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CLÁUDIA NG DEEP

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Sal e Luz
Viver em assertividade

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Pré-impressão: PAULUS Editora

Capa:
Nata Design
Impressão e acabamento:
Empresa do Diário do Minho, Lda.
Depósito legal:
ISBN: 978-972-30-1519-5

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por escrito, do editor.

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Introdução
Ser sal e luz no mundo abrange uma forma de pensar e de sentir, uma postura e uma
atitude, uma forma de comunicar com o próprio e com a humanidade baseada na
capacidade de influenciar e marcar positivamente os outros, bem como deixar-se
influenciar por aquilo que é positivo, benéfico e construtivo. Penso que envolve a
possibilidade de temperar, saudavelmente, a vida dos outros bem como deixar-se
temperar. Envolve a capacidade de conservar e apurar o que é digno, verdadeiro e
justo. Envolve a capacidade de iluminar e de facilitar aos outros meios de
crescimento e de desenvolvimento pessoal e social bem como o andar na luz, o estar
iluminado, deter o conhecimento e o saber. Este saber não é apenas o saber científico
e tecnológico, é muito mais e mais profundo, é o saber do eu e o conhecimento do
outro: é o auto e heteroconhecimento que permitem o reconhecimento do valor da
vida com as suas facilidades e dificuldades, é o conhecimento do que é capaz de
permitir a mudança e o crescimento pessoal e social. É, igualmente (não menos
importante, mas essencialmente complementar), conhecer Deus!

A atitude assertiva pautava o comportamento de Jesus na Terra, e na nossa vivência


diária precisamos de assumir esta postura baseada na auto-afirmação e no respeito
pelo outro. Mais do que nunca precisamos de assumir as características do sal e da
luz.

É neste contexto de temperar e iluminar os outros, possível apenas quando já somos


temperados e iluminados, que surge a noção de assertividade ou auto-afirmação.
Provavelmente você não sabe o que é assertividade e, provavelmente, não sabe o que
é ser sal e luz no mundo… mas não se preocupe, ao longo deste manual ficará a saber
e poderá reflectir sobre si mesmo e sobre a necessidade de desenvolver uma forma de
pensar, sentir e agir mais preponderante e assertiva. Eu própria estou neste caminho.
Este manual pretende não só abordar de forma bíblica a assertividade, como também
contribuir para o seu crescimento pessoal e social, ajudando-o a influenciar
positivamente aqueles que o cercam, ajudando-o a ser sal e luz no mundo. É uma
obra que procura conciliar as verdades contidas na Bíblia com as descobertas que,
entretanto, a Psicologia tem feito.

A auto-afirmação rege-se pelo conhecimento do que somos (sentimos, pensamos e


agimos) e pela transparência e proclamação desse ser. A noção de assertividade
engloba não só a auto
-afirmação como também o total respeito e aceitação do que o outro é. E é esta
aceitação que permite a relação, a comunicação transparente, as trocas e a efectiva
mudança de ambos. Inevitavelmente todos somos líderes, no sentido em que todos
podemos influenciar os outros. A grande aventura está em influenciar e liderar
positivamente.

Através deste manual espero que juntos nos consigamos tornar mais assertivos.

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Espero que consigamos um maior conhecimento dos nossos verdadeiros valores, das
nossas emoções, dos pensamentos que guiam o nosso agir, espero que aprendamos a
lição dada por Deus por meio da Sua Palavra, aceitemos mudar o que deve ser
mudado e aprendamos o caminho da auto-estima. Espero também que reconheçamos
a inevitável influência que temos sobre os outros e a aprendamos a usar
positivamente, bem como reconheçamos a influência que os outros têm sobre nós e
aprendamos a seleccionar o que deles absorvemos, assimilando o que é justo e
verdadeiro e refutando o que é injusto e falso. A isto chamamos comunicação e
relação assertiva (baseada no conhecimento de Deus).

Sendo um manual de auto-ajuda, encontrará várias sugestões que permitirão a


mudança do que sente, do que pensa e de como age. Cabe-lhe a si a liberdade de
auto-análise e apreciação, a definição do que considera disfuncional na relação
consigo e com os outros e a escolha das estratégias que considera adequadas à sua
mudança. Não devemos esquecer que nem sempre estamos disponíveis para mudar;
por vezes iniciamos o trajecto sem verdadeiramente termos encontrado as motivações
certas para essa mudança e sem nos autorizarmos à mesma. Por vezes, também,
acontece não desejarmos verdadeiramente mudar e isto porque o que ganhamos com
a disfuncionalidade ainda é relevante e crescer acarreta o aumento das
responsabilidades e a perda de algum colo! Assim, antes de mudar, aprecie todas
estas verdades e pondere motivações, desejos, valores e pese as vantagens e
desvantagens da sua mudança. Auto-analise-se e, assim, decida! Lembre-se de que a
assertividade é um estilo de comunicação baseado na escolha: é você quem escolhe
ser assertivo e desenvolve estratégias nesse sentido. Ninguém o pode obrigar e
também não surge prontamente. A assertividade depende de uma escolha consciente e
de algum treino!

Entendo que o conhecimento e a informação facilitam a mudança e solidificam-na.


Neste sentido, ao longo da obra encontrará várias informações do domínio da saúde
mental que têm como propósito facilitar e efectivar a sua mudança. Não pretende ser
um manual técnico para peritos em saúde mental, pretende sim prestar informações
básicas do domínio da Psicologia ao comum dos mortais. Espero que lhe seja útil!

Ao longo deste manual encontrará várias notas:

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1. Sal e luz do mundo
É interessante iniciarmos esta caminhada, no âmbito da assertividade, falando do sal e
da luz. O sal e a luz surgem como dois elementos altamente assertivos e é curioso
como Jesus os escolheu como medida de identificação dos Seus que O amam e como
objectivo de santificação. Ser santo, ser como Ele é, passa por ser sal e luz. Vamos
estudar estes dois elementos assertivos?

O que é ser sal da terra e luz do mundo? Quem, primeiro, fez esta afirmação? Esta é
uma afirmação bíblica proferida por Jesus no Evangelho de Mateus, capítulo 5,
versículos 13 e 14.

Estas palavras de Jesus eram dirigidas às pessoas que O seguiam e se diziam Suas
testemunhas. Jesus estava a falar para os Seus seguidores e disse-lhes que eles eram
sal e luz, num sentido figurativo! Estava a falar para os que O haviam aceitado, falava
para os Seus. E qualquer um que O aceite seguir e O siga torna-se sal e luz.

O sal

Na altura em que Jesus proferiu estas palavras o uso do sal não era excessivo e,
consequentemente, não trazia malefícios para a saúde dos seus consumidores. Na
verdade, o sal era altamente valorizado: o bom sal era caríssimo e dele dependia a
conservação de alguns bens alimentares. Desde a antiguidade reconhece-se a
imprescindível utilização do sal na conservação e preservação dos alimentos; na
verdade, o seu valor chegou a ser tão alto que se assemelhou ao ouro. A palavra
salário, por exemplo, surgiu porque a recompensa pelo trabalho era muitas vezes em
sal. Por haver pouco sal, e devido ao seu elevado preço, as pessoas não o consumiam
em excesso mas moderadamente.

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Todos reconhecemos que o sal (ou cloreto de sódio) está no grupo dos sais minerais
tal como o cálcio, o fósforo, o magnésio, o flúor e outros tantos. O sódio é um ião
imprescindível à circulação sanguínea e à função renal contribuindo para o equilíbrio
do organismo. Facilita a transmissão dos impulsos nervosos, a contracção muscular e
permite o equilíbrio do fluxo de água para dentro e para fora das células (osmose) e
assim influencia a concentração de líquidos no corpo (tão vital).

Os alimentos, naturalmente, já possuem cloreto de sódio e esse parece (muitas vezes!)


ser suficiente para a nossa alimentação, constituindo o excesso um perigo para a
saúde.

Sabe-se que o excesso de sal contribui para a hipertensão arterial e para problemas
cardiovasculares. Alimentos que são fontes não naturais de sódio podem contribuir
para esta desarmonia, como o presunto, o toucinho (com cerca de 1400-
1600mg/100g), as salsichas, o chouriço, os patés, o queijo, a manteiga com sal, os
enlatados e outros tantos alimentos como o pão branco, as bolachas e a margarina. Ou
seja, em termos de saúde é importante consumir alimentos naturalmente ricos em sal
bem como evitar os alimentos cuja fonte não é natural. As fontes naturais de sódio
mostram-se suficientes para uma alimentação saudável e as fontes não naturais (e que
sugerem alimentos processados) já constituem um perigo de excesso. Jesus dizia aos
Seus seguidores que eles eram uma fonte natural de sal cuja função (mais do que
condimentar) assentava na preservação da vida e constituía um obstáculo à expansão
da corrupção no mundo. Jesus estava a usar uma linguagem simbólica. Para Jesus, se
os Seus seguidores defendessem os valores que Ele estava a ensinar conseguiriam
contribuir para a preservação da humanidade e para uma vivência saudável.

Se retirarmos o sal, passado algum tempo os alimentos apodrecem. Assim também


aquele que se diz seguidor de Jesus procura conservar e preservar. Preservar o quê?
Jesus referia-se ao fruto do espírito, referia-se a tudo o que é digno, justo e
verdadeiro. Os Seus seguidores teriam a função de conservar e preservar os Seus
princípios de justiça, amor e paz neste mundo e assim protegeriam a humanidade da
corrupção e da insanidade. Eles próprios seriam um exemplo de justiça, amor e paz
num mundo com tendência ao oposto. Eles teriam a função de manter o que é bom e
justo impedindo a deterioração da humanidade. Mas não eram apenas eles que tinham
essa função, qualquer um Seu seguidor actual tem essa função: naturalmente
contribui para a preservação do ambiente e de toda a criação de Deus através de
medidas ecológicas, naturalmente testemunha de quem Deus é e qual o Seu Reino,
naturalmente preocupa-se em detectar e suprir as necessidades de quem o rodeia.
Procura ser bênção e uma mais

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-valia para todos. A sua visão não é egoísta, mas atenta ao mundo que o cerca e a sua
postura é activa e empreendedora. Tem visão porque detecta necessidades e parte no
sentido de as colmatar. Jesus afirmou que o Seu reino não era deste mundo e, como
tal, ensinava sobre o Seu Reino espiritual e sobre o fruto que mais valorizava: amor,
alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio
próprio (G á l a t a s 5,22). A ausência do sal e a sua disfuncionalidade levaria ao
apodrecimento da própria humanidade.

Por vezes fico a pensar se uma das razões para tanta corrupção e pecado, para tanto
distanciamento e rejeição de Deus por parte do ser humano, não se deve à postura
pouco (ou nada) assertiva da Igreja. Os filhos de Deus não têm assumido a sua função
de salgar e iluminar. Será que essa não é uma das razões para o apodrecimento do
mundo? Se somos o sal do mundo deveríamos ser o elemento a que o mundo recorre
como forma de preservar os bons alimentos, os mais importantes e que não se querem
perdidos ou apodrecidos. A Igreja deveria ser aquela a quem todos recorrem como
forma de preservar o amor, a paz, a alegria, a fidelidade, a paciência, a tolerância
entre os homens, o amor a um Deus de Amor! Cada filho de Deus precisa de assumir
a sua função de salgar os frutos mais valiosos, conservando-os!

Tratando este manual da assertividade, uma ideia presente é a necessidade de auto-


afirmação: o ser-se quem se é, sem ter a necessidade de ser igual aos outros. O sal é
claramente diferente do material a que é aplicado. E tem de ser diferente para exercer
a função de temperar e salgar; se não for diferente perde a sua funcionalidade. O sal,
usado mesmo em pequenas quantidades, faz diferença. Se analisarmos a nossa vida
verificaremos que nada ganhámos em procurar ser, apenas, igual aos outros. É
esperado que cada um tenha coragem para afirmar a sua singularidade (auto-
afirmação). A identidade pessoal é o que distingue cada ser humano e o mundo social
beneficia com cada singularidade. A singularidade e a ausência de receio em a
afirmar enriquece o grupo, fortalece a criatividade e favorece o crescimento. A
variabilidade é, claramente, sinal de adaptabilidade. Quanto mais variabilidade existir
entre indivíduos maior a probabilidade de, juntos, encontrarem soluções criativas e
originais que visem a resolução de problemas quotidianos e a consequente adaptação
às contingências da vida. Quando Jesus formou o Seu grupo de trabalho, escolhendo
discípulos, Ele chamou 12 homens totalmente diferentes uns dos outros, cada um
tinha os seus traços (qualidades e defeitos)! Uns eram mais tímidos e contidos (como
João), outros eram mais extrovertidos e ousados (como Pedro). Todos foram
seleccionados provando que cada um, apesar das suas dificuldades e limitações, tem
um papel a desempenhar na obra imensa de Deus. Qualquer um, com a sua
singularidade, pode ser válido na concretização dos planos de Deus. O importante é
não rejeitar a sua peculiaridade, pois a mesma enriquece o grupo. Assim também os
dons (capacidades individuais) foram distribuídos de forma a beneficiar o corpo.
Cada um recebe o dom ou os dons que aprova a Deus e todos somos chamados a
exercê-los para a Sua glória e edificação da Igreja. A disfuncionalidade de um dos
membros do corpo afecta negativamente todo o corpo. Quando exercemos os dons
que Deus nos deu, salgamos e iluminamos. Somos fiéis à nossa função e isso não só
traz saúde ao próprio como ainda aos outros. A desobediência face à função que nos é

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atribuída prejudica todos. O mundo anseia por uma Igreja universal cujos membros
sejam capazes de assumir as suas funções de salgar e iluminar. A própria Igreja
anseia por membros activos, capazes de descobrirem a sua função no corpo e com
ousadia para a executarem. O ir à igreja ao domingo, sentar, ouvir, levantar e
continuar pela segunda-feira adentro como se existissem dois mundos (dentro da
igreja e fora da igreja) fará de nós cristãos nada assertivos e apodrecerá o local no
qual estamos.

Outra verdade do sal é que uma pequena quantidade pode afectar uma volumosa
massa. O sal consegue permear e atribuir um paladar salgado, o sal naturalmente
influencia e tempera. A esta função pode chamar-se de liderança. O sal lidera,
prevalece e faz-se sentir naturalmente. O sal não precisa de se impor para liderar e se
fazer notar, ele ganha naturalmente estatuto e todos sentem a sua presença e
reclamam por ele na sua ausência. Ser assertivo é liderar naturalmente, sem forçar a
situação, é fazer-se sentir quando está presente e contribuir para que alguém reclame
por si, na sua ausência. Consequentemente, estas palavras de Jesus remetem para
outra verdade: a face social de todos os seres humanos. Vivemos no mundo, fazemos
parte dele e temos um papel a desempenhar na família e na comunidade. O que Jesus
estava a dizer é que os Seus seguidores (afinal Ele estava a falar para os Seus
discípulos no cimo de um monte) estão no mundo, devem viver activamente no
mundo, devem influenciar positivamente a sua comunidade, temperando-a e
conservando-a. Essa é a sua função e se não a desempenharem perdem a utilidade do
sal e não servem para mais nada senão para serem pisados por quem passa.1 O sal que
não desempenha um papel de conservação sobre o alimento não está a desempenhar a
sua principal função e apenas servirá para “deitar fora e ser pisado por quem passa”.
A liderança natural é marcada pela originalidade, o líder natural orienta e marca os
outros que o cercam de forma original e sem o uso da força… é ouvido e os seus
conselhos são apetecidos e seguidos. É valorizado por quem o cerca, a manifestação
dos seus dons é reconhecida e humildemente ele impulsiona outros a agirem da
mesma maneira. Tudo surge facilmente. Ele não precisa de gritar nem de subir ao
pódio para ser ouvido, não precisa de assinalar a sua chegada, todos notam que ele
está lá (mesmo quando ele se ausenta).

Vemos a preocupação de Jesus em sublinhar a necessidade de cada um estar com os


outros e os influenciar positivamente. Mais adiante falaremos do altruísmo e do seu
efeito terapêutico: você ficará radiante e desejoso de dar mais aos outros!
1 Realmente o mau sal era usado para pavimentar as ruas! Ainda hoje é usado em alguns sítios!

Ser assertivo remete, consequentemente, para a ousadia pessoal, ousadia para afirmar
o que se é! Remete para cada um ser quem é afirmando a sua singularidade, ainda que

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num contexto social de relacionamentos capazes de influenciar e marcar quem deles
desfruta. E é nesta postura ousada de auto-afirmação e valorização dos
relacionamentos sociais que o Homem encontra parte do seu bem-estar psicológico,
altamente valorizado por Deus.

A luz

Quando Jesus disse «vocês são a luz do mundo», em Ma t e u s 5, 14, Ele estava a falar
para homens simples, humildes, sem posses e que haviam deixado tudo para O
seguir; estava a dizer que aqueles homens, que aparentemente não tinham qualquer
valor especial (eram comuns e alguns desprovidos de instrução), eram a luz. Vemos o
valor que Jesus atribuía aos Seus: eles eram a luz! Imagino o que estas palavras terão
feito na auto-estima destes homens, provavelmente alguns deles até incrédulos
perante tais informações!2

Interessante notar que Jesus fala daquilo que os Seus seguidores SÃO e só depois
daquilo que eles FAZEM. Os Seus seguidores são sal e luz e naturalmente agem
como tal. Nota-se a ênfase no ser e o fazer (as obras!) surge como consequência
espontânea e natural desse ser. Somos algo antes de conseguirmos agir como tal.
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Consulte a PriMeira Ca rt ade Pedro 2,9: «Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus, para proclamar
as obras maravilhosas d’Aquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa.» Estas palavras foram escritas por Pedro, o pescador
(na altura estava em Roma), e destinavam-se a cristãos de diversas comunidades da Ásia Menor. Estes cristãos suportavam perseguições por
causa da sua fé em Jesus, e Pedro exorta-os a permanecerem na luz, mesmo na adversidade. Realmente Pedro bebeu as palavras que ouviu
da boca de Jesus no Sermão da Montanha (afinal ele estava lá quando Jesus havia dito que eles eram o sal e a luz) e agora transmite a mesma
ideia aos seus irmãos na fé.

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E como se comporta a luz? A luz apaga a escuridão e traz sabedoria, a luz mostra o
que existe, não permite esconder nada, a luz revela a verdade. A luz é a honestidade e
a escuridão é a hipocrisia, o cinismo, a mentira e a ocultação. A luz esclarece as
situações e é atrevida. A luz atreve-se a iluminar e a revelar a verdade mesmo quando
alguém não a quer ver. A luz é afirmativa, afirma-se e afirma o que está à sua volta,
não compactua com o oculto e assertivamente aponta o caminho. Se Deus é luz, então
Ele é assertivo e convida-nos também a sê-lo. Toda a postura de Jesus pautava-se
pela proclamação da verdade, fazia-o mesmo quando tinha de ser atrevido e quando
tinha de desafiar o desmoronar das máscaras da religiosidade. Chamava alguns
líderes religiosos de sepulcros caiados exactamente porque ocultavam quem
realmente eram, os seus reais instintos e motivações, eram hipócritas e escondiam-se
em falsas vidas (vidas que interiormente não viviam, mas que queriam que os outros
acreditassem que eram vividas).

A função da luz é iluminar, é a sua função natural, é esperado que ela ilumine, não se
discute a sua função. Jesus continuou as Suas palavras dizendo que uma cidade
situada no alto de um monte não se pode esconder, mesmo que o desejasse não se
pode esconder nem dos que procuram o seu abrigo e protecção, nem dos inimigos que
buscam a sua destruição. Ele continuou a falar procurando que os Seus seguidores
entendessem o Seu propósito, entendessem como Ele percebe a vida, e afirmou que
não se acende um candeeiro para o pôr debaixo de uma caixa, pelo contrário, põe

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-se sim num lugar que alumie bem a todos os que estiverem em casa.3 Ou seja, para
Jesus, qualquer um de nós no seu pleno juízo não acende um candeeiro para o
esconder. Não faz sentido! O que Ele quis transmitir é que a luz serve para iluminar,
essa é a sua função. Ele espera que cada um ilumine, afirme o que traz consigo numa
atitude baseada na verdade. Isso é assertividade. Aquele que não é assertivo, que não
se afirma como sal e luz, perde a sua função e torna-se inútil. A ocultação da forma
como sente, pensa e age sugere escuridão e propicia a perda de si mesmo, a perda da
essência e do que o distingue dos outros. A manifestação da identidade permite o seu
reconhecimento, a sua distinção face aos outros e permite a sua solidez. Daí as
psicoterapias valorizarem o autoconhecimento, a procura do que eu sou e a sua
afirmação. O crescimento saudável passa muito pela possibilidade de descobrir as
capacidades e limitações pessoais, passa por conhecer e valorizar os dons e talentos
individuais. Estar feliz e em paz significa, de certo modo, estar a fazer algo que sei
que gosto, passa por contactar com a minha identidade deixando-a manifestar-se na
relação com os outros. Igualmente, o crescimento saudável passa pela coragem em
afirmar e admitir as limitações pessoais (os medos, as inseguranças, os erros) porque
é nessa auto-afirmação que a autoconsciencialização abre portas à auto-renovação ou,
biblicamente, “santificação”. A confissão dos erros (algo que poucos de nós
compreendemos e aceitamos!) no fundo permite a autoconsciencialização necessária
à auto-renovação. Assim, ao confessar um fracasso ou erro, mais do que um suposto
acto de auto
-humilhação, constitui-se a possibilidade de crescimento. Trazer à luz o que
verdadeiramente somos (com os nossos dons e talentos bem como dificuldades,
limitações e fracassos) permite uma maior autoconsciencialização, permite
relacionamentos mais verdadeiros e livres de máscaras e abre portas ao crescimento
pessoal. Trazer à luz não significa colocarmo-nos em cima de um banco, em praça
pública e com um megafone afirmarmos o que sentimos, pensamos ou como nos
comportamos. Não. Significa apenas não nos ocultarmos dos outros e principalmente
de nós mesmos. Sim, porque muitos ocultam-se de si mesmos recusando ver o que
realmente sentem, pensam ou porque agiram de determinada forma. E isso é andar na
escuridão. A Palavra de Deus ensina o Homem a examinar-se a si mesmo.
3 Nesta altura, em que Jesus está a falar com os Seus discípulos, as casas, maioritariamente, eram constituídas por uma única divisão!

A Igreja é a luz do mundo. É esperado que a verdadeira Igreja assertivamente ilumine


mostrando o caminho aos outros. É esperado que ela traga tudo à luz impedindo que
alguém ande perdido no escuro, na falta de sabedoria tacteando a vida. É esperado
que a Igreja ousadamente mostre a glória de Deus, a consiga reflectir e tal como a luz
atrai quem está na escuridão, ela atraia outros seres humanos a Deus, que é a grande
Luz. O grande problema surge quando a luz (cristãos) se recusa iluminar em casa, no
local de trabalho ou nos momentos de lazer. O problema surge quando queremos
esconder a luz que já está em nós (isso é insanidade e acabará por queimar-nos), ou
quando aceitamos iluminar mas de uma forma tímida. A Luz deve iluminar
ousadamente! Essa é a identidade do cristão com Cristo, Ele é sal e luz e não pode
fugir à consequência irreversível de o ser. Ponto final! Ser verdadeiramente cristão
não é um resultado de uma herança cultural ou de um testamento escrito pelos pais,

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não é uma cruz pendurada ao pescoço ou uma ida tradicional à igreja ao domingo de
manhã. Também não é participar em obras de caridade. É muito mais do que isso, é
ter a identidade de Cristo, é ter o Seu carácter sendo sal e luz tal como Ele mesmo é.
Por isso se fala em santificação, que é apenas a aquisição e manifestação assertiva do
carácter de Cristo em cada um dos que se dizem cristãos.

Por falar em identidade… vamos debruçar-nos sobre ela, mas antes ficam algumas
questões para reflexão.

A identidade, identificação e personalidade

Segundo o Dicionário de Psicologia de Chaplin, a identidade é o próprio indivíduo. É


a sua personalidade e tende a manter-se, a ser sempre a mesma em todas as suas
características essenciais: o sal será sempre sal e a luz será sempre luz sem perderem
a sua essência! A identidade pessoal é a sensação de continuidade pessoal ao longo
do tempo, tem que ver com a persistência da personalidade apesar das mudanças
estruturais do meio ambiente em função do tempo. A personalidade de alguém é
composta pelos seus padrões relativamente constantes e duradouros de perceber o
mundo que o rodeia e o seu mundo interior, padrões de pensamento,
sentimentos/emoções e padrões comportamentais. A identidade tende a manter-se
mesmo em situações adversas, é uma questão de sobrevivência psíquica! E Jesus
esperava que os Seus seguidores mantivessem a sua essência de salgar, temperar,
conservar e iluminar, mesmo na adversidade. A perda ou confusão da identidade
sugere uma situação de mal-estar e doença psíquica: tal como aconteceria se o sal
deixasse de ser sal e a luz deixasse de ser luz. O apodrecimento e a escuridão
tomariam lugar e gerar-se-ia a confusão e a patologia, não só em termos espirituais
mas igualmente psicológicos/emocionais e mesmo físicos.

A sua personalidade é você mesmo, na sua forma de gerir as suas frustrações, de


perseguir os seus objectivos e alcançá-los, na sua forma de viver e sentir a vida. É a
maneira mais ou menos extrovertida com que lida com o mundo social que o rodeia,
como encara os desafios académicos e profissionais. É o que o distingue dos outros e
tem permanecido ao longo dos anos. O que Deus espera é que a sua identidade seja
marcada pela Sua identidade. Espera que o seu eu se assemelhe cada vez mais ao
grande Eu Sou! Falamos, novamente, de santificação!

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Então… esperem lá… auto-afirmação não é o objectivo? Eu não devo ser capaz de
me afirmar doa a quem doer? Não devo mostrar o que penso, sinto ou agir como me
apetece e os outros que aceitem? Afinal falamos de assertividade!

Pois é… você deve afirmar-se no que pensa, sente ou como pretende agir ou já agiu!
Mas a assertividade na sua essência também salienta a importância do respeito,
tolerância e do sábio autocontrolo perante o outro! E Jesus mostra-Se sábio nesse
campo. Desenvolver a identidade de Deus significa tornarmo-nos como Ele,
mortificarmos os nossos desejos de anulação ou destruição dos outros bem como
reflectirmos sobre valores como o respeito, a tolerância e o amor incondicional. E
neste campo nem todos os nossos ímpetos devem ganhar espaço. Ao longo do manual
perceberemos melhor este aspecto do autocontrolo.

Não ter uma identidade sólida abre portas à perda de si mesmo. O não saber quem
somos, de onde vimos, o que gostamos e para onde queremos ir associa-se a um
quase “não ser”. Deus reconhece a necessidade de ser. Ele apresentou-se como o «Eu
Sou».4
4
É saudável a pessoa descobrir quem é. Descobrir o que gosta e desgosta, o que a motiva e desmotiva, descobrir quais os seus sonhos e para
onde quer ir, descobrir as suas potencialidades e limitações, descobrir o impacto dos outros na sua vida e descobrir o que está errado na sua
forma de pensar, sentir e comportar-se. Ao descobrir este último espera-se que descubra se pretende mudar e caso queira, de que forma. É
um processo lento e profundo. Porém, é um processo saudável que leva ao encontro com o Eu, à autodescoberta e à liberdade.

Mas como se forma a identidade? A identidade surge graças a um processo de


identificação. A identificação é um processo de associação íntima de si com um
outro. É a tendência para assimilar de um outro as suas características e torná-las suas
também. Está relacionado com um processo de cópia baseado numa ligação profunda
com alguém. E Deus espera que façamos uma identificação com Ele, que é nosso Pai
e Criador!

A identificação primária é a identificação da criança com os pais (especialmente com


o progenitor do mesmo sexo) e a identificação secundária é a identificação da criança
com alguém diferente dos pais como um professor ou figura de um herói. Assim, em
contacto com os pais, e outras figuras de referência, a criança observa e copia:
observa a forma como os pais desfrutam da vida, vivem os relacionamentos
familiares e sociais, ultrapassam os problemas, partilham emoções, o que mais

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valorizam e definitivamente desvalorizam. Depois de tanta observação, elas copiam!
É a identificação que servirá de base à construção da sua identidade. A grande
dificuldade é que nem sempre a identificação é feita com o melhor exemplo. Temos
alguns comportamentos disfuncionais porque os observámos e copiámos, como a
tendência para fugir dos problemas sem os querer resolver (tapar o sol com a
peneira), responder às situações quotidianas de forma agressiva (andar com sete
pedras na mão) ou mesmo a tendência para dramatizar (fazer tempestades em copos
de água). Mas atenção porque a aprendizagem não é suficiente para determinada
característica do outro se tornar nossa: é como semear uma semente, ela só cresce se
encontrar terreno propício para tal. As características dos outros permanecem em nós,
adultos, se as alimentarmos. Enquanto adultos que somos já não podemos atribuir a
“culpa” do nosso comportamento ao nosso pai ou mãe, a responsabilidade é nossa!
Nós é que decidimos manter determinado padrão disfuncional ou substituí-lo por
outro. Convém substituir, é mais saudável!

Ao longo da vida acontecem vários processos de identificação, havendo uma maior


probabilidade de permanecerem aqueles que estão em concordância com o
previamente construído e desvalorizar novos padrões de funcionamento. Claro que
toda esta necessidade de confirmar o que já anteriormente foi estruturado e
enquadrado no ego, bem como a necessidade de rejeitar o que é novo e que entra em
discordância com o que já existe, tem como objectivo a “sobrevivência psíquica”.
Passo a explicar: rejeita-se o novo padrão de funcionamento (novas formas de pensar,
sentir e reagir, por vezes mais saudáveis e adaptadas) porque aceitá-lo significaria
entrar em caos psíquico, questionar tudo o que já é defendido, desarrumarmo-nos
interiormente… e isso é angustiante. O grande problema é a angústia resultante da
dúvida perante o novo e perante a possibilidade de necessária mudança. O que a
pessoa faz é, a todo o custo, procurar poupar-se da angústia, como se ela fosse
totalmente má. Assim, evita-se questionar (como se pensa, sente e age perante as
situações) para esquivar-se ao caos daí resultante e procura-se, falsamente,
sobreviver.5

Para que haja identificação com alguém é necessária uma ligação profunda com esse
alguém. Assim, para que haja identificação com Jesus é necessária uma ligação
profunda com Ele, é necessário procurar conhecê-l’O e deixar que as Suas
características impregnem o eu. Estes afectos e comportamentos funcionais são
aqueles que se baseiam no amor e na verdade e que prolongam a saúde física, social,
emocional e espiritual. É a santificação!
5
Claro que neste caso é só mesmo sobreviver psiquicamente, não é viver!

Várias teorias têm surgido na tentativa de explicar o que é a personalidade. Vamos


rever algumas partindo do princípio que a personalidade é o conjunto das formas
particulares de sentir, pensar e agir, definindo a identidade do sujeito e os factores
que contribuem para a sua formação (ambiente social, educação familiar e religiosa,
educação escolar e património genético).

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Claro que todas estas teorias apresentam limitações, apesar de todas elas terem algo
de verdade a ensinar. Descubra por si mesmo. Limitar-me-ei a apresentá-las
sumariamente, com alguns comentários pessoais.

■     Freud (1856) definiu a personalidade como a integração do id, ego e


superego. Ou seja, a personalidade resultaria de um conflito inconsciente e constante,
ao longo da vida e por várias fases do desenvolvimento psicossexual, entre estas três
instâncias. O conflito surgiria entre a procura do prazer e as interdições pessoais e
sociais, entre o que apetece e o que tem de ser feito, entre os desejos e as obrigações.
A forma como este conflito, entre busca do prazer e cumprimento das interdições, é
gerido pelo sujeito marca a personalidade.

Assim, para Freud, existem três instâncias organizadas segundo um icebergue: à


superfície existe uma ponta de gelo visível mas muito menor, em dimensão, do que a
sua parte submersa. O submerso será o id e a parte à superfície será o ego. Entre os
dois situa-se o superego. O id reúne os desejos, o prazer e os impulsos (muitas vezes,
mal vistos socialmente). O superego é uma espécie de polícia atento, sempre pronto a
sancionar, corrigir e zangar. É a tal instância que impede a passagem de certos
desejos, interditos socialmente, para o consciente do indivíduo: o ego. Em termos
mais básicos, todos nós temos impulsos (id) que não são bem vistos nem pelos outros
e nem pela nossa própria consciência (ego) e por isso uma parte de nós (superego)
encarrega-se de os manter o mais escondidos e sancionados possível. Claro que o
“polícia da consciência” por vezes fica menos alerta e tal acontece quando estamos a
dormir ou sob o efeito de substâncias como o álcool. Nestas situações, nas quais não
exercemos muito controlo, os impulsos manifestam-se sob a forma de
comportamentos e palavras não pensadas que em situação de normalidade e
autocontrolo não aconteceriam.6 Aí costuma-se dizer que “as verdades vieram a
cima”! O excesso de superego deve-se, muitas vezes, a uma educação demasiado
controladora, em que é sempre exigida a perfeição e a moralidade, em que o erro não
é tolerado e em que os afectos são substituídos pelas obrigações.7 O excesso de
superego destrói aquilo que Jesus definiu como Graça. Segundo a graça de Deus, nós,
homens e mulheres, adoptamos atitudes e palavras socialmente consideradas boas,
não por obrigação e por medo do castigo mas porque já recebemos o amor de Deus.
O amor de Deus, oferecido por Ele, de graça, a cada um de nós, é tão grande que nos
leva a desejar dar mais e melhor de nós mesmos. É tão agradável que também
procuramos agir adequadamente simplesmente porque nos sentimos amados. Assim,
pensamos, agimos e falamos sem ofender os outros, não por medo de algo, não por
nos sentirmos obrigados a tal, mas simplesmente por amor! Neste caso não há
excesso de superego, porque o que vem do id (do mais profundo do nosso ser!) é puro
e não precisa de ser sancionado. Isto permite libertar o perdão com mais facilidade,
quer face a nós mesmos, quer face aos outros que nos magoam!
Quando o superego é excessivo surgem perturbações, algumas psiquiátricas, como a
Perturbação da Ansiedade Obsessiva
-Compulsiva. Esta perturbação é marcada por intensa e descontrolada ansiedade. A

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pessoa, a fim de conseguir diminuir a intensidade da ansiedade, começa a exercer
sobre si e sobre os outros determinadas exigências e regras e a ter pensamentos
recorrentes reconhecidos como produto da sua mente. Quando tais exigências não são
cumpridas, a ansiedade aumenta tanto que o desconforto se torna aparentemente
intolerável. Essas exigências podem ser várias: lavar repetida e compulsivamente as
mãos ou outra parte do corpo, limpeza exageradíssima com a casa, verificação
contínua de simetria – com os quadros e outros objectos decorativos – bem como
outros rituais de verificação. O problema é que o superego sacrifica o ego exigindo o
cumprimento de certos protocolos e não permite o descanso psíquico enquanto o ego
não “obedecer”. A pessoa deixa-se escravizar pelas exigências apenas para conseguir
o alívio temporário da ansiedade. Claro que não é este o plano do Criador para a
humanidade! Não somos chamados a ser escravos, muito menos do produto da nossa
mente! Somos chamados a ser livres. A doença mental não faz parte da vida saudável
planeada por Deus para cada um de nós! Já agora… para esta perturbação da
ansiedade há tratamentos eficazes, nomeadamente a psicoterapia!
Paralelamente, a carência de superego não é benéfica. O não ter a noção das
consequências dos pensamentos, afectos e comportamentos errados gera aquilo a que
Jesus denominaria de pecado recorrente, ausência de regras e tolerância para com o
mal. São os pais (e a sociedade em geral) que ensinam às crianças o que está certo e o
que está errado. Uma educação inadequadamente permissiva leva ao erro recorrente,
também por desconhecimento dos limites. O que Deus espera é que sejamos capazes
de educar os nossos filhos no respeito por si mesmos e pelos outros. O que Ele espera
é que tenhamos capacidade de autodomínio e sejamos capazes de cumprir regras,
quando as mesmas contribuem para a qualidade de vida pessoal e social. É
interessante perceber que as crianças pequenas não têm capacidade de autodomínio.
Não se nasce com esta capacidade! São os pais que ensinam os filhos a treiná-la, que
os ensinam em que situações a devem exercer e em que situações não precisam de a
exercer! Se os pais não ensinarem (e a sociedade também não o fizer), estas crianças
tornar-se-ão adolescentes e adultos imparáveis na arte de pensar, sentir e praticar o
mal! É autodestrutivo e consequentemente destrói quem estiver por perto!
Um caso extremo de tolerância para com o mal é a Perturbação Anti-Social da
Personalidade, marcada por um calo emocional. Nesta perturbação há um padrão
persistente de desrespeito e violação dos direitos dos outros, há uma inconformidade
com as normas sociais, há falsidade e mentira constante para obter lucro ou prazer
próprio, há impulsividade ligada a instintos agressivos, bem como irritabilidade fácil.
Claro que a irresponsabilidade e a ausência de remorsos completam o bolo! Mais lá à
frente voltaremos a falar dela.
Em relação ao ego, como se sabe a sua afirmação é determinante para um clima de
saúde mental. A anulação do ego gera mal-estar psíquico e desejos de morte. A
escravidão do ego eu) por uma das outras duas instâncias gera perturbação e mal-estar
psicológico. O esperado é que as três instâncias convivam harmoniosa e
equilibradamente. Para Freud, a personalidade resulta da relação entre estas três
instâncias: ego, id e superego.
6
Os sonhos também surgem como manifestação do id.
7
Mas atenção… por vezes os pais nem sequer são assim tão rígidos, mas por alguma outra influência exterior os filhos aprendem a exercer
esse autocontrolo exagerado (patológico!) sobre si mesmos.

20
■     Adler (1870) apresentou a personalidade como o estilo de vida ou a forma
característica de reagir aos problemas quotidianos, bem como objectivos de vida.
Adler fundou a Psicologia Individual e defendeu que a fragilidade e o desamparo na
infância conduzem a sentimentos de inferioridade. Esta dinâmica é, segundo Adler,
um factor básico do desenvolvimento da personalidade. Se inerente a esses
sentimentos existir uma fragilidade orgânica, real ou imaginada, eles tendem a
aumentar e pode mesmo desencadear-se um complexo de inferioridade. As mulheres
(na altura alvos de muita discriminação) e os grupos minoritários estariam mais
propensos a esse complexo de inferioridade. Ao sentirem-se inferiores, estas pessoas
travariam uma luta no sentido de vencer e alcançar o poder. Essa busca do poder
poderia assumir uma forma excessiva e manifestar
-se na tentativa de dominar os outros, em alguma hostilidade na competição e até
numa certa anti-sociabilidade própria da delinquência e criminalidade. Para Adler, os
sentimentos excessivos de inferioridade levariam a pessoa a ter uma noção exagerada
do seu próprio valor (como se a autovalorização excessiva escondesse, no fundo,
sentimentos de inferioridade e como se os excessos escondessem verdadeiras
carências). Estes indivíduos tenderiam a imaginar-se em situações de vida em que a
luta é uma constante da qual sairiam vencedores, aniquilando os seus inimigos. Este
modo de vida estaria na base da perturbação psíquica e os sentimentos de
inferioridade influenciariam a motivação de cada pessoa.
Adler percebeu algo que Deus já sabia: a necessidade de cada Homem ser valorizado
pelos outros para que, posteriormente, aprenda a autovalorizar-se. Adler entendeu a
necessidade de os pais valorizarem os seus filhos, não os irritarem e não os
conduzirem a sentimentos de desamparo e fragilidade. O amor é a única dádiva que
em “excesso”8 não faz mal. Este “valorizar o outro” relaciona-se com o reconhecer
qualidades e limitações, relaciona-se com uma apreciação correcta do outro: sem
esconder os seus limites, sem negar as suas aptidões e sem sobrevalorizar as suas
qualidades ou falhas. Mas sempre valorizando-o enquanto pessoa criada por Deus à
Sua imagem e semelhança.
8 Efectivamente, nunca é em excesso!

Neste versículo encontra-se subjacente o que a Psicologia actualmente já sabe: o

21
equilíbrio é alcançado quando os pais transmitem paz, alegria e bem-estar aos seus
filhos (ensinando
-os a andar na luz e a repudiar a escuridão), não os irritando e quando, em simultâneo,
transmitem disciplina (regras de bem-estar e bom comportamento, saber ser, saber
estar, saber fazer). O andar na luz é o andar sob o foco do que é verdadeiro e
amoroso, é fazer aquilo que não precisa de ser escondido. É, igualmente, dar de
“graça” facilitando o perdão em caso de erro. O amor deve ser temperado com a
disciplina. Amar será disciplinar de forma amorosa e disciplinar será amar ensinando/
/corrigindo.
Adler reconheceu a importância de declarar o valor de cada pessoa, contribuindo para
a diminuição dos seus sentimentos de inferioridade, e reconheceu como estes
sentimentos propiciam desajustes e mal-estar.
Biblicamente não se encontra nenhum comportamento ou atitude de Deus de
desvalorização e inferiorização do ser humano. Não se encontra qualquer tentativa de
escravidão por parte de Deus face ao Homem, Ele até ofereceu o livre arbítrio! Ele é
amor, lembra-se? Ele é! Ele não precisa de se esforçar para o ser, já é! Faz parte da
Sua personalidade e como tal é uma característica constante. A escravidão do ser
humano não é exercida por Deus e o sofrimento normalmente é um resultado natural
das escolhas que fazemos (ou que outros fazem por nós e infelizmente nos afectam).
Verdadeiramente colhe-se aquilo que se semeia. Como pode semear batatas e esperar
colher tomates? E ainda ficar zangado e maldizer a Deus se colher tomates? Não faz
sentido! Hoje você colhe aquilo que escolheu semear no passado! E pior, as suas
escolhas vão influenciar a vida dos outros, bem como as escolhas dos outros vão
influenciar a sua vida. Escolha, então, hoje semear boas sementes para colher,
amanhã, bons resultados! Quando estou no consultório muitas vezes apercebo-me de
que o sofrimento que inunda a vida de alguns pacientes desesperados é resultado das
suas más escolhas passadas. Lamento e entristeço-me pela falta de sabedoria que por
vezes temos e que nos leva a escolher mal. Mais tarde ou mais cedo colhemos as
consequências!

■     Jung (1875) afirmou que a personalidade seria a integração do ego, do


inconsciente pessoal e colectivo, dos complexos, dos arquétipos, da persona e da
anima. Segundo Jung, todos os seres humanos herdam um inconsciente colectivo que
detém memórias ancestrais e que, em união com as memórias individuais,
determinam a personalidade do indivíduo. Fundou a Psicologia Analítica e valorizava
a natureza religiosa do Homem, encorajando os seus pacientes a descobrirem Deus.

■     Horney (1885) acreditava que as experiências sociais das crianças resultavam


em diferentes personalidades. O isolamento e o desamparo sendo perturbadores,
quando sentidos na relação com os pais, bloqueiam o crescimento interior da criança.
Realmente os pais têm um papel e função vital9 nos seus filhos. Facilmente podemos
ser substituídos no nosso local de trabalho, outro pode chegar e desempenhar as
nossas funções tão bem ou melhor do que nós, mas ninguém poderá substituir o nosso
lugar na vida dos nossos filhos. Se não cumprirmos esta missão ninguém poderá
cumpri-la e deixaremos sempre uma carência neles. Que pena os pais não perceberem
isto e não serem suficientemente sábios para definirem prioridades. Claro que temos

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de trabalhar! Mas o excesso rouba espaço à nossa primeira missão: lapidar outros
seres humanos que carregam a nossa herança genética!

■     Sullivan (1892) enfatizava os relacionamentos sociais da infância,


nomeadamente as relações com os pais. Afirmava que ter um autoconceito positivo
(eu bom) ou negativo (eu mau) dependia do processo de socialização na infância.
Recordo a imagem no espelho. Verdadeiramente os outros funcionam como nosso
espelho. Eu saberei que sou “boa” se os outros me transmitirem essa imagem, mas se
me transmitirem a imagem de que eu sou “má” então crescerei a sentir-me má e
incompleta. Na relação com os pais, as crianças aprendem se são dignas de carinho e
amor ou não. A forma como são tratadas, pelos pais, levam-nas a sentirem-se “boas”,
caso sintam que são bem tratadas, ou “más”, se sentirem que são mal tratadas. A
criança pensa: «Se estou a ser mal tratada é porque fiz algo errado, então sou má.» O
sentir-se má abre portas ao sofrimento interior, que se pode manifestar sob a forma de
agressividade ou passividade e conformismo, sob a forma de doenças
psicossomáticas recorrentes que, muitas vezes, espelham perturbações como a
ansiedade e a depressão.
9
Mais do que a vitalidade física, sublinho aqui a vitalidade emocional e afectiva. São os pais os principais impulsionadores do crescimento e
amadurecimento emocional dos seus filhos.

■ Allport (1897), antigo professor em Harvard, definiu a personalidade como uma


organização dinâmica dependente de sistemas psicofisiológicos que determinam o
comportamento e pensamentos característicos. Ou seja, para ele a personalidade
depende da relação entre o psíquico e o fisiológico, como se a personalidade também
tivesse uma base biológica. Se pensarmos que muitos filhos são
“personalisticamente” parecidos com os pais poderemos concordar que possivelmente
parte da nossa personalidade é mais do que aprendida, é geneticamente herdada!
Neste caso entende-se o porquê de certos filhos reproduzirem atitudes e reacções dos
pais. E o mais engraçado é que, muitas vezes, o que é criticado pelos pais nos filhos
não é reconhecido por eles como fazendo parte deles. Toda a gente vê a semelhança
de reacções, menos o progenitor que critica! E assim, ao apontar o dedo aos filhos, no
fundo aponta o dedo a si mesmo (só que com três dedos apontados).

■ Segundo Sheldon (1898), o tipo de corpo diz muito sobre o tipo de personalidade.
Por exemplo, pessoas com corpos mais atléticos (mesomorfia) tendiam a apresentar
um tipo de personalidade mais afirmativa, agressiva, activa, corajosa e dominante,
enquanto pessoas com corpos mais gordinhos (endomorfia) tendiam a ser mais
apreciadores do conforto, sociáveis, glutões e de “bom temperamento”. Sheldon falou
também do corpo alto, magro e frágil (ectomorfia) como pessoas inibidas, temerosas
e autoconscientes.
Sheldon e Kretschmer relacionaram a personalidade com o temperamento. O
temperamento é a predisposição para uma determinada reacção. Para LaHaye (2006),
o temperamento influencia todas as acções e existem quatro tipos de temperamento
que podem ser combinados e dar origem a 12 combinações diferentes. Os quatro
básicos são: Sanguíneo (são pessoas expressivas, comunicativas, entusiastas e
emocionalmente instáveis), Melancólico (são pessoas analíticas, autodisciplinadas,

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sensíveis e autocentradas), Fleumático (são pessoas calmas, quietas, diplomatas e
condescendentes) e Colérico (são pessoas decididas, práticas, dominadoras, por vezes
insensíveis). E esse temperamento define a personalidade da pessoa influenciando as
suas vocações, emoções, relacionamentos e vida espiritual. Para LaHaye, o
temperamento é determinado pela combinação de genes e cromossomas dos pais no
momento da concepção. O temperamento é a combinação de características herdadas
dos progenitores, é ele que nos torna mais introvertidos ou extrovertidos. Claro que o
temperamento não é a única influência sobre o comportamento. O treino e a educação
também têm o seu contributo. No entanto, esta combinação de genes afecta o sujeito,
quer no seu inconsciente, quer no seu comportamento mais visível, como as suas
reacções. O temperamento natural modificado pelo treino recebido na infância, pela
educação, pelas crenças, princípios e valores, bem como motivações dá origem ao
carácter (laHaye, 2006).

■ Erikson (1902) defendeu que à medida que o indivíduo vai crescendo, vai
passando por vários estádios. Em cada estádio existe uma tarefa a realizar ou conflito
a resolver, sem o qual não poderá passar para o estádio seguinte.
A resolução destes conflitos influencia o sujeito na relação consigo mesmo e com os
outros e influencia toda a sua personalidade. Uma boa resolução do conflito
contribuirá para uma personalidade mais ajustada socialmente e de bem consigo
mesma. A dificuldade em resolver os conflitos internos dará origem a formas de estar
e sentir mais desajustadas. Veja o quadro seguinte.

24
25
26
27
É interessante como Erikson descreve a necessidade de descentralização positiva de si
como algo saudável. Para ele, o Homem maduro e saudável é aquele que é capaz de
sair de si mesmo para dar aos outros. O egocentrismo e o isolamento surgiriam
apenas como resultado de imaturidade e perturbação entre os 30 e os 65 anos de
idade. No entanto, antes desta fase altruísta e descentralizada de si, a pessoa está
(enquanto criança e adolescente) centrada em si: nas suas capacidades e limitações.
Segundo Erikson, só depois de passarmos um longo tempo centrados em nós mesmos
é que estamos disponíveis para nos centrarmos outros. E é esperado que o tempo de
autocentração seja saudável: permita ao sujeito autoconhecer-se (as suas limitações e
as suas capacidades), auto-aceitar-se e auto-estimar
-se! E aqui faz todo o sentido recordar as palavras de Jesus “ama o teu próximo como
a ti mesmo!”

■ Rogers (1902) defendeu que o “eu” ou autoconceito é um padrão organizado e


coerente de características percebidas pelo próprio indivíduo, juntamente com o valor
atribuído a esses atributos percebidos.
A infância é uma altura crucial do desenvolvimento da personalidade e os
relacionamentos sociais mais primitivos (com o pai e a mãe) tendem a marcar
profundamente essa personalidade. As crianças tendem a procurar a aprovação dos
pais e farão tudo para a obter. Efectivamente, todos precisamos da consideração
positiva e de sermos aceites pelas pessoas que valorizamos e nesta necessidade de

28
sermos aceites (tal como as crianças) tendemos (por vezes e patologicamente) a negar
ou a distorcer as próprias percepções, emoções, sensações e pensamentos. Quando tal
acontece a auto-imagem fica distorcida, incompleta e irreal. É como se perdêssemos
partes de nós para agradar aos outros, para garantir a consideração, o amor e a
atenção dos outros. Esta negação do eu é propícia a problemas de identidade, à fraca
noção de quem sou eu, o que gosto e para onde quero ir. Para Rogers, as pessoas
ajustadas têm um autoconceito realístico, têm consciência das suas características,
estão conscientes do seu mundo interior, estão abertas a novas experiências10 e
autoconsideram-se positivamente. Estas pessoas sentem-se livres para tomarem
decisões ponderadas e não receiam a mudança. Assim, Rogers apela à necessidade de
aceitar verdadeiramente as pessoas, de forma a promover o seu crescimento. Jesus
aceitava verdadeiramente as pessoas, lidava com aqueles que a sociedade desprezava
porque entendia que só numa relação de aceitação elas concordariam em deixar as
suas más escolhas e substituí-las por outras mais saudáveis: Zaqueu, o cobrador de
impostos odiado pelo seu próprio povo por o roubar e entregar as divisas a Roma, só
mudou depois de Jesus repousar em sua casa. A aceitação do outro11 permite-lhe
baixar as defesas, as armas, diminui a resistência à mudança e abre portas a uma nova
vida. Isto é Graça, um dos fundamentos do Cristianismo. Quanto mais criticarmos
algo em alguém, mais dificilmente esse alguém consentirá e conseguirá mudar esse
algo. A crítica levanta muros e aguça a autodefesa: a graça e o amor quebram
barreiras e tornam o outro favorável à mudança. Porque ao não ter de lutar contra o
outro mais facilmente se aceita pensar sobre a mudança proposta por esse outro e leva
-la adiante.

■  Cattell (1905) definiu a personalidade como aquilo que permite prever o que a
pessoa fará numa dada situação. Sabemos qual a sua essência, logo sabemos como se
comportará em dada situação.
Conhecemos a essência da luz e sabemos que ela iluminará sempre. Igualmente
reconhecemos que o verdadeiro sal não conseguirá deixar de salgar. Será impossível!
Assim, a previsibilidade do comportamento marca a personalidade de alguém.
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Porque tendo a noção segura de quem são não temem deixar-se “contaminar” pelo diferente. O sal não teme ser misturado com o açúcar
porque mesmo misturado mantém a sua identidade salgada, e a luz não teme misturar-se com a escuridão, porque mesmo misturada não
deixará de iluminar.
11
É a aceitação da pessoa enquanto pessoa, não é a aceitação e concordância com o seu erro! Não aceitamos o erro mas aceitamos a pessoa.
Jesus ama o pecador mas opõe-se ao pecado.

Estas são algumas das teorias apresentadas ao longo dos tempos para definir o que é a
personalidade. Muitas outras foram concebidas!

O conhecimento da própria personalidade pode ser definido como autoconceito. O


autoconceito é o conhecimento que a pessoa tem de si e relaciona-se com a
capacidade de se autodescrever (falar de si mesma). Esse autoconceito pode ser mais
positivo (fala bem de si procurando a veracidade) ou mais negativo (tende a ter uma
imagem de si negativa evidenciando, essencialmente, os seus defeitos e por vezes
inventando outros). Aquilo que a pessoa conhece de si pode levá-la a gostar mais de
si (auto-estima alta) ou a gostar menos de si (auto-estima baixa). O autoconhecimento

29
e a capacidade de autocompreensão facilitam o processo de auto
-estima. Ou seja: passar tempo a pensar sobre si mesmo (mesmo sobre os aspectos
que considera desagradáveis e que gostaria de mudar) numa atitude de
autocompreensão (e ponderação) abre portas a uma auto-estima mais equilibrada. No
entanto, pensar sobre nós mesmos nem sempre é fácil. Existem realidades difíceis de
consciencializar e admitir, das quais muitas vezes (mais do que devíamos!) nos
escondemos. Igualmente pensar sobre nós mesmos nem sempre é um processo
realista porque tendemos a basear-nos em falsas realidades e a confundir o que somos
realmente com o que gostaríamos de ser (o nosso ego ideal). É neste percurso de
pensar sobre nós mesmos que, por vezes, surge a necessidade de o fazermos a dois.
Um amigo com sabedoria, um familiar íntimo ou um psicoterapeuta podem facilitar
esse caminhar que não é, nada mais nada menos, do que mergulhar em nós mesmos
para depois sair de forma a voltarmos aos outros. E voltar aos outros com mais
consciência de quem somos é saudável! Se, sozinhos, este regresso se torna difícil,
acompanhados custa menos porque o outro (uma espécie de auxiliar do nosso ego)
indica o caminho de regresso. Explico melhor: quando sozinhos, mergulhamos em
nós mesmos, corremos o risco de nos perdermos12 e não conseguirmos encontrar o
caminho de volta (como que numa perda egocêntrica). Se mergulharmos num eu
sofrido, amargurado e melancólico, afundamo-nos na tristeza e possível depressão; se
mergulharmos num eu eufórico, que se considera maravilhoso, superpotente e
independente, afundamo-nos na mania, na vaidade e deixamos de ter uma imagem
realista de nós mesmos. Por vezes um ego auxiliar ajuda-nos a encontrar o caminho
de volta! O bom é mergulhar em nós mesmos, ver o que está dentro, analisar e voltar
a sair13 promovendo o autocrescimento (através da mudança) e o altruísmo. Neste
sair, já com consciência de mim, regresso fortalecido para operar mudanças que
facilitem a minha adaptação ao mundo real e pronto para dar e dar-me aos outros.
Dou e dou-me aos outros porque, graças ao autoconhecimento e à autocompreensão,
não receio perder-me também nos outros. Só posso dar-me aos outros (altruísmo)
depois de ter noção de quem sou, quanto valho e para onde vou. O mergulhar em nós
mesmos faz todo o sentido se fortalecer a relação que travamos com o eu e a relação
que travamos com os outros. Aí não há egocentrismo, não há egoísmo, mas há
crescimento pessoal, há auto-afirmação e valorização do outro (assertividade). Neste
percurso há a possibilidade de ser sal e luz: de temperar e iluminar os outros,
simplesmente porque já somos temperados (há conservação do ego – protecção da
identidade) e já somos iluminados (altruísmo e possibilidade de indicar aos outros um
caminho a seguir baseado nas verdades de Deus).
12 É um risco! Nem sempre nos perdemos, mas pode acontecer com alguns de nós. 13 Com ou sem ajuda!

Quem não dá aos outros ou, melhor dizendo, quem não se dá aos outros, fá-lo por
insegurança… não se dá e nem dá algo ao outro por pura desconfiança. Há quem diga
que quem não dá, quem não partilha é egoísta! E o que é o egoísmo senão o estar
demasiado centrado em si mesmo? O egoísta é aquele que mergulhou em si e perdeu-
se em si mesmo, esquecendo-se dos outros. O egoísta é aquele que numa tentativa
desenfreada de autoconhecimento e de autoprotecção entrou em si e esqueceu o
caminho de regresso ao outro, à interacção e, no fundo, a si mesmo enquanto

30
indivíduo social. Esqueceu-se, ou nunca aprendeu, que pode ser sal e luz e que sê-lo é
saudável, não apenas para beneficiar o outro mas, essencialmente, como estratégia de
crescimento pessoal.

É na relação com o outro que me conheço, pois o outro funciona sempre como meu
espelho. No egoísmo há uma recusa do espelho e o sujeito apenas pretende ver-se
pelos seus próprios olhos, correndo o risco de errar na avaliação que faz de si mesmo
(e consequentemente na avaliação que faz dos outros).

Se pensarmos em Jesus e na forma como Ele se entregou aos soldados, como Ele
permitiu deixar-se prender, ferir e matar sem ripostar, se pensarmos na vida que Ele
viveu de entrega, dedicação e acompanhamento dos outros, salienta-se o Seu
autoconhecimento e a Sua enorme auto-estima. Foi por Ele saber quem era (Filho de
Deus), por se considerar e por ter plena consciência do Seu estatuto de Rei do
Universo, Senhor dos Senhores e Príncipe da Paz, que Ele aceitou sofrer tamanha
humilhação e injustiça! Ele sabia quem era e autoconsiderava-se pela Sua natureza
divina, esse Seu autoconhecimento e auto-estima permitiu amar a humanidade e
entregar-se como servo a ela. Quem se autoconhece e se auto-estima entrega-se pois
tem plena consciência de quem é! Ele não se via pelos olhos dos Seus acusadores, Ele
sabia que era mais do que aquilo que os homens e mulheres da época estavam a dizer
d’Ele. Ele não foi uma esponja que, na insegurança da Sua identidade absorveu o que
diziam de Si. Ele sabia quem era e auto
-estimava-se por isso. O caminho possível nestas condições é o altruísmo.

Quem está inseguro quanto ao que é e quanto ao seu valor não se entrega, pois na sua
insegurança receia perder-se.14 Quem está seguro quanto à sua natureza e ao seu alto
valor dá-se a si mesmo pois a segurança acompanha-o.

Então, a auto-estima é algo valorizado por Deus pois Ele ama a Si mesmo e tem um
profundo conhecimento de Si mesmo.
Quando na Bíblia lemos «ama o teu próximo como a ti mesmo» entende-se que para
Deus só faz sentido o Homem autoconsiderar
-se. E é nessa autoconsideração, é nessa segurança do próprio valor, que é possível
amar o outro. Pois o sujeito que se autoconsidera não está preso a si mesmo, é capaz
de mergulhar em si e é capaz de sair de si para desfrutar dos outros. Não é egoísta!
14 Igualmente, a todo o custo, procura economizar o pouco que acredita ter ou ser. Não dá e não se dá por
receio de ficar mais desfalcado do que acredita já estar.

31
Encontramos, então, uma grande diferença entre auto-estima e egocentrismo!

❒ A auto-estima remete para o amor-próprio. Um amor baseado no


autoconhecimento (eu conheço as minhas capacidades/ /potencialidades e conheço as
minhas limitações, igualmente sei de onde vim e para onde quero ir: sei o que
gostaria de mudar em mim e estou disposto a isso numa perspectiva saudável da
vida).
A auto-estima contribui para um aumento da sensação de segurança, facilita a auto-
afirmação e a firmeza nas decisões, igualmente permite ouvir o outro. Quem tem
auto-estima elevada, por não se sentir desvalorizado, consegue receber o outro sem o
inferiorizar, sem lhe retirar louros, ouve-o e humildemente enriquece a sua posição e
decisões com o saber do outro. É capaz de dizer «sim, tens razão, concordo contigo,
reformularei a minha posição», mas também é capaz de dizer «obrigada pela tua
apreciação e após ponderar sobre ela decidi agir como previamente já tinha
determinado».

❒ O egocentrismo remete para uma centralização do próprio no próprio. A pessoa


encontra-se terrivelmente atraída para si mesma mas não tem consciência de si, está
tão concentrada em proteger-se dos outros e enaltecer-se que o seu autoconhecimento
fica limitado, exagerando as suas potencialidades e capacidades. Tem pouca ou
nenhuma percepção das suas limitações e dificuldades (e nem se permite a si mesmo
reconhece
-las por medo da inferiorização!), perde a noção do seu passado (a sua origem, a sua
natureza) e quanto ao futuro… bem, o futuro é vivido, no fundo, com insegurança,
com medo de ser espezinhado pelos outros, entre atitudes de ataque e autodefesa. Isto
não é saudável…
A pessoa egocêntrica não ouve o outro, está demasiado concentrada em si, não
consegue receber e integrar, na sua vida, o contributo das outras pessoas. As outras
pessoas até podem dar com amabilidade e graça mas quem supostamente deveria
receber, não recebe e por isso afirma sempre “eu é que sei, eu tenho razão, vocês não
me compreendem”.

Não falaremos mais da auto-estima pois adiante trabalharemos mais esta questão.
Fique atento! Está claro como a auto-estima pode ser saudável, contribuindo para o
equilíbrio pessoal e social (para um bom relacionamento do próprio com o próprio e
com os outros). No entanto… o equilíbrio psicológico beneficia e é beneficiado,
igualmente, pelo equilíbrio físico! Vamos falar da noção de saúde mais alargada e
integrada na qual se baseia este manual!

32
2. Uma noção integrada de saúde
A Organização Mundial de Saúde, criada em 1948, definiu a saúde como um estado
de bem-estar físico, psíquico e social e não apenas como a ausência de doença. A 21
de Novembro de 1986 surgiu, no Canadá e na cidade de Ottawa, a Carta de Ottawa
como resultado da Primeira Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde.
Nessa carta foram definidas algumas orientações de forma a atingir-se uma saúde
para todos em 2000 (já lá vai muito tempo, não é?). O objectivo era proporcionar um
movimento de saúde pública, a nível mundial, que promovesse a capacidade dos
indivíduos e das comunidades para controlarem a sua saúde, no sentido de a
melhorar. Esta carta definiu directrizes que ajudam as pessoas a atingir um estado
completo1 de bem-estar físico, mental e social. Segundo esta carta, para que tal estado
de saúde fosse atingido, os indivíduos (bem como a sua comunidade de pertença)
deveriam ser capazes de identificar e realizar as suas aspirações, satisfazer as suas
necessidades e modificar ou adaptar-se ao meio. A saúde é valorizada como um
recurso para a vida e não como uma finalidade de vida.
1 Se é que o “completo” é possível!

Esta obra defende a noção de “saúde integrada” no sentido em que entende a saúde
como um estado de bem-estar físico, psíquico e social. Estas três componentes do ser
humano encontram
-se indubitavelmente interligadas, influenciando-se positiva e negativamente. O bem-
estar psíquico promove o bem-estar físico e o inverso também acontece, tal como
sucede com o bem
-estar social. Igualmente a saúde é entendida como dependente das escolhas do
indivíduo. A promoção da saúde individual2 não depende apenas do sector da saúde,
das decisões governamentais e da política ou serviços de saúde. Depende igualmente
das escolhas individuais, exige a selecção de um estilo de vida saudável!
2 E também comunitária!

33
A saúde é entendida como um conceito positivo porque salienta os recursos físicos,
psíquicos e sociais da pessoa envolvida – destaca as suas capacidades físicas, as suas
aptidões psíquicas (intelectuais e emocionais) bem como as suas competências sociais
(estar em sociedade assertivamente). A promoção da saúde pressupõe o
desenvolvimento pessoal e social através da melhoria e aumento da informação
disponível, através da educação para a saúde (aprender a ser saudável adoptando um
estilo de vida saudável) e através do reforço das competências que contribuam para
uma vida saudável. O que se pretende é que as pessoas fiquem mais capazes de tomar
decisões conscientes promotoras da sua saúde geral.

A saúde resulta dos cuidados que cada um dispensa a si mesmo e aos outros e
relaciona-se com a capacidade de tomar decisões conscientes (reflectidas!) e de
assumir o controlo sobre as circunstâncias da própria vida. Nesta perspectiva
encontra-se, igualmente, a noção da saúde integrada, porque não chega apenas cada
um cuidar de si mesmo estando todos nós interligados. Ao promover a saúde dos
outros, efectivamente promovemos também a nossa, em termos individuais.

Segundo a Carta de Ottawa, existem pré-requisitos para a saúde tais como a paz, o
abrigo, a educação, a alimentação, os recursos económicos, um ecossistema estável
(numa perspectiva ecológica global), recursos sustentáveis, justiça social e equidade.
E a melhoria da saúde e da qualidade de vida depende da garantia destas condições
básicas.

Do ponto de vista físico, a saúde depende das características genéticas herdadas dos
progenitores e dos aspectos do funcionamento fisiológico tais como defeitos
estruturais, protecção contra infecções e, também, reacções alérgicas. A maneira
como estes componentes reagem entre si influencia o funcionamento saudável.

A sua saúde física depende da forma como você trata o seu corpo. Você cuida dele
com amor? Alimenta-o adequadamente ou só lhe dá substâncias nocivas? Exercita-o

34
ou leva-o a uma vida sedentária e disfuncional? Trata da sua higiene ou descura-a?
Como está a tratar o seu corpo? O pensamento de Deus é claro: o corpo também
merece a nossa especial atenção.

Do ponto de vista psíquico, a saúde depende da relação entre comportamentos e


processos mentais.

❏ O comportamento é o conjunto de acções, que, por sua vez, podem promover a
saúde (regime alimentar adequado, exercício físico, cumprimento da medicação
prescrita pelo médico, visitas regulares ao médico de família e dentista, passeios ao ar
livre e outros comportamentos saudáveis). O comportamento é, igualmente, o
conjunto de acções que podem comprometer a saúde (alimentação desequilibrada,
inércia, automedicação, fumar, beber em excesso e outros comportamentos
promotores de doenças).

❏ Os processos mentais dependem de outros dois aspectos: cognições e emoções.

Cognições – é a actividade mental! Implica a capacidade para pensar/reflectir sobre


as situações da vida e encontrar soluções para os problemas surgidos. Implica as
crenças individuais e colectivas sobre a saúde e a doença. É a estrutura de
pensamento na sua forma (como pensa) e conteúdo (o que pensa). O que você pensa e
como pensa? Você sabe?
Emoções – é a actividade emocional e afectiva. Implica a capacidade para sentir e
gerir sentimentos. São os padrões de regulação emocional. Os sentimentos são
individuais e subjectivos e claro que afectam e são afectados pelo pensamento.
Igualmente, o estado fisiológico é afectado e afecta o processo psíquico do indivíduo.
Emoções positivas (a alegria, a esperança e o amor) tendem a facilitar a saúde, bem
como emoções negativas (a tristeza, o medo e a raiva) tendem a facilitar a doença.
Assim, as emoções positivas não só contribuem para uma menor predisposição para a
doença como tendem a facilitar a recuperação após a mesma.

Os processos mentais dependem em parte do funcionamento fisiológico (por exemplo


hormonal) mas em parte também resultam de uma aprendizagem na relação com os
outros. Se os seus processos mentais, em algum aspecto, não estão saudáveis então
procure ajuda! É possível encontrar uma forma de funcionamento psicológico mais
adaptada e menos sofrida.

Ainda nos factores psíquicos encontra-se a motivação que explica o porquê de as


pessoas se envolverem em determinadas actividades, terem determinadas reacções,
sentirem certos afectos e pensarem de determinada forma. E atenção porque há
motivações mais saudáveis do que outras! A motivação para a vida é sempre mais
saudável do que qualquer forma de motivação para o sofrimento ou para a morte.
Todos temos motivações que nos levam a edificar, construir e restaurar; bem como
todos temos motivações que nos levam a destruir (nem que seja a nós mesmos). O
mais saudável é que as motivações de restauração (ou instintos de vida) superem as
motivações destrutivas (ou instintos de morte). A atitude assertiva fundamenta-se nos

35
instintos de vida, na necessidade de conservar o ego, afirmando-o. Igualmente assenta
na conservação dos outros contribuindo para a sua restauração.

Do ponto de vista social, a saúde depende da interacção que a pessoa estabelece com
o meio que a cerca. Verdadeiramente, as relações têm um papel importantíssimo na
vida e no bem-estar de cada um de nós. O facto de não decorrerem como o desejado
pode perturbar o sono e conduzir à perda de apetite. Somos seres sociais e estar em
sociedade (contactos com a comunidade e a cultura) é crucial para a qualidade de
vida. Já ouviu dizer que a solidão mata? E falo de toda a sensação de solidão!

Mas a saúde, para nossa surpresa, não é apenas definida como dependendo do que é
social, físico, mental ou comportamental! A Organização Mundial de Saúde fala
numa outra vertente, infelizmente pouco referida e valorizada pelo mundo ocidental:
a vertente espiritual! Na verdade, o Alto Comissariado da Saúde, através da
Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas, ao definir o Plano Nacional de
Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas 2007-2010, privilegiou a
complementaridade de recursos com o objectivo final de promover a qualidade dos
serviços prestados a quem está em tratamento (neste caso oncológico).
Consequentemente, focou a indispensabilidade de uma reabilitação biopsicossocial,
capaz de abarcar vários domínios do paciente: o físico, o psíquico, o social e o
espiritual.

A Organização Mundial de Saúde reconhece que o ser humano tem uma necessidade
espiritual que precisa de ser saciada. Todos necessitamos de Deus, mesmo quando
não o reconhecemos! E a vida saudável ou a recuperação de um estado doentio deve
privilegiar a satisfação dessa necessidade. Certos investigadores, de forma tímida,
têm procurado compreender o impacto da crença em Deus na vida das pessoas e
muitos têm conseguido provar a sua importância para a saúde da humanidade.

O mesmo Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas 2007-


2010 fala da necessidade de promover actividades de investigação nesta área de
intervenção psicossocial. Isto porque cada vez mais se valoriza cada ser humano
numa visão holística, na qual mais importante do que a doença ou mal-estar de cada
um é cada pessoa em si mesma.

36
37
38
3. A assertividade e a sua importância
A assertividade é uma postura perante mim, perante os outros e a vida em geral,
directa, honesta e respeitosa. É provavelmente o comportamento humano mais
desejado, necessário à construção de relacionamentos saudáveis e capaz de abrir
caminho ao sucesso pessoal, familiar e profissional, facilitando a resolução de
conflitos.

Como já vimos, a assertividade pode também ser chamada de auto-afirmação. A auto-


afirmação é um estilo comunicacional, escolhido e adoptado por uma pessoa, que se
baseia na coragem de assumir perante si mesmo e perante os outros a sua forma de
pensar, sentir e agir respeitando a forma de pensar, sentir e agir do outro. Assim, o
assertivo é aquele que tem coragem para falar de si mesmo, falar do que pensa e
porque pensa de determinada forma, falar do que sente e porque assim o sente, e falar
das suas acções assumindo-as. Toda esta coragem num clima de compreensão,
respeito e empatia pelo outro.

Dir-se-á que a assertividade é um estilo de comunicação directo, honesto, respeitoso e


saudável e que passa por um saber ser, pelo saber estar e pelo saber fazer acontecer.
Saber ser quem se é, saber estar num clima social e saber fazer acontecer as
mudanças necessárias a uma vida mais saudável e enquadrada na resolução das
necessidades surgidas bem como na adaptação a situações inesperadas.

A pertinência da assertividade surge porque permite gerir conflitos de forma


construtiva, permite reduzir falhas, tensões, insatisfações e doenças e permite atingir
maior satisfação pessoal e social através da gestão da agressividade e da passividade.
A pessoa passiva tende a pensar, sentir e comportar-se de forma inferiorizada e
facilmente se torna vítima dos outros enquanto a pessoa agressiva tende a pensar,
sentir e comportar-se de forma superiorizada e facilmente se torna agressora dos
outros. A assertividade não pretende ser um modelo de cura. É um modelo de
prevenção!

Há pouco falámos de empatia e quando penso neste traço gosto daquela imagem que
remete para a necessidade de calçar os sapatos do outro! Lembro-me das meninas que
ao calçarem os sapatos da sua mãe sentem, ainda que por breves momentos, que
deixam de ser elas mesmas e passam a ser a mãe. Nesses momentos, nos quais lhes é
permitido calçar os sapatos da mãe, elas sentem-se dotadas do poder e da beleza da
mãe, já não são elas mesmas e empatizam, ou seja, saboreiam a possibilidade de
experimentar o lugar do outro, pisam o seu chão, “compreendem” o seu sentir, pensar
e agir (algumas comportam-se como a mãe, copiando as suas palavras, gestos e
olhar). Isto é empatia: sem deixar de ser eu, por breves momentos calço os sapatos do
outro, coloco-me no seu lugar e compreendo as suas alegrias e preocupações, para
depois voltar a ser eu mesmo!

39
Segundo relata o livro bíblico do Êxodo, Moisés teve um encontro com Deus. Foi
assim: Moisés apascentava o rebanho de seu sogro, Jetro, até que chegou a Horeb
(conhecido como o monte de Deus) e quando lá chegou Deus chamou-o e disse-lhe
para se descalçar porque o chão que estava a pisar era santo. Moisés obedeceu e Deus
apresentou-Se como sendo o Deus de seus pais. Moisés, atemorizado, escondeu o
rosto. Foi aí que Deus lhe começou a dizer que estava a ver a aflição do Seu povo
escravizado pelos egípcios e que estava a programar libertá-lo, enviando Moisés para
falar com o Faraó. Moisés ouviu tudo atentamente e disse ao Senhor «Quando eu for
ter com os filhos de Israel, dir-lhes-ei: “O Deus dos vossos antepassados enviou-me a
vós”; e se eles me perguntarem: “Qual é o nome d’Ele?”, o que é que eu vou
responder?» Então Deus respondeu a Moisés «Eu sou Aquele que sou.» Mais adiante,
Deus abreviou o Seu nome para «Eu Sou» (Êxodo 3,1-15). Este é um dos nomes de
Deus, «Eu sou Aquele que sou», e ainda no versículo 15 Deus afirmou que este é o
Seu nome eternamente e assim será lembrado de geração em geração.

Este episódio relata a natureza de Deus, o Deus que nos criou e que nos conhece
desde o ventre da nossa mãe, Ele é o que é! E afirma sê-lo! Em toda a Escritura
encontramos um Deus que não só se conhece a Si mesmo como ainda se apresenta
aos homens e de Si mesmo fala. Deus revela um profundo autoconhecimento e uma
profunda auto-estima. Ele conhece-Se e convive bem Consigo mesmo. Convive bem
Consigo mesmo porque, por se conhecer tão bem, não vai contra a Sua natureza. Ele
não ofende o Seu Ego, o Seu Eu. Ele sabe o que aprecia e não aprecia, sabe de onde
vem e para onde quer seguir, conhece as regras com as quais pode agir sem se
contrariar a Si mesmo. Sabe o que O alegra e o que O frustra. E a Si mesmo é fiel.
O autoconhecimento e a capacidade de auto-revelação1 previnem desajustes
emocionais e facilitam as relações sociais por permitirem um maior contacto do eu
com o eu e uma maior transparência nos relacionamentos.

Por vezes não assumimos o que verdadeiramente sentimos. Procuramos dissimular


certas emoções (consideradas impróprias) por outras, mais pessoal e socialmente
aceites. Lembro-me de uma senhora que veio à consulta muito desiludida por a filha
(maior de idade) ter optado por comunicar com a família paterna. Os pais estavam
divorciados há já sete anos e a menina, que havia ficado com a mãe, decidiu voltar a
contactar com o pai. Esta mãe estava profundamente frustrada e todas as suas
emoções exaltadas. Foi um desafio para ela assumir que não apenas estava triste e se
sentia injustiçada como ainda sofria de uma tremenda “dor de cotovelo” que
claramente dramatizava ainda mais toda a emoção sentida. Depois de ela perceber e
assumir que estava, no fundo, com o orgulho ferido, a frustração diminuiu e foi mais
fácil raciocinar sobre a opção da filha. Verdadeiramente ter conhecimento do que está
dentro de nós e como se manifesta, bem como não esconder essa realidade, é
libertador.
1A auto-revelação saudável (a que defendo) é aquela que permite à pessoa falar de si mesma sem ofender os outros. Você pode falar do que
pensa, sente, sabe ou como age sem subjugar ou agredir outras pessoas. O grande problema, na nossa sociedade, é que pensamos que para
nos auto-revelarmos necessitamos de agredir, espezinhar ou diminuir a importância de quem nos rodeia. Essa é uma falsa “verdade”!

40
Mas atenção, o bom senso também faz parte da assertividade! Assertividade ou auto-
afirmação, sem bom senso, não faz sentido! Isto remete para o facto de que não é
pressuposto revelar
-se a todos os que passam pela sua vida e em qualquer momento! Na verdade, há
pessoas a quem menos falar de si, melhor! E há alturas adequadas para falar e outras
para permanecer calado.

Não podemos definir assertividade sem reflectir sobre o estilo agressivo e o passivo.
Vamos defini-los e aprender algo com os mesmos!

41
4. O estilo (de comunicação e relação)
agressivo
A agressividade é uma forma de comunicar e estabelecer relações apoiadas no
autoritarismo e no exercício da força que não precisa, obrigatoriamente, de ser
explícita. Na verdade, existem formas mascaradas e astutas de agressividade.

Neste estilo comportamental, o indivíduo define as directrizes e impõe-nas aos outros


de forma dominadora, provocando tensão e frustração. Estes sujeitos, ao assumirem
posições de liderança (no local de trabalho, na escola, em casa ou nas instituições
religiosas), tendem a provocar tensão, ansiedade, frustração, ausência de
espontaneidade (diminuindo a iniciativa e a criatividade) e agressividade, ainda que,
muitas vezes latente (quando não estão presentes alguém critica o seu autoritarismo,
nem que seja entredentes).

Pessoas que comunicam e se relacionam com os outros de forma autoritária tendem a


apresentar características positivas como a independência e a autonomia, mostram-se
decididos e dotados de uma vontade própria muito afirmativa, o que normalmente
agrada e deslumbra quem os observa (por vezes apenas num primeiro momento).
Geralmente são visionários, muito práticos e produtivos, com capacidade de
liderança. No entanto, também apresentam muita necessidade de dominar os outros,
são impetuosos, com excesso de auto-suficiência, por vezes frios e insensíveis às
necessidades ou incapacidades alheias. Assim, por vezes mostram-se cruéis,
sarcásticos, vingativos e iram-se com alguma facilidade. Se pensarmos em
temperamentos concluímos que estamos perante um temperamento colérico.

O estilo agressivo encontra-se em íntima relação com a ira, sendo que, no entanto,
nem todos os que se iram são agressivos. Vamos reflectir sobre esta emoção…

A ira

A ira é um estado emocional experimentado por todos, ainda que uns experimentem
mais do que outros e alguns consigam escondê-la melhor do que outros. Alguns
experimentam-na por um período curto de tempo, outros levam décadas com ela

42
“atravessada na garganta” sob a forma de amargura, ressentimento e ódio. A ira,
persistindo no tempo e sendo alimentada, pode tornar
-se destrutiva e associar-se à ausência de perdão e desejos de vingança. Facilmente
encontramos pessoas iradas, zangadas com a vida e propensas a variados problemas
psicológicos, físicos (como as doenças cardíacas) e espirituais. Verdadeiramente a má
gestão da ira pode contribuir para a diminuição da saúde física e emocional de quem
a vivencia.

A vivência da ira não só perturba a saúde física como ainda perturba a capacidade de
raciocínio e avaliação lúcida das situações vividas bem como a capacidade de
estabelecer relações sociais seguras. Quanto mais irada, mais desconfiada e receosa
de aproximação a pessoa irada estiver, maiores serão os muros construídos que a
separam e “protegem”2 dos outros… e isto não é saudável. Assim, a má gestão da ira
é uma porta aberta para a solidão, depressão, ansiedade, medos, disfunções sexuais,
conflitos conjugais e familiares, conflitos sociais e laborais, problemas de adição
como o álcool e outras drogas, entre muitos outros desajustes. Talvez daí Deus fazer
tanto apelo ao controlo e resolução da ira. Verdadeiramente, se esta emoção não for
convenientemente gerida, e em determinada altura travada, poderá dar origem a
muito sofrimento não só aos outros mas ao próprio. Creio que o nosso Criador nos
conhece mais do que ninguém, e quando Ele apela ao controlo de algo como a ira e
desejo de vingança, o objectivo não é aprisionar, diminuir ou retirar a capacidade e
direito de auto
-afirmação ou autoprotecção, não é também diminuir a razão que a justifica (caso
tenhamos razão, ela é nossa porque a verdade será sempre a verdade, mesmo não
sendo reconhecida pelos outros), e nem sequer é apenas proteger o outro de nós. O
Seu objectivo é controlar um pequeno fogo, antes que o mesmo se torne num grande
incêndio em que não só os outros serão vítimas (da ira e desejo de vingança) mas o
próprio será a principal.
2 Pensa ela que protegem!

Na Bíblia encontramos várias situações de ira e torna-se claro que esta emoção é não
apenas comum a todos os seres humanos como também é uma característica de Deus
(fomos feitos à Sua imagem e semelhança: «Então Deus disse: “Façamos o homem à
nossa imagem e semelhança.”» Gé n e s i s 1,26) E sendo ela um predicado divino é
impossível considerá-la, em si mesma, negativa. Verificamos, assim, que a ira pode
também ser construtiva se surgir devido ao desejo e necessidade de promover a
justiça contra situações de injustiça. No Evangelho de São João, capítulo 2, versículos
13 a 17, encontramos a descrição de uma situação que provocou a ira a Jesus:
Aproximava-se a Festa da Páscoa e Jesus foi a Jerusalém para a celebrar, como era

43
tradição para qualquer judeu, e sendo uma das maiores festas comemorava a
libertação dos israelitas da escravidão do Egipto (Êxodo 12 e deuteronóMio 16,1-8).
Quando Jesus lá chegou dirigiu-se ao Templo e encontrou vendedores e cambistas a
desempenharem a sua actividade profissional. Ao ver isto fez, com umas cordas, um
chicote e expulsou-os de lá. Virou as mesas dos cambistas e deitou por terra o seu
dinheiro, igualmente mandou embora os vendedores, advertindo-os para não fazerem
da casa de Seu Pai uma casa de negócio. Claramente Ele estava irado, não escondeu
nem dissimulou o que sentia, revoltou-se contra a situação e tomou atitudes
(consideradas por muitos agressivas, mas que outros compreendem, afinal a casa de
Deus não é sítio para negociar e ganhar dinheiro). Então, Deus também se ira?
Também se zanga e se revolta? Sim! Segundo a Bíblia, zangou-se também com
Lúcifer3 quando ele desobedeceu e arrastou anjos com ele contra Deus. Zangou-se
tanto que os expulsou de Sua casa!

Mas o que diferencia a ira divina da ira humana? Será o autodomínio de Deus, que
apesar de irado O leva a não perder o controlo? Será a natureza graciosa de Deus que
o faz dar-se de graça ao Homem sem este merecer? Será que é por esta ira divina só
estar assente no desejo de promover a justiça e erradicar a injustiça? Provavelmente
são todas estas e mais algumas as razões que tornam a ira divina uma ira santa e justa,
ao contrário de algumas iras humanas.

Na Bíblia encontram-se várias advertências face à ira humana, relacionando-a com a


má interpretação das situações, com erros de julgamento, com actos de vingança e
represália. Como tal, a ira humana, muitas vezes, torna-se prejudicial e perigosa,
abrindo caminho à destruição.
3
Lúcifer surge na Bíblia como o mais directo adversário de Deus. No Antigo Testamento, Satã significa acusador ou adversário num
processo judicial e começou por ser um nome comum. No Novo Testamento surge como aquele que pretende desviar os homens dos planos
de vida saudável promovidos por Deus. Enquanto Lúcifer surge como o acusador no Velho Testamento, Jesus surge como o Salvador e
Justificador no Novo Testamento!

Nesta passagem bíblica entende-se que é possível e aceitável a ira contra alguém ou
contra alguma situação. A ira, por si só, não é má mas pode tornar-se prejudicial e
destrutiva. Torna-se prejudicial em duas situações: quando é manifestada de forma
descontrolada (explosão) ou quando é internalizada (alimentando-a em pensamentos
e emoções). Nas duas situações não só o outro sai magoado, como o próprio também
se magoa.

A pessoa irada mais facilmente adopta um estilo comunicacional e relacional


agressivo, alimentando amargura, ódio, represálias e uma atitude destrutivamente

44
crítica.4

Uma das características do estilo agressivo é a linguagem agressiva e descontrolada.


No entanto, em toda a Bíblia, verifica-se a advertência para permanecer calado.
Verdadeiramente falar irado só provocará sofrimento, dor e abuso verbal. Torna-se
mais produtivo falar depois de a ira passar, não só porque o raciocínio estará mais
organizado e dir-se-á exactamente o que se pretende dizer, mas também porque se
evitarão imensos dissabores, nomeadamente a posterior autoculpabilização.
4
Segundo Deus, a vingança pertence apenas a Ele. E quando penso nisto penso que assim é que deve ser pois a Sua vingança será sempre
justa e livre de qualquer abuso por parte de alguém que se sinta injustiçado. Sendo Deus capaz de fazer uma avaliação correcta e justa das
situações, Ele será também capaz de julgar e dar a cada um, justamente, consoante os seus pensamentos, sentimentos e acções.

Controlar as palavras revela sabedoria. Deus mostra-Se adverso ao derramamento


oral irracional e agressivo. E aqui, mais uma vez, percebe-se que o objectivo não é
impedir o injustiçado de se defender, não é levá-lo a ser mero capacho dos outros ou
mero saco de boxe. Hoje sabe-se que o falar irado traz consigo não só uma
perturbação do raciocínio (a emoção “ira”é tão forte que diminui a capacidade
cognitiva do sujeito, levando-o a proferir palavras e a agir de forma que mais tarde se
arrependerá), como também poderá advir de uma avaliação errada e/ou limitada da
situação e gerar consequências nefastas para ambas as partes envolvidas.

Curar as feridas provocadas pela ira e pelo desejo de vingança, bem como pelas
palavras ditas sem pensar, poderá acontecer muito tarde e em alguns casos nunca
acontecer. Muitos têm morrido ainda magoados, feridos na alma e abusados
verbalmente. Segundo o Novo Testamento, aquele que ventila os seus pensamentos e
sentimentos de forma irada, impulsiva e irracional, perdendo a calma, é descrito
como insensato e, como tal, é pressuposto ser tardio para falar e tardio para se irar.
Não se está a defender que jamais se deverá expressar a ira ou falar sobre ela,
defende-se apenas que deve ser tardio, mais tarde, mais logo, quando a calma chegar.
Parece que há um tempo para tudo, até para expressar a ira que vai na alma. Convém
que seja quando as labaredas estiverem mais controladas.

45
São várias as causas da ira: a injustiça, a frustração, a ameaça5, a existência de
mágoas bem como a aprendizagem6.
A injustiça é provavelmente a razão mais aceitável e compreensível para a ira. Em
algumas conjunturas encontram-se pessoas que ao detectarem situações de injustiça
ficam iradas e essa ira impulsiona-as a agir de forma a reverter a situação. Esta ira
poderá contribuir para o aumento da qualidade de vida dos injustiçados, para a
diminuição do abuso e negligência social. A injustiça surge como a única razão capaz
de provocar a ira de Deus. Alguns homens e mulheres têm-se irado com a fome, a
doença e a morte, o abuso e a violência sexual, a negligência e agressão contra seres
humanos, o abandono e maus-tratos de animais, bem como outras questões, como as
ambientais. Esta ira contra as injustiças tem permitido o surgimento de movimentos
associativos capazes de lutar pela protecção dos mais desfavorecidos. E isso é bom!
5
Ser efectivamente ameaçado ou sentir-se ameaçado. Há diferença! Alguns de nós não precisam de ser ameaçados para reagir com ira…
basta sentirem-se ameaçados. Como é consigo?
6 Sim, podemos aprender e ensinar a reagir com ira! Observar os outros (nomeadamente figuras de referência) a reagir com ira, pode levar-

nos a solidificar essa forma de reacção. Igualmente a reacção de ira cristalizada pode levar a que outros aprendam, connosco, a reagir dessa
forma. Daí ser importante aprender a gerir a ira.

A ira surge, igualmente, como resposta à frustração. A frustração manifesta-se


quando um obstáculo o impede de atingir um fim considerado altamente necessário.
Nestas situações de frustração, em que a solução não é alcançada, o sujeito tende a
irar
-se. Uns terão maior capacidade de resistência à frustração do que outros e os que
sofrem de baixa resistência à frustração perderão mais facilmente a paciência e irar-
se-ão mais rapidamente. Nestes casos, a ira pode manifestar-se sob a forma de
comportamentos agressivos dirigidos aos outros ou ao próprio, ou sob a forma de
doença física ou psíquica. No fundo, o que se passa é que a frustração é tão grande
que provoca zanga, ira, raiva de tudo e de todos. É nestas situações que se pode falar
de uma má gestão da ira, porque o resultado das reacções consequentes não facilita o
bem

46
-estar individual e social nem possibilita a resolução do problema. Na verdade, a
adaptação ao meio não se encontra facilitada, pelo contrário, pode surgir um mal-
estar pessoal (porque a pessoa não fica bem consigo mesma), mal-estar social (porque
todos à volta são chamuscados pelas labaredas da ira e da frustração comprometendo
as relações sociais) e nem por isso a frustração inicial é digerida (com a agravante de
poder aumentar).

A frustração tende a surgir quando as carências são grandes e parecem impossíveis de


ser satisfeitas. As carências podem ser várias:

❏ As carências fisiológicas – todos necessitam de comer, beber, dormir e repousar,


todos necessitam de abrigo – são necessidades básicas e por isso estão na base da
pirâmide. São as necessidades mais urgentes que precisam de ser satisfeitas.
Igualmente constituem as motivações básicas para o comportamento humano. Age-se
de forma a obter a satisfação destas necessidades.

❏ A carência de segurança – prende-se com a necessidade de todos se sentirem


protegidos e livres de perigo. Os pais e outras figuras de referência na vida da criança
contribuem para a sensação de segurança. Crescer num clima de insegurança propicia
o desenvolvimento de perturbações da ansiedade, como os medos excessivos (fobias
e ataques de pânico), os rituais de limpeza e verificação (ex: lavar repetidamente as
mãos e não conseguir dormir sem verificar vezes sem conta se o esquentador ficou
desligado ou a porta fechada à chave), o que conduz a várias manifestações que se
pensa estarem relacionadas com problemas físicos. No fundo são exteriorizações do
mal-estar psíquico: palpitações, suores, dificuldade respiratória, sensação de sufoco,
desconforto ou dor no peito, náuseas, tonturas e desequilíbrios, formigueiro e até um
medo intenso de enlouquecer ou morrer. Todas as situações que não oferecem uma
sensação de segurança e protecção (como casamentos sem vinculação e empregos
descartáveis) poderão propiciar a instalação de um quadro de ansiedade e, claro, de
frustração.

❏ A carência de contacto – os relacionamentos familiares e sociais satisfatórios


(amizade, afecto, amor e aceitação) são outra grande necessidade que não sendo
satisfeita gera frustração. Realmente Deus criou o ser humano com alta necessidade
de vinculação.7 Os seres humanos (quando crianças) são imaturos e dependentes dos

47
adultos durante mais tempo que os restantes animais. Enquanto os pais experimentam
um período sensível após o nascimento dos seus filhos (contribuindo, por vezes, para
alguma instabilidade emocional e dificuldades de vinculação com o bebé8), com
poucos dias de vida o bebé distingue e prefere o cheiro e a voz da sua mãe, com mais
algum tempo de vida procura o contacto visual e sorri na presença de quem cuida
dele. Muito antes de completar o primeiro ano de vida assiste-se, no bebé, a um claro
vínculo com os pais, tentando conservá-los perto da sua vista e mostrando sinais de
ansiedade quando ficam na presença de estranhos.
7
Fomos criados à Sua imagem e semelhança. Ele também tem necessidade de vinculação. O Pai, o Filho e o Espírito Santo anseiam
contactar com a Sua criação: nós! É confortante saber que Deus não está lá longe… Ele está bem perto de si, esperando que você se vincule
a Ele.
A propósito: vincular = ligar, apegar-se, amar.
8 Há quem refira que a vinculação dos pais face aos filhos recém-nascidos tende a aumentar com o passar do tempo. Quanto mais relação

houver e quanto mais prematura for, maior e mais rápida será essa vinculação. Daí os recém-nascidos ficarem nas enfermarias com as mães
e não em salas isoladas!

❏ A carência de estima e reconhecimento por parte dos outros está claramente
relacionada com a forma como o sujeito se vê e avalia. Estas necessidades abarcam a
capacidade para se auto
-apreciar, auto-estimar, a autoconfiança bem como a necessidade de aprovação social
e prestígio.

❏ E, por último, a carência de realização pessoal está muito associada ao sucesso
profissional nos adultos. A sua não satisfação gera frustração que pode ser expressa
sob a forma de ira voltada contra os outros (família, sociedade em geral e governo) ou
contra o próprio.

Todas estas necessidades são intrínsecas ao ser humano e quando não satisfeitas
tendem a gerar uma certa frustração. O nível de frustração, a sua gravidade, varia de
sujeito para sujeito e relaciona-se com o valor pessoalmente atribuído ao objecto ou
situação em falta. A pirâmide de Maslow aborda estas carências e o seu grau de
importância para o ser humano, em termos gerais. As mesmas são apresentadas como
motivações pois tendem a impulsionar/motivar os pensamentos, os sentimentos e os
comportamentos do sujeito numa dada direcção. Ou seja, cada um de nós tende a agir
consoante as suas motivações, tende a comunicar e relacionar-se com os outros
também de acordo com as necessidades que apresenta. Todo o comportamento tem
uma razão de ser, nada acontece por acaso. No fundo, está tudo justificado e pode ser
quase tudo compreendido pelo principal protagonista (você!) num processo de
autodescoberta psicoterapêutica. Basta envolver
-se nesse processo, que muitas vezes é um cavar a alma à procura de um tesouro
escondido. Esse tesouro é o autoconhecimento.

48
É nesta compreensão das motivações que se entende que a forma de agir (e mesmo de
sentir e pensar) pode ter na sua base vários motivos e a mesma necessidade pode ser
satisfeita por vários comportamentos (uns mais adequados e saudáveis do que outros).
Cabe a cada um a selecção de comportamentos satisfatórios num plano pessoal e
social.

A resposta à frustração varia de pessoa para pessoa e pode ser uma resposta baseada
na agressividade, na racionalização, na regressão e adopção de atitudes infantilizadas,
pode ser a fuga (consumo de drogas) ou mesmo a resignação. Ou seja, perante a
frustração você pode responder ou reagir de várias formas:

❏    Agredindo – o outro ou a si mesmo. Sabemos que a agressão pode ser dirigida


a outras pessoas, mas também há quem a dirija a si mesmo, infligindo maus-tratos ao
corpo ou alimentando pensamentos e emoções que sabe serem prejudiciais. Por
vezes, o arrastar de doenças (físicas ou psíquicas), não aceitando o tratamento,
constitui uma forma de auto-agressão. Em relação à agressividade dirigida a outros
podemos encontrar os chamados bodes expiatórios (pessoas que não contribuíram,
em nada, para a frustração e que mesmo assim não se livram da vingança e agressão
de quem está magoado). Os bodes expiatórios tendem a surgir quando a ameaça é
vaga e difícil de localizar: arranja-se então um substituto que possa condensar os
sentimentos de raiva e frustração face a uma outra pessoa (deslocamento9). Este
processo, por vezes, acontece porque o agressor (magoado!) não consegue aceder ao
verdadeiro causador da sua frustração e, de forma a evitar mantê-la numa esfera
pouco precisa, desloca-a para uma outra esfera mais específica e, por isso, mais
acessível.
Ainda em relação aos bodes expiatórios surge também um mecanismo de Projecção.
Repare: é mais “fácil”, para o frustrado, localizar a sua raiva/frustração em algo
exterior a si e bem objectivado do que sentir (dentro de si mesmo) essas emoções
desarmoniosas de forma generalizada e sem localização específica. É muito mais

49
“saudável” para o agressor projectar a sua frustração interior para algo ou alguém fora
de si (projecção) do que manter esse sofrimento interno e generalizado, contaminando
todo o seu ser.10 Claro que essa projecção da frustração e da agressão para um bode
expiatório é negativa para quem projecta e para quem se torna vítima (muitas vezes
sem entender porquê). É negativa para quem projecta pois fá-lo sem perceber o que
faz e sem, verdadeiramente, resolver o motivo da frustração. E é negativa para o bode
expiatório pois este é vitimado injustamente sem perceber o porquê.
9No deslocamento, a pessoa que desloca atribui características de uma pessoa a outra pessoa. Neste caso, as características negativas e que
despertam frustração e agressão são deslocadas de uma pessoa para outro “bode expiatório” alvo de vingança!

A Palavra de Deus instrui a não pagar o mal com o mal, mesmo quando somos
injustamente vítimas da frustração e agressão de alguém. Deus, que é o maior
psicólogo de todos os tempos (afinal conhece a Sua criação: nós!), sabe do que fala.
Repare que se o bode expiatório responder com agressão ao seu agressor, apenas
confirmará as suspeitas e certezas do agressor: as suspeitas de que o bode expiatório é
mesmo má pessoa e merece todo o sofrimento infligido. Isto aumentará a agressão do
agressor, vitimando ainda mais o bode expiatório. Mas… se o bode expiatório não
responder com agressão ao seu agressor, confundi-lo-á e levá-lo-á a questionar toda a
sua agressão e projecção da frustração. Neste caso, a possibilidade de resolução do
problema torna-se mais provável. Atenção, não estamos a falar de resignação! O bode
expiatório não tem de se resignar à agressão do agressor, só tem de não responder
com agressividade.11 Está confuso? Continue a ler… mais tarde entenderá!
10 Parece que lidamos melhor com o que está fora de nós e objectivamente localizado do que com o que está dentro de nós. É mais fácil
culpar o outro, responsabilizando-o por tudo e por nada, do que olhar para dentro e consciencializarmo-nos das nossas próprias limitações,
erros e fracassos (sem esquecer inseguranças e medos). Na projecção atribuímos ao outro características nossas, neste caso específico
características que desprezamos e então acusamo-lo não tendo a consciência de que verdadeiramente acusamo-nos a nós mesmos. A mente
humana é muito complexa!

❏ Racionalizando – tentando encontrar razões para entender a situação frustrante,


procurando explicá-la do ponto de vista racional. Nestas situações, a pessoa procura
encontrar razões socialmente aceites e que justifiquem os comportamentos e
acontecimentos, a fim de ocultar a verdade hostil de si. É uma tentativa de
autoprotecção, como todas as outras a são!12 Por exemplo, o marido pode dizer que
não teria agredido a esposa se ela cumprisse com as suas obrigações domésticas.

❏ Intelectualizando – o que acontece nesta reacção à frustração é que as pessoas


procuram lidar com algo que as emocionaria de uma forma intelectualizada. Ou seja,
optam por controlar as emoções através do intelecto. Evitam envolver-se
emocionalmente com as situações reduzindo o impacto da frustração e procurando
responder aos momentos de crise de forma objectiva e concisa. Há o adormecimento

50
da paixão! Os profissionais de saúde tendem, muitas vezes, a procurar intelectualizar
os casos clínicos e a tratá-los apenas como processos clínicos de forma a protegerem-
se das relações emocionais, que, em caso de perda e morte, desencadeariam lutos
sucessivos.
11
Jesus nunca se resignou, nem perante os religiosos da época, nem perante o povo ou os líderes políticos. Ele foi à cruz por escolha própria
e porque tinha um propósito: comprar-nos de volta com o Seu sangue! Resignação significa perda e entrega ao inimigo. Se ser santo é ser
como Jesus, então não temos de nos resignar… temos apenas de não responder com agressão!
12 Ainda que sejam pouco funcionais e estejam assentes em bases pouco seguras!

❏ Regredindo – adoptando comportamentos, pensamentos e sentimentos


infantilizados como chuchar no dedo ou voltar a fazer chichi na cama. A regressão
está relacionada com a necessidade de voltar a uma fase de desenvolvimento em que
a sensação de segurança e protecção era maior. Nas crianças, a regressão é uma
resposta comum aos momentos de crise, como pode ser o nascimento de um irmão.
No entanto, alguns adultos também apresentam esta resposta perante a frustração (ex:
conhece alguém que amue?). Normalmente são adultos emocionalmente imaturos e
que reagem à frustração com amuos e birrinhas infantilizadas, recusando-se a reflectir
como indivíduos maduros.

❏ Fugindo – refugiando-se no consumo de substâncias lícitas (álcool e/ou fármacos)


ou ilícitas (heroína, cocaína, outras) e no excesso de actividade profissional, entre
outras fugas.

❏ Recuando – certas pessoas, perante a frustração, tendem a retrair-se, escolhem


não agir, optam pela apatia e pela depressão. Demonstram falta de interesse pelo
quotidiano, incapacidade para invocar a força e a vontade de lutar e alguns até
morrem (ex: prisioneiros de guerra).

❏ Negando a realidade – ao negarem a realidade que as magoa, as pessoas


ignoram-na ou recusam reconhecê-la, como forma de autoprotecção. Assim,
refugiam-se em fantasias de vitórias e amores irreais, chegando ao ponto de, por
vezes, confundirem a realidade hostil com a fantasia idealizada.

❏ Resignando‑se – aceitando a situação numa atitude derrotada.

Parece que nenhuma destas respostas à frustração se mostra adequada e saudável. De


qualquer forma, se se reviu em algumas delas compreenda o seguinte: elas são apenas
tentativas, estratégias de auto-sobrevivência psíquica perante os momentos de crise
emocional. É bom saber como tendemos a funcionar nesses momentos, ou a que
mecanismos defensivos recorremos. Este conhecimento propicia o autoconhecimento
e abre portas ao desenvolvimento pessoal e social através da substituição dos
mecanismos defensivos desajustados por outros mais adequados.

E o que é isto de mecanismos defensivos? Imagine um ataque. Um ataque é uma


situação de crise em que alguém é atacado e se torna vítima de um outro. Pois bem, o
atacado precisa de ter estratégias de autodefesa para se proteger do agressor senão
ficará à sua mercê. O mesmo acontece com o ego. O ego é o “eu psíquico”. Quando

51
eu psiquicamente me sinto atacado por algo (ex: vindo de mim mesmo como
pensamentos de medo, solidão e desespero, ou vindo de outras pessoas como patrão,
colegas, familiares ou amigos) o que faço é levantar barreiras psíquicas de forma a
proteger o meu ego.13 Essas estratégias são os mecanismos de defesa e cada um tem
os seus, uns são mais resistentes e outros menos resistentes. É importante conhecê-los
para observar a sua actuação e evitar tornar-se escravo deles uma vez que muitos
agem ao nível da inconsciência. O não conhecer os mecanismos defensivos abre
portas a reacções que o próprio não compreende e não consegue gerir.
Verdadeiramente aquilo que é desconhecido por si, em si, não pode por si ser gerido,
adaptado ou mesmo substituído. É uma escravatura, digna de um funcionamento
psíquico rígido e consequentemente patológico!
13 É uma “guerra” travada ao nível psíquico. É um conflito psíquico.

Voltando à ira …
A ira pode realmente ser um resultado de padrões de pensamento assentes em
emoções agressivas e anti-sociais. No entanto, a existência de ameaças e mágoas
poderão, igualmente, causar ira. Uma pessoa que se sinta rejeitada, humilhada,
criticada injustamente ou ameaçada poderá experimentar a ira como forma de
mascarar a mágoa. Ou seja, a ira poderá mascarar a mágoa relacionada com a
frustração da rejeição e humilhação. Daí ser importante não responder “na mesma
moeda”. Se alguém trata alguém com ira pode acontecer que essa ira não seja uma ira
resultante de um padrão de funcionamento agressivo, mas sim resultado de uma
mágoa, um receio de ser humilhado ou rejeitado. E nestas situações devolver na
mesma moeda apenas confirma ao sujeito magoado que ele é, efectivamente,
rejeitado, aumentando a sua mágoa e, paralelamente, abrindo portas a outra explosão
de ira. Daí, provavelmente, entre outras razões, Deus alertar-nos para a necessidade
de pagar o mal com o bem e não devolver na mesma moeda. Responder à ira com
agressividade apenas aguça mais ira, porque contribui para que o outro comprove a
sua necessidade de atacar como mecanismo de autoprotecção. “Ataco para não ser
atacado e como forma de me proteger do outro que, tal como já esperava, é
verdadeiramente agressor.” Então, a ira gerará mais ira.

52
E como já vimos, de certa forma as explosões de ira podem ser respostas aprendidas.
Lidar com pessoas que normalmente reagem iradas perante situações frustrantes pode
contribuir para que quem observa acredite que essa é a única forma de reagir e a
adopte enquanto mecanismo de resposta pessoal.

Ao reflectir sobre as consequências da ira facilmente se percebe o porquê de


existirem quase 600 referências à ira no Antigo Testamento e outras mais no Novo
Testamento14: entende-se a preocupação de Deus face à mesma e as Suas inúmeras
advertências ao seu controlo. Efectivamente, a ira produz diversas consequências
(quer físicas, quer psicológicas e sociais, quer espirituais), umas mais nefastas do que
outras e todas diferentes em forma e intensidade de sujeito para sujeito.
14
A Bíblia pode ser comparada a uma biblioteca na qual se encontram livros escritos antes da vinda de Cristo (Antigo Testamento) e livros
escritos após a vinda de Cristo (Novo Testamento).

Considero saudável fornecer algumas orientações que possam ajudar a gerir a ira,
caso esteja a passar por ela. De certa forma, lidar maturamente com a ira parece
implicar uma certa fraqueza e cobardia, como se permitíssemos que o outro “use e
abuse”, “pise e repise” da paciência e auto-estima do inocente. Parece que o “dar a
outra face”, defendido por Jesus, é inconcebível e abre portas ao abuso. Assim, na
tentativa de evitar ser capacho de alguém, e na tentativa de defender a própria auto-
estima e auto-imagem, são assumidas posições rígidas que em nada permitem a
resolução do conflito e a negociação de posições anteriormente defendidas. Sabe-se
que o estilo comunicacional assertivo ou auto-afirmativo nada tem que ver com a
passividade que caracteriza a suposta “dá a outra face” nem com a agressividade que
caracteriza a suposta “dá outra estalada”. Se Jesus era assertivo, em que ficamos?
Algumas estratégias poderão ajudar a gerir a ira de forma mais assertiva e algumas
delas implicam, directa ou indirectamente, o “dar a outra face”. Vamos vê-las:

❏ Entenda e aceite que a emoção “ira” é comum a todos os seres humanos e


partilhada por Deus. Todos, em determinadas situações podem experimentar a ira. A
ira nem sempre é errada, mas pode ser prejudicial aos outros e ao próprio se não for

53
gerida e controlada. Todos, em qualquer altura da vida, podem, ocasionalmente,
perder o seu controlo. Se você raramente tem controlo sobre a sua ira, reconheça-o.
Saiba que o seu controlo é possível.

❏ Não negue nem mascare a sua ira. Admiti-la é preferível a ocultá-la numa tentativa
de manter a paz. A sua motivação para esconder a ira pode ser elogiável, mas o
resultado é nefasto; o ofensor jamais saberá que fez mal e que magoou alguém,
jamais procurará reflectir sobre os seus actos e mudar. Em simultâneo, quem reprime
a ira tem maior probabilidade de tornar-se amargo e ressentido, além de estar a ser
falso. «O que em si esconde a ira é um hipócrita.» (Provérbios 10,18a) É sempre
preferível mostrar que fomos magoados, ainda que com certas condições preenchidas,
(analisadas adiante). Antes de conseguir afastar a amargura e a ira, ódio ou desejos de
vingança, deve admitir a sua presença, no mínimo para si mesmo. Muitas vezes, o
alívio e a capacidade de raciocínio surgem após desabafar com um amigo. Derramar
o que se sente contribui para o reequilíbrio. Quando falamos, ouvimos a nossa própria
voz e isso permite-nos reflectir sobre o que estamos a afirmar; permite uma
reavaliação da situação e das emoções presentes e permite redefinir a forma como
avaliamos e compreendemos o sucedido e como agiremos futuramente. Quando
falamos do que nos magoa tornamo-nos espectadores de nós mesmos, o que constitui
uma porta aberta para a auto-reflexão e surgimento de novas considerações, muitas
vezes mais saudáveis. A ira admitida e reflectida perde muita da sua força.

❏ Não amue nem dê ao outro o tratamento do silêncio. Fale da sua mágoa a quem o
magoou. Seja activo e não passivo, assuma a posição de ir e falar directamente com
os envolvidos. E neste comportamento directivo evite ser agressivo, não precisa de se
descontrolar para ter razão!

❏ Não faça uma retirada. Talvez esta seja a forma mais fácil de lidar com a ira, mas
será também a menos eficaz. Retiramo-nos quando assumimos posições como deixar
o local, tirar férias, evitar o problema mergulhando no trabalho ou em outras
actividades, pensando em outros temas, consumindo substâncias como o álcool e
outras drogas, negando, consciente ou inconscientemente, que a ira existe. Os
problemas não ficam resolvidos negando-os ou afastando-nos deles, o melhor que
pode acontecer é aliviar, temporariamente, a tensão mas a probabilidade de esta
explodir mais tarde é grande. Quando a ira é reprimida mostramos uma aparente
calma, mas a raiva encontra
-se no íntimo gerando sintomas físicos como dores de cabeça e úlceras, reacções
psicológicas como ansiedade e depressão, comportamentos de autoprejuízo como
acidentes, pensamentos de autopiedade e ruminação e lutas espirituais como resultado
de estar mergulhado em amargura. Enfrente o problema, ainda que com humildade e
sem agressividade.

❏ Coloque a si mesmo algumas questões:


❏ Não arranje um substituto. Facilmente tendemos a desviar a mágoa e a ira sentida
por alguém que nos magoou para outro alguém que, não tendo culpa da situação, é
mais fácil de agredir e sofrer a nossa vingança. Esta situação acontece com muitos

54
casais: partem do princípio que é mais adequado agredir o esposo ou esposa pelas
angústias vividas no local de trabalho ou nos relacionamentos sociais. Torna-se
impossível resolver a ira quando não somos capazes de responsabilizar quem deve ser
responsabilizado por ela. Assim, ao lidar com a ira procure descobrir quem realmente
a provocou, sinalize o responsável e não se permita, a si mesmo, arranjar substitutos.
E caso alguém esteja a ser o seu “bode expiatório” reconheça-o e peça perdão,
contribuirá para a clarificação do seu próprio raciocínio e salvará a relação (no
mínimo).

❏ Cada vez mais percebo o efeito terapêutico do perdão e do pedir perdão. Mais uma
vez compreendo que o nosso Criador nos conhece melhor do que ninguém. Pedir
perdão não é meramente um capricho de um Deus desejoso de nos humilhar ou nos
ver humilhados perante Ele ou outros iguais a nós. Não, não é! Há um efeito
terapêutico, há saúde mental no admitir a culpa, assumir a responsabilidade por algo
inoportuno e no pedir perdão aos lesados. Quando peço perdão a alguém a quem
ofendi eu liberto-o da ira que provavelmente sente por mim, o que claramente
contribuirá para a sua saúde e qualidade de vida. E quando peço perdão contribuo,
igualmente, para a minha própria saúde mental: percebo e admito onde errei e
mobilizo esforços e coragem que permitem um mais rápido crescimento pessoal e
social. Verdadeiramente, coloco-me na probabilidade de não voltar a cometer a
mesma falha pois tornei-a consciente e reconheço-a e confirmo não a apreciar. Mais
tarde quero voltar à questão do perdão… por agora chega.
❏ Perceba qual a causa da sua ira: ao delimitar a causa concreta impedirá que a
mesma se disperse por falsas causas. Se você souber o que causa a sua ira poderá
procurar solucionar directamente a origem. Mas não se prenda em falsas causas como
“o meu pai era igual, herdei a sua personalidade”, porque enquanto for assim não
enfrentará a verdadeira causa da sua ira, não a compreenderá e a mesma persistirá. O
que se sabe é que, muitas vezes, o que justifica o comportamento agressivo é a
existência de sentimentos de inferioridade. Certas pessoas com baixa auto-estima, e
que se sentem inferiores, assumem atitudes de hostilidade e de ira. Isto porque a

55
pessoa sente-se insegura e indefesa e, como tal, perde a capacidade de raciocinar e
assume uma posição primitiva de ataque e autodefesa, como qualquer animal que se
sinta ameaçado. Assim, se o que motiva a sua agressividade são os sentimentos de
inferioridade, peça ajuda psicoterapêutica.

❏ Nesta procura da causa pode, eventualmente, encontrar a sua responsabilidade em


todo o processo, ou seja, ao procurar a origem da sua ira você pode encontrar também
o que fez e provocou a situação de conflito. E aqui pode ser necessária novamente a
humildade, confissão e pedido de perdão.

❏ As explosões de raiva, por palavras ou actos, não são a melhor forma de resolver a
ira nem o seu problema originário, além de, muitas vezes, provocarem mais ira.
Como tal, as explosões devem ser reprimidas. O acting out (agir impulsivamente)
deve dar lugar à reflexão. A chamada ventilação ou a catarse, além de ser
biblicamente condenável (pois sugere “deitar tudo cá para fora doe a quem doer”,
desresponsabilizando o sujeito pelas consequências dos seus actos), não comporta
certezas quanto à eficácia na gestão da ira e resolução do conflito. E não parece que a
ira fique mais controlada após a explosão de raiva. Existe, sim, um certo alívio da
tensão interna, mas também se abrem as portas para o aumento do conflito. Quer o
outro responda agressivamente, quer vire as costas com medo, o conflito mantém-se
sem resolução, as feridas permanecem abertas e, um dia mais tarde o leão pode voltar
a rugir. A chamada ventilação jamais é sugerida na Bíblia como medida de gestão da
ira e do conflito. Expressar a raiva raivosamente, para desanuviar, esconde um efeito
perverso.

Quando há descontrolo é porque facilmente a razão deu lugar ao sentimento e são


ditas palavras que poderão ser lamentadas mais tarde. Como alcançar um maior
autocontrolo? Diminuindo as reacções, por exemplo, contando até 20 antes de falar,
respirar fundo, sair para a varanda e voltar depois, falar vagarosamente e baixo, auto-
sugerir-se com “tem calma… tem calma”, são alguns exemplos que parecem
funcionar com certas pessoas, mas que não dispensam um diálogo posterior, quando
as partes estiverem mais calmas.

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❏ Coloque de lado e resista à “necessidade” de remoer dificuldades, pensamentos de
vingança, desejo de desforra, palavras de vingança. Hoje sabe-se que tais atitudes
produzem essencialmente mais ira. A natureza ensina que a árvore mais alimentada é
a que cresce mais e melhor. Regar e alimentar a árvore da ira naturalmente trará mais
ira, tal como regar a árvore do pensamento pessimista trará mais pessimismo. Você
tem o direito de afirmar estar magoado, tem o direito de se defender e se sentir mais
justiçado, mas há formas mais adequadas e eficazes para atingir esse objectivo.
Remoer a ira não é, seguramente, a forma adequada, porque enquanto fica a remoer o
outro continua a sua vida impávido e sereno. Quem mastiga a raiva pára no tempo,
cristaliza-se no momento da ofensa, vive-a repetidamente como se fosse algo presente
e permanece intoxicado. Para evitar remoer:

❏ Se você é cristão acrescente à sua lista de procedimentos a necessidade de


confessar a Deus o seu pecado. Parece fora de moda e surreal, mas não é! O pecado,
mais do que uma infracção a uma regra dada por Deus, é algo que não é saudável e
faz mal. Repare que na lista de pecados15 só se encontram atentados à saúde pessoal e
comunitária. Deus preza a saúde física, psíquica, social e espiritual. Confessar a ira e
pedir perdão é saudável e incrementa a saúde individual e comunitária. O confessar
abre portas à mentalização, facilitando a boa gestão da emoção. No pedido de perdão
prevalecem os instintos, as motivações de vida e não de morte. Quem pede desculpas
fá-lo como tentativa de restaurar o outro a quem magoou e como tentativa de
restaurar-se a si mesmo. Procura a auto-estima e a valorização do outro, logo pedir
perdão é saudável… pois serve a vida e não a morte psíquica. Igualmente ao perdoar
o sujeito lesado deixa de carregar o peso da ira e a amargura e liberta o culpado do
peso da culpa, permitindo ao outro crescer e diminuir a probabilidade de voltar a
cometer o erro. Sim, porque quanto maior o peso do sentimento de culpa maior a
probabilidade de voltar a errar, fracassar e magoar quem nos rodeia.

❏ E por último, faça o bem a quem o magoou – estará a quebrar as suas defesas e a
confundi-lo. No fundo é você que ganha! Ao tomar a iniciativa de abençoar quem o
magoou está a ser assertivo! Está a dizer que as suas acções não dependem dos actos
dos outros. São livres e determinadas por si. No fundo está a auto-afirmar-se e não a
subjugar-se e determinar-se pela forma como o outro o tratou. Volto a referir… é
você que ganha!

57
15
Os Dez Mandamentos e algumas outras orientações apresentadas ao longo dos livros bíblicos.

Em todas estas medidas encontra-se o “dar a outra face”, que em si mesmo não
implica nem uma atitude passiva, nem uma agressiva, implica sim uma atitude
assertiva. Dar a outra face, mais do que algo dirigido ao outro, é algo dirigido ao
próprio. Dou a outra face a mim mesmo na medida em que me permito gerir a ira e
resolver a situação de conflito de forma mais assertiva, menos agressiva e sem
assumir uma posição de passividade.

O comportamento assertivo baseia-se sempre na reflexão prévia. Um comportamento


assertivo é, antes de tudo, um comportamento reflectido e dou a outra face quando
não ajo impulsivamente, nego
-me a mim mesmo e à minha necessidade primeira de autoprotecção e autodefesa e
dou lugar à reflexão de toda a situação – reflicto sobre mim mesmo e sobre as
motivações inerentes à outra pessoa envolvida. No fundo, sempre que opto por
controlar os meus instintos agressivos, não dar lugar à impulsividade por palavras e
actos e sempre que opto por reflectir sobre a situação antes de agir, estou a negar-me
a mim mesmo e ao meu primeiro impulso de vingança e, consequentemente, estou a
dar a outra face.

Aqui está algo que também provoca “comichão” nos dias de hoje: negar-me a mim
mesmo! Este apelo é, por muitos, considerado descabido. É difícil para o homem e
mulher actual pensar em negar-se a si mesmo! Mesmo porque toda a mensagem
publicitária (e não só) vai no sentido de “segue os teus instintos”, “vive a ocasião”,
“não te preocupes”. Negar a mim mesmo provoca “comichão” e vontade de
abandonar quem o aconselha. Mas também remete para algo importante como
controlar o meu primeiro desejo de vingança e destruição do outro. Remete para a
necessidade de substituir a emoção raiva pela capacidade de pensar sobre ela e toda a
circunstância envolvente. É fácil? Não, não é!

Dar a outra face sugere uma postura pessoal activa, ou seja, sou eu que decido dar e
sou eu que dou a outra face independentemente do que o outro escolha fazer. Dar a
outra face sugere a coragem de se colocar em posição de abertura ao diálogo com
alguém (em princípio agressor) necessário à negociação e resolução de conflitos.
Jesus não disse que só eu devo dar a outra face. As mesmas palavras são dirigidas ao
meu suposto agressor, e se ambos dermos a outra face estaremos disponíveis para

58
conversar, assumir responsabilidades, negociar e resolver o conflito. Mas atenção
porque o facto de dar a outra face não me garante que o outro também a dê e,
efectivamente, existem pessoas propensas a aproveitar a outra face dos outros para
efectivar a ameaça, o desejo de vingança e a agressão. Assim, dar a outra face
constitui sempre um risco ainda que necessário ao diálogo. E isto sugere um traço de
personalidade de Jesus – sempre disposto ao diálogo.

Por vezes, todo este processo de gestão da ira e, no fundo, cura interior só é possível
com a ajuda de um psicoterapeuta. Se for este o seu caso não se embarace, procure
ajuda sabendo que a psicoterapia não é mergulhar num mar de rosas, mas sim sair de
um mar de espinhos. E neste sair dos espinhos, por vezes, há também choro e
sofrimento necessários ao renascer. Outras vezes, a ajuda de um amigo ou amiga, de
um familiar ou de um líder religioso é suficiente para percorrermos o caminho da
libertação.

No entanto, não devemos esquecer que a ira, sendo uma emoção partilhada por Deus,
em si mesma, não deve ser evitada ou eliminada. Deve, sim, ser adequadamente
gerida através do controlo da emoção e impulso agressivo, bem como através do uso
da racionalização e capacidade de auto-reflexão. O autocontrolo será mais fácil se
houver uma preocupação com a prevenção da expressão inadequada da ira, ou seja, se
tomar medidas no sentido de prevenir a explosão de raiva. Algumas dessas medidas
poderão ser:

❏    Evite remoer pensamentos e sentimentos pessimistas e negativos. O controlo da


acção/comportamento só é possível se houver um prévio controlo dos pensamentos e
das emoções. É importante não passar o dia a remoer os motivos da mágoa e não
passar a noite a ruminar formas de vingança e autodefesa. Como já verificámos!
Quando o remoer acontece a ira aumenta, principalmente se o indivíduo se associar a
outros com o mesmo modelo de reacção. Estas situações aumentadas e repetidas
tornam o adulto num futuro idoso amargurado, zangado com a vida e vingativo,
diminuindo consideravelmente a sua paz de espírito, o bem-estar psicológico e social,
incrementando a possibilidade de desenvolver doenças psicossomáticas e
psiquiátricas.
Algo que é costume remoer são as palavras e actos de vingança. A princípio pode
sentir-se alívio ao remoer a forma como se irá alcançar a vingança e deixar o outro

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“na mó de baixo”, afinal permite fantasiar sobre a própria superioridade, permite
reequilibrar a auto-estima e autoconfiança (e, à partida, parece ser importante e
saudável). No entanto, este modelo de gestão da ira e do conflito, assente na
agressividade, tem um efeito perverso: envenena o próprio! A ira torna-se tão grande
que leva à perda da capacidade de raciocínio, impede a resolução do conflito e
aumenta a solidão do indivíduo, além de o predispor para o ataque ao outro. É um
modelo destrutivo e prejudicial: «Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre,
justo, puro, amável, honroso, virtuoso, ou o que de algum modo mereça louvor.» (Fi l
i P e n s e s 4,8)
Depois de fantasiar sobre a sua superioridade sobre o outro e sobre as estratégias de
vingança, quando o ruminador se consciencializa da realidade, a frustração volta a
tomar conta de si, o desespero e o ódio reacendem para chamuscar tudo à sua volta.

❏    Evite pessoas e situações que provoquem o descontrolo da ira. Não significa


que evite a ira, pois esta pode surgir mesmo sem autorização da vontade. O
importante é evitar pessoas e situações que podem levar ao descontrolo da ira. Por
exemplo, evitar o consumo de álcool e outras drogas se o predispõem para a agressão
e, se não está ainda preparado para o diálogo assertivo, evite pessoas que, sendo
agressivas, já o levaram ao descontrolo. «Não faças amizade com a pessoa colérica,
nem andes com gente violenta. Correrias o risco de te habituares aos seus costumes e
preparares uma armadilha para ti mesmo.» (Provérbios 22,24-25)

Temos estado a falar do estilo de comunicação assertivo e verificou-se que não o


poderíamos fazer sem antes falarmos dos outros oponentes. Assim, falámos do estilo
de comunicação e relação agressivo e seguidamente estudaremos o estilo
manipulador. Antes de passar ao estilo manipulador registe, por escrito, o que
descobriu sobre si mesmo e sobre os outros, durante o estudo da agressividade e da
ira. Escreva as suas reflexões, pois é uma forma de observar e organizar o seu
pensamento. Contribui claramente para um maior autoconhecimento.

De facto, não é fácil percorrer caminhos de mudança. Este manual pretende propor
mudanças na sua forma de pensar, sentir e reagir perante as situações. O caminho a
percorrer exige alguma determinação, mas percorra-o pela sua saúde física e mental.
Percorra-o, igualmente, para a saúde dos que ama e que de si dependem. Costumo
dizer que, muitas vezes, abandonamos os processos psicoterapêuticos simplesmente
porque doem e ninguém gosta da dor. Concluindo, a pessoa com um estilo de
comunicação e relação agressiva quer afirmar-se, quer ser assertiva! Ela quer, mas
não o sabe ser! Estas pessoas estão desejosas de partilhar o que sentem (normalmente
mágoas!), como pensam e porque agem de determinada forma tão castradora. No
entanto, neste ímpeto de comunicar recorrem a estratégias erradas (baseadas na
agressão pessoal e aos outros), geram conflitos e saem magoadas. O desafio será
encontrarem formas sadias de comunicar e partilhar as suas frustrações de maneira a
serem ouvidas e compreendidas, sem magoar os outros. A isso chamamos
assertividade!

60
5. O estilo (de comunicação e relação)
manipulador
Antes de iniciarmos o estudo deste estilo de comunicação gostaria de relembrar que
todos queremos ser amados e todos buscamos ser verdadeiramente amados! Estamos
cansados de máscaras e à noite, quando encostamos a cabeça na almofada para
dormir, ficamos aliviados por poder, finalmente, tirá-las. Os manipuladores também
querem ser verdadeiramente amados e o seu comportamento tem esse objectivo,
ainda que não siga “os trâmites legais”!

Enquanto a pessoa agressiva se afirma “doe a quem doer” de forma pronta e directa, a
pessoa com um estilo de comunicação e relação manipuladora afirma-se mas de
forma pouco ou nada clara. Falta-lhe sinceridade e transparência na maneira como
fala do que pensa e sente e de como pretende agir ou agiu. Esconde, dissimula e altera
o conteúdo do que realmente tem para dizer por receio de não alcançar os seus
objectivos. E o objectivo final é sempre sentir-se superiormente amado, abastado,
confortado em relação aos outros (que no fundo não respeita). A manipulação decorre
de um sentimento de inferioridade: manipula os outros não apenas por não os
respeitar, mas essencialmente por não confiar na eficácia do seu verdadeiro ser. Não
confia no que é e nas próprias capacidades para alcançar o que pretende ou necessita
e, como tal, reveste-se de uma máscara que viabilize o projecto. O grande problema é
que as máscaras também se colam à cara e assim traduzem-se em consideráveis
problemas na e de identidade. O que caracteriza este estilo de comunicação é a
máscara e o disfarce associados à necessidade de controlar os outros. Tudo serve os
propósitos do próprio não tendo em conta as necessidades alheias. Assim acaba-se
por conseguir o apoio dos outros sem os mesmos perceberem o contexto real no qual
estão inseridos. Na verdade, estão a ser manipulados ou ludibriados.

Existem várias formas de manipulação e os manipuladores recorrem a elas conforme


lhes convém, com maiores ou menores resultados e com maior ou menor perícia:

❏ Sarcasmo – é a zombaria indirecta. É gozar e inferiorizar indirectamente a outra


pessoa recorrendo a expressões de menosprezo. Pode ser em público ou privado. No
fundo, acontece quando quem zomba se sente inferior ao gozado. Passo a explicar: o

61
manipulador procura rebaixar alguém específico que ele pensa estar a fazer-lhe
sombra. A zombaria é uma estratégia que visa dissimular o real sentimento de
inferioridade do qual é vítima. Assim, o manipulador rebaixa a outra pessoa para que
ela se sinta inferior e ele possa trepar, sentindo-se menos inferior do que ela. Quanto
mais em perigo se sentir, maior a probabilidade de gozar e inferiorizar os outros. No
fundo, quem recorre a sarcasmos sente-se “na corda bamba” e para não ficar em
desvantagem procura arrastar outros consigo. O sarcasmo surge como uma estratégia
que visa aumentar a sensação de segurança através da inferiorização dos outros.
Deixar-se-á inferiorizar quem se sentir mais inseguro e tiver tendência para a
autodesvalorização. As pessoas com formas de funcionamento mais passivo ou mais
agressivo serão as mais atingidas, reagindo ou com agressão autodirigida (se for
passivo) ou com agressão dirigida ao outro (se for do estilo agressivo).

❏ Bajulação – é a chamada “lambedura”, muitas vezes repleta de um discurso


lisonjeador e subserviente (“podes contar comigo para tudo, só quero ajudar, fica
entre nós, é para teu bem”). O discurso verbal tende a ser floreado e atraente, mostra
interesse e dedicação, ainda que falsas. Acontece bajular alguém quando o
manipulador sente que pela via directa ou indirecta da ameaça não vai atingir os seus
objectivos. Ele pressente que algo irá dificultar a obtenção do que considera
imperdível e por isso bajula! Verifica-se novamente sentimentos de carência e
inferioridade. Num plano mais inconsciente, o bajulador considera-se incapaz e em
desvantagem e por isso procura dar a volta à situação lisonjeando quem, no fundo, ele
considera mais abastado. Claro que é acompanhado de sentimentos de ciúme e inveja
capazes de o fragilizar ainda mais. Quem bajula almeja uma posição superior porque
sente estar numa inferior. Mas atenção, o sentimento de inferioridade nem sempre é
consciente: o manipulador, muitas vezes, acredita estar no patamar de cima.
Considera-se superior à sua vítima e capaz de tirar vantagem dela. Traça planos bem
orquestrados e segue-os até ao objectivo final, com uma sensação de superpotência,
mas inconscientemente o que o move é não se sentir realizado, preenchido, saciado.
Assim, apesar de ele ter colada a si a máscara da superpotência e a máscara da
capacidade de enganar os outros (o que lhe dá muito prazer), no fundo está assente no
sentimento de impotência, na sensação de baixa auto-eficácia: como se soubesse que,
por si mesmo, não consegue atingir o patamar desejado e por isso precise de bajular
alguém, quebrando as suas defesas. Atenção porque estas pessoas manipuladoras são
muito capazes de ler os outros e entender os seus traços mais sensíveis, mais
inseguros e por isso mais facilmente manipulados.

62
❏ Insinuações – o manipulador procura transmitir uma ideia sua mas colocando-a
no boca de outros “ouvi dizer por aí que…”. O que procura é alcançar um objectivo
mas sem se envolver directamente com as palavras que usa. Assim, responsabiliza
outros pelas mesmas. E para se proteger coloca-as em “pessoas” vagas, não definindo
conveniente e objectivamente a pessoa que as proferiu. A insinuação surge porque o
manipulador não tem coragem para assumir as palavras como suas. Na verdade sente-
se incapaz e com medo e por isso diz o que tem a dizer mas protegendo-se sempre.
Como habitualmente, ele pretende obter algo que considera capaz de o dignificar mas
não tem a audácia necessária para ser frontal. Ele quer ser ouvido e atendido mas
receia não o ser1 e por isso recorre a estratégias pouco claras. No fundo revela
insegurança e baixa autoconfiança e denuncia a sua dificuldade em acreditar numa
estima verdadeira dos outros pela sua pessoa. Se ele confiasse no amor verdadeiro e
desinteressado assumiria o que pensa e sente sem necessitar dissimular.

❏ Chantagem – surge quando pela via indirecta (insinuações, bajulação e sarcasmo)


o manipulador não obtém o que deseja. O cansaço da espera, a impaciência e a
agressividade escondida levam-no à chantagem e directamente procura tirar partido
de algo que a outra pessoa tem, violentando-a. No fundo o que acontece é que a
pessoa manipuladora aceita “dar”algo a alguém (ou tirar algo) mediante uma valiosa
contrapartida. As suas palavras não reflectem graça porque nada é dado de graça. Ela
pretende transmitir uma imagem de prontidão em apoiar mas sempre tirando partido
“sim terei todo o prazer em falar com ele, mas …”. Pode também acontecer a ameaça
em situações mais extremas. E a ameaça sugere que o manipulador está a ficar
emocionalmente descontrolado. Na verdade, a pessoa manipuladora tem algum
controlo da agressividade conseguindo ocultá-la muito bem. No entanto, quando a
impaciência surge por não estar a obter o que pretende, pode perder essa capacidade e
começar a atacar recorrendo a ameaças. Ira-se quando, pela via da manipulação
indirecta, não atinge os objectivos pretendidos. Assim tende a ser dominador e
vingativo, bem como frio e insensível, considerando-se auto-suficiente. Daí podermos

63
considerar a manipulação como uma forma mascarada de agressividade. Nesta
situação, a inteligência do manipulador começa a faltar porque deixa de ter em conta
a capacidade de discernimento de quem ele está a querer manipular. E os outros
também são inteligentes, também têm capacidade de adaptação a um ambiente hostil
e sobre ele desenvolvem estratégias de resolução dos problemas. E isto pode ser fatal
para os planos tão bem orquestrados pelos manipuladores.
É interessante reparar que enquanto escrevo sobre os manipuladores, o faço sempre
no masculino! Mas a verdade é que também se encontram altos níveis de
manipulação no género feminino (talvez até maiores). O facto de as mulheres não
serem detentoras de muita força física pode explicar a necessidade de desenvolver
outras estratégias que lhes permitam “levar a água ao seu moinho”. Os homens,
devido à sua maior força física, podem mais facilmente impor-se por ela. Algo parece
ressalvar: enquanto o estilo manipulador parece consistir no exercício da força pelas
ideias, o estilo agressivo parece impor-se não só pela força das ideias como pela força
física. Verifica-se, nestas pessoas, um discurso agressivo ainda que mascarado, como
já se viu. No fundo, a pessoa manipuladora é uma pessoa agressiva, mas que
aprendeu a mascarar os seus maus instintos de forma a conseguir, dos outros, o que
pretende, deixando
-os confusos quanto ao facto de terem sido ou não vítimas e, muitas vezes, com
sentimentos de auto-recriminação. Há uma vitimização ainda que indirecta e difícil de
perceber enquanto tal. Há uma dissimulada anti-sociabilidade capaz de enganar
muitos e a astúcia é uma característica estrutural, jamais se aceitando um não como
resposta. Para eles os fins justificam os meios, mesmo se distorcerem a realidade,
apelando à mentira e ao engano. A patologia mental tende a surgir com a cristalização
desta forma de reagir perante o mundo.
Sabe-se que nestas pessoas há um certo prazer em representar. Para o manipulador a
vida é um palco e as pessoas actores alvo. Ele está em constante cena e o objectivo é
ganhar vantagem. Como pontos fortes e positivos da sua personalidade (sim, porque
não somos totalmente maus e nem totalmente bons!) destacam-se a vontade forte e
persistente, a independência, o ser visionário e prático, o ser produtivo (pois gosta de
atingir os objectivos) e decidido.
1 Porque lhe falta confiança quer em si mesmo, quer no amor dos outros.

Uma das grandes dificuldades das pessoas que estabelecem este tipo de relação com
os outros é a falta de confiança. Na verdade elas não conseguem confiar nos outros,
não acreditam que os outros possam beneficiá-las motivados por um verdadeiro
interesse e amor. Para elas os outros jamais suprirão as suas necessidades se não

64
forem obrigados a tal e assim tendem a forçá-los, ainda que indirectamente, por medo
da retaliação.2 A pessoa manipuladora não confia no amor do próximo, não confia na
relação que possa ter com ela. Não sente que o outro a possa amar de forma
transparente e real e como tal (por não se sentir digno de tal relação transparente e
incondicional) procura tirar partido. A agressividade pode surgir, também, como
consequência da falta de confiança. Como não tem confiança no amor dos outros pela
sua pessoa, começa a odiá-los e por isso tende a atacar. Esta falta de confiança nos
outros, que os leva a procurar obter o que pretendem “pela porta das traseiras”, tem a
sua raiz bem lá atrás, numa fase ainda primária do desenvolvimento. O que se pensa é
que provavelmente esse desenvolvimento foi marcado por carências (materiais e/ou
emocionais) com as quais o sujeito não soube viver3, por alguma violência sentida e
pela perda de confiança no amor verdadeiro e desinteressado. Assim, para estas
pessoas, que estabelecem um tipo de relação baseada na manipulação, a vida é uma
luta na qual só sobrevivem os mais fortes.
2
O manipulador tende a não expressar a sua agressividade directamente não apenas porque assim é mais rápido e “limpo” obter dos outros o
que pretende, mas também porque, no fundo, ele é um medroso. Esconde a agressividade por medo da retaliação. E agride, directa ou
indirectamente, também como forma de autoprotecção. E quando é descoberto diz sempre que nada fez e que teve sempre boas intenções! 3
Passar por necessidades não faz de nós obrigatoriamente carentes e muito menos manipuladores. No entanto, certas pessoas vivem o que não
têm e gostariam de ter de forma altamente angustiante e destrutiva. A sensação de carência leva-as não ao impulso da construção sadia mas
ao impulso da autoconstrução pela via da destruição dos outros. Outro aspecto interessante a recordar é que ter carências não significa que
ninguém lhes tenha dado amor e carinho, pode significar que apesar de lhe ter sido dado, por alguma razão, elas não souberam receber.

Ao ler este capítulo penso que você está em condições de saber qual a sua posição: se
manipula ou se é mais facilmente manipulado. Se manipula os outros reflicta sobre
este capítulo e peça, rapidamente, ajuda psicológica, e se é facilmente manipulado
considere, igualmente, as seguintes advertências a fim de proteger-se dos
manipuladores…

❏ Desconfie quando a esmola for tão grande que até enjoa! Quando os elogios e as
ofertas forem desproporcionadas ao que aparentemente as motivou. E investigue as
reais motivações de quem o elogia. Pode pedir conselhos a um amigo mais sensato.

❏ Desconfie quando alguém apelar ao “fica entre nós”. Tudo o que é ocultado e não
pode vir à luz é para desconfiar! Esta é uma regra de Deus! Toda a verdade e tudo o
que é digno e justo acompanha-se de luz e a luz não pode ser ocultada! O ocultar algo
sugere erro e falsidade.

❏ Desconfie quando alguém colocar a responsabilidade de algo em alguém


impreciso “ouvi alguém dizer…” pergunte logo quem especificamente. Tudo o que é
vago e pouco preciso é para desconfiar.

❏ Desconfie quando alguém promete ajudar mas em seguida recorre a “se”, “mas”,
“talvez”. Investigue a situação!

❏ Relembre que ameaçar é sinal de fraqueza e início de descontrolo emocional e se o


seu “amigo” começa a ameaçar é para desconfiar das suas reais motivações e
comportamentos.

65
A preocupação surge quando esta forma de funcionamento (baseada na manipulação)
se torna estrutural. O que quero dizer é que todos nós em algumas alturas da nossa
vida recorremos a alguma forma de manipulação. Até aí é “aceitável”. No entanto,
quem funciona apenas neste registo denuncia uma certa tendência anti-social, uma
certa personalidade perturbada e isso é doentio. Aí convém pedir ajuda, quando ainda
há consciência para tal. Mas não esqueça que todos nós tentamos manipular os outros
desde o berço. O problema surge quando o conseguimos, na maior parte das vezes, e
não somos repreendidos e essa forma de funcionamento se torna estrutural.

Na Bíblia, o grande manipulador surge com o nome de Serpente… tal é a gravidade


da manipulação diante de Deus. Ele reconhece o quão desastroso pode ser o engano, a
falsidade e a manipulação da verdade. Incrível é como, actualmente, caminhamos
neste campo! É assustador! Hoje precisamos de verificar a veracidade de tudo o que
ouvimos… e já houve uma altura, na História da Humanidade, em que os homens
tinham palavra! Será que podemos lá voltar?

O clima social actual de manipulação cristalizada tem aberto portas à insegurança, à


desconfiança, ao medo e a tantos outros sentimentos potenciadores de doença mental.
No entanto, muitos de nós manipulam simplesmente porque também já foram
manipulados… É uma roda viva… ou morta?

66
6. O estilo (de comunicação e relação)
passivo
O estilo passivo assenta na dificuldade em expressar opiniões, vontades e sentimentos
próprios. Como tal, assenta numa atitude de submissão fácil ao outro, dependência e
receio. É um estilo que considera necessária a subordinação e a fuga como formas de
solucionar os conflitos. Claro que não os soluciona! Estas pessoas normalmente
dizem que não gostam de alimentar os problemas, que é desnecessário discutir porque
afinal nada se ganhará com isso e desfazem-se em desculpas e lamentações quando
são arrastadas para determinados problemas. Este receio do outro e esta incapacidade
de auto-afirmação expressa-se em risos nervosos e forçados, em posturas corporais
descaídas, numa voz quase inaudível e pouco transparente, num olhar difícil de
encontrar. Facilmente ficam ansiosos, não toleram o confronto e tendem a aceitar
tarefas que mais ninguém quer desempenhar. Claro que há quem se aproveite sempre
desta fragilidade da pessoa passiva, despertando nela, posteriormente, sentimentos de
desvalorização pessoal (baixa auto-estima), perda de energia (apatia), ressentimentos
e até fantasias e desejos de vingança.
As pessoas com estilo de comunicação e comportamento passivo normalmente são
“usadas e abusadas” por pessoas com comportamentos manipuladores ou agressivos.

Este estilo de vida passiva parece trazer algumas vantagens (como alguma
tranquilidade, ainda que falsa e efémera), no entanto, não conduz à realização
pessoal.

As pessoas passivas comunicam uma mensagem de inferioridade, como se os outros


fossem mais importantes do que elas. Nestas situações, há uma sensação de que o
outro ganha sempre e que o eu perde sempre, cedendo em tudo aos outros. Há uma
vivência de vitimização e de se sentir ignorado e nada respeitado.

Quando há confronto a pessoa passiva procura sempre averiguar onde errou,


desculpando o outro, assumindo “culpas” e responsabilidades que não são suas. Está
sempre pronta a autocriticar-se, ilibando o outro de qualquer acusação. Ao fazê-lo
contribui para a diminuição da sua pouquíssima auto-estima.

Para quem assume funções de liderança, a passividade é uma forma de comunicar e


de estabelecer relação com outros assente no liberalismo. Neste estilo

67
comportamental, o indivíduo não define directrizes, dá total liberdade aos outros para
agirem como quiserem, tem uma participação limitada no grupo, não se assume e
tende a ser esquecido. Estes sujeitos (no local de trabalho, na escola, em casa ou nas
instituições religiosas) tendem a provocar nos outros instabilidade, individualismo,
desmotivação, frustração e incapacidade para focar e seguir um objectivo, atingindo-
o. Por vezes chegam a ser desrespeitados e desconsiderados pelos supostos liderados.

A passividade tem, na sua origem, várias vertentes. Gostaria de reflectir sobre duas
delas: a sensação de culpa e a baixa auto
-estima.

A vivência da culpa e a perda da liberdade

A culpa parece estar na origem de vários problemas psicológicos e transtornos


psiquiátricos, gerando angústia e morte psíquica. Talvez por isso o Pai Celestial,
nosso Criador e que conhece as Suas criaturas mais do que ninguém, mais do que elas
próprias1, se tenha preocupado tanto em libertar-nos dessa situação que ao assumir
determinadas proporções se torna destrutiva. A culpa é um sentimento pouco
confortável que arrasta remorsos, vergonha e autocondenação. Consequentemente,
pode gerar desânimo, ansiedade, medo e desejo de castigo2, desolação e solidão. A
culpa pode ser vista em duas perspectivas:
1 Nós! Eu e você!
2 Por um lado tememos o castigo, mas, por outro lado, pode ser inconscientemente desejado e até procurado. É desejado e procurado porque
depois dele o sujeito sente-se como que “já com as dívidas pagas”. Sente que já pagou pelo seu erro e isso dá-lhe uma falsa e efémera
sensação de paz.

❏ Saudável – quando traz à consciência determinadas falhas cometidas e permite a


possibilidade de reparação, correcção e bem-estar. Todos falhamos e à capacidade de
admitir o erro, corrigindo-o, pode chamar-se de reparação. Quando se consegue
reparar a situação, a relação com o lesado é restabelecida e a auto-estima é
fortificada. Para que tal aconteça, a pessoa deve ser capaz de sentir a culpa,
reconhecê-la, mas não se deixar cegar pela mesma, pois precisa de colocar o seu olhar
mais adiante nas estratégias de reparação. A culpa assumida e o desejo de
recuperação alimentam a busca de perdão e constroem as partes envolvidas. Por
outras palavras, a culpa é saudável quando leva a pessoa a sentir-se triste por ter
magoado e lesado uma outra pessoa (ame-a ou não) e quando leva a procurar reparar
o mal cometido. Não sejamos ingénuos: nenhum de nós é totalmente bom, todos
cometemos erros contra os outros e sentirmos posterior remorso e desejo de corrigir
edifica a auto-estima bem como a da outra pessoa. Quando firo alguém, contribuo
para a sua destruição. Se não o reparar deixo-o refém do sofrimento, da dúvida e
muitas vezes de algum desejo de vingança.

❏ Doentia – quando assume proporções tão gigantescas que cega o indivíduo ao


ponto de ele apenas ver o erro cometido sem conseguir planear a possibilidade de
reparação. A culpa, por si só, cega e destrói abrindo caminho aos transtornos físicos e
mentais. Simultaneamente, é uma influência inibidora, pois inibe e “castra” a

68
autonomia e vitalidade do sujeito. Neste caso, quem fere está tão refém do erro
cometido que não é capaz de planear a reparação da pessoa lesada (e por isso
contribui para a continuação da destruição emocional de quem foi magoado) e nem é
capaz de planear a sua própria libertação. A reparação da pessoa magoada fica
dificultada se a pessoa que magoou se centrar na culpa em si e não na reparação, e
isso é doentio: não é saudável para nenhuma das partes envolvidas. Por isso estranho
que tantos usem a culpabilização doentia como forma de controlo social. Certos pais
treinam os filhos para sentirem culpa mas esquecem-se de ensinar-lhes o caminho
saudável da reparação. Verdadeiramente, a culpa subjectiva (complexos de culpa,
sensações generalizadas de culpa) pode ser aprendida, é possível aprender a sentir
culpa por tudo e por nada. Essa aprendizagem gera sentimentos posteriores de
inutilidade pessoal, de desadequação social e desejos de autodestruição. Há muito
sofrimento!

A forma como a religião tem lidado com a questão da culpa tem contribuído para que
muitos percam a curiosidade em conhecer Deus. Na realidade, a religião tem
apresentado uma visão doentia da culpa: sublinha-se o pecado e o pecador sem
considerar a capacidade de reparação quer como acto divino, quer como acto
humano. Esta postura religiosa de culpa e castigo foi tão usada pela Igreja como
forma de controlo social que despertou hostilidade e afastamento dela.

No entanto, o Cristianismo, na sua essência, apresenta uma visão saudável da culpa.


Vamos estudá-la? Aqui ficam alguns tópicos sobre a visão bíblica da culpa, para sua
reflexão!

❏ Biblicamente, a culpa ou culpado refere-se, sempre, a algo objectivo. A culpa é


objectiva quando alguém verdadeiramente transgride a Lei de Deus.3 A Bíblia não
sublinha a noção de culpa subjectiva (os complexos de culpa subjectivos não são
valorizados do ponto de vista bíblico). Por outras palavras, ou somos
verdadeiramente culpados/responsáveis por algum acontecimento (culpa objectiva),
ou não! Não há lugar para sentimentos e complexos subjectivos de culpa. Mesmo
porque esses não são saudáveis. A culpa subjectiva gera confusão mental e mal-estar
psíquico e afectivo. Não sendo saudável, não é de Deus. De facto, várias pessoas
chegam às consultas de Psicologia com grandes sentimentos de culpa, por vezes tão
salientes que perturbam toda a sua vivência quotidiana. Quando se pergunta de que se
sentem culpados, nem sabem! A culpa é tão generalizada que as inibe e destrói.
3 Já vimos que a Lei de Deus promove a saúde geral do ser humano. Promove uma visão geral da vida assente na responsabilidade que temos com o bem-
estar uns dos outros!

69
O Cristianismo, na sua essência, não desperta sentimentos de culpa subjectivos.
Apoia-se, sim, na culpa objectiva e é essa que todos os evangelhos sublinham.
Infelizmente, vários cristãos têm procurado alimentar nos outros o complexo de culpa
para, dizem eles, levar ao arrependimento e à conversão. No entanto, têm sido
criticados por despertarem sentimentos pouco saudáveis! E efectivamente despertam!

❏ A culpa objectiva produz tristeza saudável, ou seja, quando verdadeiramente


falhamos sentimo-nos tristes.
O Apóstolo Paulo escreveu cartas à Igreja de Corinto e, na sua segunda carta (por
volta de 55/56 d. C.), escreveu estas palavras, referindo-se a uma carta que
anteriormente havia enviado:

A tristeza que Deus quer, relacionada com a culpa, é a tristeza surgida por
verdadeiramente se ter transgredido a Sua Lei. Não é uma tristeza associada a uma
culpa generalizada e subjectiva. É uma tristeza associada a uma razão objectiva (um
pecado específico). Igualmente é uma tristeza que não se concentra no autocastigo, na
autodestruição, na morte do eu. É uma tristeza que se concentra no arrependimento
construtivo. Esse arrependimento é aquele que leva a pessoa a admitir que errou, a
ficar triste por isso e a mudar de vida: reparar. Salvação é reparar. Quando a pessoa

70
que errou admite a responsabilidade da sua falha e se move no sentido de reparar, ela
contribui para a vida e salvação. Vejamos:

❏    Contribui para a vida e salvação do lesado – libertando-o da mágoa e do


ódio que eventualmente poderia sentir pela pessoa que o magoou. E a mágoa e o ódio
fazem mal a quem com eles convive! Restabelece a auto-estima do lesado ensinando-
lhe a vantagem de ele próprio reparar outros que venha, eventualmente, a magoar.
Igualmente alimenta a auto-estima de todos os envolvidos assim como estabelece
uma clara definição do que é certo e do que é errado.

❏    Contribui para a sua própria vida e salvação – libertando-se da culpa e


impedindo-se de afundar em complexos de culpa autodestrutivos e pouco saudáveis.
Inclusivamente, impede o desenvolvimento do chamado “calo emocional”4. Abre
portas à assertividade!

A tristeza saudável não favorece a destruição mas proclama a salvação, a libertação, a


cura psíquica. Esta tristeza é construtiva porque apesar de o sujeito ter plena
consciência dos seus erros e lamentá-los, procura, acima de tudo, ajudar o outro que
anteriormente lesou e procura o seu crescimento pessoal através da mudança (não
voltar a errar daquela forma). De facto, mostra preocupação, respeito e estima quer
por si mesmo, quer pelo outro.

A tristeza doentia advém de complexos sentimentos de culpa psicológica em que o


ofensor está demasiado centrado em si mesmo e nos seus erros passados. A sensação
de culpa é tão grande que ele não se sente capaz de promover a mudança, sente
-se tão inibido e castrado que se afunda em si mesmo. O resultado é ira, frustração,
depressão, baixa auto-estima. Tudo destrutivo! ❏   Outra verdade bíblica no estudo
da culpa é a questão do perdão. O perdão é libertador. Quando se perdoa liberta-se do
ódio face a alguém e liberta-se o outro de uma dívida face ao anterior agressor. O
perdão tem uma função psíquica curativa: cura o ofensor e cura o ofendido. Liberta
ambos do sofrimento psíquico, restaura o sono, os hábitos alimentares, reduz a
sensação de pressão psíquica. Toda a verdade bíblica assenta na enorme capacidade
de Deus perdoar (Deus é reparador e gosta de reparar). Ele sabe o quão saudável é
reparar e toda a escritura bíblica ensina o caminho da reparação.
4 O calo emocional surge quando se praticam muitas vezes determinados actos destrutivos. Surge quando se alimentam pensamentos e
emoções pouco saudáveis ao ponto de, após algum tempo, já não ter noção da sua patogenia. Nestes casos, as pessoas tornam-se como que
zumbis que magoam os outros insensivelmente e sem noção do que estão, na verdade, a fazer.

Mas porque surge a culpa subjectiva? Quais as suas causas?

A forma como se lida com a culpa aprende-se na infância. Também na infância a


criança se apercebe das expectativas que os outros têm dela e procura corresponder a
elas. O ser constantemente criticada por não alcançar esses padrões, o ser comparada
com outras crianças, o sentir-se rejeitada quando falha, a falta de elogios quando
acerta o alvo e ter pais e educadores que parecem nunca estar satisfeitos gera na
criança mal-estar. Esse mal-estar psíquico pode assumir a forma de culpa,

71
responsável pela angústia, apatia, medo de falhar, submissão e dependência dos
outros. Gera passividade e em alguns casos pode também gerar agressividade, ódio,
competição desenfreada. O sentir-se fracassada abre portas à autocondenação, à
autocrítica e sugere sentimentos de inferioridade. Muitos de nós crescemos com esta
disfuncionalidade e incompetência emocional.

O crescer num lar em que é permitido a todos os seus membros errar e posteriormente
arrepender-se permite ao menor entender que a perfeição de actos e pensamentos é
humanamente impossível e que o perdão faz toda a diferença. Estas crianças crescem
aprendendo a ter coragem para assumirem os seus erros sem se sentirem inferiores,
procurando a reparação dos seus descuidos. Aprendem acima de tudo a perdoar-se a
elas mesmas, porque alguém as perdoa, e aprendem a perdoar os outros com graça ou
de graça! São crianças que aprendem a não sucumbir em auto
-recriminações.

Assim, qualquer culpa mal gerida pode provocar uma imensa destruição: atitudes de
autodefesa (como culpar desmesuradamente os outros), atitudes de auto-ataque (como
culpar-se a si mesmo sem dó e sem piedade), afastamento e quebra dos
relacionamentos sociais bem como diminuição da saúde em geral.

Mediante estas consequências, como lidar com a culpa? Se o desejo é ser assertivo e
libertar-se da passividade e do medo do outro, bem como do sentimento de
inferioridade provocado por alguma culpa, é necessário tomar algumas providências.
Como pode você libertar-se do sentimento de culpa de forma a tornar-se mais
assertivo?

– Verifique se realmente tem culpa. A sua culpa é objectiva? Se sim, corrija o erro.

❏ Fale com a pessoa a quem ofendeu. Por vezes não falamos para não nos
inferiorizarmos e porque pensamos que ao não falar pode ser que ninguém imagine o
quanto somos culpados. É uma espécie de segredo entre nós e a nossa consciência. O
ofendido na verdade não sabe (pensamos nós na nossa “ingenuidade”) que tem razão
para estar magoado, como se algo não confessado não fosse verdade. Mentira! A
verdade será sempre a verdade, quer a confesse quer a negue! Se objectivamente é
culpado, então é-o independentemente de confessar ou negar o erro. Confessar abre
portas à restauração, liberta quem está cativo e diminui o sofrimento de quem ficou
magoado e de quem está a esconder-se da verdade dos factos. É a verdade que liberta!
Também confessar o erro aumenta a auto-estima do confesso porque é preciso uma
grande dose de coragem para o fazer. Ir ter com o agredido e estender a mão,
inicialmente contribui para que o ex-agressor se sinta na mão do agredido (e ninguém
gosta de sentir-se assim tão pouco poderoso, tão frágil!), mas posteriormente é o
agredido que fica na mão do agressor! Vamos lá explicar melhor: quem pede perdão
sente-se temporariamente nas mãos do agredido. Mas o que vem a seguir é
permanente e não temporário. Ou o agredido perdoa e restabelece a confiança no ex-
agressor (significa que o ex-agressor ganhou um irmão) ou o agredido não perdoa,
mas ao não perdoar fica refém do seu próprio ódio e mágoa enquanto o outro segue

72
livre! Deus apela ao perdão porque essa atitude salva psiquicamente as partes
envolvidas, restaura a quem o pede e a quem o concede.5 É uma questão de
sobrevivência espiritual e psíquica! O saber e reconhecer que se errou permite o
surgimento de uma profunda tristeza que é construtiva, pois dá lugar à reparação. Já o
complexo de culpa não é construtivo, é apenas autodestrutivo.
5 E lembre-se que custa tanto a quem pede como a quem dá. Não é fácil pedir perdão, mas também não é fácil concedê-lo. No entanto, o
preço a pagar por ambas as partes vale a pena.

❏ Opte por caminhos correctos. Quanto mais correctamente agir, menos


probabilidade terá de experimentar a culpa. Aja favorecendo sempre a sua saúde e a
dos que o cercam. Faça boas escolhas comportamentais. Aprenda, treinando, a
controlar os impulsos destrutivos (como a ira). Faça uma saudável gestão dos
pensamentos aprendendo a substituir os desadaptados por outros mais adaptados. Dê
uma oportunidade aos outros, não os julgue precipitadamente, para que mais tarde
não se sinta culpado. O dar uma segunda oportunidade ao outro não serve apenas para
fazer favores a quem, talvez, não o mereça. Serve também para proteger o eu, serve
para impedir que eu me sinta zangado comigo mesmo (por ter sido intransigente com
o outro) e até consiga orgulhar-me de mim mesmo por ter tido a coragem de dar uma
segunda hipótese.6 Quando eu dou outra hipótese a alguém, inibindo-me de acusar e
condenar à partida, no fundo abro portas a uma maior possibilidade de auto-estima.
Certas pessoas mais desconfiadas (paranóicas) tenderão a ter mais dificuldade em
assumir as culpas objectivas e em pedir perdão. A desconfiança dos outros é tão
acutilante que as impede de reparar por medo de “ficar nas mãos dos outros”.
6 E olhem que é preciso muita coragem para dar uma segunda hipótese a quem anteriormente nos magoou. Significa baixar as armas com
uma certa probabilidade de sermos novamente atacados. Daí tantos recearem dar uma segunda hipótese. Mas é saudável porque diminui a
nossa tensão interior, promove o relaxamento emocional e físico, trazendo todas as vantagens associadas. Inclusivamente, maior capacidade
de envolver-se em outros relacionamentos futuros e não perder a disponibilidade para reflectir. Isto porque em alturas de tensão e autodefesa
a capacidade de reflexão tende a diminuir e reagimos mais instintivamente, o que atrapalha a ponderação.

– Se não há culpa objectiva e mesmo assim a culpa subjectiva está presente, há muito
a fazer! Vamos ver:

❏ Entenda que você facilmente se envolve em estratégias de autocondenação e,


inclusivamente, espera ser alvo de acusação. Muitas vezes, ainda que
inconscientemente, as pessoas com complexos de culpa envolvem-se em situações e
colocam
-se em posições nas quais, com facilidade, são alvo de crítica. Há, por vezes, como
que uma silenciosa busca de castigo (que temporariamente acalma a necessidade de
autocondenação mas que não funciona permanentemente, levando a pessoa a, de
novo, forçar a derrota). Assim, quem tem complexos de culpa não está bem consigo
mesmo, tem uma baixa auto
-estima, culpabiliza-se por tudo e por nada, forçando a sua própria sensação de
fracasso, bem como o fracasso efectivo. É algo como “por me culpabilizar, espero ser
culpabilizado e até ajo no sentido de o ser”. Por vezes, quando falam com alguém
sobre os seus sentimentos fazem-no com a esperança de ver um dedo apontado. Esse
apontar de dedo apenas contribui para a comprovação do mais temido: são

73
verdadeiramente culpados e os outros reconhecem-no e sublinham-no. No entanto,
como é algo que vai de encontro ao esperado, produz uma estranha sensação de paz
muito desejada, ainda que falsa e pouco duradoura. Não se apoia na verdade, não
ilumina como a luz e não conserva como o sal. Não é assertiva!

❏ Tendo tudo uma origem, até mesmo os complexos de culpa, importa saber qual a
sua. Reflicta sobre si mesmo, e se chegar ao ponto de sentir que está demasiado
afogado nos pensamentos, emaranhado nas emoções, demasiado confuso e a perder a
objectividade, então procure ajuda terapêutica. Reflicta sobre si mesmo, mas
acompanhado, para não se perder. Caso queira tentar reflectir sobre si mesmo sozinho
siga algumas questões aqui sugeridas:

Este guia pretende apenas fornecer-lhe um caminho possível de reflexão. Existem


vários caminhos. Na verdade, cada um de nós pode criar o seu. Se este guia não servir
crie outro, deixe-se levar e escreva o que vem à sua mente. Pode pedir ajuda a alguém
para caminhar consigo neste trilho da autodescoberta.

❏ Se for relevante para si, investigue o ensino bíblico sobre a culpa e o perdão.
Entenda que Deus é um Pai de perdão e não de acusação. Claro que Ele espera que os
Seus filhos ajam correctamente, mas Ele não se deleita na acusação. O Seu prazer
está em levar a pessoa que errou a reconhecer o seu erro para posteriormente mudar
de rumo optando por caminhos mais higiénicos para si mesmo e para os outros. A
essa mudança atribui-se o nome de arrependimento. Existe, actualmente, algum

74
preconceito face à palavra pecado. Biblicamente, pecado remete para más escolhas.
Remete para a aceitação de pensamentos e comportamentos nada sadios para o
próprio que os tem e para os outros que o cercam. O objectivo de Deus Pai é que os
Seus filhos vivam saudavelmente e o pecado rouba esse bem-estar! Só isso mesmo! O
pecado não foi inventado por um Deus tirano, controlador e que apenas quer
manipular as Suas criaturas levando-as a sentirem-se presas, sem liberdade de
escolha, escravas a uma moral ou código tirano. O pecado nem foi inventado por
Deus. Como um filho desobedece ao pai entristecendo-o, o nosso pecado entristece o
Pai. E no ensino bíblico sobre o perdão entende-se que ninguém tem de ser escravo
do complexo de culpa. Após o reconhecimento do erro e arrependimento, bem como
pedido de perdão, há lugar para a liberdade e paz interior. O continuar a sentir-se
indefinidamente culpado colide com a verdade bíblica da libertação.

O Pai sabe que o complexo de culpa traz sofrimento interior (preocupação, medo,
sentimentos de inferioridade, solidão, angústia e tristeza profunda) e que tem
repercussões ao nível da saúde física, inspirando doenças variadas e outros males
estares, sem esquecer que potencia o desprendimento de Deus. Jamais Deus recorreu
ao complexo de culpa para garantir que alguém O siga verdadeiramente. Deus é sábio
e sabe que não é contribuindo para a sensação de culpa que garante mais seguidores.
Essa estratégia é a das igrejas feitas por homens (bem como outras entidades como
alguns pais, professores e patrões) que esperam que, ao induzirem a culpa e o medo,
os seus seguidores sejam mais e cada vez mais fiéis. Verdadeiramente, induzir o
outro a sentir-se culpado pode temporariamente ajudar a controlar o seu
comportamento num determinado sentido. No entanto, a médio e longo prazo a
angústia e o desespero experimentados por quem se sente permanentemente culpado
dão lugar à desilusão profunda, ao desamor por si mesmo, ao desapego e à falta de
confiança nas próprias capacidades, bem como na capacidade de perdão ao outro.
Perante esta profunda perda de esperança em si mesmo e no outro, o sujeito encontra-
se mais disponível para desistir de procurar o bem, entregando-se a más escolhas.
Desvincula-se de si mesmo e dos outros. Quando eu desisto de mim, por excesso de
culpa e por baixa auto-estima, então, nada parece restar senão a morte psíquica:
entregar-se a pensamentos e comportamentos para-suicidiários, que não são nada
mais e nada menos do que o caminho das más escolhas! É o caminho do “perdido por
cem, perdido por mil”.

O sentimento de culpa generalizado e não focalizado numa situação específica e sem


objectividade gera uma total sensação de perda. A pessoa que sofre de complexos de

75
culpa tende a desejar afastar-se de si. O mal-estar interno é tão assustador e punitivo
(tão tirano!) que o sujeito precisa de fugir “de si mesmo”. O problema é que ninguém
pode fugir totalmente de si e, por isso, a tirania mantém-se ainda que, por vezes,
mascarada e mais ou menos anestesiada. A qualquer momento o complexo de culpa
pode reacender e voltar a queimar tudo à sua volta e consequentemente a paz interior
do indivíduo. Neste sentido, os complexos de culpa castram as pessoas que graças a
eles sofrem, limitando as suas escolhas e impedindo a sua espontaneidade.

A pessoa passiva tende a comunicar sem consistência e liberdade. Na verdade, toda a


comunicação e interacção com os outros tende a ser inconsistente e insegura, há falta
de determinação para pedir e recusar algo. O discordar e o criticar são sentidos como
destrutivos e não há espaço para uma verdadeira escuta do outro, temperada com uma
profunda escuta de si mesmo.

No complexo de culpa não há espaço para a assertividade. A pessoa não consegue


asserere7, ou seja, não consegue chamar a si, reivindicar, reclamar, afirmar e
defender-se. Nesta situação há uma autocomplacência que recusa aceitar e desfrutar
os sucessos, que sobrevaloriza os insucessos e que retira os estímulos necessários à
progressão pessoal e social.

A pessoa passiva e com complexos de culpa não é determinada: não se atreve a


definir e perseguir objectivos pessoais (primeiro porque não se sente merecedora de
tal honra e depois porque receia falhar novamente)8, não se atreve a delinear uma
estratégia para alcançar um determinado sucesso e nem se sente suficientemente
preparada para correr os riscos envolvidos.
7 Asserere é o verbo latino que deu origem à palavra assertividade. Significa chamar a si, reivindicar, afirmar.
Em língua inglesa surgiu o verbo to assert.
8 O passivo pensa: falhar novamente seria desastroso, se já é difícil lidar com os actuais insucessos e
sentimentos de culpa como seria lidar com mais alguns? Mais vale não ser determinado e deixar-se estar como
está. Mas eu digo: o grande problema é que a culpa virá sempre à mente do passivo (se ele avançar e falhar
sentir-se-á culpado e se não avançar deixando-se estar, o complexo de culpa também o visitará insultando-o e
fazendo-o sentir-se um fracassado). Isto acontece consigo? Se sim, tome medidas drásticas de combate
psíquico!

A aventura do risco

Correr riscos não é fácil, no entanto, por vezes é vital. Quando se pondera a
possibilidade de correr um risco é necessário considerar a possibilidade de ganhar e a

76
possibilidade de perder algo. E o correr risco acalenta uma probabilidade alta de
perder algo, por isso é considerado risco!

As pessoas com um estilo de comunicação passiva consigo mesmas e com o mundo


em geral têm grande dificuldade em correr riscos. A necessidade de autoprotecção é
tão extrema que inibe a aventura pelo desconhecido. Por exemplo, optam por
terminar relacionamentos apenas porque continuar os mesmos envolve o risco
provável de perder algo. Na imaturidade emocional, certos namoros são terminados
quando uma parte se sente demasiado envolvida e pesa as consequências de perder a
relação mais tarde. Assim, de forma a evitar o risco de envolver-se mais ainda do que
já está envolvido, e de forma a evitar a possibilidade de um grande sofrimento futuro,
acaba a relação e pseudo-protege9 o eu do outro. Na verdade quem abandona uma
relação apenas por medo de ser abandonado (e sem que existam indícios de outras
razões que o justifiquem), pensa que se está a proteger, mas na verdade está apenas a
fragilizar o seu ego.
9 Quem tem esta atitude pensa que se autoprotege do sofrimento que a outra pessoa poderá, eventualmente, causar. Este medo de ser
magoado é vivido de forma tão intensa que a probabilidade de ocorrer se torna quase uma certeza. Então, reage como se a probabilidade
desse lugar à certeza. Quem tem esta atitude de afastamento e quebra da relação fá-lo porque crê estar a proteger-se de um sofrimento maior
e que considera não ser capaz de suportar. Esta pessoa sente que o sofrimento inerente ao ser abandonado é maior do que o sofrimento
inerente ao abandonar. No fundo abandona para não ser abandonado. O grande problema vem a seguir: para aguentar a solidão passa-se à
substituição de uns amores por outros amores em que nada parece preencher a solidão mantém-se, os afectos anestesiam-se e a pessoa passa
de mão em mão sem sentir, sem se envolver e, pior, sem crescer emocional e socialmente. Isto é o pior que pode acontecer se, entretanto, a
pessoa não parar de abandonar.

O risco caracteriza-se pela possível perda e pelo sucesso pouco provável. Caracteriza-
se pela possível queda e claro que quanto maior o complexo de culpa, maior o
sentimento de rejeição e maior a certeza de insucesso. Daí evitar-se correr riscos.

No entanto, correr riscos é, biblicamente, incentivado. No Livro de Eclesiastes (um


dos livros bíblicos) e a propósito de correr riscos lê-se o seguinte:

Claro que correr riscos deve ser altamente ponderado. Como o fazer? Aqui ficam
algumas orientações:

77
❏ Defina claramente o risco que quer correr. Escreva-o a seguir. Seja objectivo!

❏ Descubra quais são as suas motivações. Porque vai correr o risco? Vale a pena? A
motivação é certa?
❏ Defina as suas emoções. O que sente quando se imagina perante o risco? O que
sentirá (imagine!) se for bem sucedido? E se perder, como se sentirá? Quais serão as
reacções ao ganho e à possível perda?
❏ Pondere as vantagens e desvantagens de correr o risco. O que vai perder se não for
bem sucedido? E o que vai ganhar se for bem sucedido?
❏ Os objectivos que está a traçar são realistas?
❏ Converse com alguém (da sua confiança) e peça conselhos a três pessoas que
considere idóneas no assunto. O que dizem elas sobre o risco que pretende correr?
São favoráveis a que você corra esse risco ou não?
❏   Se correr esse risco e for bem sucedido, de que forma influenciará os que
dependem de si? E quais serão as consequências para os que dependem de si se você
não obtiver os ganhos previstos?

Todas estas orientações têm como objectivo ajudá-lo a ponderar. É importante


ponderar (pensar primeiro antes de agir). É importante pensar sobre si mesmo
(motivações, emoções e reacções), é importante pensar no risco em si mesmo
(ganhos, perdas, vantagens e desvantagens, adaptação à realidade) e nas
consequências para a vida dos outros que ama e que de si dependem10 e de quem
você também depende.
Ponderar treina a capacidade de autocontrolo. Quem pondera age com a cabeça, a
razão, e não com o impulso, permitindo avançar para a situação de risco de forma
mais alerta pois ao longo do percurso mais facilmente detectará os problemas,
conseguirá reflectir sobre eles e tomar decisões mais acertadas. Avançar sem
ponderar constitui uma base insegura, logo à partida, assim como permitirá uma
maior probabilidade de não conseguir reflectir ao longo do percurso de risco quando
os problemas começarem a surgir. Ponderar permite, pois, um maior controlo da
situação porque os problemas prováveis já estão ponderados e as estratégias de
resolução definidas, dando espaço para pensar no imprevisto quando ele ocorrer.
10 Lembra-se que se o outro é o seu espelho, precisa que ele esteja bem para que você se sinta também bem!

78
Quando há um maior controlo da situação e um maior autocontrolo há uma maior
probabilidade de tomar a decisão sábia. Claro que muitos, após ponderar, concluem
que não vale a pena correr o risco e outros concluem que vale a pena. Quando a zona
de conforto é grande11, então corre-se o risco!

Correr o risco após ponderação também engloba permitir-se errar. As pessoas que
correm riscos parecem ser mais tolerantes consigo do que as que não correm riscos.
Quem corre riscos, após ponderar, já se confrontou com a possibilidade de errar e
perder e de certa forma já quase se perdoou por essa falha. Estas pessoas reconhecem
o seu direito de errar. Claro que o melhor é acertar o alvo, mas a falha pode ocorrer e
esta é uma realidade a não negar! Todos gostam de acertar o alvo. Somos
programados nesse sentido. O espermatozóide, quando é depositado na mulher, tem
um alvo: encontrar primeiro do que os seus colegas o óvulo. Os que não acertam o
alvo morrem: os espermatozóides lentos e pouco determinados morrem pelo caminho
e os outros que têm vitalidade, determinação e correm o risco de entrar na corrida e
perder, se não acertam primeiro o alvo também morrem. Somos “programados” para
acertar o alvo, para vencer desde os nossos primórdios. E é sempre triste correr o
risco e perder. No entanto, quem corre o risco após ponderar e reconhecendo a
probabilidade de errar e perdoando-se por isso, terá mais condições de sobreviver
psiquicamente após a queda.
11 Zona de conforto – é um espaço psíquico, uma certeza racional e emocional de que os ganhos serão superiores à perda. Aqui há paz
interior, há satisfação e um desejo enorme de “pôr as mãos na massa”! O sujeito avança ao longo do percurso já com as estratégias definidas,
os olhos postos nos objectivos bem traçados e detectando os problemas, ainda muitas vezes antes de eles se manifestarem. Ele está
determinado e imparável. Dá gosto ver!

Engraçado como, por vezes, mais facilmente se concede aos outros o direito de errar
do que ao próprio. Esta facilidade aumenta quanto menos a pessoa estiver relacionada
e depender de quem errou. Por vezes é mais difícil lidar com o próprio erro do que
com o erro do outro, devido ao factor auto-responsabilização e autoculpabilização.

Lidar com o erro de outras pessoas com as quais há identificação e vinculação


também não é fácil porque a falha do outro é sentida como a própria falha, daí haver

79
alguma tendência para a desculpabilização desse outro. Ao desculpabilizar e ao
encontrar justificações para a falha do outro (que se ama e com quem se identifica)
permite-se, inconscientemente, uma espécie de autodesculpabilização. Quem
desculpabiliza pensa que salva o outro e se salva a si mesmo. Fá-lo como estratégia
de sobrevivência psíquica: como forma de protecção do outro, protecção da relação
que tem com esse outro e como forma de, igualmente, continuar a sentir-se bem
consigo mesmo, afinal sente que o outro é parte, é extensão de si! Por exemplo, certos
pais desvalorizam e desculpabilizam os erros dos filhos como mecanismo de
protecção. Chegam ao ponto de negar a situação de falhas cometidas pelos filhos,
esforçam-se por tapar e esconder as consequências das suas más escolhas porque
olhar para elas funciona como espelho!12

Voltando ao como correr riscos:


❏  Meça o risco da sua decisão. Como medir esse risco?

1 – Defina o resultado esperado.


2 – Compare as perdas e os ganhos do resultado esperado. Sempre se ganha algo e
sempre se perde algo… não se consegue ter tudo.
3 – Pondere sobre os factores de incerteza e as probabilidades escondidas – são os
possíveis problemas a surgir no caminho; defina perante eles uma estratégia de
resolução. Como: “Se acontecer este problema eu terei esta solução já ponderada.”
Assim, estará a controlar os riscos e a limitar as possíveis perdas já ponderadas.
Lembre-se que se estas já estiverem ponderadas você estará mais disponível para
pensar nas surpresas, naqueles riscos que não foram esperados e que com certeza
surgirão ao longo do percurso.
12 Claro que o erro dos filhos nem sempre é o erro dos pais. No entanto, certos pais, olhando para os erros dos filhos, sentem-nos como
seus.

Não adopte a postura “perdido por cem, perdido por mil”, “morra gato, morra farto”,
“quando morrer vou deitado”! – Isso é insensato e pode conduzir a grandes perdas.

O desamor: a baixa auto‑estima

Escrever sobre a auto-estima é algo fácil e simultaneamente difícil. Já tanto foi escrito
sobre ela. Todos falam dela, todos reconhecem a sua importância (ou quase todos!),
mas nem todos sabem pô-la em prática, incentivar e estimular. Encontro-me perante
um enorme icebergue.13 Vamos falar dele porque claramente facilita o ser sal e luz do

80
e no mundo. Para tal basear-nos-emos em vários autores (cujos nomes você talvez já
ouviu falar).

Debruçar sobre a auto-estima, neste manual, faz todo o sentido porque quem não se
estima não se afirma equilibradamente. A assertividade está condenada a servir
apenas aqueles que se estimam. Apenas os que se estimam conseguem valorizar os
outros e a si mesmo de forma equilibrada. Apenas os que se estimam conseguem dar
lugar aos outros sem se sentirem humilhados. Apenas esses detêm o equilíbrio entre a
valorização do eu e a valorização do outro.
13Icebergue devido à sua dimensão e porque aquilo que vemos e conhecemos é mínimo comparando com o
que ela (a auto-estima) realmente envolve.

Qual a origem da auto-estima?

A sua origem está lá atrás. Está na herança emocional transmitida pelos pais, avós,
bisavós, sociedade, comunidade em geral.
Amar-se de forma equilibrada depende de um processo de espelho e aprendizagem.
São os pais (principalmente!) e outros educadores, bem como a sociedade em geral,
que ensinam o menino e a menina a apreciar-se. E quem não se sentiu
suficientemente amado terá dificuldade em demonstrar amor. As pessoas amam
-se quando descobrem que alguém as ama. Se são amados então crescem acreditando
que são dignos de amor, e nesse caso porque não amar-se? Consideram! Quando a
criança olha para os seus pais e para a forma como é tratada retira ilações de qual é o
seu valor: “Se me tratam bem, se ouvem o que eu digo, se deixam de fazer outras
coisas para brincarem comigo então é porque eu tenho valor. Se eu tenho valor então
sou digna e posso amar-me. Sou importante!” Mas se “mal me vêem, se é mais
importante ver televisão do que brincarem comigo, se estão sempre a ralhar e não
reparam no quanto me esforço para agradar, então, talvez, eu não tenha valor. Eu não
sou tão importante!” pensa a criança. O problema aumenta quando ela cresce fixada
nesta crença porque, à medida que amadurece, a mesma tende a cristalizar e aí é cada
vez menos provável que alguém a consiga contradizer.
É triste ver como alguns educadores (inclusive pais) usam o ataque à auto-estima
como forma de controlo do menor, tal como usam o complexo de culpa! Fazem
ataques constantes à criança quer com palavras «és feio porque és um menino
teimoso», «já não gosto mais de ti», quer com actos (virar as costas, apertar o pulso,
empurrar e arrastar o corpo da criança) e atitudes como desviar o olhar reprovando
algo. Estes ataques são feitos porque acredita-se que assim a criança começará a
obedecer, a fazer o que lhe mandam. E com certas crianças esse objectivo até pode

81
ser atingido, começam a obedecer não pela motivação certa, mas porque não querem
ser consideradas feias e precisam de garantir o amor do adulto. Já com outras crianças
tal não sucederá… a revolta tomará o seu lugar e os comportamentos indesejados
assumirão maiores proporções.

Spitz referia que o bebé desembarcava num mundo completamente estranho e que o
seu maior desejo era sentir-se em segurança, em paz e com bem-estar. Este
investigador fez vários estudos sobre as carências afectivas e conseguiu demonstrar
que os recém-nascidos, mesmo quando têm as necessidades básicas preenchidas
(sede, fome e higiene), se não forem reconhecidos/ /amados pela mãe ou um
substituto, tendem a enfraquecer e até a morrer. Parece que a necessidade de nos
sentirmos estimados vem desde muito cedo e é uma necessidade básica, uma vez que
contribui para a sobrevivência psíquica da criança e mais tarde do adulto. O sentir-se
estimado abre portas à auto-estima, o saber-se estimado credibiliza e incentiva o auto-
estimar-se. Tudo começa com a vinculação (vinculação significa apego14 a alguém).
Auto-estima e bem-estar. Qual a relação?
14 Uma relação de apego, de laços fortes, é uma das bases de sobrevivência! É impossível desprezar uma verdadeira relação… ninguém o
faz com consciência.

A presença de auto-estima sugere uma situação de bem-estar psicológico. Este bem-


estar designa uma situação de conforto emocional e social associada a uma sensação
de qualidade de vida, mesmo quando as circunstâncias da vida não correm
exactamente como o planeado. Eric Erikson (já aqui apresentado quando falámos nas
diversas teorias da personalidade) defendeu que à medida que o indivíduo vai
crescendo, vai passando por vários estádios. Em cada estádio existe uma tarefa a
realizar ou conflito a resolver, sem o qual não poderá passar para o estádio seguinte.
A resolução ou não destes conflitos, ao longo do ciclo vital, influencia o sujeito na
relação consigo mesmo e com os outros, dominando toda a sua personalidade e
reflectindo-se na auto-estima. Para Erikson, a auto-estima surge quando a pessoa é
capaz de superar os conflitos próprios da sua fase de desenvolvimento pois essa
superação contribui para que se sinta bem consigo. No fundo, o que ele quer dizer é
que superar os problemas próprios da idade incrementa a sensação de auto-eficiência
e, já agora, auto-eficácia. É como terminar de jogar um jogo com a certeza de que se
jogou bem e se marcaram golos! Isto é excelente para a auto-estima!

Entre os 18/20 anos de idade até aos 30 anos o conflito surge entre a necessidade de
intimidade e o medo dela, ou seja entre Intimidade e Isolamento (recordando o que já
anteriormente foi visto). Nesta fase, o adulto procurara estabelecer relações de

82
intimidade com os outros e desenvolver a capacidade para o amor íntimo que é muito
mais do que físico, é emocional, com a partilha de pensamentos e afectos! Nesta
situação surge a inevitável possibilidade de temperar, conservar e iluminar o outro,
bem como deixar-se ser por ele temperado, conservado e iluminado. Ou seja, nesta
fase de desenvolvimento o sujeito poderá desenvolver a noção de amor e filiação
(saudável) ou isolar-se dos outros (patológico). Mas para desenvolver a noção de
amor e filiação precisa de ter aprendido a confiar nos outros, precisa de algum
altruísmo e uma identidade segura. O facto de ter vencido os anteriores conflitos
(referentes às anteriores etapas do desenvolvimento15) permite-lhe superar mais uma
etapa, estabelecendo relações íntimas de verdadeira intimidade.

Entre os 30 e os 65 anos o conflito dá-se entre Generatividade e Estagnação e nesta


etapa o adulto procura o sentido da sua contribuição para o mundo (ex: criar os seus
filhos e o altruísmo). Procura gerar algo, deixar uma marca! Consequentemente,
permite-lhe aperfeiçoar a sociabilidade e descentralizar-se positivamente de si
mesmo. O não conseguir atingir o objectivo de contribuir para a próxima geração
levá-lo-ia à estagnação. Por sua vez, a estagnação associa-se ao aparecimento do
egocentrismo e do isolamento, opostos ao pressuposto e saudável aperfeiçoamento do
cuidado aos outros. Segundo Erikson, a capacidade de estreitar relações sociais,
associada à responsabilidade e à orientação construtiva para outras gerações, faz parte
da maturidade. Uma boa resolução do conflito contribuiria para uma personalidade
mais ajustada socialmente e de bem consigo mesma (auto-estima). A dificuldade em
resolver os conflitos internos daria origem a formas de estar e sentir mais
desajustadas, mal-estar generalizado, reflectindo-se na relação do sujeito consigo e
com os outros e potenciando desajustes e desequilíbrios. Repare que a má relação do
sujeito consigo mesmo é entendida como desarmonia e desequilíbrio capaz de
potenciar a doença: emocional, psíquica e até física!
15 Se tem dúvidas releia Identidade, Identificação e Personalidade.

Neugarten considerava que a capacidade de dominar o ambiente era um critério


necessário à sensação de conforto e bem-estar. Verdadeiramente o controlo do
ambiente, daquilo que cerca o indivíduo, contribui para um maior ajustamento à
realidade e para uma maior sensação de auto-eficácia (sensação de “eu consigo!”).
Simultaneamente, alimenta não só o sentido de responsabilidade como também a
auto-estima da pessoa. O domínio do ambiente constitui uma medida de manutenção
da saúde mental e física. Verdadeiramente dominar faz parte da natureza humana. É a
forma de estar no mundo planeada por Deus para o Homem. Todos têm um papel de
liderança no mundo em geral (por exemplo, através da gestão dos recursos ambientais
disponíveis, através da eleição dos líderes que representam e servem o grupo) e
especificamente no local de trabalho, casa, comunidade social. E sabe-se que líderes
com auto-estima equilibrada lideram de forma mais justa. Sentir que não se tem o
controlo sobre as situações, que não se consegue dominar o ambiente permite que a
pessoa se sinta totalmente à mercê do caos e da sorte. Esta sensação é altamente
frustrante e contribui para um aguçar de estratégias de ataque ou defesa face ao
mundo. A auto-estima já estará arruinada.

83
Sabe-se que a percepção de controlo aumenta o bem-estar geral e sedimenta a auto-
estima!

Abraham Maslow sublinhou a pertinência da auto-aceitação como necessária a uma


vivência positiva. No entanto, para Maslow, a auto-aceitação sugere não uma atitude
passiva mas a necessidade de auto-realização (pirâmide das motivações/
necessidades16), a necessidade de autocumprimento e a realização das
potencialidades próprias do indivíduo. Ou seja, falar de auto
-aceitação reenvia para a necessidade de mudar, de adaptar, de crescer. A auto-
aceitação não é aquela postura “eu nasci assim, eu sou assim, quem quiser que me
aguente” (no mínimo essa postura revela insegurança e ignorância). A auto-aceitação
reenvia para o uso das potencialidades, reenvia para a mudança permanente e para um
estilo de vida marcado por uma constante adaptação à realidade. Segundo Maslow, as
pessoas com capacidade de auto-aceitação e aceitação dos outros acedem mais
facilmente à auto-actualização (processo de desenvolvimento pessoal). Para Maslow,
a auto-realização predomina nas personalidades saudáveis e estas não se deixam
vencer pelas exigências e estereótipos sociais (antes reconhecem e prosseguem na
satisfação das suas necessidades, dos seus objectivos e propósitos pessoais) e aceitam
riscos (vencendo a necessidade extrema de segurança). Maslow ainda foi mais longe
caracterizando as pessoas auto-realizadas como assentes na percepção da realidade,
com capacidade para aceitar-se e aceitar os outros, espontâneas, com interesse na
resolução dos problemas em vez do interesse egoísta17, com um prazer positivo pela
solidão e pela privacidade, igualmente apresentam resistência ao conformismo e um
profundo sentimento de simpatia pelas outras pessoas. Estes indivíduos auto-
realizados em certas ocasiões poderiam mostrar-se obstinados, frígidos, irritáveis,
incómodos, egoístas e deprimidos, no entanto, estas não eram características
estruturais.
16 Pirâmide de Maslow, já neste manual abordado em Identidade, Identificação e Personalidade.
17 No interesse egoísta, a pessoa navega em torno de si mesma, dos seus interesses e exigências pessoais. Mas na resolução do problema a
pessoa navega em torno das possíveis soluções para o problema. Aceita ponderar sobre eles, aceita experimentar possíveis soluções e
concentra-se no bem-estar de todos os envolvidos, é assertivo e compreende que para estar conservado (sal) e iluminado (luz), os outros
também precisam de o estar.

Carl Rogers afirmou o valor do eu e a necessidade de cada um aceitar o seu próprio


valor. Quando cada um se autovaloriza e valoriza o outro, surge uma confiança
basilar na natureza humana e isso permite um funcionamento social saudável. Para
Rogers, a capacidade de cada um se auto-avaliar, sem necessitar de recorrer

84
obsessivamente à aprovação dos outros, reenvia para a noção de autonomia e para um
saudável funcionamento. O funcionamento pleno só é alcançado quando cada um
encontra o seu próprio sentido de vida e quando cada um se permite a si mesmo
novas experiências, necessárias ao crescimento pessoal. Assim, para Rogers, os
indivíduos com pleno funcionamento têm um autoconceito realista18 e estão
conscientes do seu mundo interior, estão disponíveis a novas experiências e
autoconsideram-se positivamente. Estes indivíduos confiam nas suas experiências
para tomarem decisões e sentem-se livres para as tomar: procuram o crescimento
pessoal e exercitam as suas potencialidades.
18 Observam e aceitam a realidade tal como ela é, impedindo-se a si mesmos de estratégias como a negação da realidade, a repressão, a
racionalização ou mesmo a projecção. Olham para si e nem desvalorizam as suas limitações e falhas e nem sobrevalorizam as suas
capacidades e conquistas. Têm uma percepção real de si.

Creio que o ensino bíblico vai ao encontro da necessidade de aperfeiçoar a auto-


estima. Mas para que seja aperfeiçoada, deve sê-lo numa avaliação correcta da
realidade que somos: deve basear-se na nossa capacidade para compreender o que
está mal e precisa ser limado e na capacidade para, alegremente, abraçar e estimular o
que está bem. Isto é auto-actualização, recordo que biblicamente é santificação.

Somos chamados a amarmo-nos a nós mesmos porque Deus ama-nos, e somos


chamados a amar os outros como a nós mesmos. A crença de que a auto-estima está
errada tem contribuído para o aumento de desajustes emocionais e desequilíbrios
psíquicos. A auto-estima permite ao ser humano afirmar-se equilibradamente e buscar
um relacionamento com os outros saudável. Não se amar faz com que não se tenha
confiança nem em si mesmo nem nos outros, prejudicando a capacidade e a ousadia
da auto-afirmação e contribuindo para o receio do contacto social pela adopção de
posturas de ataque ou defesa.

Uma pessoa com auto-estima estará disponível para, com toda a segurança, afirmar a
sua fé, sem depender da avaliação que sofrerá por parte dos outros, ou da opinião das
massas sociais. Assim, vive plenamente o sentido que encontrou para a sua vida e
nesse sentido procura a santificação baseada na geração de uma nova forma de pensar
e sentir o mundo. Essa pessoa terá um autoconceito realista: sendo capaz de
reconhecer as suas capacidades, reconhece igualmente as suas limitações e falhas,
bem como recorre a estratégias no sentido de se autocorrigir. Fá-lo sem mágoa ou
zanga de si mesmo e com imenso autocuidado. Autocorrige-se com auto-amor.

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Allport concluiu que um dos sinais da maturidade é a capacidade de o sujeito se auto-
aceitar abrindo portas ao estabelecimento de relações sociais entusiásticas.
Igualmente considerou que a maturidade se encontra interligada com a capacidade de
executar um conjunto de actividades capazes de exercer domínio sobre o ambiente
circundante.

Jahoda centrou-se na questão da saúde mental, defendendo que a auto-aceitação é


uma atitude positiva do eu face ao eu e constitui um critério de saúde mental. Outro
critério é a capacidade de amar os outros e com eles estabelecer relações apropriadas
baseadas na autonomia: na capacidade do sujeito distinguir-se do outro, não receando
assumir-se. Para Jahoda, a saúde mental depende, igualmente, de uma perspectiva
unificada/integrada da vida que lhe dá sentido e direcção e na qual é possível o
indivíduo cumprir as suas próprias potencialidades e amadurecer. Para Jahoda será
sempre patológico qualquer ser humano dividir-se entre dois mundos. A saúde mental
depende de uma visão unificada da vida. É impossível servir a dois senhores, apenas
se pode servir a um. O Cristianismo deve ser vivido de forma integrada, capaz de dar
uma direcção única de vida. Tentar andar em dois caminhos diferentes resultará
sempre em desarmonia psíquica.

Com base nestas perspectivas, definem-se como características de bem-estar as


seguintes: aceitação de si, relações positivas com os outros, autonomia, domínio do
ambiente, sentido de vida e crescimento pessoal. São critérios essenciais à saúde e,
segundo a Carta de Ottawa (já falámos anteriormente dela), a saúde depende da
capacidade de o indivíduo ser capaz de identificar e realizar as suas aspirações,
satisfazer as suas necessidades e modificar ou adaptar-se ao meio. Estes critérios
promovem e são promovidos pela auto-estima. Vamos ver cada um destes critérios:

❏    A aceitação de si é uma característica psíquica que remete para a capacidade de


a pessoa reconhecer o seu valor permitindo
-se à actualização (crescimento/progresso). Sendo esta uma atitude positiva face ao
eu, é um aspecto essencial do funcionamento positivo: é sinal de maturidade e um
critério de saúde mental. O sujeito que aprende a auto-aceitar-se é aquele que não
receia admitir e afirmar as suas potencialidades, aceita
-se igualmente nas suas falhas19, como já largamente vimos! Atenção, não escrevo
que «aceita as suas falhas», escrevo que «aceita-se» nas suas falhas. Esta aceitação
não é uma resignação em que assume a falha e a impossibilidade de mudar e
melhorar. A auto-aceitação em nada tem que ver com a resignação (aceitação
resignada à impossibilidade de mudar), a auto-aceitação abre portas à capacidade de
integrar soluções comportamentais mais adaptadas e equilibradas. O sujeito que se
auto-aceita20 é pró-activo, procurando o crescimento, o amadurecimento e atitudes
mais saudáveis para si mesmo e para os outros.
19 Faz uma auto-avaliação realista!
20 Há uma aceitação do físico (do próprio corpo) e uma aceitação do psíquico (da própria personalidade). O não aceitar o corpo ou a
personalidade abre portas ao desajustamento e desequilíbrio. Abre portas a uma constante insatisfação e mal-estar social.

A auto-aceitação contribui para uma postura adequada perante o outro: permite a

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aceitação real, não fingida, da outra pessoa. A Psicologia tem descoberto aquilo que
Deus já havia sublinhado: a aceitação dos outros começa na auto-aceitação. Os dois
estão fortemente associados. Jesus igualou estes dois tipos de amor tornando-os
indissociáveis: «Ama o teu próximo como a ti mesmo.»

Na Bíblia encontramos uma história de amizade bastante profunda entre dois jovens:
David e Jónatas. Encontra-se no Primeiro Livro de Samuel, capítulo 18, e relata que
Jónatas (filho do rei Saul) gostava de David (pastor de ovelhas e guerreiro) como de
si mesmo. Não diz que Jónatas substituiu o amor por si mesmo pelo amor a David.
Não. Ele amava David tanto quanto se amava a si mesmo e esse grande carinho por
David só existia porque, igualmente, existia face a si mesmo. Foi esse enorme
autocarinho que abriu portas ao enorme carinho pelo outro. Deus reconhece a
importância da auto-aceitação. Ele sabe como essa auto-aceitação contribui para a
saúde de quem a vive e como a mesma contribui para a saúde de quem a cerca e
observa. Em toda a Bíblia encontra-se a direcção da auto-estima e da auto-aceitação.
O que não se encontra é a aceitação do egoísmo: pensamentos, sentimentos e actos
promotores de doença física, mental e social.

Aceitar algo em nós não é sinónimo de resignação (volto a lembrar). Devemos aceitar
o que somos, com clara consciência do que está adequado com os princípios de Deus
e com clara consciência do que não está bem e precisa de ser mudado. A resignação
impede-nos de melhorar, a aceitação de nós mesmos abre portas ao crescimento
pessoal. Auto-aceitação é sinónimo de amabilidade consciente face a si mesmo. E é
essa amabilidade e autopaciência que impede atitudes autodestrutivas e abre portas à
aceitação consciente dos outros. É a auto-estima que permite a cada sujeito não recear
confrontar-se com os seus erros, assumindo-os conscientemente bem como aceitar
outros, sem preconceitos.

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Nota: Jónatas era guerreiro e filho do rei. Ele era o príncipe e aparentemente sucessor,
futuro rei. Na sua posição, quer como guerreiro quer como sucessor ao trono, entregar
a capa, a roupa militar, a espada, o arco e o cinturão era sinal de profunda amizade e
admiração por David. Jónatas não estava a humilhar-se (ele sabia que continuaria a
ser o filho do rei – não havia problemas de identidade ou autoconceito!), ele tinha
plena consciência do seu poder e posição real e foi esse pleno autoconhecimento que
o levou a oferecer os seus bens (de protecção e ataque em situação de guerra) a um
pastor e iniciante nas artes bélicas. O segredo é estar cheio de auto-estima e ter
consciência de quem se é (autoconhecimento). Quando se tem plena consciência de
quem se é e quando há auto
-estima, não há receio de dar aos outros porque não se sente estar a perder algo.
Basta-se a si mesmo e reconhece-se que aquilo que se dá não é fundamental para a
manutenção da auto-estima ou sobrevivência psíquica. Na verdade, dá-se ao outro
sem se sentir mais pobre. A baixa auto-estima sugere uma sensação de pobreza
psíquica, carência de afectos e, por isso, quem dá nessas circunstâncias, acaba por
sentir-se mais pobre! De forma a evitar voltar a sentir-se mais pobre começa a
economizar afectos… procura poupar o que dá aos outros porque crê que poupando
evita a crise. Claro que está enganado… porque o segredo é investir!

Igualmente não dá aos outros porque não tem para dar. Na verdade, quem não se
sente amado também tem dificuldade em se amar e nesse caminho tem dificuldade
em amar os outros. É bom recordar que provavelmente o amor é o único “alimento”21
que em excesso não faz mal. E esse alimento é a base do Cristianismo.

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❏    As relações positivas com os outros relacionam-se com as necessidades sociais,
como a capacidade de amar e estabelecer relações de amizade e intimidade. É na
vivência com o outro que o indivíduo se actualiza (desenvolve e amadurece). A
capacidade de confiar no outro e com ele estabelecer vínculos é sinal de
funcionamento pleno, permitindo outros critérios de saúde como a intimidade, a
responsabilidade e a orientação para o cuidado das gerações futuras.
A satisfação social remete para a noção de relações positivas e satisfatórias (que
satisfazem e que amortizam a frustração), nas quais prevalece o sentir-se estimado, o
apoio informativo (partilha de informações), o acompanhamento nas actividades
diárias e a ajuda física. Este apoio social influencia positivamente a saúde dos
indivíduos envolvidos. E o mais engraçado é que ambos se sentem bem, tanto aquele
que recebe como aquele que dá!
Nos relacionamentos positivos, o sujeito não usa máscaras, assume ser quem é
(porque se estima e se sente estimado!) e aceita naturalmente a outra pessoa. Quem se
auto-estima não necessita de viver em função da avaliação do outro e é nessa
naturalidade que relacionamentos reais e desmascarados acontecem. A possibilidade
de tal liberta os envolvidos e favorece o amor, a amizade e a intimidade real e
completa que permite a partilha de pensamentos e sentimentos assumindo-se o que
verdadeiramente se sente e pensa.

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Tenho pensado bastante nas palavras de Jesus quando Ele afirmou que mais feliz é
aquele que dá, do que aquele que recebe. Já falámos sobre isso, não é?

O comportamento cívico relaciona-se com a qualidade das relações sociais. Ser


cívico, cumprir com regras de boa educação, respeito e atenção pelo próximo,
incrementa verdadeiramente a qualidade de vida de todos os envolvidos. O adoptar
maus comportamentos, atitudes rudes e de má qualidade, enfraquece as relações
sociais e deixa na pessoa que as pratica um travo em jeito de amargura e auto-
ressentimento. Mesmo que tente continuar a prosseguir “esquecendo” o que
aconteceu há sempre a possibilidade de relembrar e voltar a “odiar-se” por isso. As
atitudes rudes não só fragilizam as relações sociais como ainda fragilizam a relação
da pessoa que as pratica consigo mesma. Claro que se estivermos a falar de uma
pessoa com uma psicopatia anti-social22 ou traços da mesma, tal não acontece pois o
remorso não existe… e isso é patologia! Se você sente peso na consciência por ter
sido rude com alguém, óptimo, é sinal de que “ainda é humano” e pode sempre
caminhar no sentido de privilegiar condutas mais cívicas e saudáveis. Mas se sendo
incorrecto com os outros não sente qualquer tipo de remorso (e nem se apercebe)…
então cuidado… estamos a falar de uma “calosidade” afectiva e social, em que já não
há (ou há muito pouca!) sensibilidade à dor causada aos outros. E nunca abalroamos
alguém sem a marcar! Estamos destinados a marcarmo-nos uns aos outros, importa
saber se o fazemos no sentido da construção ou no sentido da destruição. E a
construção ou destruição não é apenas para o outro, promove sempre a nossa paralela

90
construção ou destruição. Gosto de reflectir sobre a importância que as Sagradas
Escrituras dão às relações sociais saudáveis nas quais cada um pensa nos outros antes
de pensar em si mesmo. Se cada um pensar primeiro no outro, então todos ocuparão o
primeiro lugar… todos tentarão colocar todos em primeiro lugar… e todos ficarão em
primeiro lugar. Mas se cada um pensar só em si mesmo procurará colocar-se em
primeiro lugar, nem que para isso tenha de derrubar os outros do pódio! O problema é
que ninguém gosta de ser derrubado do pódio, o ser derrubado permite o surgimento
de emoções como a injustiça social, o desejo de vingança, o egoísmo, e por vezes a
clara destruição de quem alto e seguro pensa estar. Assim, a destruição do outro pode
abrir portas à destruição do próprio.
22 Nas pessoas com psicopatia anti-social encontramos uma personalidade cruel (desde a infância), instável e impulsiva associada a vários
delitos graves e por vezes uso e abuso de tóxicos. A sua prevalência é cerca de 3% nos homens e menos de 1% nas mulheres. Quando
adultos, estas pessoas, além de apresentarem dificuldade em aceitar normas sociais, apresentam igualmente muita dificuldade em cumprir
com as obrigações familiares (alimentação, educação e segurança dos filhos) e laborais (faltam ao trabalho sistematicamente e são muitas
vezes despedidas). Também não apresentam qualquer preocupação com a verdade, recorrendo a constantes mentiras e abusando da
confiança dos outros. Para piorar, não têm remorsos e acham que os outros é que estão sempre errados, eles não! (Gonçalves, Rodrigues &
Brazette, 1997).

Além disto, encontra-se, novamente, implícito o tal princípio: “Ao ser correcto com a
outra pessoa não estou apenas a beneficiá
-la, isso é o mínimo! Não estou apenas a dar-lhe uma esmola, a fazer-lhe um favor,
ou a simplesmente humilhar-me!” Na verdade, ao ser correcto com o outro eu ganho
de duas maneiras:

– A minha consciência não me aponta o dedo – o superego não condena – há


sensação de bem-estar e de dever cumprido. É a sensação da folha limpa, importante
para o equilíbrio mental.

– O outro, ao sentir-se valorizado, baixa as armas de ataque e sente-se capaz de


beneficiar quem anteriormente o beneficiou. Mas mesmo que ele não veja e nem
valorize a postura correcta e educada de que foi alvo… há sempre alguém que vê, e
pode ser o chefe!

Existem tantas atitudes de boa educação que não custam assim tanto e promovem a
qualidade das relações e da vida, em geral. Vamos ficar apenas com algumas…

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❏ A autonomia remete para a emancipação da pessoa. Remete para a necessidade de
o sujeito se auto-avaliar justamente, não dependendo da avaliação exterior e da
aprovação dos outros. A autonomia sublinha a noção de locus de controlo interno,
condensa a individuação e constitui um critério de saúde mental. Ou seja, ser
autónomo (ainda que todos estejamos, até certo ponto, dependentes uns dos outros)
contribui para a saúde mental. A individuação sublinha um processo através do qual
as partes se diferenciam do todo, sublinha a individualização. Quando somos bebés
não conseguimos ter a percepção da nossa individualidade, sentimos que nós e os
nossos pais somos um. Como se houvesse uma continuidade. O desenvolvimento
neurobiológico e o amadurecimento psíquico ensina que somos pessoas individuais e
nesse caso há um processo em que as partes (eu) se separam do todo (os outros).
Surge a individuação ou individualização. Assim, a autonomia remete para uma
forma de estar saudável própria de um desenvolvimento e amadurecimento esperado.
Claro que, para sobreviver (física e psiquicamente!), enquanto espécie humana,
somos todos dependentes uns dos outros e estamos todos interligados, no entanto, a
autonomia deve ser um bem de cada um.

Quando ensinamos as crianças a serem autónomas contribuímos para a sua


emancipação e ajudamo-las a descobrir que elas são capazes (não estão castradas) e
isso aumenta a sua auto-estima.

A autonomia também remete para esta estranha expressão “locus de controlo interno”
e ensina a necessidade de cada um encontrar em si mesmo, e não nos outros, a
responsabilidade e justificações do que lhe acontece na vida. A pessoa com locus de
controlo interno sente-se responsável pelos acontecimentos que norteiam a sua vida,
sente que tem poder para alterar, transformar esses acontecimentos, não se sentindo
vítima dos outros ou do acaso. Estas pessoas assumem posturas mais pró-activas e
com maior relevo, assumem estratégias de actuação e resolução dos problemas, não
se sentindo à mercê da vida ou das escolhas dos outros. Têm a noção de
responsabilidade pessoal (eu assumo a responsabilidade dos meus actos!) necessária à

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manutenção da saúde e associada ao autocontrolo. Ou seja, quem tem noção de
responsabilidade pessoal mais facilmente assume o controlo da sua vida e empreende
estratégias no sentido de solucionar os problemas com que se depara. Isto é saudável!
No oposto, encontra
-se o “locus de controlo externo”, em que a culpabilização do meio exterior é uma
constante. As pessoas com locus de controlo externo sentem-se vítimas do exterior,
não assumem responsabilidades porque sentem que nada depende delas, não
assumem posturas pró-activas porque a autoconfiança não é grande.

Igualmente a autonomia remete para a autoconsciencialização (tenho consciência de


mim mesmo: os meus pensamentos, desejos e emoções, os meus medos e reacções
possíveis perante determinadas situações).

❏ O domínio do ambiente condensa a capacidade de o indivíduo efectuar um


conjunto de acções, que lhe sejam propícias, sobre o ambiente. Quando se acredita
que se é capaz de influenciar o ambiente de forma a obter resultados necessários, o
bem-estar aumenta, tal como a auto-estima. Esta sensação de domínio do ambiente
incrementa o locus de controlo interno e a expectativa de auto-eficácia que é a certeza
da capacidade de actuar sobre o meio obtendo os resultados desejados. É sinal de
maturidade!

❏ O sentido da vida remete para uma vivência plena na qual o indivíduo sente que é
ele que leva a sua vida e não está a ser levado por ela. Remete para uma vivência com
sentido, com direcção e propósito. Esta vida com sentido relaciona-se com uma
prontidão comportamental na qual o sujeito não tem apenas a intenção de adoptar um
determinado comportamento mas adopta-o de forma pronta (executa-o).
O sentido da vida sublinha a sensação de uma vida com propósitos. Esta forma de

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viver permite uma maior sensação de segurança porque a pessoa sabe de onde veio e
para onde quer ir. Não anda ao sabor do vento ou da vontade momentânea mas sim de
projectos pensados e mentalmente ensaiados. Quem encontrou um sentido para a sua
vida e definiu um caminho coloca os seus recursos (materiais e psíquicos) na
concretização do mesmo, mostra-se focado ou concentrado em dado objectivo e
dificilmente se perde de si mesmo. As fronteiras da identidade encontram-se mais
definidas! E a sensação de segurança é maior.

❏ O crescimento pessoal está implícito em todas estas características de bem-estar e


remete para a disposição/disponibilidade a novas experiências. Para Rogers esta é
uma característica da pessoa com vida plena, para Maslow é um processo contínuo e
sinal de auto-realização e para Jahoda, claro, sinal de saúde mental. O estar
disponível para o crescimento pessoal sugere uma postura aberta perante o que os
outros têm para ensinar, perante a aprendizagem constante e perante uma sistemática
e constante adaptação.

Todos estes aspectos fundamentam a auto-estima, desenvolvê


-los é um objectivo. Claro que não é um resultado atingido de um dia para o outro.
Mas deve ser trabalhado diariamente.

Em termos práticos, como aumentar a auto-estima? Aqui ficam algumas orientações:

❏ Procure uma imagem cuidada – veja-se ao espelho! O que pode ser melhorado?
Falo sim, dos aspectos físicos! Não sou daquelas que acredita que o que conta é só o
interior. Claro que conta e é o mais importante, sem dúvida! Mas se eu olho para o
meu corpo e vejo particularidades que podem ser cuidadas com alguma atenção,
então porque não? Não temos de ser escravos da imagem, não temos que viver em
função dela e nem sacrificar o ordenado em SPA e tratamentos estéticos. Não temos
de ser escravos de dietas e regimes alimentares que são apenas sacrifícios e em nada
contribuem para a nossa felicidade e bem-estar. Mas há pequenos gestos, realistas,
que permitem melhorar a imagem e isso não pode ser descuidado. A higiene do corpo
e da roupa, a alimentação saudável, o exercício físico e outros cuidados podem ajudá-
lo a alcançar uma imagem mais cuidada e valorizada por si. Força, vá em frente!
Cuide da sua imagem sem se sentir culpado ou escravo. A auto-estima assenta nos
factos. E se os factos dizem que o nosso odor não é dos melhores, que há muita
gordurinha a sair pela roupa fora, que os cabelos estão espigados, as borbulhas e
pontos negros marcam as bochechas e o nariz e que os dentes estão amarelados, então
é difícil sorrir perante esta imagem! Claramente você pode e deve fazer mudanças
pela sua imagem, pela sua auto
-estima e pela sua saúde em geral (física e emocional).

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❏ Recompense-se pelas vitórias alcançadas – porque não? Se finalmente alcançou
uma vitória dê uma recompensa a si mesmo. Mostre carinho e apreço por si: pelo
esforço dispendido, pela determinação e por ter vencido. Não precisa de gastar rios de
dinheiro e nem precisa de se recompensar materialmente. Tenha imaginação! Pense
no que gosta e que esteve impedido de fazer enquanto esteve em maratona e faça-o!

❏ No final de cada dia elabore uma lista do que fez bem feito
– esta lista permite consciencializar-se dos seus feitos. Quem tem baixa auto-estima
esquece-se facilmente dos seus feitos. Então, registe e recorde o que correu bem e o
que o orgulha em si mesmo. Essa lista é positiva no presente e, em tempos de crise,
ajudá-lo-á a subsistir. Não falo de vanglória, isso é artificial! Falo de uma auto-
avaliação realista e que não receia admitir as qualidades. Falo de uma postura
equilibrada perante o eu, capaz não só de se autocorrigir mas também capaz de se
autofelicitar.

❏ Igualmente faça uma lista do que correu menos bem e como pretende fazer no
futuro de forma a acertar o alvo. É possível aprender com os erros e as falhas, e a sua
substituição por comportamentos mais certos facilita a saúde pois impede as auto-
recriminações – claramente é desajustado amar o que está incorrecto. O que está
incorrecto e precisa de correcção deve ser corrigido. Se você não consegue amar os
seus defeitos está no caminho do bem e da saúde mental! Quem ama os defeitos não
muda para melhor. Subsiste no erro magoando os que estão à sua volta e magoando-
se também, para além de ser um amor com bases frágeis. Assim, altere o que deve
alterar, redefina as suas reacções e comportamentos. Peça ajuda terapêutica se
precisar e proceda à mudança. O amor não pode ser cego, nem quando é por nós
mesmos!

❏ Utilize uma linguagem positiva e realista quando se referir aos outros e a si


mesmo – não dramatize, não sobrevalorize nem desvalorize os seus feitos e os dos
outros. As palavras têm um papel mais importante do que imaginamos, elas tendem a
exercer sobre nós uma força de atracção. Aquilo que você diz sobre si mesmo e sobre
os outros é tão potente que alguém (incluindo você mesmo!) pode acreditar! É o
processo de realização de autoprofecias: o que eu profetizo para mim, seja bom ou
mau, tem uma forte probabilidade de acontecer, pois ao acreditar tanto, sou capaz de
criar condições para a sua realização! Ao usar uma linguagem positiva e realista você
obtém dois benefícios:

Positividade – a positividade aumenta a sensação de bem-estar. Descontrai e permite


uma melhor circulação sanguínea. A sua capacidade para pensar e analisar as
situações de forma realista aumenta. Aumenta, inclusivamente, a sua capacidade para
detectar os reais problemas e empreender adequadas estratégias de combate. A
positividade tem inerente a sensação de esperança, a crença num futuro melhor,
necessária à aceitação da situação real. Mas aceitar a situação não significa
resignação, significa, sim, adaptação.23 Por outras palavras: na resignação a pessoa
pensa “pronto, não há nada a fazer, tenho de aguentar”, na aceitação está implícita
“pronto, este é o problema real, não vou dramatizar, vou apenas agarrar-me às

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soluções, vou lutar, para adaptar-me”. A adaptação não é ao problema, é à solução do
problema com tudo o que isso implica.
23 Já estamos cansados de relembrar isto, não é?

Realismo – novamente “a verdade vos libertará”. Precisamos aprender a ser realistas,


a admitir a nossa realidade e a afirmar a verdade seja ela qual for! E é nessa
afirmação assertiva que nos libertamos das mentiras que dizemos a nós mesmos. Na
verdade, há realidades que custam a admitir, mas essa admissão é libertadora.

A propósito do realismo, por vezes deseja-se acreditar em algo que efectivamente não
existe e força-se a realidade como que forçando a mentira a tornar-se verdadeira.24
Isto acontece com algumas pseudo-relações amorosas. Dizem-se mentiras ao próprio
e crê-se numa relação que, muitas vezes, não é partilhada pelo outro lado. Alguns
chegam ao ponto de manipular a verdade de forma a confundir o outro (e por vezes
ele quase acredita que também está apaixonado ou poderá vir a ficar). Às tantas ficam
todos enrolados numa rede de mentira marcada por uma pseudo-relação, na qual mais
do que a verdade há um prevalecer do desejo. Cuidado! O que é mentira, é mentira!
24 Como se isso fosse possível!

Voltando à auto-estima, as suas vantagens são imensas. Uma delas prende-se com a
atracção que exerce sobre os outros. A auto-estima atrai os outros, todos se sentem
atraídos pelos assertivos porque manifestam elevadas expectativas concretas e
positivas sobre o seu progresso futuro. E, claramente, quem tem expectativas
positivas mais facilmente atinge o sucesso, em comparação com quem tem
expectativas negativas.

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Eventualmente, poderão surgir alguns problemas a serem reparados na auto-estima.
Eles são:
❏ Presunção ou exagero dos sucessos – há uma sobrevalorização dos feitos bem
conseguidos.

❏ A autocomplacênciaa pessoa recusa pensar nas suas vitórias. Os sucessos são


equiparados aos insucessos e, por vezes, até esquecidos, prevalecendo apenas as
falhas.

Na assertividade a pessoa não pactua com optimismos ingénuos nem com


negativismos irrealistas.
Resumindo, o estilo passivo está assente numa comunicação indirecta e inferiorizada.
A pessoa passiva sente-se inferior, como se ela fosse menos do que todos os outros.
Nesta postura há sempre alguém que ganha e esse alguém não é a pessoa passiva.
Este é o caminho da vitimização, da autoculpabilização e da baixa auto
-estima. Não é o caminho desejado!

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7. O estilo (de comunicação e relação)
assertivo ou auto-afirmativo
«Qualquer um pode zangar-se – isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na
medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – não é fácil.»

ar i s t ó t e l e s in Ética a Nicômaco

Ao longo desta obra, explicita ou implicitamente, já muito foi dito sobre a


assertividade! Neste novo capítulo iremos repetir alguns princípios da assertividade já
apresentados. E não faz mal repetir… também é uma forma de aprendizagem!

Na comunicação e relação assertiva o sujeito aceita debater ideias, não impõe as suas
a ninguém nem segue as dos outros sem, previamente, reflectir. Ele assiste e estimula
o grupo, promove a amizade e o bom relacionamento, é espontâneo, franco e cordial.
Transmite segurança aos outros e é naturalmente respeitado. Enquanto líderes, estes
sujeitos tendem a influenciar os outros através da comunicação aberta e do diálogo
sincero.

Mas porquê desenvolver este estilo? Porque ao desenvolvê-lo permite-se que todos
ganhem:

■ Ganha-se no relacionamento com o próprio: porque afirma


-se o que se pensa e sente e mostra-se disponível para apreciar1 outras formas de estar
na vida. Inclusivamente deixa-se a porta aberta a uma possível mudança do que no eu
não está adequado. Esta atitude permite um maior autoconhecimento, o sentimento de
segurança e uma maior auto-satisfação, bem como a autopermissão para a mudança, o
crescimento, o trilhar o caminho da actualização. É o estilo comunicacional e
relacional que permite o enriquecimento pessoal e social e que leva homens e
mulheres apaixonados por Deus a dizerem em jeito de oração: «Senhor muda o que
está errado em mim, dá-me um carácter mais saudável.»

■ Ganha-se no relacionamento com os outros: porque ao dar-se o sujeito aproxima-se


e aproxima os outros, estabelece relações livres de máscaras, espontâneas e
autênticas. E é nessa autenticidade que conhece o outro e se conhece. Ambos crescem
e amadurecem, influenciando-se (temperando, conservando e iluminando-se
mutuamente).

■ O outro ganha no relacionamento consigo mesmo: porque, devido a uma atitude


respeitadora e aberta que lhe é dirigida, ele tem a possibilidade de (ao não se sentir
criticado) se auto-assumir, retirar máscaras e ser autêntico. Não receia a crítica e, por
isso, assume-se perante os outros. Esta atitude permite
-lhe um maior autoconhecimento, o exercício da segurança e uma maior auto-

99
satisfação. Permite-lhe ganhar confiança no exterior e deixar-se por ele influenciar,
mudar, crescer. Permite
-lhe descentralizar-se de si mesmo e olhar para os outros numa posição altruísta.
1
Este apreciar é um apreciar no sentido em que não se desvaloriza a forma de estar do outro, respeita-se. No entanto é, igualmente, alvo de
ponderação: verifica-se se o pensamento, o sentimento e a acção do outro está em concordância com os valores do eu. Adopta-se o que vem
do outro apenas se se considerar que é adequado e saudável para o eu. O ser esponja em todas as situações, o absorver tudo sem previamente
analisar pode intoxicar e destruir o eu. Antes de absorver o que vem de fora, convém avaliar.

■ O outro ganha no relacionamento com os outros: porque faz aos outros o que lhe
fizeram. Ao sentir-se aceite e respeitado no que pensa, sente e como age, tenderá a
fazer o mesmo aos outros. Tenderá a ser mais tolerante com os outros.

E será que não é isto que Deus quer? Que se construam relações autênticas, livres de
máscaras e repletas de segurança, sem receio de ser criticado e desprezado por se ser
quem é? São essas relações autênticas que levam a ter a confiança necessária para
mudar, levam a “baixar as armas” e permitir que o outro influencie positivamente o
eu. Aí são construídas e mantidas as pontes entre ilhas anteriormente isoladas.

Sabe-se que a arte da auto-afirmação implica a coragem e a ousadia para uma


verdadeira partilha do que se é, do que se sente, do que se pensa e de como se age. E
nessa transparência já vimos que não se descarta a possibilidade de ficar zangado
com algo ou alguém e contempla-se a afirmação dessa zanga. O estarmos zangados
com algo ou alguém não é necessariamente mau. Podemos ficar zangados! Isso é
aceitável! O problema levanta-se no que fazemos com essa zanga. Conseguimos geri-
la ou deixamo-nos gerir por ela? Quem comanda a nossa afectividade, pensamentos e
reacções decorrentes da zanga? Somos nós com a nossa capacidade de
ponderação/reflexão ou é a zanga em si mesma?

Como já vimos, a zanga pode e deve ser expressa numa atitude assertiva. Claro que
para que tal aconteça alguns requisitos precisam de ser cumpridos, como a
capacidade psíquica de localizar o objecto de zanga, circunscrever a razão objectiva
da zanga, determinar a quantidade de zanga, encontrar a altura certa para a manifestar
e colocar em prática a forma adequada de a manifestar.

Vamos ver cada um destes critérios numa perspectiva de auto


-reflexão:

❏ Localize o objecto de zanga – com quem está efectivamente zangado? Não


distribua a frustração pelos “bodes expiatórios”. Já vimos este aspecto! O pior que
pode fazer aos outros e a si mesmo é generalizar!

❏ Pense: você tem mesmo razão para estar zangado?

❏ Circunscreva a razão objectiva da zanga – o que realmente provocou a zanga?


Com certeza não foi tudo o que a pessoa fez! Evite, mais uma vez, generalizar! Se
optar por generalizar cometerá o erro da clivagem! Partirá do princípio que a outra
pessoa é totalmente má! E não é!

100
❏ Determine a quantidade de zanga – a zanga que você sente está proporcionada ao
que realmente a provocou? Não está a transformar um mosquito num abutre? A
tendência é para dizermos que não estamos a transformar mosquitos em abutres! E
quanto mais zangados maior a possibilidade de não conseguirmos admitir uma
proporcionada quantidade de zanga.

❏ Encontre a altura certa para manifestar a zanga – se a manifestar na altura errada


pode perder a razão. Pode e deve manifestar a zanga… mas escolha uma altura certa!

❏ Coloque em prática a forma adequada de a manifestar – manifeste, verbalmente, a


zanga!

O que acontece durante todo este processo é a ponderação. Na verdade, a pessoa


assertiva é aquela que opta por se afirmar mas após uma certa ponderação. Afirma o
que sente, pensa e decide agir não de ânimo leve mas após uma certa reflexão. O
reflectir permitir-lhe-á avançar para o diálogo mais controlado (em que emoções e
reflexão estão equilibradas e nenhuma se sobrepõe à outra).

Manifestar verbalmente a zanga, após ponderar sobre ela, é sinal de maturidade. As


crianças muito pequenas, quando ainda apresentam dificuldade em verbalizar as
emoções, apresentam uma maior tendência para amuar, fazer birras e adoecer em
situações de frustração. No entanto, com a maturidade vão sendo capazes de colocar
em palavras o que sentem e pensam. Este verbalizar é fundamental para diminuir a
ansiedade.

A alexitimia está relacionada com a incapacidade para reconhecer e falar de si próprio


e abre portas às doenças psicossomáticas. Como tal, fale, verbalize pela sua saúde!
Coloque em palavras o que sente e pensa… tudo o que assumiu a proporção de abutre
voltará a ser mosquito!

Você é assertivo?

Retirado do manual de Sam R. Lloyd, Desenvolvimento em Assertividade, apresento


o teste de assertividade, ligeiramente adaptado ao objectivo deste livro. Preencha-o e
veja até que ponto você é assertivo. Recordo que deverá responder com a máxima
sinceridade, baseando-se naquilo que você realmente é e não no que gostaria de ser.
Por vezes, procedemos à nossa auto-avaliação não de acordo com aquilo que
realmente somos (pensamos, sentimos ou agimos), mas de acordo com o que
gostaríamos de ser (ideal do ego ou ego ideal). Atenção para não confundir o eu com
o eu ideal!

101
Atribua uma pontuação a cada afirmação usando a seguinte escala:

102
Agora que já reflectiu sobre si mesmo e sobre as bases da sua forma de pensar, sentir
e agir, agora que já se compreende um pouco melhor (e os outros!), talvez possa
começar a pensar sobre a mudança efectiva. Mudança do que está menos bem.
Vamos continuar a viagem?

103
8. Como desenvolver a assertividade,
como ser sal e luz?
Como sabe, a personalidade não pode ser alterada. Na verdade, ela forma-se durante a
infância solidificando-se até ao princípio da vida adulta, pelo que na vida adulta se
fala apenas no “limar determinadas arestas”. Assim, enquanto adulto é apenas
possível actualizar convicções, atitudes e comportamentos, propósitos, expectativas e
a forma de comunicar consigo mesmo e com o exterior. Nesse “limar arestas” precisa
ajustar a maneira como pensa e sente o mundo1, bem como as acções e reacções
perante ele.

1 Interno (o seu mundo interior) e externo (o seu mundo social)!

A base cognitiva da assertividade: os pensamentos e as crenças

Há quem diga que tudo começa no pensamento, no que se pensa e acredita. Sendo
assim, a mudança também deve começar por aí… enquanto você pensar agressiva ou
passivamente comportar-se-á enquanto tal. Ser assertivo requer questionar e
actualizar o que pensa sobre si mesmo (e de que forma pensa), sobre os outros e sobre
a vida em geral. Os pensamentos são as suas convicções e crenças mais profundas,
são as suas expectativas (o que espera de si, dos outros e da vida) e são as suas
normas morais e de conduta (aquilo que permite e o que não permite). Os
pensamentos antecedem os sentimentos e ambos contribuem para a acção ou reacção.

As expectativas sobre si mesmo, sobre os outros ou sobre a vida em geral têm o poder
de influenciar (positiva ou negativamente) o seu futuro. Daí ser importante vigiar o

104
pensamento. Se crê que grandes coisas poderão acontecer, inconscientemente
começará a desenvolver estratégias para que tal suceda. Mas se crê que o futuro não
será favorável também acontece contribuir para tal. Este processo de realização de
autoprofecias não é sobrenatural, é algo natural e logicamente explicável. As
expectativas condicionam as emoções e a acção do sujeito, levando-o a determinado
caminho (escolhas e acções). Pode transmitir essas expectativas aos outros sem dar
por isso, através da expressão corporal, facial, palavras e comportamentos e
consequentemente, muitas vezes, condiciona e influencia o que recebe deles. Incrível
como se diz tanto sem falar e como os outros entendem o que realmente é
comunicado, mesmo quando não se deseja!

Isto significa que a assertividade surge naturalmente se acreditar nela. Se você pensa
agressivamente é possível transmitir uma mensagem dupla em alturas que deseja ser
assertivo. É importante começar por corrigir a sua forma de pensar, daí este manual
sublinhar tanto a auto-reflexão. A auto-reflexão permite questionar os constructos
mentais que alicerçam o eu e ao questioná-los é possível substituir alguns por outros
mais adaptados. A capacidade de auto-reflexão é sinal de maturidade e inteligência
emocional.

De forma a aumentar a consciência dos seus pensamentos e crenças pode adoptar


algumas estratégias, por exemplo:

❏ Desenvolva uma consciência do que realmente pensa. Crie um diário com os seus
pensamentos, escreva o que crê. Não negue a si mesmo a sua verdade e pense sobre
esses pensamentos. É tão fácil enganarmo-nos a nós mesmos escondendo certas
verdades! Veja a sua veracidade, questione o que pensa, oiça outras formas de pensar
e aumente o seu autoconhecimento.2 Conheça o que pensa bem e o que pensa e deve
ser questionado. Muitas vezes só se toma consciência das verdadeiras e mais
profundas crenças em alturas de crise. Não espere por uma para aumentar o seu
autoconhecimento. Claro que muito só conhecerá em altura de tempestade, mas muito
pode conhecer antes!
2 Ao tomar contacto com outras formas de pensar, muitas vezes toma-se consciência da própria! Relembre que todos somos espelhos uns
dos outros. Quando você ouve outros a falar sobre eles mesmos, pode rever-se neles (toma consciência do que eu sou!) mas, igualmente,
pode não se rever neles (e toma consciência do que eu não sou). Ambos são positivos!

❏ Defina e tome consciência de permissões e compromissos que considera


saudáveis e que promoverão a sua maturação pessoal e social. Um exemplo de
permissão pode ser: “Posso dizer que não quero algo, sem me sentir culpado.” Um
exemplo de compromisso pode ser: “Cumprimentarei os outros, mesmo quando me
sentir envergonhado para o fazer.” Escreva-os, reflicta sobre eles e assuma-os
colocando-os em prática. O que ganha e o que perde com cada um deles?

❏ Uma das técnicas interessantes na reorganização cognitiva é o ensaio da


imaginação: imagine-se a agir assertivamente antes de passar à acção. Veja se gosta
do que imagina. Assim, estará a permitir à sua mente a possibilidade de recriar
situações e reacções inovadoras.

105
No fundo, o que se quer dizer é que é importante o diálogo interno (que é aquilo que
você diz a si mesmo). Quanto mais marcado pela expectativa positiva e realista for,
maior a probabilidade de você ser assertivo. Se por outro lado o seu pensamento for
marcado pela confusão ou pelo desespero fará nó. E alguns de nós não os
conseguimos desatar sozinhos. Precisamos de orientação, até à libertação!
A verdadeira mudança normalmente começa de dentro para fora (claro que após um
impulso muitas vezes exterior). Mas começa no que se pensa e no que se espera.

O que permite a actualização do pensamento é o que o alimenta. Como alimenta o seu


pensamento? O que lê? A que programas televisivos normalmente assiste? O seu
pensamento é reestruturado se você mudar o alimento que lhe disponibiliza. Assim,
tome atenção ao que cognitivamente ingere! Procure a excelência do conhecimento e
alimente a sua alma. Se não tirar tempo para ler a Bíblia pouco ou nada conhecerá de
Deus. E só aprenderá sobre a assertividade se ler e ouvir sobre a mesma. Ler e ouvir
sobre a assertividade permitirá a reestruturação cognitiva!

A base emocional da assertividade: as emoções e a sua gestão

Com os pensamentos alterados, as emoções começam, também, a alterar-se. Se pensa


diferente, sente diferente. Se não tem pensamentos agressivos face aos outros, porque
entretanto já os conseguiu compreender (pela via da reflexão), ou se crê que os outros
não têm pensamentos agressivos face a si, logo, é fácil sentir por eles outras emoções
que não a desconfiança ou agressividade.

Muitas emoções são respostas aprendidas e memorizadas. Mais facilmente


memorizamos e recordamos emoções (como segurança, insegurança, tristeza, alegria,
esperança ou desalento) do que acontecimentos. Enquanto crescemos levamos
connosco poucos factos memorizados, mas as sensações experimentadas durante a
ocorrência dos mesmos, essas, penso não esquecermos facilmente. Elas marcarão o
futuro e serão recorrentes ao longo da vida, manifestar-se-ão sem as compreendermos
e sem conseguirmos, muitas vezes, reconhecer a sua origem. No entanto, elas estarão
lá.

As emoções aprendidas tendem a marcar a vivência diária, quer existam factos


concretos a justificá-las quer não. Por exemplo, uma pessoa com uma emoção de

106
desânimo aprendida e memorizada sentir-se-á desanimada quer perca o último
autocarro para casa, quer apanhe uma maravilhosa boleia até à porta do destino. Quer
o dia corra bem, quer corra mal, o desalento está presente. Não falo das emoções que
surgem como consequência de uma perturbação do humor, como a tristeza profunda
da depressão ou a fobia/medo extremo da ansiedade, apesar de muitas destas também
estarem relacionadas com a aprendizagem emocional. Falo daquelas emoções que nos
acompanham quase diariamente, com ou sem justificação para a sua ocorrência.
Conhece alguém que se sinta quase sempre triste, ansioso ou preocupado ou mesmo
alegre, independentemente das situações que esteja a viver? Essas pessoas estão tão
habituadas a sentir de determinada forma que, por vezes, não sabem sentir de forma
diferente. Se forem questionadas quanto à legitimidade e adaptabilidade desses
sentimentos, sentem o chão tremer e preferem permanecer como estão. Realmente
mudar dá trabalho e por vezes prefere-se ficar como se está, sentir o que já
habitualmente se sente, pelo menos é familiar e com isso já se sabe lidar!3
3 Ou pensa-se que se sabe!

Verdadeiramente, durante o processo de maturação e crescimento (sem se saber)


passa-se por uma formação em gestão das emoções. Os pais, outros familiares e
amigos são os professores. Nessas “aulas” informais, através da acção prática e da
observação contínua, aprende-se a sentir em determinada direcção positiva ou noutra
menos saudável. Aprende-se, ou não, a substituir formas de sentir inadequadas por
outras mais adaptadas. E os conteúdos aprendidos tendem a cristalizar e a manifestar-
se ao longo da vida adulta.

É na relação com os outros que se aprende a gerir as emoções. A forma como os


outros (significativos para o eu) gerem os seus afectos fornece pistas sobre como os
seus atentos “alunos” podem e devem ou não gerir os seus. Por vezes, procede-se a
uma cópia exemplar do professor e, outras vezes, o aluno toma clara consciência de
que não quer ser como o exemplo que observa e procura a todo o custo demarcar-se
dele. A segunda opção é extenuante para quem a escolhe pôr em prática, pois exige
um constante alerta sobre si mesmo.

Faça um exercício. Pense nas pessoas que o educaram.

107
Sabe-se que a aprendizagem nunca termina. Ainda hoje, em adultos, pode-se
continuar a sentir da forma aprendida no passado, ou pode-se aprender outras formas.
Assim acentuo o que Lloyd (1999) já afirmou: «As emoções são uma escolha!»
Enquanto adulto, você pode escolher continuar a sentir o que sente e como sente, ou
pode escolher a revolução e mudar o que está menos bem. É você que escolhe
continuar a sentir ódio, inveja, rancor, desconfiança ou questionar tudo isto e passar a
uma reorganização da sua vida interior. Tudo começa com o diálogo interior, aquilo
que diz a si sublinha o que sente. Se não tem consciência do que diz a si, faça um
registo (de pensamentos e emoções consequentes) durante uma semana, volto a
repetir! No final da semana ficará a conhecer o que normalmente caracteriza o seu
diálogo interior e se é saudável ou patogénico.

Outro aspecto da gestão das emoções é perceber o seguinte: ninguém deve ter mais
poder para controlar o que você sente do que você mesmo. Isto significa que cada um
é responsável pelo que sente. Você escolhe o que sente e os outros também têm essa
possibilidade. Quando se compreende este princípio percebe-se que não há porque
culpar os outros pelo que se sente ou pela forma como se reage. Claro que o outro
pode influenciar os seus sentimentos, mas só controlará a sua vida afectiva se você
lhe der poder para tal!

Assertividade é: «Afirmo-me, determinando o que sinto e como reajo, não permitindo


que outros tenham mais poder do que eu para controlar as minhas emoções.» Na
atitude assertiva, a liberdade é altamente valorizada bem como o autodomínio: há
liberdade para expressar os próprios sentimentos, determinados e dominados pelo
próprio.

É a própria pessoa que determina e domina o seu sentir (autodomínio!) e não é um


outro que exerce poderio sobre a “casa” que não lhe pertence.

Há quem entenda o autodomínio como uma autocastração e perda da liberdade.

108
Nestes casos tende-se a ficar encolerizado se alguém sugere o autodomínio e defende-
se que é importante ser espontâneo, livre e deitar tudo cá para fora, doe a quem doer!
Quem defende esta posição pensa que isso é ser saudável4 e que nesses momentos é
livre e pode sentir, agir e reagir impulsivamente. Mas isso, na verdade, não é
liberdade, porque nesses casos a pessoa está, quase sempre, a reagir em consequência
de um dado acontecimento exterior (algo que lhe foi dito ou feito). Na verdade, está a
dar o poder aos outros, a perder o senhorio sobre a sua própria pessoa. E isso não é
liberdade… é exactamente perda da liberdade. Na assertividade é o próprio que
comanda o próprio e não permite que a sua forma de sentir e agir sejam determinadas
pelo exterior, pelo que lhe fizeram ou disseram. Já estamos a falar dos
comportamentos porque os mesmos alimentam os sentimentos, é como uma
pescadinha de rabo na boca! Os comportamentos advêm de prévios sentimentos e
acabam por reforçar outros futuros com a mesma origem.
4 Já vimos que não é saudável.

Na verdade você tem liberdade para se sentir triste, zangado, irado, irritado, como já
estamos cansados de saber! Tudo é possível. O grande passo está em determinar o
que fazer com esse sentimento inicial… alimentá-lo e descontrolar por conta dele, ou
digeri-lo e exercer o autodomínio? Você pode chegar perto do chefe e dizer que
determinada situação o entristeceu… mas como o diz? Está autocontrolado ou está
completamente dominado pelo sentimento?

O autodomínio não é negativo, é apenas assumir o senhorio sobre si mesmo numa


atitude previamente reflectida e apurada. É assumir o controlo e não descontrolar.
Esta é uma postura altamente valorizada no relacionamento familiar e social bem
como em ambiente profissional. Remete para uma inteligência emocional.

O seu diálogo interior, após os acontecimentos, vai determinar se você controla ou é

109
controlado. Vamos ver!

Preencha você mesmo a alternativa assertiva!

Só conseguirá pensar numa alternativa assertiva se desenvolver um diálogo interno


que não seja baseado nem na agressividade e nem na passividade. Se conseguiu
encontrá-la é bom sinal. Vejamos algumas alternativas assertivas possíveis:

110
Na assertividade os sentimentos são expressos, ainda que com autodomínio. É
pressuposto afirmar o que se sente, o que não é pressuposto é fazê-lo
descontroladamente. Assim:

❏ Tome consciência do que realmente sente – não do que gostaria de estar a sentir
ou do que “viu” alguém sentir numa situação parecida com a que está a viver, não
confunda sentimentos ou formas de sentir.

❏ Procure perceber qual a raiz do que sente – aprendeu a sentir assim, com quem e
em que situações? É recorrente o que está a sentir?

❏ Defina qual o diálogo interior que está a alimentar esse sentir – o que está a dizer
a si mesmo que leva a continuar a sentir dessa forma?

❏ Reflicta se o que está a sentir é benéfico para si e para os outros. ❏   Tome


consciência das consequências desse sentir. As vantagens e as desvantagens.

❏ É necessário alterar o que sente? Se sim, comece por alterar o diálogo interior. Se
não consegue sozinho e precisa de ajuda, peça, pela sua saúde.

Se não tem um claro conhecimento do que sente, tem de parar enquanto sente e
questionar o que sente. Pergunte-se a si mesmo «estou mesmo furioso ou triste com o
que me fizeram?», «o que sinto é irritação ou insegurança?», «estou mesmo feliz ou
estou apenas maníaco para, no fundo, esconder o meu medo?» Isto é diálogo interior
capaz de evitar a confusão de sentimentos. Toda esta confusão e dificuldade de
perceber e gerir as emoções denomina-se de analfabetismo emocional. O facto de
estar alfabetizado na ciência da escrita e dos números não garante um quociente
emocional (QE) satisfatório. O ensino do alfabeto dos sentimentos tem sido,

111
infelizmente, negligenciado.

Há uma nota a não esquecer: certas emoções decorrem de determinadas patologias


psiquiátricas, neurológicas ou mesmo físicas. Se pensa ou sabe ser esse o seu caso
fale com o seu médico, explique o que está a acontecer e peça orientação.

A base comportamental da assertividade: comunicação verbal e não verbal

Como se viu, o diálogo interior questiona os pensamentos e altera as emoções.


Consequentemente alterará o comportamento. Alterar os comportamentos passa por
alterar a linguagem oral e a linguagem corporal. Vamos ver cada uma delas.

Em relação às palavras, o estilo assertivo baseia-se em palavras honestas, directas,


realistas e respeitosas. Nessa forma de comunicar prevalece “eu” (auto-
responsabilização) e não “tu” (autodesresponsabilização). Num exemplo prático pode
dizer-se que é assertivo afirmar «eu senti-me irritado quando saíste sem dizer nada»,
e não é assertivo afirmar «tu fizeste-me sentir irritado quando saíste sem dizer nada».
Ou seja, assume-se a responsabilidade sobre o que pensa e sente (não
responsabilizando o outro, ou as suas acções, pela forma como o eu se sente), sendo
possível comunicar de forma honesta, directa, realista e respeitosa.

Honesta – use honestidade consigo e com os outros. Não dissimule nem mascare os
verdadeiros e conscientes pensamentos e sentimentos. Conheça-se e não se esconda
atrás do “não quero magoar ninguém”. Todos beneficiam com a honestidade. Claro
que magoar os outros não deve ser um objectivo a atingir, a assertividade baseia-se
tanto na auto-afirmação como na valorização dos outros.

❏ Ex: «Eu fico triste e com vontade de me ir embora quando sinto agressividade nas
tuas palavras.»

Directa – use direcção, afirme numa direcção segura. Diga o que tem a dizer sem
tornear ou escamotear. Se não afirmar o que tem a afirmar de forma directa estará a
dar hipótese ao outro para interpretar o que você quer dizer, à sua maneira. E as
interpretações podem não corresponder exactamente ao que quis sublinhar,
aumentando a possibilidade de posterior erro.

❏ Ex: «Está novamente atrasado, se persistir não renovarei o seu contrato de

112
trabalho.»

❏    Ex: «Deixe o relatório semanal na minha secretária, amanhã de manhã, por


favor.»

Realista – use realismo, não exagere no que tem para dizer e nem retire o seu
impacto quando pensar que este será grande sobre os outros. Até pode não ser!
Igualmente seja preciso e objectivo a comunicar desejos e expectativas. Baseie-se na
verdade e no realismo.

❏ Ex: «Este penteado não está ao meu gosto, prefiro o risco ao lado.»

Respeitosa – use respeito para consigo (não se ofenda e nem permita sentir-se
ofendido por alguém) e respeito para com os outros (se ofender os outros surgirão
más consequências para eles e para si mesmo).

❏ Ex: «Eu gostaria de ler o livro sem ser constantemente interrompido, por favor.»

Ser directo com as outras pessoas e honesto não é necessariamente falta de educação.
Realmente certas pessoas foram educadas a pensar que sim, mas não é sinal de

113
desrespeito. Falar directamente facilita a comunicação, porque apoia-se na verdade
sem dar espaço para possíveis interpretações que só confundem e se distanciam da
mensagem real. O querer ser tão cauteloso acaba por impedir a transmissão do que
realmente se pretende afirmar, confundindo os receptores. Igualmente propicia a
perda de objectividade.

Assim, na comunicação verbal procure determinação, diga «não» de forma educada


mas firme, exprima o que sente honestamente respeitando quem o ouve, seja realista
sem dramatizar e expresse as suas preferências.

O que diz aos outros é sempre acompanhado da forma como o diz: é a sua linguagem
corporal! O tom de voz, o volume, a entoação dada a certas palavras, o ritmo, o olhar
nos olhos, a expressão da sua face, os gestos das mãos, a postura do corpo, a tensão
muscular, o ruborizar, a forma de vestir, a higiene pessoal, enfim, tudo comunica…

É impossível ter total controlo sobre a linguagem não verbal. No entanto, há aspectos
que podem ser trabalhados e refinados, com tempo, claro.
Este manual pretende apenas alertar para alguns aspectos considerados fundamentais.
Procure ter atenção ao que transmite sem falar pois a linguagem dupla confunde e
compromete a relação.

114
Como não se consegue mudar a personalidade, admitem-se vários tipos de
assertividade.
Alguns de nós tenderão a afirmar-se de determinada forma e outros tenderão a
apresentar outras estratégias de auto-afirmação. Vamos ver cada um dos tipos de
assertividade conhecidos:

115
É importante acrescentar que, por vezes, se adoptam estilos assertivos diferentes
consoante as situações, ainda que um deles prevaleça em detrimento dos outros.
Como exemplo, certas pessoas poderão adoptar uma postura mais calorosa em
ambiente doméstico e no local de trabalho serem mais guias ou analíticas, ainda que
possam ser essencialmente calorosas. No entanto, seja qual for o contexto, quando
você pensa e sente assertivamente, age assertivamente!

Em situações de tensão surgem dois caminhos possíveis: ou você gravita em torno do


problema, ou você gravita em torno de si mesmo. Quando gravita em torno do

116
problema tende a pensar apenas no problema, deixando-se controlar e, por vezes,
afundar nele. Quando gravita em torno de si, num movimento introspectivo, o que
acontece é a possibilidade de você ponderar as suas soluções para o problema. Quem
pensa só no problema pode até conseguir resolvê-lo, mas será numa posição
distanciada de si mesmo, porque não se tem em conta (esquecendo-se de si mesmo e,
por vezes desumanizando a solução encontrada). Nestas situações, emocionalmente
fica mais debilitado em consequência do distanciamento de si. Quem se concentra em
si recorda os seus propósitos para a sua vida, os seus desejos, os caminhos que quer e
como quer trilhar e nessa auto-reflexão encontra a solução que mais se adequa a si e
que permitirá resolver o problema satisfatória e assertivamente. Não é sensato perder
o contacto com o eu pois arrisca-se a perder-se de si. Assim, considero que devemos
estar concentrados na resolução dos problemas e nas tarefas a executar para tal sem
descurar, no entanto, os próprios princípios, valores e objectivos de vida. Isto para
podermos continuar a ser fiéis a nós mesmos, continuando a sentir a sensação de
integração egoica!

Em todo este processo há um aspecto importantíssimo que, seguramente, já foi


apresentado, mas que considero pertinente sublinhar: é sobre a opinião dos que o
cercam! Ser assertivo é ser auto-afirmativo, mas ser auto-afirmativo não significa que
siga os seus caminhos sem ouvir a opinião dos outros. Os que o amam e os que você
ama (e mesmo todos os outros!) têm opiniões e as mesmas podem ser sábias. Convém
ouvi-las. Ser auto-afirmativo não significa ser ignorante ou insensato ao ponto de
apenas fazer o que acha ser adequado. No ouvir o outro surgem dois movimentos
psíquicos igualmente necessários:

❏ 1.º – De dentro para fora – saio de mim para ouvir os conselhos e opiniões sobre
determinado assunto, mas não fico por aí… ❏   2.º – De fora para dentro –…
regresso a mim mesmo, pondero todos os conselhos e decido o meu caminho.

Muitas vezes não se sai de si para ouvir os outros, porque se receia perder e esquecer
o caminho de regresso ao eu e, numa atitude de protecção da identidade5 e da
liberdade de decisão, prefere-se não ouvir os outros. É a insegurança que leva a
deixar de pedir, ouvir e ponderar os conselhos. Outras vezes é a arrogância e a
confiança exagerada em nós mesmos que leva ao desprezo do que os outros têm para
dizer. Em ambas as situações a possibilidade de errar o alvo constitui zona de perigo.
Até os reis têm conselheiros escolhidos… escolha os seus!
5 Pensamos nós que estamos a proteger o eu e a afirmar o direito à autodeterminação!

117
118
9. Inicie a mudança!
Qualquer mudança representa um desafio e um risco. Daí tantos optarem por
continuar como estão, pelo menos já lhes é familiar! Ter medo do risco e do
desconhecido impede a mudança e, efectivamente, muitos acabam por abandonar
planos psicoterapêuticos exactamente porque ponderam o risco de mudar e decidem
não o correr. E além de ser um risco, dá muito trabalho! Não é fácil reorganizar as
crenças sobre o mundo e a forma de o sentir, na verdade é difícil e trabalhoso
proceder à limpeza e arrumação da casa interior. Para mudar, inclusivamente, muitos
recursos têm de ser canalizados. Quem está a procurar alterar algo em si, quem está a
treinar a assertividade, precisa de canalizar os seus esforços nesse sentido, precisa
despender mais tempo a olhar para dentro (e por vezes encontra coisas que frustram!)
e a olhar para os efeitos do seu comportamento no exterior. Ou seja, precisa de estar
muito mais alerta, o que constitui uma tarefa exigente.

Para que uma mudança seja possível e efectiva, alguns critérios precisam de estar
preenchidos… vamos ver quais:

1 – Se não se sentir seguro para a mudança o mais provável é ela não ocorrer, ou
ocorrer por um curto período de tempo (e neste caso não é uma clara mudança!) – a
sensação de insegurança surge porque mudar envolve sempre algum receio, por vezes
difícil de explicar e identificar, é vago e desconcertante. Mudar significa colocar em
causa toda a anterior construção do real, como se tivesse pintado uma tela e fosse,
agora, necessário repintar com outras cores. Reconstruir exige confiança e segurança
de que a próxima construção será melhor do que a actual. Ninguém destrói
deliberadamente uma casa se não tiver alguma confiança de que conseguirá construir
uma nova mais segura e que ofereça maior protecção contra a chuva, o vento, o frio e
o calor… e contra os ladrões! O mesmo acontece com o mundo interior. Os
sentimentos e pensamentos são a casa interior porque é neles que nos refugiamos e
encontramos alguma protecção.1 Claro que qualquer um, na sua plena consciência, só
se disponibilizará para mudar se tiver a certeza de que os próximos são mais
adequados. Assim, se tem consciência de que precisa de mudar a sua forma de pensar
sobre a vida, a forma como a sente ou como se comporta perante ela…

❏ … escolha uma altura propícia, uma altura em que se sinta mais seguro e confiante
e prepare-se para o abanão de alguns alicerces. Não serão todos, mas alguns
provavelmente serão bem questionados! E isso se não dói pelo menos cria algum
mal-estar, ainda que temporariamente;

❏ … avalie cada mudança (se tiver consciência delas2) e em alturas de grande


insegurança pense no que pior lhe pode acontecer: não fuja do que lhe causa
ansiedade, pense exactamente nisso. O que de pior lhe pode acontecer? Os problemas
vencem-se enfrentando-os e não virando-lhes as costas.

119
1 Por vezes!
2 Há mudanças que sucedem sem se ter uma real consciência delas… por vezes só no final do plano terapêutico é que se sente diferença e se
verifica que o comportamento, as atitudes, as reacções até mudaram, para surpresa! E engraçado porque, por vezes, nem se sabe ao certo
quando ocorreram as mudanças ou o que efectivamente proporcionou essa mudança, sabe-se apenas que resultou de um processo contínuo.

2 – Verifique se quer mesmo mudar. O que ganha com essa mudança? E o que perde?
Ganha mais ou perde mais? Se quer mudar então assegure-se de que tem
consentimento (carta branca, luz verde!) para tal. Permita-se a si mesmo o
crescimento pessoal. E se possível converse com alguém (familiar ou amigo) sobre o
que quer mudar, verifique qual a sua opinião sobre essa mudança e veja se tem o seu
apoio. Engraçado porque nestas questões o apoio de algum amigo ou familiar é
importante para cristalizar a mudança. Se você for casado o aplauso e a ajuda do seu
cônjuge serão determinantes. Claro que não precisa do apoio de todas as pessoas
significativas da sua vida. Mas se tiver o apoio daquelas que mais contactam consigo
será mais compreendido, as pessoas serão mais tolerantes e pacientes consigo,
exercerão uma pressão mais adequada e o reforço positivo3 estará mais presente.
Igualmente, de uma forma amorosa, poderão corrigi-lo4 quando não estiver a acertar
o alvo! Assim…

❏ … imagine-se mudado! Transporte-se no tempo e no espaço e, recorrendo ao


mundo da fantasia, imagine-se diferente … gosta do que vê?

❏ … tome atenção à opinião de quem ama e de quem você sabe que o ama. Estão em
sintonia consigo? Se não estiverem converse com eles e explique o que se passa: o
que quer mudar e o que está a fazer para o conseguir. Peça o seu apoio.
3 É o aplaudir as suas vitórias. 4 Espero, eu!

3 – Não se esqueça que mudar não acontece da noite para o dia, é um processo activo
(feito de avanços e recuos) e demorado no tempo. Qual a sua idade? A sua idade é o
tempo que provavelmente precisou para ficar como é hoje. Mudar essa estrutura não
será tão longo no tempo mas também não é de ontem para hoje! Tenha paciência,
principalmente consigo. Não se esqueça que a assertividade resulta de um processo
em que por vezes se avança a vapor e outras vezes se recua ligeiramente. O problema
não é recuar, o problema é não entender o que correu mal, porque se recuou. As
quedas, os recuos, podem ser pedagógicos no sentido de ensinarem sempre algo mais
sobre si. Assim…

❏ … defina claramente o seu objectivo, em palavras simples e práticas;

❏ …mude um aspecto de cada vez e comece pelo que considera mais simples e fácil,
avançando para o mais complexo e difícil.

4 – Passe à acção… só aprenderá a conduzir se conduzir. Saber sobre a assertividade


na teoria não chega… treine-a. Como?  

❏ Defina contextos onde pode treinar (ex: em casa ou no trabalho), em que relações
ou com que pessoas;

120
  ❏ permita-se a cometer erros! E aprenda algo com eles...   ❏ ... e pratique!

Isto é assertividade assente numa forma de pensar, sentir e actuar directa e honesta. É
um estilo de comunicação e de relação baseado num profundo respeito por si e pelos
outros. O objectivo é que todos ganhem e por isso contempla a capacidade para
negociar e reavaliar as suas posições. Esta postura favorece o sucesso baseado em
relacionamentos verdadeiros e não retaliados.

121
10. Previna a recaída
O estilo de comunicação assertivo e o tipo de relacionamento interpessoal baseado na
auto-afirmação saudável dependem de uma escolha sua (dependem, igualmente, da
escolha da pessoa com quem você se relaciona, mas tendo em conta que esse aspecto
não pode ser por si dirigido pense agora no que você consegue controlar: você
mesmo). É você quem escolhe, diariamente, ser assertivo! E as vitórias alcançadas ao
longo do processo devem ser vigiadas de forma a não se perderem. É como
conquistar uma cidade… depois da conquista os muros devem continuar a ser
vigiados! É neste sentido que a prevenção da recaída passa por uma atitude contínua e
atenta. A grande questão que se coloca é como prevenir recaídas. Quero deixar
algumas dicas:

– Permaneça na procura de uma atitude mais assertiva, permita


-se errar e perdoe-se pelas falhas. Continue a auto-afirmar-se de forma cada vez mais
sábia. São as mudanças sucessivas que previnem a recaída. Se você deixar de
procurar a assertividade diária terá uma maior probabilidade de agir de forma
agressiva, passiva ou manipuladora. Pensando no desejo de Deus para cada um dos
seus filhos recordo, novamente, o caminho da santificação… é o cristão que
diariamente vigia os seus pensamentos, sentimentos e acções procurando adoptar os
mais saudáveis. Claro que não é fácil, mas o caminho da santificação é um
processo… leva o seu tempo!
Continuar a prosseguir para o alvo é fundamental. Qual alvo? Defina você mesmo
qual o seu alvo e releia-o de vez em quando.

1.
2.
3.
4.

– Prevenirá, igualmente, a recaída se começar as suas mudanças no que pensa e como


pensa (nas suas crenças e expectativas). Ajuste o pensamento à realidade. Peça ajuda
psicoterapêutica caso considere necessário. Normalmente é necessário! Para mudar
pensamentos você precisará de conversar mais com as pessoas que vivem um estilo
de vida que você valoriza mas que não consegue viver. Precisa de as ouvir falar sobre
a sua abordagem no mundo exterior e interior, precisa de debater com elas pontos de
vista. Pode igualmente recorrer à leitura: ler fundamenta o pensamento! Escolha bons
livros que enriqueçam o seu pensar! Livros capazes de lapidar o seu ego,
construtivamente. E fuja do que não interessa!
– E por último, se é cristão conte com a ajuda divina, pois a fé é a certeza das coisas
que ainda não se vêem! Já pediu a Deus uma vida mais santa? Peça, Ele responde!
Faça a sua parte e permita-Lhe fazer a Sua.

No início desta caminhada falámos sobre identidade. Recorda

122
-se? Dissemos que a identidade de cada um surge no relacionamento íntimo com
alguém (em primeira análise com os pais), e é através do processo de identificação
que nos tornamos parecidos com eles. Partindo desta verdade gostaria de reflectir
consigo sobre a identidade cristã! A identidade cristã é claramente assertiva!

A assertividade cristã

Após receber o convite de Deus para com Ele conviver e depois de você abrir a porta
da sua vida, Ele seguramente entra e, se você deixar, ficará consigo. Deus promete
não lançar fora quem O recebe e promete fazer morada nessa vida. Este convite surge
quando um de nós percebe como tem estado errado longe de Deus e que a sua vida,
sem Ele, não tem sentido, quando se arrepende e pede perdão pela distância existente
entre o Pai amoroso e um filho altamente amado. E quando O convida a entrar algo
de muito poderoso começa a acontecer: a convivência diária permite a identificação
com Cristo. Deixamos de ser nós e começamos a adoptar as características de Deus.
Dá-se um processo de identificação no qual dia-a-dia (quer pela leitura da Sua
Palavra, quer pela oração e convívio com outros cristãos) as nossas próprias
características são naturalmente substituídas pelas características de Deus. É o
processo de santificação!

E esta realidade coloca-nos perante uma verdade: Deus tem uma identidade e deseja
que todos os Seus filhos se assemelhem a Ele! Deus deseja relacionar-Se intimamente
com cada um de nós, permitindo que nos identifiquemos com Ele. Claro que este
processo de identificação com o Criador só surge com a convivência diária, aí não
somos estranhos mas filhos e amigos de Deus.

Você não surgiu neste mundo por acaso! Nenhum de nós é um acidente! Todos fomos
criados à Sua imagem e semelhança, não para nós mesmos, mas para a Sua glória! A
Bíblia ensina que tudo começa e tudo acaba n’Ele, por Ele e para Ele foram criadas
todas as coisas e só n'Ele encontramos a razão da nossa existência.

Diariamente fazemos múltiplas investidas no sentido de perceber quem somos, de


onde vimos e para onde vamos. Sujeitamo
-nos a inúmeros riscos apenas para descobrir qual a nossa identidade! Mas se fomos
criados à imagem de Deus, será que não é apenas olhando para Ele que
conseguiremos descobri-la? Apenas olhando para o nosso Criador podemos perceber
a nossa essência! É por isso que todos temos uma necessidade do tamanho de Deus,
que pode, apenas, ser satisfeita pelo próprio Deus. Olhar apenas para nós mesmos à
procura da nossa identidade leva-nos a andar em círculo sem conseguir evoluir! Não
é olhando apenas para nós que descobrimos a nossa identidade: é olhando para Ele.
Quem estiver concentrado em si mesmo apenas percebe as suas limitações e
capacidades (enchendo-se de si mesmo como o narcisista!), mas quem olha também
para Cristo, não só se apercebe das suas capacidades e limitações como também
percebe no que se deve tornar! E num processo de cópia aproxima-se do seu Criador.
Esta aproximação é um processo mais ou menos demorado, varia de filho para filho.
As crianças que não olham para os outros tornam

123
-se autocentradas, egoístas e geradoras de mal-estar. É apenas olhando para os pais e
demais seres humanos que desenvolvem uma identidade socialmente tolerada. Nós
também devemos olhar para o Pai e evitar a atitude autocentrada!

Ainda antes de sermos concebidos pelos nossos pais já Deus nos havia planeado.
Somos parte do Seu propósito e estamos aqui com o objectivo de O adorar. A nossa
identidade passa por sermos verdadeiros adoradores! Passa por sermos eternos, como
o Pai o é! Passa por vivermos cada dia nesta terra não como se fossemos viver nela
eternamente, mas com plena consciência de que aqui os nossos dias estão contados,
pelo que cada um deles é mais uma oportunidade para O servir. A nossa identidade
passa pela convicção de que a eternidade é para ser vivida junto a Deus!

Sermos capazes de afirmar o que pensamos, sentimos, agimos ou como desejamos


agir, assim como respeitar o pensamento, sentimento e acção dos outros é claramente
um acto divino. O nosso Criador não arromba portas, Ele não entra à força na vida de
ninguém! Apenas bate à porta e entrará se a abrirmos! O Seu propósito foi sempre dar
o livre arbítrio a cada um dos Seus amados filhos permitindo-lhes escolher aceitá-l’O
ou rejeitá-l’O. Mas o que faz Deus sorrir é poder relacionar-se connosco! É uma
relação livre de máscaras na qual é possível a sinceridade, honestidade e a partilha!
Ele anseia por essa relação e é nela que encontramos a plataforma segura para uma
vida assertiva!

Conhecer Deus faz todo o sentido para cada um de nós! É no conhecimento do que
Ele é e deseja que nos assemelhamos a Ele! O nosso Deus é assertivo em toda a Sua
essência e no contacto diário com Ele tornamo-nos tal como Ele. Neste
relacionamento diário surge uma amizade entre nós e Deus que naturalmente acaba
por inundar todos os outros relacionamentos: o relacionamento com Deus marca
todos os outros com o amor. E o amor é assertividade! A comunhão verdadeira surge
quando somos assertivos: quando afirmamos o que pensamos e sentimos e quando
somos transparentes nas nossa acções! E apenas conseguimos sê-lo porque exercemos
compreensão, perdão e expectativas realistas face a cada pessoa. É conseguida apenas
quando há compromisso e responsabilidade, sinceridade, cortesia e sigilo, quando há
uma gestão adequada dos conflitos e a humildade (que é pensar menos em nós
mesmos e não menos de nós mesmos).

O propósito é tornarmo-nos semelhantes a Cristo. No entanto, isso exige mudança e


não há mudança sem perdas e sem dor. Aceitar ser como Deus obriga-o a colocar de
lado muito do que você é hoje! Se gosta de mentir, terá de deixar de o fazer! Assim
há um preço a pagar, chamado submissão! Submissão significa que você aceita
reaprender, aceita questionar o que pensa saber e aceita que não sabe tudo e como tal
adopta a sabedoria de Deus como guia na sua vida! É negar-se a si mesmo e permitir
que Deus, pacientemente, o formate de acordo com a Sua vontade.

A assertividade só faz sentido se for exercida. E nesse domínio é notória a


importância do serviço: cada um de nós tem uma missão específica! Desempenhá-la é
o nosso serviço! Como tal somos servos (porque temos um serviço a desempenhar)

124
com um propósito, um objectivo, uma missão dada por Deus! A missão de cada um é
descobrir os seus dons e talentos e usá-los em prol da glória de Deus e do bem-estar
da humanidade. Cada um de nós tem talentos, capacidades, atributos que precisa de
descobrir e exercitar! Deus jamais pede que façamos algo que não conseguimos
fazer! Todos estamos dotados de capacidades… a missão de cada um é pôr em
prática! Apenas pessoas seguras quanto ao seu valor e identidade aceitam servir!
Todos os outros querem ser servidos!

É neste contexto de identidade cristã que surge um estilo de vida sereno ainda que,
por vezes, no meio de tempestades! Um estilo de vida baseado em caminhos dignos
de confiança: são os pastos verdejantes e os mananciais de água cristalina. É o Bom
Pastor que guia o Seu rebanho provendo tudo o que é necessário, por trilhos
conhecidos por Ele e em contínuo afecto capaz de preencher a vida e recrear a alma.

O Bom Pastor como o Guia Assertivo!

Se quisermos conhecer a identidade de Deus podemos deixar


-nos guiar pelos Seus nomes. Na cultura hebraica, o nome estava muitas vezes
relacionado com o carácter e a personalidade do seu portador e referiam-se
igualmente a acontecimentos determinantes da sua vida.

Deus tem vários nomes que, originalmente, apontam para a Sua identidade. Cada
nome de Deus faz referência ao que Ele é! Vamos ver alguns desses nomes:

– Jeová Rohi aponta para a ideia “O Senhor é o meu pastor”. O pastor que alimenta,
que guia e cuida de cada ovelha, advertindo face aos perigos. É o pastor presente na
vida de cada ovelha, que reconhece cada uma delas e que nota a sua ausência quando
esta se afasta. Quer você queira aceitar este Deus, quer decida rejeitá-l'O, Deus ama-
o! Deus é o Pastor que deseja cuidar de si: deseja ouvir os seus lamentos, saciar as
suas necessidades e caminhar consigo.

Este traço característico de Deus reenvia para a nossa natureza social: interessamo-
nos uns pelos outros, desejamos cuidar uns dos outros. Estar apenas concentrados em
nós mesmos em atitudes repetidas de autocuidado esvazia a vida. Somos espelhos uns
dos outros e necessitamos de pastorear uns aos outros para que a vida ganhe sabor a
sal e permaneça iluminada! Jeová-Rohi relembra a nossa natureza altruísta, pois
fomos criados à imagem do Bom Pastor. Pastoreando com amor, seguindo o Seu
exemplo, permite-nos encontrar satisfação, pois entramos em concordância com a
natureza de Deus, que também é parte do que somos.

– Jeová Jireh aponta para a ideia de que nada nos faltará! É Deus que supre as
necessidades. É o Deus atento e que no Seu poder tudo coloca ao dispor do Seu
rebanho. É o Deus que está tão disponível para ouvir e saciar que muitas vezes não
“entende” o porquê de irmos a outras fontes buscar consolo. Fontes limitadas e
muitas vezes erradas e contra a Sua vontade. Porquê ir a menores se pode ir
directamente ao Trono de Deus? Vá! Certamente será bem recebido!

125
É o Deus Jeová-Jireh que tudo supre! E na verdade, fora d’Ele apenas encontraremos
formas falsas de satisfação. Este Deus é o próprio pasto! Ele é o Pastor que nos guia
pelo Caminho certo, pelo pasto certo e que é Ele mesmo! Porque não só de pão
material viverá o Homem, mas também do pão espiritual que é o próprio Deus.
Jeová-Jireh recorda que Ele tudo supre, em si mesmo, pois apenas Ele é o pasto mais
verdejante que qualquer ovelha pode encontrar e nele saciar-se. Ele é o Pastor, Ele é o
Caminho, Ele é o Pasto e Ele é o Pão da Vida. E todo aquele que com Ele andar,
certamente viverá e do seu interior correrão rios de água viva! Essa água provém da
fonte que é Jesus!

– Jeová Shalom significa que Deus é paz. Ele, simplesmente, é paz, harmonia e bem-
estar. A paz surge perante a ausência de culpa. Surge quando, após reconhecermos os
nossos erros e nos lamentarmos por eles, adoptamos medidas correctivas e iniciamos
um percurso limpo. A paz serve de barómetro à nossa vida emocional! A sua falta
sinaliza que algo está errado. Sentir paz reenvia para a ideia de que estamos no
caminho correcto, tomámos a decisão certa, optámos pelo melhor!

Jeová-Shalom relembra-nos o gosto que temos pela paz, pela harmonia e bem-estar.
Relembra-nos que, no fundo, todos desejamos solucionar os conflitos que inundam a
nossa vida interior e a interacção com outras pessoas. Claramente desejamos
ultrapassar os nossos estados neuróticos, curar as feridas da alma e continuar nesta
jornada em paz. Claramente preferimos trabalhar em ambientes nos quais os conflitos
se resolvem e não amontoam, todos desejamos abrir a porta da nossa casa com alegria
por estarmos de volta à família depois de um dia de trabalho, todos desejamos
construir relacionamentos sinceros e livres de pressão. Desejamos isto porque fomos
criados à imagem de Jeová-Shalom, o Deus da Paz!

– Jeová Rophe remete para a ideia “O Senhor Que Sara”. É o pastor que procura a
ovelha que está ferida, trata dela, acompanha e supervisiona-a em todo o processo de
restauração. É o Deus que não se agrada com o sofrimento, o mal-estar, a doença seja
qual for. É o Deus disponível para curar as nossas ansiedades, depressões, paranóias,
baixas auto-estimas e tantos outros problemas, como os de relacionamento
interpessoal e até do foro físico.

Jeová-Rophe relembra o nosso desejo de cuidar de quem sofre, cuidar dos doentes e
tratar as suas feridas. Por vezes, a vida, ao ser vivida, afasta-nos desta nossa
característica herdada do Pai. Por vezes, o calo emocional e espiritual afasta-nos do
que verdadeiramente somos. Mas quando ele é raspado e a sua raiz retirada (graças a
algum episódio marcante na vida) podemos reaprender a desfrutar da sensação de
limpar as feridas uns dos outros.

– Jeová Tsidkenu, que significa “Senhor Justiça Nossa”. É desejo de Deus que
andemos no caminho da justiça por amor ao Seu nome e para a Sua glória. Deus é
justo, é justiça e não se pode negar a Si mesmo. Se você começar a andar no caminho
da injustiça Deus não o poderá acompanhar. Você ficará entregue à sua própria sorte!
Porque Ele é justo e só trilha caminhos justos. Muitos de nós zangamo-nos com Ele

126
quando as coisas correm mal, mas será que não estaremos apenas a colher o resultado
dos caminhos injustos que optámos percorrer? Deus não caminhou connosco nesses
momentos, mas espera que regressemos ao caminho da justiça.

Jeová-Tsidkenu relembra a nossa sede de justiça. Ansiamos pela justiça e por ela
lutamos: guerras têm sido travadas de forma a que a justiça seja estabelecida!

– Jeová Shammah significa “Jeová está presente”. É o Deus que promete consolar e
dar esperança. Este nome de Deus evoca sentimentos de conforto e segurança em
tempos de terror. Reenvia para a ideia de alívio emocional, tranquilidade e consolo
perto! É a esperança de que Ele está presente e tudo fará para nos proteger! Ele é o
nosso socorro bem presente!

Jeová–Shammah também relembra a importância de simplesmente estar presente!


Deus está presente, com toda a Sua Identidade. Aquilo que Ele é verdadeiramente
está presente! Ele não se torna presente por algo que não é! Não usa máscaras e nem
oculta a Sua essência! O que É, é o que pode oferecer! Nada mais! Jeová
-Shammah recorda, novamente, a nossa necessidade de apenas sermos o que somos.
Estarmos presentes em toda a nossa essência, colocando de lado disfarces e máscaras
sociais. Sermos apenas o que somos assumindo a nossa essência! Esse é o caminho
do bem-estar intrapessoal! Só aí teremos consciência de quem verdadeiramente
somos, só aí o autoconhecimento é possível e experimentado e só aí poderemos viver
vidas sociais em que verdadeiramente somos aceites!

– Jeová Nissi, que significa “O Senhor é a minha bandeira”. A bandeira de uma


nação condensa toda a sua identidade. Ao afirmar que Deus é a nossa bandeira,
estandarte ou emblema queremos dizer que Ele nos representa, Ele é a nossa
identidade. Sim, Ele é o espelho da nossa identidade! É com Ele que nos queremos
identificar! Jeová-Nissi recorda a necessidade que todo o ser humano tem de Deus:
todos necessitam de ter um encontro com Ele. Um encontro pessoal, íntimo e
marcante! Conhecer Deus pelas palavras dos outros é apenas o primeiro passo,
conhecer Deus pela nossa própria experiência é outra coisa! E Deus deseja um
relacionamento íntimo com cada um de nós. Jeová-Nissi recorda

-nos que é n’Ele que encontramos a nossa identidade! É Jesus a nossa bandeira, é Ele
que nos representa diante do Pai e diante de todas as potestades e forças espirituais
neste mundo!

Igualmente somos a bandeira de Deus! A Igreja representa-O, anuncia-O e O tem


como estandarte! É representando-O que encontramos paz e descanso porque
acertámos o alvo!

Uma confissão muito pessoal: só no Deus assertivo encontramos as bases da


verdadeira e saudável assertividade, tão necessária a vidas interiormente ricas e
exteriormente significativas! Só em Deus encontramos a nossa identidade e só n’Ele é
possível substituirmos o que está desajustado pelo que é, claramente, mais saudável!

127
Como diria o salmista: Quem temos nós no céu senão a Ti? E na Terra não há
ninguém a quem mais desejemos do que Tu!

Sim, Deus é a nossa essência!


Mediante o conhecimento dos Seus nomes, do Seu carácter e personalidade, uma
reviravolta acontece na nossa mente: ficamos com a plena consciência de que o Deus
assertivo usará sempre da Sua bondade, graça e misericórdia connosco. Pelo que não
faz sentido inquietarmo-nos com o dia de amanhã.

Espero ter contribuído para aumentar a sua inteligência emocional!

128
Índice
Introdução 6
1. Sal e luz do mundo 9
2. Uma noção integrada de saúde 33
3. A assertividade e a sua importância 39
4. O estilo (de comunicação e relação) agressivo 42
5. O estilo (de comunicação e relação) manipulador 61
6. O estilo (de comunicação e relação) passivo 67
7. O estilo (de comunicação e relação) assertivo ou auto-
99
afirmativo
8. Como desenvolver a assertividade, como ser sal e luz? 104
9. Inicie a mudança! 119
10. Previna a recaída 122

129

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