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O meu interesse não era ficar no bar. Aviei-me com uma garrafa de um litro e meio do
precioso líquido para espantar a canícula e retirei-me para perscrutar os sinais daquilo
que pode ser o alerta de uma nova guerra. Nunca se sabe! E esse aviso está estampado
nos carros que chegam, uns atrás dos outros, carregando gente, trouxas e animais, tudo
na mesma carroçaria. É um avivar de imagens que pareciam ter sido esquecidas, quando
na verdade a dor nunca se esquece.
É que informações postas a circular, desde a semana passada, dão conta de que nas
localidades de Phembe, Fanha- -Fanha, dentre outros, no distrito de Homoíne, há
presença de homens armados supostamente da Renamo, devido aos quais a população
tem estado a abandonar, apavoradamente, as suas residências, alguns bens e animais. Já
no princípio da tarde de terça-feira, 07, relatos populares davam conta de que houve
confrontos, na região Phembe, entre os referidos guerrilheiros do partido de Afonso
Dhlakama e as Forças de Defesa e Segurança. Entretanto, o Ministério da Defesa
Nacional (MDN) não confirma nem desmente que tal situação tenha acontecido, mas
confirma a presença de militares.
Dirigi-me à senhora para colher as primeiras palavras, mas não consegui nada porque
ela não quis falar. Vergastou-me com os olhos, como se ela estivesse a dizer-me – do
fundo dela – que era uma grande estupidez fazer perguntas numa situação tão óbvia, em
que as pessoas fugiam dos homens armados, supostamente da Renamo, que se
movimentam em Phembe e Fanha-Fanha, e agora na famigerada antiga base dos
guerrilheiros, que leva o nome de Nhavarre.
Não me resignei perante a recusa da mulher. Abordei o jovem, Francisco, que me disse
que estava a fugir. “Toda a gente está a fugir. Se você for para lá, agora, não vai
encontrar ninguém, e, se encontrar vivalma, será dos que também estarão a fugir para
aqui”. São estas as respostas que todos dão. Com pequenas variantes. Não consegui
encontrar ninguém que dissesse categoricamente que viu os citados homens armados, ou
que afirme ter sido abordado na sua casa por alguém a pedir comida ou para outros fins.
Todos dizem que “dizem que”. Mas se existe uma verdade é a de que todos estão a
abandonar as suas casas.
Localidades assombradas
WIRIYAMU
José Antunes: "houve uma imposição brutal das forças portuguesas sobre os grupos de
libertação"
"Repressão sem genocídio"
Ao analisar a dimensão política do massacre, o historiador José Antunes afirma,
por sua vez, que este foi um dos símbolos mais fortes da repressão durante a
guerra colonial. No entanto, discorda que tenha sido um genocídio, como
referem alguns investigadores.
Segundo Antunes, "ao considerarmos um genocídio, estamos a pô-lo em pé de
igualdade com o Holocausto, com os massacres dos hutus ou dos tutsis". "Para
falar de genocídio naquela circunstância – estamos a falar numa situação de
contexto militar, de guerra; há um massacre justificado pelas autoridades
portuguesas pela necessidade de controlar as aldeias em que os guerrilheiros
tinham algum tipo de apoio e fez-se aquele e alguns outros massacres", justifica.
Irene Pimentel: é preciso ouvir os familiares das vítimas
Entretanto, José Antunes ressalta que "são situações que claramente fogem
aquilo que é a guerra dita 'limpa', como se isso alguma vez existisse, e mostram
o que foi, de facto, a imposição de uma forma brutal das forças armadas
portuguesas sobre os grupos de libertação".
Factos a investigar
O historiador português José Antunes, formado em História de África com foco
no período colonial, diz que hoje há já mais informação sobre o que aconteceu
em Wiriamu. E questiona se o número de mortos chegou aos milhares.
Ouvir o áudio03:01
Massacre de Wiriamu "apagado" da memória colonial
portuguesa
"Isso só por si já é uma questão importante. Portanto, temos ali detalhes
também da própria forma de operar das Forças Armadas portuguesas e da
política. Quer dizer, isto foi ou não deliberado, isto foi ou não mandado pelas
chefias? Tudo isso é importante saber-se".
Irene Pimentel, outra historiadora portuguesa e uma das críticas em relação ao
silenciamento, também reconhece que ainda há factos a investigar sobre
Wiriamu. Ela afirma que hoje se pode recorrer aos sobreviventes em
Moçambique para resgatar as memórias daquela época, "para que, finalmente,
os sobreviventes e familiares das vítimas possam fazer o seu luto".
Fernando Rosas também considera necessário e indispensável que assim seja
em respeito à memória. "Porque", sublinha, "sem memória não há democracia".
O historiador considera que "há um trabalho de memória muito importante a
fazer também cá", aconselha.