando a: é vizinho de
mais-injinito,--ou vizinho
adiante estabeleceremos. Um facto análogo se passa já com a de menos-infinito, respec-
noção de infinitésimo com óC - a; mais tarde tiraremos dele tivamente.
cons~quências importantes. Estamos agora em
condições de passar à Fig_ 64
definiçiio de limite; como Infínirhimo corA l/x_
7. Signilicados geométricos. o leitor v:li ver} a cons-
trução será feita exacta- A função está entre - Q e + õ quando (Ç é
Deve o leitor estar recordado do que dissemos na meDte nos JUesmos mol- exterior ao inten alo (- s, + s). 6 é qual-
2. ' Parte, a pág. 135 e seguintes, sobre a i'muHem geo- des da que fizemos no quer e 8 depenile de li. Quando a diminui,
métrica duma função. eap. I para as funções s em geral aumenta.

·'kr .
Suponhamos que a fun- de variável inteira.
ção y(x) tem como
imagem uma curva, no
sentido vulgar do 8. A definição fundamental de limite.
termo. Como se tradu-
zem geometricamente Continuemos a considerar a função y(:e), real de variável
_._V- ~ , rea.l, definida num certo intervalo e seja a um ponto desse
OI C1-j$,, a . :a+s
,
x
os dois conceitos
dados nas definições intervalo.
-s tl L_._~. :.----_ I e lI? Por fignras
dos tipos seguintes que DEFDnçÃO lU. - Diz-se que y (x) tem por llmlte o número L
I ~~M o leitor fará bem em
procurar realizar em
quando x tende para a J ou que y(x) tende vara L quando
x tende para a e escreve-se
Pia. 63 face de algumas fun-
Infinitésimo com x - a. ções simples que 4) lim y(:e) = L
conheça. .~

A fnnção está entre -11 G + a quando x é Estas figuras jus-


ínU'l'Íor :lO intervalo (ti - g, a + $). li é qual- quando a diferença y(x) - L é irljinité3irliu com x -
quel" e s depende de ~. Quando ~ diminui, tificam a linguagem li. ,

I" em gtll"a\ também diminui. habitualmente usada. -


função vizlnha de zerQ :f~ claro que dizer que y(x) - L é infinitésima com x -- a é o
quando x é vizin/w de a (fig. 63, infinitésimo com :to-a); fun~ão mesmo que dizer que ,V(z) é vizinho de L quando x é vizinho
vizinha de zero quando x é vizinho de infinüo (fig. 64, de a.
29G BE~'fO DE JESUS CA RAÇA CO~CEITOS FUYDil[E)lTAIS DA MATEMÁTICA 291

Todas as vezes que esta condição não se verifique, diz..se DEI"L'uqáo V. - Diz-se qne r(x) tem por Umite mais-injinito
que a função ndo tem limite no ponto 0, ou que urlo tende para quando x tel/de para fi, e escreve.se
nenhu,m limite quando x tende para a.
Desta definição resnlta fazendo L = O, que as afirmaç1"les-
y(:c) é infinitésima com x-a, o limite de y(x) é zero quando:;c
6) lim y(m) =
,-
+ 00

tende para a. - têm o mesmo significado.


Como se vê, tndo se passa, na essência,_ do mm!mo modo quando, a todo o n1i,merQ real TI se pode fazer corresponder
que para a definição li m "" = L I dada no capo I e portanto valem ~m intervalo [a - s (n) J a + li (n)] em todo·s os pontos do qual
H_ ey(x»n.
integralmente as considerações lá feitas quanto ao significado
dt!. operação de passagem ao limite. E.li .linguagem a.brel·iada pode dizer-se que y(x) ó vidnllO
Insistimos, no entanto, sobre um ponto que é uma cOIll~e­ de maM mfinito quando :x é vizinho de a.
quência de ttldo qtlanto tem sido dito - o limite duma funç!1o O leitor não terá nesta. altura certamente dificuldade em
num p01lto n{J.o depende do valor da funçt10 nesse ponto,. depende dar algumas defiuições que ainda faltam; 1 i m y (x) = L,
sim, do conjunto dos valores da fun9fio nesse ponto, é o resultado li m y () ]"1 m y (x ) = + ex> , etc. z .... -oo
X = - 00,
da sua interdependrmcia. Pode muito bem acontecer que li m y(x) :lJ...... .,_,+'"
<40

seja diferente de y(a); quando tal se dá, isso quer dizer que o
estado da fnnção no ponto não coincide com o resultado da 10. Significados geométricos.
interdependência do conjunto das possibilidades de comporta-
mento na vizinhança do ponto. Isto tem uma enorme impor- As figtlras juntas ilustram a significação geométrLca. das
tância, como veremos, no problema da continuidade. definições IH, IV, e V:

9. Outras definições.
Fiacilmente estabelecemos agora outros aspectos da definição L
l'
.,i\----- --,- -------- -----,-
de limite necessários para que a operação de passagem ao 1 : p :
l -----------.~------ :

,. , .
limite possa sel' aplicada aos vários casos que a prática apre-
senta. Assim: L-ó~_. : :
~-_----+------,L-
: __ .
Ima""m
'_ _ _ "
: .: ..
DEJ<'DUÇÃO TIT. - Diz·se que y(x) tem por limite L quando x
tende para maill-infinitn, e esereve-se -h a-s
iL': l---..:l.:
a a'H
..
x

Fig. t/5
5)
Ii (x) = J.. A ['unção está entre L - ~ e L -t- ~ para todos os pOntos
m y
.~.

1 , , compl"l:lcndidas entre a - 8 e a + 8 ~ c~cepção, posBivelmente do


:l:'
quando a diferença y(x)-L é injinitélfima com - - POStill;O, ponto a ~ é arbitrário e s depende de a. A fllU"ào pode não toma,' o
x valor L no ponto a.
298 BENTO DE lESUS CARAÇA CONCEI'l'OS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 299

, Fig.66 11) y(:c) < r -> lim y(x) L. r

h~ ,T,
Esf.3. figura ilustra os três Ainda aqui vale também uma propriedade análoga à pro-
:
~asos :

liro y(x) = +""',


posição II do parág. 29 do capo I-s8 lim y(;:e)=L >0,
.-
I : ::
2 __ LL_~ __
,, ,, ,'

:
H'
limYCll)=+l,
~ .... +"
lim 1I(~)=+1.
é p088Í1;el dIJte1'mt7lar um intervalo compreendendo o ponto a em
todos os /!ontos do qual ti y(x) >0 - e que ga demonstra de
modo analogo.
1
---:ç-:--
____ tt( __ LL_~ ~ _ ~ .... -~

'-I---l~i~.-,'
n é qualquer tl .li depende 12. Limites laterais.
de n.
a ê qualquer e l' depende Até aqui tem-se considerado sempre a viziuhau~a dum
de Q.
ponto a como bilateral (vide por ex. as figo 61, 63, 6ó, 66),
isto é, constitulda por pontos á esquerda e à direita de a. Mas
11. Propriedi!lldes. às vezes convem considerar apenas vizinhanças unilaterais,
l:squeI'da e direita, por interessar estudar separadamente o jogo
Seguir-5e-ia agora o estudo das propriedades, tanto ope- da interdependência das possibilidades à esquerda e à direita.
ratórias como de passagem ao limite. Quando assim procedemos, encontramo-nos em face do conceito
Os resultadoa desse estudo são, em termos gerais, os de [,imite lateral.
mesmos dos dos parágrafos 26 e '29 do capo I.
A3sim, quanto às propried4des operat&rias, o resultado DEFIXIÇ'lO VI - L, finito ou infin.ito será dito limite lateral de
geral é este - o sinal de limite é permutável tom o sinal y(x) à esquerda de a Ite y(x)fÔ1' vizinho de L quando x é
operatório: vizinho de a à sua esquerda.
Usam-se para representar o limite lateral à esquerda os
7) lim Lr/l(x)+yz(x)J = lim Yt(x)±lim ll2(X) símbolos lim Y(a') e y(a-O) s, anàlogamente, para o limite
"'....... "'....... "'...." "'......._0

8) lim [UI (oe) - Yz(a')] = li m UI (ao) .li m Y2(X) lateral à direita, os símbolos lim Y(a') e y(a + O).
"'....... Z~ ~~
"'....... +0
Muitas funções nos mostram como, para estudo do seu °
lim [y.(~l/9'(~)] ~ lim Jj.("'l/Iim y,("'l comportamento na vizinhança dum ponto, há de facto vantagem
9) na consideração separada dos limites laterais. Seja, por exemplo.
"'...." ",4~ "'-->a
R função y = l/x - 1, cujo comportamento na vizinhança do
etc. ponto. 1, vamos estudar.
E claro que quando x é vizinJw de 1, x-I é vizinho de zero e
devendo observar-se as duas restrições mencionadas no parág:. l/x -1 é vizinho de infinilo (I); mas isto n1io diz tudo sobre o
26 do capo r.
Quanto às propriedades de passagem ao limit.e, as coisas (1) O facto de /(a:) ~er vizinho de zero nem sempre implica que llf (;e)
passam-se ainda como lá; assim: seja vizinl!o de mait;-jnfínito ou de me"O$-ínfinito, mesmo lateralmente; a
diBcus~ão do caso excede o quadro deste livrinho.
10) y(~l > O _I im y(~l " O Mas no caso 5imples referi<10 no texto, elisa implicação dá-se.
300 BEXTO DE JESUS CARAÇA COXCEITOS J.'I]XDA,1IEXTAIS DA MATEUÃTICA 301

comportamento da função: se x é vizinho de 1 à 8ua direita, ~~ova.se e.o. leitor .p~de fazê-lo sem dificuldade, que - é
isto é, se ;r = 1 + li, com ~ > O então x-I = e a> o cO/ldu;a.o nec6ssarut e S1fficw1Ite para que exi8ta l<"mite num ponto
a
11 x -1 = 1/ é também positivo logo o limite latera.l é que e3!l8tam e 8i[} am iguais
1I1ai,9-infinito. os dois limites laterais. y
li: se estes por sua vez,
não existem? Então, por
12) maioria de raziio, não existe
limite. Mas haverá realmente
maS se x é vizinho de 1 à sua esquerda, isto é se x = 1- a, com funções nessas condições?
o
ti> O1 então é 00 - 1= - ri donde 11 x - 1= - ,
~ < O logo
Há e duma delas falá-
mos ,já Da. 2. a Parte a págs.
207. 209 - é .11 função de
Fig. 68 O-im. lat. finitos)
4 X

Os trabalhllS de Sisifo. I (x) 'Iuer dizer:


1 Dirichelet, assim definida no parte inteira de x. A"sim: !lO intervalo
li3) lim - = - = . íntervalo (0,1): (0,1) 6 J(X}=O-y=x, DO intervalo
"' .... 1-000-1 (1,2) é I(x)=1_y=x_1 etc. Em
;r, racional -+ y = O todos os pontos de ahsd~sa inteira. os
14)
Temos então para esta função, y(l+ O) = + = ,.1/(1- O) = ;.c irracional _ .li = 1. limites laterais são diferentes; ,
= _ 0=,
o que tem uma impor- y(1-0) =1, y(l +O}=Oi
tilncia fundamental para o tra- Procuremos, por exem- y(2-0)=1, y{2+0)=O,ete.
'i çado da imagem geométrica da plo, os limites laterais no
1 os valore~ da função n~s~es pontos coill-
função. ponto a = 2 ; na vizinhança cidem com os seus limites à direita.
Nas figuras juntas, 67,
68 e 69, encontram-se ilustraM à d.ireita desse po~to existe uma infinidade de pontos de abscissl.l.
dos três casos de funções com raCIOnal, nos qua1s y é zero, e uma infinidade de pontos de
o limites laterais diferentes em )' abschisa irracional, DUS

-1
,,,+1 x certos pontos.
Todas as vezes que os
quais U é um; logo,
nessa vizinhança, y não
,,, limites later~js num ponto são
diferentes, não S8 pode, eviden-
se conserva vizinho
nem de Zllro nem de
, , temente, falar 'em limite no um, nem de qualquer
ponto no sentido da definição outro número - não
]i'i!!.67 (lim. lat. inf.)
do parág. 8. Usaudo a lingua-
gem que até aqui tem sido , existe, portanto, limite
lateral à direita e o
É y(1_0)=_=,y(1+0)=+=.
empregada, diremos que- mesmo ruciocinio "ale
Quando x tende para o infinito, posi- não existe um resultado único pa.ra o limite lateral à
ti\'o (lU negati\'o, y tende para ~ero. da interdependência das pos-
sibilidades de comportamento
-I -1 -1/2 o , 2 J X esquerda.
O que acabamos
da função na vizinhança do ponto, existem, sim, resultados Fig.69 de dizer aplica-se evi-
idterais, diferentes. (Ulll JiuJÍte lateral finito, outro infinito). dentemente a todos os
302 BESTO m: JES.US CARAÇA CO:'l'CEITQS FUYDAME"iTAIS DA MATEMÁTICA 303

pontos do intervalo em que a função é definida, logo a 1uT/çào DE"FINIÇlo n. - Todas a" vezes que MO forem verificada8
de Dirichelet não admite limite laleral em nenhum ponto. In'~ultâneamente as condições da defíniçOo I, a fU1"iÇaO
A impossibilidade que assinalAmos na 2. a Parte, de dar nela diz-se descontinua no ponto a; diz-se ainda que o paUlo a é
y uma representação geométrica VI·sí· para (jla um ponlo de descontinm·dade.
i :.... velliga-se directamente a este facto.
Uma função tal que o jogo da inter· Da definição resulta imediatamente recorrendo ao significado
dependôncia das suas possibilidades da noção de limite, que - uma funçaa é continua num ponto
de comportamento não leva a resul· Hl!1l1pre que, e só quaJUio, o seu valar nesse panto, sendo finito,
tado nenhum (nem sequer a resultado coincide com o -resultado do jo_qo da inteTdependência do se'u com·
portamento na vizinhança desse ponto.

--
lateral!) em nenhum ponto - serão
muito fre(IUentes, no estudo doa A í:ontinuidade confere portanto às funções uma especial
regularidade de comportamento.
_OI
,
J'2 1X
fBuómenos da vida real tais funçõBs?
Não, mas para o ffil1temático a Essa regularidade é ilustrada geometricamente na figura
j'mta (figo 71), que resulta da
questão não se põe assim; o seu
desejo de conhecer, na última miml- fIgo 63 (pág. 294) fazendo nela
Fig. 70 L = y(a). A possibilidade, que
cia dos seus segredos, os instru-
mentos com que trabalha, leva-os a estudá-los em condi- lá se dava de a imagem não
ções de generalidade que ultrapassam, de largo, aquelas que lhe passar pelo ponto P(a, L) p

são conferidas pela sua origem concreta. desaparece aqui.


Não p demais insistir neste
ponto, que é fundamental na
compreensão das noções de
11. Conceito matemático de continuidade. limite e continuidade - o va1f'r
duma função num ponto não
Fir;. 71.
13. As definições fundamenteis. tem, em geral, nada que ver
com o conjunto dos valores da Continuidade duma função y (x) no
Temos agora nas mãos todos os elementos para fazer uma função na vizinhança do ponto ponto a. A imagem passa pelo ponto
teoria matemática, quantitativa da continuidade. e, por consequência, com o P[a,y(a)]. Confrontar
pág.294.
com afig. 63
Seja y(x), como sempre uma fun<;ão r{\al de variável real: limite da função no ponto, que
é detecmina~oJ quando existe, por esse conjunto; mas tem que
DunuçÃo I. -- Diz-se que y{x) é cantinua no ponto a do seu ver para efelto da continuidade da função, uma vez que, pela
domúlio quando forem nesse ponto, satisfeitas as seguintes der. I a função é contínua quando valor da função e limite
condições: forem iguais.
a) Existe e é finüo o valor da fimç{Jo no ponto a ;
b) E;cÍste e é finito o limite da função no ponto a; 14. Outro aspecto da definição.
c) Esse limite é igual ao valor da fwnção no ponto a: À definição I pode dar.se um aspecto analitico ligeiramente
diferente que é útil conhecer.
15)
.-
lim y(x) ~y(a) finita. Seja (.fig. 72) a função !J(x), real de variável reaL continua
304 BEXTO DE JESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 305

no ponto a. Se é ;e nm ponto vizinho de a tem-se, como vimos Neste enunciado se encontra a. formulação matemática rigo.
na def. !, rosa daquela ideia intuitiva que todos temos da continuidade-
a de uma 1'Iariaç!1o por graus in8en8'Íveis. Quando dizemos, por
16) limY(")~!I(a) exemplo, que o comprimento duma vara metálica. varia conti-
,~"
nuamente com a temperatura, no fundo do nosso pensamento
o que mostra que y(a:) é vizínlw de y(a). está esta ideia - que a muito pequenas variações de temperatura

r
y(o~hJ--"- -------- P
17)
Façamos

x=a+h
e a esta nova variável h
correspondem muito pequenas variações do comprimento.
:Mas o leitor, que conhece bem o signiflcado dos termos
infinitéi!imo e vizinho, está em condições de apreciar devida-
mente quanto o enunciado que demos ultrapassa em precisão
essa ideia intuitiva - a ,'mação pode dar·se, de facto, em muito
I
Y(0).- ····11 --.-- H
demos o nome de difereJil;a
ou incremento da yariável:e
pequenas porções sem que haja continuidade uo sentido do nosso
enunciado: vai nisso toda a enorme diferença de significado

~
: i no ponto a. É claro que, matemático que existe entre o pequenQ e o injinitélrimo.
iA :8 quan-io x é vizinho de u, h Este facto parece ter sido apreendido por alguns espfritos
o ~-~"'~h---'~J( é vizinho de zero, e a coudi- penetrantes da antiguidade clássica; a isso nos referiremos
ção x..-.. a equivale à con- adiante.
I!'ig_ 72
dição 11. ...... 0.
A igualdade 16) pode escrever-se, portanto,
15. As descontinuidades.
18) lim y(a + h) ~ y(a) De acordo com a nossa segunda definição fundamental do
'4'
ou, o que é equivalente, parág. 13, uma função é descontlnua num ponto sempre que
não forem nesse ponto verificadas todas as condições de conti·
19) lim [y(a+],)-y(a)J~O nuidade. Isso implica a existência de várias espécies de descon-
'4> tinuidade, a que vamos, muito ràpidamente referir-nos.
que nos indica que a diferença y(a + h) - y(a), representada De tudo quanto foi dito até aqui, conclui-se que aS descon~
habitualmente pelo sImbolo 6.f(a), tinuidades duma função, por dependerem es:s:encialmente do sen
comportamento na vizinhança dum ponto, resultam da não exis~
~O) af(a) ~ y(a + h) - y(a) tência de limite (ou de não ser finito) e da forma pela qual e8se
limite nllo ewÜJte. O facto de a função ser ou não definida no
é infinitésima com h • ponto e, selldo-o, ter nele um ou outro valor, não é tão funda-
À diferença 20) dá-se o nome d~fererj(;a ou incremento da. mental, pois:, se a dificuldade for só essa, pode sempre resol.
função no ponto a; ela á representada na figo 72 pelo segmento ver-se assim: definir novamente a função no ponto considerado,
llP e significa como é óbvio, o incremento que para a função tomando para y(a) precisamente o valor de lim 1I(x). O que é
resulta de se ter dado à variável o incremento h. ~

Pois bem a igualdade 19) diz-nos então que - se a funçã() central portanto no estudo das descontinuidades é a condição b)
y(x) é conan~a no ponto a, a um incremento infinitési";l'J df: da definição I e a cada maneira pela qual ela pode deixar de se
h da vart"tí:vel independente, nesse ponlo clYN'espo'flde para ajunçi'io- verificar corresponde uma espécie de descontinuidade.
um incremento ây(a) infinitésimo com h. Assim, temos, em primeiro lugar, as descontinuidades de
306 BENTO DE JESUS CARAÇA
CO'NCEITQS FUNDAMENTAI>! DA MATEMÁTICA 307

.-
1.;:' espécie - são aquelas em que não existe li m y(;c) porque os
dois limites laterais existem mas são diferentes; S8 são ambos
finitos a descontinuidade diz-se Jinita de 1." espécie, se algum é
restricções que lá mencionámos, é que - o sinal de limite é per-
mutável com o sinal operatório.
Este resultado geral transporta-se imediatamente para a
, infinito diz-s8 infinita de 1." espécie. teoria da continuidade - a continuidade é permutável com o in'nal
As figuras 67 e 69 oferecem-nos exem- operatório. Assim: a soma e o produto dum número finito de
plos de descontinuidades infinitas de funçõell contínuas num ponto 300 jun()ões continuas no mesmo
1. 8 espécie, a primeira no ponto 1, a ponto, etc.
segundo no ponto zero,. a fig. 68 Deve atender-se, claro, aos mesmos casos de restrição citados
exemplifica a descontinuidade finita de no parágrafo 11. Se, por exemplo, y(õe) e z(.r) são duas funções
1. a espécie - a função !J=:c-I(:e) tem contínuas e nulas no ponto a, nada pode dizer-se à priori a
descontinuidades dessas nos pontos de
absdssa inteira. respeito do cociente y(x)
- - que se apresenta lU . determmu. do _O
.~ O
-õHlI-i',j,4j,JL-l:----:~
o
Em segundo lugar, temos as del1-
x continuidade de 2. a espécie, aquelas em
(cap. I parág. 26 e 27) no mesmo ponto.
Há que excluir também do rellultado geral que enunciAmos,
que não existem limites late!ais, um .todos aqueles casos em que a operação leve a valores nàofinitos.
ou os dois. A figo 70 exemphfica uma Por exemplo, se y(x) e z(x) são funçães continuas no ponto a,
função que tem descontinuidades de
2. a espécie em todos os pontos do seu e são y(a)4=0, z(a)=O~ o cocienteJj(~) não é uma função
dominio de definição. A figo 73 mos- .(x)
_1 tra-nos uma função qne tem no ponto continua no ponto a porque não é nele finita.
zero uma descontinuidade de 2. 4 espé-
cie . em todos os outros pontos é 17. A continuidade num intervalo.
Fig. 78 contlnua.
É intuitivo, em face destas defini- Até aqui referimo-nos exclusivamente à continuidade num
ções e das figuras que as exemplificam, que a segurufu espécJe de ponto.
descontinuidade atinge muito mais profundamente a regnlan~de Mas a noção pode ser estendida a todo um intervalo, para
de comportamento que a primeira espécie. l!m estudo teórico o que basta dar a definição seguinte:
da questão, que não podemos fazer aqUI, corrobora esta DEFINIÇÃO UI. - A junçilo y(x), real de variável real, diz.se
intuição. contínua no intervalo (a, b) quando nesse intervalo nlio eorillte
nenhum ponto de descontinuidade da funçi1o.

16. Propriedades da continuidade. Levanta·se, a este propósito, nm problema - a continuidade


confere, como vimos, uma especial regularidade de comporta-
Uma vez que a definiç;ão de continuidade se apoia sobre mento a uma função; quais são as propriedades pelas quais se
exprime esse comportamento?
a noção de limite, as propriedades das fonçõe.s ~ontinua~ depen-
dem, evidentemente, das propriedades dos limItes e sao delas Levar-nos-ia muito para além dos quadros deste livro o
estudo completo desta questão. Vale no entanto a pena eXa-
consequências directas. . .
N o parágrafo 11 vimos que o resultado geral, sUjeito a minar algumas dessas propriedades, apresentado-as, embora,
sem demonstração.
308 BENTO DE JESUS CllÁÇJ. CO:.fCEITOII FUNDAllIENTAIS DA lfATEMÁTICA 30\1

I. Limitaçi1o. - Toda a junçi10 continua num intervalo fechado DEFINIÇÃO - Diz-fie que uma funçl10 y(x), real de variável
é limitada nesse intervalo. real, satisfaz num ü~teM;alo à propriedade Ms valores com-
preendidos se ela é tal que para ir dum valor A a um valor
Na figura junta exemplificamos esta propriedade com as B =F A , quaisquer. a83Umidos nesse intervalo pela fungfiQ, ela
duas funções !J = sena: e y = tga: no inter\'alo fechado (0,11'); passa, uma vez pelo menos, por todos 08 valure8 wmpreendido,
& primeira é continua nesse intervalo, a segunda tem uma des- entre A e B.
continuidade infinita de la. espécie
, ema:=-com
, [.
lmtgx=+=,
A figo 75 ilustra esta definição. A funçio ,11 = f(;]:) (traço
2 • cheio) satisfaz IIO intervalo (a, b) à propriedade dos vaIarel!l
"' .... T- o compreendidos. Com efeito, tirando por qualqner ponto M com·
lim tgx=-oo.
'!
preendido entre A e

"' .... T+ o B uma paralela a OólJ,
Note o leitor que o facto de essa paralela encontra
a curva num ponto,
,r·~1t!)
, '.
uma função ter uma descontinuidade 8 .--.---- -------~------
pelo menos, de abcissa
num intervalo não a obriga a ser
não-limitada nesse intervalo. A fun- m e é f(m)~M.
Isto mesmo se H~-------
I ;
---,------
l
'
ção da figo 73 x sen..!.. tem uma passa !Ia, em vez do par C I~-------------.....: ::
I
=
de valores A = f (a)
~/ /{;;\1
1
"""of----".----,>;;-; descontinuidade no pont: zero e é B = f(b) que a funçio 1
? limitada. A propriedade obriga ape· toma nos extremos do
: nas as funções contínuas em inter- intervalo, tomarmos
:
:
I
:
valos fechados a ser limitadas mas
não obriga as não continuas a ser
não-limitadas: v. ainda o caso da
figo 68, pâg. 3Ol.
qualquer outro par de
valores que a função
tome DO intervalo.
A função Y='fI(a:)
JU- ai
--------.i.:l _ l[_
m ••
:.. Repare ainda o leitor no facto não satisfaz à proprIe- Fig.75
i t de ser essencial para que a proprie- dade j com efeito, ela
I dade seja verdadeira que o inter- não passa, no intervalo, por nenhum valor compreendido
I valo seja fechado .. se se considerar entre C e B.
: um intervalo aherto, a função pode Esta propriedade de valores compreendidos está relacionada
Fig. '14 ser contínua nele sem que seja limi- com ao continuidade do modo expresso no seguinte teorema:
tada. A função y=tgx, represen-
tada na fig. 74, oferece-nos um exemplo disso-ela é continua no TEOREMA - Se uma fUTU;ltO é continua num intervalo ela satisfaz
intervalo aberto (o, ;) e não é nele limitada. 1«1886 intervalo à propriedade dos vaWres compr-eeru.Udoa.

Do ponto de vista intuitivo, visual, é esta a propriedade


II. - Varores compreendiMs. - Para bem compreender esta que melhor exprime a continuidade, conforme se vê na figura
propriedade, demos antecipadamente a seguinte juula (fig. 76).
310 BE~TO DE JESUS CARAÇA CONOEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA 311

Mas não julgue {) leitor que as relações entre a prop'rUdade s6 podem ter descontinuidades naqueles pontos que ,forem zer,?s
M& valorel1 compreendidas e a continuidade vão mais longe. do denominador. Se um ponto a fõr zero do denommador e nao
A reciproca do teorema não o fór do numerador, esse ponto é de descontinuidade; se fór

t~
é verdadeira - pode uma fun· simultaneamente zero do denominador e do numerador, ti. fun-
...
!~~':
ção satisfazer à propriedade
dos valores compreendidos
ção não é definida no ponto a e há que completar convenien·
temente a definição da função.
·· ., Dum intervalo sem ser conti-
Assim a função !J = "'
-...-2 tem no ponto x = - 1 uma
: 1 nua nesse intervalo. A função x+l
:· t.
, y ~ sen ~
(fig. 73, pág. 306) descontinuidade, porque ;r = -1 é um zero do denominador
x sem que o seja do numerador.
oferece'Dos exemplo disso,
fr..
x+2 . Oeuomma
d · d OI' tem
·n ••••• n ....n

I
.. t
- em qualquer intervalo que
compreenda a origem, a fuu-
ção passa por todo o valor
Seia agora a função 9
J
=
x2+;r-2
os dois zeros ;r = 1 e a: = - 2 que se obtêm resolvendo a
+
eqnação :c2 x - 2 = O; pode portanto escrever·se x 2 + :c-
x compreendido entre -1 e +1 m+2 x+2
Fig. 76 (uma infinidade de vezes) 6, no -2 =(:c-i) (x+2) , logo y= :c~+.c-2 = (:c-1) (oc+ 2)'
entanto, a função tem nesse in·
tervalo, como sabemos, um ponto de deseontinuídade de 2." espé- 1
tem.se y = - - para x 4=- 2 e este resultado mostra-nOB
cie - {) ponto zllro. ", ... 1
O carácter muito delicado desta questão não permite que que só o ponto :c=1 é um ponto de descontinuidade da função
ti. aprofundemos mais aqui. 1
sesepuzer y(-2)=--.
18. Algumes funç15es continues. 3
O caminho a seguir para a determinação d~s d?scon~inui­
Resta-nos para concluir estas rápidas referências ao pro- dades das funções racionais é sempre este. A prImeIra cOisa a
blema da continuidade, passar em revista algumas funções nossas fazer é resolver a equação
conhecidas e ver como elas se comportam em face deste conceito.
23) denominador = O
1. - Polinómios inteiros. Os polinómios inteiros (2. a Parte,
pág. 142) cujas raizes são os únicos pontos em que pode haver desconti-
nuidade. O estndo em relação a cada nm dêsses pontos faz-se
21) +
P(z) = aoz" ala:"-I + ." + a.._l:C + a,.
não têm nenhum ponto de descontinuidade - são, portanto, fun-
ções cont[nuas em todo o intervalo - 00 <:c < + QO em que
como acima foi indicado.
Seja por exemplo a função y = -=--.
.é-i
As raizes da

são definidos. -1+iV3 ,


equação x 3 - 1 = O siio Xl = 1, ::t"2= Xg=
11 - Funções racionais. Estas funções (2. a Parte, pág. 143) 2

R(:c) = P(a:) = ao~ + a:l:c"_ 1 + + an.-I<l! + a,. -1-;V3 as últimas duas são imaginárias e estão por·
22)
Q(m} boa!" + bl :c"'-l + + b_I a: + b. 2
312 BENTO DE JESUS CA,lIAÇA

tanto fora da questão por nos confinarmos ao campo real. Quanto


fi. primeira, como ;r = 1 não é raiz do numerador, condui.se
que é de facto um ponto de -descontinuidade.
, lU. - A,
funções sen x e
cos x. Não têm
NOTA I
nenhum ponto de
descoll tinu.idade
:r . (fig. 77).

IV.-A /'un-
TXOREKA. Oliro
11.. . . 00
(1 + ..!.)11 existe e está compreendido entre
n
Fig. 77
ção tgx. Como 2 e 3.
tg ...._~ ,_en
" , o estudo faz·se
semelhantemente ao das fon- DEMONSTRAÇÃO. O teorema decompõe-se em doie::
cos ;c
çôes racionais. Como (v. a figo 77) a função cosox" se anula nos 1) O lim (1
D .....""
+ 1.-)D
n
existe.
pontos que são múltiplos impares de ~, positivos e negati-
2
vos, é ai que devem procurar-se os pontos de descontinuidade.
Provemos que a sucessão de termo gexal Un = (1 + ~ )" I

Que se pas~m com o numerador? Mostra ti. figura que a fun- (n=1,2, ...), é de termos positivos e crescente. Para provar
Cão seu :c não se anula em que os termOs são todos positivos basta notar que, qualquer
nenhum desses pontos, logo
todos eles são pontos de des-
que seja n inteiro e positivo, (1 + ~ )" é um potência de
contiuuidade para a função base positiva, portanto, também positiva. Para demonstrar que
tg 3:. a sucessão é crescente, desenvolvamos o termo geral segundo a
Duma maneira análoga se fórmula do bin6mio ou de Newton(l). Vem
(1 + .!.)" ~ 1+ n. ~ + n(n-l) . .!:.. +
estudam as descontinuidades
das outras junr;i'Jes gonwmé- u. ~
. cos ;r \ n n 1.2 '11.2
tncas: cotgx=-,sec x=
seu u: + .(n-l)(n-2) . .!:.. + ... + n(n-l)(n-2) 2 .1 . .!:..
1 1 1.2.3 n3 1 ·2 . 3 n nn
~--, cosec X = - - .
cos x seu óC Fig.78
V. -Outras junções trans- (I) (a+W = a n .,. n an-l b + n(n-l) aot-1 +
,., b~
cendentes. Existem outras funções transcendentes elementares,
algumas extremamente importantes como a função e:rponeneiol n(n-l) ... (n-p+l) n p n(n-l)···2.J. n
e a função logarítmica.
+ ... + a - b1'+ •.. + b .
1.2 .... p 1·2. ···n
A sua dOO:u.ção encontra-se em qualquer compêndio de Álgebra e(e-
.mental'.
314 BENTO DB IESUS CARAÇA CONCEITOS FUNDAlaIENTAJS DA MATEMÁTICA 315

pondo 1· 2 .'. p =p I e permutando em cada pm-cela os


011, E, por ser p 1> 21'-1 para p ~ 3, inteiro e positivo (1), vem
numeradores das duas fra.cções, de 2) por maioria de razão

u"~ (1+-
1 n 1 n(n-l) +
1)"~1+-.-+-· u" ~ (1 +2-)"
n
< 1+ 1+ 2-+
2
2-
2~
+... +_1_
2"-1
n l! 11 21 Ui

1 n(n-1)(n-2) 1 n(n-1)(n-2).··2.1 011, notando que as parcelas a partir da segunda constituem


+-. +... +-.
31 8 n uI n" uma progressão geométrica de razão ..!.. cuja soma é, portanto,
ou, ainda 2
1-1/2" (')
1) 1-1/2 '
U"~(1+Jc)"<I+ 1-1/2" ~1+2-.2.-<3
n 1-1/2 2"-1
que prova Ber 3 maior que qllalquflf termo da sucessão a,
portanto, esta é limitada superiormente.
Então a sucessão de termo geral u,. = (1 + ~ )" está nas
Daqui resulta que condições do 2.° caso do teorema do parágrafo 25, do cap.1.°,
1 )(I-...!-)-r da 3. a Parte (pág. 242), pois é crescente e limitada superior-
•• >1+2-+2-(1 _ _
1 )+2-(1 _ _ mente. Logo, existe e é finito o
I! 2! n-l 31 n-1 n-l

+... + 1
(u-l)
(1
I
__1
n-l
)(I_...!-)
n-1
... (1_ 2)
n-l
n
-

por se ter suprimido uma parcela positiva, ti. última, e se ter 11) O lim (1 +.!..)n
.- .
1im (1 + 2-)".

está eompreendiàQ 61ltre 2 3.


6
n......, n
aumentado todos os subtractivos. Note-se finalmente que o
segundo membro da desigualdade é precisamente u...-l' COll~ De 2) resultou, como vimos,
clni-se, pois, que U._l<u... para 11 inteiro e positivo qualquer.
Logo, a sucessão é crescente, c. q. d. U"~(1+~r<3.
Demonstremos agora que ti. sucessão de termo geral Un =
'= (1 + ~)" é limitada superiormente. Da igualdade I}, ante- (1) DemoDstraremos por indução completa. Pa.ra p_3 temo.$B evi-
dentemente 31 = 6> 2a-1 _ 2Z = 4. Suponhamoll verdadeira a de8igual-
riormente deduzida, resulta, notando que os parenteais do se· dade p! > ~ e multipliquemos ambos 011 memhroll por p + 1 (> 4) , vem
p!(P+l»2~-'(p+l) ou (p+l)!>l5"-l.4>2•.
gllndo membro são todos menores que a unidade, (1) Em qualqll6r compêndio se encontra a demonlltraçllo de que a Boma
dos 7l primeiros termos de uma progrenão geométrica de rado r, pri-
1)"<1+-+-+-+···+-.
1 1 1 1
2) ."~ ( 1+-
0-1'1'
meirotermo a e últimoíermo u_aT"-I, é S=---.
n 11 2! 3! u! 1-,
316 BENTO DE JESUS OARAÇA

Logo, tem-I'le (Parte 3."', capo V', parágrafo 29, pág. 200)

lim(1+~)'
It-+oon
L3.

De 1) decorre, com 11, ~ 2, por supressão de termo.


positivos do segundo membro da igualdade,

u.~(1+~)'>1+~~2.
n 11 NOTA 11
Portanto, vem (v. pág. 250)

lim
..-.00
(1 +.!)"
n
~ 2.
Tem-se, por fim,
'fEoREMA. O námero ~= 1 (1 + ..!-)Il
im é igu<Jl à soma
2L lim (1 + ~)" L 3
n ..... OO n

c. q. d.
"--..,, n
da8érie 1+..!-+1:-+._.+~+ ....
I! 2! nl
Uma demonstração desta dupla desigualdade, baseada no
eonhecimento (V. Nota lI) de qu.e DEMONSTRAçl0. Vimos: (Parte 3 •.0., capitulo 1.0, pará-
grafo 28, págs. 247-248) que é, por definição,
. (1)'
hm 1 1 ... +-+.»,
1+- ~1+-+,,+ 1
It-->" I! ... !
11, nt e=lim(l+l...)'
"...... n
.
decorre fàcilmente do que, a respeito da série que fignra no
segundo membro, se estabeleceu no parágrafo 5, do capo 2.°, Por outro lado, também vimos (Nota I, 2)) que é
da Parte 3.... (págs. 263-264).
u" ~ (>1+~)' < 1+~+~+ ... +~~S,.
11, 11 21 n!
Consideremos a igualdade 1) da Nota I à qual se pode
dar a forma i'leguinte, com n>m, m inteiro e positivo,

1)'
u,_ (1+-
11
1 1(1--1)
~1+-+-
I! 21 n
+
+~(1-~)(1-
3! 11
2)+> .. +
11
318 BE~TO DE JESUS CAlUÇA

ERRATA

, Ond.... tá., Lnla-!. ,


f'/le 1u Llnh...

2 (debaixo) quere quer


8 10 (debaixo) upoSG _ maridq e.tIpOllCJ _marido
9 2 quere quer
9 6 três
""
...
170

223
12
10
2 (debaixo)
d.
>
igualdade
>
d.
desigualdade
232 12 (debaixo) prosseguir prosseguirmos
235 14 >
2.
>
2'
Tomando limites de ambos os membros desta desigualdade 238 6 (debaixo)
quando n tende para infinito, obtém-se (V. pág. 2f)()) 200 3 .) 9)
260 11 série ml:c,
1 1 1
,'-I
-
+-+-+---+-~S
l! 2! ml""
261 9 27 28
divergente ou indeterminada.
275 11 (debaixo) divergenk.
Em resumo, tem-se, por um lado u" s.. 6 J por outro, < 286 18 e 19 histàrimeDte. histOricamente.
6~ 3 m ou, O que é o mesmo por ser m inteiro e positivo
qualquer, e ~ S". Isto é,
u.. Le <S..
ou, tomando limites (V. pág.250),
lim u,. L.lim S.. L e
"_00 ........"
donde
_ ( 1)" 1 1 1
IUll 1 + -
......co 11.
Ll+-+-+---+-+---L'
11 2! n! -
lim (1 +~)
a, sendo por definição e = _. n . J tem-S6 .finalmente

_ ( 1+-
e=hm 1)" =1+_+_+
1 1 1
... +_+ ...
...-.o n 11 21 n!
c. q. d.

Você também pode gostar