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APONTAMENTOS DE DIREITOS REAIS

1. ACEPÇÕES SUBJECTIVA E OBJECTIVA DA EXPRESSÃO DIREITOS


REAIS
Direitos reais é uma expressão utilizada juridicamente em mais de uma acepção.
Num sentido subjectivo identifica uma categoria de direitos subjectivos.
Num sentido objectivo identifica um ramo do direito (objectivo), como divisão do
Direito Civil. Nesta acepção, direitos reais é sinónimo de Direito das Coisas.
O Direito das Coisas identifica um ramo de direito que estabelece o regime de direitos
que se referem a coisas.
A favor da expressão, «direitos reais» em sentido objectivo, sempre se poderia invocar
o facto derivado da sua raiz, tendo presente que, na origem da palavra «reais» está o
vocábulo latino res, que significa coisa.
Porém, contesta-se a utilização desta terminologia, quando aplicada a uma divisão do
direito objectivo, uma vez que a sua utilização se afastaria da nomenclatura corrente
da chamada classificação germânica do Direito Civil. No entanto, este não será um
argumento decisivo para excluir que as expressões «direitos reais» ou «direito das
coisas», não sejam sinónimas.
Assim, qualquer das expressões não será isenta de reparos e verifica-se ser corrente na
doutrina portuguesa antiga e moderna o uso dela nos dois sentidos.
Como refere o Professor Oliveira Ascensão nenhuma das expressões, «direitos reais»
ou «direito das coisas», é rigorosa, tendo ambas um sentido meramente convencional,
sedimentado pelo uso corrente. Sem nos afastarmos da prática tradicional, devemos
reservar a expressão «direitos das coisas» para identificar o ramo de direito que se
ocupa dos direitos reais subjectivos.
2. CATEGORIAS DE DIREITOS REAIS
O Direito Civil é direito privado e o Direito das Coisas faz parte do direito privado
comum ou geral.
Numa primeira análise ao Livro III do Código Civil, face aos restantes livros da parte
especial do C.C., detectamos a ausência de uma parte geral relativa a esta categoria de
direitos (nem o Código fornece qualquer noção desta categoria de direitos
subjectivos).
Já o mesmo não se verifica relativamente aos restantes três livros relativos às demais
modalidades de relações jurídicas civis. Assim, no que respeita a este ramo do direito,
estamos perante uma dificuldade acrescida na elaboração doutrinal de uma Teoria
Geral dos Direitos Reais.
Numa análise mais aprofundada e, deixando de lado a matéria da posse, pela sua
natureza jurídica ser controvertida e, o direito de propriedade, como direito real por
excelência, facilmente se apura haver de comum entre as demais figuras reais aí

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compreendidas, a atribuição ao respectivo titular de poderes de uso ou de fruição
sobre uma coisa.

No Livro III do C.C., encontramos a chamada categoria de direitos reais de gozo. Mas,
os direitos reais não se esgotam nesta categoria. O a. 1539.º Faz mesmo contraposição
entre direitos reais de gozo e de garantia, sendo esta categoria pacificamente admitida
pela doutrina.
Nos direitos reais de garantia mantém-se (como no Código de Seabra de 1867) a
sistematização, que se justifica pela ligação especial com os direitos de crédito. Assim,
encontramos esta matéria regulada no Livro II do C.C. dedicado ao Direito das
Obrigações (Cf. aa. 656.º a 761.º).
Mas, para além destas duas categorias ou modalidades de direitos reais, também no
C.C. (para não falar de legislação avulsa) há figuras caracterizadas por terem eficácia
real e, atribuírem ao respectivo titular o poder potestativo de, mediante o seu
exercício, adquirirem certo direito sobre determinada coisa. Estamo-nos a referir aos
direitos reais de aquisição.
Os direitos reais de aquisição têm um tratamento disperso, em função do seu campo de
aplicação, em várias partes do C.C.
A sua fonte pode ser legal ou convencional. É caso do contrato promessa com eficácia
real e do pacto de preferência, também com eficácia real (cfr. aa. 413.º e 421.º), e
ainda, múltiplos direitos de preferência legal que têm eficácia real (cfr. aa. 1409.º
e1535.º).
Os direitos reais de aquisição constituem a categoria menos bem definida de
direitos reais.

Face a esta multiplicidade de figuras reais e, face à dispersão do seu tratamento


jurídico, coloca-se a questão de se saber se faz sentido falar de uma categoria
unitária, Direito Real. A resposta é afirmativa, uma vez que, para além das
diferenças existentes, há algo de comum entre estas várias categorias de direitos reais.
Todos incidem sobre coisas, envolvendo uma particular afectação das suas utilidades
à realização de interesses de pessoas determinadas. Por outro lado, todos os direitos
reais se apresentam dotados de uma eficácia particular em relação a terceiros,
habitualmente identificada pela eficácia real.
3. DIREITO REAIS COMO RAMO DE DIREITO PRIVADO
DR disciplinam adefinçã o e utilizaçã o dos bens pelas pessoas, qto ao bens
econó micos , as situações prévias os resultados posteriores da dinâmica dos bens.


Uso consiste no poder de utilizar a própria coisa para a satisfação das necessidades.
Fruição: este termo implica uma ideia de aproveitamento de bens, ou seja, no poder de retirar da coisa utilidades que
periodicamente se desprendem (Ex: frutos naturais ou civis).
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No regime dos direitos reais, se verifica a interferência de institutos próprios do
direito público, como acontece com as expropriações e a requisição. O próprio
legislador civil sentiu a necessidade de lhes fazer referência específica (cfr. aa. (37º
CRA); 1308.º e 1310.ºCC). Também não podemos esquecer das limitações ao
conteúdo dos direitos reais decorrentes de razões de interesse público (ex: é o caso da
requisição..)
Os DR têm marcada natureza patrimonial e constituem mesmo, ao lado dos direitos de
crédito, uma das mais importantes categorias de direitos patrimoniais.
4. ASSENTO LEGAL DE MATÉRIA. FONTES DO DIREITO DAS COISAS
1. O Código Civil, e nele, o seu Livro III, constitui a sede fundamental do regime dos
DR. Porém, nem o C.C. nem o Livro III, constituem as únicas fontes do direito das
coisas, nem contêm todo o regime dos direitos reais.
2. Em primeiro lugar, é de mencionar a CRA enquanto base de todo o sistema jurídico
e que contém a máxima protecção à propriedade privada, encontrando-se vigentes
normas que respeitam à matéria dos direitos reais art.37º.
3. Refira-se ainda, para além da CRA e do CC, as leis especiais como o CRP, o CPI,
etc., também são fontes de DR.
4. Todavia, no que diz respeito aos DR, o diploma mais importante de todos é sem
dúvida, o CRP, O Registo Predial refere-se aos factos relativos aos direitos reais
que incidem sobre coisas imóveis, em particular sobre os prédios rústicos e
urbanos. No que diz respeito às coisas móveis sujeitas a registo, o regime do seu
registo encontra-se, disperso em diversos diplomas que, regem para cada uma das
modalidades de coisas que integram esta categoria.
5. CONFRONTO ENTRE OS DIREITOS REAIS E OS DIREITOS DE
CRÉDITO
1. É áureo, desde já, demarcar os direitos reais da categoria dos direitos subjectivos
creditórios, com que mantém relevantes relações.
2. Desde logo, os dr são direitos sobre uma coisa, enquanto que os dc traduzem-se no
direito à prestação a efectuar pelo devedor, a qual pode consistir num dare, facere e
non facere.Em suma, natureza absoluta dos direitos reais projecta-se na
inerência, que por sua vez se desenvolve na sequela (o direito de perseguir a
coisa onde quer que ela se encontre e fazer valer o seu direito, reivindicando-a.→
excepções. 243.º e 291.º.) e na prevalência.(A. Varela, AO )
3. Os dr são absolutos, isto é valem “erga omnes(cfr. aa. 413.º, 421.º, 1305.º)”,
enquanto os dc são relativos (inter partes) apenas vinculam pessoas certas e
determinadas (ou determináveis) (406.º n.º2). que são os sujeitos da relação;
valem pois em princípio apenas a favor do credor contra o devedor. No entanto a
relatividade do direito de crédito não obsta a que: a) a lei considere
excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas situações que, na sua essência,
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são autênticas relações obrigacionais; b) a relação de crédito, na sua
titularidade, constitua um valor absoluto, como tal oponível a terceiros. Tal se
sucede com a relação locatícia, que embora sendo de natureza intrinsecamente
obrigacional ou creditória, não deixa se ser oponível pelo locatário ao terceiro
adquirente do direito (normalmente de propriedade) com base no qual o contrato
foi celebrando. Deste modo se A, dono de certo imóvel, o arrendar a B e, em
seguida, o vender a C, o locatário B, poderá opor o seu direito relativo a C apesar
de com ele não ter contratado.
4. Os direitos reais gozam do direito de preferência (ou prevalência), que consiste
no facto de o direito real sacrificar toda a situação jurídica posteriormente
constituída sobre a mesma coisa, sem concurso de vontade do título daquele, na
medida em que uma e outra sejam incompatíveis entre si.
5. Os direitos reais gozam de sequela, que se traduz na faculdade conferida ao
titular de fazer valer o seu direito sobre a coisa onde quer que ela se encontre,
de resto esta resulta da inerência isto é “ ligação íntima entre o direito e a coisa”.
6. O direito real é um poder directo e imediato sobre a coisa, prescindido da
colaboração de outrem para obter as utilidades que esta visa proporcionar-lhe (não
obstante de por vezes o exercício do direito tornar necessário o recurso aos
tribunais, como sucede em regra nos direitos reais de garantia. A obrigação, pelo
contrario, consiste num direito à prestação, só realizável através do
intermediário, que é o devedor.
7. O direito real encontra-se subordinado ao princípio da tipicidade ou numerus
clausus, isto é a lei só admite os direitos reais criados por via legal com o
conteúdo que esta lhes imprime, não sendo como tal possível atribuir eficácia real
ao contrato-promessa ou ao pacto de preferência que versem sobre coisa móvel não
sujeita a registo. Por outro lado para as obrigações vigora a regra da atipicidade
ou numerus apertus, sendo que deste de que a prestação estipulada corresponda a
um interesse do credor digno de protecção legal (398º nº2), nenhuma restrição se
cria, em principio, à constituição de qualquer obrigação, podendo como tal as
partes fixar livremente o conteúdo positivo ou negativo da prestação
SÍNTESE
DIFERENÇA ENTRE DR E DC (CRIT´TRIOS)
8. Quanto à relação: D O = relaçõ es dos homens entre si. D R = relaçã o dos
homens com as coisas, sempre movido por interesse econó mico.
9. Quanto à   violação: DR: por acçã o ex: invadir propriedade alheia DO: por
omissã o (em geral) ex: deixar de pagar a dívida
10.Quanto à duração: DO: temporá rio; DR: permanentes: Quanto mais é
exercido mais forte o direito real se torna, através da ostensibilidade, ou seja, a

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sociedade sabe. Exercer o direito obrigacional é extingui-lo. Exercer o direito
real é fortalecê-lo.
11.Quanto à tipicidade: DR: típicos 1306ºCC de enumeraçã o taxativa (criados
pela lei tã o somente) DO: atípicos (art. 425 – criaçã o de contrato
12.Quanto à usucapião: DR: usucapíveis; DO: nã o se adquirem pela usucapiã o.
Usucapiã o (1287º) é a aquisiçã o da propriedade pela posse prolongada,
respeitando-se os requisitos legais, em determinado período de tempo,
continuamente.
13.Quanto ao Sujeito passivo: DR: absoluto (toda a sociedade) ERGA OMNES*
pois toda a sociedade precisa respeitar minha propriedade sobre meus bens; DO:
relativo (o devedor); só posso cobrar a dívida do devedor e nã o de todos * a
característica erga omnes acarreta a oposiçã o a toda e qualquer pessoa.
14. Quanto à tipicidade: DR: típicos 1306ºCC de enumeraçã o taxativa (criados
pela lei tã o somente); DO: atípicos 425º – criaçã o de contratos
TÍTULO I
DOS DIREITOS REAIS EM GERAL. 1. NOÇÃO DE DIREITO REAL
1.1. Teoria clássica e Teoria moderna ou personalista
O debate sobre a noção de direito real é uma questão dogmática que ocupa a doutrina
há longo período de tempo.
TEORIA CLÁSSICA
Segundo uma concepção que se pode designar por clássica, o direito real é entendido
como um poder directo e imediato sobre uma coisa (certa e determinada).
Esta teoria ou concepção desprezava o conceito de relação jurídica tal como hoje a
caracterizamos com todos os seus elementos - (sujeito, objecto facto e garantia). Ao
dizer-se poder directo está implícita a ideia de domínio ou de senhorio sobre certa
coisa. Já poder imediato significa a faculdade, atribuída ao titular do direito, de
aproveitar das utilidades da coisa sem ser necessária a colaboração de outros, como se
verifica nos direitos de crédito, em que ao credor assiste o direito de exigir do devedor
a realização da prestação (397.º).
Esta concepção realça a posição da coisa como objecto do direito, deixando
transparecer, a ideia da existência de relação entre o titular do direito e a coisa. Refira-
se porém que, os direitos reais, como no que respeita a todos os direitos subjectivos,
envolvem uma relação entre pessoas e não com coisas ou com uma coisa determinada.
TEORIA PERSONALÍSTA
À concepção clássica contrapõe-se outra, dita moderna ou personalista, que constrói a
noção de direitos reais, partindo da ideia de relação jurídica. Esta teoria também é
designada por obrigacionista e define o direito real como o poder que tem o seu
titular de excluir todas as pessoas de qualquer ingerência na coisa, incompatível com o
seu direito.
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De acordo com esta teoria, existe um vínculo pessoal entre o titular do direito real e
todas as pessoas (sujeito passivo) que têm a obrigação de se abster de violar ou
perturbar o titular do direito (obrigação negativa). Recordemos, que nos direitos de
crédito, o dever de prestar recai sobre um sujeito certo e determinado ou
determináveis.
Os críticos de ambas as doutrinas consideram que nenhuma destas teorias está errada e
que as mesmas não são entre si incompatíveis, porém ambas são insuficientes. Por este
motivo, as várias doutrinas eclécticas procuram construir uma teoria do direito real
que concilie a doutrina clássica com a personalista. Embora existam autores a
entenderem que as duas concepções se completam, e a aceitarem a existência de uma
teoria mista, que concebe o direito real como o poder directo e imediato sobre uma
coisa determinada com eficácia erga omnes, isto é, oponível a toda e qualquer pessoa
que possa interferir com a coisa.
DOUTRINAS ECLÉCTICAS
Escola de Lisboa (Prof. O A e M C): O direito real é um direito absoluto inerente a
uma coisa e funcionalmente dirigida à afectação dessa coisa aos fins do sujeito.
Escola de Coimbra (Prof. M P): No direito real existe um lado interno e um lado
externo. O lado externo é a obrigação intersubjectiva ─ o poder de exigir dos outros a
obrigação passiva universal. No direito real a intersubjectividade é estabelecida entre o
titular do direito e todos os outros, enquanto, nas obrigações, ela se estabelece apenas
entre o credor e o devedor. O lado interno é constituído pelos poderes que o titular
está legitimado a exercer sobre a coisa, objecto do direito.
2. PRINCÍPIOS CARACTERÍSTICOS DOS DIREITOS REAIS
2.1. Princípio da actualidade e Princípio da determinação ou individualização:
O objecto do direito real tem de existir, ser certo e determinado no momento da
constituição ou da aquisição do direito. (≠consequência=1476.º, n.º 1 al. d). Por
contraposição, nos direitos de crédito a prestação pode respeitar a coisas genéricas
(539.º)., ou seja, individualizadas apenas pelo seu tipo ou género e quantidade, só se
tornando necessário a sua determinação no momento do cumprimento. (408.º n.º2).
2.2. Princípio da totalidade: Duvidosa é esta característica, segundo a qual, o direito
real afecta a totalidade da coisa que tem por objecto. Estamos assim, perante uma
característica tendencial e, não essencial, dos direitos reais, a qual explica que, em
regra, eles se estendem às coisas que no seu objecto se incorporem ou, a ela sejam
unidas. Por outro lado, refira-se que, nada impede a constituição de direitos reais sob
partes de uma coisa. V.g.: hipoteca (688.º), propriedade horizontal (1414.º), direito de
superfície (1524.º) e direito de uso e habitação (1489.º).
2.3. Princípio da permanência: Esta característica não pode ser entendida de forma
absoluta. A ideia de perpetuidade dos direitos é incorrecta, uma vez que há direitos

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reais que, por natureza, são temporários como é o caso do usufruto e do uso e
habitação ( 1439.º a 1490.º).
2.4. Princípio da compatibilidade: Significa este princípio que, os dr devem ser
compatíveis entre si e que, portanto, não se excluam uns aos outros. Assim, não é possível
existirem dois direitos de propriedade sobre a mesma coisa ou, dois Δ de uso, uma vez que
são direitos que conferem exactamente as mesmas faculdades a pessoas diferentes (têm o
mesmo conteúdo) sendo por isso incompatíveis. Porém, já é possível, existirem dois
direitos de conteúdo diferente, como é o caso de um direito de propriedade e um Δr de
usufruto, ou um Δr de gozo — a propriedade — e, um Δr de garantia — a hipoteca
2.5. Princípio de elasticidade: o Δr tem a capacidade de comprimir-se ou distender-se
consoante exista sobre ele um outro Δr, cuja existência determina que os poderes
incompatíveis com este segundo direito real fiquem inactivos. Assim, O Δ de propriedade
é o Δr por excelência, o Δr pleno. E os vários Δr foram como que recortados do direito de
propriedade. Ora, quando sobre a mesma coisa que é propriedade de alguém, é constituído
a favor de outrem, um Δr menor, aquele fica esvaziado de parte do seu conteúdo,
limitando o direito de propriedade.
2.6. Princípio da tipicidade ou numerus clausus: Um dos instrumentos de que o
Δr se socorre na regulamentação da vida económico-social é o da fixação de certas
categorias jurídicas, que ele próprio delimita, de modo directo ou indirecto. vg, a
compra e venda, o testamento, o direito de propriedade, etc. Tipicidade significa
que os direitos reais têm por fonte exclusiva a lei, não vigorando o disposto no
405.º. Por numerus clausus entenda-se, que o número de tipos de Δr, são só
aqueles que se encontram definidos na lei. O numerus clausus é, pois, uma
consequência do princípio da tipicidade.
2.7. Princípio do consensualismo ou consentimento: ligado fundamentalmente à
transmissão convencional dos Δr. Estabelecido no Δ francês, esta tese foi acolhida
pelo nosso Código Civil no a. 408.º, disposição que se aplica exclusivamente à
aquisição derivada, seja ela constitutiva ou translativa. Decorre do a. 408.º n.º 1
que, para se constituir ou transferir um Δr, basta o acordo entre as partes ―
consagrando-se o chamado sistema do título (justa causa). Assim, se através do
contrato de compra e venda ou de doação se transmite a propriedade (de forma
imediata e instantânea), aquele contrato é o título de aquisição do Δr, Este p. está
ligado com o p.causalidade, pois basta o título para que o Δr se transmita ou, se
constitua, mas o título tem que ser justo, isto é, a causa de aquisição tem de ser
válida. Por isso, se o contrato é nulo ou anulável, verifica-se a não produção do
efeito real (875.º, 220.º, entre outros).
2.8. Princípio da inerência do direito real
É comum nos Δr, a inerência entre o Δ e o seu objecto. d) do n.º1 do a. 204.º.
A inerência é um nexo de intima ligação entre o Δ e a coisa, podendo mesmo afirmar-
se que o Δ se torna inseparável da coisa que é seu objecto. Na verdade, o seu titular
pode opor o seu Δ a todos, perseguindo a coisa  sequela.
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São corolários da inerência:  a inseparabilidade do Δ em relação à coisa; 
oponibilidade erga omnes;  repercussão, no Δ, das vicissitudes da coisa (sequela
1311.º).
2.9. Princípio da Publicidade Δr é um Δ com eficácia absoluta e, por isso é
necessário que os terceiros saibam da sua existência para no Δ não interferirem,
cumprindo deste modo dever de abstenção. Para segurança do comércio jurídico.
Mas, esta publicidade não constitui requisito de validade do Δr, que foi
validamente constituído, por mero efeito do contrato, apenas válido inter partes.
Porém, este requisito é condição de eficácia relativamente a terceiros. A
publicidade é conseguida através do registo das coisas imóveis (Registo Predial)
e das coisas móveis de considerável valor (como os aviões, helicóptero,
automóveis, quotas de sociedade). A relevância económica, social e jurídica da
publicidade, neste sector, como em outros, levou o Estado a intervir e, a
organizar serviços públicos, especialmente encarregados de a promover e
organizar sistematicamente.
2.10. Publicidade Registal
Nos termos do a. 1.º do C.R.Predial, a função essencial do registo predial é a de:
“dar publicidade à situação jurídica dos prédios”. Através desta função, realiza-se o
fim a que o registo predial está votado: “a segurança do comércio imobiliário”.
2.11. Características Gerais do Sistema de Registo Predial angolano O sistema de
registo predial angolano são de natureza pública e real.
O carácter público revela-se, desde logo, na circunstância de o Registo Predial estar a
cargo de serviços públicos — Conservatória do Registo Predial (26ºCRP). Estas
dependem, por sua vez, de um serviço central comum, a Direcção Geral de Registos e
Notariado, integrado na orgânica do Ministério da Justiça.

E o carácter real e não pessoal, verifica-se na circunstância de assentar num acto de


registo que respeita a prédios em si mesmos e, não às pessoas que sejam titulares de
direitos que os tenham por objecto.
Os registos que assumem grande relevância na nossa ordem jurídica são:
— o registo predial; comercial; de propriedade automóvel, intelectual e industrial
O registo predial assume uma particular relevância, dado que as suas normas aplicam-
se subsidiariamente aos diplomas reguladores de cada um dos restantes registos.
Natureza jurídica do registo
O registo nã o tem eficá cia constitutiva de direitos reais. O registo constitui um
requisito de eficá cia do direito real. Excepcionalmente na hipoteca o registo tem
eficá cia constitutiva de direitos reais.( art. 687°)

2.9.3. Princípios do Registo Predial


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a) Princípio da Instância 4ºCRP
Cabe, o impulso inicial de registo às partes, o que se faz mediante o preenchimento e
apresentação de um impresso de modelo aprovado (requisição), acompanhada dos
suportes documentais necessários a cada acto de registo.
b) Princípio da legalidade5ºCRP
Este princípio decorre, desde logo, do carácter público do registo, numa das suas
manifestações. A actividade fiscalizadora do Conservador implica a apreciação dos
seguintes aspectos: 1— Identidade entre o prédio a que se refere o acto a registar e a
correspondente descrição; 2— Legitimidade dos interessados; 3— Regularidade
formal dos títulos referentes aos actos a registar e a 4— Validade substancial dos
mesmos actos.
c) Princípio da prioridade ou prevalência
De acordo com o a. 9.º do C.R.P., o direito em primeiro lugar inscrito prevalece sobre
os que se seguirem em data.
d) Princípio do trato sucessivo. 13.º do C.R.P., tem como objectivo reconstituir ou
estabelecer uma cadeia ininterrupta dos sucessivos titulares do direito. Estabelecendo-
se esta cadeia, é fácil conhecer toda a história jurídica de um imóvel, consultando os
registos.
e) Princípio da legitimação: De acordo com o a. 9.º do C.R.P., o titular de um
imóvel não pode aliená-lo nem constituir encargos sobre ele, mediante escritura
pública se esse imóvel não estiver devidamente registado.
Este princípio traduz um outro, o princípio de obrigatoriedade indirecta, segundo o
qual ninguém é obrigado a registar um imóvel, mas se quiser aliená-lo ou constituir
encargos sobre ele, terá forçosamente que o registar. Não há, portanto, qualquer
sanção para quem não registar, mas uma forte limitação.
CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS
3.1. Direito Real Pleno e Direitos Reais Limitados
O critério de distinção entre Δr plenos e Δr limitados ou menores, é a extensão dos
poderes que os direitos reais atribuem ao seu titular, ou seja, existem Δr que atribuem
aos seus titulares mais poderes do que outros. Vg : o direito de propriedade atribui
poderes mais amplos, que o Δ de usufruto.
Considera-se que para além da propriedade, também a posse é um Δr pleno,
significando que, por meio desta classificação, a situação possessória é colocada ao
nível do Δ de propriedade. O Δ de propriedade é um Δ pleno porque abrange os mais
amplos poderes de aproveitamento, ou seja, usar, fruir e dispor(1305º). Todos os
outros Δ são limitados, dado os mesmos serem recortados do direito real pleno,
permitindo ao seu titular o aproveitamento parcial e não pleno da coisa.

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3.2. Δr de Gozo, Garantia e de Aquisição: Esta é a classificação tradicional das
categorias dos Δr. O seu critério de distinção assenta no modo como se efectua o
aproveitamento das utilidades da coisa, que é o objecto do Δr.
 Direitos reais de gozo
Nos Δr de gozo, o aproveitamento da coisa é feito de modo directo e imediato no
sentido de que, o titular do Δr de gozo pode fazer suas as utilidades que a coisa lhe
proporciona. Pode colher os frutos naturais, perceber frutos civis, consumir a coisa,
alterá-la, etc. Portanto, o titular do Δr de gozo, satisfaz o seu interesse através do
aproveitamento do valor de uso da coisa, retirando da sua substância todas as
utilidades dessa coisa.
São Δr de gozo: a posse, 1252º); o Δ de propriedade1305º (compropriedade e
propriedade horizontal1403º a 1413º), as servidões1543ºss, o Δ de superfície, o Δ de
uso e habitação1484ºss, o Δ de usufruto1439ºss) e o Δr de habitação periódica.
Δr de garantia
Nos Δr de garantia, as utilidades proporcionadas ao seu titular são aproveitadas de
modo indirecto, isto é, através do valor económico, do valor de troca, e não através do
seu valor de uso. Estes Δr são acessórios de uma relação creditória e por isso
encontram-se regulados no Livro II, tendo a função de assegurar eficazmente ao
credor, o pagamento preferencial do seu crédito pelo valor da coisa sobre que recaem.
Os Δr de garantia caracterizam-se pelo facto de incidirem sobre o valor ou os
rendimentos de bens certos e determinados, do próprio devedor ou de um terceiro.
O C.C. admite os seguintes direitos reais de garantia:
1. Consignação de rendimentos; 2. Penhor; 3. Hipoteca; 4. Privilégios creditórios; 5.
Direito de retenção
1. Consignação de rendimentos: consiste na aplicação dos rendimentos de certos
bens imóveis ou móveis sujeitos a registo à garantia do cumprimento de uma
obrigação (que pode ser condicional ou futura), e do pagamento dos respectivos
juros, se devidos, ou tão só do cumprimento da obrigação ou do pagamento dos
juros. 657.º n.º1, que: “Só tem legitimidade…
Pode ser: voluntária, ou judicial, ( 658.º).
2. Penhor: constitui um direito real de garantia, que consiste em o devedor ou
terceiro se desapossarem voluntariamente de certa coisa mobiliária, para que fique
especialmente afecta à segurança de determinado crédito, e que, por ele responde
preferencialmente, no caso de não cumprimento da obrigação por parte do devedor.
Efeitos (a. 667.º; 669.º).
Quanto ao objecto, a lei permite que sejam dadas em penhor, coisas móveis como
créditos ou outros direitos não hipotecáveis.
Modalidades fundamentais de penhor: o penhor de coisas (a. 669.º e ss.) e o penhor de
Δ(a. 679.º e ss.
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3. Hipoteca
A hipoteca traduz-se no Δ concedido a certos credores de serem pagos, pelo valor de
certos bens imobiliários do devedor e, com preferência a outros credores estando os
seus créditos devidamente registados. Além dos bens imobiliários, podem ser objecto
de hipoteca, os automóveis, navios e, aeronaves (bens móveis registáveis).
A hipoteca incide sobre coisas imóveis ou havidas como tais, indicadas nos ara.688.º a
691.º. Não é requisito da hipoteca, que os bens saiam da posse do autor da garantia,
diferente do que se verifica no penhor. No entanto, compreende-se a diferença, dada a
especial natureza dos bens sobre que recaem as duas garantias: a hipoteca sobre
coisas imóveis ou equiparadas que não podem ser facilmente ocultadas ou sonegadas,
como acontece com a generalidade dos móveis.
A hipoteca carece de ser registada sob pena de não produzir efeitos, mesmo em
relação às partes (cfr. a. 687.º).
Existem três modalidades de hipotecas previstas na lei (cfr. a. 703.º):  legais (cfr.
a. 704.º)  judiciais (cfr. a. 710.º)  voluntárias (cfr. a.712.º)
4. Privilégios creditórios É um Δ conferido a certos credores, de serem pagos,
em atenção à natureza dos seus créditos, de preferência a outros credores. Esta
garantia não necessita de ser registada (c733.º). O privilégio creditório constitui
uma garantia mais forte do que a hipoteca, porque se houver concurso entre
credores, os privilégios imobiliários preferem à preferência, assim como preferem à
consignação de rendimentos e ao direito de retenção, ainda que estas garantias se
mostrem anteriores (a. 751.º). Nos termos do a.734.º esta garantia, abrange os juros
de crédito respeitantes aos últimos dois anos, se forem vencidos.

Os privilégios creditórios podem ser privilégios mobiliários, é o que pode abranger o


valor de bens móveis,  de todos se, o privilégio é geral ou, de determinados se, o
privilégio é especial  do devedor, existentes à data da penhora ou de acto
equivalente (cfr. aa. 736.º e 738.º) e privilégios imobiliários, aqueles que podem
abranger apenas o valor de determinados bens imóveis (cfr. a.743.º e ss.). De acordo
com a actual redacção do a. 735º
5. Δ de retenção é um verdadeiro Δ de garantia e, consiste na faculdade que tem o
detentor de uma coisa, de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto esta, não
cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele (754.º).
Este Δ resulta directamente da lei e não de um negócio jurídico e a sua publicidade
encontra-se assegurada pelo próprio texto legal. Esta garantia não carece de ser
registada.
O Δ de retenção tem como requisitos os seguintes:
- a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem;
- que o detentor se apresente, por sua vez, credor da pessoa com Δ à entrega;
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- que entre os dois créditos exista o nexo apontado  Tratar-se das despesas feitas por
causa dessa coisa ou de danos por ele causados.
Casos especiais de direito de retenção 755.º no seu n.º1b), d) e f)
 Δr de aquisição constituem a categoria de Δr mais recente, em que interesse do
titular é satisfeito através da aquisição de um outro direito real, isto é, a partir do
momento em que se exerce o direito real de aquisição, o seu titular é imediatamente
transposto para outro direito real de gozo. Vg. a. 1287.º 1321.º e 1323.º, etc.

3. VICISSITUDES DOS DIREITOS REAIS


As vicissitudes dos direitos reais têm a ver com a aquisição, com a modificação e com
a perda dos direitos reais.
4.1. Aquisição dos Δr: A aquisição de um Δr, marca o momento em que esse Δ
(subjectivo) passa a fazer parte de uma esfera jurídica.
A aquisição pode ser originária ou derivada e, esta última, ainda pode ser,
constitutiva e translativa.
Na aquisição originária: fenómeno de aquisição e constituição do Δ é simultâneo e por
sua vez não está dependente de nenhum outro Δ.
Na aquisição derivada o Δ adquirido está sempre dependente de outro Δ . E essa
dependência exprime-se de duas formas:
 na a.d translativa: a aquisição depende do Δ anterior que fundamentalmente é o
mesmo;
 na a.d constitutiva: o Δ que se adquire é um Δ novo, muito embora, a sua
constituição, se processe à custa de um Δ pré-existente, que fica assim limitado pela
constituição desse Δ.
Com efeito, os Δr menores surgem por a.d constitutiva e limitam o Δ de propriedade.
Se eles forem transmissíveis, pode também existir aquisição derivada translativa e, por
regra, todos os Δr de gozo são transmissíveis. Já quanto ao Δ de propriedade, só pode
ser adquirido ou, por aquisição originária ou, por aquisição derivada translativa.
Quanto aos modos de aquisição, são eles os seguintes:
a) Contrato: mediante o qual, transmitem-se para outro titular, Δr já existentes, na
titularidade do transmitente e, podem ser constituídos (aquisição originária) novos Δr (
408.º n.º1);
b) Usucapião: a posse, mais o tempo, conduz à usucapião e, é um modo de aquisição
de Δr de gozo;
c) Lei e decisão Judicial: a constituição em si mesma, de Δr, muitas vezes decorre
automaticamente da lei, ou seja, sem necessidade de intervenção das partes e
independentemente da sua vontade. Vg. servidões legais (1550.º), hipoteca legal
( 704.º), os privilégios creditórios 733.º, o Δ de retenção ( 754.º) e as preferências
legais.
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4.2. Modificação dos direitos reais

A modificação dos Δr pode ser objectiva e subjectiva. Sempre que se opera uma a.d
translativa existe uma modificação subjectiva.vg.: A vende a B um automóvel.
Quanto à modificação objectiva, esta verifica-se sempre que, nos encontramos perante
a.d constitutivas. vg : A constitui a favor de B um direito de usufruto.

4.2. Perda dos Δr


Os Δr extinguem-se pelas seguintes causas:
 Expropriação por utilidade pública: 37ºCRA consiste em o Estado declarar a
necessidade de utilizar determinado bem para um fim específico de utilidade pública,
que faz extinguir o Δr constituído sobre tal bem e, determina a sua transferência para o
património da pessoa a cujo cargo está a prossecução desse fim (Δ novo
independentemente do anterior).

 Renúncia: ( 731.º, 664.º, 677.º, 752.º, 761.º, 1267.º, 1476.º, 1490.º) os Δr são
renunciáveis, por manifestação de vontade, nesse sentido, do respectivo titular
(Princípio da renunciabilidade). O titular do Δ de propriedade de um bem móvel
pode simplesmente abandoná-lo, desligando-se da sua posse (causal), passando a
coisa a ser considerada uma res nullius (coisa de ninguém) e, fica susceptível de ser
adquirida por ocupação 1318.º).
O proprietário de um imóvel tb pode renunciar ao seu Δ, embora haja opinião
diversa. Por efeito da renúncia (que deve ser feita por escritura pública e sujeita a
registo) o imóvel integra-se ex vi lege no património do Estado, não sendo
susceptível de ocupação.
 Confusão: esta figura aparece-nos como causa extintiva dos Δr limitados (cfr. aa.
1476.º n.º1, al. b); 1536.º n.º1, al. d), 1569.º n.º1, al. c). Quando o titular de um Δr
menor, passa a titular de um Δr maior, dá-se a confusão. Ex: A. usufrutuário
adquire a propriedade a B (nu proprietário).
 Extinção de um Δr pelo decurso do prazo, quando o mesmo tenha sido constituído
a termo.
TÍTULO II
DOS DIREITOS REAIS EM ESPECIAL
1. DA POSSE (aa. 1251.º a 1301.º do Código Civil)
1.1. Noções Gerais. A ideia de posse sugere imediatamente uma situação de poder
sobre uma coisa e, por outro lado, sugere também a existência de uma relação
material entre uma pessoa e uma coisa. Para compreensão da noção de posse, é

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forçoso uma abordagem da distinção que, a doutrina estabelece entre posse causal,
posse formal e, posse precária ou detenção.
1.2. Posse causal, posse formal e posse precária
A posse é um Dtº real, pois é um dt° subjectivo que apresenta todas as
características de que se revestem os demais direitos reais. É através da posse
que a propriedade adquiriu dinâ mica econó mica. A posse é responsá vel pela
produçã o de bens pela propriedade.
A posse, em si mesmo, constitui fundamento para accionar direitos (art. 2°/2 CPC)
Posse causal: Quando há coincidência entre a exteriorizaçã o e a titularidade
substantiva, isto é, quando o exercício das faculdades correspondentes ao
conteú do decerto Δr é acompanhado da titularidade desse Δ. A posse é o poder
de uso e, neste caso, é causal, porque tem como causa a titularidade de um Δr, cujo
conteúdo integra um poder de uso.
A posse causal não tem autonomia, é inerente à titularidade de um Δ e não é mais do
que a manifestação exterior da titularidade do direito real.
O proprietário e o possuidor embora actuem do mesmo modo perante todas as outras
pessoas, não têm o mesmo Δ, dado que um é proprietário e, tais actos traduzem o
exercício do seu Δ, o outro não é proprietário e, os seus actos traduzem uma mera
actuação de facto.
Na posse formal, o possuidor não é titular de qualquer direito real sobre a coisa, em
cujo conteúdo se integre o poder exercido, isto é, não há qualquer causa que justifique
o uso.
A posse diz-se precária (caso do comodatário), quando o sujeito tem apenas uma
autorização do titular do Δr para possuir a coisa em seu nome, isto é, em nome do
titular do Δ. O possuidor precário é tão somente o possuidor em nome de outrem em
cujo conteúdo se integra o poder de uso. A noção de posse do 1251.º é uma noção de
posse formal: “quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do
direito de propriedade ou de outro direito real”.
1.3. Estrutura da Posse
Existem duas correntes:
1. A corrente objectivista perfilhada por Jhering para a qual basta o corpus, ou seja, a
apreensão material ou o poder de facto para existir uma situação possessória.
2. Para a corrente subjectivista perfilhada por Savigny, além do corpus, será também
necessário o animus, a intenção demonstrada pelo possuidor no seu modo de agir
em relação à coisa, objecto da posse.
3. No entender da maioria da doutrina, a corrente perfilhada pelo nosso Código Civil
é a corrente subjectivista de Savigny, no sentido de que não basta a apreensão da
coisa e a vontade de a manter, mas é também necessário o animus. O Prof.
Menezes Cordeiro partilha de opinião contrária.
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4. No entanto, o a. 1251.º: “releva claramente o animus. E mais, em justificação da
tese subjectivista, o 1252.º pode ser invocado no sentido de que, o detentor tem a
apreensão material da coisa e pode manifestar a vontade de manter essa apreensão,
mas não é considerado possuidor.
5. Para que exista uma situação possessória, não se exige que o possuidor pratique
directamente actos materiais sobre a coisa possuída, dado que a mesma pode ser
exercida por intermediário de outrem,. 1252.º,. Esta é a chamada situação de
detenção identificadas nas al. a), b) e c) do a. 1253.º.
Natureza Jurídica da Posse
6. Existem vários entendimentos, mas de um modo geral, e sem pretensão de
aprofundar esta questão, entender-se-á a posse como um direito real subjectivo. No
nosso Código Civil, a posse opera e releva ora, como mero facto jurídico 
1252.º, nº2, 1254.º, 1257.º, nº1, 1260.º, 1287.º  ora, como situação jurídica
subjectiva, fonte de importantes efeitos jurídicos para o possuidor  1263.º,
1266.º, 1267.º, 1268.º n.º1, 1270.º e 1273.º.
7. Fundamento da Protecção PossessóriaDestaco dois dos principais
fundamentos do instituto possessório:
 a paz pública
 e o valor económico e social autónomo da posse.Vigora entre nós um sistema de
justiça pública ( 1.º do C.P.C.), a defesa da posse só pode operar por meios
processuais regulados na lei. Deste modo, havendo protecção legal da posse,
evitam-se conflitos sociais e esta pode funcionar como instrumento de conservação
e de produção de efeitos funcionais da coisa.
8. Objecto da Posse O objecto material da posse corresponde há existência material
da coisa.
9. O objecto jurídico da posse (1251.º), é a forma de actuação correspondente ao
exercício do direito de propriedade e dos demais direitos reais de gozo, passíveis de
serem adquiridos por usucapião.
10.Portanto, o objecto da posse pode ser não só o direito de propriedade como
também outro direito real de gozo, susceptíveis de serem adquiridos por
usucapião, ficando excluídos os direitos reais de garantia e de aquisição.
11.Modalidades da Posse
 Posse exclusiva: é aquela que é exercida por um único possuidor.
 Posse simultânea: corresponde às situações em que, sendo alguém possuidor, por
uma ou outra razão e, sem a sua vontade, existe alguém que também adquire a
posse.
 Composse: é uma situação de comunhão do direito que é a posse. Cada um dos
compossuidores exerce a posse correspondente à parte que lhe caiba na posse

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comum, à semelhança da figura da compropriedade, cujas regras lhe são
extensíveis com as necessárias adaptações. (cfr. a. 1404.º).
12.Caso as posses, que incidem sobre a mesma coisa, sejam de natureza diferente (Ex:
A actua como se fosse proprietário e, B como usufrutuário) não há composse, mas
sim convergência de posses que não são incompatíveis entre si.
13.. Modos de Aquisição da Posse
14.a) Pela prática reiterada, com publicidade dos actos materiais
correspondentes ao exercício do direito (é o chamado apossamento1263.º, al. a)
Por prática reiterada entende-se a prática continuada. o sujeito tem a intenção de
passar a comportar-se como possuidor nos termos do a. 1251.º.
Com publicidade (...)”, significa que a prática reiterada tem que ser realizada de
modo a poder tornar-se conhecida dos interessados.
O apossamento consiste na apropriação de uma coisa, (adquire-se o corpus.)
Porém, a posse só surge com – animus.
15.b) Pela tradição material ou simbólica da coisa efectuada pelo seu anterior
possuidor (1263.º, al. b)
Neste caso, sucede que o anterior possuidor cede a sua posse a outrem, através da
entrega material ou simbólica da coisa. Este modo de aquisição, é um modo de
aquisição derivada, ou seja, a posse é aqui adquirida através de um acto de
transmissão da posse (causal ou formal), anteriormente constituída.
16.c) Constituto possessório (1263.º al. c) e 1264.º) Na fase de aquisição da posse, a
apreensão material é importante, no que respeita ao constituto possessório. Pelo
constituto possessório, o adquirente torna-se possuidor e o transmitente torna-se
detentor.
17.d) Inversão do título da posse (1263.º al. d) e 1265.º) A inversão do título da
posse traduz-se numa mudança da atitude do detentor. al. d) 1263.º complementada
pelo regime contido no a. 1265.º.Nesta forma de aquisição da posse, dá-se a
transformação de uma situação de mera detenção em posse formal, isto é, o título
por que se exerciam certos poderes sobre a coisa muda.
18.. Sucessão na Posse Na sucessão na posse verifica-se um fenómeno de aquisição
mortis causa. um fenómeno especial1255.º,
19.A sucessão não é considerada de entre os modos de aquisição da posse, porque
quando alguém sucede na posse em virtude da morte do anterior possuidor, não se
trata de uma nova posse, cujos caracteres tenham que ser determinados, como
acontece nos outros casos, de aquisição da posse. Neste caso, a transferência da
posse verifica-se por mero efeito da lei e, com a abertura da herança não se inicia
uma nova posse, dado ela ser a mesma. A posse do sucessor forma um todo com a
do de cujus, havendo apenas uma modificação subjectiva. A posse adquirida por
morte é a mesma que já existia, no sentido de que, o seu título não é a sucessão por
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morte, mas sim o título do próprio de cujus. Assim, se se tratava de posse de má fé,
continua a ser posse de má fé, se se tratava de posse não titulada, continua a ser não
titulada. Existe apenas uma excepção ao que foi referido e que reside no carácter da
posse violenta. A posse violenta pode purificar-se transformando-se em posse
pacífica. Ex: A adquiriu a posse mediante coacção moral (posse violenta). Porém,
se a ameaça cessar, a posse purifica-se. Mas, embora a posse deixe se ser violenta,
não deixa de ser considerada posse de má fé. (cfr. a. 1260.º n.º 3 – presunção
inilidível). No caso da sucessão, se a posse era violenta mas, com a morte do
anterior possuidor, a violência cessou, a posse transforma-se em pacífica,
continuando, no entanto, a ser de má fé.
20. Acessão na Posse No caso do disposto no a. 1256.º, houve uma transmissão
da posse inter vivos (ex. compra e venda). A acessão da posse significa que aquele
que adquirir de forma derivada, pode juntar à sua posse, a posse do antecessor.
21.A---------------------------------B---------------------------------------C
(Possuidor) (Possuidor) (Possuidor
(5 anos) + (5 anos) = (10 anos)
22.Requisitos da acessão:
23.— As posses só podem ser somadas se a aquisição tiver sido derivada.
24.— Os tempos de posses têm que ser referentes a posses contíguas.
25.— As posses a somar têm que ser públicas (cfr. a. 1262.º) e pacíficas (cfr. a.
1261.º).
26. Caracteres da Posse. 1258.º, a posse pode ser titulada ou não titulada, de boa
fé ou de má fé, violenta ou pacífica, pacífica ou oculta.
27. a) Posse Titulada e Não Titulada 1259.º n.º1 O carácter da posse titulada só
é relevante se a modalidade da aquisição da posse for derivada, isto é, para
estarmos perante uma posse titulada, esta tem que ter sido adquirida através de um
negócio jurídico translativo ou constitutivo. A posse é titulada porque foi
adquirida por meio de negócio jurídico idóneo para transmitir o Δ de propriedade
28.b) Posse de Boa Fé ou de Má Fé O critério que preside à distinção entre posse de
boa ou má fé, é o do conhecimento ou desconhecimento que o adquirente tenha
ou não de estar a lesar direitos de outrem (c1260.º). A boa-fé a que alude o a.
1260.º, reporta-se ao momento da aquisição da posse. Mas, a posse de boa-fé pode
convolar-se em posse de má-fé, a partir do momento em que o possuidor tome
consciência de que está a lesar o direito de outrem ( 1270.º n.º 1 e 2). Assim, a
existência ou falta de título leva a presumir que a posse é, respectivamente de boa
ou de má fé (cfr. n.º2 do a. 1260.º).
29.No entanto, e por força do n.º3, ainda que a posse seja titulada, mas se tiver sido
adquirida com violência, presume-se sempre de má fé. Estabelece-se no n.º3 uma
presunção inilidível ao contrário do que se verifica no n.º 2 em que a presunção é
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ilidível Compreende-se a diferença de regimes estabelecida, uma vez que a falta de
título justo não significa que se esteja em presença de um acto ilícito, como sucede
na violência. Assim, não será necessário punir civilmente quem adquiriu a posse
sem título. Em conclusão, o possuidor sem título não está impedido de invocar e
fazer prova da sua boa fé, no momento de aquisição da posse. Se o não fizer, a
posse considera-se de má fé.
30.c) Posse Pacífica ou Posse Violenta (cfr. a. 1260.º) A posse é pacífica se foi
adquirida sem violência. Há violência, de acordo com o n.º2 do a.1261.º, quando a
posse é obtida com coacção física ou moral Não pode deixar de se fazer um reparo,
à técnica infeliz e inadequada utilizada neste artigo, dado que a expressão coacção
física a propósito do negócio jurídico não se aplica neste âmbito. Pretendeu o
legislador referir que a violência tanto pode ser sobre as pessoas como sobre as
coisas. Só assim se compreende que o legislador apenas remeta para a noção de
coacção moral constante do a. 255.º e, não para o a. 246.º. Refira-se que a posse
violenta não serve para adquirir, isto é, não serve para a usucapião, enquanto não se
tornar pacífica (cfr. a. 1297.º A posse violenta é violenta enquanto se mantiver a
coacção, mas passa a pacífica quando ela cessa com relevantes consequências,
nomeadamente quanto à contagem do prazo de usucapião. Porém, a posse
considerar-se-á sempre de má fé por força do a. 1260.º n.º3.
31. d) Posse Pública ou Posse Oculta Tanto a posse oculta como a posse
violenta não tem qualquer relevância, sendo necessário que ela seja pública. O a.
1262.º atende ao modo por que a posse é exercida.
Posse pública (1262°). Posse pú blica é a que se exerce de modo a poder ser
conhecida pelos interessados. Pode, porém, a posse constituir-se ocultamente,
como decorre de regime do esbulho (. 1282.º a 1297.º) com relevantes
consequências no seu regime, nomeadamente, quanto à contagem do tempo de
posse, para efeito de registo de mera posse (1295.º) e de usucapião (1297.º e 1300.º
32. Exercício e Conservação da PosseA posse pode ser exercida directamente (posse
imediata) ou, por intermédio de outrem (posse mediata).Na posse mediata existe
uma dissociação no plano subjectivo entre o animus e o corpus. O animus
encontra-se no possuidor mediato enquanto que o corpus encontra-se no possuidor
imediato. Este possuidor não é mais do que o possuidor precário.Esta é uma
situação simultânea de uma posse imediata e outra mediata sobre a mesma coisa
(1252.º). Esta situação de posse, por intermédio de outrem, pode dar origem a
conflitos, sobretudo quando o possuidor mediato não conseguir provar a sua posse
e justificar a detenção do possuidor imediato.Nestes casos de conflito, quando o
possuidor não consegue provar a sua posse aplica-se o n.º2 do a. 1252.º.
33.A posse conserva-se pelo seu exercício, não sendo necessário que a mesma seja
exercida através de uma actuação contínua.A partir do momento, em que se
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adquire a posse, esta conserva-se, ainda que, o corpus não se manifeste
claramente (cfr. a. 1257.º n.º1), se bem que seja necessário, que persista a
possibilidade de continuar a actuação correspondente ao exercício do direito.
34.Nestes termos, o possuidor só terá que provar ter tido início a sua posse,
presumindo-se que, uma vez adquirida, a posse persistiu até ao momento actual
(cfr. aa. 1257.º n.º2 e 1254.º n.º1).
35.1.13. Perda da Posse A perda da posse verifica-se: 1 por abandono, ex: a. 1318.º;
2 pela perda ou destruição material da coisa ou, porque esta foi colocada fora do
comércio (cfr. a. 202.º);3 pela cedência, (sempre que há transmissão) – cfr. aa.
1267.º, al. c) e 1263.º, al. b).4 pela posse de outrem, se esta durar mais de um ano.
36.Qual a importância da chamada posse de um ano e um dia?
Em primeiro lugar, a consolidação da situação possessória de um determinado
possuidor face a anteriores possuidores. Decorrido um ano sobre a aquisição da
nova posse, extingue-se o direito de intentar a acção possessória.
37.Esta consolidação da nova posse tem como consequência a extinção das posses
anteriores. Em segundo lugar, a posse de ano e um dia releva, quando é necessário
encontrar entre várias situações possessórias, qual é a melhor posse (cfr. a. 1278.º
n.º1 e 2).
38.vg. A _______esbulho ______ B _____ esbulho____________C(Possuidor)
(Possuidor) (Possuidor há menos de ano)
B é para todos os efeitos possuidor e, como tal, pode defender-se do esbulho mas,
como B não tem a posse de um ano e um dia, de acordo com as regras dos n.ºs 2 e
3 do a. 1278.º, C pode ficar em vantagem, se tiver melhor posse.
39. Efeitos da posse. Conteúdo da posseA posse, enquanto Δr, atribui ao
seu titular um conjunto de faculdades que constitui o seu conteúdo. O Código Civil
ocupa-se desta matéria nos aa. 1268.º a 1275.º sob a epígrafe “efeitos da
posse”.Efeitos da posse: a) Presunção da titularidade do direito (a. 1268.º) b)
Direitos aos frutos (cfr. a. 1270.º, nº1 e 213.º, n.º1 e 2) e direito a indemnização por
benfeitorias (cfr. aa. 1273.º a 1275.º e 216.º) c) Usucapião (a. 1287.º).d) Direito às
acções possessórias
40.a) Presunção da titularidade do direito
Estes efeitos referem-se ao lado activo, dado que no lado passivo, existe a obrigação
de responder pela perda da coisa e de suportar os seus encargos.
De acordo com o a. 1268.º, o possuidor goza de presunção de titularidade do direito.
Mas titularidade de que direito?
Quem possui, possui sempre pela referência ao conteúdo de um determinado direito
real. Assim, se o possuidor actuar por forma correspondente ao exercício de certo
direito, considera-se que é ele o titular desse direito, isto é, se o possuidor agir como
proprietário, presume-se ser ele o titular do direito de propriedade.
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Se A, possuidor, age como proprietário e, anos mais tarde, B vem dizer que a coisa lhe
pertence, diremos que A tem a apreensão material da coisa e actua como se fosse o
proprietário e não tem que provar a titularidade do direito (cfr. a. 1268.º, n.º1). B se
quiser, que prove o contrário, ilidindo a presunção do a. 1268.º, n.º1.
Porém, se B tiver a certidão de registo do facto aquisitivo do direito de propriedade
gozará igualmente do direito por força do a. 7.º do Código de Registo Predial.
Existem assim duas presunções ilidíveis, uma fundada na posse e outra, fundada no
registo.
Ora, nos termos do a. 1268, n.º1, o legislador vem dar prioridade à presunção fundada
em registo, o que significa que, a vantagem fica agora a favor de quem tiver o registo,
no caso, B. Logo, será A que terá de ilidir a presunção de registo provando o seu
direito.
O a. 1268.º, n.º2 trata do caso de concorrência de presunções legais baseadas em
registo, e aqui, funcionam as regras da prioridade de registo fixadas no Código de
Registo Predial.

b) Direito de Uso e de Fruição

O possuidor tem direito a usar a coisa, segundo o conteúdo do próprio direito


possuído.
O uso da coisa pelo possuidor, enquanto se cinja ao conteúdo do direito possuído, não
é considerado ilícito e, por isso, não terá a obrigação de indemnizar. A faculdade de o
possuidor usar a coisa possuída, não se encontra explicitada pelo legislador, esta
decorre da noção legal de posse e de tutela concedida ao possuidor.

De acordo com o a. 1269.º, conclui-se que o uso é lícito, a contrario. O próprio


possuidor de má-fé só responde, embora sem culpa, pela perda ou deterioração da
coisa e, consequentemente, não responde pelo uso, se dele não decorrerem aquelas
consequências.
Relativamente ao possuidor de boa-fé, só tem de indemnizar os danos que lhe forem
imputados. É corrente na doutrina, entender-se que o uso de coisa não constitui o
possuidor no dever de indemnizar.

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O direito aos frutos e a indemnização pelas benfeitorias realizadas, só têm relevância
quando o possuidor venha, por alguma razão, a ter que entregar a coisa, objecto da sua
posse.

Direito aos frutos quando a posse é de boa-fé

A lei reconhece ao possuidor a faculdade de fruir a coisa. Nesta matéria, só releva a


modalidade de posse, quanto à boa-fé. Se a posse foi adquirida de boa-fé, mas se o
possuidor vier, mais tarde, a ter conhecimento de estar a lesar direito alheio, a partir
desse momento está de má-fé quanto ao direito de fruição.

O direito de fruição não é reconhecido ao possuidor de má-fé (a. 1271.º). Se a posse


for de boa-fé, domina como princípio geral, o direito de o possuidor adquirir os frutos
da coisa, sejam elas naturais ou civis (a. 1270.º, n.º1).

Quanto aos frutos naturais, há a distinguir os frutos colhidos e os frutos pendentes e,


por outro lado, o ter havido ou não, alienação de frutos, ainda pendentes.
Assim, se os frutos estão já produzidos, mas não colhidos e, caso o possuidor nesta
altura, saiba que lesa o direito de outrem, cessa a sua boa-fé. O direito aos frutos
pertence ao titular do direito, tendo o possuidor direito a ser indemnizado, pelo titular
do direito, a todas as despesas feitas pela sua produção (a. 1270.º, n.º2).

Caso o possuidor de boa-fé, antes da colheita, tiver alienado os frutos como coisa
futura, para além dos interesses deste e do titular do direito, há que analisar os
interesses do terceiro adquirente. Ver o a. 1270.º, nº3  ao adquirente interessa-lhe
que a alienação subsista e, é esta a solução na lei.
Assim, o titular do direito não pode fazer seus os frutos em si mesmos, a titulo
sucedâneo, é-lhe atribuído o direito ao produto de alienação.
Quanto ao possuidor é reconhecido o mesmo direito que lhe cabe quanto aos frutos
pendentes não alienados, isto é, indemnização das despesas de produção com os
limites referidos (a. 1270º, nº2).

Os frutos podem denominar-se pendentes, que são aqueles em que ainda não se fez a
sua separação da coisa (a. 215.º, n.º2 do C. C.); percebidos, aqueles que já se
separaram da coisa (aa. 213.º, n.º1 e 215.º, n.º 1 do C. C.); maduros, aqueles que,
quando separados, reúnem condições para sobreviver por si mesmos (a. 214.º do C.
C.) e percipiendos, aqueles que podiam ter sido colhidos e, por uma qualquer razão,
não o foram (a. 214.º do C. C.).
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Direito à indemnização por benfeitorias (aa. 216º e 1273º do C. C.)

Estando em causa benfeitorias necessárias, tanto o possuidor de boa-fé, como de má-


fé, tem o direito a ser indemnizado do seu valor (1ª parte do n.º1 do a. 1273.º).

Relativamente, às benfeitorias úteis, o possuidor, tanto de boa –fé como de má-fé, têm
direito a levantá-las, isto é, de as separar da coisa. Porém, o direito ao levantamento
cessa, se a separação não puder ser feita materialmente ou, se implicar danos para a
coisa principal.
Se o levantamento implicar detrimento para a coisa, tem o possuidor, em sua
substituição, o direito a ser indemnizado, pelo titular do direito, do valor das
benfeitorias, calculado, neste caso, segundo as regras do enriquecimento sem causa (a.
1273º, nº2 e n.º 1, 2ª parte).

Por fim, e quanto às benfeitorias voluptuárias, só ao possuidor de boa-fé, são


reconhecidos direitos em relação às mesmas e, apenas limitadas ao seu levantamento,
desde que esta possa verificar-se sem o detrimento da coisa principal.
Havendo detrimento, o possuidor não as pode levantar e não tem direito ao seu valor.
Portanto, se o possuidor estiver de má-fé, nenhum direito lhe é reconhecido, nem
mesmo o de as levantar. O exposto está regulado nos n.ºs. 1 e 2 do a. 1275.º.
Se o possuidor for obrigado a indemnizar as deteriorações, porque seja responsável,
pode compensar essa obrigação com a que lhe seja devida para benfeitorias por ele
feitas.
Por outro lado, havendo lugar à indemnização, o possuidor de boa-fé goza, nos termos
gerais do a. 754.º, de direito de retenção. Quanto aos encargos (a. 1272º)  estes são
repartidos, em relação ao período a que respeitam, na mesma medida dos direitos do
possuidor e do titular do direito sobre os frutos.

c) Usucapião

A usucapião é o instituto através do qual se adquirem direitos reais de gozo. É pois,


uma capacidade que o possuidor tem de adquirir um direito real de gozo, desde que
tenha possuído por determinado lapso de tempo.
A usucapião tem como requisitos a posse e o decurso do tempo. Não pode adquirir por
usucapião um sujeito que não seja possuidor, isto é, que não tenha adquirido a posse
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por uma das modalidades do a. 1263.º do C. C., posse essa, que se mantenha por
determinado lapso de tempo.

Como já foi referido, a posse oculta e a posse violenta não servem para a usucapião (a.
1297.º do C. C.). Já a posse de má-fé e a posse não titulada servem a usucapião. No
entanto, a melhor posse para a usucapião é a posse titulada e de boa-fé, uma vez que, o
título e a boa-fé da posse, são factores importantes, na medida em que fazem variar o
lapso de tempo para adquirir por usucapião o direito que possuído. Caso a posse fosse
menos boa, mais tempo seria preciso para se verificar a usucapião.

Quanto ao decurso do tempo, ou seja, há quanto tempo se possuí, é elemento


necessário para se adquirir o direito possuído. Este, também varia, conforme se trate
de coisas móveis ou imóveis.
Para as coisas móveis, o prazo é de 3 ou 6 anos, em função da boa-fé e do título da
posse (cfr. a. 1298.º e 1299.º). Relativamente aos imóveis, o prazo pode ser de 10, 15
ou 20 anos, consoante a posse seja titulada ou não titulada, de boa-fé ou de má-fé e,
ainda, de existir ou não registo de mera posse (aa. 1294.º, 1295.º e 1296.º)

Justo título e registo


Para aplicação da al.a) do a. 1294.º é necessário que se verifiquem os seguintes
requisitos:
- a existência de título de aquisição e
- o registo deste.
Relativamente aos conceitos de título e de boa-fé, veja-se respectivamente os aa.
1259.º; e 1260º.

Registo de mera posse


A mera posse é a posse não apoiada em título  trata-se de um facto sujeito a registo,
nos termos do a. 2º, nº 1, al. e) do C. R. P. Por ex.: A é possuidor há 5 anos, sendo a
posse não titulada, mas pública e pacífica. Nesta situação A pode obter uma sentença
que declare que este possuidor possuí há 5 anos e, que a sua posse é pública e pacífica.
Com esta sentença, o possuidor regista a mera posse, pois é ele que comprova os
factos a registar. A finalidade do registo de mera posse é, no fundo, equiparar a posse
não titulada à posse titulada, para efeitos de usucapião. Podemos afirmar que a
sentença e o registo valem como título de posse. A usucapião é uma modalidade de
aquisição originária de direitos reais de gozo.

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O art. 1295.º tem a redacção dada pelo D.L. nº 273/2001 de 13 de Outubro e entrou em
vigor em 01/01/2002, não se aplicando aos processos pendentes. E é apenas aplicável
a bens imóveis,

Como se exerce a usucapião?


Depois de decorrido o prazo necessário, a usucapião não faz adquirir automaticamente
o direito correspondente. O direito possuído só se adquire potestativamente. Decorrido
o prazo, o possuidor adquire a faculdade de vir a adquirir o direito real, faculdade esta
que consiste num direito real de aquisição.
Este direito de aquisição pode ser exercido por duas vias:

 por acção (judicial) e,


 por excepção (em sede de defesa judicial)

O possuidor exerce o seu direito de aquisição por acção se, sabendo que estão
preenchidos os requisitos de usucapião, intenta uma acção de simples apreensão, a fim
de ser declarado titular do direito.
A declaração de aquisição do direito por usucapião faz extinguir direitos
incompatíveis com o direito assim adquirido. Os efeitos de usucapião retroaem-se à
data do início da posse (a. 1288.º).
O possuidor defende-se por excepção e exerce o direito de aquisição, também por
excepção se, face a uma acção de reivindicação de um proprietário, o possuidor se
defende invocando a usucapião.

d) Direito às acções possessórias


O possuidor formal pode defender o seu direito através das chamadas acções
possessórios, tema que a seguir se aborda.

1.15. Meios de defesa da posse

A posse pode ser exercida judicialmente ou extrajudicialmente.


Relativamente a esta última, a defesa exerce-se através dos meios legais comuns a
todos os direitos (acção directa, legitima defesa, etc.) O a. 1277.º contempla apenas
expressamente como meio de tutela privada da posse, a acção directa.
Esta matéria relativamente à defesa da posse encontra-se regulada nos aa. 1276.º a
1286.º do C. C. (via judicial e extrajudicial).
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A defesa judicial de posse exerce-se através de uma acção de:

 prevenção (a. 1276.º);


 manutenção (a. 1278.º, n.º 1);
 restituição da posse (a. 1278.º, n.º 1) e,
 embargos de terceiro (a. 1285.º)
 restituição provisória da posse (a. 1285.º)

As acções de prevenção, manutenção e restituição da posse são actualmente acções


declarativas de condenação, que seguem o processo comum, contendo algumas
especialidades. Manteve-se no Código Civil, que não foi totalmente alterado, os
artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º e 1282.º, a designação tradicional destas acções.
Foi eliminada da grande reforma processual de 1995, a «posse ou entrega judicial
avulsa», antes regulada nos artigos 1044º a 1055º, agora revogados.

A defesa judicial da posse, pode ser ainda exercida através de meios cautelares. Assim,
quando haja esbulho violento, pode o esbulhado intentar um procedimento cautelar
especificado: a restituição provisória da posse (a. 395.º do C.P.C.). Não havendo
violência, o esbulhado poderá socorrer-se do procedimento cautelar comum (a. 395.º
do C.P.C.). Esta via processual está aberta aos casos de mera perturbação da posse.

a) Acção de prevenção

Esta acção tem pouca relevância prática, porque a posse ainda não foi atingida e,
porque é um meio pouco eficaz. Através desta acção, não fica assegurada a efectiva
abstenção de terceiro uma vez que, de acordo com o a. 1276º, a procedência deste
pedido gera apenas a aplicação de uma multa e indemnização pelos prejuízos
causados, não sendo por conseguinte dissuasor de terceiros que pretenda levar a efeito
o seu contento.
Por ex., A odeia B e ameaça-o verbalmente que em breve invadirá a sua casa e a fará
sua.
Este meio é activado quando o possuidor tenha «justo receio» de ser esbulhado 3. O
pressuposto de facto desta acção é a ameaça.
A finalidade desta acção, é a de que seja intimado o autor de ameaça, de se abster de
fazer agravo ao exercício da posse, sob pena de multa ou indemnização pelo prejuízo
que causar. Apenas o possuidor tem legitimidade para intentar esta acção (a. 1276.º).
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b) Acção de manutenção da posse (a. 1278.º)

Pode recorrer-se a este meio, se houver perturbação da posse, sem que contudo, chegar
a haver esbulho.
A finalidade desta acção é a de manter a posse e a de condenar o réu a não perturbá-la.
É pressuposto desta acção a perturbação, ou seja, qualquer acto material de terceiro
que, sem privar o possuidor da sua posse, afecte o seu normal e pleno

3
De acordo com a doutrina dominante é necessário tratar-se de um receio
consistente e não vago.
exercício, reduzindo o gozo da coisa possuída e, independentemente de lhe causar
dano. Exemplos: A, todos os dias passa com o carro pelo terreno de B, sem o seu
consentimento. A estende a roupa no terraço de B, por ser mais soalheiro.

Por vezes, é difícil distinguir um direito de mera perturbação, dos de verdadeiro


esbulho. Por força do a. 661.º, n.º3 do C.P.C., se o autor recorrer indevidamente à
acção de manutenção, quando ao caso se justificava um pedido de restituição, nem por
isso a acção deixará de seguir, podendo o tribunal decretar a restituição ou vice-versa.
Esta possibilidade fica facilitada pelo facto das duas acções seguirem os mesmos
tramites processuais.

O pedido na acção de manutenção é o da condenação do perturbador, no


reconhecimento da posse do autor e, na cessação dos actos que a perturbem.
Nos termos do a.1281.º, n.º1, têm legitimidade para intentar a acção, o possuidor
perturbado e os seus herdeiros. Quanto à legitimidade passiva, a lei limita-a ao próprio
perturbador, não estendendo aos seus herdeiros, que porém, respondem com a herança,
pela indemnização, a que o possuidor perturbado tenha direito (a. 1281.º, nº1.º).

A acção de indemnização não pode ser intentada a todo o tempo, pois caduca no prazo
de um ano, a contar do acto de perturbação, se esta for pública.
Se tiver sido praticada de forma oculta, o prazo só começa a contar, quando o
perturbado dela tenha conhecimento (a. 1282.º). O tempo enquanto existiu a
perturbação não prejudica a contagem do tempo da posse, pois tudo se passa como se
não tivesse havido perturbação (a. 1283.º).

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Tem ainda o perturbado direito a ser indemnizado de todos os danos que a perturbação
lhe tenha causado (a. 1284.º, n.º1). É importante notar que o possuidor só poderá
manter a sua posse contra quem não tiver melhor posse (a. 1278.º, n.º1 e 3).

c) Acção de restituição (a. 1279º)

A ofensa à posse pode não se limitar a meros actos turbativos e assumir contornos
mais graves. Esta acção está reservada para os casos em que tenha havido esbulho,
independentemente de este ser violento ou não (a. 1279.º).
Se o esbulho foi violento, o possuidor pode, com dependência da acção principal de
restituição, intentar providência cautelar com vista à restituição provisória, sem
audição prévia do esbulhador (a. 1279.º).

Têm legitimidade para intentar a acção, o possuidor e os seus herdeiros. A


legitimidade passiva do réu esbulhador, nesta acção, estará assegurada ainda que nela
figurem os seus herdeiros ou um terceiro (para quem o esbulhador tenha transferido a
posse) que esteja na posse da coisa esbulhada e, tenha conhecimento desse esbulho (ou
seja, um terceiro de má-fé, cfr. a.1281.º, n.º2).

Quanto ao prazo para intentar a referida acção, é de um ano a contar do esbulho


público ou, do conhecimento deste, quando tenha sido oculto (cfr. a. 1282.º e a.
1267.º, al. d)).

d) Embargos de terceiro

Os embargos de terceiro, actualmente, integram-se processualmente na «intervenção


de terceiros», como incidente da instância, constando o seu regime nos aa. 351.º a
359.º do Código de Processo Civil. Constituem um meio especial de restituição da
posse, em reacção contra actos judiciais de apreensão de bens (coisas). Este meio
funciona também, preventivamente, uma vez que, nos termos do a. 359.º do C.P.C. se
admite que, o possuidor possa recorrer a ele relativamente a diligências de apreensão
já ordenadas, mas ainda não realizadas.
O a. 1285º tem a redacção dada pelo D.L. nº 38/2003 de 8 de Março.
e) Acções de restituição provisória da posse

O possuidor pode socorrer-se do instituto da restituição provisória da posse, quando


tenha havido esbulho violento da sua posse (cfr. aa. 1279.º e 393.º do C.P.C.).
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Este meio tem em vista a reconstituição da situação anterior à verificação do esbulho,
enquanto não se decide a título definitivo, a quem a posse deve ser atribuída. É pois
uma medida de natureza cautelar. A decisão proferida é meramente preliminar, cujo
regime é justificado pelo carácter violento do esbulho.

Esta providência fica dependente de ser intentada, posteriormente, a acção principal


(de restituição da posse) pelo esbulhado, nos termos do a. 383.º. Assim, cabe ao
esbulhado alegar factos que qualifiquem os correspondentes requisitos de procedência,
a saber: a posse anterior, o esbulho e a violência (a. 393.º). O ónus da prova desses
factos recaí, nos termos gerais sobre o esbulhado. Feita a prova dos requisitos acima
indicados, o juiz deverá condenar na restituição provisória, sem necessidade de
audiência prévia do esbulhador (a. 1279.º e a. 394.º do C.P.C.), manifestando-se assim,
uma das particularidades mais importantes deste meio processual de defesa, ao ser
afastado um dos princípios fundamentais do processo civil, o do contraditório.

2. DIREITO DE PROPRIEDADE
2. 1. Noção legal

O nosso Código Civil não fornece uma definição de direito de propriedade, porém o a.
1305.º enumera alguns poderes que integram o conteúdo do direito de propriedade.
Refira-se que o direito de propriedade não se esgota nos poderes enumerados no a.
1305.º do C. C., pelo que, se conclui, que tal enumeração é meramente
exemplificativa.
O direito de propriedade, permite todos os poderes susceptíveis de se referirem a uma
coisa, incluindo o poder de destruí-la, desde que, não colidam com os limites impostos
pela lei, limitações essas que podem ser de direito público ou de direito privado.

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Entre as restrições de direito público refira-se desde logo, a possibilidade de
expropriação para utilidade pública (a. 1308º) mas, existem também limitações ao
direito de construir por motivos ambientais, de higiene, estéticos, etc.
As restrições de direito privado são as que resultam das relações de vizinhança. A
generalidade destas restrições, encontram-se previstas e reguladas, no capítulo relativo
à propriedade de imóveis, que estudaremos mais adiante.

2. 2. Conteúdo do direito de propriedade

De acordo com o a. 1305.º, o proprietário tem poderes de usar, fruir e dispor, de modo
pleno e exclusivo. Isto não significa que, o direito de propriedade seja o único direito
real, em cujo conteúdo se incluam tais poderes, de modo geral, todos os direitos reais
de gozo permitem «usar e fruir» dentro dos limites fixados na lei para cada um deles,
ou seja, qualquer direito real de gozo implica os poderes de usar e fruir, porém a
amplitude destes poderes é definido por cada um deles de acordo com o especificado
pela lei.
No que diz respeito à propriedade, os poderes de usar e fruir são plenos, no sentido de
que, permitem ao seu titular, retirar do objecto de que é proprietário, tudo aquilo que
ele é susceptível de dar.
Além dos poderes de usar e fruir, o titular do direito de propriedade tem o poder de
disposição, que compreende quer o poder de praticar actos jurídicos de alienação ou
oneração da coisa, quer o de realizar actos materiais de transformação, incluindo o de
poder destruir o objecto do seu direito.

2. 3. Características do direito de propriedade

As características que foram estudadas a propósito de todos os direitos reais aplicam-


se plenamente ao direito de propriedade. Além destas, o a. 1305.º, refere duas outras
características essenciais do direito de propriedade: plenitude ou absolutidade e
exclusividade.

A plenitude é a possibilidade de aproveitamento, que o direito de propriedade permite,


tendo apenas como limite as previsões normativas de restrição e limitações. Este poder
de aproveitamento, tanto significa aproveitamento material como jurídico.
Quanto às restrições e limitações do direito de propriedade, refira-se que, muitas delas,
constam de legislação avulsa e, não apenas do Código Civil.

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Além das restrições e limitações impostas pela lei, que são as mais comuns, o direito
de propriedade também sofre restrições e limitações resultantes de cláusulas gerais,
como é o caso, p. ex. do abuso de direito.

A exclusividade  como já foi referido , os direitos reais pressupõem a existência


do direito de propriedade, ocupando este uma posição sempre oposta à do titular de
outro direito, que sofre a concorrência do direito de propriedade. Ora o direito de
propriedade, por existir, não tem de concorrer com nenhum outro e neste sentido o
direito de propriedade é exclusivo.
2. 4. Objecto do direito de propriedade

O objecto do direito de propriedade encontra-se regulado nos aa. 1302º e 1303º do


C.C., ou seja, serão as coisas corpóreas e incorpóreas. Quanto à noção de coisa, cfr. a.
202.º e ss. do C.C.

2. 5. Modalidades de propriedade

O Código Civil contempla o regime da propriedade (a. 1302.º e ss.); da propriedade de


imóveis rústicos e urbanos (a. 1344.º e ss.); da propriedade das águas (a. 1385.º e ss.);
da compropriedade (1403.º e ss.) e da propriedade horizontal (a. 1414.º e ss.). Outras
modalidades de propriedade, como a propriedade agrária, a propriedade de navios e,
outras, encontram-se reguladas noutros ramos do direito.

2. 6. Modos de aquisição do direito de propriedade

O a. 1316.º enuncia os modos de aquisição do direito de propriedade e, onde se


distinguem, os modos de aquisição genéricos, ou seja, os modos de aquisição comuns
a todos os direitos reais, como p. ex., o contrato translativo, a sucessão por morte e a
usucapião, dos modos de aquisição específicos, ou seja, os modos de aquisição
próprios do direito de propriedade, como seja a ocupação e a acessão. Veja-se, ainda,
os aa. 1345.º e 1370.º do C. C., onde se encontram outros modos de aquisição da
propriedade.

a) Ocupação

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A ocupação dá-se pela apreensão material de coisas móveis sem dono, isto é, consiste
na apropriação ou, tomada de posse, de uma coisa móvel, sobre a qual não recaiam
quaisquer direitos. O a. 1318.º do C.C. não nos dá uma noção de ocupação, limitando-
se a enumerar as coisas susceptíveis de ocupação.

Desta forma podemos enumerar: a res nullius, coisas que nunca tiveram dono, dando
direito à aquisição imediata do direito de propriedade; as coisas abandonadas, que
consiste na extinção do direito de propriedade, por uma declaração de vontade, do seu
anterior proprietário (res perelictae); as coisas perdidas (sem intenção de
desprendimento) ou escondidas pelo anterior proprietário (tesouros enterrados), que
não são propriamente uma res nullius, na medida em que, o direito de propriedade
sobre elas, não se extingue; os animais (cfr. aa.1319.º e 1322.º).

A formulação do a. 1318.º merece uma crítica, uma vez que estende a ocupação às
coisas perdidas ou escondidas pelos seus donos. Nos casos referidos nos aa. 1314.º a
1322.º, estamos perante uma situação de verdadeira ocupação, o mesmo não sucede
quanto ao achamento de coisas perdidas (a. 1323.º) ou de tesouros (a. 1324.º).
A aquisição da propriedade sobre coisas e animais que nunca tiveram dono ou que
foram abandonadas, opera-se no próprio momento da ocupação, sem haver
necessidade de se invocar o reconhecimento desse direito.

Porém, quanto às coisas móveis perdidas, escondidas ou enterradas, o momento do


achamento destas coisas não origina imediatamente a aquisição do direito de
propriedade.
Fora do instituto da ocupação, estão as coisas imóveis como resulta do a. 1318.º, em
conjugação com o a. 1345.º.

A ocupação para existir é necessário reunir três elementos: o elemento pessoal


(ocupante), o elemento real (a coisa) e, por fim, o elemento formal (tomada de posse
ou apropriação).
O elemento pessoal: o ocupante só tem que ter capacidade de gozo para ocupar
validamente, não se exige a capacidade de exercício, pelo que, as crianças e os
dementes podem ocupar. A ocupação consiste num simples acto formal, bastando a
vontade de ocupar. A ocupação pode realizar-se através de representante legal ou, por
órgão de pessoa colectiva, aplicando-se, por analogia, o a. 1252.º, n.º 2.
O elemento real: é constituído por coisas móveis nullius. As coisas imóveis nunca
podem ser nullius, por força do a. 1345.º, que afirma que estas são património do
Estado.

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Assim, só podem ser ocupadas coisas abandonadas, perdidas ou escondidas, que nunca
tiveram dono. Essas coisas têm forçosamente que ser coisas no comércio, já que as
coisas fora do comércio, não são reguladas no Direito Privado (cfr. a.202.º).
O elemento formal: é a própria tomada de posse com a intenção de «querer para si a
coisa». O momento da aquisição é o momento a que se refere o a. 1317.º, al. d), isto é,
o momento que, no caso da ocupação, é o momento de tomada de posse (cfr. aa.
1319.º a 1324.º).

b) Acessão

A acessão dá-se quando a coisa que é propriedade de alguém, se una e incorpora outra
coisa, que não lhe pertencia (cfr. a. 1325.º).

Existem duas espécies de acessão, a acessão natural que, consiste em atribuir ao dono
de uma coisa (p. ex. um prédio), tudo quanto, por acção de forças naturais, a ela
acrescer (a. 1326.º). A união ou incorporação de uma coisa noutra coisa, pertencente a
outrem, é feita unicamente pelas forças da natureza.

Ainda, como acessão natural, distingui-se a acessão por aluvião (a. 1328.º) e por
avulsão (a. 1329.º). A diferença entre estas duas formas de acessão reside no facto de
na acessão por aluvião, a união ou incorporação, é feita de modo lento e imperceptível,
enquanto que na acessão por avulsão é feita de modo violento e brusco.
A aluvião é uma aquisição que se opera imediatamente e automaticamente,
independentemente da vontade do adquirente. A avulsão é uma aquisição diferida,
embora automática.
O proprietário da coisa que, por alvulsão, for levada para prédio alheio, tem um prazo
(legal) para as recolher, caso o não faça, perderá a favor do dono do prédio, onde a
coisa se depositou.

Os aa. 1330.º e 1331.º do C.C. referem-se, também, a outras duas espécies de acessão
natural, que é a mudança de leito e a formação de ilhas ou mouchões (terreno
arborizado nas Lezírias ou, ilhota que se forma no meio de um rio ou à beira do mar).
Entende a maioria da doutrina, estas não serem, verdadeiras formas de acessão natural,
uma vez que não se verifica qualquer união ou incorporação, característica essencial
da acessão.

A acessão natural é sempre imobiliária, uma vez que se verifica a incorporação ou


união de coisas móveis a coisas imóveis.
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Já a acessão industrial poderá ser mobiliária ou imobiliária, consoante a natureza das
coisas que se unem ou incorporam. A acessão industrial pode, por vezes, confundir-se
com a figura jurídica de benfeitorias. Porém, estas situações são distintas, dado que se
alguém constrói, com materiais seus uma obra, num terreno pertencente a outrem, e
que o construtor não detém com base num direito real ou pessoal (por usufruto,
arrendamento, etc.), estamos perante uma situação de acessão. Caso houvesse poderes
e autorização do dono do terreno para o construtor fazer a obra, então estaríamos
perante um caso de benfeitorias.

A acessão industrial pode ser mobiliária (união ou incorporação de coisa móvel a coisa
móvel) e imobiliária (união ou incorporação de coisa imóvel a coisa imóvel)

Na acessão industrial mobiliária distinguimos dois institutos: a união ou a confusão; e


a especificação. Apesar da lei (a. 1333.º e o a. 1334.º) tratar a confusão ou a união
como sinónimos, estes distinguem-se.
Na união, as coisas podem ser separadas não perdem a sua identidade; na confusão, a
união das coisas é de tal forma íntima, que a sua separação é impossível ou, se
possível, causadora de prejuízos às partes, titulares das coisas confundidas. Apesar
desta diferença, a lei trata ambas as realidades de igual forma, e, a determinação de
quem fica com a coisa, o valor atribuído à coisa e quem tem de indemnizar quem,
quando não é possível a separação, é obtida pela boa-fé ou má-fé do autor da acessão
e, não por as coisas, objecto da acessão estarem unidas ou ligadas.

Análise do artigo 1333.º, n.º 1 a 3:


Estando o titular (ou dono) da coisa incorporante de boa-fé, o critério da acessão
industrial é o do maior valor das coisas unidas ou confundidas. Quem for dono da mais
valiosa, faz seu o objecto adjunto, e indemniza o dono da coisa com valor inferior ou,
entrega-lhe coisa equivalente.
Haverá licitação, se as partes não acordarem quem fica com as coisas unidas ou
incorporadas pela acessão, adjudicando-se àquele que maior valor der por elas. A
licitação é só aberta entre os donos das coisas. Caso não queiram licitar, procede-se à
venda da coisa, sendo o produto da venda, dividido pelos donos das coisas unidas na
proporção do valor destas.

Artigo 1334.º:
Se o adjuntor ou incorporante estiver de má-fé e, a coisa alheia puder ser separada,
esta será restituída ao seu dono e, este indemnizado com os danos que sofreu com a
acessão. Se a coisa não puder ser separada, o autor da união ou confusão, deve restituir
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o valor da coisa e, indemnizar o seu dono. Mas, a lei dá também oportunidade ao dono
da coisa incorporada, de este, ficar com as duas e pagar ao dono adjuntor ou, da coisa
incorporante, o valor que for calculado pelas regras do enriquecimento sem causa.
A boa-fé ou a má-fé, do autor da união ou confusão, deve ser avaliada segundo os
critérios do a. 1260.º, n.º 1.

Artigo 1335.º:
Verifica-se uma situação de confusão ou adjunção casual e de as coisas não se
poderem separar.
Neste caso, a coisa fica pertencendo ao dono da mais valiosa, que pagará o justo valor
da outra. Se este não quiser, assiste o mesmo direito ao dono da menos valiosa. Caso
as partes não se usarem deste direito, aplica-se o disposto no n.º 2 deste artigo. Se as
coisas unidas tiverem igual valor, aplica-se o disposto no a. 1333.º, n.º 2 e 3.

Ainda dentro da acessão mobiliária, se estuda a especificação, que é uma forma de


acessão, em que não há união ou confusão das coisas, como vimos atrás, mas existe
sempre que alguém, pelo seu trabalho dá forma diferente à coisa móvel pertencente a
outrem (cfr. a.. 1336.º, n.º 1).
Casos de especificação: a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a impressão, etc
(cfr. a. 1338.º).
Na especificação, há uma coisa móvel, pertencente a certa pessoa, em que se incorpora
o trabalho de outra que, transforma essa coisa, criando uma nova, apta a desempenhar
uma função sócio-económica diferente da desempenhada pela coisa original.
Claro que se, a coisa nova for produto do trabalho do próprio dono da coisa original,
não estamos perante uma acessão mobiliária especifica. O mesmo se passa, quando
alguém transforma uma coisa pertencente a outrem, mas com o acordo deste.
O instituto da especificação também se rege pelas regras da boa-fé e da má-fé, quanto
a saber, quem fica com a coisa transformada e, quais os valores a atribuir à parte que
não fica com a coisa. Para estas questões remetemos o leitor para o disposto nos aa.
1336.º e 1337º.

Acessão imobiliária, é a acessão que diz respeito aos imóveis. Exemplo: A é


proprietário de um terreno e B, edifica aí uma cabana. De quem é a cabana?
Pelas regras gerais, do direito de propriedade, pertence ao dono do solo tudo o que está
sobre ele. E o dono da cabana não tinha direito nenhum? A resposta legal viria com o
direito da superfície, que estudaremos mais à frente, mas que vem permitir uma
separação de domínios entre uma superfície e o que nela se encontre ou implante.

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O nosso código regula diferentes espécies de acessão imobiliária:
- obras, sementeiras ou plantações feitas pelo dono do terreno, sendo as sementes e as
plantas de outrem (cfr. a. 1339.º);
- obras feitas com materiais próprios, em terreno alheio (a.1340.º);
- obras feitas em terreno alheio com materiais alheios (a. 1342.º) e,
- parcela de terreno alheio ocupada de boa-fé, por prolongamento de edifício
construído em terreno alheio (a. 1343.º)

Neste último caso, a acessão imobiliária só funcionará com as regras dispostas no a.


1343.º se, a maior parte da construção, estiver em terreno próprio e, só um
prolongamento (parte menor da construção) se fizer em terreno alheio.
Se, a maior parte da construção, estiver em terreno alheio, aplicam-se as disposições
gerais da acessão imobiliária (cfr. a. 1340.º), sendo necessário determinar o valor do
solo e do edifício, na parte em que ocupa o terreno alheio para determinar a quem
ficará a pertencer.

• Modo de actuar da acessão

De acordo com o a. 1317.º, al. d) a aquisição da propriedade por acessão tem lugar no
momento da verificação do respectivo facto, é o mesmo que dizer, que a acessão opera
automaticamente, no sentido de, a aquisição do direito de propriedade, ter lugar ipso
facto e, imediatamente, verificado o correspondente facto.

2. 7. Extinção do direito de propriedade

Parece resultar do regime do direito de propriedade a não regulamentação da extinção


deste direito. Para alguns autores, fica-se a dever ao facto do direito de propriedade
não se poder extinguir. Porém, não nos podemos esquecer que o direito de propriedade
não é perpétuo, mas tendencialmente perpétuo e, como tal, extingue-se por todas as
formas de extinção dos direitos reais, em geral e em especial pela perda e pela
destruição da coisa.

Conforme foi dito, o direito de propriedade não se extingue pelo não uso (cfr. a. 298.º)
O não uso é uma causa de extinção de direitos reais como consequência do seu não
exercício prolongado e, só opera nos casos especialmente regulados na lei.
Assim, ao contrário do que acontece com o direito de superfície (a. 1536.º, n.º 1, al. b)
e e); nas servidões (a. 1569.º, n.º 1, al. b) e, no usufruto (a. 1476.º, n.º 1) não existe
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nenhuma disposição que, em geral, submeta o direito de propriedade à extinção pelo
não uso.
Resulta assim, que o direito de propriedade é insensível às omissões de exercício da
parte do seu titular, por mais prolongadas que sejam.
Porém, a referência que o a. 298.º faz à propriedade não é totalmente irrelevante, uma
vez que, tal preceito existe no domínio do direito de propriedade das águas (cfr. a.
1397.º).
Relativamente à ideia da extinção do direito de propriedade, por vontade do seu titular,
a mesma, não é isenta de dúvidas.

Existem, autores que entendem que, face à renúncia não se extingue o direito de
propriedade sobre imóveis, uma vez que, tal direito, passa a pertencer à esfera jurídica
do Estado (cfr. a. 1345.º).
Esta aquisição do estado, não é uma aquisição originária, nem uma aquisição que
dependa da vontade das partes, é uma aquisição por força da lei e, como tal, opera
automaticamente.

2. 8. Meios de defesa do direito de propriedade

O regime estabelecido nos aa. 1311.º a 1314.º para além de admitir o recurso à acção
directa, limita-se a referir alguns aspectos da chamada acção de reivindicação.

a) acção de reivindicação

Na acção de reivindicação, o titular do direito real pode exigir do possuidor ou,


detentor da coisa sobre a qual, o seu direito incide, o reconhecimento desse direito e a
restituição da coisa (cfr. a. 1311.º).

No contexto processual de defesa da propriedade, a acção de reivindicação é a mais


importante.
A expressão reivindicação nasce de dois vocábulos latinos: vindicatio e rei (genitivo
de res), que no seu conjunto significam «trazer de volta a coisa». O pressuposto de
facto da acção de reivindicação é o esbulho, isto é, o proprietário só pode intentar esta
acção de reivindicação, quando seja esbulhado (acto pelo qual alguém priva outrém,
total ou parcialmente, da posse de uma coisa, in Ana Prata, Dicionário Jurídico,
Coimbra, 31990.), não sendo bastante a perturbação ou ameaça de esbulho.

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Quanto à legitimidade activa, é ao proprietário esbulhado que cabe intentar a acção
contra qualquer possuidor ou detentor da coisa (legitimidade passiva),
independentemente da sua boa-fé ou má-fé.
Esta acção é uma acção de duplo pedido — o proprietário esbulhado, pede ao juiz que,
reconheça o direito de propriedade a seu favor, mediante prova desse mesmo direito
(1.ª parte do a. 1311.º).
Uma vez reconhecido o direito de propriedade a favor do requerente, pede-se a
condenação do réu, na entrega da coisa, na sua restituição (2.ª parte do a. 1311.º).
Quando o primeiro pedido (reconhecimento do direito de propriedade) requerido
judicialmente é procedente, não significa forçosamente, que o segundo (restituição da
coisa esbulhada), o seja. A recusa da restituição da coisa, demonstrada a titularidade
do direito de propriedade, só pode justificar-se se, o possuidor ou detentor, for titular
de algum direito real ou pessoal sobra a coisa, oponível ao reivindicante (cfr. a. 1311,
n.º 2 do C.C. Casos especiais: aa 754.º; 1323.º, n.º 4 do C.C. e 929.º do C.P.C.).

É também de referir a dificuldade de prova do direito de propriedade, quando o seu


proprietário não tem uma escritura pública, nem registo, já os romanos chamavam à
dificuldade de prova do direito de propriedade diabolica probatio.
Probatoriamente facilitada é a acção de restituição. É certo que, a acção de restituição
serve, exclusivamente, para defesa da posse. Aqui, o proprietário esbulhado, alega
posse casual da coisa e, não o direito sobre a mesma, sendo mais fácil ao titular do
direito real, a prova da posse do que a prova da titularidade do direito real.

A acção de reivindicação é imprescritível, ou seja, a acção pode ser intentada a todo o


tempo, independentemente do decurso do tempo (a. 1313.º). A imprescritibilidade da
acção de reivindicação é uma consequência lógica da imprescritibilidade do direito de
propriedade, v. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. III,
Coimbra, 21987.
Este regime vale para o direito de propriedade e, tem que ser aplicado em termos
hábeis para os restantes direitos reais, que em alguns casos são temporários.

Distinção entre acção de reivindicação e acção de restituição

A acção de restituição da posse é uma acção possessória, nos termos da qual, o


possuidor esbulhado pode, fazer-se restituir à sua posse. A acção é intentada contra o
esbulhador, seus herdeiros ou, contra quem tiver a posse da coisa e tenha
conhecimento do esbulho. Esta acção tem que ser intentada no prazo de 1 ano, a contar
da data em que se verificou o esbulho ou, do conhecimento dele (cfr. a. 1282.º). Se o

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possuidor tiver a posse da coisa há menos de um ano, só poderá intentar esta acção,
contra quem não tiver melhor posse (a. 1278.º, n.º 2 e 3).
A acção de reivindicação, de que dispõe o proprietário ou, o titular de outro direito
real, serve para exigir do possuidor ou detentor da coisa, o reconhecimento do seu
direito e a respectiva restituição da coisa de que foi privado. Esta acção é
imprescritível e, pode ser intentada, contra qualquer possuidor ou detentor.

2.9. Direito de Propriedade em especial: COMPROPRIEDADE


2.9.1. Noção legal

De acordo com o disposto no a. 1403.º existe uma situação de compropriedade ou de


propriedade em comum quando, duas ou mais pessoas detêm simultaneamente o
direito de propriedade sobre a mesma coisa.

A situação jurídica de cada um dos comproprietários é, qualitativamente igual, sendo


indiferente que, o sejam ou não, sob o ponto de vista quantitativo.

A situação de comunhão pode existir relativamente aos vários direitos reais, mas
quando surge, a propósito do direito de propriedade, denomina-se compropriedade.

Na compropriedade, existe apenas, um só direito de propriedade, que tem vários


titulares, a que corresponde as faculdades de aproveitamento e encargos
qualitativamente iguais, em proporção da respectiva quota, podendo assim serem
quantitativamente diferentes (cfr. aa. 1403.º e 1405.º).
Apesar de, os direitos dos vários consortes, serem qualitativamente iguais, podem ser
quantitativamente diferentes, como estabelece o a. 1403.º, n.º 2. Ora, embora o aspecto
quantitativo, não interfira com a natureza dos poderes que, cabem a cada um dos
comproprietários, a realidade é que, já interfere em aspectos relevantes do seu
exercício.

De acordo com o a. 1405.º, n.º 1, o conjunto de poderes de cada comproprietário,


corresponde aos poderes do proprietário singular, isto sob o ponto de vista qualitativo.
Mas, como na actuação desses poderes, interfere o aspecto quantitativo, os
comproprietários só participam nas vantagens da coisa e só suportam os
correspondentes encargos na “proporção das suas quotas”.

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Admite-se, no entanto, a hipótese de um ou mais comproprietários, se eximirem das
despesas decorrentes da conservação da coisa comum, desde que renunciem ao seu
direito. (cfr. a. 1411.º, n.º 1, 2.ª parte e n.º 3).

2.9.2. Natureza jurídica da compropriedade

A tese maioritariamente acolhida pela doutrina portuguesa, entende a compropriedade,


como um conjunto de direitos de propriedade, qualitativamente iguais, sobre a mesma
coisa.
De acordo com esta concepção, cada um dos direitos em concurso, incide sobre a coisa
comum e não sobre uma parte especificada da mesma.

2.9.3. Modos de constituição da compropriedade

O modo mais frequente de constituição de compropriedade é o negócio jurídico, a que


o a. 1403.º, n.º 2 se refere, sob a designação de “título constitutivo”.
Assim, se A. e B. compram, em conjunto um terreno a C., ou se D., E. e F. herdam em
conjunto a totalidade do bem que H. deixou em testamento, todos os adquirentes se
tornam comproprietários do bem que recebem.

Também a lei pode, em certos casos, operar como fonte directa de constituição da
compropriedade. Assim, p. ex., em caso de achamento de tesouro, a coisa móvel
achada, fica a pertencer ao achador e, ao proprietário da coisa móvel ou imóvel, onde
ela estava escondida ou enterrada, na proporção de metade para cada um (a. 1324.º, n.º
1). Registe-se ainda, os casos em que, a compropriedade assenta em presunções,
legalmente estabelecidas, como ocorre com paredes ou muros divisórios entre
edifícios ou, com muros entre prédios rústicos ou, entre pátios e quintas de prédios
urbanos, tudo nos termos do a. 1371.º.

2.9.4. Regime jurídico da compropriedade

O mais importante do regime jurídico da compropriedade é o modo de exercício deste


direito.
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Assim, identificam-se três modalidades de poderes exercidos no direito de
compropriedade:

Þ poderes de exercício isolado;


Þ poderes de exercício maioritário e,
Þ poderes de exercício unânime.

Poderes de exercício isolado

A lei atribui aos comproprietários legitimidade para exercerem, cada um por si, certas
faculdades que, integram o conteúdo do direito de propriedade. As mais relevantes
respeitam, ao uso da coisa (a. 1406.º), à disposição e oneração da quota (a. 1408.º) e à
reivindicação da coisa comum (a. 1405.º, n.º 2).

Relativamente ao uso da coisa comum, cada um dos comproprietários pode usar a


coisa, na sua totalidade, isto é, os diversos consortes podem, individualmente, usar
toda a coisa sem a presença dos restantes.
Porém, o uso da coisa comum tem que forçosamente respeitar os fins a que a coisa se
destina, sob pena de se considerar ilegal. O comproprietário que utiliza a coisa
comum, não pode impedir o exercício de igual direito pelos restantes
comproprietários, sendo que, neste caso, o uso exclusivo pelo comproprietário de coisa
comum, na sua totalidade, confere a este, a qualidade de mero detentor, relativamente
às quotas dos demais comproprietários.
Ressalva-se, no entanto, o caso de ter havido inversão do título, situação em que, a
nova posse decorre de outro facto, apto a produzir a inversão e, não do simples uso de
coisa comum (cfr. aa. 1406.º, n.º 2, 1263.º, al. d) e 1265.º).

A lei atribui ainda, a cada um dos comproprietários, legitimidade para alienar a


totalidade ou parte da sua quota na comunhão (a. 1408.º, n.º 1, 1.ª parte ).
Na verdade, de acordo com o a. 1408.º, n.º 1 e, o a. 1409.º confirma-o, cada
comproprietário não depende, na prática de tais actos, do consentimento dos demais.
Contudo, se a alienação for feita a terceiro, mediante acto oneroso (compra e venda e
dação em cumprimento), o n.º 1 do a. 1409.º atribui direito de preferência aos restantes
comproprietários. Estamos perante um verdadeiro direito de preferência legal, dotado
de eficácia legal, regido pelos aa. 416.º a 418.º. do C.C.

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O direito legal de preferência ocupa o primeiro lugar, no conjunto das preferências
legais. Assim, se o comproprietário pretende, alienar a título oneroso, a sua quota a
terceiro, deve dar a conhecer aos seus consortes, o projecto de alienação e as
condições do negócio em causa.
Sublinhe-se mais uma vez, que o direito de preferência limita-se à compra e venda e à
dação em cumprimento da quota.

Caso sejam, dois ou mais comproprietários preferentes, estabelece o a. 1409, n.º 3 que,
será adjudicada a quota alienada a todos eles, na proporção das suas quotas.

Se o direito legal de preferência for violado, tem o preferente, o direito de fazer sua, a
quota alienada, em acção judicial, proposta contra quem seja parte no acto de
alienação, no prazo de 6 meses, contados da data em que tomou conhecimento dos
elementos essenciais de alienação. Ainda, o preferente terá que depositar o preço nos
15 dias subsequentes à propositura da acção, de acordo com a redacção dada pelo D/L
n.º 68/96, de 31 de Maio, do a. 1410.º, n.º 1.

Os principais fins que justificam a concessão da preferência são:


- fomentar a propriedade exclusiva e mais pacífica dos bens;
- no caso de não ser possível alcançar a propriedade exclusiva, pelo menos, diminuir o
número de consortes e,
- por fim, impedir o ingresso, na contitularidade do direito, de pessoas estranhas à
mesma.

No caso de existir direito de preferência, o obrigado deve notificar o preferente, para


este, querendo, exercer o ser direito (a. 416.º).
Após receber a notificação, o preferente, pode assumir uma de três atitudes:
- declarar que não pretende exercer o seu direito;
- nada declarar no prazo que tem para o efeito, deixando caducar o seu direito ou,
- declarar que pretende preferir.

Note-se que a notificação ao preferente deve conter todos os elementos essenciais ao


contrato a realizar (preço, condições de pagamento, etc.).
Nenhum comproprietário pode renunciar antecipadamente ao seu direito de
preferência, uma vez que tal equivaleria a modificar o regime legal da
compropriedade.

Poderes de exercício maioritário


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Verifica-se quanto à gestão ou administração da coisa comum (cfr. a. 1407.º).
Entende-se por administração, os actos de fruição de coisa comum, da sua conservação
ou beneficiação e ainda, actos de alienação de frutos. Os actos acima mencionados,
dependem primeiramente de, convenção dos comproprietários nesta matéria, podendo
estabelecer-se regras específicas, para a administração da coisa comum. Não havendo
acordo entre os comproprietários, a regra é a de que à administração cabe, por igual, a
todos os consortes.
Conjugando o n.º 1 do a. 1407.º com a norma subsidiária, por ele invocada (a.985.º),
resulta deverem as deliberações ser tomadas por maioria.
Assim a maioria só se forma se, mais de metade dos consortes, votarem no mesmo
sentido e, estes representarem metade do valor total das quotas (a. 985.º, n.º 3 e 4).
Não se formando maioria, cabe ao tribunal resolver, a requerimento de qualquer dos
comproprietários se, o acto de administração, deve ou não ser praticado. Neste caso, o
tribunal pode recorrer a juízos de equidade (cfr. a. 1407.º, n.º 2).

Se algum dos comproprietários, praticar actos de administração, contrários à vontade


representada pela maioria legal, são os mesmos anuláveis, nos termos gerais do
direito. Para além desta invalidade, o n.º 3 do a. 1407.º estabelece responsabilidade
pelos danos, decorrentes da sua prática.

Relativamente ao arrendamento e enquanto acto de administração da coisa comum, o


mesmo só é válido com o consentimento de todos os consortes (a. 1024.º). São assim
afastadas, as regras gerais de deliberação (a. 1407.º), de maioria do capital, isto é, o
voto de cada um dos consortes, é medido em função do valor da sua quota e não em
função da maioria numérica.

Poderes de exercício unânime

Como já se referiu, por acordo entre todos os condóminos, podem os consortes exercer
todas as faculdades que integram os seus direitos de propriedade.
São poderes de necessário exercício unânime, os de disposição e de oneração de coisa
comum ou de parte específica dele.

Quanto à validade dos actos de disposição ou de oneração praticados por algum dos
consortes, em violação da norma, contida no n.º 1 (2ª. parte) do a. 1408.º, e no n.º 2 do
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mesmo artigo, resulta que, tais actos são havidos como de disposição ou, de oneração
de coisa alheia.
Assim, se um comproprietário, sem consentimento dos restantes, alienar parte
específica de coisa comum, ou toda ela, como alheia, estabelece o a. 893.º valer o acto
como venda de coisa futura, com eficácia obrigacional, nos termos do a. 408., n.º 2.
Porém se, o comproprietário proceder à venda, como se de coisa própria se tratasse,
prevê a 1.ª parte do a. 892.º, a nulidade do acto, por falta de legitimidade do alienante.
Esta nulidade é restrita às relações entre as partes, pois no que concerne aos restantes
proprietários, a alienação é ineficaz.

Por fim, refira-se que os actos de administração das partes comuns podem ser
ordinários, e estes são os actos praticados para prover à conservação dos bens e
extraordinários, que promovem a realização de benfeitorias ou melhoramentos no
prédio.

2.9.5. Extinção da compropriedade

A compropriedade pode extinguir-se por via negocial, se um dos comproprietários


adquirir as quotas dos restantes comproprietários.
Como forma especial de extinção da compropriedade pode referir-se, a extinção por
força da divisão da coisa comum, nos termos do disposto nos aa. 1412.º e 1413.º
No entanto, o n.º 2 do a. 1412.º permite que os comproprietários realizem um pacto de
indivisão entre si, por um prazo máximo de 5 anos.
Mais se acrescenta, que esta cláusula de indivisão, só obriga terceiros, se for registada
(cfr. a. 1412.º, n.º 3). Se, a cláusula não for registada e, antes de perfazer 5 anos, um
dos comproprietários vender a sua quota a terceiro, este adquire-a validamente.

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2.10. PROPRIEDADE HORIZONTAL
2.10.1. Noção legal

A propriedade horizontal é a propriedade que incide sobre as várias fracções


componentes de um edifício, fracções essas que, constituem unidades independentes,
distintas e isoladas entre si, com saída para uma parte comum do prédio ou, para a via
pública (cfr. a. 1414.º do C.C.).

A propriedade horizontal assenta na existência de um edifício dividido em fracções


autónomas, cada uma delas, exclusiva dos diferentes condóminos e de partes comuns,
que pertencem em compropriedade, a todos os condóminos.
O a. 1421.º indica quais as partes comuns e quais as partes do edifício, que se
presumem comuns.
De acordo com a disposição legal acima indicada, as partes comuns, referidas no n.º1,
não o podem deixar de ser, por vontade das partes, enquanto que as referidas no n.º 2,
podem ser afectadas ao uso exclusivo de algum dos condóminos, desde que por
decisão unanime destes.

A afectação de, uma parte comum, ao uso exclusivo de um condómino, pode constar
do próprio titulo constitutivo (a. 1421.º, n.º 3) ou, pode ser, posteriormente, deliberada
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por unanimidade dos condóminos, alterando-se assim, o título constitutivo (a. 1419.º,
n.º 1).

A propriedade horizontal caracteriza-se pela propriedade em geral, isto é, a


propriedade que cada condómino tem sobre a sua fracção e, pela compropriedade que,
todos os condóminos têm sobre as partes comuns do prédio. Esta compropriedade
dura, enquanto durar a compropriedade horizontal e é uma propriedade forçada, pois
não é possível sair da indivisão.

2.10.2. Modos de constituição e conteúdo do título constitutivo

Como se poderá constituir a propriedade horizontal num edifício?


A sua constituição pode fazer-se, por negócio jurídico, por usucapião ou por decisão
judicial.

Por negócio jurídico

É necessário que, seja lavrado um título constitutivo de propriedade horizontal, por


escritura pública que posteriormente é registado. A escritura pública da propriedade
horizontal tem, obrigatoriamente, que especificar e individualizar as fracções
autónomas do edifício, com o respectivo valor, expresso em percentagem ou
permilagem do valor total do prédio (a. 1418.º, n.º 1).
Também consta do título constitutivo, o fim a que as fracções se destinam, apesar de
não ser obrigatório que dele conste. Já atrás verificámos que, a atribuição do uso
exclusivo de certas partes comuns, a um ou mais condóminos, deve constar do título
constitutivo.

São documentos necessários para a constituição de um prédio em propriedade


horizontal os seguintes:
- documento emitido pela Câmara Municipal da área em que se situa o prédio, com
menção de que as fracções autónomas satisfazem as exigências legais;
O documento acima indicado pode ser substituído pela exibição do projecto aprovado
pela Câmara Municipal;
- caderneta predial ou certidão de teor da inscrição matricial.

Por usucapião

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A propriedade horizontal pode também ser constituída por usucapião, que pressupõe a
existência de uma situação de posse.
Por decisão judicial

Como resulta do a. 1417º. A propriedade horizontal pode ser constituída por várias
formas, entre elas, por decisão judicial proferida em acção de divisão da coisa comum
ou, em processo de inventário, desde que, seja requerida a constituição da propriedade
horizontal.
Qualquer consorte pode requerer a constituição da propriedade horizontal desde que se
verifiquem os requisitos do a. 1415º.
Exemplo: A. e B. são co-herdeiros de um prédio, em que cada um deles tem direito a
uma quota ideal do prédio. A., pode intentar uma acção de divisão de coisa comum e
requer a constituição da propriedade horizontal, sendo que a sentença proferida é
constitutiva do regime de propriedade horizontal desse mesmo prédio, tal como é
definida no a. 1414º.

Depois de constituída a propriedade horizontal, por qualquer das formas previstas na


lei, é necessário proceder-se ao respectivo averbamento na Repartição de Finanças e
Conservatória do Registo Predial competentes.

2.10.3. Direitos e deveres do condóminos

a) Direitos dos condóminos

O condómino, é antes de mais, proprietário exclusivo, da fracção que lhe pertence e


comproprietário das partes comuns do edifício, não podendo alienar estes direitos
separadamente pois eles são incindíveis. (cfr. a. 1420.º).

Enquanto proprietário, o condómino tem o direito pleno da propriedade sobre a sua


fracção, e portanto pode usá-la, fruí-la e dispor dela como entender, dentro das
limitações próprias, decorrentes das relações com os outros condóminos (cfr. a. 1420.º
e, as constantes do disposto nos aa. 1346.º e 1349.º e 1406.º, n.º 1).
Assim, pode um condómino alienar a sua fracção ou mesmo a sua garagem ou
arrecadação ainda que separadamente desde que estas últimas constituam fracções
autónomas. E pode fazê-lo ainda que o adquirente seja um terceiro, uma vez que os
condóminos não gozam do direito de preferência na alienação das fracções. Cfr. a.
1423º.º
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O condómino pode ainda, usar e fruir das partes comuns do edifício, desde que
respeite os limites referidos no a. 1422.º

b) Deveres ou encargos dos condóminos

Os condóminos estão obrigados (salvo disposição em contrário) a suportar os


encargos, decorrentes das despesas necessárias, à conservação e fruição das partes
comuns, bem como, as despesas necessárias, ao pagamento dos serviços de interesse,
como (p. ex. água, luz das escadas, limpeza, manutenção dos elevadores).

Acrescenta o a. 1424.º, n.º 1 que, estas despesas serão pagas pelos condóminos, na
proporção do valor atribuído às suas fracções, no título constitutivo. E, o n.º 2 da
mesma disposição legal estabelece, a possibilidade do pagamento dos serviços de
interesse comum, serem pagos em partes iguais, pelos condóminos ou, em proporção à
respectiva fruição.

As despesas relativas aos lanços de escadas ou, às partes comuns do prédio que,
sirvam exclusivamente alguns dos condóminos, ficam a cargo destes (cfr. a. 1424.º, n.º
3) — o mesmo espírito legislativo se estende aos condóminos que se sirvam dos
elevadores. As despesas, relativas ao uso destes, são suportadas pelos condóminos, a
cujas fracções os elevadores servem (cfr. a. 1424.º, n.º 4).

Os condóminos não podem renunciar às partes comuns do prédio, com o fim de se


desonerarem destas despesas (a. 1420.º, n.º 2).
Também não gozam de direito de preferência na alienação das suas fracções, nem
podem requerer a divisão das partes comuns.

2.10.4. Administração das partes comuns do edifício

A administração das partes comuns do edifício compete a dois órgãos: à assembleia de


condóminos e ao administrador (a. 1430.º).

A assembleia é um órgão colegial de deliberação que, exprime a vontade dos


condóminos, em reuniões ordinárias ou extraordinárias (aa. 1431.º e 1433.º n.º 2).

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Só a assembleia, que se realiza todas as primeiras quinzenas de Janeiro de cada ano, é
ordinária; reunida essencialmente para discutir e aprovar as contas do ano anterior e,
eleger novo administrador (cfr. a. 1431.º, n.º 1 e 1435.º). Todas as outras são
extraordinárias.

Os condóminos são convocados pelo administrador que é a entidade que gere e


representa o condomínio, por meio de carta registada, enviada com 10 dias de
antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde
que comprovado por recibo de recepção assinado pelos condóminos. Cfr. a. 1432.º
A convocatória deve indicar o dia, a hora, o local e ainda a ordem de trabalhos da
reunião, devendo fazer ainda menção dos assuntos cujas deliberações só podem
aprovados por unanimidade.

O administrador tem funções executivas, como as que, estão indicadas no a. 1436.º. A


administração de um condomínio pode ser exercida, por um condómino ou, por
terceiro (a. 1435.º, n.º 4) e, tem a duração de um ano, renovável. Geralmente o
administrador só é pago, quando a administração é exercida por terceiro. É eleito e
exonerado pela assembleia de condóminos.

Numa assembleia geral de condóminos podem votar:

- qualquer condómino pessoalmente ou por intermédio do seu representante legal ou


voluntário;
- os comproprietários;
- o usufrutuário e o nu proprietário, sendo que será admitido a votar aquele que tiver o
poder legal de decidir sobre a matéria em discussão.

a) Como são tomadas as decisões na assembleia?

Em regra, as decisões são tomadas, maioria dos votos representativos do capital


investido no edifício.
Exemplo: se um prédio tiver 10 pisos iguais, cada um dos quais representa 10% do
valor total do prédio, as deliberações da assembleia, serão tomadas validamente, desde
que subscritas por seis ou mais condóminos (cfr. a. 1432.º, n.º 3).

A regra acima enunciada contém excepções das quais se destacam as seguintes:

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- há deliberações que são tomadas por unanimidade dos condóminos presentes como é
o caso de se pretender modificar o título constitutivo, cfr. a. 1419.º,

- para deliberar sobre obras que constituem inovações ou melhoramentos para o prédio
é necessária um quorum representativo de 2/3 do valor total do edifício;
Por inovações entende-se as alterações introduzidas na substância ou forma das partes
comuns de um edifício em propriedade horizontal. De entre as obras mais frequentes
destacam-se, a instalação de elevador, o alargamento da porta de entrada, a
transformação de uma garagem em lojas, a instalação de ar condicionado etc.

b) Consequências de se tomarem deliberações sem respeitar a maioria necessária

Uma deliberação ilegal pode ser anulável, nula ou ineficaz.


De acordo com o a. 1433.º, nº1, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a
regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer
condómino que as não tenha aprovado.
Assim, no prazo de 10 dias contados da deliberação, para os condóminos presentes, ou
contados da sua comunicação para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao
administrador a convocação de uma reunião extraordinária, a ter lugar no prazo de 20
dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes. Cfr. a. 1433.º, nº2.

A invalidade de uma deliberação não afecta tudo o mais que, então, se tenha
deliberado.

De acordo com o a. 1437.º é ao administrador que compete estar em juízo, quer como
autor quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
De acordo com o a. 6º al. e) do C.P.C., o condomínio tem personalidade judiciária,
caso se trate de acção que se insira no âmbito dos poderes do administrador. Assim,
para que esteja assegurada a legitimidade passiva basta intentar a competente acção
contra o condomínio, que será, contudo, citado e notificado na pessoa do seu
representante, ou seja, o administrador.

Saliente-se que o título constitutivo da propriedade horizontal ou no regulamento do


condomínio pode conter uma cláusula compromissória, através da qual se defira à
decisão de árbitros eventuais litígios emergentes da relação de condomínio. Cfr. a.
1434.º.
c) Seguro obrigatório
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De acordo com o a. 1429º é obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício,
quer quanto à fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns. O seguro
deve ser celebrado pelos condóminos; o administrador deve, contudo, propor à
assembleia o seu montante.
A actualização anual do seguro é obrigatória, competindo à assembleia de condóminos
deliberar sobre o montante de cada actualização.

d) Regulamento do Condomínio

Havendo mais de quatro condóminos, e caso não faça parte do título constitutivo,
dever ser elaborado um regulamento de condomínio disciplinado o uso, a fruição e a
conservação das partes comuns. Dever ser elaborado pela assembleia de condóminos,
ou pelo administrador, se aquela o não tiver elaborado. Cfr. a. 1429-A.º.

3. USUFRUTO
3. 1. Noção legal

De acordo com o disposto no a. 1439.º, o usufruto é o direito de gozar


temporariamente e plenamente uma coisa ou, um direito alheio, sem alterar a sua
forma ou, substância.
Nesta noção legal, encontram-se as características essenciais ao usufruto, a saber:
Þ temporariedade;
Þ plenitude de gozo;
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Þ obrigação de conservar a substância e a forma da coisa e,
Þ respeito pelo destino económico da coisa.

Estas características, permitem distinguir o usufruto de outros direitos reais de gozo,


como p. ex. do direito de propriedade.

3. 2. Características do direito de usufruto

A temporariedade (a. 1443.º) limita o usufruto à vida do usufrutuário e, no caso de


pessoas colectivas a 30 anos. Portanto, o usufruto extingue-se, quando o usufrutuário
morre, caso seja uma pessoa singular e, no caso de o usufrutuário ser uma sociedade,
este extingue-se, decorridos 30 anos. Também se pode extinguir, caso não seja
vitalício, chegado o termo do prazo pelo qual o direito de usufruto foi conferido (a.
1476.º, n.º 1). Esta característica atribuída por lei ao usufruto torna-o um direito
transitório.

A plenitude de gozo (a. 1446.º), é outra das características do usufruto e que faculta ao
titular do usufruto, um gozo da coisa bastante amplo. Assim, o usufrutuário pode gozar
de todas as utilidades de que a coisa é susceptível de proporcionar. O a. 1446.º dá-nos
uma ideia desta amplitude, definindo os poderes que integram o direito do
usufrutuário: “O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito (...)”.
No entanto, esta norma legal, é supletiva em relação à existência de um título
constitutivo que, fundamente o usufruto.
Mas, esta plenitude de gozo, não é arbitrária, o usufrutuário tem que gozar da coisa,
mas, acrescenta a mesma disposição legal, “(...) como faria um bom pai de família
(...)”. É caso para perguntar: pode o usufrutuário destruir a coisa gozada, como por
exemplo o pode fazer o proprietário? A resposta é necessariamente negativa, porque o
usufrutuário tem que agir diligentemente, enquanto que o proprietário usa e frui a
coisa com total liberdade, podendo até destruí-la.

Também temos que excluir desta plenitude de gozo, o direito de dispor da coisa, mas
mesmo aqui, o usufrutuário pode dispor do seu direito de usufruto, como mais à frente
se verá. Por outro lado, convém não esquecer que o usufruto não é um direito
exclusivo, pois pressupõe sempre a existência de outro direito ¾ a propriedade de raiz.

Antes de continuarmos a análise sobre as características do usufruto, é importante


fazer uma nota quanto, aos direitos e obrigações do usufrutuário, regulados no Código
Civil.
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O a. 1445.º dispõe que os direitos e obrigações são regulados pelo título constitutivo
do usufruto, e supletivamente se aplicam as regras do Código Civil, se o título
constitutivo for insuficiente ou, não existir. Claro que, não podemos entender que, o
título constitutivo possa ir contra a lei. Se não imaginemos academicamente, uma
cláusula inserta no título que determine que o usufrutuário não pode administrar a
coisa. Esta cláusula é nula, não tem eficácia real, porque retira ao usufruto uma das
suas principais características. O mesmo se verificaria se, o título constitutivo
contivesse uma norma que, permitisse ao usufrutuário, o poder de destruir a coisa.
Tratar-se-ia de uma cláusula nula, porque o usufrutuário está obrigado a entregar a
coisa ao seu proprietário, findo o usufruto (a. 1482.º).

Obrigação de conservar a forma e substância da coisa (a. 1439.º). A ela se referem


também os aa. 1446.º; 1468.º; 1475.º; 1482.º.
A doutrina demonstra alguma divergência quanto à essencialidade desta característica,
como é o caso do prof. Menezes Cordeiro que entende que, o usufrutuário pode alterar
a forma e substância da coisa; O contrário é perfilhado pelo Prof. Penha Gonçalves,
considerando esta característica imperativa, ou seja, não pode ser afastada pelas partes
no título constitutivo. Mas, de facto, a lei admite o usufruto de coisas consumíveis e de
coisas deterioráveis (aa. 1451.º, 1452.º).

O destino económico da coisa usufruída, é uma característica não essencial, deste


instituto, na medida em que, o usufrutuário pode alterar o destino económico desta,
ainda que com autorização do proprietário de raiz.

3.3 Constituição do direito de usufruto (a. 1440.º)

O usufruto pode, constituir-se, nos termos do disposto do a. 1440.º, por contrato;


testamento; usucapião e, por disposição legal.

O contrato tanto pode ser per translationem, como per deductionem:


O contrato será per translationem, quando o proprietário constituir o direito de
usufruto sobre a coisa a favor de outrem e não transmitir a propriedade a terceiro.
No contrato per deductionem, o proprietário transmite a propriedade, mas conserva
para si o direito de usufruto.
No testamento, o proprietário deixa o usufruto a uma pessoa e a nua propriedade a
outra.

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Também se pode constituir por usucapião, aplicando-se as regras da aquisição de um
direito por usucapião, tendo como pressuposto a posse da coisa.
A disposição legal é, outra das modalidades, de constituição de usufruto que, melhor
se entende, ilustrada com exemplos. O primeiro exemplo é fornecido pelo a. 1481.º
“seguro da coisa destruída”: B é usufrutuário de um automóvel. Tem um acidente e o
carro fica destruído, sem culpa de B.. B. paga um seguro do automóvel contra todos os
riscos. Neste caso, o proprietário terá direito a uma indemnização, mas é o
usufrutuário quem vai recebê-la.
O direito do usufrutuário deixa de ser um direito real, ou seja, um direito sobre a coisa,
para passar a ser um direito sobre um crédito, neste caso, a indemnização que, a
seguradora vai pagar ao proprietário do veículo usufruído. Esta disposição legal cria
este novo usufruto, no fundo transfere-o.
Outro exemplo, é aquele que consta do a. 1482.º sobre o mau uso da coisa usufruída.
Caso o usufrutuário dê um mau uso à coisa usufruída, o proprietário pode exigir que, a
coisa lhe seja entregue, mas tem que pagar ao usufrutuário, anualmente o produto
líquido dela. O usufrutuário não deixa de ser o usufrutuário, mas agora, o seu direito
de usufruto é, sobre a prestação, por força da própria lei.

3. 4 Modalidades de usufruto

O direito de usufruto pode ser singular, quando seja constituído a favor de uma só
pessoa; plural, quando constituído a favor de duas ou mais pessoas.
A lei (a. 1441.º) estabelece como única restrição, a existência dos usufrutuários ao
tempo em que, o direito do primeiro usufrutuário, se torne efectivo. O mesmo é dizer
que, os concepturos e os nascituros não podem ser usufrutuários. O usufruto, a favor
de vários titulares, pode ser constituído a todos ao mesmo tempo, e chamamos a este
facto, usufruto simultâneo, ou sucessivo. A importância desta modalidade de usufruto,
quanto os titulares do mesmo, é a de saber que, consequências daí derivam, quanto à
duração do usufruto.
Assim, no usufruto simultâneo, há uma situação de contitularidade. Neste caso, o
usufruto extingue-se com a morte do último usufrutuário (a. 1442.º), se não tiver sido
estabelecido um prazo certo de duração do usufruto. Este regime implica também um
direito de acrescer entre os titulares do usufruto.
No sucessivo, os titulares entram na titularidade do usufruto, segundo a ordem
indicada no título e, após ter cessado o direito do anterior usufrutuário. A extinção, dá-
se também, com a morte do último dos titulares do direito de usufruto, ou da
verificação do seu termo.

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Quanto ao objecto do usufruto, este reveste duas modalidades: usufruto de coisa e
usufruto de direito. O usufruto recaí sempre num bem alheio, seja uma coisa, seja um
direito.

Quanto às coisas, o usufruto pode respeitar a imóveis ou móveis e, em relação a estas,


recair em coisas consumíveis, deterioráveis, fungíveis e universalidades (a. 1451.º e
ss.).
Quanto ao direito, o usufruto tanto pode recair em, direitos reais como creditórios (a.
1463.º e ss.).
A doutrina chama ao usufruto sobre direitos, um usufruto irregular, na medida em que,
não se pode dizer, que o usufruto é um direito real de gozo, quando recaí sobre um
direito e não sobre uma coisa.

3. 5 Poderes e deveres do usufrutuário

Começámos este capítulo, por referir precisamente, os mais importantes poderes do


usufrutuário em relação à coisa fruída: “gozar temporariamente e plenamente uma
coisa, ou direito alheio” (cfr. a. 1439.º).
O usufrutuário, para exercer este poder, necessita exercer um outro, antes deste, que é
o de exigir ao proprietário da coisa que esta lhe seja entregue para ele a poder fruir, ou
o direito sobre o qual incida o direito de usufruto.
O usufrutuário pode também hipotecar, trespassar a outro o seu usufruto; é o que vem
disposto no a. 1444.º, assim como constituir servidões (cfr. a. 1460.º).

Como não há direitos sem deveres, o Código Civil dedicou os artigos 1468.º a 1475.º
aos deveres do usufrutuário, como o dever de inventário; de prestar caução; a consentir
a intervenção do proprietário; reparações; encargos fiscais e defesa dos interesses do
proprietário.
Além destes deveres particularizados na lei, o usufrutuário deve ser zeloso para com o
seu usufruto, “agir como um bom pai de família”, conforme resulta do a. 1446.º e,
extinto o usufruto, restituir a coisa usufruída.

3. 6. Trespasse de usufruto (a. 1444.º)

O direito de usufruto só é transmissível inter vivos, como é o caso de, o usufrutuário


poder trespassar a outrem, o seu direito. Contudo, o trespasse não é uma verdadeira
transmissão, na medida em que, o usufrutuário original, é quem fica responsável
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perante o proprietário. O adquirente do direito de usufruto é, apenas uma pessoa que
vai substituir o usufrutuário original, no uso e fruição da coisa ou do direito. Convém,
também referir, que o usufruto só se extingue com a morte do primeiro usufrutuário
ou, com a verificação do termo para ele atribuído, no título constitutivo. O
usufrutuário pode também onerar o seu direito de usufruto, hipotecando-o, conforme
dispõe o a. 688.º e o a. 699.º.

Tanto o trespasse, como a hipoteca, podem ser poderes de disposição afastados pelas
partes, no título constitutivo, sendo poderes que, pela sua natureza, são atípicos do
usufruto.

3. 7. Casos especiais de usufruto

Os casos especiais do usufruto, ganham importância em relação à noção legal que


apresentámos inicialmente sobre este instituto. De facto, aí se diz, que o usufrutuário
não pode alterar a forma ou, a substância da coisa, de que é objecto o seu direito de
usufruto, mas como o faz, em relação ao usufruto de coisas consumíveis, previsto no a.
1451.º, haverá necessariamente, uma alteração da substância, traduzida na própria
destruição da coisa. Aqui quase que nos atreveríamos a dizer que, o usufrutuário se
podia confundir com o proprietário, mas a mesma disposição legal salvaguarda as
devidas diferenças, tanto no seu nº. 1 como, no n.º 2.

O usufruto de universalidades de animais (a. 1462.º) limita, pelas suas características,


a fruição do objecto do usufruto. Se por exemplo, durante a vigência do usufruto,
desaparecerem algumas cabeças de animais, o usufrutuário tem que as substituir com
as crias novas, sacrificando o seu direito pleno de uso e fruição.

Os aa. 1463.º e 1467.º levantam a questão de o usufruto de créditos ter natureza real ou
obrigacional.

3. 8. Extinção do direito de usufruto (a. 1476.º)

Para além dos casos de não uso e, de perda total da coisa usufruída, o usufruto
extingue-se por morte do usufrutuário, caso seja, pessoa singular ou, também, se tiver
sido aposto no título constitutivo, um termo de duração do usufruto ou, no caso de
pessoas colectivas, o prazo de 30 anos; por confusão e por renúncia do usufrutuário.

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4. DIREITO DE USO E HABITAÇÃO
4. 1. Noção legal

O direito de uso e habitação vem, regulado nos aa. 1484.º a 1490.º do nosso Código
Civil, num capítulo que faz parte integrante, do título do usufruto.

O direito de uso é a “faculdade de se servir de coisa alheia e haver os respectivos


frutos (...) “. Quando este direito de uso, incide sobre casas de morada, denomina-se
direito de habitação.
O titular destes direitos chama-se usuário.

Conforme se extrai pela leitura das diversas disposições referentes ao direito de uso e
habitação, este direito real de gozo é muito limitado às necessidades do seu titular ou,
da sua família. É preciso não confundir, a figura do locatário ou, do arrendatário com a
do usuário ou, do morador usuário, pois neste caso não há transmissibilidade do direito
inter vivos ou mortis causa (cfr. aa.1485.º e 1488.º).

4. 2. Modo de aquisição

Nesta matéria, remetemos para o abordado no ponto 3. 3. a propósito do usufruto (cfr.


a. 1485.º), destacando a singularidade deste instituto, não se constituir por usucapião
(cfr. a. 1293.º).

4. 3. Âmbito

Como se pode constatar, pela definição legal, estes direitos não são direitos reais de
gozo pleno, pois estão circunscritos às necessidades do seu titular ou da sua família.
(Cfr. a. 1484.º e a. 1487.º).
4. 4. Extinção do direito de uso e habitação
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Nesta matéria, remetemos para o ponto 3. 8., a propósito do usufruto (cfr. a. 1485.º).
Entende-se, no entanto, com base na definição do a. 1484.º que, não tendo o seu titular
ou, a sua família necessidade de exercer o direito de uso e habitação, este extinguir-se-
à, pois a sua finalidade é servir o seu titular na medida das suas necessidades.

5. DIREITO DE SUPERFÍCIE
5. 1. Noção legal

O direito de superfície é um direito real, que permite ter coisa própria, incorporada em
terreno alheio (cfr. a. 1524.º).
O titular do direito de superfície, diz-se superficiário e, o titular do direito sobre o solo,
diz-se fundeiro.

O direito de superfície vem permitir uma separação de domínios entre, uma superfície
e, o que nela se implante.
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Este direito, criado em 1948, pelo Dec.-Lei, n.º 2030, de 23 de Julho, constitui uma
excepção ao princípio romano, segundo o qual: “o proprietário de uma determinada
superfície, seria também, o proprietário, de tudo quanto nela se construísse, tanto em
altura, como em largur”.

5. 2. Modalidades do direito de superfície

Como primeira modalidade refera-se, a faculdade de construir ou manter uma obra em


terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações (cfr. a. 1524.º);

A segunda modalidade, consiste no direito de construir, em terreno do domínio do


Estado, um edifício, ou seja, não qualquer obra, ou plantação, num qualquer terreno
alheio (Dec.-Lei, n.º 2030, de 23 de Julho de 1948.)

A terceira modalidade, é um subtipo do direito de superfície previsto no decreto de


1948. É um caso de direito de superfície sobre terrenos que a administração se
apropriou para tarefas de urbanização (cfr. Dec.-Lei, n.º 794, de 5 de Novembro).
Nesta modalidade, pode construir-se em terreno propriedade do Estado, desde que,
sejam obras de urbanização.
O artigo 1526.º prevê uma modalidade de direito de superfície, muito singular, que
consiste numa espécie de hibridez entre o direito de superfície e a propriedade
horizontal. Traduz-se na faculdade de sobreelevar um edifício em terreno alheio, e por
isso mesmo, chamado direito de sobreelevação.

5. 3. Natureza jurídica do direito superfície

A natureza jurídica do direito de superfície, está estritamente ligada ao seu objecto, o


que torna o direito de superfície um direito real complexo, na medida em que, o
objecto pode, ao longo da vida, sofrer alterações.

O estatuto real do superficiário tem duas faces:  a propriedade da área ou da


plantação e, as relações do superficiário com o terreno em, que se acham implantadas.

5. 4. Objecto do direito de superfície (a. 1525.º)

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O direito de superfície pode começar por ser um direito de construir ou plantar ou, um
direito sobre a obra ou plantação já existentes. Neste último caso, o objecto do direito
superficiário só pode ser essa obra ou plantação. Tanto assim é, que superficiário é o
titular de um direito de propriedade superficiário sobre a obra ou plantação.

O problema, quanto a saber, qual o objecto do direito superficiário, coloca-se quando o


direito de superfície começa na fase de construção, ou de plantação, ou seja, o direito
de superfície começa por ser um direito de construir, um direito de plantar. Exemplo:
A atribui a B o direito de construir um prédio no seu terreno. Neste caso, qual é o
objecto do direito de superficie de A?
Só pode ser o direito de construir. Estamos perante um direito sobre um direito. O
objecto do direito de superfície é o direito de construir ou plantar.

O direito de superfície pode ter várias fases:


 direito de construir;
 direito de manter e,
 direito de reconstruir.

Na fase do direito de construir, o objecto do direito de superfície é outro direito. O a.


1532.º prevê uma efectiva limitação ao direito de propriedade do fundeiro (titular do
direito sobre o solo, que pode ser o direito de propriedade, ou outro). Segundo esta
disposição, o solo pertence ao proprietário do terreno, que dele pode usar e fruir, mas
não plenamente. A partir do momento, em que se constitua o direito de superfície,
como o direito de construir, fica logo limitado o poder do proprietário do solo.

5. 5. Modos de constituição do direito de superfície

O direito de superfície constitui-se, nos termos do a. 1528.º, por contrato; testamento;


usucapião; da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da
propriedade do solo.

- por contrato, gratuito ou oneroso, o dono do solo confere a outro o direito de


construir sobre ele.

- por testamento: o testador pode deixar o seu terreno a um legatário e, o direito de


construir sobre ele, a outro legatário.
- por usucapião: nesta aquisição, importa ter em conta a distinção entre, o direito de
construir sobre prédio alheio e, o direito sobre o prédio construído, separado do solo.
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O direito de superfície adquirido por usucapião, com base na posse sobre uma
construção já existente, não oferece dúvidas.
Exemplo: A exerce actos de posse sobre uma casa construída, com o animus de
superficiário e, não de proprietário, porque lhe foi vendida, por acto nulo, a casa
separada do solo. Foi constituída por escritura pública um direito de superfície sobre a
casa separada do solo, mas o titulo constitutivo é nulo. A não adquiriu a superfície,
mas a posse. Ao fim de um determinado número de anos de ter exercido a posse, com
o animus de superficiário, adquiriu por usucapião o direito de superfície.
Mas, se se tratar do direito de construir? Como se possui o direito de construir?
Possui-se, construindo.
Exemplo: A, por acto nulo, por falta de forma, confere o direito de construir a B. Este
não adquire o direito, por falta de forma, mas ao fim de determinado tempo, pode
adquiri-lo por usucapião, porque este acto, é todavia, um título que demostra ter sido
transferida a posse desse direito.

- por alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do


solo.

5. 6. Distinção entre propriedade superficiária e propriedade dominial

A propriedade superficiária não se extingue com a destruição do respectivo objecto,


renasce como direito de reconstruir a obra. A propriedade dominial, extingue-se com a
extinção do respectivo objecto.

5. 7. Direitos e encargos do fundeiro e do superficiário (a. 1530.º e ss.)

O superficiário tem direito a praticar todos os actos necessários à construção ou


plantação; à propriedade superficiária, depois de as obras ou as plantações estarem
concluídas; a utilizar a parte do solo que tenha utilidade para uso da obra; a construir
servidões necessárias (a. 1529.º).
O fundeiro tem direito ao subsolo; ao solo que não seja necessário e útil à obra; usar e
fruir a superfície, enquanto a obra não existir, com a restrição do a. 1532.º.
Mais tarde, o fundeiro terá direito de preferência (cfr. 1535.º); direito a ficar com a
obra, se o direito de superficie for constituído com determinado prazo (a. 1538.º);
direito ao canon (preço), que o superficiário terá obrigação de pagar.

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5. 8. Canon superficiário

O canon vem regulado no a. 1530.º, sob a epígrafe de «Preço». É um preço que o


superficiário e o dono do solo, podem convencionar, para que aquele pague uma
determinada prestação.
O canon será tratado, ao nível das obrigações em geral, exactamente como se se
tratasse de um preço, num contrato de compra e venda.

5. 9. Transmissibilidade do direito de superfície

O direito de superfície é transmissível quer, inter vivos quer, mortis causa, nos termos
do a.1534.º

5. 10. Extinção do direito de superfície

Os modos de extinção do direito de superfície, encontram-se regulados nos aa 1536.º e


ss. Destaca-se, o facto de o não uso da propriedade superficiária não extinguir o direito
de superfície, mas o não exercício do direito, conduz à sua extinção.

6. DAS SERVIDÕES (aa. 1543.º a 1575.º)


6. 1. Noção legal

A servidão é um direito real de gozo, cujo conteúdo possibilita o gozo de certas


utilidades por um prédio em benefício de outro. Criada, não para beneficiar uma
pessoa, como todos os direitos reais de gozo, mas para beneficiar um prédio rústico ou
urbano.
Quer isto dizer, que as utilidades, cujo gozo a servidão propícia, são gozadas por um
prédio — prédio dominante — por intermédio de outro prédio — prédio serviente.
Por exemplo, a servidão de passagem; de vistas, etc., ilustram bem o instituto jurídico
da servidão, impondo a um prédio um encargo, para outro tirar um benefício. É
necessário que haja um proveito objectivamente ligado a outro prédio.

Não há servidões pessoais, os titulares do prédio dominante podem beneficiar da


servidão, mas não têm o poder de tirar proveito, vantagens ou benefícios,
individualmente considerados.

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A lei (cfr. a. 1543.º) define a servidão como um encargo imposto num prédio em
proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente.
O legislador optou por definir a servidão pela negativa, ou seja, como um encargo, o
que realça a importância fundamental desta oneração prédio a prédio. Além do
encargo ou oneração, é necessário que os dois prédios pertençam a donos diferentes.
Se pertencerem aos mesmo dono, estamos perante uma serventia.
Refira-se ainda que a servidão é um direito real sobre coisa alheia.

6. 2. Características das servidões

 Inseparabilidade  a servidão, não pode ser separada, nem do prédio serviente


(aquele sobre o qual incide o encargo), nem do prédio dominante (aquele que beneficia
do encargo), cfr. a. 1545.º.
 Indivisibilidade  a indivisibilidade actua tanto, em relação ao prédio serviente
como, em relação ao prédio dominante. Se o prédio serviente for dividido, a servidão
mantem-se inalterada, a servidão é suportada por cada uma das parcelas do prédio
dividido, na parte que, antes da divisão, já onerava o prédio. Se a divisão ocorrer, no
prédio dominante, a servidão também se mantém, passando a beneficiar cada um dos
titulares de cada fracção.

 Ligação objectiva que resulta do facto de a ligação ser entre prédios e, não entre
pessoas  A subjectividade que existe na servidão é sempre indirecta, ou seja, não são
as pessoas as primeiras beneficiárias.

 Atipicidade do conteúdo da servidão  o conteúdo é atipico, porque pode ser


objecto da servidão, qualquer utilidade (futuras ou eventuais). Fala-se de atipicidade
do conteúdo da servidão, por não estarem tipificadas as faculdades atribuídas ao seu
titular no uso de utilidades do prédio serviente.

 Necessidade de dois prédios de donos diferentes.

 A servidão importa sempre uma obrigação de nada fazer por parte do dono do
prédio serviente. As servidões são todas de não faccere, ou seja, o conteúdo da
servidão, não pode incluir a prática de actos, que tenham em vista preencher as
utilidades que a servidão visa satisfazer.

6. 3. Modos de constituição das servidões


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As servidões podem constituir-se por contrato; testamento; usucapião; destinação do
pai de família e decisão judicial (cfr. a.1547.º).

A constituição da servidão por, destinação do pai de família, é aquela que se nos


oferece, com mais singularidade, em relação aos modos de constituição de, outros
direitos reais de gozo. Trata-se de dois prédios ou de duas fracções do mesmo prédio,
em que um dos prédios dá passagem ao outro, com a particularidade de o prédio ser do
mesmo dono. O que temos aqui é uma situação de serventia, que se torna servidão,
quando os dois prédios deixarem de pertencer ao mesmo dono. O documento (p. ex. o
contrato de compra e venda de um dos prédios) que vai separar o domínio comum dos
prédios, vai ser também o titulo constitutivo da servidão, onde o «pai de família»
destina a afectação da serventia que se vai tornar servidão.

6. 4. Classificação das servidões

As servidões podem ser:

 legais ou voluntárias.

A servidão legal é aquela que é susceptível de ser imposta coercivamente e, indicadas


no Código Civil, como sendo as servidões de passagem e de águas (cfr. aa. 1550.º,
1556.º e 1557.º e ss). Isto não quer dizer que, todas as servidões de passagem ou de
águas sejam legais, por exemplo, a servidão de passagem só é legal, quando beneficie
um prédio encravado (a. 1550.º, com a excepção do disposto no a. 1556.º); o mesmo a
dizer para a servidão das águas, cfr. a. 1560.º

As servidões voluntárias são aquelas que são constituídas por negócio jurídico ou acto
voluntário. Esta desta distinção, tem consequências importantes, no que diz respeito, à
extinção das servidões. A servidão legal extingue-se por todos os modos de extinção
da servidão voluntária (a. 1569.º) e, para além destes, extingue-se pela desnecessidade.

 positivas ou negativas.

A servidão positiva constitui um pati (uma tolerância) para o dono do prédio serviente;
enquanto que, a servidão negativa constitui um non facere, uma abstenção do poder de
actuação, por parte do dono do prédio serviente.
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Pode-se também, considerar positivas, as servidões, cujo conteúdo implique a prática
de actos materiais no prédio serviente, como a passagem e as águas; e a servidão
negativa, aquela, cujo conteúdo, não importa a prática de actos no prédio serviente, p.
ex. a servidão de vistas.
A distinção destas características, reflecte-se na usucapião, de onde se conclui, que a
servidão negativa não pode constituir-se por aquele.

 aparentes e não aparentes.

As servidões aparentes são as que se revelam, por sinais evidentes (cfr. a. 1548.º),
como p. ex. a servidão de vistas, que se revela mediante, a existência de janela aberta
sobre prédio vizinho, sem as salvaguardas legais; as servidões não aparentes são as
que não se revelam, por sinais visíveis e permanentes.
A servidão não aparente não se pode constituir por usucapião

 activas e passivas.

A servidão é activa, quando vista, do lado do prédio dominante; é negativa, quando


vista, do lado do prédio serviente.
Nos termos do a. 1460.º do C. C., o usufrutuário pode constituir uma servidão activa,
enquanto que, já o não pode fazer, quanto às servidões passivas, porque o usufrutuário
não pode assumir um encargo que ultrapasse a duração do usufruto.
Em suma, o usufruto pode beneficiar de uma servidão activa, ou seja, o prédio, objecto
do usufruto, pode ser prédio dominante, mas não prédio serviente.

6. 5. Exercício das servidões (aa. 1564.º e ss.)

O exercício da servidão está relacionado com o seu conteúdo. Quer isto dizer, que a
servidão é constituída para satisfazer as necessidades do prédio dominante e, acarretar
para o prédio serviente, o mínimo de prejuízo ou encargos.

6. 6. Extinção das servidões

Este capítulo, está regulado nos aa. 1569.º e 1575.º.


As servidões, em geral, extinguem-se pelas causas enumeradas no a. 1569.º, n.º 1. No
caso de, serem servidões legais, e servidões que se constituíram por usucapião,
extinguem-se, ainda, por desnecessidade da mesma (cfr. 1569.º, n.º 2 e 3).

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As servidões legais de águas, para gastos domésticos ou, para fins agrícolas
extinguem-se, no caso de, o prédio serviente pretender fazer da água um
aproveitamento justificado (cfr. a. 1569.º, n.º 4).

•Usucapio libertatis identifica uma das causas de extinção das servidões e, quer dizer:
«aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio» (cfr. a. 1569, n.º 1, al. c) e 1574.º).
Na verdade, não se verifica a aquisição de qualquer direito, mas sim a extensão de um
direito, com a consequente expansão do conteúdo de outro direito, antes limitado e,
agora, extinto.
Os requisitos da usucapio libertatis são: a oposição do dono do prédio serviente; a
inércia do titular da servidão e, o decurso do tempo (a. 1574.º). Estes três elementos
funcionam juntos, ou seja, não se pode verificar um só dos requisitos, para estarmos
perante esta forma de extinção das servidões, é necessário que se reunam os três
requisitos.
Quanto ao prazo, ou seja, o decurso do tempo, aplicam-se subsidiariamente, as regras
da usucapião, em matéria de imóveis.

BIBLIOGRAFIA

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Moreira e Carlos Fraga), Coimbra, Almedina, 1975;
José Oliveira Ascensão – DIREITOS REAIS, 5ª edição, Coimbra Editora, 1993;
António Menezes Cordeiro – DIREITOS REAIS, Lisboa, Lex, 1993;
Penha Gonçalves – DIREITOS REAIS, 2ª edição, Lisboa, 1993;
Luís A. Carvalho Fernandes – LIÇÕES DE DIREITOS REAIS, 3ª edição, Lisboa,
Quid Juris?, 2000;

Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª. ed. revista e
actualizada, Lisboa, 1987;
Ana Prata, Dicionário Jurídico, Coimbra, 1990;
Abílio Neto, Código Civil Anotado, Lisboa, 2003.

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