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O som abafado da explicação sobre a Segunda Guerra mundial ou algo assim soava

e parecia tão longe, como seu estivesse imersa sob densas ondas. Suor escorria pela minha
testa, estava quente, muito quente, minha cabeça vibrava, abri os olhos devagar, minha visão
estava turva, borrões cintilavam e corriam sem que eu pudesse acompanhar. Vermelho. Era a
cor que ocupava todo o espaço, as mesas escolares reviradas, cadernos espalhados, e então...
alunos correndo, rostos tomados pelo terror, eu não me movia, estava paralisada, minhas
mãos tremiam e estavam brancas como papel " Mova-se Mariana, corra!". Minha mente me
alertava, implorava, mas nada acontecia, até que... ela... Ela apareceu, camiseta branca
surrada, porte médio, uma face amigável tomada por um sorriso sádico, as bochechas e os
braços cobertos de sangue ainda fresco e pegajoso. Minha respiração cessou, meu corpo
congelou e uma única certeza pairava no ar: Eu iria morrer.

Escuro. Luzes fortes demais. Risadas estridentes demais. Um quadro repleto de


palavras didáticas que não faziam sentido. Uma palma abanava em frente aos meus olhos.

- Mariana? Está tudo bem? - Perguntava Rafael, professor de história. Acenei em afirmativa
sem nem ao menos acreditar no que sinalizava.

-Acho melhor ir tomar uma água, você estava suando.

Concordei e segui para a porta da sala, mas antes de sair olhei para trás para me
certificar de que tudo fora um sonho, de que todos estavam lá, vivos e rindo, mesmo que não
parecesse verdade.

Caminhei pelos corredores que, agora, pareciam longos demais, vazios demais. As
risadas e os gritos ainda soavam como tambores na minha cabeça e um clima pesado se
estabelecia no ambiente. Até que ouço passos correndo discretos fazendo minhas costas
arrepiarem, meus olhos viajavam pelas laterais com mais urgência procurando o fim do
corredor que nunca chegava, enquanto as pareces escureciam e o espaço se apertava, quase
como se capsulassem todo o oxigênio.

"Mariana..." - chama uma voz feminina, suave, em tom de brincadeira e, ainda


assim, ameaçadora. Me perguntava como a podia ouvir quando minha cabeça ainda martelava
sons agoniantes e o suor insistia em escorrer. Ignorei o pensamento e comecei a correr, à
medida que eu acelerava, os passos também me acompanhavam cada vez mais pesados.
Minha visão escurecia e os flashbacks da chacina voltavam como em tempo real, as vozes
desesperadas, tudo se repetia em fragmentos. De novo. De novo e de novo.

Minhas lágrimas teimavam em cair, por fim suspirei quando vi a porta do


banheiro próxima, entrei sem olhar para trás, comecei a levar rosto com pressa, ofegante e
suplicando a todos os deuses para que tivessem misericórdia, mas então... ergui os olhos e a vi,
lá estava ela pairando no espelho, camiseta branca surrada, rosto amigável, mas um olhar
sádico, os braços repletos de sangue ainda quente. Ela. A garota dos meus devaneios
sangrentos. A que assassinara a sangue frio e silenciara cada grito agonizante em meio as
carteiras reviradas, implorei para que ela fosse embora, que parasse, que me libertasse dessa
angústia que queimava meus ossos e pesava em minhas costas. Eu não queria vê-la matar mais
ninguém e já não suportava encará-la sem sentir repulsa. Entretanto, com os olhos vazios
encaro a agonia de que a única garota que vejo no espelho é eu mesma.

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