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CNBB

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

O povo viu uma grande luz


(Is 9,2)

Ano
3 - Nº 16

Roteiros Homiléticos para o Tempo do


Advento — Natal — Tempo Comum
Ano B - São Marcos

dezembro de 2017 / fevereiro de 2018

Dições cn?
O povo viu uma grande luz
(Is 9,2)

12 Edição - 2017

CO Poe Cosa nas ss Ens OA a US An OO nO a O COESO Ana DGE OUT O LCD o Une a cascos 0 du

Diretor Geral: Capa:


Mons. Jamil Alves de Souza Edições CNBB
Diretor Editorial Projeto Gráfico:
Pe. Luís Fernanado da Silva Henrique Billygran da Silva Santos
Coordenação: Diagramação:
Comissão para o Ano Nacional do Laicato. Marília da Silva Ferreira
Revisão:
Leticia Figueiredo

C748; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/ Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento - Natal
— Tempo Comum: O povo viu uma grande luz. Ano B - São Marcos. Brasília, Edições CNBB. 2017.
p:64:14x21 cm
ISSN: 2359-1935
1. Liturgia;
2. Advento — Natal;
3. Tempo Comum.
CDU: 264.941.4

As citações bíblicas dos textos da celebração são do Lecionário Dominical, A, B, €, Paulinas, Paulus 1994,
Somente as citações que são para reforçar o sentido do texto foram retiradas diretamente da tradução bíblica
da CNBB e assim já citadas.

NO ODOR ELO CACO EDOLD OCL U AA a a O A O UC Anes OO a 4 |

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Sumário

APRESENTAÇÃO...
1º DOMINGO DO ADVENTO
3 de dezembro de 2017 ..........e
eres rear rare

2º DOMINGO DO ADVENTO
10 de dezembro de 2017.............ec
re eerrna

3º DOMINGO DO ADVENTO
17 de dezembro de 2017...............cce rsrsrsr rer sera eeneas

4º DOMINGO DO ADVENTO
24 de dezembro de 2017..............e rsrsrsr

NATAL DO SENHOR
25 de dezembro de 2017 — Missa do dia...............ccccisio

SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS,


MARIA E JOSÉ
31 de dezembro de 2017..............ccc erre cerco renas

SOLENIDADE DA SANTA MÃE


DE DEUS
1º de janeiro de 2018...................e.eee neces eereee rare naas

SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR


7 de janeiro de 2018.................ccci
iss erre rerres correr eananraneaa
2º DOMINGO DO TEMPO COMUM
14 de janeiro de 2018 ..............sc
iss cerrerseerrerncerarenrenneenaena

3º DOMINGO DO TEMPO COMUM


21 de janeiro de 2018 ................is
iss rsrsr re reencerreanaea

4º DOMINGO DO TEMPO COMUM


28 de janeiro de 2018...............cic
ic ssssrrseerereersrennreaneerneranea

5º DOMINGO DO TEMPO COMUM


4 de fevereiro de 2018.................cccic
srs erre renas

6º DOMINGO DO TEMPO COMUM


11 de fevereiro de 2018 .............cccces essere re canto
APRESENTAÇÃO
E mais uma vez motivo de contentamento poder escrever algo
+

para a apresentação deste subsídio litúrgico da CNBB. O Tempo


do Advento e Natal, também chamado de Tempo da Manifestação
do Senhor, é de preparação e vivência do Mistério da encarnação e
nascimento do Filho de Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre
nós (Jo 1,14). Constitui, assim, uma dupla espera: a do nascimento do
Senhor e a de sua segunda vinda que reconforta nossa esperança e a
mantém viva até sua volta definitiva, a volta no fim dos tempos.
A boa vivência do Tempo do Advento/Natal inspira em nós ao
menos duas atitudes que tornam este período litúrgico muito real: a
alegria e a ascese. À espera do nascimento enfatiza a alegria. É tempo
de festa, de presentes, de encontros. Todos esperam o grande presente
de Deus que nos é doado, seu Filho Jesus Cristo. À espera da vinda
final como juiz e Senhor acentua a vigilância exigente, da conversão,
da mudança de vida, do discipulado comprometido.
Logo após o Tempo de Natal, inicia-se a primeira parte do
Tempo Comum, com 6 semanas de vivência, até a Quarta-feira de
Cinzas. Este é um tempo de perseverança e de esperança. É nele que
somos convocados a uma conversão diária, amparados e guiados pela
Palavra de Deus anunciada de maneira abundante. Juntamente com os
domingos que se seguem à Festa de Pentecostes formam um unicum
para a nossa espiritualidade e o alimento da fé para viver os desafios
que o mundo apresenta.
Desejo a todos um Feliz e Santo Advento/Natal e um ótimo início
do Tempo do Advento.
Mãe da Esperança, rogai por nós!

Dom Geremias Steinmetz


Arcebispo de Londrina — PR
1º DOMINGO DO ADVENTO

3 de dezembro de 2017
VIGIA! PORQUE NÃO SABEIS QUANDO O DONO DA CASA VEM.

Leituras: Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7


S179,2ac.3b.15-16.18-19 (R 4).
ICor 1,3-9
Mc 13,33-37

1. Situando-nos
Iniciamos o Tempo do Advento. O termo vem do latim e significa
“chegada, vinda”. Portanto, estamos no tempo da vinda do Senhor.
Duas são as vindas do Senhor: a primeira já aconteceu, a sua vinda
histórica, na carne; a segunda será a sua vinda definitiva, na glória.
Os dois primeiros domingos do Advento se ocuparão da vinda na
glória, portanto, serão domingos escatológicos (escatologia = estudo sobre
nossa realidade última, vida após a morte). Ainda não é hora de falarmos do
presépio, de Jesus criança na manjedoura, mas do Cristo glorioso que virá.
Podemos falar de muitas vindas do Senhor. As situações históricas
são verdadeiros juízos de Deus: as crises advindas das perseguições,
guerras e terrorismos já julgam o mundo com as suas consequências,
condenando o mundo com os seus egoísmos. De algum modo, a crise
política e financeira que assola nosso país é uma antecipação do juízo,
uma crise que provoca um choque de realidade, e também oportuniza
a purificação. Por outro lado, há também sinais mais positivos da vinda
do Senhor: os sinais proféticos provocados pelo testemunho de leigos e
leigas inseridos no mundo, os santos, os reformadores (celebramos 500
anos da Reforma Protestante), os Concílios Ecumênicos, o serviço aos
pobres. Deus bate à porta e vem ao encontro da humanidade constan-
temente, mas espera pelo nosso acolhimento.
Ho. O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

2. Recordando a Palavra
Na primeira leitura, o profeta Isaías traduz os sentimentos do
povo desalentado depois do exílio da Babilônia. Diante de sua situação
limite, pede-se uma intervenção divina: em situações de crise, é mais
fácil esperar que Deus faça tudo sozinho, que realize uma intervenção
poderosa. Mas, ao mesmo tempo, o povo reconhece a sua infideli-
dade, bem como a misericórdia divina. Embora seja um povo fraco, é
modelado pelas mãos do oleiro que é o Senhor.
No Salmo Responsorial, Deus se revela o pastor que vem salvar o
seu rebanho, vem cuidar de sua vinha.
Na segunda leitura, São Paulo exorta a comunidade a permanecer
fiel em seu testemunho, fruto da ação divina (dom). À comunidade
deve se conservar irrepreensível, mantendo a comunhão, enquanto
aguarda a vinda do Senhor.
No Evangelho, Jesus propõe a vigilância. O dono da casa partiu,
deixando a sua propriedade sob o cuidado dos seus: cada um tem a sua
tarefa. Enquanto esperamos a vinda gloriosa do Senhor, cada pessoa
deve assumir a sua responsabilidade no cuidado da casa, isso significa
permanecer na vigilância.

3. Atualizando a Palavra
O tema da vinda do Senhor nos leva, neste domingo, a acendermos
a vela da vigilância. O Senhor virá como o dono da casa. Quando
chegar, desejará que seus empregados estejam atentos ao cuidado de
sua residência. Portanto, a nossa história não é um lugar de espera
passiva. À expectativa vigilante não nos coloca como passageiros no
portão de embarque. À vigilância nos leva a perceber a presença do
Senhor na história e a provocar suas vindas.
Há sempre o risco do sono, como conta Jesus na parábola. À vida
pode facilmente se tornar uma rotina, uma mera repetição cansativa.
Em nossas comunidades, não é raro encontrar sinais de uma pastoral
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum 8H

de conservação, um modo repetitivo e obsoleto de organizar, de se


lidar com os problemas e de tratar de temas como família e vida social.
Nem sempre admitimos com facilidade que a Igreja está em reforma
constante, sendo preciso novas estruturas, espaços de engajamentos
para os leigos, abandono do comodismo, sem que nos coloquemos
no horizonte do “primeirar”, como nos convida o Papa Francisco. O
cristão não é um conformado com o status quo, mas procura limpar a
casa sempre que percebe sinais de sujeira, organiza as coisas, quando
há bagunça. De algum modo, tudo isso prepara e apressa a vinda do
dono da casa.
À vigilância não exime da experiência de nossas fraquezas.
Reconhecemos que somos barro, como fez o povo de Israel no exílio
da Babilônia, como retrata o profeta Isaías na primeira leitura. Por
isso, não confiamos exclusivamente em nossas forças. É preciso nos
consideremos uma pobre argila nas mãos do oleiro: “Senhor, tu és nosso
pai, nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos”
(Is 64,7). Se somos barro nas mãos do Pai, o Reino definitivo não
depende somente de nossas forças, pois a esperança cristã nos abre ao
futuro prometido por Deus. Por vezes, projetamos o Reino em institui-
ções deste mundo: um líder, um partido político, um movimento.
Presenciamos esta realidade nos últimos tempos diante das conturba-
ções políticas do Brasil. Existem ainda aqueles que levantam bandeiras
radicais em nome de instituições e partidos. Haverá aqueles que nas
próximas eleições acreditarão que algum líder possa resolver todos os
nossos problemas. Mas a vida é mais complexa do que comumente se
imagina, as soluções não são mágicas, nem podem ser imputadas a um
grupo humano ou a candidato. Esperar em Deus é crer na aventura da
história: ao mesmo tempo que esperamos no Senhor e aguardamos a
sua vinda, não nos eximimos de nossa responsabilidade.
Contando com a força divina, pedimos ao Senhor o dom da
perseverança para que nossa vigilância seja constante: “É Ele que vos
dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim,
até ao dia de nosso Senhor, Jesus Cristo” (1Cor 1,8).
ao O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

Pensar na eternidade é conferir sentido ao presente, como nos diz


o Papa Bento XVI: “Com efeito, 'eterno' suscita em nós a ideia do
interminável, e isto nos amedronta; 'vida', faz-nos pensar na existência
por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que,
frequentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal
maneira que se por um lado a desejamos, por outro não a queremos.
À única possibilidade que temos é procurar sair, com o pensamento,
da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma forma,
conjecturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias
do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação,
onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o
instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo —
o antes e o depois — já não existem. Podemos somente procurar pensar
que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar
na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente
inundados pela alegria”!

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


A Oração da Coleta nos propõe a “correr ao encontro do Senhor
que vem” com nossas obras. O Prefácio do Advento nos fala da vinda do
Senhor, não somente na glória, mas na concretude da história. Convida-
-nos a vivermos a vigilância na colhida do irmão, na caridade, de modo
que não sejamos meros expectadores, mas colaboradores da construção
do Reino: “Naquele tremendo e glorioso dia, passará o mundo presente
e surgirá novo céu e nova terra. Agora e em todos os tempos, ele vem ao
nosso encontro, presente em cada pessoa humana, para que o acolhamos na
fé e o testemunhemos na caridade, enquanto esperamos a feliz realização
de seu reino”.
À mesa da Eucaristia é a antecipação do Reino definitivo. Nela o
Senhor já é presença que vem. O Senhor está no meio de nós, já antecipa
a comunhão com ele, enquanto aguardamos a sua vinda gloriosa.

1 BENTO XVI. Carta Encíclica Spe Salvi (SS). Documento Pontifício 2. Brasília: Edições
CNBB, 2007, n. 12.
2º DOMINGO DO ADVENTO

10 de dezembro de 2017
PREPARA! O CAMINHO DO SENHOR.

Leituras: Is 40,1-5.9-11
SI 84,9ab-10.11-12.13-14 (R. 8)
2Pd 3,8-14
Mc 1,1-8

1. Situando-nos
“Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1).
Ássim começa o Evangelho de Marcos. Declara-se logo no início que o
texto é um evanguelion, ou seja, uma boa notícia. Quando esta mensagem
chega aos ouvidos de homens e mulheres deve, sim, gerar amor, alegria,
esperança. Ás instituições religiosas, quando não se deixam guiar pelo
Espírito, anunciam uma má notícia, bem diferente do Evangelho de
Jesus Cristo. É preciso que insistamos no aspecto altamente positivo
do Evangelho: sua alegria, sua força transformadora e ilimitada, a
experiência salvífica que nos enche de felicidade e sentido.

2. Recordando a Palavra
O profeta Isaías trouxe uma boa notícia ao povo que estava prestes
a ser libertado do cativeiro babilônico: “Consolai o meu povo, consolai-
-o! — diz o vosso Deus” (Is 40,1). Quando muitos não acreditavam na
libertação, quando tantos estavam aprisionados pelo peso dos pecados
e não encontravam saída, Isaías prepara um tempo novo: que venha a
consolação, que venha a paz, que se prepare o caminho para novos dias.
O Salmo Responsorial pede com suavidade que Deus mostre o
seu amor.
= O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

A segunda leitura, da segunda carta de São Pedro, fala da vigilância,


pois o dia do Senhor virá como ladrão. A Bíblia utiliza linguagens
fortes para falar da parúsia (vinda do Senhor): desintegração, derreti-
mento dos céus, fundição de elementos. O tom severo expressa que a
realidade última será uma transformação radical de tudo que existe,
além de convidar a uma vigilância séria. Uma interpretação atualizada
não fará de tais versículos uma motivação para o medo.
O Evangelho traz a figura de João Batista. Bem diferente de Jesus,
João é um homem do deserto, vive vida austera. Propõe que o povo se
converta, prepare-se para a vinda do Messias.

3. Atualizando a Palavra
Hoje, diante de tantas escravidões, não podemos ficar no exílio,
pois o Senhor vem para nos trazer consolação. O que esperar de nosso
país, depois de tantos períodos de instabilidade, diante da corrupção
que se mostra cada vez mais escancarada? O que esperar de nossa vida
particular diante dos medos e das angústias provocados pelos desafios
da existência? Deus não nos deixa faltar sua consolação, não nos quer
escravos do medo ou do pessimismo.
À tônica de Isaías é a mesma do último e mais importante de todos
os profetas — João Batista. Este homem apareceu no deserto vestido de
roupas de animais, alimentando-se de gafanhotos e mel, gritando uma
voz forte de conversão: “Esta é a voz daquele que grita no deserto:
'Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas” (Mc 1,3).
Banhar-se nas águas é sinal de conversão. João Batista insiste
4!

que a chegada do Senhor depende de cada um de nós. É preciso que


haja uma mudança radical da existência: mudança no modo de pensar
e de agir. À escolha do deserto e das roupas simples evocam que a
conversão passa necessariamente pela pobreza e pelo despojamento de
si mesmo. É preciso compreender que o sentido da vida vai muito além
do consumismo capitalista, das ofertas do marketing, das luzes artifi-
ciais geradas neste tempo que antecede o Natal. Este tempo é, antes de
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal —- Tempo Comum a

tudo, tempo de quietude, serenidade, meditação, escuta atenta da voz


suave do Senhor.

Aquele que vem é mais forte do que tudo. Sua força se manifesta em
sua vitória sobre os inimigos, sobre os adversários, sobre a morte e sobre
o pecado. Por isso, aquele que vem não batiza com água, mas com o
Espírito Santo. À conversão que se almeja, portanto, não é simples obra
humana, pois Deus pode realizar esta graça em nós. É Deus que age na
interioridade de nosso ser, que é tão íntimo em nossa intimidade, que
nos guia e gera a vida nova. Seu convite continua: “Renovai hoje em vós
este Espírito que gera vida. Preparai o caminho do Senhor” (Jo 1,19-28).

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


A Oração da Coleta pede a Deus que “nenhuma atividade terrena
nos impeça de correr ao encontro” de Cristo. Na mesma linha, a
Oração após a comunhão fala de sabedoria para julgar os valores
terrenos, de modo que estes não ocultem os valores dos bens eternos.
Às orações estão em sintonia com a proposta de despojamento de João
Batista: a conversão anda nos trilhos da liberdade, ou seja, quando não
permitimos que as amarras deste mundo nos prenda, vivemos como
discípulos de Jesus.
A Oração sobre as oferendas invoca o socorro da misericórdia
diante da fraqueza humana. O Evangelho nos convida a perceber a
força do Deus que vem, do Messias, aquele que batiza no Espírito.
Assim, neste Tempo do Advento, o Senhor nos convida a confiarmos
nele, não em nossas forças.

5. Sugestões para celebração


Seria oportuno fazer o rito de aspersão com água no ato peniten-
cial. Pode-se enfatizar a água como sinal de purificação, de conversão.
Lembra-nos também do Batismo que nos fez nova criatura, pessoas
renovadas pela ação do Espírito Santo. A liturgia deste segundo
domingo, como vimos, é um convite à conversão.
3º DOMINGO DO ADVENTO

17 de dezembro de 2017
FICA! SEMPRE ALEGRES.

Leituras: Is 61,1-2a.10-11
Lc 1,46-48.49-50.53-54 (R. Is 61,10b)
ITs 5,16-24
Jo 1,6-8.19-28

1. Situando-nos
O 3º Domingo do Advento é chamado de gaudete, ou seja, é o
domingo da alegria. Alegrai-vos, o Senhor está perto, ficai sempre
alegres, pois estamos em um tempo especial, está próxima a vinda
do Senhor; o Salvador está próximo de nós: seu nome é Emanuel,
Deus-conosco. Nesta liturgia, Deus nos convida a acolhermos
a verdadeira alegria da proximidade de Deus. “A Alegria do
Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram
com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado,
da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce
sem cessar a alegria”.
Mas, quantas são as tristezas. Não controlamos a história e, portanto,
as dificuldades aparecem sem que possamos antecipá-las. À vida não se
realiza sem enfrentamentos, sem cruzes. Além disso, carregamos um
pântano interior: nosso inconsciente, nossas dores refugiadas na interio-
ridade, nosso mundo de emoções, afetos, dúvidas, medos. À proposta
cristã deste Tempo do Advento é um grande desafio que exige nossa
abertura, fé e esperança: deixar o coração se encher de alegria, alegria
que vem de Deus, serenidade apesar das lágrimas de nossa história.

2 FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG). Documento Pontifício 17.


Brasília: Edições CNBB, 2013, n. 1.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal — Tempo Comum BH

2. Recordando a Palavra
À primeira leitura traz a situação do povo que já retornou do exílio
babilônico, mas ainda se adaptava à nova forma de vida no pós-exílio.
Embora livre, não se sentia acolhido entre os concidadãos, enfrentava a
falta de moradia e o trabalho duro. O profeta exorta um pequeno resto na
esperança: o Senhor fará surgir a justiça, porém não de modo imediato.
O Salmo é o cântico do Magnificat, o louvor de Maria identifi-
cada com seu povo.
São Paulo, na segunda leitura, convida-nos: “Estai sempre alegres!”
(1Ts 5,16). Para o cultivo da alegria, o apóstolo nos recomenda: rezar
sem cessar; dar graças (não reclamar); não apagar o espírito, mas
examinar tudo, ficando com o que é bom (discernimento); afastar-se
da maldade, conservando a vida para a vinda do Senhor.
O Evangelho nos traz a missão de João Batista. Ele não é a luz,
mas apenas o testemunho da luz, a “voz que clama no deserto”, um
mero servo que aponta para a luz verdadeira.

3. Atualizando a Palavra
O profeta Isaías, na primeira leitura, afirma que a semente demora
germinar e crescer, assim acontece com a justiça prometida por Deus.
Deste modo, aprendemos a deixar o imediatismo, mas esperar no
Senhor. Seu amor é esponsal, não nos abandona, sua aliança de amor é
para sempre: “Exulto de alegria no Senhor e minha'alma regozija-se em
meu Deus; ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o
manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa ou uma
noiva com suas joias” (Is 61,10). Portanto, a alegria depende de uma
visão realista da realidade aliada a fé: seguimos alegres, porque temos a
certeza de que Deus nos ama e não ausenta o seu cuidado.
João Batista parece não nos trazer a alegria, pois evoca a severidade
austera do deserto. É preciso perceber a alegria da ação profética de João,
nas entrelinhas. João veio para dar testemunho da luz: “Ele veio como
testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé
6 O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz”
(Jo 1,7-8). Cristo é a nossa luz, ou seja, o sentido da vida, a sabedoria
que guia nossos passos. Estar na escuridão é ameaça de tropeço e a falta
de orientação. Nossa alegria apenas será plena se percebermos qual o
caminho que devemos seguir.
De fato, João não era a luz. Quando perguntado sobre sua identi-
dade e autoridade, diz apenas que é uma voz. De fato, João Batista nunca
ocupa o lugar de Deus. Hoje, são muitas vozes que tentam ocupar o lugar
da verdadeira Palavra de vida. Vozes que afirmam com autoridade ter
a solução para os problemas, o sentido da existência: líderes populistas,
gurus da autoajuda, mensagens mágicas do mundo cibernético. Podemos
nos iludir facilmente pelas vozes, sem examinar, ficando com o que é
bom, como nos diz São Paulo (segunda leitura). João Batista aponta para
a verdadeira voz e verdadeira luz, aquelas que não são manifestas pelo
poder ou pela exuberância. É na fragilidade e na pobreza do profeta e
de seu Messias que encontraremos o sentido, a esperança, a alegria
verdadeira. Hoje, podemos perceber que no humilde serviço ao Reino
dos leigos e leigas inseridas no mundo o poder de Deus se manifesta.

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


“Que alegria quando ouvi que me disseram “vamos a casa do Senhor”
(SI 122). É sinal de alegria a reunião da comunidade no domingo festivo:
estar na casa de Deus com os irmãos e as irmãs, oferecer nossas graças, lutas
e trabalhos, participar da mesa da Comunhão Eucarística. Na Liturgia nos
enchemos de santa alegria, sobretudo quando os sinais sagrados são apresen-
tados em sua beleza e de modo inculturado: “Dai chegarmos às alegrias da
Salvação e celebrá-las sempre com intenso júbilo na solene liturgia” (Oração
da Coleta). Que não falte alegria em nossas liturgias, em nossos domingos.
Vir ao templo não é uma atitude de fuga da realidade, não fazemos
na Igreja a idolatria do templo criando ruptura entre fé e vida. Na igreja
(templo) colocamos o combustível que nos faz aptos para anunciar a
alegria do Senhor no mundo. O mundo precisa ser iluminado com nosso
testemunho feliz!
4º DOMINGO DO ADVENTO

24 de dezembro de 2017
ALEGRA-TE, CHEIA DE GRAÇA, O SENHOR ES TÁ CONTIGO!

Leituras: 2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16


SI 88,2-3.4-5.27.29 (R. 2a)
Rm 16,25-27
Lc 1,26-38

1. Situando-nos
O anjo disse “Alegra-te”. Nós dizemos “Ave Maria”. Na oração
cotidiana e por vezes irreflexiva, parece uma simples saudação, mas na
verdade é uma palavra que convida à alegria. Tal alegria é a manifes-
tação dos tempos messiânicos (Sf 3,14-17; J1 2,21-27). É uma alegria
que brota da maternidade de Maria, a agraciada. Deus é conosco e
habita em nosso meio, portanto, não cabe mais o medo e a hesitação.
Neste tempo que antecede a vinda do Salvador, somos convidados
à alegria. Não basta a alegria das férias, das festas, dos presentes, das
cores, da emoção da família reunida. Tudo isso é apenas sinal. Nossa
alegria está no fato de que o Senhor é graça e quer estar conosco. Nossa
alegria está na confiança de que o Senhor não só veio, mas continua
vindo em nosso socorro, convidando-nos a viver em seu amor.
Alegra-te, o Senhor está contigo! O Senhor veio trazer a sua graça
transbordante! À resposta fica por conta de cada um de nós. Na boca
de Maria está a resposta de toda a humanidade, mas ao mesmo tempo
um convite para que todos nos unamos à sua resposta afirmativa:
“Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38).
O povo viu uma grande luz (Is 9,2)
1

2. Recordando a Palavra
“Na primeira leitura vemos que Davi quis construir uma casa
para o Senhor, achando-se o principal ator da obra. Paradoxalmente,
para agradar a Deus, esqueceu-se do próprio Deus. O Senhor, que
dobra os poderosos, mostrou por intermédio do profeta Natã que Ele
mesmo construiria uma casa para o seu povo, e já havia começado, pois
tinha percorrido toda a trajetória do rei, exterminando os inimigos,
vencendo batalhas e tornando-o grande.
No Salmo, prometemos cantar eternamente o amor de Deus, não
por nossos méritos, mas graças à fidelidade de Deus, pois ele jamais
quebra a sua aliança conosco, jamais deixa de lado as suas promessas.
Na segunda leitura, São Paulo nos fala que o Mistério divino, outrora
escondido, agora é manifestado a todos: Deus se revela, tira o véu que
esconde, conhecemos a sua verdade na Carne do Deus que se humanizou.
No Evangelho, temos o diálogo entre Maria e o anjo. Maria recebeu,
de início, um nome novo: “Cheia de graça. Em grego a expressão
Kecharitoméne tem a raiz na palavra cháris (= graça), que significa amor,
simpatia, favor, charme. O tempo verbal empregado denota uma ação já
realizada. Portanto, Maria foi objeto da ação do Espírito Santo, foi-lhe
comunicado o Espírito e agora é para sempre. Ela é antecipadamente
repleta do charis divino, ou seja, Maria já é antecipadamente agraciada,
escolhida e isenta de todo o pecado, pois é plena da graça. Onde a graça
é transbordante, não há espaço para o pecado. Aquela que é repleta da
graça divina disse o seu 'sim' a Deus: é o 'sim' santo da humanidade que
desfaz todos os seus 'nãos' ao desejo santo de Deus”.

3. Atualizando a Palavra
Não raras vezes, Deus fica em segundo plano, mesmo neste tempo
de proximidades natalinas. Os jornais ainda falam de Jesus, mas como
um adendo, um acessório. O que importa para a mídia nestes tempos

3 Disponível em: http://www.catequistasemformacao.com/2014/12/,


Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum “RB

são as luzes, as cores, os presentes. Então o drama do pecado original


se perpetua: Deus é eclipsado, sem escrúpulos e a autossuficiência
humana continua sua marcha.
À história de Davi, na primeira leitura, revela que o Advento é
uma espera. O Senhor que vem é um dom e não uma posse. É fruto da
bondade de Deus, de um amor gratuito, não fruto de nossos esforços.
Deus continua vindo e continua nos pedindo apenas a abertura
do coração, o espaço para ter onde nascer e habitar, o “sim” do ser
humano. Não deseja habitar nos templos de pedra suntuosos, nem nos
shoppings, mas no coração de cada pessoa. Prefere as construções vivas
e humanizadas às pedras frias. Quando descobrimos nossa verdadeira
humanidade, então Deus encontrou sua morada.
Deus perguntou a Maria e a toda humanidade: “Posso entrar?”.
E a resposta, duvidosa no início, foi: “Pode, mas como?”. À réplica
do Anjo não deixa oportunidade para maiores defesas: “Para Deus
nada é impossível!”. Mais uma vez, Deus no pede uma abertura e uma
confiança no seu poder-misericórdia, uma confiança na gratuidade.
Mais uma vez Ele se faz morada, arma a sua tenda, basta que acredi-
temos e aceitemos o seu amor, que façamos a nossa parte, que digamos
o nosso “sim”,
O Senhor não arromba a casa, mesmo sendo dono. Ele construiu
a casa, deu-nos de presente e depois pediu para entrar. Só o amor é
capaz de fazer tudo isso. Maria deixou o Senhor entrar, em nome de
todos nós. Agora, todos nós temos a mesma oportunidade de dizer o
nosso “sim”, Como podemos dar esta resposta? O que falta em nossa
casa para que o Senhor faça a sua habitação? Neste tempo de graça não
nos é permitido deixar de responder a tais perguntas.

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


À Palavra se fez de carne no ventre de Maria. Esta Palavra agora
anunciada pela Igreja pode mais uma vez se encarnar em nós. Quando
ouvimos e abrimos espaço em nós há, por assim dizer, uma nova
encarnação, um novo “sim” — somos nós agora a carne onde Deus pode
= O povo viu uma grande luz (ls 9,2)

continuar agindo e pronunciando a sua Palavra. À Liturgia é uma


4,

oportunidade extraordinária para que possamos fazer esta experiência


de prolongar o mistério encarnatório na história pela escuta da Palavra.
Jesus carne (Deus em-carna-do). Quando Ele nos diz que devemos
comer de sua carne (Jo 6,54), significa que sua realidade concreta, sua
vida peregrina das estradas da Palestina, deve ser encarnada em nós.
Hoje, espiritualmente, repetimos o que aconteceu com Maria. Nela o
Verbo se encarnou em seu seio; nós, ao recebermos a carne do Cristo
na Comunhão, deixamos que Deus habite nosso espírito e transforme
nossa carne em transparência de seu mistério.

Se, no passado, em uma visão um tanto reducionista, Deus era


visto apenas no clero e nos religiosos e nas religiosas, agora temos maior
clareza de que Deus se manifesta em todos, sem distinção. O cristão
é chamado a ser portador do Cristo ao mundo por seu testemunho.
O “sim” de Maria é agora repetido pelo “sim” dos cristãos que fazem
Deus participar da laicidade da história. Aliás, o Senhor não quer
apenas habitar nos templos e conventos, mas na terra do mundo, onde
os pequenos clamam pelas gotas de sua misericórdia.
NATAL DO SENHOR

25 de dezembro de 2017 — Missa do dia


A PALAVRA SE FEZ CARNE HUMANA DE DEUS.

Leituras: Is 52,7-10
S197,1.2-3ab.3cd-4.5-6 (R. 3cd)
Hb 1,1-6
Jo 1,1-18

1. Situando-nos
“Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa
manjedoura” (Lc 2,12). Celebrar o Natal é perceber a ação kenótica, ou
seja, Deus se rebaixa, esvazia-se de si, torna-se vulnerável, mostra agora
sua fraqueza, revela-se na pobreza. Os anjos não glorificam um menino
em seu trono glorioso, mas um menino pobre no meio dos animais. Na
singeleza de Deus, podemos tocá-lo. Como nos diz em tom poético
Fernando Pessoa: “Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.”
Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava. Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a
certeza que Ele é o Menino Jesus Verdadeiro”.

2. Recordando a Palavra
O Verbo existe antes de toda criação. Agora, o Evangelho fala que
o Verbo que se fez carne. No contexto semita se fala Dabar, traduzido
pelo evangelista João por Logos (no português, em geral usamos
“Palavra” ou “Verbo” — Jo 1,1.14). Este termo, em sua origem significa
a pessoa de Deus na totalidade de seu ser. Portanto, quem acolhe a
Dabar (Logos, Verbo, Palavra) acolhe em seu coração o próprio Deus.

4 Pequeno monte ou colina.


5 Poema “Menino Jesus”.
a O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

A primeira leitura afirma que esta Palavra é salvação e proclamação


a todas as nações: “todos os confins da terra hão de ver a salvação que
vem do nosso Deus” (Is 52,10).
Na segunda leitura, vemos que esta Palavra, que é essencial-
mente comunicação do ser divino, foi comunicada aos seres
humanos. Deus se comunica ao longo da história: primeiro,
pelos patriarcas, pelos profetas. De muitos modos Deus falou,
mas o povo não entendeu direito (Hb 1,1). Agora fala por seu
Filho: “Nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio
do Filho” (cf. Hb 1,2).
No Evangelho, temos a grande sentença da encarnação: a
Palavra se fez carne (Jo 1,14).

3. Atualizando a Palavra
Agora a voz de Deus é uma voz humana, Deus tem carne
humana, rosto humano, jeito humano. Agora sim sabemos quem é
Deus. “A Palavra eterna fez-se pequena; tão pequena que cabe numa
manjedoura. Fez-se criança para que a Palavra possa ser compreendida
por nós. Desde então a Palavra já não é apenas audível, não possui
somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo
podemos ver: Jesus de Nazaré”.
Por que Deus veio até nós? Deus se encarna para que nós possamos
chegar até Ele. Quem é Deus? É Jesus de Nazaré, homem como nós.
Ele tem uma palavra que se pode entender, um rosto humano para
contemplar, uma vida humana que partilha da nossa vida. Deus
tornou-se compreensível. A concretude de Deus, sua história humana,
é um convite aos que creem: o Natal, a festa da encarnação, acontece
de verdade quando nós, discípulos do Cristo, procuramos ter o seu
rosto, a sua sensibilidade humana, sigamos os seus passos, seus gestos.
Somos uma espécie de prolongamento da encarnação de Deus no
mundo. Afinal, somos o Corpo de Cristo, somos a continuidade de

6 BENTO XVI. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini (VD). Documento


Pontifício 6. Brasília: Edições CNBB, 2011, n. 12.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum “RB

sua ação salvadora na história. Se Deus se faz presente em realidades


inauditas como a manjedoura de Belém e a casa simples de Nazaré, é
possível agora se fazer presente no cotidiano de nossa história: nas casas,
ruas, praças, escolas. No mundo do trabalho, mesmo nas ocupações
mais simples e braçais, por vezes desprezadas, há um lugar para que
Deus se faça presente pelo empenho de todos aqueles cristãos leigos,
inseridos na vida social, Quando a fé dos cristãos se torna testemunho
no cotidiano da existência, a Palavra divina é pronunciada na carne
dos pais, dos filhos, dos trabalhadores, dos que lutam pela justiça,
dos pobres e até mesmo daqueles que ocupam importantes posições
sociais. Quão necessário é que esta Palavra saia das manjedouras e das
Igrejas para ser ecoada no mundo!
Um Natal sem meditação profunda pode significar o desperdício
de uma importante oportunidade. É possível que mais uma vez caiamos
no desprezo da Palavra feita carne (Jo 1,10-11). Natal é sempre um
tempo que desperta a sensibilidade, a solidariedade, o perdão, o amor,
os sentimentos mais profundos e sinceros. Como está o nosso coração?
Desejamos viver como Jesus de Nazaré?

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


À eucologia natalina nos ajuda a entender que a humanização de Deus
eleva a dignidade humana e realiza a nossa divinização. É importante
ressaltar nesta grande festa que a contemplação do Deus feito carne torna
visível a humanidade sem defeito, a plenitude humana, a humanidade
cheia de amor que nos conduz ao amor, como afirma o prefácio: “No
mistério da encarnação de vosso Filho, nova luz da vossa glória brilhou
para nós. E, reconhecendo a Jesus Cristo como Deus visível a nossos olhos,
aprendemos a amar nele a divindade que não vemos” (Prefácio do Natal 1).
Adoremos o Cristo, o homem-Deus. Sua carne e seu sangue
outrora encarnados são oferecidos a cada um de nós na mesa da
Comunhão. Mais uma vez o Cristo se rebaixa e se oferece. Quem abrir
o coração deixará mais uma vez Ele nascer cheio de luz e manifestar a
sua graça a todos.
SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS,
MARIA E JOSÉ
31 de dezembro de 2017
ACOLHER AS FAMÍLIAS TRASPASSADAS PELA ESPADA.

Leituras: Eclo 3,2-6.12-14


SI 127,1-2.3.4-5 (R. cf. 1)
Cl 3,12-21
Lc 2,22-40

1. Situando-nos
A Sagrada Família de Nazaré é um ícone de beleza. Leva-nos
rapidamente aos sentimentos de pureza, obediência e silêncio. Contudo,
a celebração deste dia não nos deve conduzir a uma busca idealizada
de um modelo de família. Este caminho, que procura se nortear por
um ideal alto, corre o risco de ser um horizonte sem significância ao
deixar muito distante o caminho entre os limites humanos próprios de
qualquer história familiar e a meta a ser alcançada. A vida não é um
romantismo colorido, mas o lugar do conflito e dos limites.
É neste horizonte que caminha a Exortação Pós-sinodal do Papa
Francisco sobre a família. Sem defender relativismos e sem deixar de
considerar o ideal pleno da matrimônio,” o pastor da Igreja afirma, já
em suas primeiras páginas, que não deseja apresentar teses abstratas,
mas considerar a família em seus dramas: “Nesta breve resenha,
podemos comprovar que a Palavra de Deus não se apresenta como
uma sequência de teses abstratas, mas como uma companheira de
viagem, mesmo para as famílias que estão em crise ou imersas nalguma
tribulação, mostrando-lhes a meta do caminho, quando Deus 'enxugar

7. FRÂNCISCO. Exortaç: » Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia (AL). Documento


Pontifício 24. Brasília: Ediço -s CNBB, 2016, n. 307.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Aclvento — Natal - Tempo Comum RB

todas as lágrimas dos seus olhos, e não haverá mais morte, nem luto,
» 8
nem pranto, nem dor (Ap 21,4)”.

2. Recordando a Palavra
Os textos bíblicos deste dia nos apontam para as virtudes da vida
em família.

Na primeira leitura, o livro do Eclesiástico fala sobre a atitude dos


filhos em relação aos pais, exortando ao respeito e ao cuidado: “Meu filho,
ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive.
Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para
com ele; não o humilhes, em nenhum dos dias de sua vida” (Eclo 3,14-15).
A segunda leitura apresenta outras duas virtudes muito necessá-
rias na vida em família — o amor e o perdão: “Revesti-vos de sincera
misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-
-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa
contra o outro. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai vós também.
Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da
perfeição” (Cl 3,12-14).
O Evangelho nos mostra os primeiros momentos após o nascimento
de Jesus. José e Maria, como bons judeus e cumpridores das tradições,
vão até o templo para apresentar o menino. Lá encontram dois persona-
gens — Simeão e Ana — que profetizam sobre a criança. Simeão afirma
que Jesus seria causa de contradição e ainda que “uma espada te traspas-
sará a alma” (Lc 2,35).

3. Atualizando a Palavra
As leituras de hoje dão importantes indicativos para a vida em família.
Diante do narcisismo egocêntrico da sociedade pós-moderna, é preciso
reconsiderar as relações humanas no contexto familiar. Primeiramente,

8 Ibidem, n. 22.
ao. O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

é preciso considerar que os idosos, valorizados por sua sabedoria nas


sociedades orientais, são vistos não raras vezes em nossa sociedade ocidental
como pesos. À Palavra de Deus exorta para que o cuidado releve inclusive
a falta de lucidez das pessoas mais velhas. Outro aspecto importante é o
perdão, atitude deixada como exemplo pelo Senhor: o período do final do
ano é tempo propício para repensar nas atitudes do ano corrente, deixar de
lado as divisões e abrir-se ao dom da reconciliação.
No Evangelho, a família de Nazaré vai ao templo, seguindo as
prescrições da época. Vai para oferecer sacrifícios e para apresentar seu
filho, levando consigo sua história, seus medos e suas alegrias. O dado
evangélico é inspirador. Hoje, também, muitas famílias vão às igrejas.
Mas elas encontram a devida acolhida?
Diante das sanções e dos julgamentos, muitas são as famílias que se
sentem excluídas, percebem-se como inadequadas. Na linha da Amoris
Laetitia, é preciso acolher os afastados, discernir e acompanhar as
famílias que se encontram em dificuldades, pois todos merecem sentir o
“bálsamos da misericórdia”? derramado pelo Senhor. “Jesus Cristo quer
uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade:
uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina
objetiva, não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se
com a lama da estrada. Os pastores, que propõem aos fiéis o ideal pleno
do Evangelho e a doutrina da Igreja, devem ajudá-los também a assumir
a lógica da compaixão pelas pessoas frágeis e evitar perseguições ou
juízos demasiado duros e impacientes. O próprio Evangelho exige que
não julguemos nem condenemos (Mt 7,1; Lc 6,37)"!º Ainda há quem
enfatize a necessidade da repetição da antiga norma sobre a exclusão
da comunhão aos casais ditos “irregulares”. Sem dar respostas prontas
e acabadas, o Papa Francisco convida a Igreja para a reflexão. Pede que
as normas gerais não sejam imputadas a todos indiscriminadamente,
mas que cada caso seja olhado em sua particularidade, considerando a
gradualidade na vivência do valor, as situações atenuantes e, sobretudo,

9 Ibidem, n. 309.
10 Ibidem, n. 308.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal — Tempo Comum RB

o dom da misericórdia, tendo em conta que “quanto mais se desce ao


particular, tanto mais se aumenta a indeterminação”.! Parece oportuna
a reflexão feita por Carlo Maria Martini sobre este tema: “Levamos
os sacramentos às pessoas que precisam de uma nova força? Eu penso
em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias
ampliadas. Eles precisam de uma proteção especial. (...) À questão sobre
se os divorciados podem comungar deve ser invertida. Como a Igreja
pode ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações
familiares complexas?”.!2
As palavras de Simeão foram um anúncio da dureza da missão de
Maria e do próprio Cristo. O menino seria “causa de queda”. Maria
teria sua alma traspassada pela espada. À Mãe do Filho de Deus viveu
a dificuldade de compreender os passos dados pelo seu filho. Junto com
José, formaram uma família humilde, que viveu do esforço árduo do
trabalho em um clã de um lugarejo desconsiderado. Desde a infância
do Salvador Menino, seus pais enfrentaram dificuldades que muitas
das famílias também suportam nos dias de hoje. Hoje, podemos dizer
que a missão familiar, como a família de Nazaré, é repleta de dores.
Somente Deus pode ser o seu sustento. A Pastoral familiar é um lugar
especial para que os leigos e leigos casados desempenhem o papel da
acolhida, sustento e orientação.
“O menino crescia e tornava-se forte” (Lc 2,40). A família é o lugar
do crescimento. Em primeiro lugar, é o lugar onde os filhos encontram
os subsídios para crescerem como pessoas, embora, por vezes, a tarefa
da educação seja equivocadamente terceirizada para a Igreja e para a
escola. Nesta linha, é preciso considerar também que toda a família
cresce. Se não pode chegar ao ideal, cresce em sua medida, dentro do
horizonte de sua possibilidade. Importante é que ninguém estacione,
mas busque cada vez mais acolher o tesouro do Reino de Deus ofertado
a todos pela infinita misericórdia do Senhor.

11 TOMÁS DE AQUINO. Summa Theologiae I-II, q. 94, art. 4, citado por Francisco, in AL, n.
304.
12 Cardeal Carlo Maria Martini. Entrevista publicada no jornal italiano Corriere della Sera, 1º
de setembro de 2012.
q O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Na liturgia, todos vamos ao Pai por meio do Filho na ação do
Espírito Santo. É a família de Deus, os irmãos e as irmãs reunidos,
que tem a oportunidade de fazer comunhão com a família trinitária.
Ao celebrarmos a Sagrada Família de Nazaré, também nós nos identi-
ficamos como uma família santa por virtude do Espírito. Neste dia,
as famílias oferecem as suas alegrias e dores, as bênçãos familiares e
também as cruzes do dia a dia. Cristo acolhe tudo e transforma em sua
oferta de amor: sua vida dada para nosso sustento.
SOLENIDADE DA SANTA MÃE
DE DEUS

1º de janeiro de 2018
"DEUS ENVIOU O SEU FILHO, NASCIDO DE UMA MULHER, NASCIDO SUJEITOÀ LEI”

Leituras: Nm 6,22-27
SI 66(67),2-3.5.6.8 (R. 2a)
Gl 4,4-7
Lc 2,16-21

1. Situando-nos
Temos a alegria de iniciar este ano novo com a Solenidade da
Santa Mãe de Deus e com a celebração do Dia Mundial da Paz.
Liturgicamente, neste Tempo de Natal celebramos os mistérios
da infância de Jesus e suas primeiras manifestações. É um tempo em
que a figura de Maria ganha evidência. Podemos imaginá-la na casa
de Nazaré, junto com o seu esposo José, cuidando de seu filho Jesus
e o educando, vendo o menino crescer, tornar-se robusto e encher-se
de sabedoria (Lc 2,40). Pudemos celebrar este mistério da vida em
família na festa da Sagrada Família.
Hoje, a Igreja destaca a maternidade divina de Maria. É o que
celebramos nesta Solenidade da Santa Mãe de Deus. Maria é Mãe do
Salvador, artífice da paz. Podemos contemplar a Virgem Maria que,
na palavras de Santo Agostinho, “recebeu antes na mente do que em
seu seio” o Cristo Jesus!º e aprender dela a também receber o Cristo no
coração e manifestá-lo através de uma vida nova.

13 Co2;Sermo 25,7; PL 46, 937. In: CNBB. Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB,
2016, p. 47
Mo. O povo viu uma grande luz (ls 9,2)

Esta solenidade adquire especial sentido neste Ano do Laicato,


dedicado a impulsionar a ação evangelizadora que os cristãos leigos
e leigas desempenham na Igreja e na sociedade. Quem poderia ser
melhor modelo senão Maria? “Mulher livre, forte e discípula de Jesus,
Maria foi verdadeiro sujeito na comunidade cristã”, nos diz o Documento
105 da CNBB, sobre os Cristão Leigos e Leigas, que são sal da terra e luz
do mundo.!* Celebrar a Mãe de Deus nos ajuda a fortalecer a consciência
da dignidade da vocação dos cristãos leigos e leigas. Como Maria que,
na humildade e acolhida do mistério, assumiu a missão de ser a Mãe
do Salvador, Deus feito homem, os cristãos leigos são chamados a ter
coragem de assumir a nobre missão de manifestar o Cristo ao mundo por
obras concretas de solidariedade, justiça e paz, pelo testemunho na vida
de família, na profissão, na Igreja e na sociedade.
No seio de Maria é Deus que assume nossa humanidade, ele se
humaniza. Este grande mistério renova o mundo, dá valor aos nossos
trabalhos cotidianos e a todo o nosso empenho por um mundo melhor
para todos. Estamos no primeiro dia do ano e celebramos que a
presença de Cristo entre nós dignifica e transforma toda a nossa vida,
nos encoraja, abençoa e envia.

2. Recordando a Palavra
Comecemos pela segunda leitura, da carta aos Gálatas. Esta é a
carta da liberdade cristã, Cristo veio para nos tornar livres: “É para
sermos verdadeiramente livres que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Ele
nos faz livres vivendo a nossa humanidade, fazendo-se nosso irmão,
nele temos o Espírito do Pai. O texto ressalta a humanidade e as
circunstâncias concretas em que nasce o Filho de Deus: “nascido de
uma mulher, nascido sujeito à Lei” (Gl 4,4). Afirma-se que Jesus, o
Filho de Deus, é humano como nós, nascido de uma mãe humana.
Diz também que Jesus nasce no meio de um povo com seus costumes
e com as suas leis.

14 CNBB. Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade. Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14).
Documento da CNBB 105. Brasília: Edições CNBB, 2016, n. 113.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Aclvento — Natal — Tempo Comum

É este povo que recebe a bênção de Deus, que a primeira leitura nos
traz. Trata-se da bênção do ano novo judaico: “O Senhor te abençoe e te
guarde!” (Nm 22,24). Ela lembra que, aos que se colocam diante de sua
bênção, que traz a graça e a paz, Deus faz resplandecer o seu olhar, que é a
sua própria presença: ele “volte para ti o seu rosto e te dê a paz” (Gl 6,26).
Esta bênção é reforçada pelo Salmo 66(67), que pede a bênção de Deus.
Como é oportuno iniciar o ano civil lembrando a bênção de Deus.
Só Deus pode realmente abençoar, benzer, bendizer — o que significa
“dizer bem”, nós abençoamos invocando o nome de Deus. E a bênção
maior é o próprio Jesus, como vemos no Evangelho.
O Evangelho traz os temas da adoração dos pastores, da circuncisão
e do nome de Jesus. Os pastores acorrem a Belém e narram as maravilhas
sobre o menino, que lhe haviam sido reveladas por Deus: aquele menino
“deitado na manjedoura” é o Salvador, o Messias, o Senhor (Lc 2,11). O
contraste não poderia ser maior: o Salvador se apresenta na fragilidade
de um menino, na mais absoluta pobreza e simplicidade, próximo a nós
e cheio de ternura. À atitude de Maria é a da mãe diante do mistério
do filho. Ela “guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu
coração” (Lc 2,19). No oitavo dia do nascimento, continua a narrativa
do Evangelho, Jesus foi acolhido na sociedade judaica, pela circuncisão
e pela imposição do nome Jesus, nome que traz a bênção do Senhor
Deus, pois significa “o Senhor salva”, Este é o nome que doravante será
invocado sobre a humanidade (Nm 6,27).
Celebramos a oitava de Natal. Ora, no oitavo dia após o parto,
segundo as leis judaicas, há a integração do filho à comunidade ao
conferir-lhe a circuncisão, acompanhada da imposição do nome. O
Evangelho nos mostra como Jesus está sujeito aos costumes e às leis de
seu povo (primeira leitura).

3. Atualizando a Palavra
A Solenidade da Santa Mãe de Deus nos leva a adorar o
mistério do Deus que se encarna em nossa humanidade com todas as
Ao O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

consequências. Vale lembrar que o título “Mãe de Deus” foi conferido


a Maria no Concílio de Éfeso, no ano 431. Ali foi afirmado que ela é a
Theotókos, ou Genitora (Mãe) de Deus. Vinte anos depois, o Concílio
de Calcedônia afirmou que o Filho, Jesus Cristo, “foi gerado de Maria,
a virgem, a Deípara, segundo a humanidade”.»
Decerto, Deus não tem mãe, mas “escolheu Maria como mãe
para o Filho que em tudo realiza a obra de Deus”.!* Maria é Mãe de
Deus porque, em Jesus, a humanidade e a divindade não podem se
separar. Sim, no seio de Maria, o verdadeiro Deus assume a condição
humana; aquele que Maria dá à luz é o Redentor, nosso Senhor e
Deus. Maria participa do mistério da Encarnação, deu à luz “segundo
a humanidade” porque deu a vida a um ser humano real, Deus assumiu
verdadeira humanidade, no seio de Maria, em solidariedade a nós.
Por isso, a Igreja vê em Maria o “ponto de união entre o céu e a
terra”,!” o ponto de interseção de Deus na humanidade. O Documento
de Puebla nos diz que, sem Maria, o Evangelho se desencarna,!* pois
ela nos lembra que nossa realidade humana foi assumida em tudo,
menos no pecado, pelo próprio Deus. O Deus cristão não é um Deus
desencarnado, longínquo e inacessível, mas encarnado, próximo
vizinho — como cantam com alegria os pastores. Santificou e conheceu,
por dentro, a maternidade; assumiu nossa história para transformá-la,
fez parte de um povo, com suas leis e seus costumes, como vimos nas
leituras. Chegou a morrer por causa da Lei injustamente aplicada.
Neste Ano do Laicato voltamos o nosso olhar para Maria, a Mãe
de Deus. Ássim como ela acolheu o Evangelho de Deus, Jesus Cristo,
que se encarnou em seu seio pelo Espírito, também queremos acolher o
Evangelho, para que ele seja carne e vida no coração das nossas comuni-
dades. Que ele plasme nossa vida cotidiana, que produza frutos de amor e
justiça. Maria pode nos guiar na fé que nos diz que, na dinâmica da vida

15 DzH 3041.
16 KONINGS, J. Liturgia Dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis (Anos À, B, C).
Petrópolis: Vozes, 2003, p. 59.
17 CELAM. Documento de Puebla (DPb), n. 301.
18 Idem.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum

cotidiana e humana que busca a salvação, tocamos de alguma forma o


próprio Deus que aí quer estar, dar a vida e fazer irromper uma vida nova.
De forma particular, Maria nos faz ver a importância e dignidade que
Deus concede à maternidade e à mulher, traduzidas na conhecida e amada
canção do Padre Zezinho, Maria de Nazaré. As comunidades cantam
alegremente: “Em cada mulher que a terra criou um traço de Deus Maria
deixou”. Sim, louvar a Mãe de Deus significa também valorizar e respeitar
cada mulher em toda a sua humanidade: em sua corporeidade, em seu
sentir e em seu atuar.
Neste sentido, podemos nos perguntar como este amor à Mãe de
Deus pode se traduzir em mais compromisso para com a integridade e a
vida das mulheres, hoje no Brasil. Nossos índices de violência clamam ao
céu por uma conversão pessoal, cultural e social. Para termos uma ideia, o
cronômetro da violência contra as mulheres registra 5 espancamentos a cada
2 minutos (2010), 1 estupro a cada 11 minutos (2015), 179 casos de agressão
por dia (2015) e 13 homicídios femininos por dia (2013). E ainda: mais
de 50% da violência contra a mulher acontece dentro de casa. Estes dados
se somam à estarrecedora estimativa da Organização Mundial da Saúde
(OMS), segundo a qual 35% das mulheres em todo o mundo já sofreram
alguma violência físico e/ou sexual praticada por parceiro íntimo ou violência
sexual por um não parceiro em algum momento de suas vidas.” Reverter
esta situação na sociedade — nos corações, nas mentes e nas leis — constitui
um dos maiores desafios dos cristãos. Como ver, em cada mulher, o “traço
de Deus” que Maria deixou? Será que louvar a Mãe de Deus desperta o
nosso coração para-a dignidade e os direitos das mulheres do nosso tempo?

4. Ligando a Palavra com a ação Litúrgica


À celebração eucarística é o encontro dos irmãos e das irmãs que
caminham pela fé, a exemplo de Maria, a Mãe de Deus. Louvamos

19 PEDREIRA, Silvia. Do fiu-fiu ao feminicídio: múltiplas faces da violência contra as mulheres.


In: Sacavino, S.B; Candau, V.M. (Orgs.). Direitos das mulheres: compromisso de todos/as.
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017, p. 54.
ES O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

aquela que “trouxe à Luz o Rei que governa o céu e a terra”. E


tornou-se o “ponto de união entre o céu e à terra”, como foi dito.
,

Maria é também a imagem da Igreja, chamada a ser também este


ponto de união entre o céu e a terra. De forma especial, neste ano, a
vida dos cristãos leigos e leigas é chamada a tornar-se acesso de Deus
à vida cotidiana, familiar e social e, ao mesmo tempo, acesso da vida
comum na família e na sociedade a Deus.
As relações humanas e as estruturas sociais devem ser um caminho
de Deus e para Deus, não um obstáculo e, ainda menos, um escândalo.
Esta celebração eucarística pode nos levar a crescer em confiança na
silenciosa e forte ação de Deus em nós, como em Maria. À ação de
Deus não cessa de nos transformar por dentro. E a comunhão com
o seu corpo e sangue nos fortalece na coragem de acolher, na vida
cotidiana e concreta, atitudes mais de acordo com a dignidade que
Deus mesmo conferiu à humanidade pelo nascimento de Jesus de uma
mulher e sob a Lei.
SOLENIDADE DA EPIFANIA DO
SENHOR

7 de janeiro de 2018
VIEMOS PARA ADORÁ-LO.

Leituras: Is 60,1-6
Ef 3,2-3a.5-6
Mt 2,1-12

1. Situando-nos
À Epifania, solenidade que celebramos hoje, marca a fase final do ciclo
natalino. Podemos entendê-la como a manifestação de Deus, através do
menino Jesus em Belém, ao mundo, representado pelos magos que vieram
do oriente. Padre Konnings nos esclarece bem sobre esta solenidade:
No dia 6 de janeiro ou no domingo seguinte celebramos a festa
chamada Epifania ou Revelação do Senhor, popularmente, a
festa dos Reis Magos, porque o Evangelho conta a história dos
magos que viram a estrela de Belém. E Herodes, que não a viu.
Na Igreja oriental, 6 de janeiro é Natal. Na Igreja ocidental
romana, é a Epifania, manifestação do Senhor. À Epifania,
que acrescenta ao Natal? À manifestação de Cristo aos que
vêm de longe. Deus avisou os magos do oriente a respeito do
nascimento do Salvador.”

Enquanto a Epifania é a manifestação da divindade de Cristo ao


mundo pagão através da adoração dos magos, o batismo nas águas do
Jordão torna-se a manifestação aos judeus, enquanto que as bodas em
Caná é a manifestação aos discípulos: “Este início dos sinais, Jesus
o realizou em Caná da Galileia. Manifestou sua glória, e os seus
discípulos creram nele” (Jo 2,11).

21 J. Konnings. Liturgia dominical, Mistério de Cristo e formação dos fiéis (anos À — B — €).
Petrópolis: Vozes, 2003, p. 63; 65.
q O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

2. Recordando a Palavra
Na primeira leitura, temos o início da parte central (Is 60-62) do
chamado terceiro livro de Isaías ou o Trito Isaías (Is 56-66). O tema é
o anúncio de salvação desde Jerusalém que se estende a todas as nações,
sendo convidadas a reconhecer o Senhor. Este anúncio é feito em meio
aos binômios: luz e Jerusalém em contraste às trevas e nações. Jerusalém
deve-se preparar para ser inundada com a luz que vem da glória de Deus,
contrastando com as trevas na qual as nações estão mergulhadas. Mas esta
luz se tornará um farol para as nações, uma vez que os reis para Jerusalém
iluminada caminharão, trazendo suas riquezas como presentes.
Na segunda leitura, Paulo escreve à Igreja de Éfeso a respeito de um
Mistério escondido e que agora foi revelado: “os pagãos são admitidos à
mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma
promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6). Encontramos
nesta afirmação vários elementos importantes para compreender o alcance
da Epifania que solenemente celebramos neste domingo. Primeiro, ele
coloca a questão da “mesma herança”. Trata-se da herança que vem desde
Abraão: as promessas de terra, povo e bênção. O povo grande e numeroso
que iria se constituir, agora se torna maior ainda, afinal, a descendência
de Abraão chega até os pagãos. Segundo, apresenta a pertença ao “mesmo
corpo”. Agora, os pagãos são assumidos no mesmo corpo de Cristo, ou
seja, a Igreja. Terceiro, a “mesma promessa”, portanto, são portadores
da promessa presente no Antigo Testamento. O mistério de Cristo é o
Evangelho para as nações que Paulo lhes transmite através de sua missão.
O Evangelho de Mateus é escrito para uma comunidade composta
de judeus e pagãos convertidos. Ainda que a mensagem do Evangelho
seja universal, ou seja, não passa por uma questão de raça ou etnia,
podemos claramente notar em Mateus, um forte acento sobre a acolhida
da Boa-Nova por parte dos pagãos e ao mesmo tempo um profundo
pesar pelos seus irmãos judeus, que a rejeitam. Dentro desta perspectiva,
podemos então refletir sobre o texto presente no capítulo 2.
O texto nos apresenta alguns referenciais importantes: Belém,
Herodes, magos do oriente e, claro, a Sagrada Família: Maria, José e o
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum BH

menino. À cidade de Belém aponta para um importante aspecto que


não é somente a realização da profecia de Miqueias, mas o seu signifi-
cado: “(...) de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o governante
de Israel” (Mg 5,1). O governante de Israel pode ser compreendido com
outras categorias que não somente “príncipe” ou “rei”, como sugere o texto
presente em Mateus: “(...) de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel,
o meu povo” (Mt 2,6). Miqueias pensa em uma liderança junto à sua terra
no interior rural de Judá, que sofre com as condições de vida decorrentes
de guerras e explorações. Mateus faz uma releitura deste texto em uma
perspectiva messiânica, colocando a dimensão davídica como pano de
fundo. Aqui, é interessante resgatar a dimensão que está em Miqueias,
afinal Jesus é uma liderança que não vem do poder, mas de uma aldeia,
também rural, Nazaré. Trata-se, portanto, da espera de uma ação divina
que mais uma vez parte de baixo, dos mais fracos, de onde menos se espera.
Herodes e os Magos se contrapõem. Há mais de 30 anos atrás,
Herodes vinha governando a Palestina toda (Judeia, Samaria e Galileia)
com mão de ferro. Ele não tinha profetas, mas sumos sacerdotes e escribas
de Jerusalém, que estavam inteiramente comprometidos com ele. Apesar
de conhecerem as Escrituras, desconheciam os sinais. Acomodados e sem
querer novidades, ficaram alarmados com as notícias trazidas pelos magos.
Estes, por sua vez, vêm do Oriente, do mundo gentio, não conhecem a
Bíblia nem os profetas, mas conhecem os sinais, pois uma estrela diferente
que viram no céu lhes diz que nasceu o esperado rei dos judeus. Guiados
pela estrela, eles seguem de Jerusalém até Belém. Este breve relato antecipa
aquilo que irá acontecer na vida de Jesus, quando será condenado pelas
autoridades judaicas e aceito pelos gentios. É justamente do Evangelho de
Mateus que encontramos: Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações,
e batizai-os e nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19).
Os magos encontram a casa onde está o menino recém-nascido. Há
uma simbologia forte em torno da casa, quase sempre, nos Evangelhos,
tem o sentido da própria Igreja, comunidade reunida em nome do Senhor.
O texto ressalta três momentos neste encontro. Primeiro que encontram
o menino e a mãe, uma possível referência ao Antigo Testamento onde o
rei era apresentado no momento de sua entronização, sempre ao lado de
a O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

sua mãe. Jesus, descendente de Davi, é aqui apresentado também como rei
' Messias. Segundo, ao verem o menino se prostram, atitude que revela um
profundo conhecimento de quem se trata, bem diferente de Herodes e sua
corte que planejava matá-lo. Por fim, oferece os presentes simbolizando,
conforme os Padres da Igreja, a realeza (ouro), a dimensão divina (incenso)
e o sofrimento pelo qual terá de passar (mirra). Entretanto, estes presentes
também revelam a solicitude, a abertura, o serviço, a disposição manifes-
tada por parte dos magos estrangeiros.

3. Atualizando a Palavra
Concluindo o ciclo do Natal, a mesa da Palavra nos traz novamente
o tema da luz. No Natal, os pastores foram envolvidos pela luz da glória
de Deus (Lc 2,9). Agora, na solenidade da Epifania, a luz da estrela
também revela a chegada do Messias. A luz da presença messiânica
brilha para todos os povos. Este é o anúncio universalista presente em
Isaías (primeira leitura) e reforçado por Paulo (segunda leitura).
Se, por um lado, este anúncio vem permeado de grandeza e esplendor,
não podemos perder de vista a sua dimensão bem concreta: o Messias
não vem do centro do poder político e religioso de Jerusalém, muito
menos do círculo dos reis, escribas e sacerdotes, mas sim do interior, de
Judá, do círculo do povo, de leigos e leigas, explorados e curtidos na dor.
À escolha divina não passa por referenciais sociais, étnicos, de sucesso
e grande visibilidade. Ao contrário, basta olharmos para a história e
veremos que homens e mulheres que colocaram a sua vida ao serviço do
Reino fazem parte desta mesma realidade. Sempre vale a gratuidade e
abertura para a presença amorosa de Deus.
Hoje, encontramos na atitude de Herodes um grande ponto de
reflexão. Temos a Escritura ao nosso alcance, mas qual o nível de
entendimento, comprometimento, que temos para com ela? Os magos,
por sua vez, nos mostram a importância de estar atentos aos sinais.
Que sinais, hoje, nos fazem atentos para perceber a necessidade de
uma ação comprometida com a causa do Reino?
Roteiros Homiléticos para o tempo do Aclvento — Natal - Tempo Comum

Neste ano, a Igreja nos leva a refletir sobre o papel dos leigos
dentro e fora da Igreja. O que a Epifania nos fará responder aos
desafios colocados como:
No mundo da política, sendo a missão do leigo direcionada de
modo especial para a participação na construção da sociedade
na condição de sujeitos do Reino, três elementos são fundamen-
tais: formação, espiritualidade e acompanhamento. Para isto, é
urgente que as dioceses busquem:
a. estimular a participação dos leigos e leigas na política. Há
necessidade de romper o preconceito comum de que a política
é coisa suja, e conscientizar os leigos e as leigas de que ela é
essencial para a transformação da sociedade;
b. impulsionar os cristãos a construírem mecanismos de partici-
pação popular que contribuam com a democratização do Estado
e com o fortalecimento do controle social e da gestão participa-
tiva (CNBB, Doc. 91, n. 46ss);
c. incentivar e preparar os cristãos leigos e leigas a participarem de
partidos políticos e serem candidatos para o executivo e o legisla-
tivo, contribuindo, deste modo, para a transformação social;
d. mostrar aos membros das nossas comunidades e à população
em geral, que há outras maneiras de tomar parte na política:
nos Conselhos Paritários de Políticas Públicas, nos movimentos
sociais, nos conselhos de escola, na coleta de assinaturas para
projetos de lei de iniciativa popular, nos comitês da Lei 9840/99
de combate à corrupção eleitoral e da Lei 135/2010, conhecida
como Lei da Ficha Limpa;
e. incentivar e animar a constituição de Cursos e/ou Escolas
de Fé e Política ou Fé e Cidadania, ou com outras denomi-
nações, nas Dioceses e Regionais. Manifestamos nosso
reconhecimento a várias iniciativas, como: Curso do Centro
Nacional de Fé e Política “Dom Helder Câmara” — CEFEP;
da Comissão Nacional de Fé e Política do CNLB; Cursos e
Encontros promovidos por Movimentos Eclesiais, Pastorais de
Fé e Política, Pastorais Sociais e da Juventude, das CEBs, do
Movimento Nacional Fé e Política;
f. acompanhar os cristãos que estão com mandatos políticos
(executivo e legislativo), no judiciário e no ministério público e
O povo viu uma grande luz (Is 9,2)
O

os que participam de Conselhos Paritários de Políticas Públicas,


a fim de que vivam também aí a missão profética, promovendo
reuniões, encontros, momentos de oração e reflexão e retiros.

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


“As nações de toda a terra hão de adorar-vos, Ó Senhor!”. Assim
cantamos com o refrão do Salmo Responsorial, apresentando-nos um
grande desejo por parte do salmista. Hoje, na Solenidade da Epifania,
este refrão torna-se uma realidade. O próprio Deus de manifesta a
todos os povos em sua pequenez e fragilidade, próprios de uma criança,
mostrando-nos o caminho da humildade. Porém, forte e corajoso, para
animar-nos e fortalecer-nos em nossa caminhada e participação na
escuta da mesa da Palavra e comunhão na mesa Eucarística.

22 CNBB. Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade. Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14).
Documentos da CNBB 105. Brasília: Edições CNBB, 2016, n. 263.
2º DOMINGO DO TEMPO COMUM

14 de janeiro de 2018
VINDE E VEDE.

Leituras: 1 Sm 3,3b-10.19
ICor 6,13c-15a.17-20
Jo 1,35-42

1. Situando-nos
Estamos iniciando o tempo litúrgico comum. Celebramos os
momentos iniciais da atividade pública de Jesus. Após a Epifania e
Batismo do Senhor, o 2º Domingo do Tempo Comum nos convida
a refletir sobre o tema da vocação. Embora o Evangelho de Marcos
seja o norteador do ciclo B, ao qual estamos seguiremos neste ano,
no 2º Domingo encontramo-nos diante do Evangelho de João, por
uma especial razão. À vocação dos primeiros discípulos nele apresen-
tada, situa-se no contexto batismal de Jesus, refletido há alguns dias, e
aponta para a sua significação messiânica e salvífica.

2. Recordando a Palavra
Na primeira leitura, Samuel é chamado por Deus. Antes de tudo
é importante colocar esta leitura dentro do seu gênero literário, próprio
dos relatos vocacionais proféticos, como Jeremias (Jr 1), Isaías (Is 6),
Ezequiel (Ez 1), assim também Moisés (Ex 3) e Gedeão (Jz 6). Como
gênero literário, guarda uma semelhança com os demais onde Deus
reserva o seu escolhido para uma determinada missão. Portanto, o
chamado é do próprio Deus (1Sm 3,5.6.8). Aquele que é chamado
sempre ignora a importância da missão e do próprio chamado (1Sm 3,7).
Estas características somam-se ao específico da missão profética: ouvir
a Palavra de Deus e transmiti-la a seu povo. Quando não transmite,
ao. O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

a transforma em ação. Aqui estão os pontos importantes para refletir


sobre a nossa vocação. Nem sempre a compreendemos, ignoramos a
sua importância, mas não podemos perder de vista a essência que é a
Palavra de Deus: ouvi-la e colocá-la em prática.
À segunda leitura apresenta o tema do corpo santificado, pois o mesmo
pertence a Deus (ICor 6,13c). À leitura coloca em destaque um dado
antropológico paulino que é muito importante para o contexto da reflexão
deste 2º Domingo do Tempo Comum. Paulo apresenta uma visão antropo-
lógica do ser unitária, afastando-se da visão dicotômica. O ser humano deve
olhar o todo da vida, da sua corporeidade e da sua espiritualidade. Sendo
assim, não há lugar para expressões parciais que podem sujeitar ou submeter
o ser humano. Nesta visão antropológica, Paulo aponta para a questão
salvífica, onde todo o corpo participa do processo redentor e da graça de
Deus (1Cor 6,14). Não se trata apenas de um processo onde o espírito ou
da alma participam, mas todo o ser, o humano, o corpóreo. Tornando-se
membro de Cristo e membro da comunidade, o cristão é chamado a uma
vivência do projeto de Deus, desde o momento em que se torna a morada
do Espírito, através de sua unção batismal (1Cor 6,19). Não podemos nos
tornar devedores ou popularmente, “dar o calote” em quem nos comprou
com o preço do sangue de seu Filho. “Fostes comprados, e por preço
muito alto. Então, glorificai a Deus com o vosso corpo” (1Cor 6,20). Se
existe um pagamento, deve haver um resgate e este resgate somos nós,
com nossos corpos santificados.
O Evangelho de João (1,35-42) encontra-se dentro do tema do
chamado, da vocação. Porém, é importante notar que este chamado
não acontece da mesma forma como vimos na primeira leitura em
relação a Samuel. Trata-se mais de uma transmissão deste chamado.
Primeiramente João Batista apresenta Jesus aos seus discípulos: “Eis o
Cordeiro de Deus!” (Jo 1,36). Esta apresentação possui como referen-
cial o profeta Isaías em seu quarto cântico (Is 53,7), fundamental
para entender toda a dimensão salvífica e messiânica de Jesus. Em
seguida são os discípulos que procuram Jesus e o encontram. Querem
permanecer com ele. Em seguida, revelam aos companheiros a
descoberta do encontro: “Encontramos o Cristo”.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum

3. Atualizando a Palavra
Às leituras de hoje nos levam a refletir sobre o tema da vocação.
Trata-se de um tema de capital importância, colocado bem no início
do Tempo Comum. Às três leituras se entrelaçam formando um
belíssimo “tecido”. O relato da vocação de Samuel nos aponta para o
chamado profético. Deus chama e o profeta responde: “Fala, que teu
servo escuta”. Mas trata-se de uma difícil compreensão deste chamado.
Samuel não tem clareza do que se trata, precisa da ajuda do sacerdote
para compreender o significado do chamado. Porém, uma vez certo,
permanece fiel à sua Palavra. Já o Evangelho nos coloca frente a outro
tipo de chamado. Jesus não chama, ao contrário, são os discípulos
que o procuram. Querem saber, buscam detalhes sobre a sua pessoa.
À resposta a estas inquietações é muito simples: “Vinde e vede”. A
certeza está na experiência que fazem do seguimento de Jesus. Foram
e viram. Da constatação, partiram para a ação. Transmitiram a outros
a descoberta que fizeram.
Estes dois “fios” do tecido formado por estas leituras nos trazem,
por um lado, as dificuldades e incertezas de nossa vocação, mas, por
outro, apontam algumas luzes para que possamos entendê-la melhor.
Não se trata apenas da vocação religiosa, mas da vocação humana,
vocação à vida. Ás duas leituras nos mostram que a vocação nasce
do diálogo com os outros e com o próprio Deus. Samuel precisou da
ajuda de Eli. Os dois discípulos precisaram da ajuda de João. Pedro
precisou da ajuda de André. À nossa vocação, portanto, se abre para os
lados, em dimensão horizontal. Não estamos sozinhos nesta busca de
sentido em nossas vidas. Por outro lado, vamos também encontrar o
diálogo em dimensão vertical. Nosso olhar também se volta para o alto
na busca e fidelidade à Palavra, como Samuel. Mas não só no acolhi-
mento do ouvir, também no acolhimento da prática, do encontro, do
seguimento, do querer permanecer com o Senhor, a exemplo dos dois
discípulos de João.
O terceiro “fio” nos coloca em uma dimensão pessoal. À carta aos
Coríntios nos trouxe a reflexão sobre a importância
Pp e dignidade
8 de
O povo viu uma grande luz (ls 9,2)
A

nossos corpos. Nossa vocação à vida está intimamente relacionada à


integração de nós, conosco mesmos e com toda a vida e natureza que
nos cerca. Somos chamados a viver integrados a toda criação na qual
estamos inseridos. À preservação, luta e insistência a favor da vida,
coloca nossos corpos como verdadeiras moradas do Espírito.
Buscando a integração desta tríplice dimensão, vamos vivenciando
o nosso chamado/vocação que pode parecer a nós imperceptível, mas
vai se tornando realidade aos poucos. Trata-se de uma caminhada,
muitas vezes longa, mas que só é percebida quando olhando para trás,
percebemos os seus contornos. Para nos orientar nesta percepção, a Igreja
este ano nos chama e convoca a pensar a dimensão da vocação ao laicato:
O presente documento pretende animar leigos e leigas a se
compreenderem e atuarem como sujeitos eclesiais nas diversas
realidades em que se encontram inseridos. Dá especial ênfase
a uma necessária superação do clericalismo, do individualismo
(fechamento em si mesmo) e do comunitarismo (fechamento em
grupos). À noção e a perspectiva do sujeito eclesial perpassam as três
partes do documento, que segue o método ver-julgar-agir. Sujeito
eclesial não é uma realidade pronta, mas um dom que se faz tarefa
permanente para toda a Igreja, em sua missão evangelizadora.”

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Alimentados pela Palavra, buscamos caminhar nesta estrada onde
certamente encontraremos nossa vocação à vida, seja na forma que
for, mas certos e convictos como foram Samuel e os dois discípulos
de João. À Oração para depois da comunhão nos diz: “Penetrai-nos,
ó Deus, com vosso Espírito de caridade, para que vivam unidos no
vosso amor os que alimentais com o mesmo pão”. À vocação à vida
que refletimos hoje, repousa exatamente neste Espírito de Amor e é
justamente através da Eucaristia que encontramos a força, o ânimo e a
coragem para vivê-la.

23 Ibidem, n. 13.
3º DOMINGO DO TEMPO COMUM

21 de janeiro de 2018
O REINO DE DEUS CHEGOU!

Leituras: Jn 3,1-5.10
ICor 7,29-31
Mc 1,14-20

1. Situando-nos
Ão longo deste e dos próximos três domingos, a mesa da Palavra nos
coloca diante do primeiro capítulo do Evangelho de Marcos. De forma
introdutória, ele nos mostra que a prática messiânica de Jesus e da comuni-
dade missionária dos discípulos tem um só objetivo: libertar as pessoas de
todos os mecanismos ameaçadores da vida. Os discípulos, na companhia
de seu Mestre, vão descobrindo progressivamente a identidade de Jesus e
a sua própria identidade como discípulos e missionários do Reino.
À catequese a ser transmitida por estes fatos mostra o dia a dia da
comunidade. Talvez este possa ser o motivo pelo qual todos eles são
colocados em um determinado tempo de um dia. O dia de Jesus em
Cafarnaum deve ser exemplar e catequético para o dia a dia da Igreja.
Estes oito fatos, tão bem escolhidos por Marcos, mostram o rumo e o
objetivo da missão de Jesus: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham
em abundância” (Jo 10,10) Todos estes fatos descritos por Marcos podem
servir como avaliação para as nossas comunidades eclesiais.
Neste 3º Domingo do Tempo Comum, a mesa da Palavra nos coloca
diante de Jonas, mostrando a importância da conversão, e de Paulo que
orienta a Igreja de Corinto viver o desapego, indicações importantes
para entender a dimensão da grande notícia: o Reino de Deus chegou!
O povo viu uma grande luz (Is 9,2)
ao

2. Recordando a Palavra

À primeira leitura, do livro de Jonas, merece um destaque especial,


afinal é a única leitura deste livro que o Lecionário Dominical apresenta.
Trata-se de um livro de cunho didático, como uma parábola. Ainda que
Jonas seja apresentado como profeta e com características proféticas, o
gênero literário nada tem a ver com o profético. O tema do livro de Jonas
é a universalidade da salvação. Porém, o personagem central do livro que
é o próprio Jonas, coloca-se contrário a esta visão teológica. Para o autor
do livro, oposto ao pensamento e à teologia de Jonas, Deus é sempre
misericordioso, tanto com relação aos judeus como para os estrangeiros.
À narrativa de Jonas se passa dentro do contexto pós-exílico e, junto com
outros livros como Rute e Jó, procura apresentar uma alternativa teológica
ao pensamento mais ortodoxo judeu. O texto que a liturgia apresenta
do livro de Jonas para nossa reflexão, focaliza a questão do arrependi-
mento dos estrangeiros e o perdão de Deus. À conversão ou mudança de
caminho por parte dos Ninivitas, diante do anúncio de destruição por
parte de Deus que foi proclamado por Jonas é o ponto importante para o
tema deste 3º Domingo do Tempo Comum.
À segunda leitura nos traz a preocupação de Paulo diante da Igreja
de Corinto no que concerne à brevidade do tempo que ainda resta. Mas
qual o contexto desta preocupação? O capítulo sete apresenta questões
relacionadas ao matrimônio e celibato. Não está em questão se uma
contém maior importância que outra. À orientação que o Apóstolo
dá ao tema está relacionada à parusia do Senhor. É neste sentido que
entendemos os versículos 29-31 em questão. Para exemplificar a sua
visão sobre o celibato e matrimônio, Paulo coloca outros pontos sobre o
mesmo prisma: o desapego total.
O texto do Evangelho de Marcos neste 3º Domingo do Tempo
Comum, encerra a parte introdutória com um grande poder de síntese de
Marcos (1,14-15). Primeiro ele nos informa sobre a prisão de João Batista:
“Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando
o Evangelho de Deus” (Mc 1,14). Esta informação é básica, pois neste
Roteiros Homiléticos para o tempo do Aclvento — Natal - Tempo Comum

momento será anunciado o início da missão de Jesus e, portanto, João já


deverá ter encerrado a sua missão. João anuncia, Jesus realiza!
Na sequência, temos quatro informações em um único versículo.
Mas não são pequenas informações, são profundas informações, que
na verdade conseguem sintetizar todo o seu Evangelho. Isto mesmo,
todo o conteúdo do Evangelho de Marcos em um único versículo!
Assim lemos em Marcos: “O tempo já se completou, e o Reino de Deus
está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (1,15). Primeiro, a
informação de que o tempo já se cumpriu ou conforme outras traduções,
“completou-se o tempo”. O que isto significa? Trata-se do tempo da
espera para a realização das promessas messiânicas. Com Jesus, não
precisa mais esperar, pois ele é a própria promessa se realizando.
Porém, nem todos assim pensavam. Para uns, o Reino só chegaria
quando a observância da lei fosse perfeita; para outros, quando o país
fosse purificado; ou mesmo quando o país fosse por eles dominado.
Estes são os casos dos fariseus, essênios, e zelotes, respectivamente.
Já a segunda informação nos diz que o Reino de Deus está
próximo. Assim traduzido, nos vem a ideia de que o Reino ainda não
se faz presente, está próximo, portanto. Mas se olharmos bem o tempo
verbal no grego, utilizado por Marcos, entenderemos que não se trata
de algo futuro, mas sim de que o Reino já chegou e ainda continua,
ou seja, não findou ou completou. Uma tradução mais coerente seria
então “o Reino já se faz presente”. Reino tão esperado e não percebido
pelo povo da época, pois se encontravam dominados diante da visão
dada pelas autoridades.
Às duas primeiras informações colocam-nos diante desta Boa
Notícia. Agora vem o que fazer diante da mesma. Assim aparece a
terceira informação: mudem de vida! Algumas traduções colocam
“fazei penitência”, ou “convertei-vos” e ainda “arrependei-vos”. É
importante ter presente o sentido exato. Trata-se de mudar o modo de
pensar e de viver. Só é possível perceber a presença do Reino, se a pessoa
mudar o seu modo de pensar, viver e agir. Terá que deixar de lado o
legalismo do ensino dos fariseus e permitir que a nova experiência de
Deus invada sua vida e lhe dê olhos novos para ler e entender os fatos.
Ea O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

Por fim, a quarta e última informação. “Crede no Evangelho”.


Estas palavras finais provocam a fé do povo, afinal, para olhar a
realidade com outros olhos, diferente daqueles que fomos acostu-
mados a olhar, pela nossa educação, mídia, etc. só tendo fé que é
testemunhada por alguém que é o próprio Filho de Deus. São quatro
informações que sintetizam todo o Evangelho de Marcos. À partir
deste versículo, teremos diante dos olhos, através de sua narrativa, a
descrição de fatos que só comprovam o que ele acabou de dizer: “O
tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos
e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Quando nos deparamos com os primeiros chamados ou relatos
vocacionais em Marcos, ficamos intrigados com a maneira que o
evangelista os descreve. Isto porque não ocorre nenhum questiona-
mento por parte dos futuros discípulos, afinal não conhecem Jesus,
ainda não ouviram falar dele, de seus ensinamentos, de seus milagres,
enfim, trata-se de um desconhecido que passa por eles e simplesmente
diz: “Segui-me!?? (Mc 1,17; 2,14). Se olharmos os relatos que ocorrem
também nos outros três Evangelhos, percebemos que, à exceção de
Mateus que procura preservar esta característica de sua fonte, que
é Marcos, nos outros dois, primeiro Jesus prega, realiza milagres,
torna-se conhecido e só então convoca seus discípulos.
Qual a razão de um chamado tão incisivo e consistente? À situação
vivida pela comunidade de Marcos não era das melhores. Quando
tentamos situar o Evangelho no tempo, não podemos ir além do ano
70, quando ocorre a destruição de Jerusalém por parte dos romanos.
Às referências deste fato nos Evangelhos de Lucas e Mateus são
apresentadas como uma interpretação, mostrando, portanto, um certo
distanciamento no tempo. Em Marcos não é este o caso. No capítulo
13, onde ele se refere ao mesmo acontecimento, as ideias acerca do fato
não são claras, tendo inclusive que se valer do gênero apocalíptico para
descrevê-la. Sendo assim, podemos intuir que a comunidade vive este
momento de tensão e perseguição por parte das tropas romanas.
Mas, e o chamado, o que tem a ver com esta perseguição? Bem, em um
momento de crise como este, não se pode esperar muito tempo para tomar
Roteiros Homiléticos para o tempo do Aclvento — Natal - Tempo Comum Rn

uma decisão. À indecisão ou uma resposta morosa torna-se um perigo


neste momento. É tudo ou nada! Daí entende-se este chamado incisivo
e a pronta resposta do discípulo. Afinal, diante da perseguição não se tem
muito tempo para dar uma resposta. Jesus quer formar uma comunidade
de seguidores para acompanhá-lo na missão. Esta é a primeira tarefa da
qual a Igreja não pode se descuidar. O chamado deve ser sempre constante.

3. Atualizando a Palavra
O Evangelho nos traz a novidade da chegada do Reino que se faz
presente através de Jesus Cristo. O contexto do Evangelho de Marcos
não é o mesmo de nossa vivência eclesial e cristã. Porém a urgência é
sempre a mesma. “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens!”
(Mc 1,17). Homens e mulheres são chamados a partir de suas vidas, do
seu dia a dia. Somos chamados a testemunhar esta presença do Reino
já atuante no meio de nós. À novidade presente na palavra e ação de
Jesus provoca esta total mudança em nossas vidas.
Esta mudança se faz presente nos mais diversos relacionamentos. Seja
na convivência familiar, no trabalho, na vida social, em tudo e com tudo,
pois somos chamados a viver esta urgência da presença do Reino. Não é
possível compreender esta mudança se não modificarmos também o modo
de ver o mundo. À Jente pela qual podemos perceber esta mudança é de
fato o Cristo Ressuscitado. Somente através desta lente podemos perceber
a urgência colocada por Paulo na carta aos Coríntios.
À presença do Reino não pode ser apenas o anúncio, mas deve ser
vivenciada. Crer é testemunhar. À presença sempre amorosa e miseri-
cordiosa do Pai é o ponto de apoio que Jesus nos apresentou durante
todo o seu ministério. Nossa conduta na vivência e no testemunho
também deve ser guiada por esta certeza. Não podemos reduzir Deus
às nossas expectativas. Ao contrário, somos reduzidos às expectativas
de Deus que sempre foi o seu projeto de amor.
O Evangelho de Marcos nos trouxe um ponto importante para
refletir o nosso papel eclesial: suscitar comunidades em torno de Jesus,
soÊ O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

através de homens e mulheres que verdadeiramente se convertem e


creem na Boa-Nova do Reino de Deus. Até que ponto todo o nosso
esforço pastoral se desenvolve nesta perspectiva? O chamado e a
convocação sempre devem ser motivos de preocupação, afinal, deles
depende a vida da Igreja, porém nunca devemos esquecer-nos do
acolhimento àqueles que já estão presentes em nossas comunidades.
Não são apenas importantes os trabalhos, serviços e ministérios dentro
de nossas igrejas, mas também a valorização dos mesmos.

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


O encontro eucarístico é sempre a grande oportunidade de
partilhar a novidade que Jesus nos trouxe. Através da Palavra, do
Corpo e do Sangue de Jesus, podemos buscar a certeza necessária da
presença do Reino de Deus que se apresenta em nossas vidas transfor-
madas e verdadeiros testemunhos de seu maravilhoso anúncio. O
encontro semanal da comunidade em torno da mesa da Palavra e
da Eucaristia reforça a nossa esperança, não mais nas promessas do
Antigo Testamento, mas nas promessas que a Boa-Nova nos trouxe.
Reforça a nossa fé e certeza de que o Reino já está presente e se concre-
tiza através de nossas ações, respondendo positivamente ao chamado
e vocação à vida.” Por fim, nos anima e dá força a seguir o caminho
transformado pela novidade do Evangelho.

24 Conferir a reflexão feita no 2º Domingo do Tempo Comum.


4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

28 de janeiro de 2018
UM ENSINAMENTO NOVO, COM AUTORIDADE!

Leituras: Dt 18,15-20
ICor 7,32-35
Mc 1,21-28

1. Situando-nos
Estamos dando seguimento à caminhada do Tempo Comum
através do ministério de Jesus narrado pelo Evangelho de Marcos.
No 3º Domingo do Iempo Comum, seguimos as pegadas de seus
versículos iniciais: o grande anúncio da chegada do Reino (Mc 1,15);
À convocação urgente para o seguimento de Jesus (Mc 1,16-20). Hoje,
4º Domingo do Tempo Comum, vamos refletir sobre a verdadeira
autoridade que se faz perceber pela verdade anunciada. A mesa da
Palavra nos ajuda a refletir este tema através do livro do Deutero-
nômio, colocando o papel verdadeiro do profeta, bem como da carta
aos Coríntios, apontando para a necessidade em colocar nossa vida
voltada para o que realmente vale a pena.

2. Recordando a Palavra
A primeira leitura deste 4º Domingo do Tempo Comum
(Dt 18,15-20) trata do ofício do profeta em Israel. Este ofício é uma
continuidade do ofício mediador que Moisés realizou no Sinai. Mas o
papel do profeta não será uma imitação de Moisés, ao contrário, não se
limitará a transmitir um recado ou uma lei. Sua função vai muito além
disto: “Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o
que eu lhe mandar” (Dt 18,18b). O profeta é aquele que profere a Palavra
de Deus, assim como Jesus que em dia de sábado, na sinagoga em Nazaré,
a O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

proferiu a Palavra de Deus através do livro de Isaías (Lc 4,16-17). Jesus não
só profere a Palavra de Deus, mas a interpreta também: “Hoje se cumpriu
esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir” (Lc 4,21).
A segunda leitura prossegue com o tema sobre o matrimônio e
celibato, já abordado no 3º Domingo do Tempo Comum. Entretanto,
nem lá nem aqui o foco principal é exatamente este. Em ambos, a questão
principal é o momento escatológico presente na pregação do apóstolo.
Este momento procura colocar certa relatividade em tudo que vivemos.
Nada deve ser vivido intensamente quanto o definitivo que se aproxima
e já vivido por todos que buscam o Cristo Ressuscitado. Mesmo sem a
preocupação cronológica com a brevidade de tempo, podemos tornar
nossos estes conselhos de Paulo. Nesta perspectiva, portanto, devemos
colocar nossa vida e nosso empenho naquilo que realmente vale a pena,
construindo os verdadeiros alicerces que o Evangelho nos apresenta para
uma morada duradoura e definitiva.
A leitura do Evangelho de Marcos dá prosseguimento ao que
foi refletido no 3º Domingo do Tempo Comum. Agora, dentro da
Sinagoga, em um dia de sábado, Jesus se pôs a ensinar. Marcos não
diz o que Jesus ensinava. Mas o que chama atenção é a forma como
Jesus anunciava: “ensinava como quem tem autoridade, não como os
mestres da Lei” (Mc 1,22), isto é, ensinar legitimamente, com liberdade
e franqueza. Por este seu jeito diferente, Jesus cria consciência crítica
no povo em relação às autoridades religiosas da época. O povo percebe,
compara e diz: Ele ensina com autoridade, diferente dos escribas.
Os escribas da época, peritos e intérpretes das prescrições religiosas,
guias reconhecidos do povo, eram habilitados no seu papel pela sua
fidelidade à lei escrita e pelo seu apelo aos grandes mestres do passado.
Ensinavam citando autoridades. Jesus, pelo contrário, apela para outra
legitimação, porque seu ensinamento é novo. Jesus não cita autoridade
nenhuma, mas fala a partir de sua experiência de Deus e da vida. Sua
palavra tem raiz no coração.
No Evangelho de Marcos, o primeiro milagre é a expulsão de um
demônio. À primeira vista, parece que o possesso realmente conhece
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum RB

Jesus: “Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (Mc 1,24). Este
era o ensinamento oficial que apresentava o messias como “Santo de
Deus”. Esta designação valia para um Sumo Sacerdote, ou rei, juiz,
doutor, general. Jesus ameaçou o espírito mau: “Cale-se, e saia dele!”
O espírito sacudiu o homem, deu um grande grito e saiu dele.
Os dois primeiros sinais da Boa-Nova que o povo percebe em
Jesus, são estes: o seu jeito diferente de ensinar as coisas de Deus, e
o seu poder sobre os espíritos impuros. Jesus abre um novo caminho
para o povo conseguir a pureza. Naquele tempo, uma pessoa declarada
impura já não podia comparecer diante de Deus para rezar e receber
a bênção prometida por Deus a Abraão. Ela teria que purificar-se
primeiro. Esta e muitas outras leis e normas dificultavam a vida do
povo e marginalizavam muita gente como impura, longe de Deus.
Agora, purificadas pelo contato com Jesus, as pessoas impuras podiam
comparecer novamente na presença de Deus. Era uma grande Boa
Notícia para eles!

3. Atualizando a Palavra
O mal está presente em diversos lugares e diversas situações,
impedindo o avanço da Boa-Nova. Assim, o combate que Jesus trava
contra satanás, espírito impuro, diabo, ou como se queira expressar o
mal presente no mundo, deve ser seguido de perto pelos seus seguidores.
É preciso ter os olhos atentos para detectar este mal que impede o
avanço do Reino. Mas de que forma podemos combater o mal presente
no mundo? Mais uma vez, o exemplo de Jesus é revelador.
Justamente no ambiente da sinagoga e em dia de sábado é que
Jesus vai se revelando como messias capaz de vencer os mecanismos
que ameaçam a vida humana. À prática messiânica de Jesus desperta
no povo essa consciência crítica. O povo percebe que o ensinamento
de Jesus é novo. Por quê? Porque liberta as pessoas dos males que
ameaçam a vida. O ensino de Jesus está sempre acompanhado de uma
ação libertadora. Aqui se verifica a figura do profeta, mas do profeta
que não se limita a repetir a Palavra, ao contrário, interpreta a Palavra,
A O povo viu uma grande luz (ls 9,2)

dá sentido e cria consciência através da Palavra. Desta forma, Jesus vai


devolvendo as pessoas a si mesmas. Devolve a consciência e a liberdade.
Faz a pessoa recuperar o seu perfeito juízo (Mc 5,15). Não é nem era
fácil, nem ontem, nem hoje, fazer com que a pessoa comece a pensar €
atuar diferentemente da ideologia oficial.
O Evangelho de Marcos nos trouxe mais dois pontos importantes
para refletir o nosso papel eclesial: primeiro, o ensinamento de Jesus
que transforma a visão das pessoas, cria consciência crítica. Longe
de ser um acúmulo de informações ou catálogo de doutrinas, revela
a sua autoridade pela verdade transmitida. Hoje, a preocupação com
a formação na Igreja também deveria levar-nos a uma visão crítica da
realidade. Segundo, o combate ao poder do mal que aliena as pessoas
de si mesmas. Na verdade, estes dois ensinamentos andam juntos.
Somente tendo uma visão crítica poderemos ter força para combater o
mal que impede a realização do Reino.
Dentro do desafio que nos envolve as leituras de hoje, podemos nos
enriquecer com as propostas apresentadas pela Igreja neste ano do laicato:
À Formação integral é fundamental para que os leigos e leigas
cresçam na fé e no testemunho nas diferentes realidades; sejam
fermento dos valores evangélicos na sociedade e, como pessoas
novas (cf. Ef 4,24), contribuam significativamente, neste
momento de mudança de época, para o novo que está surgindo.
Para isto, é indispensável um projeto diocesano de formação
que contemple: a. objetivos, diretrizes, prioridades, atividades,
lugares e meios, articulando-os com o plano de pastoral; b.
formação básica de todos os membros da comunidade; especí-
fica, conforme os vários campos de missão, especialmente os
que atuam na sociedade e formação de formadores; c. aprimo-
ramento bíblico-teológico dos leigos e leigas para que possam
contribuir com a investigação e o ensino, desde sua condição
específica; d. presença de leigos e leigas, como membros da
coordenação, na execução do projeto; e. diálogo com as diferentes
formas organizativas dos leigos presentes nas dioceses sobre o
seu processo formativo.?

25 CNBB. Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade. Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14),
Documentos da CNBB 105. Brasília: Edições CNBB, 2016, n. 237.
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum RB

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


“Renovados pelo sacramento da nossa redenção, nós vos pedimos,
ó Deus, que este alimento da salvação eterna nos faça progredir na
verdadeira fé” (Oração depois da comunhão). Esta oração resume bem
o sentido para o qual a nossa reflexão se voltou através da mesa da
Palavra. O encontro eucarístico nos faz crescer na fé, à medida que nos
deixamos envolver pela Palavra de Deus e cumprimos nossa vocação
profética, à qual recebemos em nosso Batismo. O corpo e sangue de
Cristo nos alimentam e fortalecem na busca daquilo que verdadeira-
mente devemos viver, colocar as nossas forças e atenção. Na celebração
eucarística, oferecemos nossa vida a Deus, para que também nós
sejamos associados ao sacrifício redentor de Cristo.
So DOMINGO DO TEMPO COMUM

4 de fevereiro de 2018
ELE CUROUÀ MUITOS.

Leituras: Jó 7,1-4.6-7
ICor 9,16-19.22-23
Mc 1,29-39

1. Situando-nos
Nos domingos anteriores, percorremos juntos as andanças de Jesus
em Cafarnaum, a catequese preparada pelo evangelista Marcos. Desde
o chamado para viver a Boa-Nova do Reino, até os ensinamentos com
autoridade e o combate ao mal que impede a realização plena do Reino
de Deus. Neste 5º Domingo do Tempo Comum, damos mais um
passo ao seu lado, através das diversas curas de Jesus, bem como de sua
disposição em realizar a sua missão. Diante da mesa da Palavra, vamos
ouvir a queixa amarga de Jó devido ao seu sofrimento e o brado firme e
forte de Paulo: “Ai de mim se eu não pregar o Evangelho!” (1Cor 9,16).

2. Recordando a Palavra
“Se me deito, penso: Quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer,
espero novamente a tarde e me encho de sofrimentos até ao anoitecer”
(Jó 7,4). Quanto sofrimento presente nestas palavras de Jó! Também,
não faltaram motivos. Primeiro a desgraça sobre os seus bens e filhos,
depois a doença sobre seu corpo. Como se não bastasse a incompreensão
de sua mulher e seus amigos. Por último, a impressão do vazio e o
abandono da parte de Deus. À teologia da retribuição que é defendida
pelos amigos de Jó, não resolve o seu problema, afinal, o sofrimento no
seu caso não corresponde a nenhuma forma de pecado. Incompreendido
e sem compreender a razão de seu sofrimento, Jó continua firme em sua
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum BR

fé, na esperança de encontrar alguma razão para viver. No final do livro


de Jó não aparece a resposta colocando as razões de seu sofrimento, mas
por outro lado, apresenta o encontro com Deus em seu sofrimento. Deus
não está na causa do sofrimento, mas ao lado de quem sofre.
Na segunda leitura Paulo declara que o anúncio do Evangelho não é um
motivo de glória, mas obrigação que lhe foi imposta. No momento em que
ele faz a experiência do encontro com o Cristo Ressuscitado, apaixona-se
pelo seu projeto libertador em favor de todos os homens. Esta missão passa
a ser a sua razão de viver. Somente nesta perspectiva vamos compreender
o sentido de obrigatoriedade que ele apresenta na leitura: “Ai de mim se
eu não pregar o Evangelho!” (1Cor 9,16). O princípio fundamental que
orienta a sua vida, não é a própria liberdade, ou a afirmação dos próprios
direitos, nem mesmo a defesa dos próprios interesses, mas o amor a Cristo
e ao Evangelho. O que é fundamental e decisivo na vida de Paulo é o amor.
É por força deste amor que ele renunciou aos seus direitos e fez-se “escravo
de todos” (1Cor 9,19); por amor, ele renunciou aos seus próprios interesses e
perspectivas pessoais e identificou-se com os fracos.
No Evangelho de Marcos, Jesus continua sua caminhada de um
dia em Cafarnaum, agora não mais na sinagoga, mas no contexto da
casa. Primeiro dirige-se à casa da sogra de Pedro que se encontrava
acamada. Jesus a cura e ela se coloca de pé. Com a saúde e a dignidade
recuperadas, começa a servir as pessoas.
Ao cair da tarde, mas ainda no âmbito da casa, Jesus acolhe e
cura os doentes e os possessos que o povo tinha trazido. Os doentes e
possessos não tinham a quem recorrer. Ficavam entregues à caridade
pública. Além disso, a religião os considerava impuros. Eles não
podiam participar na comunidade. Era como se Deus os rejeitasse e os
excluísse, Jesus, porém, os acolhe.
Já de madrugada, mais afastado da casa, em lugar deserto, Jesus se
retira para um momento de oração. Ele faz um esforço muito grande
para ter o tempo e o ambiente apropriado para rezar. Levantou mais
cedo que os outros e foi para um lugar deserto, para poder estar a sós
com Deus. Muitas vezes, os Evangelhos nos falam da oração de Jesus
O povo viu uma grande luz (Is 9,2)
a

no silêncio (Mt 14,22-23; Mc 1,35; Lc 5,15-16; 3,21-22). É através da


oração que ele mantém viva em si a consciência de sua missão.
Ainda no mesmo lugar em que se encontrava em oração, aparecem
os discípulos. Eles vão em busca de Jesus para levá-lo de volta junto do
povo que o procurava, e lhe dizem: “Todos te procuram”. Pensavam que
Jesus fosse atender ao convite. Eles devem ter estranhado a resposta de
Jesus, afinal não era como eles o imaginavam. Jesus tem uma consciência
muito clara de sua missão e quer transmiti-la aos discípulos. Não quer
que eles se fechem no resultado já obtido. Não devem olhar para trás.
Como Jesus, devem manter bem viva a consciência de sua missão. É a
missão recebida do Pai que deve orientá-los na tomada das decisões.

3. Atualizando a Palavra
Às três leituras convergem para o tema do sofrimento. São três
atitudes diferentes, que nos deixam importantes pistas para enfrentar
nossas dores e nossos sofrimentos. À primeira leitura nos apresentou a
maneira como Jó encarou o seu sofrimento. Ele tenta compreender, busca
razões, ouve o que os outros têm a dizer, mas em nada encontra alento. À
procura segue e só encontra sentido na presença de Deus. Não se trata de
resignação, aceitação ou como os amigos de Jó, achar que é merecimento
por alguma falta cometida. Em Deus não está a causa do sofrimento, mas
a força possível para enfrentá-lo. Já Paulo nos coloca indiretamente dentro
do tema do sofrimento, quando nos mostra a grandeza de sua missão:
“Com todos, eu me fiz tudo” (1Cor 9,22). Esta é a medida de seu enfren-
tamento junto aos problemas, às dores e aos sofrimentos dos outros. À esta
medida chamamos solidariedade, compaixão, misericórdia que deve ser
vivida em uma dimensão de liberdade como o próprio Evangelho exige.
Se Jó nos mostra que a força para enfrentar o sofrimento deve ser buscada
em Deus, Jesus vai ainda mais longe. Ele assume o sofrimento, curando-o.
Porém, no final de sua vida, assumirá o sofrimento, sofrendo-o. Neste
sentido a sua compaixão se torna universal.
Além dos três pontos catequéticos presentes no primeiro capítulo
do Evangelho de Marcos, apresentados no 3º e 4º Domingos do Tempo
Comum, hoje, tivemos a oportunidade de refletir sobre mais quatro
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal — Tempo Comum BH

pontos: a cura da sogra de Pedro que aponta para a devolução de sua


dignidade, quando Jesus a levanta e o exercício da diaconia no serviço aos
irmãos, as diversas curas e exorcismos realizados, recupera a autoestima
de dezenas de pessoas que foram procurar Jesus, pois estavam à margem
da sociedade por serem doentes; o momento de oração em que Jesus
recupera as suas forças; a avaliação da caminhada feita até o momento,
onde os discípulos não percebem o momento de dar um passo a mais
e se contentam com o resultado já obtido, porém Jesus mantém viva a
consciência de sua missão, pois é necessário seguir adiante. Todos estes
pontos vão também nos ajudando a compreender a verdadeira missão da
Igreja, presente nas ações de Jesus.
As diversas curas realizadas por Jesus nos apontam a missão no acolhi-
mento aos marginalizados e desprezados de nossa sociedade, revelando-
-lhes a digna condição de filhos de Deus. Em especial, a exemplo da cura
da sogra de Pedro, quando Jesus restaura a sua vida para a realização de
uma diaconia legitimada pelo amor ao próximo e não pela distinção de
sexo, devemos atentar-nos ao que nos pede a Igreja neste ano do laicato:
Reconhecer a indispensável contribuição da mulher na evangeli-
zação e ampliar sua presença e participação na Igreja e na sociedade.
Abrir espaços de participação onde a presença feminina, com sua
sensibilidade, cuidado, intuição e outras capacidades peculiares,
enriqueça a comunidade eclesial nos seus processos decisórios.

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


“Ó Deus, vós quisestes que participássemos do mesmo pão e
do mesmo cálice; fazei-nos viver de tal modo unidos em Cristo, que
tenhamos a alegria de produzir muitos frutos para a salvação do mundo”
(Oração para depois da comunhão). Esta oração nos faz um convite e
uma proposta. Convida-nos a participar da mesa da Eucaristia, tendo
como proposta a participação no corpo e sangue de Jesus, ou seja,
vivendo tudo o que Jesus viveu em profundidade e compromisso. À
mesa da Palavra, por sua vez, nos enriquece nesta proposta, colocando-
-nos a exata dimensão da vivência em Cristo.

26 Ibidem, n. 243-244.
6º DOMINGO DO TEMPO COMUM

11 de fevereiro de 2018
JESUS ENCHEU-SE DE COMPAIXÃO.

Leituras: Lv 13,1-2.45-46
ICor 10,31-11,1
Mc 1,40-45

1. Situando-nos
Estamos chegando ao final do primeiro ciclo do Tempo Comum
que teve o seu início logo após a Solenidade da Epifania do Senhor
e terminará na Quarta-feira de Cinzas. Ao longo destes domingos,
pudemos percorrer os caminhos de Cafarnaum, ao lado de Jesus e seus
discípulos, segundo uma catequese traçada pelo evangelista Marcos.
Hoje, chegamos ao final desta catequese com a conclusão do primeiro
capítulo, quando Jesus cura o leproso. À mesa da Palavra nos ajuda a
aprofundar o tema de hoje através do livro do Levítico sobre as doenças
da pele e em especial a lepra e a carta aos Coríntios nos apontando
para a imitação de Cristo.

2. Recordando a Palavra
A primeira leitura, presente no livro do Levítico, encontra-
-se na parte relativa à lei da pureza onde são apresentados os vários
impedimentos para que o homem se aproxime do santuário, bem
como os ritos destinados à sua purificação. À relação entre a doença,
o pecado e a pureza, deve ser bem compreendida. À necessidade de
purificação de alguém se voltava para a sua condição de dignidade
para lidar com aquilo que era considerado santo. Seria possível estar
impuro, sem que se estivesse em pecado. Na visão religiosa do povo
bíblico, as recompensas ou os castigos aconteciam de acordo com o
Roteiros Homiléticos para o tempo do Aclvento — Natal — Tempo Comum E

comportamento do homem. À doença, por exemplo, era sempre uma


forma de castigo de Deus para os pecados e infidelidades do homem.
Entretanto, no caso da lepra, o pecado era considerado muito grande
pelo que representava a doença em si. O leproso era considerado, um
amaldiçoado por Deus, indigno de pertencer à comunidade e tornava-
-se segregado e excluído da convivência diária com as outras pessoas.
O papel do sacerdote diante de uma situação como esta, era de decisão
sobre a capacidade ou não de alguém integrar a comunidade do povo
de Deus e para ser admitido à presença do Deus santo.
À segunda leitura conclui o tema sobre a questão do consumo das
carnes que foram imoladas aos ídolos (1Cor 8-10). Estas carnes eram
comercializadas na cidade e muitos cristãos as consumiam. O problema
que se levantava era a licitude sobre esta prática, afinal, não estariam
de alguma forma comprometendo-se com os cultos idolátricos os que
se alimentavam de tais carnes? À resposta de Paulo é negativa, pois os
ídolos nada são e comer estas carnes torna-se indiferente. Entretanto, ele
aponta para outra questão que julga mais importante: deve-se evitar os
escândalos. Assim, se esta prática pode se tornar um escândalo dentro
da Igreja, que seja evitada. À medida de tudo que fizermos é a glória de
Deus. Partindo deste ponto, Paulo vai mostrar então que nossas ações
devem glorificar a Deus e não causar escândalos entre os irmãos, pois
estariam na contramão da glorificação. O texto finaliza colocando o
exemplo de Paulo como aquele que deve ser seguido, já que ele sempre
procurou o bem de todos, seguindo o próprio exemplo de Jesus.
O Evangelho de Marcos nos apresenta o encontro de Jesus com
o leproso. Esta perícope poderia ser pensada conforme o relato do
5º Domingo do Tempo Comum, onde Jesus curou muitos doentes
e endemoniados, no ensinamento catequético do acolhimento aos
marginalizados. Mas a questão da lepra nos coloca frente a outro tipo
de marginalização. Conforme refletimos acima, no texto de Levítico, a
lepra era uma grave enfermidade que levava a pessoa a uma total exclusão
da comunidade. Devido à gravidade da doença, as pessoas tinham medo
de chegar perto de um leproso e de serem tocadas por ele. O preconceito
religioso e social excluía as pessoas. Sobre um doente pesava, além de
nn O povo viu uma grande luz (Is 9,2)

sua enfermidade física, o preconceito religioso que atribuía como causa


da enfermidade uma maldição de Deus por causa da transgressão à Lei.
Profundamente compadecido, Jesus primeiro “cura” a solidão,
liberta o leproso da exclusão tocando-o. Em seguida, cura a lepra. Aqui
há como que um jogo, uma troca de lugares entre o leproso e Jesus. O
leproso, para poder entrar em contato com Jesus, tinha transgredido
as normas da lei. Da mesma forma, Jesus, para poder ajudar aquele
excluído e, assim, revelar um rosto novo de Deus, transgride as normas
da sua religião e toca no leproso. Jesus tinha proibido o leproso de falar
sobre a cura, mas assim que partiu, o homem começou a divulgar a
notícia, de modo que Jesus já não podia entrar publicamente em uma
cidade. Permanecia fora, em lugares desertos. Jesus tinha tocado no
leproso. Por isso, na opinião pública daquele tempo, Jesus, ele mesmo,
era agora um impuro e devia viver afastado de todos. Já não podia
entrar nas cidades. Parece que Marcos quer de fato mostrar que as
normas e leis de exclusão deveriam ser ignoradas, pois termina o relato
enfatizando que de toda a parte vinham até Jesus.

3. Atualizando a Palavra
Às leituras deste 6º Domingo do Tempo Comum se voltam para
os excluídos, ou mais precisamente, para a atitude de Jesus junto aos
excluídos. Já anteriormente, no 5º Domingo do Tempo Comum,
havíamos refletido sobre a atitude de Jesus frente aos marginalizados.
Eram os doentes e possessos que vinham até Jesus para serem curados.
Estes estavam à margem da sociedade. Podiam ir até Jesus e depois
de curados estavam aptos a se reintegrarem junto a seu povo. O texto
de hoje nos apresenta alguém que não pode ir até Jesus porque a lei o
proíbe. Deve viver no isolamento, excluído do convívio de seus irmãos.
Jesus toma uma atitude surpreendente, na medida em que acolhe
o excluído e reintegra-o na convivência comunitária, mesmo que para
isto tenha que enfrentar o autoritarismo e legalismo, sempre contrários
à vida, presentes na primeira leitura no livro do Levítico. É a exemplo,
que deve ser imitado, que Paulo se refere na carta aos Coríntios. Esta
Roteiros Homiléticos para o tempo do Advento — Natal - Tempo Comum RH

atitude surpreendente de Jesus é motivada pela exclusão do leproso:


dor, sofrimento, isolamento, solidão, morte! Esta compaixão que leva
Jesus a superar as barreiras legais, também deveria ser a nossa, na
medida em que nos colocamos frente a inúmeras situações de exclusão
hoje: econômica (regida pelas leis de mercado e da competição), social
(regida pelas leis dos costumes e da moral) e religiosa (regida pelas leis
de pureza existentes ainda hoje quando a religião, o culto e o rito se
tornam um padrão para a salvação).
Dentro do contexto da reflexão que a mesa da Palavra nos propõe,
é importante estar atento neste ano do laicato, para a proposta que a
Igreja nos faz:
Criar e fortalecer as pastorais sociais, em espírito missionário,
para responder às necessidades de cada realidade de exclusão e
sofrimento. Que elas se articulem entre si e com os movimentos
sociais, atuando na democracia direta e participativa, por meio
dos Conselhos de Cidadania, e na proposição de políticas
públicas de inclusão social. Fortalecer a consciência de pertença,
de gratidão a Deus e de corresponsabilidade, para acontecerem
a comunhão e a partilha necessárias à sustentação das atividades
pastorais e sociais no serviço da evangelização.”

4. Ligando a Palavra com a ação litúrgica


“Ó Deus, que prometestes permanecer nos corações sinceros e
retos, dai-nos, por vossa graça, viver de tal modo, que possais habitar
em nós” (Oração do dia). Esta Oração do Dia do 6º Domingo do Tempo
Comum, coloca o pedido que todos nós desejamos, tornar-nos uma
habitação de Deus, viver o encontro com Ele, na alegria do verdadeiro
amor trinitário. À mesa da Eucaristia nos torna mais próximos deste
desejo, mas tudo isto será apenas um desejo se o compromisso que
acabamos de refletir na mesa da Palavra não se tornar uma realidade
primeira em nós.

27 Ibidem, n. 241-242.

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