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Para aqueles que estão procurando por um lar:

Finquem suas raízes na terra.


Elevem suas folhas até ao céu.
Porque lar é onde você está.
01
Um Bom Agarro
Luke
Nada mudou em cinco anos.
Nem o pequeno sino na porta que tocava ao entrar na floricultura
da minha família. Nem os antigos barris de carvalho, cheios de pétalas
e vegetação até a borda. Nem o cheiro, aquela mistura de terra e o
perfume doce feito apenas pelas centenas de variedades de flores na
mesma sala.
Esse cheiro significava uma coisa: eu estava em casa.
Examinei a loja em busca de atividade – e a minha família, que
nunca estava longe daqui, – mas não encontrei nada. Então fui
entrando mais fundo no lugar, passando a mão sobre a madeira do
balcão que está desgastada pelo tempo.
Mas tudo o que vi foi a quietude, e tudo o que ouvi foi a
música tocando em algum lugar nos fundos.
Segui o som, passei por uma mesa cheia de caules e
tesouras, barbantes e galhos, adesivos e bases para
arranjos de flores, um vaso cheio com uma variedade
vívida de papoulas. Mas quando virei o corredor onde
ficava uma fileira de refrigeradores, encontrei uma coisa que havia
mudado.
Antes de eu deixar Manhattan cinco anos atrás para ir para Los
Angeles, Ivy e eu nos divertíamos regularmente – sem compromisso,
sem relacionamento, apenas uma fonte confiável de paquera e
amassos. Sua bunda – que sempre teve a forma e a firmeza de um
pêssego maduro e suculento – tinha aumentado, arredondando para a
perfeição absoluta. Ela estava inclinada, procurando no refrigerador
algo que estava um pouco longe demais para seu conforto. Uma
explosão de desejo passou por mim como um raio, do final da minha
espinha até o topo, fazendo a minha boca salivar, e ficando difícil de
engolir.
Ivy Parker, o meu antigo caso. E eu sabia exatamente como
cumprimentá-la. Já podia ouvi-la rindo com o meu nome – depois do
ano que tive, o conforto de um sorriso familiar parecia exatamente o
que eu precisava.
Não me lembrava do cabelo de Ivy ser tão escuro, um tom de
vermelho, nem da espessura deliciosa de suas coxas, que estavam
pressionadas juntas. Meus olhos passaram pela costura da calça e a
bunda dela novamente, alternando entre os bolsos da calça jeans dela
antes de deslizar pela curva de sua cintura pequena.
— Merda. — ela xingou de dentro do refrigerador, inclinando-se
um pouco mais.
Eu molhei meus lábios, que se inclinaram em um sorriso.
Enfiei minhas mãos na curva daquela pequena cintura no
momento em que encaixei meus quadris na bunda dela,
puxando-a para junto de mim.
— Sentiu minha falta? — perguntei quando ela
ficou rígida como uma monarca.
Um gritinho e um gemido soaram quando ela levantou,
batendo a cabeça na grade acima dela. Os vasos balançaram, e minhas
mãos se esticaram para pegar um, mas não rápido o suficiente. Ele
caiu com um baque e se espatifou, derrubando outro, depois outro,
como pinos de boliche cheios de água.
A água caiu por toda a garota encurralada no refrigerador pelos
meus quadris.
A garota que não era Ivy Parker.
Tess Monroe resistiu, bufando e gritando, e eu dei um passo para
trás com o rosto chocado e a encarando lá como se eu tivesse posto os
olhos em Medusa e ela tivesse feito mármore de mim.
Ela recuou, de pé com uma lentidão deliberada e fúria absoluta
enquanto se virava para mim, a reencarnação da própria Medusa,
pronta para me levar ao esquecimento com nada mais que um olhar
assassino.
Minha humilhação foi marcada por uma risada
descontroladamente inapropriada, sufocada no último segundo. Ela
parecia uma gata que tinha sido mergulhada em um balde, com a raiva
pairando sobre ela, conduzindo cada respiração controlada. Cabelo
castanho avermelhado grudado no seu rosto, mechas de um vermelho
profundo contra o pálido da sua pele. Rímel borrado em forma de
meia-lua circulavam seus olhos, irradiando fúria. E sua camiseta
branca justa se agarrava a todas as curvas e excelente corpo,
enfiados em jeans de cintura alta que envolvia aquelas curvas que
eu tinha acabado de salivar como se fosse uma segunda pele.
Percebi então que a água devia estar muito fria. E o
sutiã dela deve ser muito fino.
— Tess? — eu disse estupidamente. — Você
parece... Diferente. Eu pensei...
Suas mãos estavam em punhos ao lado do corpo, e eu me
preparei para pegar um se ela os direcionasse a mim.
Mas ela não direcionou. Não, ela ficou parada, imóvel, com a
água pingando dela em um pling, pling, pling no piso lustrado.
— E você não mudou nada. — ela disparou com sua boquinha
inteligente. — Ainda o mesmo degenerado que você sempre foi. Vou
ter que atualizar a placa. Passamos mil e oitocentos e vinte e cinco
dias sem que ninguém fosse agarrado na estufa. Deveria ter apagado
no segundo em que ouvi dizer que você estava voltando.
Eu ri. — Admita. Eu dou uma excelente agarrada.
Ela fez um barulho em algum lugar entre um grito e um
resmungo, com a mandíbula fechada enquanto ela passava. Mas eu
segurei o seu braço, rindo.
— Espere, Tess. Desculpe-me, eu realmente sinto muito. Pensei
que você fosse Ivy, — eu admiti.
Em vez de parecer compreensiva como eu esperava, ela reclamou.
— Bem, desculpa desapontar. — ela destacou.
— Quem disse que fiquei decepcionado?
Caminhei em sua direção antes que ela pudesse falar, e ela
congelou quando segurei seu rosto. O primeiro sintoma de sua pele
contra a minha palma foi frio, aquecendo imediatamente enquanto
suas bochechas ardiam com um rubor nítido. Eu não sabia dizer se
era um rubor de ira ou não.
Mas não hesitei em considerá-lo enquanto a
inspecionava, virando a cabeça para que eu pudesse
verificar se haviam galos ou cortes.
— Você bateu sua cabeça muito bem. — eu disse suavemente.
— Eu não teria agarrado você assim se tivesse percebido que era
você. Você está bem?
— Eu estou bem, — ela retrucou, afastando-se do meu aperto.
Ela se vira, passando pela mesa e indo para os fundos, onde
guardávamos o material de limpeza.
Eu a segui como um idiota. — Estou procurando mamãe. Você a
viu?
Tess tirou uma toalha branca áspera de uma pilha e enxugou o
rosto. — Ela está em casa, esperando por você. Você deveria ir.
Agora.
— Oh, você não está se livrando tão facilmente. — Uma das
minhas sobrancelhas se ergueu com um canto da minha boca.
Ela revirou os olhos com tanta força que eu tenho certeza que ela
viu a rua Bleeker. — Vá embora, Luke.
Meu sorriso vacilou e olhei de volta para os refrigeradores.
— Quero dizer. Pelo menos, deixe-me limpar a bagunça.
— Eu cuido disso. — ela disparou, porque certamente sua boca
era uma arma.
— Eu insisto. — eu disse com persistência aveludada,
estendendo a mão em volta dela para pegar algumas toalhas. —
Deixe-me tentar consertar isso.
Ela paralisou, exceto pelos olhos, que rastreavam
minha mão como se fosse uma maldita cobra.
— Sabe. — comecei com o que esperava ser um sorriso
tranquilizador. Seus olhos olharam para mim com um piscar. — Eu
não mordo.
— Não foi isso que Ivy disse. — ela rebateu.
Isso me fez dar uma gargalhada. — Justo. Mas não mordo a Ivy
há meia década. — Virei para os refrigeradores. — Onde ela está?
— Ela saiu. — disse Tess, secando os cabelos. Quando ela pensou
que eu estava fora do alcance da voz, ela soltou um suspiro pesado.
Eu abri a porta do refrigerador e me abaixei, com uma toalha na
mão enquanto inspecionava os danos. Nada havia quebrado, embora
algumas das flores tivessem sido esmagadas com a queda. Levantei-
me com um suspiro e comecei a retirar os arranjos danificados do
refrigerador, arrumando-os da melhor maneira possível.
Tess fez uma careta para mim do outro lado do lugar. Eu sorri de
novo para ela, inabalável, se não um pouco culpado.
Realmente, muito pouco poderia me abalar. Isso aconteceu de ser
um dos meus dons especiais, juntamente com abrir um sutiã com dois
dedos, provocar o orgasmo de uma mulher em menos de dois minutos,
e normalmente conseguir o que eu quero pela pura força do charme.
Uma das poucas mulheres imunes a esse charme era Tess
Monroe.
Tess trabalhava para minha mãe desde o colegial. Mas claro,
isso foi quando tínhamos meia dúzia de floriculturas espalhadas
pela baixa Manhattan antes do lento sufoco que provocou
uma diminuição e nos deixou apenas com a carro-chefe.
Enquanto Ivy estava sempre disposta a um flerte, uma
risada, e um subsequente amasso atrás das bananeiras,
Tess era seu o oposto desaprovador e não divertido. Uma
das minhas alegrias particulares da vida era a deixar
desconfortável, na esperança de que ela revelasse uma rachadura na
parede ou um flash do seu pequeno ventre macio. Eu sabia que estava
lá – eu já tinha a visto leve, rindo e sendo gentil com literalmente todo
mundo. Em outra época, até éramos amigos.
Mas agora? Só minha presença arrepiava os pelos nas suas costas
mais rápido do que você poderia dizer Passa as peônias. E isso me
deixava um pouquinho louco.
Enquanto colocava o último vaso na mesa e voltava para o
refrigerador mais uma vez, resolvi dar à Tess adulta todo o meu
charme adulto.
Enquanto eu enxugava a água, ela trabalhava atrás de mim,
fazendo barulho e batendo enquanto reorganizava o que eu já tinha
arrumado, nitidamente irritada. Sempre foi assim com ela, um
compartilhamento impaciente e intolerável do espaço.
Ela era a pior pessoa do mundo para eu ter agarrado
inadvertidamente, e tinha a sensação de que estaria pagando por essa
infração por um bom longo tempo.
Tess não é tão fácil.
Quando terminei com o refrigerador, joguei as toalhas
encharcadas em um dos baldes de lixo e entrei na loja para recolher as
flores necessárias para consertar os buquês. Alguns caules de ervilha
de cheiro. Um punhado de pináculos de astilbes lavanda. Vagens
de castanha, verdes e peludas. Um monte de craspedias, redondas
e da cor do sol. Dálias, rosas – não, pêssego – e brancas. E
então caminhei de volta para ela enquanto ela mexia nos
vasos.
Seus olhos se estreitaram enquanto ela catalogava
minhas mercadorias – procurando por um erro, sem dúvida.
Quando ela não encontrou, soltou um suspiro.
— Obrigada. — ela murmurou, pegando as ervilhas de cheiro e
submergindo-as na tigela de água ao lado dela para aparar os caules.
— Ei, essa é a minha fala. — eu disse com um sorriso de lado.
Peguei uma dália, medindo-a no vaso antes de fazer o mesmo.
— Você realmente não precisa fazer isso. — disse ela
calmamente, e firmemente.
— Eu te devo uma, Tess. E honestamente, eu não me importo.
Faço isso para a mamãe desde pequeno.
Ela bufou uma risada. — Tanta coisa por Hot Wheels e sapos.
— Hot Wheels e sapos eram o motivo de eu estar cortando flores.
Você acha que eu queria fazer buquês aos oito anos? Mamãe quase
quebrou o pescoço em uma exposição de carros que eu havia montado
atrás de sua mesa, e o sapo veio em um carregamento de plantas e
morou no meu bolso até que ele caísse em seu colo. Organizei lírios
fúnebres por uma semana.
Outra risada impaciente, junto com o balanço da cabeça dela. Ela
não encontrou meus olhos. — Então você tem sido uma ameaça desde
a concepção.
— Como o caçula de cinco, é meu direito de nascença.
Suas bochechas coraram quando ela riu novamente. Seus
olhos eram de um rico castanho, como terra recém-revirada, seus
lábios escuros para combinar com suas bochechas.
Deus, ela era bonita. Eu ainda conseguia me
lembrar da garota que eu conhecia, aquela que tinha sido
minha amiga há tantos anos atrás. Eu não conseguia lembrar o que
deu errado, onde a amizade se desfez e se transformou no que quer
que isso fosse.
— Você sabe, há algo que eu não consigo descobrir. — eu disse
alegremente.
— Por que você é tão insuportável?
— Por que você não gosta de mim, Tess. Todo mundo me ama. —
eu brinquei.
Seu rosto franziu e ela finalmente olhou para mim. — Realmente?
Você não consegue pensar em uma única razão pela qual alguém
não... Não toque na minha tesoura.
Eu levantei minhas mãos como se ela tivesse apontado uma arma
para mim. — Já parou para pensar que não sou eu que sou o
insuportável?
— Não, nunca. Nem uma vez. — Ela pegou a tesoura que eu
tentei usar na craspedia e a apontou para mim. — Você é o homem
mais arrogante e ridículo que eu já conheci, e você é o último homem
que eu divertiria.
— No quarto?
— No hemisfério.
Uma risada escapou de mim. — Não se preocupe, Tess. Há muito
tempo para mudar de ideia sobre em que latitude você pode me
tolerar. Estaremos vendo muito um do outro agora que estou em
casa.
O rosto dela franziu em uma careta, a ponta da
tesoura derrubando um fio de cabelo. — O que você quer
dizer?
— Quer dizer que eu vou trabalhar aqui. Todo dia. Logo ali. — eu
balancei a cabeça para o balcão. — Conheça seu novo atendente e
entregador.
Ela respirou fundo pelo nariz que ameaçava selar as narinas. —
Não.
— Todas as mãos no convés, se vamos salvar a loja da ruína.
Não pensei que você recusaria a ajuda.
— Bem, você não é apenas uma ajuda, Luke Bennet. Você é um
problema e sempre foi. — Ela apontou a tesoura na minha direção.
Mas antes que eu pudesse argumentar, minha mãe entrou e, como
sempre, o universo se inclinou em sua direção.
No momento em que a puxei em meus braços, eu estava
realmente em casa.
E nada tinha mudado.
02
Hera Venenosa
Tess
Todo mundo odeia uma parte do seu trabalho.
Talvez seja a papelada. Talvez seja o trabalho monótono do dia-a-
dia. Talvez seja aquele cliente que nunca sabe o que quer, ou o cara
que sempre cozinha peixe no microondas.
Mas eu não. Eu amava todos os cantos daquela loja, todas as
flores, todas as pétalas, todos os caules. Eu amava a estufa. Eu amava
a Sra. Bennet. Eu amava criar, e amava fazer algo bonito.
Eu não odiava nada.
Exceto pelo Luke Maldito Bennet.
Há muitos adjetivos para descrever como eu me sentia naquele
momento. Furiosa era o principal, seguido de perto por na
defensiva e confusa, tocada por uma pitada de desconforto e uma
saudável porção de atração, que era um substantivo, mas
também um fato inegável entre Luke e eu.
Ele se iluminou como um farol quando viu a sua
mãe, puxando-a para um abraço com os braços como
troncos de árvores. Ela gritou como uma garota quando ele a
pegou e a girou loucamente.
Selvagem. Esse talvez fosse o melhor adjetivo para descrevê-lo.
Seu cabelo, escuro como o pecado, desgrenhado e indomável.
Seus olhos, nítidos e brilhantes, um tom de azul tão elétrico, tão
luminescente, que desafiava a lógica. Pele dourada, beijada pelo sol da
Califórnia que brilhara nele nos últimos cinco anos. Seu sorriso
contava uma história de luxúria, solto e fácil, dado sem pensamentos
ou cuidados. E embora ele não tivesse a disciplina de um predador,
seu corpo se movia com a facilidade e a graça de um grande gato
preto.
Seus lábios diziam que ele voltou para casa para ajudar a salvar a
loja, mas sua história dizia o contrário. Eu acredito que ele ficou sem
dinheiro. Ou que ele estava fugindo de Wendy Westham, o casamento
deles acabou, como todos nós sabíamos. Eu acreditaria em qualquer
coisa além do altruísmo.
Luke Bennet havia chego em casa para destruir tudo o que ele
tocara, como ele sempre fazia. E a parte mais triste? Ele não tinha
ideia. Nenhuma.
Ele era selvagem, uma coisa desenfreada, sem regras ou
restrições. Ele ia para onde queria, fazia o que escolhia. Nunca, nem
em um milhão de anos, ele seria chamado de responsável ou
confiável. E ele não mudou nada em cinco anos, a não ser pelas leves
rugas nos cantos dos olhos.
Deveria ter usado protetor solar. Idiota irresponsável.
Meus dentes rangeram com um chiado, e meus
olhos seguiram minhas mãos enquanto eu cortava, e
cortava, caules cortados, imaginando que eram o
pescoço de Luke.
Percebi que eu soava insuportável, como ele havia dito. Mas
dez anos sendo ignorada por Luke Bennet fariam isso com uma
garota.
Talvez ignorada fosse a palavra errada. Esquecida. Rejeitada.
Desconsiderada.
Porque Luke não ignorava ninguém. Na verdade, ele tinha a
habilidade de fazer com que todas as pessoas que conhecesse se
sentissem especiais e importantes para ele. Como tal, todas as garotas
em um raio de trinta quarteirões – incluindo o seu – tiveram, em
algum momento, uma queda enorme pelo belo cavalheiro encantador.
Independentemente do fato de que ele sistematicamente terminava
com todas as mulheres que conhecia e explorava cada pequena
paixonite ao máximo.
A pior parte? Ele não fazia isso com uma única intenção
maliciosa. Ele apenas dava, pegava e seguia em frente.
Eu quase não podia ficar brava com ele.
Quase.
Exceto que eu não poderia perdoá-lo pela noite que ele esquecera.
Ele não se lembrava daquele beijo, tocado com uísque e fogo. Ele me
marcou como ferro em brasa, mas significou tão pouco para ele, que
ele não parecia ter um lampejo de memória do momento. E no dia
seguinte, quando o vi no trabalho, me tratou como se nunca tivesse
acontecido.
Pior – ele passou por mim a caminho de ficar com a
minha melhor amiga, Ivy.
— Lucas Bennet! —Sra. Bennet disse da mesma
maneira que uma mãe repreende seu filho. — Deixe-me dar
uma boa olhada em você.
Ele a colocou no chão, de pé orgulhosamente, e sorrindo
suavemente. Se ele não fosse uma fera, ele pareceria um menino.
Sra. Bennet ergueu as mãos para o rosto dele, os dedos retorcidos
roçando as bochechas. Meu coração deu um pulo ao olhar.
A artrite reumatoide torceu suas mãos, limitou a sua mobilidade, e
cessou a sua paixão. Eu tenho sido as mãos dela por anos, minha
mentora, minha segunda mãe. Ela me ensinou tudo o que sabia,
inspirou a minha própria paixão. Eu encontrei o meu chamado, graças
a ela.
Eu encontrei um lugar para pertencer, graças a ela.
E agora, Luke havia retornado com sua estúpida, bunda perfeita e
seu corpo de pizza. Você sabe o tipo – ombros largos, cintura estreita
que apontava para alguns pepperonis picantes que você adoraria ter
dentro ou em torno de sua boca. Mesmo através de sua camiseta, eu
conseguia distinguir a paisagem das costas dele – colinas e vales,
cumes e protuberâncias, como um aluvião atraído pela água correndo
pela areia.
Minha vida como eu conhecia havia sido lançada oficialmente em
um moedor de carne, e a mão de Luke Bennet repousava firmemente
na manivela.
Corte, corte, corte, eu cortei, tão brava que eu via tudo atrás de
uma cortina de fúcsia. Eu mal notei que Brutus, o gato da loja e o
principal caçador de ratos, sentou-se na mesa ao meu lado, me
observando com curiosidade desapegada, olhos dourados
sabidos e pelo escuro brilhando.
Eu sabia que Luke estava voltando para casa – o
resto dos Bennets tinham acabado de chegar, e como
sempre, ele estava atrasado. Realmente, eu deveria ter assumido
que ele estaria trabalhando aqui. O que mais ele faria? O objetivo
principal do retorno deles era para ajudar na loja, e todos tinham um
trabalho a fazer. Até o Luke. Embora a extensão de seu conjunto de
habilidades consistisse em fazer de tudo uma piada, seduzir mulheres
inocentes e ser um incômodo. Trabalhar no balcão parecia ser a única
coisa que ele poderia fazer.
Foi aqui onde nos conhecemos, aqui onde ele trabalhou todos os
verões até se formar no ensino médio. E então ele caiu fora, nunca
indo para a faculdade, nunca planejando nada. Ao em vez disso, ele
andava pela cidade sem se importar com o mundo, trabalhando em
cem empregos em poucos anos. Então, ele conheceu Wendy, e lá
foram eles para a Califórnia por meio de um tribunal de Las Vegas.
Dois meses – essa foi a duração do casamento deles.
Sério, ela poderia ser uma serial killer por tudo o que ele sabia.
Ninguém jamais pensou que o Luke iria se casar, mas se eu
tivesse que combiná-lo com alguém, teria sido Wendy. Eles eram
igualmente vaidosos, insípidos e vazios, tornando-os perfeitos um para
o outro.
Ninguém ficou chocado quando ele a pegou montando um
produtor de Hollywood como um pônei.
Ouvi dizer que ela riu. Ouvi dizer que ela zombou dele. Ouvi
dizer que ela o deixou porque soube que a floricultura estava
falindo, esgotando assim a confiança e a renda de Luke por meio
de sua parte na loja.
Eu tinha ouvido muitas coisas, mas quem sabia
quantas delas eram verdadeiras? Porque todo mundo
amava Luke, e no que dizia respeito a ele, ele não podia
fazer nada de errado. Do jeito que a Sra.
Bennet falava de Wendy, ela era uma coisa má sem qualquer
outro desejo senão arruinar a vida e a felicidade de Luke. O irmão de
Luke, Kash, tinha coisas mais suaves a dizer, mas eles ainda a
pintavam como uma usuária e abusadora do doce e inocente Luke.
Alguns dias, parecia que eu era a única que pensava que ele era
um piolho. Eu poderia encher um caderno com infrações para provar o
meu caso, se eu estivesse tão inclinada. Pode ou não ter um caderno
assim em algum lugar nos recantos do meu quarto, mas eu nunca
admitiria, mesmo com uma arma na minha têmpora.
Eu estava tremendo, percebi, meus dedos dormentes na água fria,
minha camisa molhada congelando, meu cabelo pingando em riachos
gelados pelas minhas costas.
— Oh, ter todos os meus bebês sob o mesmo teto, — murmurou a
Sra. Bennet, com os olhos enevoados.
— Exceto Marcus, — Luke emendou. — Ele não se dignaria a
viver em casa, Sr. Independentemente Rico.
Sra. Bennet falou. — Ele mora duas portas abaixo.
Negue o quanto ele quiser, mas ele gosta de estar em casa tanto
quanto qualquer um de vocês. — Ela se virou para mim, radiante. —
Dá para acreditar, Tess? Você consegue acreditar que ele está em casa
para sempre?
— Não, eu realmente não consigo, — eu disse, cortando outro
caule com mais força do que o necessário.
O sorriso dela caiu quando ela me avaliou. — Por que
diabos você está toda molhada?
— História engraçada, essa. — Enchi meus
pulmões para dizer a ela que seu filho tinha me agarrado no
refrigerador, decidindo deixar de fora o modo como as mãos muito
grandes e muito fortes dele se sentiam presas na minha cintura ou a
sensação deliciosa de seus quadris aninhados na minha bunda. Minha
declaração oficial foi: agarrada e com uma possível concussão com
uma vergonha de leve a moderada para exagerar na história.
Mas ele me cortou. — Foi minha culpa. Assustei Tess e ela bateu
a cabeça. Eu teria chegado mais cedo, mas estava a ajudando a limpar.
Seu rosto se suavizou, abrindo-se como se ela estivesse olhando
para uma caixa de gatinhos, em vez de seu filho mentiroso.
— Esse é o meu Lucas, sempre disposto a ajudar.
Revirei os olhos quando ela não estava olhando. Luke pegou o
movimento e sorriu.
Bastardo estúpido.
Deixei minha tesoura na mesa com um barulho e limpei as mãos
em uma toalha ao lado da tigela. — Com licença. Eu só vou me
limpar.
— Ok, querida, — disse a Sra. Bennet com um sorriso. — Vamos
lá, Lucas. — Ela enfiou o braço no dele e o rebocou em direção à
porta. — Venha se estabelecer.
— Oh, eu vou, — disse ele à mãe, embora estivesse olhando para
mim com aquele sorriso ultrajante de inclinar os lábios. — Estou aqui
por um longo prazo. Então não se preocupe. Eu não estou indo a
lugar nenhum.
03
A Ninhada
Luke
Mamãe não parou de falar, mas eu não ouvi uma palavra do que
ela disse.
Eu cantarolei como um motor, a minha pele faiscava com
eletricidade e todos os pensamentos em minha cabeça eram sobre a
Tess Monroe.
Lembrei-me dela como uma adolescente de dezesseis anos com
olhos grandes demais para o rosto e cabelos como um centavo
brilhante. Nós nos conhecemos aqui na loja, embora morássemos a
uma quadra um do outro, os Bennets iam para a escola particular e Ivy
e Tess iam para a escola pública local. Em outro tempo nós fomos
amigos – verões passados trabalhando juntos na loja, pizza e
videogames na casa dela, esgueirando-se para dentro da estufa
depois de horas com bebidas que minha irmã havia comprado
para nós. As ocasionais provocações com a Ivy, Tess nos
nossos calcanhares, sibilando avisos de que teríamos
problemas.
E mesmo que eu fosse um flertador sem vergonha,
nunca fui a lugar nenhum com Tess. Mas em algum
momento ao longo do caminho, algo mudou. Eu sempre atribui
isso à perda de sua mãe, já que os eventos aconteceram a poucas
semanas um do outro. Depois disso, Tess se trancou como Fort Knox 1,
complete com um guarda blindado e armas automáticas.
O que não me impedia de tentar, embora meus esforços
parecessem irritá-la ainda mais.
Na maioria das vezes, exercitei meus impulsos na Ivy, que por sua
vez exerceu os dela em mim. Nós nunca fomos uma coisa, na verdade
não. Amigos, claro. Com pegações? Absolutamente. Mas nunca algo a
mais. Eu não a via há cinco anos.
Tess também, e nossa, que surpresa agradável isso acabou se
tornando.
Eu sempre fui avesso à palavra não – respeitosamente, é claro.
Com Tess, era mais como uma coceira que eu não conseguia
parar de coçar. Eu queria que ela gostasse de mim. Eu queria que ela
me quisesse. Eu podia contar as pessoas que não gostavam de mim em
duas mãos, e Tess ocupava a mão direita, o dedo indicador.
E isso foi algo que eu decidi corrigir.
Como o mais novo de cinco, eu aprendi desde cedo como
conseguir o que eu queria, uma habilidade que se provou ser útil na
vida e na luxúria. Não tanto no amor. Nesse departamento, eu falhei
miseravelmente.

1 Fort Knox: Uma pequena cidade americana e base do Exército dos


Estados Unidos, o local é extremamente protegido.
Infelizmente, eu parecia ser o único que estava
surpreso.
Abri a porta, o sino tocou para marcar nossa saída da loja, e
pela calçada fomos, até a grande varanda ao lado da loja que marcava
a casa da família Bennet.
A Floricultura Longbourne tem sido uma parte importante de
Greenwich Village desde o século XIX, quando meus diligentes
ancestrais britânicos compraram um punhado de edifícios e os
transformaram em casas e empresas. As estufas foram construídas nos
telhados e cobriam os quintais de todas as cinco propriedades – a loja,
nossa casa, e três prédios arrendados que foram vendidos nos anos 90
para financiar a expansão da Longbourne. Era nossa reivindicação à
fama, nosso chamado. Éramos a maior estufa de Manhattan, e
fornecíamos nossas próprias flores ao em vez de o mercado de
Chelsea ou Long Island nos tornarem famosos. Uma vez, ao menos.
Casa era uma palavra modesta para o edifício que ocupávamos.
Quase cinco mil metros quadrados de arenito vitoriano se
mantiveram orgulhosamente em Bleeker, nossa casa se transmitiu por
cinco gerações e foi protegida por leis e códigos generosos de Nova
York.
Seis quartos, duas salas de estar, aposentos dos empregados, uma
biblioteca. E quando passávamos pela grande porta, a casa parecia
intocada pelo tempo, assim como a floricultura. Embora, em vez de
patins, skates e mochilas, como quando éramos crianças, a entrada
estava cheia com uma pilha de sapatos, sacolas e bolsas de ginástica,
casacos e lenços no calor de matar de julho.
Risos e conversas flutuavam pelas paredes e portas, o caos
da casa tão familiar quanto os braços de mamãe em volta
de mim e o cheiro da floricultura.
Eu sempre odiei o silêncio. Wendy odiava o fato de
que eu não conseguia ficar em silêncio. Sempre havia
música, não importava a hora do dia ou o que eu estava fazendo.
Mesmo quando eu dormia, dormia com ruído branco. Isso
costumava deixá-la louca.
Por outro lado, tudo deixava Wendy louca.
Só que a casa dos Bennet nunca ficava quieta, ou limpa, mesmo
com uma equipe de três mulheres que vinham semanalmente para
tentar lidar com a bagunça. Na realidade, consistia nelas movendo
pilhas de coisas de um lugar para outro, em um esforço para limpar ao
redor.
Mamãe e eu fomos para a sala de jantar, que estava cheia de
Bennets de cabelos negros.
Nossa mãe tinha um estranho – e para alguns dos filhos Bennet,
inconveniente – gosto por nomes romanos. O mais velho era Julius,
que era chamado estritamente de Jett. Chamá-lo de Julius resultaria
em uma de várias reações – um olho roxo, um nariz estourado ou um
lábio gordo. Uma vez, ganhei os três junto com um cuecão atômico.
Sua irmã gêmea era mais nova por três minutos. Elaine – Laney, que
era o nome da nossa avó – era tão irreverente quanto cabeça dura e
opinativa, um gene Bennet que riscava forte e alto. E então havia
Marcus, que descansava em uma ponta da mesa em seu terno com um
jornal na mão como uma relíquia do passado – ninguém mais além de
papai lia jornais. Mas lá estava ele sentado com o nariz no vinco,
como o idiota que sempre foi. Ao seu lado estava Kassius, meu gêmeo
pelos padrões irlandeses. Kash e eu nascemos com onze meses de
diferença e dividiamos um quarto até eu partir para Los Angeles.
Por todas as contas, ele era meu melhor amigo no
planeta.
Na outra ponta da mesa, sentava-se o nosso pai, e
embora sua expressão estivesse fechada, seus olhos
cintilavam com um azul brilhante – outra marca registrada dos
Bennet. Como era típico, sua camisa estava manchada com sujeira
da estufa, a parte abaixo de suas unhas sempre cheias de terra, não
importa o quão bem ele as lavasse. Seu cabelo era da cor de neve
recém-caída, e seus lábios se curvavam nos cantos como se
guardassem algum segredo que nunca deixaria escapar.
Seus rostos se voltaram para nós, juntamente com uma explosão
de barulho obsceno, e antes que eu pudesse dizer olá, eles estavam
fora de seus lugares e me enxameando.
Jett me prendeu pelo pescoço e me puxou, torcendo-me em um
aperto estranho. — Ei, irmãozinho. Teve o suficiente de tofu e
biquínis?
— Nunca, — eu disse, me soltando do seu aperto.
Laney se atirou em mim, envolvendo os seus braços finos em
volta do meu peito. — Eu amo que ele te chama de irmãozinho
quando na verdade você é mais alto que todos eles.
Eu a envolvi em um abraço, rindo. — Ele é apenas invejoso. É
difícil ser tão bonito.
Marcus usava um sorriso de lado tão facilmente quanto seu terno
italiano, oferecendo-me uma mão para apertar. Deus proíba que sua
camisa fique enrugada. — É bom ver você, garoto.
Revirei os olhos, mantendo Laney em minhas mãos com um
braço quando peguei a sua mão. — Você é dois anos mais velho
que eu.
— São anos de cachorro na maturidade.
Antes que ele pudesse argumentar, Kash entrou na
mistura como um filhote de cachorro, fazendo um
sanduíche de Laney, que gritou entre nós como um leitão risonho.
Kash riu no meu ouvido, batendo nas minhas costas.
— Senti sua falta, cara.
— Você sentiu minha falta sendo o seu braço direito, — eu
corrigi.
— Por favor, se alguém era o braço direito, era eu, — ele disse
com um sorriso, me empurrando com o ombro quando ele me soltou.
Papai assentiu, seu sorriso de lado firmemente no lugar e as suas
mãos nos bolsos da calça arranhada.
— Olha, Sr. Bennet, — mamãe disse orgulhosamente. — Ele está
aqui! A Califórnia é longe demais. Eu sempre disse que era, não
disse?
— Que bom que você está em casa, filho. Espero que a falta de
milhas entre você e sua mãe o sirva tão bem quanto a ela.
— Oh, você, — ela bufou de brincadeira, golpeando seu peito.
— Vai servir muito bem para ele. Servirá a todos eles, não é?
Nós oferecemos nossa concordância para acalmá-la, como sempre
fazemos. A verdade era que quatro dos cinco filhos Bennet crescidos
que se mudaram de volta para casa havia sido por necessidade e não
por desejo. Embora não seja da nossa própria necessidade – mas a de
nossa mãe.
Era o único jeito de salvarmos a floricultura, e seria preciso
todos nós para fazê-lo.
— Venha se sentar, Lukie, — disse Laney, me
puxando em direção à mesa. — Como foi seu voo?
— Longo, mas a comissária de bordo tinha uma
queda por mim.
Marcus revirou os olhos enquanto se sentava. — Você acha
que todo mundo tem uma queda por você.
— Bem, com uma estrutura óssea como esta, quem não teria?
— Eu perguntei com um encolher de ombros. — Além disso,
nunca rejeito bebidas gratuitas.
— Você é um louco por garotas, Lucas Bennet, — mamãe disse
com um sorriso estampado.
— Eu não posso evitar. Eu herdei todo o seu charme e boa
aparência. Eu estou condenado desde o início. — Eu apontei meu
queixo para Laney, que estava sentada ao meu lado. — Quando você
chegou?
— Ontem. Deus, senti falta de Nova York.
— O que, Dallas não estava mais fazendo efeito para você?
— Oh, estava fazendo algum efeito. Mais merda do que qualquer
coisa, a julgar pela porcentagem de botas de cowboy usadas naquela
cidade. — Ela riu de sua própria piada junto com o coro de nossa
risada. — Honestamente, eu estava procurando um motivo para sair de
lá. Eu senti falta da cidade.
— Você diz como se não houvesse alguns milhões de pessoas lá,
— argumentou Marcus.
— Mas não é Nova York, — disse ela, como se isso explicasse
tudo. — Não foi difícil me afastar do meu trabalho corporativo,
nem um pouco.
— O que, você não ficava excitada fazendo mídias
sociais para uma empresa de computadores? — Kash
perguntou com uma sobrancelha erguida.
— Não, — disse Laney. — Agora, se fosse a Apple, você teria
que me arrastar de volta chutando e gritando.
Mamãe riu um pouco alto demais. — Nem todos vocês tinham
que ter voltado para casa. Realmente, estávamos indo bem, não
estávamos, querido?
Papai pigarreou. — Indo bem, sendo um termo relativo? Claro.
— Veem? — Mamãe disse, apontando para o pai em
confirmação.
O rosto de Marcus caiu.
Mas quando ele abriu a boca para falar, mamãe o interrompeu.
— Agora, agradecemos a vocês crianças por terem voltado para
casa para ajudar, mas não ousem se sentirem obrigados. Seu pai e eu
ficaremos bem. Não se preocupem conosco.
Jett lançou um olhar ao redor da mesa para nós antes de cobrir a
mão de mamãe com a dele. — Estamos felizes em ajudar, mãe. De
qualquer forma, não é como se tivéssemos mais alguma coisa
acontecendo, não é?
Ecoamos nossas afirmativas em solidariedade, que eram, é claro,
mentiras.
Laney tinha um ótimo emprego com uma empresa estável, e
em crescimento. Jett administrava uma livraria no Upper West,
mas tirara uma licença para voltar para casa. Eu estava morando
do outro lado do país, não que eu tivesse raízes reais lá ou
perspectivas a longo prazo para falar sobre. Não que eu
trabalhasse com longos prazos também. Mas, se eu
fizesse, ainda assim teria abandonado tudo para voltar
para casa.
Kash nunca tinha saído. Em vez disso, ele foi para as estufas
ajudar o papai, que não estava ficando mais novo. Se alguém iria
assumir a loja que estava em nossa família há gerações, seria Kash.
E Marcus... bem, depois de fazer uma fortuna relativa em fundos
de cobertura, ele mudou para a negociação. E então para comprar a
loja – e sua dívida substancial – com a única intenção de ajustar o
negócio.
A verdade honesta? Mamãe estava perfeitamente satisfeita
fazendo coisas bonitas e ignorando as feias, e papai estava mais feliz
na terra do que na papelada. Quando os negócios estavam em
expansão, Longbourn tinha cuidado se si mesma. Mas quando os
tempos ficaram difíceis, ninguém possuía a perspicácia para consertar
os buracos no barco. E ele quase afundou.
Eu só esperava que pudéssemos colocá-lo de volta na água.
Com o nosso bando de cabeças duras, eu não tinha dúvida de que
o moveríamos novamente, alimentados por nada mais do que remos e
pura vontade.
— Você começa na loja amanhã? — Kash perguntou, chutando
minha bota debaixo da mesa.
— Não sei. Mãe?
— Se você estiver pronto. Não que estejamos com muitos
trabalhos hoje em dia, mas sempre fazemos mais no verão,
especialmente quando você está no balcão, — ela disse, dando um
tapinha no meu ombro.
Laney riu em silêncio.
— Sim, — disse Kash. — Eu estaria disposto a
apostar que a Judy Papa Anjo vai pedir alguns buquês
quando ela souber que você está atrás do balcão.
O sorriso da mamãe caiu. — Judy sempre foi uma das nossas
melhores clientes. Eu me pergunto se ela está encomendando os seus
arranjos no Bower Buquês.
Um coro coletivo de ruídos irônicos encheu a sala. Bower era o
nome no alvo de dardos da empresa. Eles entraram com uma investida
corporativa que acabou com quase todas as outras lojas de Manhattan.
As nossas só sobreviveram por tanto tempo porque Longbourne
fornecia flores por atacado para lojas vizinhas e existia como um
monumento, um pilar do bairro e a única estufa desse tamanho em
Manhattan. As pequenas butiques da moda e as grandes cadeias
expulsaram todo mundo, e até as butiques tiveram que lutar pelos
restos, com o aluguel do Greenwich Village e a conveniência de
encomendar flores pelo 1-800-Roses4U2.
— Você sabe, — ela começou, — no clube do jardim na semana
passada, Evangeline Bower estava se achando com as novas lojas que
eles acabaram de abrir. Ela olhou para mim por baixo de seu nariz
comprido durante todo o seu discurso humilde. Ela acha que eu sou
grosseira? Bem, acho que ela é uma esnobe, está claro e simples.
— Talvez o coque francês dela esteja muito apertado, — brincou
Laney.
— Judy não vai para a Bower, — acalmou Jett. — Ela
simplesmente ama o Luke.

21-800-Roses4U: o final do telefone é uma referencia a Rose for you. O


que significa “Rosas para você” em Inglês. É só digitar as teclas
correspondentes a esses caracteres no teclado telefônico.
Laney riu. — Podemos colocar o rosto bonito dele
na frente da loja e assistir as mulheres entrarem.
Mamãe amoleceu, rindo quando eu emoldurei meu rosto e bati
meus cílios para ela.
— Talvez devêssemos colocá-lo em um cartaz-sanduíche na
frente da loja. — brincou Laney.
— Podemos escrever Plante uma em mim na frente. — Jett sorriu.
— Só se ele estiver nu. — acrescentou Kash.
— Com um sino. — insistiu Marcus.
— Quero dizer, eu não diria não. — eu disse com um encolher de
ombros.
— Você sempre foi o único que eu não conseguia fazer usar
calças quando era pequeno. — disse mamãe. — E já no quinto bebê
em seis anos, achei difícil de me preocupar em cuidar disso.
— Cultivamos muitas coisas. — disse papai. — Rosas, papoulas e
uma propensão para o exibicionismo.
Mamãe riu de novo, sorrindo para nós enquanto nós
disparávamos. — Todos os Bennets sob o mesmo teto. É apenas um
sonho tê-los em casa novamente.
— Nem todos. — Marcus corrigiu.
Mamãe mandou um olhar para ele. — Marcus Bennet, você está
aqui todas as noites para jantar e lava a roupa no meu hall de entrada.
Não finja que não gosta daqui, ou eu te chamarei de mentiroso.
Ele olhou para o teto e sacudiu o jornal, mas um fantasma
de sorriso passou por seus lábios.
Ao examinar os rostos da minha família, tive que
admitir, encontrei meu próprio senso de paz, juntamente
com uma mudança que ainda não havia ocorrido. Fazia anos desde
que todos nós tínhamos conseguido vir para casa em um feriado,
mais anos ainda desde que estávamos permanente aqui. E agora
estávamos em casa, unidos com um único objetivo – salvar
Longbourne.
Tenho a sensação de que será preciso tudo de nós para fazê-lo.
Mas se eu tinha fé em uma coisa no mundo, era a capacidade dos
Bennets de enfrentar todos os obstáculos em nosso caminho, como os
cães selvagens e determinados que éramos.
E não desistiríamos da luta até vencermos.
04
Deixe-a Ser
Selvagem
Tess
— Pai, estou em casa!
A porta se fechou com um clique, e acendi a luz no apartamento
onde cresci.
Havia o mesmo sofá velho, a mesma mesa antiquada. O mesmo
velho papel de parede que mamãe amava tanto, e as mesmas cortinas
desbotadas que combinavam com o papel de parede com tanta
precisão que você mal podia dizer onde um terminava e o outro
começava. Era uma cápsula do tempo, inalterada por medo de
perdermos outro pedaço dela para a memória.
Deixei minha bolsa cair na porta e atravessei a sala,
colocando minhas flores na mesa da cozinha quando
passei. — Papai? Você está aqui?
— Aqui atrás, querida, — disse ele, sua voz
entorpecida por paredes e um corredor.
Caminhei pelo corredor até o escritório dele, onde o encontrei
sentado à mesa, sob a luz dura de um abajur, pintando um pequeno
soldado sob uma lupa.
Ele sorriu para mim, seus olhos quentes por cima dos óculos de
leitura. — Ei, pomba. Como foi o trabalho?
Suspirei, andando até ele para pressionar um beijo em sua testa.
— Terrível, — eu disse alegremente. — Luke Bennet apareceu na
floricultura e fez uma bagunça.
— Nada de novo por lá. — Ele franziu a testa, o efeito enrugando
sua testa e refletindo seus dias como sargento. Seu rosto de sargento
era do tipo que assustava os meninos e fazia os homens se prepararem
para um longo e doloroso conjunto de flexões.
Caí em uma poltrona com outro suspiro. — Ele está trabalhando
no balcão e com as entregas. Voltou da Califórnia para ajudar a salvar
a loja. Muito bem ele fará. Ele é um acidente de trem. Eu não diria que
está além dele acidentalmente incendiar o lugar.
Com isso, papai sorriu. — Bem, eu sabia que o garoto era bonito,
mas não achei que ele fosse tão bonito a ponto de entrar em
combustão.
— Ah, não – seria por colocar orquídeas-morcegos em um balde
ou misturar algo perigoso com o fertilizante.
Ele fez um som sem se comprometer e virou-se para passar
tinta no soldado em sua mão. — Basta manter a cabeça baixa e
ignorá-lo.
— Essa é minha especialidade, mas estou um pouco
sem prática depois de cinco anos, — bufei como uma
pirralha, e irritada comigo mesma, mudei de assunto. —
Você jantou?
— Não, ainda não. Eu tenho beliscado. — Ele acenou com a
cabeça para um saco de granola no canto da mesa. — Eu não percebi o
quanto tarde está. Nada me faz perder tempo como montar um
exército.
Eu ri, levantando-me da cadeira. — Venha. Vamos alimentá-lo.
— Sim, senhora, — disse ele, recostando-se na cadeira de rodas
enquanto eu segurava os cabos.
Ele odiava quando eu empurrava sua cadeira de rodas, mas
aceitava meu carinho como a afeição que era.
Ele perdeu as pernas no Afeganistão, na sua terceira jornada, por
causa de um dispositivo explosivo improvisado. E ele foi o sortudo, o
único em sua unidade a sobreviver. Nós nos mudamos para Nova
York logo depois disso, para um apartamento deixado para minha mãe
pela mãe dela. Quatro anos depois, mamãe se foi. Somos só eu e papai
desde então.
Quando encontraram o câncer dela, ele já tinha se espalhado para
seus linfonodos e bexiga. A quimioterapia retardou a velocidade, mas
não conseguiu parar. Um ano após o diagnóstico, ela se foi.
Antes de morrer, ela me fez fazer testes genéticos – eu sempre
presumi que fosse para acalmar sua mente, e tornar mais fácil me
deixar ir. Os resultados foram bons, embora ela ainda tenha me
colocado no controle de natalidade e me ajudado a organizar um plano
para meus médicos, incluindo exames regulares a serem feitos,
independentemente da minha idade.
Eu não tinha sido a única planejadora na família.
Muito do último ano de sua vida, ela passou me
ensinando a como ser uma adulta, me preparando para o que
viria a seguir da melhor maneira possível. Falhar em se preparar é
se preparar para falhar, ela citaria Benjamin Franklin com um
sorriso. Compras de supermercado. Gerenciar contas. Fazer
orçamentos. Ela me mostrou a melhor maneira de limpar em torno de
uma torneira e como tirar todas as manchas imagináveis da roupa suja.
Eu aprendi a como ajudar o papai quando ele precisasse – embora não
através da prática. Ele estava tão inclinado à ideia de que não
precisava de ajuda, que inspirava um nível de independência nem
sempre visto em pessoas que haviam perdido tanto a liberdade. Nunca
o ouvi reclamar. Ele nunca me pediu ajuda.
Eu estava sempre lá para oferecê-la de qualquer maneira. E de vez
em quando ele até me deixava.
Como quando se tratava de cozinhar. Seu repertório de receitas
era limitado a cereais, cachorros-quentes e chili, mas mamãe me
deixou receitas e mais receitas, todas escritas pelas suas mãos e
guardadas em uma caixa que meu pai fez quando eu era bebê.
Eu o empurrei até seu lugar na mesa, o espaço com uma cadeira
faltando, e dei um beijo no topo de sua cabeça.
— O que você prefere esta noite? O famoso Strogonoff de carne
da Betsy ou Almôndegas à la Betsy?
— Strogonoff. Estou morrendo de vontade de comer desse molho
pelo que parecem anos.
Eu ri, indo até a caixa de receitas. Meus dedos permaneceram
enquanto eu folheava os cartões, os cantos enrolados e macios,
alguns salpicados de graxa ou molho. Encontrei a que
procurava e coloquei no balcão, mesmo sabendo todas as
palavras de cor.
— O que você trouxe para casa hoje? — ele
perguntou ao som do papel amassando enquanto pegava
minhas flores.
— Sino-irlandês, dedo-de-dama, papoula da Islândia. Ervilha
doce nimbus. Ranúnculos.
— Esses são os laranjas grandes?
— Uhum, — eu murmurei com um sorriso enquanto movia os
suprimentos da geladeira para o balcão.
— Estes devem fotografar bem.
— Espero que sim. A combinação de cores vai me trazer um
monte de curtidas no Instagram. Estou tão feliz que a Sra. Bennet me
permita trazer para casa as flores que floresceram demais para vender.
— Eu também, — ele admitiu. — Não há nada tão inspirador
quanto ter belezas tão frescas entregues diariamente. Faz a casa
parecer viva.
Eu sorri para ele por cima do ombro. — Parece que uma mulher
louca por plantas mora aqui.
— Bem, uma mora. — Ele sorriu para mim antes de enfiar o nariz
nas flores.
Não era mentira. Nossa casa estava cheia de plantas, cada canto
repleto por folhas largas. Vasos de heras pendurados acima, as
videiras conduzidas através do teto por ganchos. Elas eram da mamãe,
e eu as mantive vivas esse tempo todo. Eu tinha um pesadelo
recorrente: no qual chego em casa um dia e elas estão todas
mortas, secas, marrons e muchas.
— É genética, eu suponho. Você pode imaginar o que
sua mãe pensaria se pudesse ver Matilda agora?
Olhei para a maior das plantas de hera, que caía
para fora do vaso como uma cachoeira. Alguns anos atrás,
ela ficou tão pesada que tive que prender o gancho em uma viga
para mantê-la pendurada.
— Ela provavelmente me provocaria por morar em uma selva
virtual e me diria para pegar as minhas tesouras de poda.
Ele riu. — Você nunca faria isso.
— Nem em um milhão de anos eu apararia aquela fera
novamente. Deixe ela ser selvagem.
— É um bom conselho, Tess. Você poderia ser um pouco mais
selvagem na sua vida.
— Ei, eu posso ser selvagem, — eu disse, jogando o bife na
panela com um chiado.
Ele fez um barulho provocador.
— O que? — Eu perguntei quando peguei a panela grande e a
enchi de água para macarrão.
— Você é tão selvagem quanto um peixe dourado.
— Pois te digo que o peixe dourado selvagem pode dominar um
rio dentro de um ano. Eles são uma força a ser reconhecida.
— Só estou dizendo que não mataria você sair de vez em quando.
— Eu saio, — insisti. — Semana passada, Ivy e eu fomos jantar.
— Você estava em casa às nove e meia.
Encolhi os ombros. — Estou apenas dizendo. Eu faço coisas.
— As mesmas coisas.
— Gosto quando as coisas são iguais. Previsíveis.
Isso é tão errado?
— Não, suponho que não. Todos ansiamos pelo previsível. É
um pouco fácil, só isso. Uma pequena aventura não a mataria, você
sabe.
— Algumas aventuras podem. Como paraquedismo. Ou mergulho
com tubarões.
— Um encontro não.
Suspirei, sorrindo enquanto me virava para a mesa enquanto o
jantar fervia. — Talvez eu seja mais feliz quando você é o único
homem na minha vida.
Ele me assistiu pegar as flores e ir para a ilha. — Tess, se o único
homem em sua vida é um homem velho sem pernas, talvez seja
necessário você reavaliar suas prioridades.
Ele estava me provocando. Não achei que fosse particularmente
engraçado, mas ri de qualquer maneira, espalhando minhas coisas pela
ilha e alcançando o armário para pegar o vaso que eu queria.
— E onde eu conheceria alguém? — Eu perguntei, convencida de
que não havia resposta.
— Um desses aplicativos. Bundle3 ou Timber4?
— Bumble e Tinder, — eu corrigi com uma risada. — Eu não sei.
Parece tão... aleatório. E desnecessariamente arriscado. Prefiro
conhecer alguém na vida real e forjar uma conexão do que escolher
alguém de um estábulo como um cavalo.
— Isso exigiria que você realmente saísse de casa.

3 Bundle: significa pacote.


4 Timber: é madeira.
Eu fiz uma careta para minhas mãos enquanto
aparava os caules. — Você está soando muito julgador esta
noite, pai.
Um suspiro pesado e cheio. — Às vezes, eu me preocupo em
estar te segurando, — ele admitiu abertamente, como é de seu feito.
Como é do meu.
Mas balancei a cabeça, olhos nas flores, coração na garganta.
— Não está me segurando, papai. Você está me estabilizando.
Uma pausa, longa e cheia de significado. — Venha aqui, — disse
ele gentilmente.
Por um momento, não me mexi. Mas não havia como negá-lo,
nem uma única coisa que ele desejasse. Quando eu encontrei seus
olhos, eles estavam tristes e profundos. Eu não sabia quando ele tinha
envelhecido tanto. Na minha mente, ele ainda era jovem e sorridente,
seu rosto suave e cabelos grossos e desgrenhados. Mas em momentos
como esse, sua vida estava gravada nas linhas de seu rosto como uma
história sobre pedra.
Ele pegou minha mão. — Eu te amo, Tess. E quero que você me
faça uma promessa.
— Qualquer coisa, papai, — eu disse suavemente.
— Seja selvagem. Porque a vida é vivida nos momentos que você
não vê chegando. Não no conforto da previsibilidade, mas na emoção
do desconhecido.
Meu coração se dobrou com o pensamento. — Mas eu... eu
não sei se eu sei como.
Mas ele sorriu. — Então é isso que você deve
descobrir. Faça uma coisa esta semana que assusta você.
Apenas uma. E se você não consegue pensar em nada, pergunte a
Ivy. Tenho certeza de que ela tem uma lista em execução.
Com isso, eu ri, o som preso na minha garganta, apertada de
emoção.
Eu não poderia negar isso a ele. Mas eu não sabia como atender
ao pedido.
O cheiro forte da carne um pouco cozida demais atingiu meu
nariz e o dele também.
— Melhor cuidar disso, — ele sugeriu, efetivamente me deixando
livre de ter que respondê-lo.
Corri para o fogão e peguei a panela, separando-a para esfriar um
pouco, enquanto recuperava o jantar e digeria o que ele havia dito.
Ele não estava errado, o que talvez tenha sido o que deixou o
gosto mais amargo depois que eu engoli suas palavras. Eu não tinha
saído em um encontro por um período indescritível de tempo, e desde
que Ivy ficou grávida e arranjou um namorado sério – noivo em breve,
se eu tivesse que apostar – nós mal saímos. Não que tivéssemos saído
muito antes. Eu era tão branda quanto meu pai tinha sugerido.
Não havia muito tempo para festejar quando você acordava às
quatro da manhã todo dia e ia para a floricultura às cinco, seis dias por
semana. Às nove, eu estava torrada, crocante e áspera e precisando
desesperadamente de um pouco de manteiga.
Eu queria mais da vida, queria. Um dia, eu esperava ter o
sonho – um marido apaixonado, dois filhos, uma casa no
Village, férias de verão. Eu queria que meus empréstimos
estudantis fossem pagos e que eu tivesse uma quantia
alta de dinheiro na poupança. Eu queria que meus
desejos se tornassem realidade, mas agora? Bem, agora
eu estava focada no que estava à minha frente – a
floricultura, meu pai e meu sonho de algum dia publicar meus
próprios livros sobre floricultura.
Eu tinha conseguido quase vinte mil seguidores no Instagram e
colecionado uma década de anotações, uma lista de títulos e temas
apenas esperando para serem explorados. E um dia, eu iria.
Mas primeiro o hoje. E o hoje iria para a previsibilidade.
O selvagem pode esperar.
05
Coisas Que Você
Pode Confiar
Luke
— Você está atrasado.
Tess fez uma careta para mim de trás do balcão, as palmas das
mãos apoiadas na superfície e o avental já manchado de sujeira.
— Bom dia para você também, — eu disse alegremente quando a
porta se fechou atrás de mim.
Ela revirou os olhos antes de virar para a prateleira atrás dela.
— Você já tem entregas, então não se incomode em ficar
confortável.
— São apenas oito da manhã.
— Não, oito era quando você deveria estar aqui.
São oito e meia, — disse ela, batendo um vaso no balcão.
— Três pedidos tão cedo? Quem disse que não estamos
ocupados?
— Não fique animado. Eles são todos para Judy.
Uma risada saiu de mim. — As notícias viajam rápido.
— Você é nojento, sabia disso? — Baque lá veio outro vaso. Ela
me encarou com um olhar antes de se virar para o último vaso.
— Tudo o que fiz foi voltar para a cidade.
— Você mandaria sua mãe para a sepultura cedo, se ela soubesse
que você está administrando seus clientes de gigolô através de sua
floricultura. — Baque.
— Por favor. Não sou gigolô há anos.
Seus olhos se estreitaram, e eu tive a impressão distinta de que ela
estava tentando me explodir com suas córneas.
— Estou brincando, Tess.
Outro revirar os olhos quando ela bateu no bilhete ao lado dos
vasos. — O caminhão está lá atrás. Por todos os meios, não se apresse
em voltar.
— Você me machucou, — eu disse, sorrindo para ela como um
demônio, alimentado por seu desprezo.
— O indestrutível Luke Bennet? — Ela bufou. — Você age
como se eu não te conhecesse.
Fui até o balcão, meu sorriso apertando. — Oh, eu não
acho que você me conhece tão bem quanto pensa.
Ela deu um passo para trás como se quisesse manter
a distância entre nós. — Ei, o que quer que ajude você a
dormir à noite.
Com isso, meu sorriso caiu completamente. — Você com certeza
está cheia de veneno para tão cedo da manhã.
— Alguns de nós estão aqui antes do sol. — Ela se virou para
trás. — Não é cedo.
— Ei, — gritei atrás dela, — desculpe-me novamente, Tess. Por
ontem. Eu não deveria ter te agarrado daquele jeito, mesmo que eu
pensasse que você era a Ivy ou não.
Ela encolheu um pouco o ombro com um movimento, o
movimento foi tudo menos blasé. — Não, você não deveria. Mas se
você sair com esses buquês nos próximos cinco minutos, vamos
acertar as contas.
A mentira rolou de sua língua, mas eu não a comprei mais do que
ela quis dizer. Então deixei para lá, reconhecendo uma parede de
tijolos quando via uma.
— Acha que você dá conta de administrar o balcão sem mim?
Ela olhou de volta para mim, o nariz pequeno para baixo e os
olhos estreitados. — Além de todas as probabilidades, de alguma
forma conseguimos sobreviver esse tempo todo sem você. Tenho
certeza que vamos sobreviver. — Ela se virou, afastando-se. — Diga a
Judy que dissemos oi, — disse ela antes de desaparecer na esquina.
— Oooook, — eu murmurei, pegando uma caixa para os
vasos.
Tess sempre foi espinhosa, mas esse era um novo nível
de desdém. Minha presença nunca pareceu ofender
alguém tão profundamente. O conhecimento disso me
irritou. Na verdade, foi a falta de conhecimento que me
atingiu . Eu não sabia o que tinha feito – ou não – e tinha a
sensação distinta de que perguntar a ela só terminaria comigo
sendo espancado e evitado.
Então eu teria que convencê-la de que ela estava errada sobre
mim. Eu era encantador pra caralho, então tudo que eu tinha que fazer
era descobrir como. Me pergunto se donuts ajudariam. Todo mundo
gosta de donuts. Eu sempre posso tentar beijá-la, mas tenho a
sensação de que eu acabaria com uma tesoura de poda entre as
costelas.
— Luke Bennet. Você não é um colírio para os olhos?
O som da voz de Ivy colocou um sorriso de volta no meu rosto.
Eu esperava encontrá-la rindo, como ela estava, e eu esperava que
ela se lançasse em meus braços, como ela fez. O que eu não esperava
quando olhei para baixo era encontrá-la visivelmente grávida.
Eu a peguei com facilidade, abraçando-a por um segundo antes de
colocá-la no chão para dar uma boa olhada nela. Os mesmos olhos
brilhantes que eu me lembrava, o mesmo cabelo ruivo. Embora
diferente do de Tess, que era um exuberante castanho-avermelhado, o
de Ivy era cobre, cacheado e tão selvagem quanto ela.
— Bem, você olharia para isso? — Eu disse, acenando com a
cabeça para a barriga dela.
Ela corou, rindo enquanto revirava os olhos. — Seis meses
depois, e ainda uma eternidade para vir. Todos nós sabíamos que eu
acabaria engravidando, não é?
— Quem é o sortudo?
— Dean Wilson. — Ela sorriu para mim,
descansando a mão na curva do estômago.
— O entregador?
— Ele dirige a empresa agora. Muito bem estabelecido, — ela
disse com uma piscadela. — Não acredito que você voltou! Deus,
é bom te ver.
— Pelo menos uma de vocês pensa assim, — eu disse, olhando na
direção que Tess tinha ido.
Mas Ivy acenou com a mão. — Oh, não se preocupe com ela.
Ela está mal-humorada esta manhã.
— Ela estava mal-humorada ontem também.
— Bem, você a agarrou no refrigerador.
— Para ser justo, eu pensei que ela fosse você.
Ivy riu. — Bem, infelizmente, estou fora do mercado e no
caminho da família. Tess, no entanto, não está.
— Certo. Ela parece super disponível, — eu brinquei
inexpressivamente.
Alguma travessura cintilou atrás de seus olhos. — Oh, não a deixe
enganar você.
Minhas sobrancelhas se juntaram em confusão, mas quando abri
minha boca para falar, ela me cortou.
— Então Judy já está atrás de você, hein? — ela perguntou,
acenando para os vasos.
— Ela é implacável.
— Bem, você dormiu com ela durante todo o verão após o
último ano.
— Ah, os bons velhos tempos. Estou lhe dizendo –
as senhoras mais velhas são sempre as mais loucas.
— Você é nojento, Luke, — disse ela rindo.
Encolhi os ombros. — Ei, o que for preciso para salvar a loja da
mamãe.
— Oh meu Deus. Você não vai realmente dormir com ela, vai?
Peguei minha caixa com um sorriso. — Depende do quimono que
ela estiver vestindo. Sempre tive uma queda por estampas de animais.
Uma risada obscena saiu dela, e ela bateu no meu braço. — É um
conforto ver que algumas coisas nunca mudam.
Eu pisquei para ela. — Eu procuro agradar. Parabéns pela
gravidez, Ivy.
— Obrigada. Te vejo daqui a pouco. Vou lhe mostrar o novo
registro quando você voltar, ok?
— Pode apostar.
Entrei na loja, passando pelas mesas em que Tess trabalhava com
o foco de um técnico de disposição de bombas. Ela me ignorou
completamente, embora eu a encarasse. Era impressionante, a
determinação que ela mantinha em fingir que eu não existia.
Donuts. Eu estava cem por cento trazendo donuts comigo.
Eu não entendia a animosidade, e francamente, isso me fazia se
sentir como um idiota. Pelo meu ponto de vista, eu nunca tinha sido
nada além de agradável para ela, se não um toque um tanto
paquerador, o que era algo que eu realmente não entendia. Quem
não gostava de ser paquerada? Quero dizer, sem violar a
linha de conforto. Talvez a linha de Tess estivesse muito
mais distante do que a maioria.
Pensei sobre ontem e o incidente no refrigerador,
repetindo o encontro e a conversa que se seguiu. O máximo
que pude imaginar foi tê-lo pega desprevenida – não apenas com o
agarramento, mas com as notícias de que estaríamos trabalhando
juntos, o que parecia ter jogado seu desprezo em um amplificador para
onze. Eu estaria surpreso que mamãe não disse a Tess que eu iria
trabalhar no balcão se ela não fosse tão desatenta. Mamãe poderia me
dizer o nome, o número de telefone e o pedigree de todas as mulheres
solteiras em um raio de dez quarteirões que dariam um bom material
para o casamento, mas não conseguiria se lembrar da data de nenhum
dia determinado.
Eu surpreendi Tess, e ela não era o tipo de garota que gostava de
surpresas. Fiz uma anotação mental para descobrir o porquê, para que
eu pudesse mudar sua opinião sobre isso também.
Não havia nada no mundo como uma aventura. Não havia nada
tão doce quanto a descoberta. O desconhecido, o novo, apenas amplia
nossas vidas, nos torna melhores. Nos ensina. Nos faz mais do que
éramos. Eu o procurava a todo momento, o ansiava a cada nascer do
sol. A Califórnia tinha sido um banquete, das pessoas aos empregos,
da comida ao estilo de vida. Eu tinha tido empregos que variavam de
soprador de vidro a dublê. Eu trabalhei com um amigo empreiteiro,
reformando casas. Fui um figurante na TV. A certa altura, eu até
modelei calças de beisebol para o Dick's Sporting Goods, o que me
rendeu piadas dos meus irmãos por... bem, eu ainda as aturava anos
depois.
Eu queria aprender tudo, queria experimentar tudo. Eu não
conseguia imaginar viver uma vida como Tess, no mesmo
emprego – o único emprego dela – por dez anos. A monotonia
parecia a morte, uma vida que lentamente se apoderaria da
minha alma até que não restasse nada além de uma
casca batendo no relógio todos os dias.
Eu não conseguia entender como alguém escolheria
essa vida.
Marcus disse que eu era indisciplinado, uma faísca. Hedonista
e egoísta. Mas, novamente, Marcus tinha comido um sanduíche de
manteiga de amendoim com banana todos os dias até o ensino médio,
sem nunca questionar o quão estranho isso era. Então, seu argumento
era inválido.
Passei pelas portas duplas que levavam à estufa, o ar úmido
espesso e pegajoso. Cheirava à terra, como folhas úmidas e coisas
vivas, e respirei instintivamente para encher meus pulmões com seu
perfume rico.
Papai se levantou – uma moção que parecia exigir mais esforço
do que eu lembrava dele precisar. Ele prendeu uma pequena pá no
cinto e tirou o pó das mãos.
— Vejo que você foi convocado, — disse ele com um sorriso e
um aceno de cabeça para a caixa em minhas mãos.
Uma risada explodiu em Kash, e ele se apoiou no cabo da enxada.
— Judy com certeza não perdeu tempo.
— Não aja como se você não fosse quem ligou para ela e disse
que eu estava de volta, — eu disse, ajustando meu aperto na caixa.
— Quem eu? — ele perguntou inocentemente. — Nunca.
Eu bufei.
— Tenho certeza de que Laney está planejando publicar um
anúncio anunciando seu retorno, — disse Kash. — Ela tem
algumas fotos escolhidas para a divulgação. Há uma boa de você
carregando palmeiras em vasos, sem camisa que está
concorrendo. Mas votei em uma de você aos quatro
anos, nu em uma caixa de plantador.
Papai assentiu em agradecimento. — Acho que
tenho uma de você limpando o jardim com nada além das
botas rosas de chuva da Laney.
Eu dei um olhar aos dois. — Vocês agem como se eu não tivesse
sido o primeiro a sugerir objetificar a mim mesmo. Sintam-se livres
para postarem todos os nudes que quiserem, se isso ajudar a vender
flores. Ainda estou esperando notícias sobre o cartaz-sanduíche nu.
Deixem-me saber com alguns dias de antecedência para que eu possa
reduzir minha ingestão de sal.
Kash revirou os olhos. — Ali está ele. Bom e velho Luke. —
Enquanto eu me dirigia para a porta dos fundos, ele acrescentou. —
Não deixe Judy te arranhar. Precisamos de você pronto para a câmera!
Se eu tivesse uma mão livre, eu teria dado uma sacudida nele.
Abri a porta com o cotovelo e entrei no beco.
Uma pequena entrada de garagem levava à estufa, e nela estava a
van de entrega, pintada com um buquê e as palavras Floricultura
Longbourne ao lado. Não acho que mamãe tenha enchido a van em
anos para uma entrega além de algum casamento ocasional.
Ao girar a chave e sair para a casa da Judy, senti uma centelha de
determinação em ver essa mudança. Mesmo se eu realmente tivesse
que sair na calçada com um cartaz-sanduíche.
Quando eu era criança, a loja era o pilar de um império, com um
punhado de lojas espalhadas por toda a cidade. Dezenas de
funcionários, vários motoristas de entrega em tempo integral, uma
constante movimentação. Nunca estava quieta, nem vazia. Mas
agora... agora, estava deserta. Os transeuntes não paravam nas
janelas, não entravam para dar uma olhada. Tão clássica
quanto a loja era, não era atemporal – era antiquada,
escura e sem graça. Não havia nada moderno nisso,
nada novo. Nada para chamar a atenção de um homem a
caminho de sua namorada ou de uma mulher que procurava
trazer algo novo para sua casa.
A verdade era que, desde a sua criação, a loja se cuidara por conta
própria, fornecendo o necessário para expandir sem necessitar de
muitos cuidados. Minha avó era quem tinha a mente comercial, uma
característica que ela não havia passado para a filha.
E quando a tecnologia aumentou, Longbourne foi deixada na
poeira. Comércio eletrônico. Mídias sociais. Empresas de entrega para
grandes encomendas. A antiga maneira de fazer as coisas morreu, e
Longbourne secou com a mudança drástica no clima.
Por anos, mamãe nos convenceu de que tudo estava bem, e
estávamos muito ocupados vivendo nossas próprias vidas para
reconhecermos que não estava. Começamos a perder casamentos para
a Bower Buquês. As lojas começaram a fechar uma a uma enquanto a
Longbourne recuava na tentativa de permanecer à tona.
Nossas perguntas e tentativas de ajudar foram deixadas de lado.
Apenas quando a loja principal foi abandonada e nossos fundos
fiduciários, que o contador depositava mensalmente com base na
receita da loja, começaram a diminuir que Marcus finalmente abordou
a mamãe.
E o que ele encontrou foi chocante.
O contador da família e um consultor de negócios terrível e
desatualizado – que, aliás, era mais velho que sujeira de verdade –
havia feito um trabalho péssimo, aconselhando-os e mandando-os
não apenas para dívidas tributárias profundas, mas
inadvertidamente os enganou quanto à situação do estado da
propriedade.
Então Marcus usou da sua riqueza substancial para
investir na loja, comprando-a da mamãe para que ela
pudesse se aposentar – o que ela havia feito muito pouco caso – e
depois nos chamando para casa para que ajudássemos. Nós temos
que salvar a loja, não apenas pela mamãe e nosso legado, mas também
pelo sacrifício de Marcus e o futuro de nossa herança.
Temos um longo caminho a percorrer, e cada um de nós tem a sua
parte. Embora a minha não fosse clara – eu tinha sido convidado para
voltar e ser o faz tudo da loja, a maior parte da minha responsabilidade
parecia girar em torno de tarefas mais simples com pouco a nenhum
risco. Como entregas.
Mas eles esqueceram que eu era o cara das ideias. E eu apenas
não era o cara para pô-las em prática.
Quando cheguei ao prédio de Judy, minha imaginação havia
pintado uma imagem com todas as coisas que poderíamos fazer, todas
as maneiras que poderíamos atualizar a loja, ideias borbulhando como
um riacho. Tanto que, antes de sair da van, enviei uma mensagem para
meus irmãos, convocando uma reunião – apenas os filhos. Hoje à
noite, depois que mamãe e papai fossem para a cama, formularíamos
um plano.
Minha mente vagou enquanto eu subia os degraus, fazendo mais
planos importantes para pegar donuts e café no meu caminho de volta.
Eu me perguntei brevemente se eu poderia fazer Tess sorrir com a
minha oferta, então lembrei a mim mesmo, ao invés disso mirar em
fazê-la parar de me insultar.
Apoiei a caixa no quadril e bati na familiar porta, que se abriu
antes que minha mão voltasse para o meu lado.
Estampa de zebra. Deveria ter feito uma aposta com
Kash.
Judy esticou o braço, o rosto torcido em um sorriso
sedutor, o quimono de seda escorregando de um ombro.
— Bem, olá, Luke.
— Entrega especial, — eu disse, divertido. — Onde você quer
isso?
— Em qualquer lugar que você me der, — disse ela, pegando um
punhado da frente da minha camisa para me arrastar para dentro.
E com uma risada, eu deixei.
06
Grandes Ideias

Luke
— Tudo bem, tudo bem, acalmem-se, — falei sobre o barulho dos
meus irmãos.
Ninguém se acalmou.
Sentamos em torno de uma das grandes mesas nos fundos, todos
colados em bancos. As únicas luzes eram as luminárias de fazenda
penduradas sobre a mesa, fazendo com que parecesse mais uma
reunião clandestina da máfia do que uma conversa entre irmãos sobre
o futuro de uma floricultura.
— Eu preciso de um martelo ou algo do tipo, — eu disse metade
para mim mesmo.
— Aqui, — disse Tess, enfiando uma pá na minha mão.
— Obrigado, — eu disse antes de bater com o cabo na
mesa de madeira.
Lentamente, o barulho diminuiu, seus rostos
voltando-se para mim.
— Tudo certo, Bennets, Tess, Ivy. Esta noite marca nossa
primeira reunião, espero que de muitas. Todos sabemos que a loja está
com problemas, e cabe a nós salvá-la. Eu estava pensando sobre isso
esta manhã e tenho algumas ideias.
— Antes ou depois de você ter fodido a Judy? — Kash falou lá de
trás.
— Antes. Um pouco durante. A maior parte depois.
Laney gemeu, Marcus revirou os olhos, e eu não perdi a Tess se
calando perto de mim.
Marcus cruzou os braços sobre o peito. — Será como o estande de
limonada mais uma vez, não é?
Meus irmãos caíram na gargalhada, mas Ivy e Tess pareciam
confusas.
Kash se inclinou sobre a mesa, sorrindo para elas. — Luke é
famoso por nos reunir para uma grande causa – limonada, vendas de
biscoitos, lavagem de cães por alguns trocados. Pergunte-me em
quantas ele realmente trabalhou.
Outra rodada de gargalhadas e um olhar superior, embora
divertido, de Tess.
— Ouçam, – os limões teriam ardido meus cortes por causa
da mamãe que estava me fazendo trabalhar nas rosas, eu não
teria parado de brincar com os cachorros por tempo
suficiente para lavá-los, e eu teria comido todos os
biscoitos antes de conseguirmos nosso primeiro cliente.
Vocês não iriam me querer lá.
Marcus deu de ombros. — Acho que nunca saberemos, não é?
— Oh, dê uma folga a ele, diretor, — disse Kash. — Você nos
comandou com um caixa, uma calculadora e um bloco de anotações.
Não é como se nós culpássemos ele. E de qualquer jeito, você tem que
admitir, ele sempre tem boas ideias.
— E eu tive mais uma, — comecei, olhando ao redor da mesa
para encontrar os olhos de todos.
Eles ficaram sérios, esperando silenciosamente.
— Todos sabemos por que estamos aqui, por que voltamos.
Longbourne precisa de nós. Mamãe e papai precisam de nós. O futuro
deles depende dessa loja. E sei que podemos salvar tudo, mas não se
as coisas continuarem do jeito que estão. Temos um legado, mas não
há nada atual em nossa presença. Não temos mídias sociais para
divulgação. Nosso site não é atualizado desde 1999. A frente da loja
não é reformada a cinquenta anos. Não temos vitrine, estética, ou vibe.
A Longbourne foi deixada sem cuidados por tanto tempo, que está
coberta de vegetação e sendo sufocada até a morte por ervas daninhas
proverbiais. Como está o dinheiro, Marcus?
Suas sobrancelhas se uniram, seus lábios achatando. — Não é
bom. As finanças foram mal administradas por uma década. As
dívidas são tão substanciais que Marty não deveria estar
depositando nada em nossas poupanças. Se dobrarmos a
renda da loja amanhã, levaríamos cerca de cinco anos para
realmente voltarmos aos trilhos.
Um suspiro profundo e doloroso nas minhas costelas. — Temos
algum dinheiro para trabalharmos?
— Depois de comprar a loja, adquirir as dívidas e tentar descobrir
quanto estamos realmente ganhando, só tenho mais um pouco de
dinheiro para investir. Então é melhor termos um plano viável.
— Orçamento apertado – entendi. Posso trabalhar com isso.
— Para fazer o que? — ele perguntou duvidosamente.
— Execução da primeira fase: dar a este local uma transformação
completa.
— O que você tem em mente? — Laney perguntou, sua excitação
visível na luz de seus olhos e na sua coluna endireitando.
— A fachada da loja primeiro – esse lugar é uma caverna. Quero
dizer, quando foi a última vez que as janelas foram limpas? Os tijolos
estão escuros, o teto está escuro... digo para pintarmos tudo de branco.
Laney, Tess e Ivy se animaram.
— Isso iria clarear tudo, — disse Tess, seu sorriso crescendo
enquanto ela imaginava. — A iluminação vai ficar incrível.
— E, — acrescentei, sorrindo de volta, — temos pilhas de peças
antigas para deixar à mostra. Mesas e gavetas, escrivaninhas
velhas e bancos. Baldes e cordas, e Deus sabe o que mais vamos
encontrar no armazém. Laney, o que você está pensando
para a parte social?
— Eu também tenho grandes ideias, a começar com
um novo logotipo. Deem uma olhada. — Ela passou o telefone
pela mesa e para mim.
O logotipo era moderno e atual, duas setas cruzadas com LFS5
nos espaços esquerdo, superior e direito e uma ilustração de uma rosa
abaixo. Era simples e moderno e absolutamente perfeito.
— Eu tenho o Facebook, Instagram e Twitter configurados, e Jett
e eu estamos trabalhando no site, — disse Laney.
— Mas vamos precisar de fotos, — acrescentou Jett, parecendo
um pouco preocupado com o fato.
— Eu posso ajudar com isso, — ofereceu Tess. — Eu brinco há
alguns anos com iluminação de estúdio, e meu Instagram é
consideravelmente bom.
Laney riu. — Você está sendo modesta – seu Instagram é
invejável. Eu ia perguntar se você estaria interessada em gerenciar o
nosso.
— Eu adoraria, — respondeu Tess, corada e sorrindo.
— Alguém tem alguma objeção ao logotipo? — Eu perguntei.
Negativos vieram da maioria deles.
— Bom. Eu posso pintar as paredes e lavar as janelas, passar pelo
armazém e fazer um inventário. Laney, como você se sente sobre
projetar uma nova placa para a frente da loja? — Eu perguntei.
— Muito bem.

5 LFS:Longbourne Flower Shop (Floricultura Longbourne).


Marcus parecia cético. — Acho que deveríamos
esperar até conseguirmos mais dinheiro.
— Mesmo se eu conseguir um desconto para nós? — Eu
perguntei. — O irmão do meu amigo Davey faz placas. Eu só preciso
de um design para mostrar a ele.
— Davey? — Os olhos de Marcus se estreitaram.
— Sim, costumávamos servir mesas juntos.
— Quando? — Kash perguntou como o espertinho que ele era.
— Isso importa? — Eu perguntei, continuando antes que ele
respondesse. — Eu posso me preparar para pintar amanhã. Jett, você
pode ajudar fazendo as entregas?
— Eu não vou para a casa da Judy, se é isso que você está
pedindo.
Uma risada rolou através deles.
— Você diz isso agora.
— Eu posso ajudar a pintar amanhã, — ofereceu Tess. — É o
meu dia de folga, mas não tenho muita coisa para fazer.
Com isso, meu sorriso aumentou um pouco. — Soa bom. Vou
pegar suprimentos de manhã. Vou entrar no armazém também, ver o
que consigo arrecadar. Podemos reorganizar o interior e depois vem a
parte divertida. Não vamos estar prontos para a divulgação, até que
este lugar seja limpo, a placa feita, e atualizarmos as redes sociais.
Então eu estava pensando – qual é a melhor maneira de trazer
pessoas para a porta da frente? — Fiz uma pausa,
examinando seus rostos. — Nós vamos à moda antiga. Instalação
de vitrines.
— Luke, isso é genial, — Tess respirou, e pode ter sido a coisa
mais legal que ela já disse para ou sobre mim.
— Obrigado. — Sorri, me sentindo como se tivesse ganhado um
grande prêmio. — Renovei casas com um empreiteiro por um tempo
em Los Angeles e também trabalhei em cenografia. Eu até ajudei nas
instalações do Getty Center e também por um tempo na Anthropologie
em Santa Mônica. Papai tem todas as ferramentas que vou precisar
para construir o que vocês quiserem.
— É perfeito. — Laney sorriu.
Kash riu abertamente. — Você trabalhou na Anthropologie.
Encolhi os ombros. — Eu namorei uma garota que gerenciava
uma e até gosto de suas velas. — Eu ganhei outra risada. — De
qualquer forma, no que me diz respeito, você é o cérebro daqui,
Laney. Serei o músculo, e acho que Tess deve assumir a liderança no
design.
O rosto de Tess virou, os olhos arregalados e atordoados. — Eu?
— Todos nós vimos o que você é capaz de fazer, — disse Laney,
me apoiando como eu sabia que ela faria. Ela seria louca em
discordar. — De todos nós, é você quem tem a estética e o
conhecimento em floricultura. Luke está certo. Esta é a sua casa
do leme, e acho que devemos confiar em você.
A cor subiu em suas bochechas, seus cílios roçando
nelas quando ela olhou para suas mãos. — Eu... eu não tenho
certeza do que dizer.
— Diga sim, — insisti. — Quero parar todas as pessoas que
passam pela nossa vitrine e deixá-las paralisadas. Quero que nossas
vitrines as atraiam. Quero que sejamos a parte mais importante desta
cidade novamente, e isso? Isso vai nos lançar.
Ela olhou para cima durante o meu discurso, seus olhos suaves e
ricos, mexendo com algo no meu peito. Uma familiaridade, como uma
lembrança que não pude captar, como um sonho que desapareceu
quando acordei. Mas então se foi.
— Tudo bem, eu vou fazer isso.
Um coro de aplausos e risadas aliviadas encheu a sala.
— Ivy pode assumir o seu lugar lá atrás enquanto reunimos
planos para a frente e os implementamos no fim de semana – há um
grande evento na Washington Square, e devemos ter mais tráfego de
pessoas do que o habitual. É o momento perfeito para revelar o novo
visual, — eu disse. — Kash, você continua fazendo o que está fazendo
na estufa. Jett, você vai flutuar entre me substituir e ajudar mamãe em
casa. Marcus, continue trabalhando para desembaraçar as finanças.
Laney, deixe-nos saber o que você precisa para o marketing. E eu vou
ajudar a Tess. Amanhã começamos. Amanhã, daremos o primeiro
passo para mudarmos esse navio. E se não fizermos mamãe
chorar de pura alegria quando terminarmos, vou comer a
capa de chuva da Laney.
Outra risada, essa um pouco obscena.
Conversas surgiram entre eles, e por um momento, fiquei na
cabeceira da mesa e assisti a todos, a realização fortalecedora e a
emoção inebriante. Eu podia ver tudo, a loja cheia de clientes, aquele
pequeno sino tocando até que o badalo se esgotasse. Ideias sobre
ideias sobre ideias flutuavam em minha mente – pintar a porta da
frente com um tom de azul brilhante e alegre, atravessar vigas no teto,
para que pudéssemos pendurar plantadores, prateleiras e instalações
com eles, imaginar as paredes nítidas e brancas contra o balcão velho
e escuro e o piso de azulejos preto e branco. Eu me perguntava que
tipo de ideias Tess teria, me perguntava se ela me deixaria participar
delas ou se ela apenas me daria ordens e esperaria que eu as
cumprisse.
De qualquer maneira, seria emocionante. Nós íamos fazer deste
lugar tudo o que era para ser, tudo o que já foi antes. Nós estávamos
indo salvá-lo.
Andei para a entrada enquanto a atenção deles estava longe de
mim, fazendo listas de inventário, considerando como poderíamos
organizar. A luz dourada do poste atravessou a grade do lado de fora
da janela, e eu anotei mentalmente o tamanho e a profundidade
aproximada do espaço da janela, observando a moldura e criando
maneiras de pendurar coisas nela sem estragar a madeira velha.
Haviam tantas coisas que eu podia construir a partir de madeira
crua, e senti uma expectativa gananciosa com o que
encontraria no armazém. Cento e setenta anos de
história, suponho, história que traremos de volta a este
espaço com sua segunda vida.
Meus irmãos não estavam errados, me provocando com a
barraca de limonada. Adoro a pressa e a possibilidade de novas ideias,
mas o acompanhamento nunca foi meu ponto forte. A única coisa que
eu realmente tentei acompanhar foi o meu casamento, que me ensinou
duas coisas importantes: acompanhar as coisas pode arruiná-lo, e eu
era péssimo nos relacionamentos.
Mas desta vez? Agora mesmo? Isso seria diferente. Desistir não
era uma opção, e desistir não estava na mesa. Era fazer ou morrer. E
eu estava preparado para cavalgar ou morrer.
Foi por isso que todos voltamos para casa, e nosso futuro estava
em jogo. Nossa família estava em jogo. E uma coisa da qual eu nunca
me afastaria era minha família.
— Ei, — disse uma voz gentil atrás de mim.
Me assustei com o som, tão perdido em meus pensamentos, que
não ouvi Tess se aproximar.
Ela riu. — Desculpa te assustar. Eu... eu só queria dizer obrigada.
Por sugerir que eu assuma tanta responsabilidade.
— Você age como se não estivesse administrando a loja há anos.
Notei suas bochechas corarem, mesmo na loja escura. — Talvez,
mas eu não sou uma Bennet. Sinto muita sorte por ser incluída
nesses tipos de reuniões.
Eu me virei para encará-la, prendendo-a com um
olhar que esperava comunicar minha seriedade. — Tess, você faz
parte desta família tanto quanto qualquer um de nós. Você tem
sido as mãos da mamãe por anos. Ela ensinou tudo o que sabia, e
então você fez o impensável – você a superou.
Tess respirou fundo.
— Não ouse dizer à minha mãe que eu disse isso.
Sua surpresa a deixou rindo.
— Esta loja é tão sua quanto nossa. Até mais talvez. Além de
Kash, você é a única que não foi embora. Então, por favor, não me
agradeça. Sou eu quem deveria estar agradecendo.
Ela me observou por um momento com um sorriso nos lábios. —
Bem, que tal isso? Ivy estava certa.
Eu fiz uma careta. — Certa sobre o que?
— Talvez você não seja tão babaca, afinal.
Risos saíram de mim, um pouco altos e completamente
desenfreados. — Não vamos nos precipitar, Tess.
Ela encolheu os ombros, sorrindo de lado enquanto se virava para
ir embora. Mas quando saiu, ela olhou por cima do ombro. — De
verdade, Luke, obrigada.
Coloquei minhas mãos nos bolsos da minha calça jeans. — De
nada, — foi tudo o que pude dizer.
A surpresa tinha me deixado sem palavras.
07
Príncipes E Piratas

Tess
Eu demorei tempo demais decidindo o que vestir para pintar uma
floricultura.
As roupas estavam em uma pilha amontoada para rivalizar com o
Everest, tantas que um olhar para o meu guarda-roupa aberto mostrou
pouco mais do que cabides. Em minha defesa, eu tinha vários quesitos
a preencher – deve ser velha e/ou descartável o suficiente para pintar
nelas, ser apropriada para subir escadas, e o mais importante, ser
adorável.
Se a minha bunda estaria na mira dos olhos de Luke Bennet o dia
inteiro, seria melhor estar bonita.
Dei alguns passos, inspecionando meu reflexo. Cabelo ruivo
em um coque bagunçado, franja grossa e desgrenhada, uma
bandana azul amarrada em uma faixa com o nó em
cima. A velha camiseta do Cure da mamãe, pontilhada
com tinta do meu banheiro de quando ela o pintou anos atrás. Eu
tinha amarrado a bainha para ficar bem ajustada, e enrolado as
mangas para deixá-las em um comprimento moderno. E eu completei
com um macaquinho, porque isso parecia óbvio demais para deixar
passar. Meu rosto estava fresco e intocado pela maquiagem, mas eu
não estava tão confiante a ponto de estar disposta a ignorar o rímel.
Eu era o exemplo clássico da roupa que uma vadia qualquer
usaria para pintar e resisti à vontade de mudar novamente.
— Você está apenas pintando a loja, não fazendo teste para Top
Model, pelo amor de Deus, — eu murmurei para mim mesma, irritada.
Saí do meu quarto antes que eu pudesse mudar de ideia
novamente.
Percebi que era ansiedade e demorei um segundo para catalogar
os detalhes que eu sabia. Eu meio que não odiava mais o Luke. Quero
dizer, ele era um porco e um vacilão, mas quando ele ficou na ponta
da mesa e nos contou suas ideias, a energia na sala mudou em sua
direção. Ele pode ser uma força a ser reconhecida – quando se esforça.
Quando ele tem paixão.
Essa foi realmente a coisa mais surpreendente – testemunhar a sua
paixão. Ele se importava mais do que eu tinha percebido, estava mais
preocupado do que eu imaginaria. Ele acreditava que teríamos
sucesso com otimismo e esperança, e imaginou todas as
maneiras pelas quais poderíamos fazer isso acontecer.
Nós. Todos nós. Até eu.
Era a cereja no topo da humilde torta que prometi
comer. Agora que eu estava prestando atenção ao lado bom, o
ruim tinha fracassado como um péssimo fogo de artifício – ainda
cheio de pólvora, poderia explodir minha mão se eu o tocasse, mas
provavelmente inofensivo.
Provavelmente.
Papai estava em sua poltrona na sala, ouvindo The Allman
Brothers, óculos de leitura na ponta do nariz e um livro sobre a Guerra
Civil aberto em seu colo.
— Ei, Pomba, — disse ele, sorrindo quando entrei. — Você não
está adorável?
Meu nariz enrugou enquanto eu ia para a cozinha para trocar a
água no meu vaso.
— O que? Você não quer parecer adorável?
— Não. Quero dizer, sim, eu gosto de ficar bonita, mas não sei se
quero parecer adorável.
— Ah. Luke estará lá, então. — Ele não perguntou. Ele afirmou.
Eu bufei, colocando o buquê no balcão e virando-me para a pia
para lavar o vaso. — Não é fácil ou simples. Nada é quando se trata
dele e eu. Mas ele... bem, ele quer salvar a floricultura e confia em
mim. É meio difícil querer que ele caia do edifício Flatiron.
Ele riu.
— Fiquei acordada metade da noite, desenhando ideias para
instalações de vitrines. Não vou decepcionar a Sra.
Bennet. Longbourne sobreviverá – e prosperará – se
eu tiver algo a ver com isso.
— Não duvido que você faça isso, Tess. Você faz tudo o que
foca, e não consigo entender por que dessa vez seria diferente.
Coloquei uma toalha de papel no vaso, secando-o antes de enchê-
lo novamente.
— Me mande uma mensagem se precisar de alguma coisa, ok? As
sobras estão na geladeira para o almoço. Tenho a sensação de que não
vamos terminar de pintar hoje. Eu pesquisei na noite passada e nem
tenho certeza se Luke sabe como pintar tijolos corretamente. Temos
que lavar todo o tijolo, esperar que ele seque e calafetar as rachaduras
antes que possamos passar uma pré-camada. Conhecendo-o, ele só vai
colocar tinta lá, querendo ou não.
— Você age como se o pobre garoto não conseguisse sair de um
saco de papel.
— Às vezes, eu me pergunto, — eu disse, depositando o buquê de
volta em seu vaso e brincando com o arranjo.
— Bem, boa sorte. Tente não matá-lo. Acho que a Sra. Bennet
nunca iria perdoá-la.
— Não, o precioso menino de ouro dela não pode fazer nada de
errado, e ela não se divertiria se eu jogasse uma lata de tinta na cabeça
dele ou amarrasse as suas mãos e pés e o pendurasse como nossa
primeira vitrine. Eu poderia colocar alguns amores-perfeitos na
boca dele e terminar por hoje.
Fui até sua cadeira e beijei sua testa.
— Tenha um bom dia, papai. Não entre em nenhum
problema, ta bom?
— Vou tentar me conter, — disse ele com um meio sorriso.
E quando eu calcei minhas Vans e peguei minha bolsa, eu estava
do lado de fora.
Morávamos na esquina da floricultura, que ficava orgulhosamente
na rua Bleeker, entre as lojas e cafés do Village. O calor de julho me
atingiu como uma parede, aquela umidade pesada que se agarra a você
como uma segunda pele aquática, o tipo de calor que fazia você
esquecer que o inverno já existiu ou como era estar confortável.
A má notícia é que são apenas oito da manhã.
Mas havia pouco que pudesse atenuar minha alegria. Senti os
ventos da mudança – mesmo que não pudesse sentir o vento real
naquele dia ainda de verão – senti o começo de algo grande, algo
magnífico. E estava logo ao dobrar da esquina.
Presumivelmente atrás da velha porta verde da Longbourne.
Abri a porta para o toque familiar do sino e parei do lado de
dentro.
A música flutuava pela sala a partir de uma caixa de som no
balcão de registro. A sala, que geralmente estava cheia de velhas
mesas de exibição e baldes de flores, fora limpa, exceto pela enorme
mesa quadrada no centro da sala. Os ladrilhos em preto e branco
estavam cobertos com folhas de plástico, e duas escadas, uma
pilha de suprimentos e um balde com uma vassoura
estavam apoiados orgulhosamente ao lado de uma das paredes
compridas.
E ao lado delas estava Luke.
Ele já estava brilhando de suor e tirara a camisa, deixando-o com
nada além de uma bermuda de basquete e tênis. O tom dourado de sua
pele falava de inúmeras horas de lazer, e a topografia ondulante de sua
musculatura falava de inúmeras horas na academia. Eu sempre odiei
bermudas de basquete, mas na bunda de Luke Bennet, ela parecia que
deveria estar lá. Descobri que não tinha uma única reclamação.
Especialmente quando ele se virou e eu vi a anaconda que ele
estava carregando.
Deus abençoe o homem que inventou essas bermudas.
— Bom dia, Tess, — disse ele com aquele sorriso em evidência,
as mãos ainda na vassoura que ele estava usando para lavar os tijolos.
Para minha surpresa, a superfície estava imunda – o tijolo que ele
já havia limpado estava alegre e vermelho e o que ele não tinha
possuía um tom de marrom sujo.
Eu pisquei para ele. — É assim que o tijolo se parece?
Ele se inclinou sobre o cabo da vassoura, lançando um olhar para
a parede. O efeito ampliou seus ombros e estreitou sua cintura,
abanando seus antebraços. O suor escorria pelo meu pescoço, e eu
não podia ter certeza de que era estritamente devido ao calor.
Era realmente indecente, ele andando por aí assim sem
camisa.
— Eu sei. Estou pensando em deixarmos os tijolos
do fundo da loja, apenas limpá-los e pintar o resto de branco.
— Eu amo isso, — eu disse, examinando o espaço e
imaginando como seria.
— Bom. — Ele sorriu, não apenas como se estivesse
genuinamente satisfeito, mas como se ele pudesse me comer no café
da manhã.
Não que eu fosse especial. Ele olha para todas as mulheres e
produtos alimentares exatamente assim.
Eu me movi até a vassoura extra, efetivamente virando as costas
para ele e quebrando o momento.
— Então, — comecei, dando um segundo para inspecionar a
parede —, vamos começar com você e eu limpando esta parede
juntos, então um de nós pode limpar a próxima parede enquanto o
outro calafeta esta.
Eu podia realmente ouvi-lo sorrindo. — Acha que você pode lidar
com a calafetagem?
Lancei-lhe um olhar por cima do ombro. Bastardo estúpido e
bonito. — Oh, eu posso lidar com a calafetagem.
— Tem certeza? Ela precisa ser apertada da maneira certa – não
muito forte, nem muito rápido, apenas a quantidade perfeita de
pressão para que você possa preencher todos esses buracos.
— Lucas Bennet, você é nojento.
Ele molhou o pincel em uma bandeja cheia de água.
— Ser empreiteiro é um trabalho sujo, Tess. — Com um levantar
indecente de suas sobrancelhas, ele voltou sua atenção para a
parede. — Tanto para martelar, pregar e fixar. Aparafusar. Colocar
pregos. Nós cuidamos da calafetagem.
Eu bufei em vez de responder, incapaz de pensar em algo para
dizer com a figura seminua de boca suja esfregando a parede na minha
frente.
Eu não olhei para os músculos de suas costas se esticando
enquanto ele esfregava. Não vi a gota de suor escorrer pelo vale de sua
espinha. E eu certamente não vi sua bunda balançar quando ele pulou
um pouco para alcançar o topo da parede.
Não intencionalmente, pelo menos.
Com um tapa mental, mergulhei minha escova na água e passei
por ele. — Eu cuido de baixo, você cuida de cima, — sugeri por meio
de um comando.
— Sim, senhora, — ele debochou.
Esfreguei por um minuto, satisfeita em um nível elementar
profundo quando o tijolo ficou limpo e novo. — Você conseguiu o
tipo certo de calafetagem? — Eu perguntei com um pouco de
ceticismo. — Tem que ser a de secagem rápida, do tipo que...
— Funciona sob uma pré-camada. Eu sei. Foi a que eu
peguei, — ele respondeu levemente. — É como se você não
acreditasse que eu posso fazer isso direito, Tess.
— Bem, você tem que admitir – você não é o
Bennet mais confiável.
— Não, esse título pertence a Marcus.
Eu ri. — Não me interprete mal. Estou impressionada, só isso.
Não sabia que você sabia tanto sobre esse tipo de coisa.
— Bem, eu trabalhei em alguns lugares na vizinhança em um
bilhão de empregos. Eu tinha um amigo em Los Angeles que me
ligava quando ele precisava de ajuda para reformar as casas em que
ele estava trabalhando. Eu o conheci enquanto era barman em
Hollywood.
— Ooh, isso soa ostentoso, — eu provoquei.
— Foi um pé no saco, mas um bom dinheiro. Acho que conheci
um milhão de pessoas trabalhando lá – pelo menos foi um bom
momento. Embora a melhor época tenha sido quando eu trabalhei no
Cirque du Soleil por um verão.
Uma risada disparou de mim enquanto eu molhava meu pincel. —
Diga-me que você usava elastano. Ou penas. E que eles te
empurravam para fora de alguma coisa.
— Não, eu trabalhei nas cordas. É mais divertido nos bastidores.
Menos pressão.
— Existe algo que você não tenha feito?
— Ciência de foguetes, — ele respondeu sem hesitar. —
Andar de monociclo, embora não por falta de tentativa.
Soldagem subaquática – mamãe não me deixou. Muito
perigoso, ela disse. Até trabalhei em uma plataforma
no Pacífico por alguns meses. Esse foi um trabalho do
Dia da Marmota – todos os dias a mesma coisa, a mesma visão, a
mesma sala minúscula e o mesmo barulho das máquinas. Eu nunca
fiquei tão feliz em pôr meus pés em terra seca.
— E nada levou a uma carreira? — Eu perguntei, sem sucesso,
tentando controlar o julgamento na minha voz.
Ele encolheu os ombros largos e continuou esfregando. — Fico
entediado e sigo em frente. Parte disso, eu acho, é porque eu amo
aprender. Eu quero saber um pouco sobre tudo.
— Sem realmente se tornar um especialista em qualquer coisa, —
acrescentei com mais crítica.
Mas Luke, como sempre, ficou imperturbável. — Se eu tivesse
encontrado algo em que eu gostaria de me especializar, não teria
seguido em frente.
Um breve pensamento sobre que tipo de coisa poderia convencê-
lo a ficar por perto foi substituído por, — Como você sabe se nunca
teve um emprego de longo prazo? Quero dizer, você já esteve em um
trabalho por mais de seis meses?
Ele franziu o cenho para mim, ofendido. — Claro que eu... —
Suas sobrancelhas se ergueram um pouco mais perto. — Não. Acho
que não.
Eu ri, acenando com a minha retidão. — Exatamente.
— Fácil para você dizer. Você nunca trabalhou em outro
lugar, além daqui, — ele disse com desdém
inconfundível.
— E o que há de tão errado aqui? — Eu rebati.
— Nada. Apenas não é onde eu quero trabalhar. Não para
sempre, pelo menos.
Eu fiz uma careta para a parede, esfregando com mais força do
que necessário.
— Oh, vamos lá, Tess. Esta loja é minha casa. Quem quer ficar
em casa para sempre?
— Eu. Eu amo morar em casa e amo morar aqui.
— Mas você não sente falta de... eu não sei. Aventura?
— Eu não estou interessada em aventura. Estou interessada em
estabilidade. Conforto.
Ele parou de esfregar, virando-se para mim enquanto se apoiava
no cabo novamente.
Eu o ignorei minuciosamente.
— Você quer dizer que não faz nada que a deixe desconfortável?
Quando foi a última vez que você fez algo que a assustou?
— Esta manhã, quando eu vim aqui para ajudá-lo.
Uma risada. Eu ainda não estava olhando para ele.
— Eu não sei, Luke. Estou muito ocupada para fugir em
aventuras. Eu tenho meu trabalho aqui para considerar, sua mãe para
ajudar. Eu cuido do meu pai. Eu gosto de tirar fotos bonitas de flores.
E quando eu termino tudo isso, não resta muito tempo para
procurar emoção. — Ou ter uma vida.
Ele parou. — Eu esqueci que você cuida do seu pai.
— Sim, bem, você esquece várias coisas, — eu bati
na parede.
Mas ele não percebeu. Ele já havia começado a esfregar
novamente. — É verdade. Tenho a memória de um peixe dourado –
no tempo em que nado em volta da tigela, esqueço tudo o que vi, ouvi
ou provei.
Vacilão. Instável. Não confiável. Vacilão inconsciente com
músculos demais para o seu próprio bem.
— Quanto tempo você acha que vai demorar para terminarmos de
pintar? — Eu perguntei, irritada com o meu aborrecimento e
desesperada para mudar de assunto. Luke inspirava isso em mim – a
necessidade irracional de lutar. Eu odiava essa necessidade.
Pior – eu estava começando a perceber que era eu quem era o
problema, não ele.
— Devemos terminar amanhã, se fizermos direito. Cara, eu mal
posso esperar para mamãe ver isso. Oh, e? Encontrei um monte de
coisas no armazém. Eu vou te mostrar quando terminarmos por hoje.
Talvez você possa usar algo para a montagem. — Ele fez uma pausa, e
o som de música e pincéis no tijolo preencheu o espaço entre nós. —
Tem alguma ideia?
— Eu estava pensando em algo com suculentas, — eu disse. —
Está tão quente e ensolarado que eu pensei que talvez os
transeuntes achem adequado.
— Eu gosto disso. — O entusiasmo genuíno em sua
voz me desarmou.
— Veremos. Talvez haja algo no armazém que
possamos usar. Tenho alguns esboços, mas quero ver o que
encontramos lá antes de nos comprometermos.
— Tess? Com um plano pronto? Nunca.
Eu bufei uma risada.
— Tenho um bom pressentimento sobre isso, — ele começou. —
Eu estive pensando... você sabe como mamãe sempre fala sobre a
antiga exposição que a revista Casa e Jardim fez com a minha avó?
— Encaro a capa emoldurada dessa revista na loja há dez anos. É
uma das lembranças mais orgulhosas de sua mãe, eu acho.
— Eu sei. E eu estava pensando que, talvez, depois de colocar as
coisas nos trilhos e encontrar um espaço nas montagens das vitrines,
poderíamos nos aproximar de algumas revistas.
Um sorriso se espalhou como eu imaginei. — Meu Deus. Ela
morreria. Tipo, você pode realmente dar a ela um ataque cardíaco.
Ele riu. — Laney acha que é possível conseguir uma parceria,
dependendo de como a exibição das vitrines for.
— Sem pressão, — brinquei.
— Se alguém pode fazer isso, é você, — disse ele, tirando minha
última armadura. — Basta dizer a palavra, e podemos fazer o que você
quiser. Seu desejo é uma ordem.
Eu gostaria de te odiar. Eu gostaria que você fosse um idiota.
Eu gostaria que você se lembrasse que me beijou.
Revirei os olhos para mim mesma. Eu tive uma
dúzia de namorados e mil beijos nos últimos dez anos,
mas não conseguia me lembrar de nenhum, exceto o que
ele não lembrava.
Talvez a tocha ainda estivesse queimando porque minha ferida
havia inflamado por tanto tempo, enterrada no meu coração. Talvez
fosse porque aconteceu em um momento em que eu estava vulnerável
e perdida. Ou porque eu confiei nele com palavras muito puras e reais
para serem pronunciadas em voz alta. Ou porque ele me prometeu
algo que nunca mais reconheceu, deixando-me sentindo nada além de
traição e dor em uma época em que eu já estava despedaçada.
Eu não estava mentindo quando disse a Ivy que não pensava nisso
há anos. Mas no segundo em que vi seu rosto, fui transportada de
volta para aquele dia em que fiquei quase exatamente naquele lugar,
esperando por ele. E ele prontamente me ignorou, dirigindo-se a Ivy
para um beijo bem ali, bem na minha frente.
Dez anos. Realmente, eu precisava deixar para lá. Mas a ferida
era do tipo que nunca cicatriza, do tipo que queimava quando as
estações mudam ou uma tempestade sopra. E a estação estava
mudando.
Eu me perguntei se já tinha.
Luke viveu de acordo com leis que ofendiam o próprio
fundamento do que eu acreditava. Ele falava de aventura como se
fosse o nirvana. Meu nirvana era segurança. E a segurança não é
encontrada em riscos, mas em consistência.
Mas poderíamos ser diferentes, e só porque ele era
diferente não significava que ele estava errado, não
importa o quanto parecesse. A verdade é que Luke
estava liderando a tarefa de reformar a loja, emprestando seus
músculos generosos para a tarefa. Até mesmo hoje, ele veio
preparado, e isso ganhou meu respeito, mesmo que tenha sido
manchado um pouco pela minha atitude terrível.
Tudo o que você pode controlar é a sua reação, eu disse a mim
mesma, um ditado que minha mãe me impôs.
E assim passei as próximas horas apreciando a vista e lembrando
a mim mesma que boas maneiras eram feitas de pequenos sacrifícios.
Quando terminei de calafetar a segunda parede, Luke estava logo
atrás de mim, retocando meu trabalho, o que era ao mesmo tempo
irritante e minucioso, os sentimentos negando um ao outro.
Eu saí da escada e estiquei as costas, lutando contra a dor. —
Tudo bem, pronto para uma pré-camada?
— Não podemos passar uma pré-camada, não até amanhã. Os
tijolos precisam secar. Mas definitivamente devemos ter todo o espaço
pintando amanhã.
— Oh, que bom. Eu posso ajudar de novo, se você quiser. —
Estremeci ao pensar no que vestiria depois do drama esta manhã e
lamentei o uso da minha roupa de pintura mais fofa na calafetagem.
— Ei, estou aceitando toda a ajuda que conseguir, — disse ele
com um sorriso de soslaio, colocando sua pistola de calafetar em
um degrau da escada. — Vamos lá, deixe-me mostrar o que eu
encontrei no armazém.
Luke parecia uma criança em seu aniversário, cheio
de possibilidades e animação, e quando ele passou, ele agarrou
minha mão como se fosse a coisa mais natural, me levando em
direção à estufa.
Minha mão desapareceu em seu punho, e suas costas largas
obstruíram minha visão, mas eu o segui como se tivesse a opção de
não fazê-lo, quase dois passos meus para cada um dele. Ele abriu as
portas duplas giratórias da estufa e virou-se para o corredor principal.
A estufa ocupava o espaço atrás de cinco prédios, um oásis
repleto de flores implorando para serem cortadas. Todas as manhãs, eu
entrava nesse lugar de mãos vazias e saía com os braços cheios de
uma recompensa quase inimaginável de flores recém cortadas.
Este era o meu lugar feliz. O cheiro do solo e das folhas e flores
desabrochando. O cobertor de umidade. A luz do sol filtrando através
do telhado e das paredes de vidro, banhando tudo o que toca. A cabeça
do Sr. Bennet surgiu entre plantadores verticais de lavanda delfínio,
oferecendo um sorriso sabido e um movimento de seus olhos para
onde Luke me segurava. Kash apontou o queixo para nós em
saudação, enquanto empurrava um carrinho de mão cheio de terra por
um dos corredores laterais, com um sorriso semelhante no rosto,
embora o dele fosse menos inocente.
Sob o escrutínio deles, lutei contra o desejo de afastar minha
mão, sem ter certeza de que conseguiria tirá-la da mira se
quisesse. O que de qualquer forma eu não fiz.
Luke me levou pela esquina e desceu a rampa até o
porão, falando sobre recipientes de armazenamento de vegetais e
escadas velhas, cestas de arame e suportes com cestas e muito
mais. Quando chegamos ao pé da rampa e acendemos as luzes, ele já
estava praticamente tonto.
As luzes brilharam e vi um borrão com cauda – Brutus,
entusiasmado na caça de um rato, eu tenho certeza. E lá estava Luke,
ao lado de sua recompensa, com todo o orgulho que Brutus
demonstraria quando jogasse o referido rato aos meus pés.
Eu ofeguei, sorrindo enquanto caminhava em direção às
mercadorias que ele arrumou no centro do espaço grande e lotado,
cercado pelo caos de cento e setenta anos de suprimentos descartados.
E, como ele havia dito, havia um pequeno organizador feito com
prateleiras de madeira e cestas com cabos angulares, para que você
pudesse abrir e pegar o que mais lhe convém. Havia várias escadas,
rolos de corda, pilhas de madeira antiga e recuperada. Aparadores, um
armário de boticário, tábuas de lavar e lavatórios, baldes de todas as
formas e tamanhos. Imaginei todos cheios de flores, colocados
orgulhosamente na grande mesa de fazenda e pensei por um segundo
que meu coração poderia explodir.
— Luke... eu não posso acreditar em todas essas coisas, — eu
respirei quando entrei no meio das coisas, passando a mão sobre
um dos aparadores. — Quando foi a última vez que sua mãe
veio aqui?
— Não sei, mas deve fazer vidas. Ninguém
atualizou a loja desde a minha avó nos anos setenta. Para ser
sincero, ela provavelmente foi a última pessoa a descer aqui para
outra coisa que não fertilizantes ou mangueiras.
Meus olhos se arregalaram, meu sorriso aumentando. — Tive
uma ideia. — Me virei para os caixotes de madeira empilhados ao
acaso. — Nós poderíamos fazer plantadores com eles, pendurá-los na
vertical. Metade deles com suculentas, a outra metade com folhas
verdes – hera, plantas aranha, seringueiras, oooh ou alguns cóleus...
suas folhas têm esse roxo no meio. Você sabe o que eu quero dizer?
— Eu sei, — ele disse, ainda sorrindo. — Eles combinam bem
com o escudo persa.
Eu iluminei mais uma dúzia de watts. — Gênio. Eu acho que
deveria ser a nossa primeira arrumação. E se... — Minhas rodas
giraram, percorrendo o catálogo de riquezas que Luke descobrira. —
Eu poderia fazer uma nuvem de flores... capim-dos-pampas e urze,
trigo, talvez... — eu disse para mim mesma, pensamentos clicando
juntos por trás de cada piscar de olhos.
— Nuvem de flores? — ele perguntou com ceticismo escrito em
todo o rosto.
— É uma coisa, — eu disse distraidamente. — Um arranjo,
geralmente monocromático, em forma de nuvem. — Vaguei em
direção a algumas prateleiras, vendo engradados de vidro que
eu não conseguia distinguir do chão. — E esses? —
Puxei a escada e subi. — São garrafas de leite?
— Cuidado, Tess, — Luke avisou, aproximando-se
enquanto eu subia.
— Oh, eu estou bem, — eu assegurei a ele, tentando alcançar
um dos caixotes. A escada não era alta o suficiente e flexionei os pés
para me deixar um pouco mais alta. Eu me estiquei para o caixote com
foco apenas em agarrá-lo sem quebrar meu pescoço.
— Sério, essa escada é velha...
— Eu estou quase pegando, — insisti, alcançando.
Meus dedos roçaram a borda do caixote antes que a gravidade
mudasse, a escada de pernas redondas deslizando para longe de mim.
Meu peso me puxou para o lado, para baixo, e meu único pensamento
era o da segurança das garrafas de leite tilintando.
Luke me pegou com um baque e um pequeno salto, a
aterrissagem fácil e suave, mesmo que meus membros tivessem se
agitado, girando enquanto eu caia. De alguma forma, ele me fisgou
quase perfeitamente, embora eu tenha conseguido acertá-lo no rosto
com o antebraço.
Ele balançou a cabeça, piscando e estremecendo enquanto tentava
voltar ao normal, e eu não pensei, apenas agarrei seu rosto, de olhos
arregalados enquanto eu o inspecionava.
— Oh meu Deus, você está bem? — Eu respirei, inclinando seu
rosto para que eu pudesse olhar para o nariz dele, me perguntando
se ele iria sangrar. Eu senti seus dentes através de seus lábios,
então verifiquei os próximos, movendo seu rosto com
minhas mãos para que eu pudesse examiná-lo.
Quando ele riu, notei um leve inchaço na parte
carnuda do lábio superior, mas nada mais. — Você quase quebrou
o pescoço e está preocupada comigo?
Uma risada menor e mais nervosa saiu de mim. — Você me
pegou como um saco de farinha. Como você conseguiu fazer isso? Eu
devo ter parecido um moinho de vento.
Ele encolheu os ombros, com as bochechas erguidas sob as
palmas das minhas mãos e roçando minha pele. — Sorte, eu acho. E
você parecia mais um polvo do que um moinho de vento.
Outra risada, mais fácil, mais leve. E quando se foi, dei uma
inspirada que trancou meus pulmões.
Seu rosto estava perto do meu, seus braços me segurando como
um cadinho. E eu derreti neles como metal, uma amálgama de
emoção. Surpresa e desejo, necessidade e desejo. Nenhuma lógica
estava presente, apenas os vincos de seus lábios e o doce sopro de sua
respiração. Apenas o queixo dele, duro nas minhas mãos. O calor de
sua pele, seu peito nu e pressionado contra mim. Seus olhos, azuis
como uma centáurea. Seus cílios como penas de corvo.
Havia um beijo esperando naqueles lábios, esperando a hora de
começar de novo.
Havia um beijo naqueles lábios, um que eu queria.
A percepção foi uma bola de neve diante do meu desejo, e
afastei minhas mãos, rindo como uma pessoa louca enquanto os
elementos químicos no meu cérebro ficavam balísticos.
Aqueles lábios dele se inclinaram para baixo, mas
ele pegou a dica, dobrando para colocar meus pés no chão.
— Graças a Deus você estava lá para me pegar, — divaguei,
colocando alguns metros entre nós. Meu rosto estava pegando fogo.
— Isso vai me ensinar a ouvi-lo.
— Vou lembrar que você disse isso.
Continuei rindo para cobrir minha confusão e desconforto, o som
estranho, minhas bochechas quentes. Eu esbarrei na mesa, pegando as
cestas de tabaco antes que elas caíssem sobre o chão.
— Você está bem, Tess? — ele perguntou com aquele sorriso no
rosto e no peito em exibição total.
Coloquei os cestos direito e me endireitei, colocando meu próprio
sorriso. — Sim. Uh-huh. Apenas a adrenalina, eu acho. Quero dizer,
eu quase morri.
— Isso me faria um herói.
Revirei os olhos. — Não vamos ficar loucos.
— E isso faria de você a donzela.
Isso rendeu a ele uma risada zombeteira e um lampejo de
aborrecimento que eu realmente precisava guardar.
— Quero dizer, eu peguei você como se pega uma princesa
depois que você caiu dramaticamente daquela escada.
Eu ignorei minha curiosidade sobre como ele sabia o que era
segurar uma princesa em troca de, — E o que, você é o
príncipe?
Ele estreitou os olhos como se fosse uma pergunta
realmente difícil. — Eu diria que estou mais para um cavaleiro.
— Mais como um pirata.
— Com um coração de ouro, — acrescentou.
— Bem, obrigada, — eu disse. — Por me pegar.
— Salvar você, — ele corrigiu.
— Me salvar, — eu alterei, revirando os olhos com força
suficiente para quase doer.
Ele foi até as caixas, inspecionando uma. — Existe algo
específico que você quer que eu faça para os plantadores, ou posso
simplesmente inventar loucamente?
— Enlouqueça, contanto que você não fique bravo se eu fizer
você refazê-los.
Um sorriso foi lançado pela linha do seu ombro, direto para mim.
— Impressione a Tess ou então. Entendi. Encontre-me aqui amanhã às
oito, se você quiser ajudar a pintar a loja.
— Eu estarei aqui, — prometi.
— Obrigado, — disse ele. — Pela ajuda.
O eco do meu próprio agradecimento trouxe um sorriso
espontâneo aos meus lábios. — De nada. Vejo você amanhã.
— Até lá, Tess.
Eu me virei, precisando sair da sala. Sair do prédio. Sair deste
quarteirão. E mesmo assim, eu não sabia se o espaço entre Luke
e eu seria suficiente.
A mistura de emoções era como concreto barato –
tudo, desde a areia macia de quase beijá-lo até o cascalho do fato
de que ele era Luke Bennet. Eu queria gostar dele. Eu realmente
queria. Mas eu não conseguia deixar de sentir que, em algum nível,
estava sendo manipulada pela força de sua vontade e charme. Parecia
falso de alguma forma.
Eu não tinha motivos para acreditar que ele fosse qualquer coisa
além de sincero, mas não confiava nele tanto quanto poderia jogá-lo, e
ele pesava tanto quanto um bebê elefante.
Um pensamento me ocorreu quando me apressei para sair da
estufa: eu estava operando sob a suposição de que ele queria dormir
comigo, uma suposição que não tinha mérito ou fundamento. Ele me
beijou uma vez, bêbado com uísque e cheio de hormônios
adolescentes. Isso não significava que ele ainda queria me beijar uma
década depois. Ele esteve casado por um tempo, pelo amor de Deus.
Talvez ele só quisesse ser meu amigo.
O pensamento me deu estremecimento e aversão. Um
estremecimento porque descobri que parte de mim queria ser amiga
dele, e se eu limpasse a noção de que ele queria algo além disso,
minhas garras se retraíam. E uma aversão porque a Tess de dezesseis
anos, queria que ele a beijasse novamente e queria que ele se
arrependesse de ter esquecido. Ela queria vingança, imaginei, e
quem poderia culpá-la?
Certamente não a Tess de vinte e seis anos.
Amigos. Testei o pensamento, revirei-o no meu
cérebro. E sorri para mim mesma, saindo da loja e entrando no
calor do verão.
Eu poderia ser amiga de Luke Bennet, desde que ele nunca mais
quisesse me beijar.
08
Rima Com Sim

Luke
Eu queria beijar Tess Monroe.
Eu queria beijá-la no segundo em que ela entrou na loja ontem,
vestindo um macaquinho e uma camiseta do Cure. Eu queria beijá-la
enquanto a observava esfregar a parede com o rostinho enrugado em
concentração. Eu queria beijá-la quando ela caiu da escada e em meus
braços. E durante todo o dia de hoje, enquanto pintávamos a loja, só
pensei em uma coisa.
Eu queria beijá-la. E eu estava acostumado a conseguir o que
queria.
— Você me ouviu? — Kash perguntou impaciente.
— Hmm?
Ele revirou os olhos, seu corpo comprido esticado
no beliche inferior em nosso antigo quarto. — Cara, o que há com
você?
— Estou esfregando e pintando a loja há dois dias. Estou cansado.
— Certo, — ele disse. — E a ruiva de macaquinho não tem nada
a ver com isso.
Recostei-me na cadeira de madeira em que eu estava residindo, a
dobradiça rangendo. — Como se Tess Monroe quisesse de boa
vontade me dar o tempo do seu dia.
Ele encolheu os ombros. — Parece-me que ela está lhe dá tempo
toda hora, a dois dias. O que há com ela? Ela estava diferente hoje.
Era verdade. Naquela manhã, ela entrou na loja, de olhos
brilhantes e com animação, pronta para trabalhar com um sorriso no
rosto. Ela só me insultou sete vezes, e uma delas foi um elogio
sarcástico. Minhas expectativas estavam baixas: no dia anterior, foram
vinte e três insultos e um soco com cabo de vassoura que eu não podia
ter certeza de que foi acidental.
Não que eu estivesse contando.
— Não sei o que aconteceu com ela, mas não estou questionando.
Estou apenas aceitando o benefício e seguindo em frente.
— Cara, ela parecia tão fofa com aquela bandana no cabelo e tinta
no nariz. E a bunda dela naquele macacão…— Ele assobiou no
meu velho beliche.
Eu lutei contra o desejo de jogar meu peso de papel
do Batman nele.
— Então você está indo atrás dela ou o quê? —
Kash perguntou, sorrindo.
— Acabei de fazê-la parar de me tratar como um cachorro.
Tenho certeza de que algo mais está fora de questão.
— Talvez eu vá atrás dela então. Acha que tenho uma chance?
Eu bufei para cobrir minha fúria imediata com o pensamento. —
Ela é uma garota com padrões de qualidade, Kash. Se eu não tiver
uma chance, você não tem nenhuma nem no inferno.
— Talvez ela só precise de alguém mais velho. Mais maduro.
— Nascemos no mesmo ano, imbecil.
— Estou apenas dizendo. Talvez ela esteja procurando
estabilidade. Todo mundo sabe que você é tão estável quanto o urânio.
— E você está soltando a boca como se quisesse um pé em
Urano.
Kash riu. — Eu adoraria ver você tentar.
Eu olhei para ele. — Você não gosta dela de verdade, não é?
— Não, — ele disse, sorrindo. — Eu só quero que você admita
que sim.
Um suspiro de concessão soprou de mim, a pausa cheia com meus
pensamentos. — Nós quase nos beijamos ontem, — eu admiti.
Kash sentou-se tão rápido que bateu com a cabeça no beliche
inferior. — Maldição... — Ele esfregou a testa. — Avise o cara
antes de você sair dizendo coisas como, eu quase beijei Tess.
Eu ri abertamente de seu infortúnio, esperando que
deixasse uma marca. — Ela caiu de uma escada no armazém e eu
a peguei. Sem camisa.
Seus olhos esbugalharam-se, a mão ainda pressionada na testa. —
Tess estava sem camisa no armazém?
— Não, eu estava.
Ele revirou os olhos, jogando um travesseiro para mim. Eu peguei
no ar e joguei de volta para ele.
— Estou surpreso que ela não tenha te batido, — disse ele,
afofando o travesseiro antes de se inclinar para trás novamente.
— Eu também, se estou sendo honesto. Ela me odeia. Me odiava.
Talvez ainda me odeie um pouco.
— O que você fez com ela? — ele perguntou. Nesse ponto, a
pergunta era retórica – nenhum de nós sabia, não importa quantas
vezes tivéssemos nos perguntado.
— Quem sabe? Mas acho que os últimos dias ajudaram meu caso.
Tudo que eu tinha que fazer era aparecer e não ferrar com tudo.
— Não se preocupe. Ainda há tempo, — ele me tranquilizou.
— Confie em mim, eu estou ciente. Eu estive trabalhando na
instalação para ela lá atrás, e estou convencido de que vou tanto
decepcioná-la quanto impressioná-la.
— Ou o sutiã dela. Acha que consegue tirar isso?
— Se ela fosse qualquer outra pessoa, eu garantiria. Mas
Tess? — Eu fiz um barulho resignado.
Ele me observou por um segundo da maneira que
ele fazia, a avaliação silenciosa que corria sob seu charme externo.
Era uma máscara – o que eu sabia de fato – montada para proteger
seus pontos fracos. Todo mundo pensava que ele não era nada além de
um flertador, assim como eu. Mas isso era apenas como gostávamos.
Deixe-os pensar que estamos vazios.
Havia conforto em ser subestimado. Estávamos constantemente
prontos para impressionar a todos.
Algo em sua expressão mudou, e eu sabia o que ele ia dizer antes
mesmo de dizer.
— Wendy está de volta à cidade.
Uma respiração longa e barulhenta encheu o espaço entre nós. —
Laney me disse.
Outra pausa, seus olhos de um azul mais profundo e mais escuro
do que todos nós. — O que você acha que ela quer?
— Eu não sei. Não pode ser uma coincidência que ela esteja no
meu pé.
Ele franziu a testa. — Também não acho. Acha que ouviu que o
Marcus comprou a loja?
Desconforto revirou meu estômago como um ninho de cobras. —
Talvez. Embora eu não saiba por que ela se daria ao trabalho de voltar
todo o caminho. Eu só a vi algumas vezes desde... bem, desde que
terminamos. A última vez foi há algumas semanas atrás. Ela
parecia o seu eu habitual.
— Encantadora? Bagunçada? Maníaca?
— Tudo acima.
O cenho dele se aprofundou. — Ela estava para cima ou para
baixo?
— Para cima. Ela queria caminhar por Cahuenga, então nós
fomos. Foi… agradável. Como nos velhos tempos.
— A emoção não vale a pena.
— Você diz isso como se eu não soubesse.
Kash bufou. — Você não dormiu com ela, não é?
Encolhi os ombros. — É a Wendy, — foi tudo o que eu disse. O
que, é claro, significava que sim.
Isso me rendeu um revirar os olhos. — Você é tão previsível.
Em vez de discutir, passei a mão pela boca. — Você sabe como
foi com ela. Eu a amava – ou quem ela era quando estava lúcida. E
quando ela não estava...
— Você queria salvá-la. Ajudar ela. Já entendi. Mas cara, você é
um glutão por punição, voltando para a cama com ela.
— Foi a última vez. Ela me disse depois que tinha um namorado.
— Você está brincando comigo, — disse ele categoricamente.
— Não se preocupe. Lição aprendida e tal. Pelo menos ela é
consistente.
Desta vez, sua revirada de olhos foi acompanhada por um bufo.
Um estrondo veio do corredor, o inconfundível trovão de
alguém subindo as escadas.
— Jantar! — Laney chamou, a palavra passando
pelo corredor e subindo para o próximo voo.
— Quem sabe? — Kash perguntou, levantando-se
da cama. — Talvez Wendy realmente use o que quer que esteja
entre seus ouvidos e fique longe.
— Não vamos abusar da nossa sorte, — eu disse em uma risada
forte, seguindo-o para fora do nosso quarto, pensando nela.
Cinco anos atrás, quando eu conheci Wendy, minha órbita
mudou, centrando-se ao seu redor. Ela tinha a energia do sol, quente e
brilhante. Era intoxicante, a vitalidade irradiando dela, e eu a desviei
para alimentar a minha.
Mas esse é o lance com uma estrela. Chegue muito perto e você
se queima.
Tudo o que eu planejava, ela estava disposta. Tudo o que eu
queria fazer, ela estava dentro. Pensei que iria me aventurar por toda a
vida com ela. Então, quando ela atingiu pontos baixos, lá estava eu,
estável e firme, uma tábua de salvação na tempestade.
Ela precisava de mim. Então eu dei a ela tudo, coração e alma.
Eu disse a mim mesmo que não era culpa dela quando ela recusou
remédios, desistiu da terapia. Culpei os pais dela pela negligência,
pela irresponsabilidade e pela falta de amor que ela recebeu. Eu queria
salvá-la deles. De si mesma. Eu queria dar a ela a vida que ela nunca
conheceu.
Então usei minhas finanças em nossa casa em Santa Mônica.
Deixei-a comprar sem constrangimentos. As dívidas cresceram
e minha confiança diminuiu. Meus trabalhos estranhos
não pagariam mais pelas bolsas de Hermès, não
financiariam a casa. Então fizemos as malas, e fomos
para o Valley, onde era mais acessível, e encontramos um
apartamento em Reseda. Meu pensamento era de que, quando as
coisas mudassem, poderíamos nos estabelecer lá e criar filhos, apesar
da luta que me levou para tirá-la do lado oeste. E essa luta parecia
sangrar em tudo. Os bons tempos pararam de superar os maus, suas
baixas mais longas, mais difíceis. Eu pensei que nunca
conseguiríamos quando eu encontrei o Vicodin, quando eu descobri o
vício dela – essa luta era tão intensa que eu saí de casa quando ela
começou a atirar pratos em mim como frisbees. Quando cheguei em
casa, todas as cerâmicas de nossa cozinha haviam sido reduzidas a
escombros, no quarto destroços com restos de porcelana e cortes nas
paredes.
Encontrei Wendy em nosso quarto, sem resposta. Um punhado de
pílulas, algumas bebidas. Uma ambulância. Lavagem estomacal. Suas
lágrimas, sua tristeza ao acordar, tão desesperadamente reais quanto
sua raiva havia sido.
Wendy tinha dois gatilhos – segurança financeira e abandono. E
esse conhecimento deveria ter sido minha dica. Eu deveria saber então
que isso iria desmoronar. Mas, como um tolo, eu tinha fé.
E então eu a encontrei com ele.
Era cena de pesadelo. Depois de tudo o que passamos, depois
de tudo o que eu tinha dado, cheguei em casa e a encontrei
transando com ele na minha sala de estar. Todo mundo
tem uma linha, uma fronteira que uma vez cruzada
nunca poderá ser passada novamente. E essa foi a
minha.
Eu acreditei nela quando ela disse que estava arrependida –
não para me recuperar, mas porque apesar de tudo, ela não queria me
machucar. Ela voltou para Santa Mônica com ele. E quando ele a
largou como uma poltrona quebrada, ela voltou implorando. Eu estava
doente o suficiente para considerar aceitá-la de volta.
Mas o que eu disse a ela era tão verdadeiro naquela época quanto
nesse exato momento – eu não podia perdoá-la só porque ela estava
doente. Não pelo que ela fez.
O máximo que eu podia oferecer era ajudá-la a encontrar
empregos – os quais ela inevitavelmente perderia – ou a proteger seus
apartamentos – nos quais moraria até que não pudesse mais pagar o
aluguel ou encontrasse um novo cara para transar e morarem juntos.
Ela saltou de homem para homem, sempre ricos, sempre conectados.
E quando a descartavam, como sempre faziam, ela viria até mim.
Começaria com um jantar e terminaria conosco nos braços um do
outro. Mas sempre havia uma surpresa – ela precisava de dinheiro,
fora despejada. Ou pior – ela veio buscar conforto em mim quando
tinha um namorado que eu não conhecia. O que me tornava o outro
homem.
Apesar disso. A última vez foi a última vez.
Mas no fundo eu ainda sabia que atenderia a ligação.
Porque se eu não a ajudasse, ninguém o faria.
Quando Marcus nos chamou para casa, percebi que
só estava ficando por ela. E voltar quebrou os grilhões que eu não
tinha percebido que estava usando.
Ouvir que ela me seguiu os fez pairar sobre meus pulsos
novamente.
Mas desta vez era diferente. Desta vez, eu não me sacrificaria. Era
hora de seguir em frente, e pela primeira vez em muito tempo, seguir
em frente parecia possível.
Quero dizer, além do fato de que eu estava morando na minha
casa de infância com meus irmãos.
Nosso antigo quarto não havia mudado muito, embora Kash
tivesse se mudado para o antigo quarto de Laney quando ela partiu
para a faculdade – era maior e tinha uma janela de sacada. É claro que
ele o entregou a Laney quando ela voltou para casa. E desde que o
quarto de Marcus se transformou em um ferro-velho de caixas sem
dono e móveis, Kash e eu acabamos voltando para o nosso quarto
juntos.
Ele escolheu a beliche de baixo, e quando lutamos por ela, ele
ganhou, graças a um soco bem dado no saco. Sempre foi um
trapaceiro – era a única maneira de ele me vencer. Como tal, todas as
noites, eu subia uma escada minúscula e dormia perto o suficiente do
teto, para não poder levantar os braços sem acertar o punho no
teto. Para a sorte de Kash, eu não era claustrofóbico.
Descemos as escadas trotando, passando por fotos
emolduradas de todos nós, de traseiros nus a fotos de
estúdio. Kash e eu nos revezamos nos insultando, Laney
passou com um toque na minha orelha que acabou com ela por
cima do meu ombro, gritando. Marcus permaneceu civilizado,
oferecendo apenas uma frase ocasional, e mamãe seguiu atrás,
mexendo em seu terno e me avisando para não derrubar nada das
paredes.
Entramos na sala de jantar como um rebanho de gnus. Papai
sentou-se à cabeceira da mesa, suspirando enquanto fechava o jornal,
seu momento de solidão acabou. Jett entrou na sala com uma caçarola
nas mãos esticadas e o avental da mamãe amarrado no pescoço e na
cintura – o roxo com as pequenas flores amarelas.
O resto de nós parou com um grito quase audível, fez se uma
pausa e caímos na gargalhada.
O rosto dele se achatou. — O que? Não queria estragar minha
camisa.
Kash berrou, agarrando Jett no pescoço. — Você está tão bonita,
Julie.
Jett revirou os olhos, dando uma cotovelada em Kash com força
suficiente para fazê-lo ficar sem palavras, — Cuidado, Kassie.
— Vamos lá, não deixe ele chegar até você, — eu acalmei. —
Não quando você está tão bonita de roxo.
— E você fica ótimo em preto e azul, — ele disparou.
— Agora, quietos, — disse mamãe, nos atirando em
direção a nossos assentos. — Seu irmão preparou o
jantar para vocês, Bennets ingratos. Que vergonha de
vocês por provocá-lo. Ele foi o único que se ofereceu,
sabendo que não posso mais cozinhar. — Sua voz era alta e
vibrante, mas tensa nas bordas com culpa.
Nós compartilhamos um olhar antes de murmurarmos nossas
desculpas.
— Cheira bem, — disse Laney, puxando a cadeira. — Caçarola
de enchilada? Cara, eu anseio por isso há anos.
— Agora sim, — mamãe observou, sorrindo para os filhos
enquanto todos nós nos sentávamos, seu desconforto desaparecendo –
ou pelo menos se guardando por um momento. — O que todo mundo
fez hoje?
Laney pegou a colher e colocou para si mesma um pouco de arroz
espanhol. — Trabalhei em gráficos para a loja o dia todo e quase
terminei o site
— Oh, que bom. Mal posso esperar para ver, — mamãe disse
enquanto enchia o prato. — Marcus?
— Oh. Aqui está o guacamole.
— Não, o que você fez hoje?
Ele franziu a testa, colocando o prato de volta. — Considerando
que tenho uma dúzia de caixas bancárias cheias de recibos
manuscritos, podemos assumir que farei isso até morrer.
Ela corou, rindo. — Eu nunca tive cabeça para matemática.
Marcus sorriu em uma demonstração incomum de
compaixão, o tipo que ele reserva para mamãe. — Está
tudo bem. Depois de resolver isso, acho que podemos
nos redimir com a Receita Federal por alguns anos atrás.
Sinto que há mais de vinte a trinta mil em deduções que foram
perdidas.
— Bem, que surpresa! — A mãe disse. — Deveríamos fazer um
cruzeiro.
O nariz de Kash enrugou. — Preso em um barco com um monte
de estranhos e buffets cobertos de E. coli? Passo.
— E você, Lucas? O que você fez hoje?
— Tess, — disse Kash, sorrindo inocentemente para mamãe.
Sua sobrancelha se torceu em confusão, e Laney riu.
— O que ele quer dizer é que Tess e eu terminamos de pintar, —
respondi, chutando Kash debaixo da mesa.
Seu joelho bateu na mesa com força suficiente para mexer os
talheres.
— Que legal! — Mamãe era toda sorrisos, completamente
inalterada. — Eu gosto de ver vocês dois se dando bem, — disse ela
intencionalmente.
— Oh, eles estão se dando muito bem, — disse Kash, rindo. —
Luke simplesmente não consegue manter a boca fechada sobre isso.
Eu estava pronto para jogar meu garfo nele como uma estrela
ninja, mas mamãe continuou, sem perceber.
— Bom, — ela disse. — Isso me deixa irracionalmente feliz.
Posso finalmente ir ver o que você fez, ou você vai me manter
fora de lá por outro dia? Você sabe que eu não lido bem
com esperas, Luke.
— Amanhã, — prometi. — Ainda precisamos
colocar tudo de volta no lugar. Além disso, tenho algumas
surpresas para você.
— Adoro surpresas, — disse ela, com o rosto todo suave e
sonhador. — E estou feliz que você e Tess estejam trabalhando juntos.
Ela é um tesouro. — Lágrimas encheram seus olhos, lágrimas felizes.
Lágrimas orgulhosas. — Ela tem sido as minhas mãos há tanto tempo
que quase não sinto falta. Quase.
Todos os rostos naquela mesa esquentaram.
Papai pegou a mão dela. — Tess argumentaria que é você quem é
o tesouro.
Mamãe sorriu, fungando. — Oh, ela faria, mas seria uma mentira.
Porém aprecio uma mentira bem formada tanto quanto aprecio uma
boa surpresa.
Peguei o assunto Tess e corri com ele. — Ela pulou direto para
ajudar, sujou as mãos, tem muitas ideias. Estamos trabalhando em
algumas coisas para mostrar a você, coisas que acho que vão fazer
você pirar.
— Tenho certeza que vou pirar elegantemente e manter o
patamar. — Ela soltou um suspiro feliz. — Nunca me cansarei de ver
todos os meus filhos na mesa de jantar novamente. Você também, Sr.
Bennet?
— Certamente que não, senhora Bennet, — ele disse com
um sorriso apenas para ela.
— E tudo isso para trabalhar na loja. E eu pensando
que apenas Kash tinha algum interesse. E então, todos os meus
cinco filhos estão em casa e participando. Devo ser a mãe mais
sortuda do mundo.
Marcus olhou para ela com desconfiança. — Mãe, — ele
começou em aviso.
— O que?
— Em quantos encontros às cegas você nos marcou?
Ela olhou para ele, tentando parecer inocente. — Marcus Bennet,
não consigo imaginar o que você quer dizer.
— Não havia nuances, mãe.
A cor subiu em suas bochechas. — Bem, quem poderia me culpar
por querer ver meus filhos apaixonados e casados? De que outra
forma eu vou ter netos? Quando vou chorar em um casamento? Lucas
fugiu e se casou com aquela garota, e eu nem sequer ganhei fotos.
Laney e Jett estão com trinta e um anos. Trinta e um! E só estou
ficando mais velha. Em breve estarei fraca e frágil, e como vou
segurar os bebês? — ela divagou sua consternação, o rosto corado e a
atenção em servir-se da caçarola sem pensar, até que uma pilha
intransponível se formou em seu prato.
— Mãe, — Laney avisou. — Você realmente?
Kash sorriu. — Ei, eu aceito um encontro às cegas. O último
que ela me arranjou foi com Charity Smith.
Ele e eu compartilhamos um olhar conhecedor. A
única coisa com a qual Charity6 era caridosa estava em suas
calças.
— Veem? — Mamãe disse, cavando seu monte de caçarola como
se não fosse uma porção ultrajante. — Estou sendo útil. Obrigada,
Kassius. Pelo menos um de vocês está tentando.
— Quantos de nós você arranjou em encontros? — Eu perguntei,
antebraços na mesa e sobrancelhas juntas.
Ela deu de ombros, seu rosto muito benigno. — Oh, eu não sei.
Todos vocês?
A mesa explodiu em barulho, e mamãe deu uma garfada como se
não pudesse nos ouvir.
— Honestamente, mãe, — Laney bufou —, não é como se não
pudéssemos ter nossos próprios encontros.
— Eu sei que vocês podem, — ela insistiu, enxugando os lábios
com um guardanapo. — Vocês têm seus aplicativos e sites de
encontros hoje em dia, mas há algo a ser dito sobre uma boa
combinação à moda antiga, não é? Por exemplo, ontem no clube de
jardinagem, Vera Archer disse que sua filha acabou de voltar de São
Francisco e precisa de alguns amigos. Claro, eu ofereci o Jett. Além
disso… — ela se inclinou, sorrindo maliciosamente — ela é podre de
rica.
Jett gemeu.
Laney revirou os olhos. — Mãe.

6 Charity: significa “caridade” em Inglês.


— O que? — ela estremeceu. — Eu só quero que
meus filhos sejam felizes e saudáveis e encontrem amor. E se a
pessoa por quem se apaixonarem for rica, isso não poderia
machucar, poderia?
— É claro que não poderia doer, — disse papai, — além da
mordida do forcado que você usa para jogá-los no mercado de
casamentos.
Mamãe deu um tapa no braço dele.
— Oh, eu não estou me intrometendo... apenas dando um
empurrãozinho neles. Esse não é o nosso trabalho? Incentivá-los a
voar para fora do ninho?
— Voar ou mergulhar? — Marcus perguntou.
— Voar, — ela insistiu. — Seu encontro é na próxima terça-feira,
a propósito. Com aquela doce Jenny Arnold. Você lembra dela?
O rosto de Marcus se achatou. — Acho que ela me deu um
folheto religioso do lado de fora do banheiro na escola.
Kash riu. — Ela ainda faz isso. Eu a vi no Blanche’s Donuts na
semana passada, apenas andando do lado de fora da porta do banheiro
esperando para fazer proselitismo para pobres e desavisados
entusiastas de donuts.
— Eu não vou, — Marcus declarou em um tom que não discutia.
Uma mãe era surda para isso. — Oh, você irá. Caso contrário,
você mesmo terá que dizer a ela, na cara dela.
E assim, ela o teve, xeque-mate. De jeito nenhum
ele poderia suportar o olhar no rosto da pobre Jenny
Arnold quando dissesse que preferia comer uma bota
suja do que levá-la para jantar. Em vez disso, ele passaria um
jantar inteiro, ouvindo-a falar sobre seus salmos favoritos,
enquanto pensava em todas as maneiras as quais poderia se controlar
com as coisas ao seu alcance.
Eu ri com o pensamento, mas o som morreu na minha garganta.
Ela disse que havia arranjado todos nós.
— Mãe, — eu avisei, — com quem você me combinou?
Ela sorriu, lábios juntos para guardar seu segredo. — Eu ainda
estou confirmando a sua.
Eu fiz uma careta, a aversão deslizando sobre mim como uma
lesma. Havia apenas uma garota que eu queria convidar, e o nome
dela rima com sim7.
— Estou muito ocupado com a loja, — insisti. — Dê a Kash meu
encontro.
Kash colocou uma garfada em sua boca, dizendo, — Eu aceito.
Mas mamãe bateu o pé. — Não, essa é especial para Lucas. Você
não pode tê-la.
Minha carranca se aprofundou, minha atenção para dentro
enquanto Laney subia no seu palanque para reclamar sobre as pressões
sociais para se casar e como tudo era injusto.
Eu encontraria uma maneira de fugir de qualquer data que
minha mãe planejasse. Isso era tudo o que havia para fazer.

7 Sim: que traduzido para o inglês significa yes, ele está falando da Tess.
Eu tinha outros planos.
A visão de Tess em meus braços prendeu meus pensamentos.
O quase imperceptível toque de sardas no nariz e nas maçãs do
rosto e o comprimento inacreditável dos cílios. Os pequenos detalhes
de seu rosto que eu não tinha visto até que ela estivesse perto o
suficiente para beijar, como a explosão de ouro mel em torno de suas
pupilas, a cor vívida e cheia de luz contra o marrom profundo de seus
olhos.
Gosto de Tess, e faz muito, muito tempo que não me sentia
assim... como se houvesse possibilidade. Ela era o tipo de garota com
quem eu podia me ver, porque quem mais poderia realmente domar
um Bennet, além de uma garota como Tess? Ela não me daria uma
polegada. E ela acreditava que eu não era o tipo de homem
responsável.
O que me fez querer provar que ela estava errada.
Apesar disso, ela gostava de mim. No momento em que ela quase
me beijou, eu soube. Talvez contra sua vontade, mas ela gostava de
mim pelo menos tanto quanto me odiava.
E isso era algo com o que eu poderia trabalhar.
09
Segundo Olhar

Tess
Eu era toda sorrisos, entrando na loja na manhã seguinte como
uma bola de borracha.
A diferença com as paredes brancas era como a noite e o dia, e
vê-las em plena luz do dia era surpreendente. O espaço parecia duas
vezes maior, com brilho e cheio de sol, o efeito despercebido por mim
e Luke na noite passada, quando terminamos depois do anoitecer. Mas
esta manhã, Longbourne estava iluminada. As paredes compridas
estavam imaculadas, as mesas e aparatos voltaram ao lugar, e na parte
de trás, o balcão de registro estava emoldurado por tijolos vermelhos
recém-lavados.
Ele deve ter pendurado a velha placa de madeira da
Longbourne acima do balcão esta manhã, e meu coração
se contorceu de emoção ao vê-la.
Eu cantarolava atrás dos lábios sorridentes, fazendo
o meu caminho através da loja. Ivy sorriu para mim de um arranjo
em que estava trabalhando – suculentas, hera, flores em tubos de
água, todas plantadas em um frasco de boticário de vidro. Um de
nossos arranjos principais que eu inventei no ano passado, e que se
tornou um sucesso instantâneo. Dean estava ao lado dela, como às
vezes fazia – especialmente quando ele entregava suprimentos
algumas vezes por semana – uma parede de tijolos humanos com um
sorriso tão brilhante quanto Las Vegas, sua grande mão descansando
nas costas dela.
— Bem, você não está tagarela esta manhã? — Dean disse.
— Eu sei! — Eu respondi.
Ivy balançou a cabeça, mas ela sorriu amplamente. — Puxa,
imaginei que todo aquele trabalho manual faria você se mover um
pouco mais devagar que isso. — Ela gesticulou para mim.
— Eu não posso evitar. É o dia da vitrine! — Eu torci. — Você
pode imaginar como ficará quando eu terminar com isso?
— Eu sinceramente não posso, — ela admitiu, — mas
conhecendo você, ficará brilhante.
— Venha aqui e pule no meu bolso para que você possa me
lembrar disso o dia todo.
Ivy colocou a mão na barriga. — Não vou caber no bolso de
ninguém nem tão cedo.
Com um estalo de língua, Dean a puxou para o lado
dele. — Só mais alguns meses e terei duas meninas do tamanho de
um bolso.
— Mais alguns meses, — ela resmungou. — É melhor que ela
seja realmente fofa.
— Ela será, porque ela vai se parecer com você.
Ela o cutucou, mas deu-lhe o olhar mais doce, apenas um
movimento de seus olhos que transmitiu sua total adoração. —
Bajulador.
Eu ri, resistindo ao desejo de agarrá-la em torno do que restava de
sua cintura e rodopiar com ela pela sala. As coisas estavam
melhorando e se iluminando. Tudo o que eu precisava para a
montagem da vitrine havia sido entregue e, hoje, eu finalmente veria o
que Luke estava trabalhando em todo tempo livre que reunisse.
Olhei para trás de Ivy, procurando por ele.
— Ele está no armazém, — disse ela com um sorriso.
— Obrigada, Ivy. — Eu sorri, pressionando um beijo rápido em
sua bochecha enquanto me afastava novamente. — Tchau, Dean! —
Falei por cima do ombro enquanto empurrava as portas da estufa.
O som de uma serra elétrica zumbiu através da estufa, e ao descer
a rampa até o porão, vi Luke, de costas para mim e com os olhos
baixos. Aquelas costas, aquelas costas sem camisa em toda a sua
glória muscular, estavam em exibição, já brilhando de suor às
oito da manhã. Eu me perguntava há quanto tempo ele
estava aqui. Mas então, ele estava aqui todas as
manhãs antes de mim.
Era um novo lado dele – a responsabilidade, não as costas
maciças – que me impressionava. Um que o inspirou a acordar
cedo e ficar até tarde, alimentado por nada mais que sua excitação e
visão. Seu dever e confiabilidade.
Extraordinário como isso o mudou.
De alguma forma, ele ficou mais bonito nas últimas setenta e duas
horas. De algum modo, quando ele falava, eu não tinha mais que lutar
contra o desejo de enfiar musgo na sua boca ou enfiar o rosto dele em
uma pilha de solo superficial. Provavelmente foi porque eu decidi ser
sua amiga em vez de supor que ele estava tentando dormir comigo.
Havia uma enorme quantidade de alívio nisso. Não porque eu não
queria dormir com ele. Com ele andando por aí sem camisa e usando
ferramentas elétricas, qualquer mulher hétero em seu perfeito juízo
iria querer dormir com ele.
Não, era porque eu não sabia se o impediria se ele tomasse uma
atitude.
Era disso que eu realmente tinha medo, percebi – minha falta de
arbítrio, dada a suposição de que ele queria me beijar.
Você é tão egomaníaca, eu disse a mim mesma com um revirar os
olhos.
Ao presumir que ele não queria teoricamente dar uns
amassos, eu me absolvia de teoricamente ter que dar uns
amassos. E então, tirando a ameaça da mesa, eu reduzia
a minha ansiedade em oitenta e nove por cento, assim
diminuindo meu aperto com os nós dos dedos brancos e
geralmente tornando as coisas mais agradáveis entre nós.
Eu pensei que talvez, com o tempo, Luke pudesse ser um
ótimo amigo. E trabalhar com ele era muito mais fácil do que eu
imaginava. Eu pensei que ele brigaria comigo o tempo todo, ser
contrário como regra geral, tornar sua missão pessoal me irritar. Mas,
nos últimos dias, encontramos um ritmo. Ele vinha com as ideias, e eu
descobria como executá-las. Ele aceitou minha direção sem reclamar e
a executou com precisão.
Foi a criação mais divertida que eu já fiz em anos. E eu estava
amando a sensação.
Parei atrás dele, admirando a extensão de suas costas e ombros
com um sorriso vertiginoso no rosto. Eu bati no ombro dele, tentando
ser fofa.
Ele pulou seis polegadas, a serra parando no momento em que ele
girou para o lado, o movimento rápido o suficiente para quase me
derrubar.
— Jesus, Tess. Ninguém nunca disse para você nunca se
aproximar de mansinho de um homem usando ferramentas elétricas?
Eu poderia ter perdido um dedo.
Eu corei, rindo. — Eu sinto muito.
Ele me deu um sorriso de lado. — Sem danos causados.
Apenas lembre-se – não posso fazer coisas para você se eu não
tiver mãos.
Eu olhei em volta dele, procurando as caixas. —
Falando nisso...
Luke riu baixinho. — Elas estão aqui. Venha, deixe-me
mostrar-lhe.
Ele me acompanhou até a grande mesa de trabalho e, em cima
estava uma das caixas e todo o meu pedido de flores, além de algumas
coisas que eu não tinha pedido, mas que iriam combinar
perfeitamente.
Mas meus olhos estavam presos na caixa, e quando me aproximei,
ele sorriu, cruzando os braços enormes sobre o peito. Eu nem me
importei com o quão presunçoso ele parecia.
Ele os pintou de um amarelo amanteigado, brilhante, forrou-os
com musgo, encheu-os com terra e os cobriu com arame para manter a
lama no lugar. Nas partes superiores, ele instalou puxadores de metal,
dois em cada, para pendurá-los, pensei.
— A cor é perfeita, Luke.
— Combina com a outra vitrine. Encontrei uma caixa inteira de
puxadores de gavetas e pensei que seria melhor do que apenas usar
ganchos. E eu tive outra ideia, — ele disse timidamente. Eu teria dito
que ele estava nervoso se achasse que Luke é capaz dessa emoção. —
Espera. Deixe-me pegar.
Ele se moveu para baixo da mesa, suas mãos desaparecendo
atrás dos baldes de metal cheios de flores em espera. E quando
ele deu a volta, meu sorriso era amplo o suficiente para
se arreganhar.
Em cada punho carnudo havia uma corda e nas
extremidades havia uma tábua de madeira tão antiga quanto este
estabelecimento. Estava desgastada e estriada, seca e marcada pela
idade. Ele fez um balanço.
— Então, quando você disse que faria uma nuvem de flores,
pensei... e se fizéssemos uma cena? As suculentas, podem ser a luz do
sol. E esta pode ser a chuva. A nuvem, o balanço. Em cada um,
podemos pendurar flores de enchimento em um arco como raios ou
chuva – algumas margaridas para as suculentas e ervilhas doces roxas
para o balanço. Ah, e olhe. — Ele abaixou o balanço para alcançar
debaixo da mesa, voltando à vista com o braço cheio de botas de
chuva.
Os tamanhos variando, de masculinos a femininos, de grandes a
pequenos. Alguns tinham que ser dos anos trinta ou quarenta, o estilo
ia do estrangeiro ao familiar, a forma dos dedos do pé, o artesanato
das fivelas. Todos eles estavam gastos, amados.
— Nós poderíamos colocá-los no parapeito da vitrine e preenchê-
los com flores. Talvez ranúnculos... você andou pelas fileiras da estufa
ultimamente? Está legitimamente explodindo.
Peguei uma bota, a sensação de borracha fria sob a minha mão
enquanto a inspecionava com temor e apreciação. Esta bota viveu uma
vida inteira, assim como os componentes do balanço, das caixas
que ele transformou em plantadores para mim.
Para a loja, eu corrigi.
A emoção tomou conta de mim, minha surpresa e
sentimentalismo por tudo que ele havia feito esmagando. — É... é
perfeito. Simplesmente perfeito.
Ele sorriu, colocando as botas na mesa. — Cara, eu estou
aliviado. Achei que você fosse odiar.
Eu fiz uma careta. — Odiar? Como eu poderia odiar isso?
Luke coçou o pescoço. — Eu não sei, Tess. Eu pensei que
estragaria tudo de alguma forma, especialmente porque você não
pensou nisso. Eu mudei seu plano.
— Você ajustou meu plano. Sorte a sua, são boas ideias, —
provoquei.
— Quero dizer, não exagere na lisonja ou algo do tipo.
— Obrigada, Luke, — eu disse calmamente, meu sorriso pequeno
e impressionado. — Eu nunca poderia odiar isso ou qualquer coisa
que você criar. Você, meu amigo, é verdadeiramente talentoso e de
maneiras que eu nunca poderia ser. E me desculpa, se eu já fiz você
sentir que eu não aprovaria. Eu não tenho sido eu ultimamente. Você...
você costuma fazer isso comigo. — Eu fui mais direta, sorri mais. Eu
falei demais. — Então, por favor, enlouqueça sempre que quiser, sem
preocupação com o que penso.
Ele me observou com seus pensamentos clicando atrás dos olhos,
embora eles estivessem escondidos de mim. — Isso seria
impossível. Mas agradeço mesmo assim. — Abri minha boca
para responder, mas ele falou primeiro, mudando de
assunto. — Agora, o que você diz sobre começarmos?
Eu quero mostrar a mamãe amanhã. Se não o fizermos,
tenho certeza de que ela vai aparecer aqui como o homem do
Kool-Aid8, gostemos ou não. Isso estragaria toda a nossa surpresa.
Nossa surpresa, ele disse. Meu sorriso aumentou.
— Tudo certo. Vamos pendurar lençóis na vitrine, para o caso de
ela decidir dar um passeio.
— Pensamento inteligente. Ela está lá em cima, planejando – eu
juro que posso praticamente ouvi-la, – mas Jett tem instruções estritas
para mantê-la quieta. Se ele tiver que assistir outro filme histórico,
acho que ele vai ficar louco e começar a usar cartola e plastrão e
chamar a todos de madame.
Uma risada saiu de mim. — Como você sabe o que é um
plastrão?
Ele encolheu os ombros. — Ele não é o único que teve que
manter a mãe ocupada para que outra pessoa pudesse causar
problemas. A BBC é um ótimo entretenimento, — disse ele,
movendo-se para um carrinho plano.
— Qual é o seu favorito? — Eu perguntei, ajudando a carregar
nossas coisas para o carrinho.
— Não sei. — Ele empilhou um caixote no outro, depois um
terceiro, e os pegou como se não fossem nada. — Vou te dizer o que
não gostei – Poldark.
— Sério? Achei que você se identificaria com o velho Ross
Poldark.

8 Kool-Aid: aqui no Brasil conhecemos como o Ki-suco.


Ele bufou, colocando as caixas no chão com um
ruído. — Por favor. Esse cara é um idiota. No segundo em que ele
traiu Demelza com Elizabeth, eu cai fora. Eu joguei Candy Crush e
ouvi a mamãe se exaltar com o resto das temporadas.
Uma das minhas sobrancelhas se ergueu enquanto eu pegava uma
mísera caixa, que poderia muito bem ser um saco de tijolos. — Olhe
para isso – Luke Bennet, o monogamista.
— Elizabeth se casou com outro cara em vez de esperar que ele
voltasse da guerra! — Ele atirou.
— Ela pensou que ele estava morto, — argumentei.
Ele estava bravo, realmente bravo com isso. — Foda-se ela. Se
ela realmente o amava, ela teria esperado. E em vez de dispensá-la por
ser a cadela fria que ela era, ele a perseguiu como um adolescente,
mesmo depois de se casar. — Ele fez um barulho. — Idiota estúpido.
Demelza deu a ele tudo, esse ingrato de merda.
Minha diversão borbulhou de mim pela minha risada, que
aumentou quando ele apontou um beicinho firme para mim.
— Eu não estou errado, — disse ele petulantemente.
— Não, — eu disse rindo. — Você não está errado.
— Então, o que é tão engraçado?
Minha boca se abriu, procurando por palavras enquanto eu movia
outra caixa. — Estou apenas surpresa, é tudo.
Seus braços se cruzaram, desta vez o fazendo parecer com
Paul Bunyan, com braços de troncos de árvores e
ombros musculosos enquanto ele olhava para mim. —
Que eu assisto históricos?
— Não, que você desaprova ele a trair.
Oh, como o cenho dele se aprofundou, formando uma
expressão de traição. — O que você quer dizer?
— Bem, — eu disse, repentinamente insegura de mim mesma, —
apenas... bem, eu simplesmente não achei que você fosse uma pessoa
que atribuía emoções ao sexo.
— Isso é muito presunçoso da sua parte, Tess.
— É só que você parece realmente gostar de mulheres. — Eu
esclareci, evitando os olhos dele, mantendo-me em movimento.
— Claro, mas isso não significa que eu não as respeite. — Ele
pegou outra pilha de caixas e as carregou um pouco mais do que o
necessário. — Se eu quase morresse na guerra e voltasse para casa e
encontrasse a garota que eu amava casada com outra pessoa – meu
primo cara de pau Francis, sem menos, – eu estaria arrasado. Mas eu
teria seguido em frente. Porque se ela me amasse, teria esperado. E se
eu tivesse encontrado alguém que me amasse como Demelza, não teria
olhado para trás.
Eu o assisti empilhar os últimos caixotes com aquele beiço ainda
em seu rosto, incapaz de reconciliar o homem que assistia BBC com
sua mãe e discursava sobre histórias de amor e o cara que eu pensava
que não considerava os sentimentos de ninguém além dos seus.
Não que ele fizesse isso de propósito. Sua cabeça realmente
estava tão longe de si.
Ou assim eu pensava.
— Bem, — comecei, pegando alguns baldes de
flores, — estou com você. E quando ela deu um soco na
mandíbula estúpida dele, pulei do sofá e fiz um Herkie.
— Um o quê? — ele perguntou rindo.
— Um Herkie. Você sabe, o salto de líder de torcida no qual suas
pernas ficam como... como uma delas esticada e a outra dobrada?
Ele franziu a testa. — Eu não entendo.
Suspirei, colocando as flores no chão e dando alguns passos para
trás para entrar em um espaço livre. — Como isso.
Eu me preparei e pulei, chutando minha perna direita na minha
frente, dedo apontando e dobrando minha perna esquerda, colocando
meu pé bem na minha bunda. Minhas mãos foram para os lados como
Bruce Lee nocauteando dois traficantes de uma só vez.
Ele bateu palmas quando eu caí no chão, e eu fiz uma reverência,
levantando uma saia invisível.
— Obrigada, obrigada, — eu disse.
— Onde você aprendeu a fazer isso? Não me lembro de você ser
uma líder de torcida.
— Eu não era. Ivy me ensinou, — eu disse, pegando meus baldes
novamente quando ele agarrou o cabo do carrinho. — Eu costumava
ajudá-la, marcá-la e esse tipo de coisa, e ela me mostrou algumas
coisas. Aquele era o meu favorito.
— No que me diz respeito, você deveria fazer parte do
esquadrão. — Ele piscou quando passou e eu o segui.
— Oh, eu realmente não tinha tempo. Minha mãe...
bem, eu apenas tinha começado a cuidar do meu pai em tempo
integral. Não havia tempo para muito mais.
Ele diminuiu a velocidade, olhando para mim enquanto eu o
alcançava. — Eu imagino que você não tinha muita disposição
também, — ele disse suavemente, calmamente.
— Não, nem muita disposição ou alegria. Não para gastar em um
jogo de basquete de qualquer maneira. Gastei essa energia em flores.
Ele não disse nada por um segundo enquanto atravessávamos as
portas duplas e entrávamos em nosso espaço de trabalho, nem eu. Não
era algo que eu queria falar sobre, nem que eu queria me concentrar.
— Bem, você fez bem nisso, Tess. E olhe para você agora – chefe
de design e produção da Floricultura Longbourne.
Eu ri, agradecida por ele não pressionar. — Que título chique.
Vou ter que colocar isso nos meus cartões de visita.
— Você tem cartões de visita? Eles têm o seu número neles? —
ele brincou, balançando as sobrancelhas para mim.
Revirei os olhos. — Não há cartões de visita.
— Se você fizesse, você me daria um?
— Provavelmente não.
— Então há esperança?
Eu ri, batendo nele com meu braço. Mas eu não respondi.
Eu era uma péssima mentirosa.
....................................................
O dia passou como um borrão, aquele tipo de
distorção criativa que a deixa chocada quando olha para cima e
está escuro, do tipo que fazia seu estômago revirar porque havia
perdido uma refeição. Pedimos sanduíches, comemos eles sentados
em mesas em frente um do outro na frente da loja, os pés balançando
enquanto conversávamos.
Luke e eu trabalhamos juntos em uma sinfonia sem som. Plantei
as suculentas e plantas frondosas, e ele pendurou as molduras e o
balanço. Eu construí a nuvem de flores com um maço de arame,
usando capim dos pampas cinza e fino como pena, urze de lavanda,
talos de trigo branco, mosquitinho. Parecia uma nuvem de trovões
pairando sobre aquele balanço. Depois amarramos as flores de
enchimento, pendurando-as de cabeça para baixo nas molduras que
Luke havia criado como se não fossem nada. Quando eu recuei, as
cabeças das flores faziam um padrão que parecia estar chovendo ou
com raios de sol, dependendo de qual parte estávamos olhando.
Era tarde quando eu dei os retoques finais em tudo. Luke tinha
desaparecido uma hora antes, mas eu mal percebi, minha mente
focada totalmente no que eu estava fazendo. Recuei para admirar
nosso trabalho quando o ouvi se aproximar.
— O que você acha? — Eu perguntei sem olhar, ainda sorrindo
para tudo, mãos nos quadris.
— Droga, — ele respirou. — É realmente impressionante
quando você dá um passo para trás e olha tudo isso
junto. Mal posso esperar para ver de fora.
Especialmente quando penduramos estes.
Minhas sobrancelhas se curvaram enquanto eu virava. Ele
colocou a camisa de volta quando o sol se pôs e a loja esfriou, para
minha decepção. Mas ele estava coberto de pó de serragem e pequenas
manchas de madeira se destacavam como flocos de neve contra o
denso preto de seus cabelos.
Em suas mãos havia dois letreiros, e ele os ergueu um de cada
vez, pois eram longos demais para serem exibidos de uma só vez. Em
uma linda caligrafia, havia as palavras chuva e luz, esculpidas na
madeira, que ele deixara crua.
Meu queixo caiu no chão. — Luke, você... você não fez isso, fez?
— Sim, — ele respondeu, inspecionando a chuva. — Você gosta
deles?
— Se eu gosto deles? — Tomei chuva dele, meus olhos
penteando sobre ela. — Eles são... são lindos. Que diabos? — Eu me
perguntei, virando-o como se eu fosse encontrar uma prova da magia.
Ele deu de ombros como se não fosse grande coisa, casual e
confiante, como se isso fosse apenas uma coisa cotidiana e regular. —
Eu desenhei, usei a serra de rolagem. Não demorou muito, trinta
minutos para cada um, pois eram apenas fontes, sem bordas ou
qualquer coisa.
Eu me virei para encontrar seus olhos, piscando para ele
estupidamente. — Você desenhou isso?
— Quero dizer, usei uma fonte como modelo, mas
sim.
— E então você apenas... cortou?
— É assim que geralmente funciona, — disse ele, rindo. —
Eu os teria pintado, mas não sabia que cor você queria.
— Turquesa, — eu disse sem hesitar. — Para combinar com a
porta.
— Entendi. Volto logo. — E com um sorriso e uma piscadela, ele
estava se afastando novamente, me deixando na loja silenciosa.
Luke Bennet, meu herói.
Não estava certo.
Engoli a pílula amarga de que eu estava errada sobre ele enquanto
caminhava para o balanço e me sentava, segurando a corda. Mas o
sabor final disso não era algo que eu pudesse me livrar tão facilmente.
Eu gosto dele. E gosto dele o suficiente para fazer algo a respeito.
Esta foi uma realização perigosa, minha eu adolescente gritando
Não faça isso! como se eu estivesse de bom grado pisando na frente
de um maldito trem de carga. Porque eu já havia percorrido esse
caminho uma vez antes e, embora fossemos apenas adolescentes na
época, em momentos como esse, a ferida doía como se fosse fresca.
Luke Bennet tinha sido meu amigo. Ele foi minha primeira
paixão, o primeiro nome de garoto que rabisquei no meu caderno, o
garoto que me fazia correr para o trabalho depois da escola para vê-lo.
Engraçado, charmoso e lindo Luke Bennet, que me convenceu a ir
à estufa naquela noite, que me ouviu chorar sobre minha mãe
morta com aquele olhar de partir o coração no seu rosto.
Quem me beijou ao luar e depois me esqueceu completamente.
Ele era imprevisível. O que ele dizia, nem sempre era o que
ele queria dizer. Ele era perigoso.
Nós éramos crianças, eu disse a mim mesma. Ele cresceu desde
então.
A minha eu adolescente fez uma careta com o pensamento. As
pessoas realmente mudam, ou apenas alteram, trepidam, deslizam? E
ainda mais problemático – ele havia mudado ou eu o havia
compreendido errado esse tempo todo?
Suas mãos nas minhas costas quase me chocaram para fora do
balanço. Com uma risada calma, ele me deu um pequeno empurrão.
— Olhe para isso. Ele sustenta, — eu disse sobre o bater do meu
coração nos meus ouvidos.
— Você duvidou de mim?
— Considerando que eu não sabia que você podia fazer outra
coisa além de causar problemas, até alguns dias atrás, eu diria que
uma quantidade saudável de preocupação não está fora de linha.
— Justo.
Ele me empurrou de novo, o mais firmemente possível no espaço
que tínhamos e, por um momento, nenhum de nós falou. A vitrine se
estendia quase até o chão e todo o caminho até o teto, a montagem
a vários metros dentro dela. Olhei para a nuvem, que foi
construída para parecer que estava suspensa sobre o
balanço, a grama do pampas balançando com o movimento.
— Você fez bem, Luke, — eu admiti, sem saber como
preencher o silêncio entre nós.
— Você também. A diferença é que nunca duvidei de você. —
Não foi uma acusação. As palavras foram tocadas com leviandade,
como se ele estivesse sorrindo.
— Bem, eu nunca lhe dei um motivo para duvidar de mim, não é?
Ele considerou por um instante.
— Não, acho que não. Você sempre foi capaz, confiável. Segura,
mesmo quando éramos crianças. Mas o que eu fiz para convencê-la de
que não sou?
Havia algo em sua voz, a beira de uma ferida, uma pontada de
mágoa.
— Bem, — comecei, não querendo magoar os sentimentos dele,
mas obrigada a ser honesta, — além de você nunca manter um
emprego? Ou estar em um relacionamento sério?
— Eu fui casado, Tess, — disse ele calmamente. — Quanto mais
sério eu poderia ficar?
Mas eu ri, na esperança de aliviar a tensão. — Quero dizer, foi
realmente sério com a Wendy?
Ele parou o balanço. — Você acha que eu me casaria se não
falasse sério?
Segurei as cordas, mudando para que eu pudesse
olhar para ele. A dor em seu rosto era inconfundível.
— Eu... não foi isso que eu quis dizer.
— Bem, o que você quis dizer? — Ele esperou minha
resposta como se fosse esperar até o inferno congelar, se fosse
necessário.
Meus lábios ficaram um pouco boquiabertos, minha mente
lutando com uma forma de explicar, e quando as palavras vieram, elas
eram honestas e bruscas, manejadas com a certeza inabalável de que
nada poderia perturbá-lo. Nada poderia machucá-lo. — É que você
sempre foi um jogador. Você brincou com Ivy por anos. Nunca teve
uma namorada no ensino médio, apenas uma série de ficantes. E
então, do nada, você desapareceu com Wendy, que era uma louca
notória e jogadora igual a você. Você sempre foi tão... eu não sei.
Inatingível. Ninguém poderia te prender. Você brincou com as
emoções de todas as garotas em um raio de vinte quarteirões, então,
quando Wendy apareceu, presumi que fosse apenas um jogo.
Temporário.
Seu olhar endureceu, sua mandíbula rígida e quadrada. — Como
você sempre faz isso?
— Faço o que? — Eu perguntei, genuinamente confusa.
— Encontra maneiras de me insultar, mesmo quando você está
sendo sincera?
Abri minha boca para me defender.
Mas ele me cortou. — O que eu fiz com você, Tess? Nós
costumávamos ser amigos e, em algum lugar do
caminho, você se transformou nisso. Você me
repreendeu, me insultou. Me tratou como se eu fosse de
segunda classe. Você age como se eu tivesse sido colocado na
terra apenas para incomodá-la, e não consigo entender o porquê.
Então me ilumine, Tess, o que eu fiz para merecer isso?
Pulei do balanço, meu rosto torcido quando me virei para ele. O
segredo que eu mantive dele, a verdade daquela noite, tudo esperava
nos meus lábios. Mas eu não conseguia falar as palavras. Eu não podia
admitir, não depois de todo esse tempo.
— Nada. Você não fez nada, Luke. Como sempre.
Todo o inferno alimentou meu fogo enquanto eu passava,
querendo nada além de sair daquela loja e ir para muito, muito longe.
Mas ele enganchou o meu braço, me parando.
— Que diabos isso significa?
— Não importa.
— O que não importa? — Suas sobrancelhas estavam tão unidas
que quase se tocaram. — O que houve, Tess? O que você acha que eu
fiz?
— Eu não acho que você fez nada. — Afastei meu braço de suas
mãos, punhos como martelos ao meu lado e mandíbula como um
torno. — Se você não se lembra de me beijar, não tenho interesse em
lembrá-lo.
Seu rosto se abriu como pregos e martelos de uma fechadura.
Mas não esperei uma resposta. Eu não queria uma. Não
quando eu tinha certeza de que ele diria exatamente o
que eu temia: você não significou nada para mim.
Havia apenas uma coisa a fazer, uma coisa que eu
precisava – um quarteirão da cidade entre Luke e eu. E com
lágrimas furiosas nos olhos, passei por ele para colocá-lo lá.
10
Pode Tentar

Luke
Eu pisquei quando ela passou como um raio.
Ela não tinha dito o que eu pensei que ela tinha dito. Não tinha
como eu tê-la ouvido direito. Não na história do mundo.
Nunca em um trilhão de anos eu teria esquecido de beijar Tess
Monroe.
Minha mão disparou como um gancho, agarrando a dobra do
cotovelo dela. Eu a virei, meus dedos apertando seu braço para segurá-
la no lugar.
— Tess, — eu comecei, minha voz calma, imóvel, como se ela
fosse um animal selvagem pronto para fugir. — Eu nunca te beijei.
Ela balançou a cabeça, com os olhos brilhando. — Você
beijou. Vou lembrar até morrer, quer você faça ou não.
Engoli em seco, minha mente se movendo para trás
no tempo, procurando a memória. — Eu não sei quem beijou
você, mas não fui eu.
Fúria e mágoa iluminaram seus olhos como um braseiro. — A
estufa. Laney comprou uma garrafa de Wild Turkey para você.
Eu fiz uma careta. — Isso eu lembro. Bebi um terço dela
esperando você escapar. Sua mãe tinha acabado de... eu só queria te
animar. Mas eu não te beijei.
— Você tem certeza sobre isso? — ela atirou.
— Conversamos e bebemos e... foi isso. — Não foi? — Nós
éramos amigos, Tess.
— Também achava. E então você me beijou. Você me disse que
queria namorar, me beijou a noite toda e me esqueceu pela manhã.
Encontrei aquela noite em minha memória e folheei. Mas o fim
era um espaço em branco. Eu não me lembrava de nada até a manhã
seguinte, quando acordei, meio pendurado no beliche com uma dor de
cabeça forte e um pescoço rígido.
— Eu... eu não lembro.
— Eu sei que você não lembra. Você também não se lembrava
quando veio trabalhar no dia seguinte. Quando você me deu um
tapinha na cabeça e beijou a Ivy no armazenamento.
Balancei minha cabeça, meio para discutir, meio para sacudir
as teias de aranha. — Não. — Puxei-a para mais perto, mais
perto ainda, meus olhos saltando entre os dela. — Eu
nunca te esqueceria.
— Exceto que você fez. Porque é isso que você faz.
Eu não signifiquei algo para você, nada aparentemente, então me
desculpe por assumir que as coisas não mudaram.
— Tess, — eu disse, a palavra saltando de seus lábios para os
meus.
— O que?
— Eu te devo um beijo de verdade.
— Não, você não deve. — As palavras tremeram, seu tom
desmentindo o significado delas.
Soltei o braço dela, minha mão deslizando pela linha de sua
mandíbula, o contorno se encaixando na minha palma ordenadamente.
— Sim, eu devo. Tudo o que preciso é de cinco minutos.
— Pa... para quê? — ela respirou.
— Para fazer você mudar de ideia.
Uma mudança de permissão – a respiração simultânea, agitação
de cílios, inclinação de seu rosto, separação dos lábios. Por um
batimento cardíaco prolongado, olhei para o rosto em submissão,
segurando-o na palma da minha mão.
E então eu o peguei para o meu.
Lábios, uma sensação quente de lábios macios e ansiosos,
dispostos e sinceros. Uma respiração barulhenta, o cheiro da terra, da
vida e do barro enchendo meus pulmões, enchendo minha mente.
Eu fui jogado de volta no tempo com um choque.
A luz da lua na estufa, o suspiro de seus lábios, a
doçura dela, o fogo em mim. Tess. Uísque em seu hálito. Sua
boca, sua língua tinha sido tímida, inexperiente. Ela teve que ir
para casa – eu não queria. Eu queria que ela ficasse. Eu queria que ela
ficasse para sempre, e pedi a ela, primeiro com meu beijo, depois com
minhas palavras.
Meu aperto nela aumentou, e eu a puxei para mais perto – essa
Tess, minha Tess – como se o gosto dela, a sensação dela contra mim
pudesse prolongar a memória. Não havia nada tímido em suas mãos
itinerantes agora, nada inexperiente na maneira como ela se envolvia
em mim. Subimos como uma tocha se fundindo, um emaranhado de
braços, nossos corpos trancados e procurando o outro. Não havia
espaço – a chama havia devorado a distância, o ar, ela e eu.
Consumido.
Seus braços se apertaram ao redor do meu pescoço, minha mão
apertando sua coxa, minha língua varrendo a profundidade de sua
boca e a dela dançando contra a minha.
Não sabia quem diminuiu a velocidade, quem recuperou a
consciência, quem lembrou que a Terra existia e nos amarrava. Mas o
beijo acabou. E olhei para o rosto embriagado de luxúria e irradiante
de Tess.
— Você tinha que ir, — eu disse, minha voz grave e crua. —
Eu não queria que você voltasse para casa naquela noite, e eu te
disse.
— Você disse, — ela sussurrou.
— Eu lembro, — eu respirei. — Eu te beijei. Eu
queria você, pensei que tinha você.
— Mas então você esqueceu.
— Então eu esqueci. E você me odiou... Eu pensei que era sua
mãe, tudo o que você estava passando. Pensei que você precisasse de
espaço, por isso nunca tentei, sem saber que eu mesmo a tinha
afastado.
Ela engoliu em seco, olhando para mim com incerteza.
— Te devo mais que um beijo, Tess. Deixe-me fazer as pazes
com você. — implorei, seu rosto na minha palma, minhas pontas dos
dedos em seus cabelos.
Uma centelha de um sorriso. — Pode tentar.
E com um sorriso meu, eu a beijei novamente com a intenção de
fazer apenas isso.
......................................................

Tess
Além de toda lógica e com toda a retidão do mundo, Luke Bennet
me beijou.
Mais lento e profundo foi esse beijo, sem o frenético delírio do
primeiro. Ele respirou no meu fogo, alimentando-o até se
enfurecer. Mas seus lábios se moveram com intenção, um
saboroso jogo de captura e libertação. Ele me provou
como se fosse a primeira vez há tantos anos, como se
quisesse memorizar os detalhes que uma vez esqueceu.
Desarmou. Ele me desarmou, roubou minhas granadas,
derrubou a parede tijolo por tijolo, me deixou indefesa. Eu estava
impotente para lutar, e meu desejo se foi, substituído completamente
por outro desejo.
Este foi um momento em que pensei muitas vezes ao longo de
muitos anos, um que havia entrado nos meus sonhos,
espontaneamente, indesejável. Eu o havia dispensado, mas ele voltou
e fez tudo certo, disse tudo o que eu queria ouvir sem saber que eu
queria ouvir.
Foi uma reescrita da história, aquele beijo. E eu escolhi me perder
no momento.
Eu deveria ter parado. Eu deveria ter recusado. Eu deveria ter
recuado e saído daquela loja como se estivesse pegando fogo. Parte do
meu cérebro gritou para que eu fizesse isso, mas eu a empurrei para o
porão e tranquei a porta. Desta vez, eu não pararia. Desta vez, ele não
esqueceria. Hoje a noite eu seria egoísta e criaria uma nova memória
para substituir a antiga.
Eu não poderia pedir a ele mais do que isso.
Porque no final, eu ainda era eu, e ele ainda era ele. Ele seguiria
em frente novamente, e eu ficaria aqui. Eu ficaria de lado no momento
em que Judy telefonasse com um pedido ou Wendy voltasse à
cidade. Ele não iria me querer mais do que isso, então eu nunca
deveria me deixar querer ele. Não por mais do que hoje à
noite. Agora mesmo.
Deixá-lo entrar por mais do que isso seria ingênuo.
Um risco descuidado, não calculado. Porque os dados me diziam
uma coisa: Luke Bennet me machucaria se eu deixasse.
Então eu não deixaria.
Um assobio chocado o deixou quando minha mão deslizou por
sua camisa, quebrando o beijo.
— Faz dias que eu queria tocar em você, — eu sussurrei minha
verdade, meus lábios se fechando sobre a pele macia sob seu queixo.
— Você tem andado tão... sem camisa.
Uma risada calma, sua mão ainda segurando meu rosto com
carinho quando beijei seu pescoço, as pontas dos dedos no meu
cabelo. A outra mão segurou minha bunda, apertando-a como se
quisesse testar o peso.
— Então você me perdoou por te agarrar? — ele perguntou, sua
mão mudando para a costura da minha calça jeans.
Meu corpo se apertou quando seu dedo acariciou a linha. — Você
me fez um balanço, — eu murmurei, as pálpebras pesadas. — Então
sim.
— E você me perdoou por esquecer? — A pergunta era mais
suave, menos certa, mais arrependida.
— Depende, — eu disse, puxando a barra da camisa dele.
— Do que? — Ele me soltou para alcançar atrás dele,
puxando-a e jogando-a fora.
Meus dentes prenderam meu lábio inferior, meus
olhos sedentos em seu peito, mãos famintas em seu abdômen. —
De como você planeja me recompensar.
Ele se inclinou para me beijar, me agarrando pelas coxas para me
içar e me envolver em torno dele. Sua cintura estreita no círculo das
minhas pernas. Meus dedos na profundidade sedosa de seus cabelos.
Meus lábios pressionando os dele, exigindo e submetendo tudo no
mesmo movimento.
Ele nos levou até uma das mesas, colocando minha bunda na
borda, abrindo minhas coxas para aninhar seus quadris entre elas. O
comprimento dele se encaixou contra mim – sua bermuda de basquete
não mascarava nada, e eu elogiei o criador mais uma vez – e com o
arco das minhas costas, eu o acariciei, me acariciei.
Um estrondo profundo em seu peito, passando por seus lábios,
através da minha língua.
Um relâmpago no meu coração.
Era medo, quente e elétrico. Porque eu nunca tive um caso, e
nunca tive um caso de uma noite só. Eu nunca tinha separado sexo e
sentimentos – nunca precisei. E com Luke, essa separação era
imperativa.
Deixe ela ser selvagem. Esta noite. Somente esta noite.
E então eu deixo.
Luke não quebrou o beijo, mas suas mãos tinham sua
própria agenda. A linha da minha mandíbula, a coluna
do meu pescoço. Clavícula, a carne tenra no mergulho,
o osso duro da crista. Minha camiseta se amontoou nas
mãos dele, subindo no meu tronco – foi isso que interrompeu o
beijo. Sobre minha cabeça, atrás dele em algum lugar no vazio.
O quarto estava quente, mas um tumulto de arrepios irrompeu em
minha pele, meus mamilos apertados e pressionados contra o tecido
fino do meu sutiã.
No segundo em que meus lábios estavam livres da minha
camiseta, eles eram dele novamente.
Um miado em sua boca quando seu polegar roçou o pico dolorido
do meu mamilo, meus dedos se contorcendo em seu cabelo, meus
quadris selvagens, inclinando-se para os dele.
Eu gostaria que estivéssemos em outro lugar. Em algum lugar
macio onde eu poderia sentir o peso do seu corpo no meu. Mas isso
teria que servir.
Flexionei as minhas pernas, apertando até seu quadril pressionar o
meu, com força suficiente para que fosse quase doloroso, se não fosse
tão bom.
Ah, isso vai servir, pensei, minha língua roçando a dele, a sua
mão no meu pescoço, o polegar inclinando meu queixo, prendendo-o
para que ele pudesse mergulhar mais fundo na minha boca. Isso vai
servir muito bem.
Meus braços circularam seu pescoço enquanto eu envolvia
minhas pernas em torno de sua cintura, inclinando meu corpo
para que ele pudesse fazer o que quisesse com meu
peito. Dedos se engancharam no meu sutiã e puxaram,
liberando meu peito. Deus, eu queria sua boca em mim,
queria o calor dela, o cetim liso de sua língua na minha pele. Mas
eu me conformei com o clique dos nossos lábios e a mão dele no
meu peito. Minhas costelas. Meu estômago.
Seus dedos encontraram meu botão e o abriu com um estalo. A
vibração do meu zíper quando ele o abaixou ecoou na costura da
minha calça, contra a carne delicada e dolorida entre as minhas coxas.
Pontas de dedos roçaram a bainha da minha calcinha, a frente
acetinada, segurando meu sexo. Testou o vale, circulou o pico, seus
quadris moendo nas costas de sua mão, a pressão provocando uma
moagem em mim.
O beijo quebrou, deixando-me estupefata e de queixo caído,
minhas pálpebras pesadas demais para se manterem abertas. Seu
braço, quente e forte, se enrolou na minha cintura, e ele me pegou. A
pele fumegante de seu peito sólido contra meu mamilo exposto enviou
um choque de prazer até o local que tanto precisava dele. Minhas
pernas travadas o suficiente para que ele as soltasse, deslizando as
mãos nas costas do meu jeans até que suas mãos estivessem cheias.
Antes que eu percebesse o que estava acontecendo, suas mãos se
moveram, trabalhando para tirar metade do meu short e calcinha no
mesmo movimento em que ele me colocou de volta na mesa. Um grito
de surpresa em sua boca e meus jeans estavam descendo pelas
minhas coxas. Um tênis na palma de sua mão, depois no chão.
O outro o seguiu. E em pouco mais do que um punhado
de respirações, eu estava nua, exceto pelo meu sutiã.
Atordoada demais para analisar, quente demais para
me importar. Seus lábios se moveram pelo meu corpo, fechando
sobre o meu mamilo, como eu imaginara. Mas a imaginação não
era nada comparado à realidade – o calor escorregadio de sua boca,
sua ponta do dedo traçando o calor escorregadio do meu corpo.
Embora não por muito tempo, nem perto do suficiente antes de
ele seguir em frente, me inclinando para trás, lábios nas curvas do meu
estômago, no inchaço do meu quadril. Sua mão na minha coxa, um
golpe, um puxão para abri-la, engatá-la em seu ombro.
Eu desejei que minhas pálpebras se abrissem, o branco dos meus
dedos no preto de seus cabelos. A ponta do seu nariz, os crescentes
dos cílios. Seus lábios inchados e sombrios. O lampejo de sua língua,
a sensação contra minha coxa. Minha outra coxa pendurada no ombro
dele. O bronzeado de seus dedos contra o pálido da minha pele. Um
puxão dos meus quadris, um movimento de seus olhos para pegar os
meus e segurá-los. Para ter certeza de que eu estava assistindo quando
ele passou a língua no meu núcleo e fechou os lábios sobre o meu
capuz, chupando suavemente.
Respirei fundo, minhas pálpebras se fechando, cabeça pendendo e
coxas tremendo. Sua língua mudou, macia e dura, plana e firme, lenta
e rápida.
Segundos. Segundos de sua boca em mim, e minha percepção
aguçou, zumbindo através da minha pele. Meu coração bateu
forte, cada nervo do meu corpo se concentrando no lugar
em que ele estava preso a mim.
Um assobio entre meus dentes. Punho no cabelo
dele. Coxas trancadas, quadris flexionados, núcleo apertado, mais
apertado, espremendo nada.
Segundos, foi o suficiente.
Gozei com um suspiro e um choramingo, meu corpo flexionando
por um longo momento suspenso e, quando se soltou, foi com uma
explosão de prazer, um tremular pulsante do meu núcleo, meu
coração, minha respiração.
Mas ele não parou. Ele diminuiu a velocidade, aliviou, mas não
parou. O ritmo de sua língua e a pressão de sua boca sintonizados com
o ritmo do meu corpo, estimulando o orgasmo quando ele teria caído.
Em vez disso, flutuou, galopando através de mim, me mantendo em
cativeiro.
Não terminou até que ele quisesse, seus lábios na dobra da minha
coxa, na curva do meu quadril. Ele se levantou e eu estava cansada
demais para me segurar. Mas não havia espaço para repousar – havia
uma caixa nas minhas costas, vasos de plantas por toda parte, menos
no espaço onde minha bunda descansava e meus cotovelos estavam
plantados. Folhas de samambaia faziam cócegas nas minhas
omoplatas. Eu não tinha notado isso até então.
Seu braço enganchado ao meu redor, me puxando para sentar com
a única intenção de me beijar. Eu estava mole em seus braços, à
sua mercê como um cordeiro de sacrifício. E quando ele me
beijou cuidadosamente, ele se afastou, sorrindo para
mim.
— Jesus, Tess, — ele respirou.
Minhas bochechas ardiam de vergonha por eu ter vindo como
um foguete depois de quatro segundos de contato com a sua boca
demoníaca. Porque certamente esses lábios eram um pecado, e me
condene ao inferno por querê-los como eu fiz.
— Eu... já faz um tempo, — eu admiti apressadamente.
Mas ele riu. — Não machuque meu ego, Tess – acabei de
desbloquear uma conquista da vida.
Eu fiz uma careta. — Me fazer gozar tão rápido?
— Fazer você gozar de qualquer jeito.
Ele me beijou antes que eu pudesse rir. E antes que qualquer um
de nós decidisse, estávamos torcidos juntos novamente, respirações
barulhentas e com corpos duros.
Especialmente o dele. Seu comprimento impressionante
encontrou o caminho entre minhas coxas novamente, desta vez com
nada além daquela maldita bermuda de basquete entre nós. Ele não
estava usando roupa interior – eu podia sentir a ponta da cabeça dele,
grossa e dura contra o meu núcleo liso.
Ele cumpria suas promessas. E tive a sensação de que ele faria
isso de novo com a ajuda do cano de aço em suas calças.
Parecia que talvez eu estivesse devendo a ele também, e eu
planejava fazer bom uso disso.
Em sua bermuda, minhas mãos mergulharam como um
nadador campeão, deslizando pela pele acetinada de seu
eixo, a dureza impossivelmente macia dele na minha
palma pesada, grossa. Eu sabia que ele estava guardando
algo, mas ver era acreditar. Parte de mim não sabia onde ele
colocaria tudo isso. O resto de mim não se importou.
Eu o libertei, tirando a bermuda da bunda dele.
Ele se manteve com uma longa e constante expiração que
interrompeu nosso beijo.
— Diga-me que você tem camisinha, — eu respirei, acariciando-
o.
Ele cantarolou, pegando meus lábios uma vez, suas mãos tateando
seus bolsos antes de mergulharem dentro e esvaziarem o conteúdo
sobre a mesa. Chaves. Identidade. Um cartão de crédito.
E uma camisinha.
Eu olhei para ele e comecei a rir. — Você é tão vadio.
Mas ele sorriu, presunçoso, seguro de si e imperturbável, como
sempre. — Você não acabou de me implorar por um desses? — Ele
levantou o pacote em exibição antes de rasgá-lo.
— Você nem tem carteira, mas tem camisinha?
Um encolher de ombros, sua mão cobrindo a minha, segurando
sua base quando ele rolou a camisinha. — Sou minimalista, Tess. O
que posso dizer?
Uma risada saiu de mim, nossas mãos trabalhando em seu eixo
juntas, nossos lábios se unindo, abrindo e depois fechando. E
então o riso se foi, queimado pela antecipação, pela mudança de
seus quadris aninhando sua coroa na carne agitada do
meu corpo. Minha mão apertou seu pescoço,
segurando firme quando eu me inclinei para trás, bunda
pendurada na mesa, lábios separados, centímetros de distância,
olhos presos. Respiração pesada.
Seu corpo rolou, lento e deliberado, e com o movimento, ele
avançou dentro de mim. Cada onda o trouxe para mais perto, mais
perto, mais profundo, até que ele me encheu completamente e nos
deixou sem fôlego. E nenhum de nós se mexeu, sua testa pressionando
a minha por um longo momento. O pulso de seu pênis em mim enviou
um eco de volta.
E então ele me beijou.
Fome era o beijo, sua restrição apertada o suficiente para quebrar,
um beijo devorador.
Um recuo e um impulso.
Um suspiro de prazer e dor, coxas abertas. Ele forçou meu joelho
mais alto, olhando para a linha do meu corpo enquanto ele retirava
devagar, e rolava seu corpo para me encher. Mais uma vez, mas com
mais força, a mesa empurrando, o barulho da cerâmica. Mais uma vez,
ele bombeou seus quadris, trouxe seus lábios aos meus. Dobrou o meu
joelho em suas costelas, debruçou-se sobre mim, pressionou-se contra
o meu corpo e eu segurei. Isso foi tudo o que pude fazer – não havia
prazer que eu pudesse dar a ele que ele não aceitaria. Mas havia um
prazer que ele poderia me dar, e ele fez com um foco obstinado. A
cada impulso, ele revirava os quadris, acariciando-me para fora
e para dentro.
Segundos, e outro orgasmo deslizou sobre mim em
um sussurro, depois um suspiro, depois um gemido. Então um
grito quando me puxou para baixo, quando meu corpo o puxou
para dentro, engoliu-o, flexão por flexão, pulso por pulso.
Eu cedi, afiando a percepção. Ele acelerou, as pontas dos dedos
arrastando sulcos na minha coxa. Um suspiro. Um grunhido
estrangulado, um bloqueio dos seus quadris por um segundo – um
longo e prolongado segundo de falta de peso – e ele veio como um
trovão, duro e quente, selvagem e indomável. Seu corpo estava
trancado, cada pedra muscular quando ele bombeava, se soltava,
soltava as rédeas e se afastava.
Ele me beijou enquanto diminuía a velocidade, o tipo de beijo
pesado com alívio e gratidão e algo mais profundo, aquele sentimento
inominável de conexão, tão real quanto uma corda, nos unindo.
Mesmo que seja apenas por um momento.
Naquele momento, não havia mais nada a não ser aquele beijo.
Sem palavras, sem exigências. Nenhum desejo – que havíamos
abatido durante esse tempo. Havia apenas a simplicidade daquele
beijo. Dele e de mim. Dos anos entre nós e os dias que se passaram.
Ele segurou meu rosto com uma mão, me segurando firme com a
outra. Quebrou o beijou para olhar para mim, para procurar meus
olhos. Seus lábios se inclinaram, o sorriso tão desesperadamente
Luke, que parecia que eu o conhecia por uma eternidade.
— Eu cumpri minha promessa? — ele perguntou,
seu polegar acariciando minha bochecha.
Uma torção do meu coração quando eu olhei para
ele, sabendo que este era o meu único gosto, minha única chance.
Mas eu o manteria aqui a noite toda e iria pegar tudo o que ele
estava disposto a me dar, dando a ele tudo o que eu tinha. Por hoje a
noite.
— É um começo, — eu disse, sorrindo.
E ele me beijou, como eu sabia que ele faria.
11
Sempre O

Cavalheiro

Luke
— Sem espiar, — avisei a minha mãe enquanto a ajudava a descer
a varanda.
— Lucas Bennet, você está me acusando de trapacear? — Suas
mãos retorcidas descansavam sobre os olhos, que estavam abertos e
tentando ativamente ver por entre os dedos.
— Eu já joguei Monopoly com você, então sim.
Tess, que estava com o seu outro braço, sorriu para mim. —
Você é a imagem da virtude, senhora Bennet.
— Eu sempre gostei mais de você, Tess, — disse
ela.
— Porque ela sempre concorda com você? — Eu perguntei.
— Talvez, — mamãe respondeu levemente.
Meus irmãos esperavam na frente da loja em um bando tagarela,
meu pai parado silenciosamente na beira, sorrindo fracamente. Era seu
rosto tranquilo – olhos suaves e sorridentes apenas nos cantos, sua
expressão em um estado constante de diversão e amabilidade. Era raro
ele arrumar uma briga. Mas quando ele fazia – garoto, cuidado.
Eles se acalmaram quando nos aproximamos, e eu movi mamãe
para frente e a coloquei no centro na calçada em frente à porta.
— Tudo certo, — eu disse quando a posicionei. — Você está
pronta?
— Estou pronta há dois dias, Lucas. Diga quando antes que eu
morra de velhice e enfermidade!
Uma risada rolou através de nós.
— Abra seus olhos, mãe.
Por um momento, ela não mexeu as mãos, como se, agora que
chegou a hora, estivesse com medo. Uma respiração, trêmula e
profunda, se movendo de dentro para fora dela. E então ela encontrou
coragem e olhou.
A mudança em seu rosto roubou minha respiração. Um
amolecimento, um rubor. O arregalar dos seus olhos, o brilho
das lágrimas contra o cerúleo nítido de suas íris. Seus
dedos trêmulos pressionados nos seus lábios. Lágrimas
deslizaram por suas bochechas em gotas roliças.
Ela não falou. Isso por si só já era um milagre – minha mãe
nunca ficou sem palavras em sua vida.
As sobrancelhas dela se juntaram com um movimento da sua
cabeça enquanto ela absorvia tudo. As vitrines, repletas de flores. O
gosto do interior, brilhante e branco, fresco e limpo. A loja – a loja
dela – transformada, revonada.
A alegria e o choque em seu rosto foram a coisa mais gratificante
que eu já vi.
Em segundo era a alegria de Tess.
Suas bochechas e nariz estavam rosados e manchados, a doçura
de seus lábios – lábios com os quais eu me familiarizei ontem à noite
– presos naquele meio sorriso gentil, meio franzido que só fazia
quando chorava. Aqueles olhos escuros e chorosos foram absorvidos
por minha mãe, que se engasgou com uma risada que virou um soluço.
— Eu... o que vocês fizeram, meus impossíveis, doces filhos?
— Foi Tess, — eu disse, puxando mamãe para o meu lado. — Ela
que deu a ideia.
Tess balançou a cabeça. — Não, tudo isso foi Luke. Sem ele,
nunca teríamos tido o ímpeto. Ele fez tudo isso acontecer.
Mamãe riu. — Vocês dois. Vocês discutem até quando estão se
elogiando.
— Vamos, — eu disse com um sorriso para Tess, que riu,
batendo nas bochechas. — Espere até ver dentro.
O braço de mamãe se enrolou em torno de mim, a
outra mão trêmula descansando no meu peito enquanto ela olhava
para mim. — Eu não posso acreditar nisso, — disse ela. — Eu não
posso acreditar que você fez isso.
— Sou tão pouco confiável que minha própria mãe não acredita
em mim? — Eu brinquei, sorrindo e apertando seu ombro.
Ela deu um tapa em mim. — Oh, você sabe que não foi isso que
eu quis dizer. Eu apenas estou tão... — seu olhar voltou para as
vitrines. — Eu só nunca imaginei que poderia ser assim. Gerações de
mulheres passaram essa loja para suas filhas, e a última pessoa a
reformá-la foi minha mãe. Eu... eu gostaria que ela pudesse ter visto.
Eu gostaria que ela pudesse ter visto o que você fez.
Mamãe pegou a mão de Tess, apertando-a enquanto elas sorriam
uma para o outra.
— Eles foram sábios em colocar você para fazer isso, Tess.
Nunca na minha vida vi uma exibição tão bonita e nunca acreditei que
teríamos algo assim em nossa loja. Você é um tesouro, — ela disse
com um soluço.
Ela tinha dito isso antes, e agora eu concordava mais do que
nunca. Tess era um baú de dobrões, aguardando uma eternidade
embaixo de uma cachoeira, apenas esperando alguém encontrá-la.
Para abri-la e admirar suas riquezas. E eu era o pirata ganancioso
que ela me acusou de ser. Eu a encontrei, e no que me dizia
respeito, isso a fazia minha.
— Entre, — Tess persuadiu, pegando seu braço. —
Luke fez mágica.
Entramos, passando pela porta turquesa, atravessamos a
soleira da loja, sobre o azulejo xadrez preto e branco. Tess montou
uma exposição de rabo de raposa na mesa da frente, os caules pintados
de rosa neon e os topos loiros e granulados. E por toda a exposição
havia suculentas em vasos para vender. Mamãe examinou todos os
detalhes, ofegando sobre nossos achados antigos, vagando pelas
montagens das vitrines, chorando novamente quando viu as botas de
chuva.
Ajoelhou-se, passando as mãos sobre elas. — Essa era da minha
mãe. E esta pequena, era minha. Do meu avô. Do seu pa... pai. — As
palavras se dissolveram e, por um momento, ela se recompôs. Quando
ela se levantou, estava com orgulho no rosto e lágrimas ainda nos
olhos. — Estou sem palavras.
— Então isso significa que é hora de beber, — declarou Kash no
momento em que estourou a rolha de uma garrafa de champanhe.
Todos nós pulamos e rimos. Laney forneceu copos de plástico e
Jett estourou uma segunda. E passamos a garrafa ao redor até que
todos nós tivéssemos um copo borbulhante levantado, ignorando o
horário cedo no espírito de celebração.
— Para tudo o que é velho e novo, — eu disse, sorrindo para
minha mãe. — Que sejamos imortalizados pelas ações que
fazemos e pelo amor que damos.
Hip hip hurra, nós demos vivas antes de nos
juntarmos ao silêncio enquanto bebíamos profundamente do poço
dos começos e da familiaridade do lar.
As conversas se levantaram quando todos começaram a conversar
entre si, enquanto vagavam pela loja para apontar, cutucar e sorrir em
todos os cantos do espaço. Papai abraçou minha mãe, sussurrando
algo em seu ouvido que a fez sorrir e chorar novamente. E aproveitei a
oportunidade para me colocar no espaço de Tess.
Ela sorriu para mim sobre seu champanhe, tomando um gole
deliberadamente delicado quando me aproximei.
Nós tínhamos saído da loja na noite anterior em uma trilha de
beijos, nenhum de nós querendo ir. Eu não podia falar dos motivos
dela, mas quanto aos meus... eu não tinha certeza se foi só isso. Se ela
me queria para algo a mais do que ontem à noite.
Um lampejo de medo passou por mim, como tinha acontecido
uma dúzia de vezes desde a noite passada, com o pensamento de que
poderia ter sido a única vez. Que tudo o que ela queria de mim era o
uso do meu corpo, o cobertor do meu charme, o conforto da
companhia por um momento, nada mais.
Mas Tess era diferente. As coisas que ela queria. A maneira como
seu corpo cantou para o meu. Tess não se atirou. E eu não queria isso.
Eu queria construir coisas para ela e ver seu rosto se iluminar.
Eu queria surpreendê-la, queria dar-lhe o inesperado. Queria
descobri-la, e queria viver toda pequena alegria que essa
descoberta traria. Mas eu queria mais do que isso.
Eu queria ser o homem que ela não acreditava que
eu fosse.
Os olhos de Tess eram profundos e escuros, tocados nos
cantos com malícia.
— Bem, um brinde por fazê-la chorar, — eu disse, estendendo
meu copo para uma tintim.
Ela agradeceu. — É tudo graças a você.
Fiz um barulho argumentativo e tomei um gole. — Você é o
cérebro. Eu sou apenas o músculo.
Tess fez uma cara irônica, embora fosse suave com carinho. —
Por favor. Você fez mais do que eu e suas ideias foram ainda melhores
que as minhas.
Eu ri. — Mamãe está certa. Discutimos até quando estamos nos
dando bem.
Seu rosto se iluminou quando ela riu. — Se não estamos nos
insultando, estamos tentando nos superar até com os elogios. É
doentio mesmo.
— Perturbador, — eu concordei, aproximando-me sem querer. —
Além disso, para constar, nunca te insultei.
— Isso é verdade, — ela admitiu, seus olhos piscando nas bolhas
douradas em seu copo. — Sinto muito por isso, Luke. Eu tenho sido
cruel.
— Bem, por dez anos eu esqueci que tinha beijado você.
Uma risada, mas ela não encontrou meus olhos. —
Foi apenas um beijo, e foi muito tempo atrás.
— Não foi apenas um beijo, e eu não deveria ter
esquecido.
— Eu só... sinto muito por julgá-lo indevidamente. Eu não
deveria ter suposto tanto.
— Não seja tão dura consigo mesma. É consenso geral que sou
um namorador sem vergonha e um preguiçoso irresponsável. Você
não é a primeira a estar errada e certamente não será a última.
A piada, a que eu sempre contava, aquela com o núcleo da
verdade que eu geralmente ignorava. Mais fácil possuí-la do que
combatê-la, pensei.
Mas algo a fez olhar para mim com intenções sinceras cobrindo
seu rosto. — Eu estava errada. Eu estava errada sobre muitas coisas.
Eu sorri contra o aperto da minha caixa torácica. — Então, isso
significa que é a sua vez de me compensar?
Ela revirou os olhos enquanto ria. — Você é impossível, sabia
disso?
— Eu sei, e isso é um sim?
Um olhar arqueado coloriu seu rosto, seguido por um flash de
indecisão. — Luke, acho que não devemos...
Mas antes que ela terminasse, eu me inclinei, não querendo ouvir
o resto da frase. Eu trouxe meus lábios para sua orelha, minha
respiração movendo seus cabelos em sopros quando eu sussurrei.
— Porque se você realmente quer fazer as pazes, eu estarei na
parte de trás do armazém em dez minutos. No lugar onde
eu salvei sua vida.
Sua respiração era superficial, seu pulso palpitava
no suave mergulho atrás de sua mandíbula. Eu queria beijar aquele
lugar, sentir o calor da pele dela debaixo dos meus lábios. Mas não
na frente da minha mãe. Deus sabia que tipo de proposta ela faria se
soubesse.
Não, por enquanto, Tess era toda minha, se ela me quisesse.
Recostei-me, aproveitando um momento para absorver a surpresa
e o desejo em seu rosto antes de me virar e me afastar, deixando-a
atordoada atrás de mim.
Meu coração disparou quando eu caminhei pela loja, imaginando
se ela iria ao meu encontro. Pensando no que ela diria. Pensando se eu
a beijaria novamente ou seria rejeitado.
Afastei o pensamento e abracei mamãe novamente, beijei sua
bochecha, modestamente afastei seus elogios. Porque a verdade era
que, sem Tess, nada disso seria o que era. Eu tinha ideias, com
certeza. Mas o que eu nem sempre tinha era motivação para segui-las.
Descobri que Tess era a maior motivadora de todas.
Meus irmãos me parabenizaram, apesar de todos terem visto a
loja em vários estágios de produção. Eu tinha que admitir, o efeito
total era impressionante. Enquanto eu estava parado, admirando o
trabalho brilhante, notei os rostos do outro lado da vitrine quando as
pessoas paravam, sorrindo para a loja.
Isso ia funcionar. Eu sabia que ia.
Tinha que.
Olhei para o relógio na parede atrás da caixa
registradora, notando a hora. Todos tinham começado a se
dispersar. Mamãe e Laney foram para as mesas de trabalho nas
quais Ivy tinha trabalhado duro por horas. Papai e Kash seguiram em
direção à estufa. Jett e Marcus conversavam atrás do caixa, falando
sobre pontos de venda e taxas de conversão e várias outras bobagens
que soavam chatas. E chamei a atenção de Tess enquanto ela movia
sem propósito algum os vasos na mesa de exibição.
— Tique-taque, — eu disse, sorrindo de lado para ela para cobrir
minha incerteza quando passei.
De alguma forma, evitei ser parado, todos estavam envolvidos em
suas próprias conversas. Mamãe, Laney e Ivy estavam inclinadas
sobre um vaso de zínias. Papai e Kash conversavam sobre os níveis de
pH dos canteiros. E silenciosamente, casualmente, discretamente,
desci para o armazém.
O prédio estava escuro, e fui recebido pelo cheiro de terra e
madeira velha, pelo forte cheiro de fertilizante e adubo, pela doçura de
cem anos de lembranças, velhice e familiaridade. E eu me recostei nas
prateleiras ao lado da escada onde peguei Tess.
Isso foi há apenas alguns dias atrás? Parecem anos. Muita coisa
havia mudado para que tivesse passado apenas dias. Dias atrás, eu
estava convencido de que ela me odiava. Horas atrás, eu tinha o
corpo dela à minha disposição. E se eu aprendi alguma coisa
com a noite passada, foi que um gosto não seria
suficiente.
Não quando se tratava de Tess.
Eu não conseguia entender o porquê. Já que era verdade – ela
tinha sido uma merda comigo e por nenhuma outra razão além de
ela pensar que eu era insensível à dor. O que era justo o suficiente...
essa era a armadura que eu usava com bastante frequência e com
grande propósito. Talvez tenha sido porque eu a conquistei, e essa
batalha tinha sido difícil.
Mas, analisando, eu sabia que o verdadeiro motivo era esse: Tess
Monroe era um mistério para mim, e eu queria descobrir as respostas
para todas as minhas perguntas. Como por que ela era tão avessa à
aventura. Ou por que ela queria fazer a mesma coisa, dia após dia. Eu
queria saber como tinha sido para ela todos esses anos, cuidando de
seu pai, vivendo sem a sua mãe.
Eu não conseguia imaginar a vida sem minha mãe. Ela era a
fixação mais brilhante e ousada da minha vida, um apoio constante e
amor constante. E eu sabia que um dia ela iria embora. Eu sabia que
um dia ela deixaria este mundo. Eu sabia que minha juventude era um
presente, que à medida que eu envelhecia, o risco aumentava. Agora
era a hora em que a tragédia raramente acontecia. Minha família
estava saudável, inteira, feliz, mas os anos acabariam com isso. Era
apenas uma questão de tempo.
E Tess já havia feito o inimaginável – sobreviveu à perda em
uma idade em que seu maior problema deveria ser qual brilho
labial usar. Ela assumiu a responsabilidade de sua casa
quando deveria estar saindo escondida para ir a festas.
Não era de admirar que ela fosse cautelosa. Se eu
tivesse perdido da maneira que ela tinha, eu não seria tão livre.
Eu a ouvi antes de vê-la, conversando com Kash no topo da
rampa, e uma pressa me atravessou.
Ela veio.
— Há algumas coisas que eu preciso. Quer dizer, a Sra. Bennet
queria que eu pegasse o... uh... o velho... hum, Luke disse que havia
mais botas de chuva! Sim. Botas de chuva, — ela divagou. — E eu,
hum, eu só ia ver se eu conseguiria encontrá-las.
Kash riu. — Certo. Botas.
— Sim! Então, se você me der licença, é melhor eu pegar isso
para ela antes que ela comece a se preocupar. Você sabe como ela é.
Outra risada. — Claro. Não se perca lá. E diga a Luke para ser um
cavalheiro, ou eu tenho uma pá que quer dar um beijinho nele.
A gargalhada mais alta e desajeitada saiu dela. — Oh meu Deus,
tanto faz, Kash.
Eu a vi, a luz inclinada nas suas costas e seu rosto lançado na
sombra. E então a escuridão a engoliu.
Meus olhos haviam se ajustado, e eu podia ver sua silhueta
enquanto ela caminhava timidamente pela sala e em minha direção,
mãos levemente estendidas.
— Luke? — ela sussurrou.
Meu alívio era palpável. Porque ela veio até mim
quando pedi. Ela queria me ver de novo, e eu queria vê-la. Bem,
eventualmente – eu não estava enxergando muito no escuro.
Agarrei sua mão e puxei, meu sorriso se alargando com o
pequeno grito de surpresa que a deixou antes que ela estivesse em
meus braços.
E então nossos lábios estavam ocupados demais para emitir um
som.
Ela ficou rígida por um momento de hesitação, longo o suficiente
para me convencer de que ia me afastar. Mas com um suspiro, ela
derreteu em mim como manteiga quente. Seus braços se enrolaram em
meu pescoço, seus lábios se separaram para me conceder todo o
acesso que eu queria. Ela tinha gosto de champanhe, doce e
exuberante, seus lábios macios e flexíveis. Mas depois de um
segundo, ela nos separou.
Eu sorri para ela, independentemente do fato de que ela não podia
me ver. — Eu tenho pensado nisso desde que você saiu pela porta na
noite passada.
— Eu também. — Eu podia ouvir algo mais sob as palavras. —
Mas…
— Sem desculpas. Eu quero ver você de novo. Eu gostaria de ver
você toda novamente. Você quer me ver? — Eu perguntei, meu
tom leve e meu peito doendo.
— Pode ser meio difícil ver muita coisa aqui, — ela
foi vaga.
— Pergunta simples, Tess. Você quer me ver de
novo?
Uma pausa, pesada com seus pensamentos. — Sim, mas...
— Eu disse sem desculpas. Esta noite. Encontre-me nas dálias às
dez.
Outra pausa, esta cheia de esperança.
— Vamos lá, — eu persuadi, meu desespero habilmente
mascarado. — Pelos velhos tempos.
Uma risadinha. O peso da mão dela no meu peito provocou um
flash de desejo que não queria nada além de um sim de seus lábios.
— Tudo bem, — disse ela. — Pelos velhos tempos.
E antes que ela pudesse mudar de ideia, eu a beijei para ocupar
aqueles lábios rebeldes dela.
Eu estava tão preocupado com aqueles lábios que não ouvi meu
pai até que minha língua estivesse profunda o suficiente na garganta
de Tess para provar sua pasta de dente. Nós nos separamos quando ele
entrou e voamos como estilhaços quando ele acendeu a luz.
Em seu rosto havia um sorriso suave, e em seus olhos havia um
brilho malandro.
— Oh, olá, — ele disse cordialmente, como se não soubesse que
estávamos lá.
Eu fiz uma careta. Tess parecia que tinha alguém com um
rifle apontado para ela.
— O, eh, ancinho quebrou. Só precisava pegar um
novo.
Tess engoliu em seco e colocou o sorriso mais
ridículo em seu rosto que eu já tinha visto. — Obrigada, Sr. B! —
ela disse com um aceno estranho antes de passar por ele e entrar na
estufa.
Ele e eu trocamos um olhar.
— Acho que ela nunca me chamou assim antes. Alguma ideia do
motivo de ela ter me agradecido?
— Nem uma pista, — eu respondi com um sorriso triunfante. —
Mas um conselho: quando se trata de Tess, aceite o que conseguir.
12
A Curiosidade

Mata

Tess
O sino sobre a porta não parou de tocar o dia inteiro.
Ivy e eu fomos pegas desprevenidas. Em uma hora já tinham
acabado os buquês que tínhamos preparado. Doze pedidos de entrega
de buquê haviam chegado antes do almoço. Jett foi chamado para
conduzir o balcão. Kash foi encarregado de cortar flores e levá-las até
nós. E Luke entrava e saía com entregas sem parar.
Vê-lo enviou uma emoção e preocupação simultâneas
através de mim. Hoje não tinha saído como planejado –
não apenas eu não havia esclarecido as intenções da
noite passada, como também o beijei e concordei em vê-
lo hoje à noite.
Seus lábios eram aparentemente o antídoto para minha força
de vontade. E eles eram tão convincentes quanto um político em
campanha eleitoral. Ele me perguntou à queima-roupa se eu queria vê-
lo novamente, e a resposta honesta era sim, mesmo que eu não
devesse querer.
Eu diria a ele hoje a noite. Eu o encontraria e diria que era isso.
Simples, desde que eu pudesse evitar beijá-lo novamente.
Kash posicionou dois baldes enormes – um de cosmos em tons de
roxo, rosa, bordô e branco. E o outro estava cheio de rosas – delicadas
rubiginosas cor de pêssego, como a coroa de uma princesa, com cores
vibrantes.
— Você pode nos pegar mais algumas bocas-de-leão? — Eu
perguntei, sem tirar o olhar das minhas mãos enquanto amarrava outro
pacote de buquê.
— Madame butterfly ou chantilly9?
— Chantilly. Ah, e um pouco de celósia. Amarela, vermelha e
rosa, por favor.
— Entendido, — disse ele amigavelmente antes de voltar para a
estufa.

9 Existem vários tipos de antirrhinum majus (boca-de-leão), a exemplo


da Madame Butterfly e a Chantilly.
O papel marrom enrugou quando enrolei o buquê e
o juntei a dúzia que eu já havia feito, três conjuntos de buquês
monocromáticos em quatro cores – pêssego, amarelo, branco e
rosa algodão-doce. Eu ri por cima deles para Ivy.
— Ridícula! — ela disse rindo, as mãos voando sobre o arranjo
em que estava trabalhando para a entrega.
Corri para frente. A frente da loja estava mais movimentada do
que eu já tinha visto, mesmo nos tempos de auge. A Sra. Bennet me
viu chegando e se desculpou com o cliente com quem estava
conversando.
— Aqui, deixe-me ajudá-la, Tess. Minha nossa, essas são
simplesmente lindas, — ela disse, sua voz doce e tocada com
reverência. — Você é uma artista, minha querida.
— Eu aprendi tudo o que sei com você.
Ela corou, rindo. — O rabo de coelho nesses buquês! Eu nunca
teria pensado nisso.
— Não me dê muito crédito, — desviei. — Eles eram o que
estava ao alcance. Hoje podemos acabar esvaziando a estufa.
Ela riu abertamente disso. — Essa seria uma visão que eu nunca
vi antes.
— Eu não posso acreditar em quantas pessoas estão aqui, — eu
disse balançando a cabeça. — Nós vendemos vinte buquês de
mercado hoje e tenho mais doze aqui que, suspeito, irão
desaparecer antes do jantar.
— É tudo graças a você. Eu... eu não sei como te
agradecer, Tess. — Sua voz tremeu, depois quebrou.
E quando minhas mãos ficaram livres, eu a puxei para um
abraço. — Sra. Bennet, faríamos qualquer coisa por você e por esta
loja. Tudo o que fizemos foi enfeitar para que as pessoas percebessem
novamente.
— Vocês, crianças, são espertas demais para esta velha senhora.
Eu nunca teria imaginado fazer tudo isso.
Eu me inclinei para trás para olhar para ela. — Oh, você teria.
Você é a florista mais criativa que já conheci e eu conheço algumas.
Na verdade, eu estava pensando... você me ajudaria com a próxima
montagem?
Seu rubor se aprofundou. — Não posso mais fazer muito, Tess.
— Por quê? Não me diga que você tem demência. Não estou
pronta para você perder seus parafusos.
Uma risada, tocada com tristeza. — Não, ainda não. Embora,
quando o fizer, posso apenas imaginar as conversas que você terá que
suportar. Duvido que perder o juízo irá me impedir de falar, e se você
perguntar ao Sr. Bennet, ele dirá que esse é o meu superpoder.
Uma mulher disse atrás de nós, — Oh, estas são lindas. São
zínias?
Saí do caminho para que ela pudesse alcançar os buquês que
acabamos de carregar. — Elas são.
— Que buquê monocromático lindo. Eu nunca vi
nada parecido. Você é a florista?
— Ela é, — disse a Sra. Bennet, orgulhosa. — Ela
projetou as montagens da vitrine também. Você viu elas?
— Foi por isso que entrei, — ela admitiu. — Juro que passei
por esta loja mil vezes e nunca percebi que estava aqui. Parece que eu
vou começar a pegar todas as minhas flores aqui.
— Bem, então, — disse a Sra. Bennet, — Nos veremos em breve.
No momento em que ela se virou para Jett no balcão, a Sra.
Bennet agarrou minha mão. — Você! Você, minha doce Tess, é uma
dádiva de Deus.
— É preciso uma para reconhecer outra. — Eu beijei sua
bochecha.
— Você e Lucas são um bom time, Tess. Você o castiga, e acho
que ele te solta um pouco. — Seu sorriso era modesto, e ela se mexeu,
batendo-me com o quadril.
Minhas bochechas pegaram fogo enquanto eu ria dela.
— Ele é um bom garoto, Tess. Eu prometo. Agora vá! Xô! Vá
fazer mais bruxaria lá atrás com as nossas flores.
— E você continue trabalhando, senhora Bennet.
Ela sorriu, virando-se para um cliente quando eu voltei para os
fundos novamente.
Ela poderia estar certa? Seria eu quem estaria inspirando o novo
propósito de Luke?
Mas afastei o pensamento, rindo da minha presunção. Ele
estava aqui para a loja, para sua família. Eu não tive
nada a ver com isso. Disso eu tenho certeza.
Ivy suspirou, passando as costas da mão na testa. A
outra mão alcançou as costas dela e empurrou. — Isso é loucura.
Jett acaba de me dar mais três pedidos!
— Bem, é melhor começarmos então, — eu disse com um sorriso
imparável no rosto enquanto pegava os pedidos. — Você deveria se
sentar, — sugeri. — Ou se você precisar de uma pausa, eu posso
cuidar disso por um tempo. Descanse seus pés, Ivy.
Outro suspiro, e ela puxou um banquinho. — Oh, isso é bom, —
disse ela quando se sentou.
Eu ri, fazendo uma receita na minha cabeça para os pedidos. A
mesa estava coberta de baldes de flores, colhidas em massa pelo pobre
Kash. Hibiscos e begônias, dálias e ranúnculos, orquídeas e bagas
brancas de jardim.
— Então você vai me dizer o que diabos aconteceu com Luke
ontem à noite? Porque nós estávamos ocupadas demais para
conversar, e estou arrebentando as costuras de vontade para saber.
— Você está arrebentando as costuras de qualquer maneira, —
provoquei, escolhendo um vaso nas prateleiras debaixo da mesa.
— Ha ha, Tess. Não se atreva a negar novamente. Ele tem olhado
para você o dia todo do mesmo jeito que ele olha para um sanduíche
de presunto.
Enchi-o com água fria da pia de fazenda e joguei um pouco
de conservante. — Você ficará feliz em saber que eu contei a
ele sobre o beijo.
A boca dela se abriu. — Você está brincando. Não
achei que você realmente tivesse a coragem para fazer isso. Eu ia
gravar na sua lápide, Aqui jaz Tess – Ele deveria ter se lembrado.
Eu balancei minha cabeça, rindo.
— Então, o que ele fez? Deus, apenas diga logo.
— Ele me beijou e prometeu que iria me recompensar. — Meus
olhos estavam em minhas mãos enquanto eu escolhia uma variedade
de dálias e alguns dos grandes ranúnculos.
— E ele recompensou?
— Ele me recompensou. Duas vezes, logo ali. — Eu empurrei
meu queixo na direção da loja. — E uma vez lá. Ah, e outra vez ali.
Desta vez, sua mandíbula se abriu e bateu na mesa. — Não
brinque comigo, Tess. Você não quer ser responsável por me colocar
em trabalho de parto prematuro, não é?
Eu atirei um sorriso para ela.
— Meu Deus. Oh meu Deus, — ela assobiou. — Você não!
Eu ainda não respondi, apenas continuei sorrindo enquanto
cortava os caules e enchia o vaso.
— Você dormiu com Luke Bennet. — Ela sussurrou o nome dele,
olhando ao redor como se alguém estivesse ouvindo. — Acho que
essa é a coisa mais espontânea que você já fez em toda a sua vida.
— Além de beijá-lo da primeira vez.
— Sim, além disso. O que isso significa? Vocês estão
tipo... namorando?
Uma risada saiu de mim. — Deus não. Eu posso ser
louca, mas não sou burra, Ivy. Foi uma coisa de uma vez, um rolo.
Por diversão. Para reescrever o que aconteceu antes. Estou sendo
aventureira como todo mundo gosta de me acusar de não ser.
Ela me olhou sem esconder o ceticismo. — Você. Um rolo. Com
Luke.
— Sim. Qual é o grande problema? Literalmente todo mundo já
teve um lance com Luke. Por que não eu também?
— Porque você não sabe fazer sexo sem sentimentos.
— Por favor. Luke e eu somos completamente errados um pro
outro. Mas cara, esse garoto sabe beijar. — Suspirei, sorrindo para as
flores. — Se há uma pessoa no mundo com quem se deve ter um rolo,
é com um cara como ele.
Sua suspeita se aprofundou. — E o que Luke acha sobre ser uma
coisa de uma vez só? Porque eu vi o jeito que ele estava olhando para
você, assim como eu vi você segui-lo até o armazém.
Eu mantive meus olhos baixos, dizendo prosaicamente. — Vou
dizer a ele hoje à noite.
Um ha indecente disparou para fora dela. — Oh, Tess.
— O que?
— Você vai encontrá-lo hoje à noite, sozinha, para dizer a ele que
não quer escalá-lo como um trepa-trepa mais uma vez? Certo.
Claro. O que você disser, — ela disse levemente.
— Não pode ser nada além disso. Você mesma disse
que não consigo fazer sexo sem sentimentos.
— E é exatamente por isso que ir vê-lo hoje à noite
é um erro. A menos que você realmente queira transar de novo.
Eu fiz uma careta. — É claro que quero transar de novo – não
estou morta por dentro. Mas eu não deveria. Honestamente, eu não
deveria ter ido na noite passada, mas não me arrependo nem um
pouco.
Por um segundo, ela me observou, seus olhos avaliando e
brilhando com uma ideia. — Então faça isso de novo.
Meus olhos se estreitaram. — Apenas assim?
Ela encolheu os ombros inocentemente. — Claro, assim mesmo.
Talvez seja a hora de você aprender a ter um lance. Talvez você deva
exercitar sua selvageria em Luke. Quero dizer, ele é o candidato
perfeito.
— Qual é o motivo disso, Ivy?
— Nenhum, — ela mentiu. — Olha, você não precisa decidir
agora. Espere até hoje à noite.
Não vou mentir – o pensamento de transar mais uma dúzia de
vezes parecia exatamente a coisa certa a fazer, mesmo sabendo que
não poderia ser mais errado. E, por mais desconfiada que eu estivesse
das intenções de Ivy, fiquei contente por ela ter me falado o que eu
não tinha percebido que queria ouvir.
Ela não acredita que eu consiga ter um rolo. O que provocou
um desejo ardente de provar que ela estava errada.
— Hoje à noite então. Tenho cem por cento de
certeza de que o estilo de vida selvagem não é para mim, mas uma
garota pode sonhar, certo?
Ivy riu. — Eu nem sei quem você é agora, mas eu amo isso.
Mantendo minhas mãos em exposição, eu disse, — É a nova e
melhorada Tess.
Uma voz inegavelmente masculina e escandalosamente
cavalheiresca disse atrás de mim, — E se alguns de nós gostarem da
velha Tess?
Eu me virei, sorrindo para Luke. Seus cabelos escuros estavam
soprados pelo vento, seu sorriso brilhava contra o bronzeado de sua
pele. Sua camiseta esticava-se sobre a extensão do seu peito, em torno
das curvas do bíceps.
Era realmente ridículo. Ninguém deveria ser tão gostoso.
E eu tenho que, de alguma forma, descobrir como me afastar de
toda essa gostosura. De repente, eu entendi tudo o que Ivy tinha
acabado de colocar em mim.
— Cara, a loja está louca, — disse ele, radiante. — Mamãe está lá
fora entregando flores como se fosse seu trabalho em tempo integral.
— Bem, meio que é, — pontuei.
— Tanto pela aposentadoria, — disse ele, rindo.
— Acho que todos sabíamos que ela nunca iria se aposentar.
Eu não percebi que tínhamos andado um em direção ao
outro até que eu pude sentir o cheiro do sol nele. Ele
devia estar dirigindo com as janelas abertas. Imaginei
se ele iria ficar com uma queimadura de sol no braço
esquerdo e lutei contra o impulso de ir pegar o protetor solar da
minha bolsa para ele.
Ivy pigarreou. — Temos mais alguns pedidos prontos para você.
Eles estão no refrigerador.
Ele piscou para mim e deu um passo para trás, olhando para Ivy.
— Estou dentro. Não tenho visto tanta ação a tempos.
Ivy bufou, e eu olhei para ela, ocupando meu posto na mesa
novamente enquanto Luke enchia uma caixa com pedidos. Quando ele
se levantou, o peso da caixa em suas mãos envolveu todos os
músculos que ele possui, as veias em seus antebraços visíveis do outro
lado da sala.
— Tudo bem, meninas – não se metam em nenhum problema. —
Ele deu uma piscadela para mim quando passou e, de alguma forma,
até isso era sexy. Uma piscada.
Eu me perguntava distraidamente se eu deveria checar minha
cabeça. Certamente, algo tinha que ter entrado em mim.
Além de Luke.
Eu ri para as minhas mãos e Ivy me mandou um olhar.
— Sério, você está besta. Besta, — ela disse. — Não me
interprete mal – eu não odeio isso. Mas você não está... sentindo o
cheiro de torradas queimadas ou algo assim, não é? Porque se
precisarmos fazer em você uma tomografia computadorizada ou
algo do tipo, acho que isso pode ser arranjado.
— Estou bem, Ivy, — eu disse rindo. — Deus, uma
garota não pode nem transar por aqui sem um interrogatório.
— Considerando que você faz a maioria dos caras esperar três
encontros para fazer sexo, não acho que estou sendo irracional
perguntando.
— Três encontros não tanta coisa. E eu conheço Luke pela maior
parte da minha vida. Você age como se eu tivesse pegado um estranho
no banheiro de um posto de gasolina.
— Na Tess-landia, é basicamente o equivalente.
Revirei os olhos para ela, mas estava rindo novamente. Eu não
pude evitar. A coisa toda era muito louca para palavras.
— Bem, nunca tema, — disse ela. — Estou aqui para ajudá-la a
lidar com isso.
— A rainha das pegações.
— Não sei se você sabe disso, mas estou um pouco sem prática.
— Ouvi dizer que ficar grávida faz isso com uma garota.
— É verdade, — disse ela com um suspiro e uma massagem na
barriga.
— Bem, se eu decidir fazer isso, é melhor você me ensinar tudo o
que há para saber sobre sexo casual. Você pode oficialmente passar a
tocha.
— Vamos apenas esperar que você não se queime, — ela
brincou.
Mas um flash de preocupação passou por mim com
o pensamento.
Ela não estava errada. Luke Bennet não estava
menos perigoso do que ontem. Na verdade, ele provavelmente
estava mais perigoso do que nunca.
Mas com cada beijo, eu achava cada vez mais difícil me importar.
E, no fundo, eu sabia que não seria capaz de lutar, mesmo que
quisesse.
...................................................

Luke
Eu mexi no cobertor novamente, me perguntando se eu parecia
casual.
Se você precisa se perguntar isso, não parece casual.
Já era tarde, a estufa banhada pelo luar, a música flutuando no
meu pequeno alto-falante enquanto eu esperava Tess me encontrar.
Trouxe algumas lanternas e coloquei alguns colchonetes de
acampamento sob o grande cobertor de lã. No refrigerador, havia gelo
e, em cima, uma garrafa de uísque. E ao redor estava a abundância de
flores alcançando o teto solar.
A beleza deste lugar era impressionante. O dedo verde de meu pai
fora aprendido com o sogro, que cuidara da estufa antes dele, assim
como o conhecimento de minha mãe pelas flores fora aprendido
com minha avó, e passado para Laney, Ivy e Tess. Mas Laney
nunca tinha adorado, não da maneira que mamãe fazia e
nem da maneira como Tess faz. Papai entendeu. Não
sei se minha mãe jamais entenderia. E, assim, Tess
havia se tornado o vaso para derramar sua paixão.
E realmente, foi uma benção porque Tess precisava da mamãe.
Precisava de uma mãe.
Examinei a vegetação, pontilhada de zínias. Mesmo após a
colheita pesada de hoje, havia mais a ser tido. E, nos próximos dias e
semanas, mais floresceriam.
Era uma das muitas grandiosidades das flores – quanto mais você
tomava, mais elas davam.
Um equívoco comum da jardinagem era que a poda prejudicaria
as plantas. Mas enquanto você a fizesse com consciência, a
recompensa se multiplicaria. Quando o controle era exercido, e os
limites estavam estabelecidos, o sujeito iria prosperar. Quando
deixadas selvagens, elas crescem demais, sufocam outras plantas. A
recompensa diminuiria. A planta pode até morrer.
Olhando para a vegetação, alguém poderia pensar que era um
caos. Mas esse caos foi controlado, contemplado, tratado com
consideração.
Era como Tess, eu percebi. Seu desejo de podar, controlar sua
vida, isolar-se das mudanças e do inevitável caos da vida. Talvez
houvesse algo nisso. Onde eu era selvagem, minha recompensa era
anêmica. Onde a dela era podada, sua recompensa era abundante.
Talvez fosse algo que eu pudesse aprender com ela. Talvez
ela me mostrasse onde aparar, onde cortar.
E talvez eu pudesse mostrar a ela como ser um
pouco selvagem.
Eu me mexi novamente, deitado de lado, apoiado no meu
antebraço. Brutus levantou a cabeça de uma planta de peônia, me
encarando julgador.
— Eu pareço com o maldito Burt Reynolds, não é? — Eu
murmurei para ele, sentando-me.
— Você meio que parece, — disse Tess com uma risada.
Eu me levantei, sorrindo como se não tivesse acabado de me
assustar. — Ei. Você veio.
— Desculpe estou atrasada.
— Você teve que sair escondida novamente?
Ela riu, movendo-se para sentar no cobertor que eu havia
colocado. — Não exatamente, mas eu tive que mentir sobre onde
estava indo.
Eu fiz uma careta quando me sentei ao lado dela. — Eu pensei
que seu pai gostasse de mim.
— Oh, eu tenho certeza que ele gosta. Mas não estou pronta para
explicar a ele que eu gosto. Não depois de anos insistindo que não
suporto ver você.
Eu ignorei o último em favor do primeiro. — Você gosta de mim.
Tess riu, o queixo erguendo-se. — Bem, você tem sido um
bom amigo.
— E um ótimo beijador.
Um rubor manchava suas bochechas. — Sim, e isso.
Entre outras coisas.
Um flash de esperança borrou meu coração. — Eu tenho
trabalhado em mudar sua opinião sobre mim.
— Não me diga? — ela brincou.
— Eu sei. Sou bom assim em disfarçar. — Isso me rendeu uma
risada e eu alcancei o Maker’s, segurando-o em exibição. — Quer
tomar uma bebida?
Com um aceno de cabeça, ela sorriu, lábios juntos e cantos
curvados. — É aquela primeira noite novamente.
— Só que desta vez não estou bêbado e trouxe um uísque melhor.
Quero um recomeço, Tess. Você merece um, — acrescentei enquanto
pegava gelo e nos servia bebida. — Eu disse que compensaria você.
Que maneira melhor do que a coisa mais próxima de uma máquina do
tempo que eu poderia inventar?
Entreguei-lhe uma bebida, que ela tomou com aquele pequeno e
doce sorriso em seu rosto. — Para máquinas do tempo.
Ela estendeu o copo e eu bati nele com um tinido.
— E segundas chances.
Algo brilhou atrás dos olhos dela – um toque de preocupação,
uma pitada de indecisão. Apreciação, compreensão.
Bebemos sem esclarecer o que isso significava.
Eu sabia o que queria dizer.
Isto – seja lá o que isto seja – era diferente. Eu
gostava dela. E não daquele jeito em que eu
normalmente ficava interessado de uma maneira
distante, com aquela admiração desapegada que eu normalmente
sentia pelas mulheres.
Eu gostava de Tess. Eu gostava dela, não da ideia dela, não como
alguém admira arte ou um buquê. Mas como eu ansiava por sua
companhia. Como eu queria impressioná-la. Como eu queria provar
que ela estava errada sobre mim. Não seria fácil. Mas tive a sensação
de que seria a coisa mais gratificante que já fiz, se eu pudesse fazê-lo.
A última vez que me senti assim, acabei casado. Um tiro de medo
correu pelo meu peito com o pensamento. Porque isso tinha sido um
desastre.
Mas foi a coisa mais próxima que eu pude comparar. Tess
chamou minha atenção. E agora, eu não conseguia desviar o olhar.
— Você trabalhou bem hoje, Tess, — comecei, esticando as
pernas. — Quantos buquês você fez?
— Parece um trilhão, — disse ela rindo. — Tenho certeza que
vou ter sonhos ansiosos sobre malmequeres hoje à noite.
— Mamãe chorou durante metade do jantar. Eu juro, acho que ela
vai erguer uma estátua sua no meio da loja como homenagem.
Tess corou lindamente. — Não acredito que tantas pessoas foram
atraídas pelas montagens na vitrine.
— As pessoas compram com os olhos, certo? E você lhes deu
um banquete visual. Essa vitrine é perfeita. Ajudou que estava
lindo lá fora.
— E que houve um evento na Washington Square.
— Eu estava pensando que sempre deveríamos
fazer as novas exibições nas manhãs de domingo, atrair a multidão
do fim de semana. Talvez pudéssemos unir forças com alguns
locais, como o Blanche’s. Ter uma pequena cafeteria e doces para as
inaugurações.
Ela se animou. — Eu amo isso. Acha que podemos fazer o
Blanche’s aceitar uma parceria?
— Oh, a velha Blanche não consegue dizer não para mim, — eu
disse com um sorriso de soslaio. — Ela me dava rosquinhas
escondidas quando eu era pequeno, me fazia jurar que não contaria à
mamãe. Oficialmente, ela é conhecida em minha casa pelo nome de
Destruidora de Refeições.
Uma risada, desta vez combinada com um olhar sardônico. —
Alguém está imune aos seus encantos?
— Só você.
Seus olhos voaram para o teto, mas ela estava sorrindo. — Por
favor. Eu menos que todas. É por isso que você me deixa tão brava.
— Deixo? Ou deixava?
— Ambos.
Foi a minha vez de rir. — Você sabe, eles dizem que há uma linha
tênue entre amor e ódio.
— Eles também dizem para não cagar onde você come.
— Claro, mas um pássaro na mão vale mais do que dois
voando.
— E a curiosidade matou o gato. — Ela tomou um
gole de sua bebida, seus olhos sorrindo para mim por cima da
borda.
— Bem, tempos drásticos exigem medidas drásticas. — Coloquei
minha bebida no refrigerador, pegando a dela uma vez que estava livre
de seus lábios. Porque eu tinha outros planos para aqueles lábios,
planos que eu não queria esperar para implementar.
— Eu vou levar isso como falso, — disse ela sem fôlego, me
observando enquanto eu me aproximava.
Deslizei meu braço em volta da cintura dela e me mexi, deitando-
a. Suas mãos agarraram meus braços pelo movimento, dedos
apertando quando deslizei minha coxa entre as dela, abrindo-as.
— Então eu vou deixar minhas ações falarem mais alto que
minhas palavras, — eu sussurrei contra seus lábios antes de tomá-los
para mim.
Isto. Era isto que eu tinha sentido falta na noite passada. Seu
corpo embaixo do meu, suave e suspirando, meu para ser tomado. Eu
queria deitá-la para poder amá-la, sem obstruções por distrações como
a física e os móveis.
Mas ela interrompeu o beijo com um estalo, sua respiração
barulhenta e as pálpebras pesadas enquanto olhava para mim. —
Espere, — ela sussurrou. — Você tem certeza que deveríamos...
— Sim, — eu disse e a beijei novamente. Eu a beijei até
que ela estivesse enrolada em volta de mim, até que não
houvesse espaço, nem ar.
Mas ela parou o beijo novamente, me afastando
com a mão. — Quando você faz isso, não consigo pensar.
— Então não pense.
Quando a beijei mais uma vez, senti ela desistir completamente,
senti ela se render, senti a luta em seu coração a abandonar. E
aproveitei para preencher esse espaço nela comigo. Eu a convenceria
de que poderia ser o que ela queria, o que ela não achava que eu era.
Eu poderia ser aquele homem.
Eu seria aquele homem.
Enquanto o beijo se aprofundava, notei a profundidade do meu
desejo. Ele alcançou além da superfície, nos espaços ocultos em mim,
lugares não descobertos, inexplorados. Eu não me importei com o que
isso significava, não questionei a diferença. Tudo o que sabia era o
seguinte: queria dar a Tess o que ela queria. Meu corpo era dela, mas
essa era a parte mais fácil.
Porque se eu conhecia Tess, sabia que ela não fazia sexo casual. E
pela primeira vez em muito tempo, eu não queria.
E a parte mais estranha de todas é que não era estranho. Nem um
pouco.
13
Especialista

Tess
— Eu cuido disso. — Eu menti por cima do ombro para Luke,
que me assistia lutar com os meus braços cheios de flores com
preocupação duvidosa.
— Se você apenas me deixar...
— Eu cuido disso, — eu repeti com uma risada enquanto me
dirigia para a porta da loja, não totalmente certa de como eu a abriria.
— Eu só preciso... ai.
Eu bati na mesa de trabalho com um baque e uma explosão de dor
no quadril.
Com uma risada, ele tirou a carga das minhas mãos. Em seus
braços enormes, elas pareciam irrelevantes. Nos meus, eu mal
podia ver por cima.
— Certeza que você não quer mais nada?
Meu rosto ficou vermelho. — Bem, já que tenho
mais espaço, vou pegar algumas dessas. — Peguei o balde de
vagens. — E talvez algumas dessas. Oh! Sabe o que ficaria
ótimo...
E segundos depois, meus braços estavam quase cheios
novamente.
Ele balançou a cabeça para mim, seu sorriso de lado e amável.
— Ok, isso é tudo.
— Tem certeza?
Lancei um olhar desamparado para as flores antes de prometer, —
Tenho certeza. Obrigada, Luke.
Ele começou a andar e eu segui a extensão de suas costas. Nas
quais ele estava meia hora atrás. Comigo no colo dele. Nus.
Percebi que estava sorrindo e franzi os lábios, respirando fundo
para tentar diminuir o calor nas minhas bochechas.
Eu tinha cedido naquela noite na estufa. E então eu cedi
novamente no dia seguinte. E no dia depois desse.
E então eu desisti de lutar, que foi quando tudo ficou divertido.
Luke Bennet sozinho fez cada minuto dos meus dias leve e
despreocupado, vivo e brilhante. Sua atitude despreocupada e sem
pressa me manteve mais quieta e calma do que eu tinha estado em
anos, desde antes de minha mãe morrer.
Fechamos a loja juntos todas as noites por uma semana.
Toda manhã, quando eu entrava, ele já estava aqui.
Eu fazia arranjos com Ivy o dia todo, enquanto Luke
fazia entregas entre consertar móveis que ele encontrara
no porão. Ou construir coisas para mim. Ou descobrir novos
adereços para a loja nas profundezas da riqueza esquecida no
armazém.
A Sra. Bennet havia me aconselhado sobre os planos de
montagens das vitrines, suas ideias frescas e inteligentes e provocando
as minhas. Laney e eu coordenamos nossas mídias sociais pelas
próximas semanas com as vitrines da loja, e Luke ajudou a construir
um espaço para fotos em um canto da loja. Esta semana, era uma
parede de flores com hera e zínias nas cores quentes do verão. Na
próxima semana, seria uma parede pintada de um rosa pálido, coberta
com guirlandas de rosas. Na semana seguinte haveria margaridas
penduradas verticalmente em fios. Nós tínhamos acabado de criar há
uma semana, mas nosso Instagram já havia explodido com milhares
de seguidores em apenas alguns dias. Laney organizou promoções de
cupons, brindes de buquês para nossos seguidores e uma dúzia de
outras promoções que eu nunca teria considerado.
Luke construiu tudo o que ela precisava, além de colocar vigas no
teto, onde penduramos plantadores e algumas prateleiras antigas de
tabaco para expor. Construímos e criamos todos os dias, e Luke
aparecia o sol com nada além de um sorriso no rosto e a motivação
para fazer as coisas acontecerem.
E eu combinava com ele sorriso por sorriso.
Ele trazia rosquinhas do Blanche's todas as manhãs.
Eu trazia sobras para compartilharmos no almoço. Nós
pedíamos o jantar todas as noites e comíamos sentados
em cima das mesas de trabalho com os pés pendurados e
conversas sem fim. E então todos iriam embora, e seríamos apenas
eu e Luke.
Eu ansiava por essa parte do dia a partir do segundo em que meus
olhos se abriam pela manhã. O som do ferrolho na porta da frente
deslizando de voltar ao seu lugar era como o sino de Pavlov,
indicando que o jantar estava servido na forma de um buffet de Luke
Bennet.
De alguma forma, ele se tornara um elemento obrigatório em
todas as partes significativas do meu dia. E eu não odiei isso. Eu não
odiei tanto, isso me assustou.
Ele não é seu namorado. Ele é seu rolo. Ele é seu amigo. Não
ouse esperar nada além disso.
Eu disse a mim mesma que era por isso que era tudo bem Luke
estar a prestes a vir à minha casa pela primeira vez em uma década.
Amigos iam às casas dos amigos. Eles conversavam com os pais dos
amigos. Era tudo normal, totalmente normal e exatamente por isso que
eu não deveria estar tão nervosa.
Silenciosamente, segui meu amigo, que eu via nu todos os dias,
pela porta da loja – que, a propósito, ele abriu sem incidentes, apesar
do peso em seus braços. Quando passei por ele, ele trancou a
porta, puxando a grade para baixo e trancando-a também, com
uma mão.
Exibido.
Eu sorri maliciosamente para ele.
Quando ele se levantou e viu a expressão, ele respondeu com
um sorriso correspondente antes de roubar um beijo.
— Mostre o caminho, — disse ele.
Então eu fiz isso.
— Você pode acreditar na multidão que veio hoje? — ele
perguntou, sua voz tocada com admiração e aquele sorriso. —
Deveríamos renomear os domingos como aniquilador de jardins.
Eu ri. — Graças a Deus, temos uma semana para reabastecer
antes de fazermos isso novamente. Pensei que talvez devêssemos
mudar as novas vitrines para os sábados, atrair toda a multidão do fim
de semana, mas não sei se a estufa sobreviveria.
— Nunca na história da Longbourne tivemos um problema tão
maravilhoso. Graças à você.
— Faça me o favor, foi você quem me construiu doze escadas na
semana passada.
Ele encolheu um ombro enorme. — Metade delas eu limpei.
— Oh, desculpe. Você fez seis escadas com as próprias mãos.
Totalmente normal, coisas cotidianas que qualquer pessoa comum
saberia fazer.
— O YouTube é uma ferramenta poderosa, Tess. Enfim, foi sua
ideia montá-las e colocar flores por toda parte. Parece algo saído
de uma revista. Não é de admirar que tenhamos que fechar mais
cedo.
— Era isso ou não ter nada a oferecer além de
suculentas em vasos.
— Ei, nós também tínhamos algumas heras. Honestamente,
você poderia ter feito buquês de rosas moribundas, e aposto que as
pessoas os teriam comprado. Marcus disse que devemos aumentar os
preços. Oferta e demanda ou algo assim.
Eu fiz uma careta. — Eu não sei se gosto disso.
— Oh, não se preocupe – mamãe quase abriu a boca dele e entrou
em sua garganta. Eu diria que há muito pouco risco de os preços
mudarem tão cedo.
Eu ri, imaginando a Sra. Bennet indo atrás de Marcus, abanando
os dedos e com o rosto erguido e vermelho. — Eu estava pensando
que na semana que vem, podemos usar duas das escadas para
suspender do teto para que eu pendure os arranjos.
— Ah, você sabe – eu conheço um cara que corta acrílicos com
laser e solda. Eu sei que você gosta de geometria, certo?
Eu olhei para ele, surpresa. — Eu gosto. Como você sabe?
Ele me deu um pequeno sorriso. — Você acabou de pedir todas
essas plantadeiras com armações de arame dourado. Kyle pode fazer
algo do tipo para você. Ou plantadores de acrílico, grandes.
Poderíamos fazer uma grande exibição, plantar suculentas, fazer
parecer uma selva minimalista.
Eu sorri. — Eu gosto disso. Quão rápido ele pode fazer
algo para nós?
— Desenhe algo, e eu vou perguntar.
Andamos por um segundo em silêncio. O frio da
noite de verão era bem-vindo após o calor sufocante do dia.
Marcus acabara de gastar uma pequena fortuna instalando ar-
condicionado na entrada, prometendo que venderíamos mais se o
mantivéssemos abaixo de vinte e seis graus, e ele encarregou a Sra.
Bennet de manter um filtro de água na mesa de exibição do lado de
dentro da porta para atrair as pessoas.
Honestamente, funcionou. Eu juro, algumas pessoas
simplesmente entravam sob a promessa do filtro, suando frio, cheio de
água com frutas fatiadas. Mas elas sempre saíam com um buquê.
Na última reunião dos filhos, Marcus nos disse que tínhamos um
longo caminho a percorrer, anos para nos recuperarmos da dívida, mas
esse foi um excelente começo. Demos o melhor de nós. Eu só
esperava que pudéssemos acompanhar o ritmo.
— Como você conhece tantas pessoas? — Eu perguntei, incapaz
de catalogar a série de encontros que ele teve.
Sério, ele tinha um cara para quase tudo.
— Como você gentilmente observou, eu tive muitos empregos.
Eu coleciono amigos como algumas pessoas colecionam bonecas
matrioskas.
Minhas sobrancelhas se juntaram. — Que bonecas?
— Bonecas russas de encaixe. Wendy e eu morávamos ao
lado dessa velhinha russa que tinha cerca de mil delas. Não é
mentira – eu realmente acho que ela tinha mil. Elas
cobriam todas as paredes da sala de estar. Ela disse
que seu avô possuía uma loja em São Petersburgo na
mesma época em que meus ancestrais estavam abrindo
Longbourne.
Meu coração deslizou para o meu estômago com a menção de
Wendy. — Aposto que ela tinha histórias para contar.
— Isso ela fez. Ela me chamava de synochik10, fazia chá para
mim em uma panela mais velha que Deus e me contava sobre sua
aldeia. Seu marido e os filhos. Seus pais e avós. Sobrevivendo ao
inverno dormindo em uma fornalha enorme feita de barro. Colher e
armazenar alimentos na primavera e no verão. A guerra. É uma
loucura tudo pelo que ela passou. Eu costumava ir lá todos os sábados
de manhã e comer biscoitos com ela e apenas ouvir.
— Wendy não ia com você? — Eu perguntei timidamente.
Ele bufou uma risada. — Wendy não se incomodava em ouvir
uma velha mulher falar. Ela estava muito profundamente em sua
própria cabeça para qualquer um, menos ela mesma.
Não sabia o que dizer, porque eu não tinha nada legal para dizer.
Então, fiz uma pergunta vaga, na esperança de evitar dizer a coisa
errada. — Você sente falta?
— Los Angeles? Não. Eu adorava morar lá, mas acho que não
voltaria.
— Todo aquele sol é um saco, hein?

10 Synochik: Significa filho em russo.


Uma risada. — Você tem que dirigir para todo
lugar. Não há transporte público decente. As rodovias são um
estacionamento. E as pessoas são apenas... não sei. Diferentes.
— Diferentes como?
— Eu não posso dizer sem parecer esnobe.
Eu ri. — Agora você tem que me dizer.
O nariz dele enrugou. — É igual a Nova York nesse lance de
status. O bairro em que você mora te define ou o tipo de carro que
você dirige em Los Angeles – esse tipo de coisa. Mas a diferença é
que, em Nova York, ninguém sequer te vê. Lá, todo mundo está te
observando, medindo você e te colocando em uma prateleira. Desde a
velhinha usando meias listradas de arco-íris que vão até a coxa,
mexendo no sushi da Whole Foods até a modelo de salto alto e casaco
de pele na Target, no calor de julho.
— Você sente falta do sua antiga vizinha russa?
— Sim, mas eu envio cartões postais para Zhenya a cada poucos
dias. Eu até recebi alguns de volta, — ele disse orgulhoso, enfiando a
mão no meu bolso rápido demais para eu ficar chocada. Quando sua
mão apareceu novamente, minhas chaves estavam nela.
— Cartões postais, hein? — Eu sorri para as costas dele enquanto
ele olhava para as minhas chaves e abria a porta do meu prédio.
— Ela realmente gostou da Estátua da Liberdade. Eu disse a
ela para esperar até que visse a linha do horizonte de
Manhattan. Estou fazendo ela esperar, — ele disse com
um sorriso, abrindo a porta.
— Cruel, — eu disse rindo.
Subimos as escadas sem falar enquanto eu o imaginava
sentado em um apartamento empoeirado com uma velhinha,
ouvindo-a falar sobre sua vida.
Todos os dias, Luke me surpreendia. Parecia ser um talento dele.
Eu não achei que jamais gostaria tanto de estar errada.
Minhas chaves ainda estavam na mão dele, então ele abriu a porta
do meu apartamento com a primeira chave que ele tentou.
— Como você fez isso? — Eu perguntei quando ele abriu outra
porta para mim como o cavalheiro que eu nunca pensei que ele fosse.
— O que?
— Descobriu qual chave era?
— Bem,— ele começou, me seguindo, — esta aqui e esta são
chaves da loja. — Ele exibiu. — E esta é menos desgastada, então
supus que fosse do lado de fora. Essas tendem a ser substituídas com
mais frequência. E notei que essa era a da sua casa. Os dentes estão
quase gastos e lisos.
Eu fiquei boquiaberta com ele.
Ele sorriu. — Eu tive um emprego como chaveiro por uma fração
de tempo depois do ensino médio.
Com um rolar de olhos, eu ri. — Claro que você teve.
— Tess? — Papai chamou dos fundos do apartamento. — É
você?
— Ei, papai. Aqui, — chamei de volta, colocando as
coisas na ilha da cozinha.
Luke colocou as dele ao lado das minhas, mas ele
estava observando o apartamento. — Cara, este lugar não mudou
nada. Aquele mesmo papel de parede antigo. Mas as plantas... puta
merda, Tess. É uma selva aqui dentro.
Eu ri. — Elas eram da mamãe.
— Não posso nem fazê-la podá-las, — disse papai, entrando na
sala com um sorriso no rosto. — Olá filho. Como você está?
Quando ele chegou perto o suficiente, ele parou, estendendo uma
mão calejada. Luke pegou-a, o nó de suas mãos quadradas
bombeando.
— Estou bem, senhor. E você?
— Com um pouco de fome. Há alguma chance de haver um
hambúrguer em algum lugar naquele monte de flores, hein?
Eu olhei para ele. — Você esqueceu de comer de novo?
Ele encolheu os ombros, parecendo intimidado. — Eu estava no
meio dos oficiais comissionados e não poderia sair até que terminasse.
Não poderia deixar a praia na Normandia sem seus líderes, poderia?
Eu o beijei na testa e fui para o forno para definir a temperatura.
— Eu deixei o jantar na geladeira. Tudo o que você precisava fazer
era colocá-lo no forno.
— Você sempre cuida de mim, Pomba.
Depois que abri a geladeira e minhas mãos estavam cheias de
caçarola, chutei a porta com um baque.
Luke se inclinou quando eu tirei o papel alumínio,
molhando os lábios. — O que é isso?
— Você não pode estar com fome. Você acabou de
comer quase uma pizza inteira.
— O que? — ele perguntou inocentemente. — Minha mãe
disse que eu sou um garoto em crescimento, Tess.
Eu ri. — Isso, Luke Bennet, é a Super Caçarola de Macarrão com
Atum da Betsy.
Papai gemeu com fome. — Se eu soubesse disso, não teria feito
uma refeição com pistaches.
— Bem, você tem vinte minutos para aumentar seu apetite.
— Você pode se juntar a mim, Luke. Vamos comer essa caçarola
por dois dias, facilmente, — disse papai.
— Eu adoraria, — Luke respondeu com um sorriso que fez meu
coração palpitar. — Eu estava dizendo a Tess que não acredito que
este lugar não tenha mudado. É o mesmo sofá em que costumávamos
jogar Mario Kart.
— Ainda tenho ele, — eu disse. — Jogo com você depois do
jantar.
— Você quer dizer que vai perder para mim depois do jantar, —
Luke corrigiu.
Uma risada saiu de mim. — Você nunca poderia me derrotar, e eu
sei que você deve estar enferrujado. Papai e eu jogamos pelo menos
três vezes por semana.
— E ela não pode me vencer, — acrescentou papai. —
Então, eu vou bater ambos depois do jantar.
Luke e eu trancamos os olhos, atirando, — Eu fico
com o Donkey Kong, — ao mesmo tempo.
Então estávamos todos rindo.
Luke olhou ao redor da sala, examinando tudo com as
engrenagens na cabeça zumbindo. — Você sabe, não precisaria de
muito para tirar esse lugar dos anos noventa. Anos oitenta?
— Era da mãe de Betsy antes de morarmos aqui. Muito disso era
nostálgico. Eu acho que o papel de parede e as cortinas são dos anos
setenta. Todas as décadas recentes estão representadas. — Papai sorriu
com carinho, olhando ao redor da sala. — Penso em reformar desde
sempre, mas nem saberia por onde começar.
Desta vez, meu coração teve uma reação muito diferente – um
aperto doloroso. Ele nunca admitiu isso para mim, nem sequer
mencionou. E o pensamento de mudar esse lugar azedou meu
estômago.
Luke sorriu, completamente alheio. — Honestamente, não
precisaria de muito. Os pisos estão em ótima forma. Mas poderíamos
pintar todos os armários, talvez gastar dinheiro em bancadas e
eletrodomésticos. Há um lugar com desconto de armazém no Hell's
Kitchen – podemos comprar coisas mais baratas. E eu conheço uma
garota cujo pai faz trabalhos em pedra. Bancadas, pisos, esse tipo de
coisa. Eu poderia colocar sancas muito facilmente, apenas com o
custo dos materiais. Eu tenho todas as ferramentas, — ele disse
quase para si mesmo, muito profundo em sua
imaginação para sequer lembrar que estávamos lá. —
Nós poderíamos tirar o papel de parede, pintar... seria
como um lugar totalmente novo.
A pizza que comemos no jantar subiu pela minha garganta. —
Nós não poderíamos pedir para você fazer isso, — eu disse, esperando
que ele concordasse.
Era como se eu não o conhecesse.
— Você está de brincadeira? Cara, isso seria divertido de fazer.
Não seria problema algum. Pode demorar um pouco, só porque eu
precisaria fazer isso entre as coisas para a loja, mas estamos com as
coisas em ótimo estado lá embaixo. Eu tenho tempo.
Papai sorriu para Luke. Não, não era um sorriso. Ele estava
radiante. — Quase posso imaginar. Mas a única maneira de eu
concordar é se você me deixar te pagar.
— Pelos materiais, — Luke insistiu. — Isso é tudo. Eu não sou
um empreiteiro. Eu não sou licenciado. Algumas coisas precisam ser
feitas pelos profissionais, como a instalação do balcão. Deixe-me
reunir alguns números para você e, por enquanto, concordamos em
falar sobre isso. O que você me diz?
Não ouvi meu pai responder, apenas o observei sorrir e apertar a
mão de Luke parecendo emocionado enquanto eu entrava em pânico.
Luke não estava errado – esse lugar era uma máquina do tempo, e
era exatamente do jeito que eu queria. Eu pensei que papai
também, mas ele estava pensando sobre isso, querendo fazer
isso, e ele nunca me disse. Provavelmente porque ele
estava preocupado que eu fosse me sentir exatamente
como eu estou. Como se eu tivesse sido traída. Como se
ele estivesse pronto para seguir em frente. Como se ele quisesse
esquecer.
Mas eu não queria. Eu não queria esquecer nada. Eu não queria
mudar nada. Porque começaria aqui com o papel de parede e a cozinha
onde mamãe me ensinara a cozinhar, e terminaria com o seu armário
limpo e as coisas dela desaparecidas, doadas e perdidas para sempre.
Para onde eu iria quando precisasse dela se o armário dela estivesse
vazio? Porque mesmo agora, eu tinha um pequeno lugar debaixo dos
vestidos dela, onde eu sentava quando precisava dela. Onde eu
imaginava que ainda podia cheirar o perfume dela. Onde seu vestido
de bolinhas favorito estava pendurado, onde o suéter com a grande
malha tricotada esperava que eu o vestisse quando eu precisava de um
abraço.
Respirei fundo, pressionei meus pensamentos até ficarem planos.
Dobrei-os até ficarem pequenos. Coloquei-os em uma gaveta em
minha mente. E segui em frente.
Peguei algumas flores e, quando Luke me viu, ele seguiu o
exemplo, como eu esperava. A conversa mudou, como eu também
esperava.
— Volte depois, papai, — eu disse com uma leviandade que não
sentia. — Vinte minutos, e sua barriga ficará feliz.
Ele riu, navegando pela sala de estar. — Tudo certo.
Enquanto isso, vou me aquecer para poder surrar
adequadamente vocês dois no jogo.
Luke me seguiu até o meu quarto, colocando suas
flores ao lado das minhas na cama enquanto eu me ocupava em
preparar as coisas. Acendi o anel de luz e movi as coisas na frente
do meu pano de fundo para encenar uma cena.
— Uau, — disse ele atrás de mim. — É aqui que você tira todas
as suas fotos?
— Uhum. — Evitando os olhos dele, examinei as flores, fazendo
um arranjo quase sem pensar.
— Deveríamos montar um espaço maior na loja. Algum lugar
onde você possa fotografar as criações ou... eu não sei. Algum lugar
com espaço para você realmente se espalhar.
— Eu não preciso de mais espaço, — eu disse um pouco mais
firme do que eu queria.
Como sempre, Luke não entendeu. Ele ficou entre o anel de luz e
o pano de fundo, virando-se com um sorriso no rosto. Esse sorriso
derreteu minhas preocupações como chocolate no sol – pegajoso,
bagunçado e impossível de limpar, como Luke Bennet.
Mas eu estava sorrindo de volta, simplesmente porque não havia
escolha a ser feita – sempre que ele sorria, eu sorria.
Uma ideia surgiu. Entreguei o buquê a ele e peguei minha câmera.
Ele me deu um olhar que de alguma forma era ao mesmo tempo
desconfiado e divertido. — O que você quer que eu faça com isso?
— Pareça gostoso, — eu respondi, olhando através das
lentes.
Ele riu, olhando para o buquê, corando
timidamente. Apertei o botão, e o obturador clicou na mesma
batida louca que meu coração. Ele era tão cuidadoso, o elogio
proporcionando uma rara visão de modéstia, muitas vezes escondida
por sua confiança inabalável.
Eu olhei para a tela. Era talvez a fotografia mais quente que eu já
tinha visto, apresentando duas das coisas mais bonitas do meu mundo
– flores e Luke Bennet.
A única coisa que tornaria isso melhor seria se ele estivesse sem
camisa.
Eu suspirei sonhadora. — Realmente, você deve ser um
alienígena ou algo assim. Pessoas normais não são tão boas em tudo.
Eu deveria começar a te chamar de especialista.
Ele emitiu um som irreverente, caminhando em minha direção
para poder se olhar. — Confie em mim, há muito em que eu sou ruim.
— Cite uma coisa.
— Relacionamentos, — ele disse sem hesitar, mas continuou
falando para encobrir a admissão. — Matemática avançada. Cozinhar.
Patinação no gelo.
— Patinação no gelo? — Eu ecoei em torno de uma risada.
Ele encolheu os ombros. — Tornozelos fracos.
Quando eu ri mais alto, ele sorriu, colocou suas flores na
cama e veio até mim. Sua mão grande circulou meu pulso, seu
polegar deslizando contra a minha palma.
— Você está bem? — ele perguntou simplesmente,
mas essas três pequenas palavras continham um conhecimento
silencioso que ameaçava me abrir.
Luke Bennet via através de mim com mais frequência do que eu
gostaria.
Abri minha boca para dizer que sim. Mentir, esconder como me
sinto porque era irracional. Porque admitir a verdade machucaria.
Eu queria dizer que sim, tranquilizá-lo de que estava bem. Mas
com Luke procurando a verdade em meus olhos, eu não podia falar
nada a não ser a verdade que ele procurava. — Não quero mudar a
casa, Luke. Não quero que o papel de parede se vá e não quero que a
cozinha fique diferente. Eu não quero que nada disso seja diferente.
Porque se for diferente, não me lembrarei. Eu vou esquecer tudo. Eu
vou esquecê-la. — Lágrimas arderam os cantos dos meus olhos, as
palavras se foram, cortadas pelo aperto da minha garganta.
As linhas de seu rosto suavizaram-se, suas sobrancelhas se
uniram. Suas mãos, tão quentes e fortes, se emolduraram no meu
rosto, inclinando-o para que nossos olhos estivessem conectados.
— Sinto muito, — ele disse gentilmente. — Sinto muito, Tess.
Quando seu pai disse… bem, eu só pensei... — Ele respirou fundo e
soltou o ar devagar. — Parecia que ele queria um novo começo, e eu
nem parei um minuto para considerar que você pode não querer o
mesmo. Se eu tivesse, eu teria agido diferente. Eu teria
perguntado o que você queria antes de lhe dizer todas as
maneiras pelas quais eu desmontaria sua casa.
— Não é sua culpa, — eu assegurei a ele,
inclinando-me na palma da sua mão. — Acho que papai quer um
novo começo, e eu nunca ficaria no caminho disso. Esta é a casa
dele. Ela era tão importante para ele quanto para mim. Então, se é isso
que ele quer, eu farei. Eu só não queria. — Lágrimas caíram –
lágrimas estúpidas, pesadas e gordas que eu não queria mais do que
sancas na minha sala de estar. Eu tentei olhar para baixo.
Mas ele segurou meu rosto onde estava. — Tess, deixe-me fazer
uma promessa a você. — Ele esperou para ter certeza de que eu estava
ouvindo, seu rosto sombrio e sincero. — Prometo que, se eu acabar
ajudando a fazer isso, não apagarei sua mãe de sua casa. Existem
maneiras de manter as coisas e alterá-las. Você não vai perdê-la. Eu
prometo a você isso acima de tudo.
Eu assenti com a cabeça, meu rosto se retorceu e um soluço se
alojou na minha garganta, um que eu não conseguia engolir, por mais
que tentasse. E Luke deu um beijo na minha testa antes de me
envolver na segurança de seus braços, mudando seu peso para me
embalar.
Ele me deixou chorar enquanto sua promessa era absorvida. Eu
sabia, sem dúvidas, que ele a manteria com todo o seu poder.
E pela primeira vez, desejei com todo o meu coração que eu
pudesse manter Luke Bennet para mim.
14
Apenas A Verdade

Tess
Duas semanas passaram em um borrão de flores.
Buquês e arranjos. Montagens de vitrines. A estufa. Baldes e mais
baldes de flores de todas as cores. Eu sonhava com a sensação dos
caules na minha mão, o perfume tão avassalador que eu ainda podia
sentir o cheiro ao acordar.
Eu me perguntava se isso estava ligado a mim, apenas uma parte
de quem eu era agora. Nunca fiz tantos arranjos e, como nossa
colheita diminuiu, tive que ser criativa, misturando flores que
normalmente não consideraria juntas. Começamos a suplementar com
entregas de Long Island e Chelsea enquanto nossas plantas eram
reabastecidas. O Sr. Bennet começou a procurar soluções de
cultivo mais verticais com Marcus, e Kash já havia
começado a plantar mais bulbos.
Porque, se fosse continuar assim, precisaríamos de
mais plantas e talvez mais alguns floristas.
Após anos de declínio, talvez fosse o melhor problema que já
tivemos.
Assim como outro problema que eu tinha.
Não era o bom humor de Luke – sua capacidade de me fazer
parar, desacelerar e rir, mesmo quando eu estava além da capacidade,
era nada menos que mágica. E não havia nenhum problema com sua
atenção. Ele dava isso em abundância, juntamente com uma saudável
porção de diversão, emoção e espontaneidade.
O problema era que, nas últimas semanas, tive muita dificuldade
para me lembrar do que Luke e eu éramos e do que não éramos.
Passar todas as noites com ele não ajudava. Não a noite toda –
estávamos vinculados à floricultura, pois ambos morávamos com
nossos pais. Antes isso nunca parecera um empecilho. Mas agora, eu
mataria por uma cama de verdade, um chuveiro ou até me contentaria
com uma porta para trancar. Mas claro que, eu disse a mim mesma
que isso era bom. Mantinha alguns limites no lugar.
Porque eu não estava autorizada a me apaixonar por Luke Bennet.
Não além de seu corpo e sua companhia.
Nós não éramos uma coisa.
Luke não tinha coisas.
É temporário, lembrei-me repetidamente.
Era algo do agora, e eu nunca olho para além do
agora. Ao menos não em voz alta. Tentei não pensar em como me
sentiria se ele entrasse e me ignorasse, se de repente terminasse
comigo sem aviso. Por mais que eu dissesse a mim mesma que estava
tudo bem, que o que acontecesse amanhã não era importante, que eu
estava vivendo o momento, eu não tinha poucas expectativas para vê-
lo. Ele seria encantador e lindo e me beijaria como se eu fosse a única
mulher no planeta. E então ele ia embora, eu voltava para casa e
acordávamos para fazer tudo de novo.
Mas eu não era a namorada de Luke, mesmo que parecesse que
estávamos namorando. Não que tivéssemos realmente ido a um
encontro. Ou que de fato tivéssemos ido a qualquer lugar, que não
fosse as casas dos nossos pais ou aqui. Nesta loja. Todo dia e toda
noite. Eu vinha nos meus dias de folga. Luke havia me construído um
pequeno estúdio na parte de trás para o nosso Instagram, no qual ele
me ajudava a fotografar, citando sua breve experiência como
assistente de fotógrafo em Los Angeles como credencial. Eu tinha
postado a foto que tirei dele no meu quarto, e nossa conta explodiu,
então passei a fotografá-lo, transportando coisas, fazendo peças para
as montagens e mais do que algumas vezes com flores.
Não é mentira – publicar fotos de um cara gostoso com lindas
flores rendia muitos likes no Instagram.
Quando as meninas começaram a entrar na loja procurando
por ele, tentei dizer a mim mesma que não queria afogá-
las na pia da fazenda. Judy havia feito um pedido por
dia durante semanas, e Luke enviava Jett toda vez. Mas
isso não tinha nada a ver comigo, a não ser o fato de estarmos
ocupados com o trabalho. Luke não era meu namorado. Ele não
era nada meu.
Oh, as mentiras que eu dizia a mim mesma.
Naquela noite, tínhamos acabado de trancar a loja, acenamos para
os transeuntes que tinham parado para olhar pela vitrine e fizemos um
gesto para a placa – Nova exibição, 8 horas. Donuts e café do
Blanche’s! E então fechamos as elegantes cortinas que penduramos na
semana passada e começamos a transportar suprimentos lá de trás.
Luke moveu os últimos quadros do carrinho e esticou as costas,
os braços acima da cabeça. Sua camisa subiu, mostrando uma tira de
seu abdômen. Eu conhecia todos os cumes daqueles gomos tão bem
que poderia desenhar um mapa deles no escuro. Meu lábio inferior
entrou na minha boca enquanto eu o observava abertamente e sem um
pingo de vergonha. E por que eu deveria ter vergonha quando Luke
aproveitava todas as oportunidades para tatear, apertar, acariciar ou
colocar os lábios em mim?
Sério, eu não tinha ideia de como ainda não tínhamos sido
descobertos. Não oficialmente, ao menos. Tive a sensação de que
todos os Bennets sabiam – com exceção da matriarca – embora
ninguém tivesse pronunciado uma palavra. Bem, exceto Ivy, que
gingava por aí com a mão na parte de baixo das costas.
Ela tinha muito a dizer sobre o assunto do meu lance
que parecia cada vez menos um lance a cada dia.
— Eu vou pegar a última carga, se você quiser
começar a desmontar a vitrine, — disse ele, observando-me olhá-
lo com um sorriso de lado em seu belo rosto.
— Tudo certo, — eu respondi com um rubor nas minhas
bochechas.
Ivy nos observou um pouco atentamente demais. — Vejo você
amanhã, Luke.
— Não entre em trabalho de parto ainda, Ivy. Temos muito
trabalho a fazer para perdê-la.
Ela bufou uma risada. — Vai ser como nos velhos tempos – eu
vou ter o bebê na estufa e depois vou terminar de colher flores para o
dia.
O rosto dele se enrugou. — Por favor, também não faça isso.
Ivy riu, balançando a cabeça. — Tchau, Luke, — disse ela
intencionalmente.
— Tá, tá, eu estou indo. — Ele levantou as mãos e voltou para
trás da loja.
No segundo em que ele ficou fora do alcance da voz, ela fez uma
cara de malícia para mim. — Divirta-se com seu namorado hoje à
noite.
Eu zombei. — Deus, você é a pior, sabia disso? Ele não é feito de
material para ser um namorado perfeito, Ivy. Ele é feito de charme
e impulsividade.
Ela encolheu os ombros. — Tem garotas entrando
aqui há semanas para se jogar nele, e ele não saiu com nenhuma.
— Como você sabe? — Desviei contra a dor no meu peito de
que ele poderia ter feito exatamente isso sem o meu conhecimento. —
Talvez ele saia depois de sair daqui.
— E você não ligaria para isso?
Eu gemi. — Você é um disco quebrado. Por que não podemos
falar sobre seu útero ou algo assim? Contrações de Braxton Hicks?
Tampões mucosos? Eu escolheria tampões mucosos ao invés disso.
— Quero dizer, se você realmente quer falar sobre os meus
fluidos corporais, estou aqui para isso. Apenas não como uma tática
de evitação. Sabia que, — disse ela, aproximando-se e abaixando a
voz, — ontem eu ouvi ele conversando com Kash na estufa sobre
você, e era tudo corações e flores.
— Bem, trabalhamos em uma loja de flores.
— Ele gosta de você, Tess, — ela insistiu.
— Por enquanto. Por enquanto. Não posso esperar mais nada
além disso.
Ela me olhou. — Tess, deixe-me te dizer uma coisa. Algo direto
da boca da sua rainha das pegações. — Ela fez uma pausa. — Você
está ouvindo?
Eu cruzei meus braços, franzindo a testa para ela. Porque eu
tinha cem por cento de certeza de que não queria ouvir o que ela
ia dizer.
— Estou ouvindo, — assegurei a ela.
— Rolos não acontecem todos os dias por três
semanas. Ficantes não passam todos os minutos acordados um
com o outro. Eles não comem café da manhã, almoço e jantar
juntos. Seja o que isso for, não é um rolo. Luke e eu? Tínhamos um
rolo – nunca iria a lugar nenhum, e nenhum de nós queria que fosse.
Nós nos pegamos por muito tempo, mas nunca, nem uma vez, ele
olhou para mim como ele olha para você. Por isso, incentivo você a
pensar nisso por um longo segundo e descobrir qual é o seu próximo
passo. Porque se você não está interessada em namorar com ele, é
melhor parar com isso. Agora.
Um medo congelante passou por mim, seguido por uma explosão
quente de possessividade e resistência ao pensar em deixar Luke. Eu
não queria que isso terminasse e não queria ir embora. Para onde eu
iria? Onde quer que eu estivesse, ele também estaria. E sua presença
era o ponto alto de todos os dias.
Eu nem precisei falar.
Ivy se iluminou com uma convicção presunçosa. — Ah! Isso.
Bem aí.— Ela apontou para o meu rosto. — Esse sentimento que você
sente agora? O não furioso que apenas gritou através de você? É por
isso que ele é seu namorado. E ele quer ser. Então, pare de lutar e
apenas diga isso, pelo amor de Deus. Não é como se todo mundo não
soubesse de qualquer maneira.
Respirei fundo pelo nariz já que minha mandíbula estava
trancada.
Ivy parecia muito orgulhosa de si mesma. A visão
me fez querer chorar e estrangulá-la.
Porque ela estava certa, e a compreensão de que Luke e eu
estávamos em um relacionamento foi como um balde de gelo na
minha fina ilusão. E aqui estava eu, tão feliz em fingir, e então veio
Ivy, que tinha que estragar tudo com sua maldita verdade, a que eu
estava evitando. Mas agora, havia sido dita. E uma vez que uma coisa
foi dita, a única coisa que você pode fazer é arcar com as
responsabilidades.
Ivy revirou os olhos. — Eu não entendo qual é o problema, Tess.
— O problema é que não sei como fazer isso. Não com ele. Ele é
muito... resplandecente.
Ela riu. — O que?
— Ele é maior que a vida, está em algum lugar acima de todos
nós. Ele tem a gravidade do sol, Ivy. Ninguém pode igualá-lo.
Ninguém pode ser igual a um homem desses.
Ela fez uma careta. — Como você está transformando algo bom
em algo ruim? Isso não é uma coisa ruim. Gostaria de deixar claro que
nunca a vi tão feliz e despreocupada como você esteve nos últimos
dias. Quando foi a última vez que você organizou as gavetas de
suprimentos?
Abri minha boca para responder, mas parei, percebendo que
fazia semanas. — Não tive tempo.
— Quando foi a última vez que você fez uma lista?
Se estressou por causa das suas fotos para o Instagram? Se
preocupou com o seu pai? Com a Sra. Bennet?
Minhas sobrancelhas se uniram quando eu fiz uma careta. — Eu...
eu não sei.
— E quando foi a última vez que você descansou? Fez algo
espontâneo? Riu até chorar?
Eu pisquei. — Hoje. Fiz tudo isso hoje.
— E isso é por causa de Luke. Assim como você não o viu se
esquecer de algo, chegar atrasado, desistir de um projeto. Ele tem sido
o retrato da confiabilidade. E isso é por sua causa.
Eu olhei para ela, atordoada.
— Quero dizer, ele ainda é imaturo, mas isso é apenas um traço
genético masculino dos Bennet.
Uma risada saiu de mim. — Você... você está certa.
— Eu sei que estou certa. A questão é: o que você vai fazer sobre
isso?
Antes que eu pudesse responder, ouvi o carrinho chiando em
nossa direção. Ivy assentiu para mim, seu rosto suavizando. Ela me
puxou para um abraço.
— Eu te amo, Tess. Pare de lutar.
Eu a abracei, respirei fundo o perfume de rosas e peônias.
Então eu a deixei sair, trancando a porta atrás dela.
E me virei para encarar meu destino, que estava nas
mãos do último homem que eu jamais pensaria em dar tanto
poder.
............................................

Luke
Meu sorriso morreu quando vi o olhar no rosto de Tess.
Estava em algum lugar entre enfrentar um pelotão de fuzilamento
e ser pego nu em público. Olhos arregalados e escuros. Lábios
exuberantes. Pescoço longo como um cisne, em plena exibição, seus
cabelos ruivos empilhados no alto da cabeça.
— Você está bem, Tess? — Eu perguntei, minha testa franzida e
o pavor agarrado ao meu coração. Ele correu contra o sentimento.
Por duas semanas, eu estive esperando por isso, o que quer que
isso fosse. Um martelo a bater. Um sapato a cair. Uma dúzia de vezes,
eu tentei falar com ela, para definir o que éramos, ter a temida
discussão de relacionamento. Mas eu nunca consegui. Em parte
porque eu não sabia o que dizer. Em parte porque tinha a inegável
sensação de que ela me rejeitaria no segundo em que eu a pressionar.
Mas as palavras não ditas sublinharam cada momento, cada
palavra, nadando nas correntes de uma piada, uma observação
brusca. Ela não achava que eu estava falando sério, não
acreditava que eu fosse capaz. Eu era um rolo, mas era
um amigo. Passamos cada minuto possível juntos por
semanas, e não estritamente por causa da nossa
proximidade.
Eu podia ouvir a verdade de seus sentimentos na maneira
como ela ria, sentir na maneira como ela me tocava. Ver na forma
como ela se iluminava quando me via. Foi o mesmo fogo que se
acendeu em mim. Mas se eu reconhecesse isso, se dissesse as
palavras, poderia perdê-la.
Nunca antes eu tive tanta incerteza de onde estava com uma
mulher. E nunca tive tanta certeza de onde queria estar.
Ao lado de Tess.
Sua garganta formou um nó. — Eu... eu estou bem. Eu acho.
— Ivy está bem? Ela... ela disse algo para chateá-la?
Ela balançou a cabeça. — Apenas a verdade.
Senti meu peso afundar nos meus sapatos. — Era uma verdade
boa ou uma má?
— Eu... ambas, eu acho. — Ela fez uma pausa.
Eu não falei. Sempre era eu, sinalizando. Mudando o assunto.
Ignorando o que foi deixado em aberto para nos poupar de ter que
responder a isso. Mas não desta vez. Tinha que ser ela.
E ela parecia saber disso.
O queixo dela se ergueu, embora seus olhos estivessem com
medo. — O que somos, Luke?
O aperto nos meus pulmões se intensificou. — O que você
quer que sejamos, Tess?
— Eu tenho medo de dizer.
— Porque você acha que eu vou dizer não?
— Porque você pode dizer sim.
A esperança passou por mim como um foguete de garrafa.
Fechei o espaço entre nós silenciosamente, lentamente. — O que você
quer, Tess? — Eu perguntei. — Diga-me para que eu possa dar a
você.
Sua mandíbula se encaixou na minha palma, seus olhos
procurando os meus. — E se você não puder?
— Não há nada que você possa me pedir que eu não possa dar.
As sobrancelhas dela se aproximaram, embora não com raiva.
Com tristeza.
— Você confia em mim? — A pergunta era gentil, mas ainda,
suplicante.
— Eu... eu confio.
— Me diga o que você quer. — Alta era a pulsação em meus
ouvidos, e no rugido estavam as palavras que eu queria ouvir de seus
lábios, segundos antes de ela falar.
— Você. Mas não apenas isso, não apenas o que tivemos.
Um sorriso apareceu nos meus lábios enquanto eu fazia algumas
contas rápidas. — O que nós tivemos? Quinhentas horas desde a
primeira noite. Duzentas e cinquenta dessas eu passei com você. Sabe
quantas dessas você passou em meus braços? Vinte e uma. É
pegar ou largar.
Sua bochecha subiu contra o meu polegar enquanto
ela sorria.
— Tess, eu sei que você não pensa muito de mim.
Eu sei que você não acha que eu posso ser o que você precisa. E
pretendo mostrar a você todas as maneiras pelas quais você está
errada. Tudo o que você precisa fazer é me deixar.
Outra engolida dura quando ela olhou para mim com orgulho e
medo. — Por que estou com medo?
— Eu não sei. Porque se você não acha que estou falando sério,
não está prestando atenção.
Ela deu uma pequena gargalhada pelo nariz.
— Deixe-me provar isso, — eu ordenei. — Não estou pedindo
para você prometer nada. Não quero que nada mude. Tudo o que sei é
que quando passo por aquela porta, é o seu rosto que procuro. Toda
noite, quando nos despedimos, não quero ir. E não sei o que isso
significa além disso: não quero ser seu rolo, Tess.
— Diga de novo, — ela disse suavemente.
Com um sorriso, olhei mais profundamente em seus olhos. — Eu
não quero ser seu rolo. Eu quero ser seu tudo.
Uma pausa, uma respiração, um sorriso. — Nunca, em um milhão
de anos, jamais pensei em ouvir você pronunciar essas palavras, muito
menos para mim.
— Devo dizer novamente? Mais alto, talvez?
Ela riu, o som doce e terno. — Não – se sua mãe ouvir, ela
virá aqui e você não poderá me beijar. E eu realmente quero que
você me beije.
— O que você quiser, Tess, — eu disse, meu
coração cantando enquanto levava meus lábios aos dela.
Eu a beijei centenas de vezes. No escuro e na luz.
Delicadamente e com exigência. Eu a beijei avidamente, e a beijei
com carinho.
Mas essa foi a primeira vez que a beijei com posse – não apenas
dela, mas dela de mim. O calor de seu corpo, a luz em seu coração, a
combinação de duas chamas no encontro de nossos lábios. Quando o
beijo quebrou, vi propriedade escrito em todo o seu rosto. E eu sabia
que estava escrito em todo o meu.
Seus olhos se abriram lentamente, encontrando os meus enquanto
seu sorriso preguiçoso se espalhava. — O que você vai fazer comigo
agora?
— Oh, eu tenho uma ideia ou duas, — eu disse, levando meus
lábios aos dela para roubar um beijo e selar uma promessa.
Eu estava prestes a namorar intensamente com Tess Monroe.
Eu a peguei, o beijo quebrando quando ela gritou surpresa. Seus
braços penduraram-se em volta do meu pescoço, suas bochechas altas
e sorridentes, coradas e bonitas.
— Temos trabalho a fazer, — ela discutiu sem entusiasmo, rindo
enquanto eu a levava para os fundos.
— Nós faremos. Assim que eu tiver certeza que você sabe
que estou falando sério sobre você.
Ela riu. — Mesmo que eu já acredite em você?
— Acho que não há como você saber o quão eu
estou falando sério, Tess.
Seu rosto se abriu, seu sorriso diminuiu.
Eu a beijei para cobrir a profundidade da admissão, apesar de eu
temer que meus lábios denunciassem.
Entrando na estufa, carreguei-a até o armazém, não a colocando
no chão até que estivéssemos lá atrás, na seção que reivindicamos para
nós.
Os suprimentos enchiam o espaço, despejados sem cerimônia no
canto de trás, perto do restante do feno de cobertura do inverno. Havia
molduras para instalações suspensas. Mesas e cestos. Coisas que eu
construí, coisas que recuperamos. Flores secas penduradas em maços
em algumas prateleiras e, do outro lado do espaço, tínhamos
pendurado aleatoriamente luzes brancas brilhantes que usamos na
última montagem. Para que pudéssemos trabalhar confortavelmente
no escuro, expliquei para minha mãe.
Eu omiti no que exatamente eu estava trabalhando e por que eu
precisava estar confortável.
Movi-me para ligar as luzes ao cabo de extensão, pegando o
cobertor de flanela de uma cadeira de balanço antiga e espalhando-o
na pilha de feno.
Tess suspirou, sorrindo docemente enquanto olhava em volta.
— Você sabe, se eu organizasse isso, tudo seria em pequenas
fileiras e pilhas arrumadas. E eu nunca saberia que
prefiro dessa maneira. É um caos organizado. Meio
que como você.
Eu andei até ela, deslizando minhas mãos em volta da sua
cintura. — E eu aqui pensando que você odiava meu caos.
— Só porque isso me assustou. Não sei se você sabe disso, mas
sou uma criatura de hábitos.
Uma risada retumbou através de mim. — Quem? Você?
Ela riu em eco. — O maior choque é que estou admitindo isso,
tenho certeza. Mas... você o torna menos assustador.
— E você faz da rotina tudo menos chata. Acordei às nove outro
dia e senti como se metade do meu dia tivesse passado.
Ela passou os braços em volta do meu pescoço, unindo os dedos.
— Olhe para você, agindo como um adulto.
— E olhe para você. Um pouco selvagem.
— Oh, não sei se eu iria tão longe, mas temo que o gostinho que
tive possa ter me arruinado para sempre. Acho que não posso voltar
atrás.
— Então não volte, — eu disse contra seus lábios. E eu os tomei
para lembrá-la por que ela deveria ficar.
Eu a envolvi em meus braços, puxei-a o mais perto que pude,
senti cada centímetro da nossa conexão da coxa ao peito. Ela era tão
familiar para mim como era uma descoberta, a garota que eu conhecia,
a mulher que eu precisava. Esse corpo era meu há semanas.
Agora eu queria o coração por dentro.
Nunca conheci uma mulher que tivesse o poder de
me mudar. Mas Tess fazia isso. E por mais assustado
que eu devesse estar sobre isso, eu não estava. Porque
eu não estava apenas a descobrindo.
Eu estava me descobrindo.
Ela trouxe o melhor de mim, me acomodou de uma maneira que
não parecia correntes. Parecia raízes, vivas e afundando na terra, com
sede e a procura. A profundidade que essas raízes tinham atingido
havia sido mal avaliada até hoje à noite. Até que eu pensei que a
perderia, mas a mantive.
Não, eu não estava com medo. Eu estava determinado.
Esperançoso. Elétrico com possibilidades.
Porque Tess era minha nova aventura.
Lentamente, eu a beijei. Provei a doçura dela. Senti o calor dela.
Mãos deliberadas deslizaram pela cintura, por baixo da blusa, pelas
costelas. Um movimento dos meus dedos e seu sutiã soltou. Eu
quebrei o beijo, separei nossos corpos. Ela veio atrás de mim, mas eu
peguei a mão dela, dei um beijo na sua palma e a devolvi ao seu lado.
Ela ficou parada, exceto pela ascensão e queda do seu peito e o
piscar dos seus cílios, o rosto virado para cima e os lábios
entreabertos, esperando.
As pontas dos meus dedos falaram por mim, roçando sua
bochecha, deslizando por seu pescoço com domínio. A batida de seu
peito se tornou um aperto, o peso na minha palma exatamente
certo. Eu queria a pele dela. Queria ver o pálido do seu mamilo
enquanto eu apertava e deixava-o avermelhado.
A blusa dela tinha sumido antes que eu decidisse
tirá-la. Aquelas pontas dos dedos sedentas passaram sobre seus
ombros, levando as tiras com elas. Pelos seus braços elas foram e
caíram no chão. Mas não registrei o movimento. Não uma vez que a
carne que eu queria estava exatamente onde eu a queria.
Eu queria tanta coisa.
Queria seus cabelos castanhos-avermelhados selvagens e soltos.
Eu queria eles espalhados, contra o pálido da sua pele. Então eu os
soltei, sacudi-os, e deslizei meus dedos por eles até que estivessem
suficientemente profundos para eu segurar sua nuca. Mechas de
vermelho contra o branco neve. Olhos escuros procurando os meus.
Lábios, luxuriantes e esperando.
A respiração que eu puxei a trouxe para mais perto, meus dedos
apertando seus cabelos, expondo seu pescoço, oferecendo sua boca.
E eu a aceitei como o que era.
Minha.
Nossos lábios eram uma junção difícil, línguas a procurar.
Procurando. Minha vida inteira, eu estive procurando, sem descanso e
inquieto. Mas naquele momento, eu não queria nada, não procurava
nada além dela. Eu busquei o calor dela com as pontas dos dedos
enquanto eles deslizavam por seu jeans. Eu busquei o fundo da boca
dela com a minha língua. Busquei o controle dela por meio de
seus cabelos em meu punho, minha vontade de transmitir minha
posse a ela, de traduzir o peso da verdade.
Porque mesmo agora, ela não acreditava. Ela não
achava que eu poderia ser o que ela precisava, ainda não.
Mas ela iria.
Eu quebrei o beijo mais uma vez, deixando-a cambaleando,
cabelos derramando sobre seus ombros, pálpebras pesadas demais
para abrir, seios empurrando enquanto eu deslizava minha mão livre
para tirá-la de seus jeans. Empurrei-os sobre o inchaço da bunda dela,
pelos quadris, até os joelhos. Eu capturei seu mamilo com meus
lábios, mãos ocupadas com sua calcinha. Com um balançar e um
chute, ela saiu de dentro deles. E tudo que eu queria era cair de joelhos
ali, para prestar homenagem aos seios dela. Para beijar meu caminho
pelo corpo dela. Enganchar sua coxa no meu ombro e prová-la até que
ela não pudesse mais suportar.
Mas mais do que isso, eu a queria esticada e confortável, de
bruços e exposta. Eu a queria vulnerável, para despi-la como ela me
despiu. Então beijei seu corpo, encontrando cada declive – o vale de
seus seios, a cavidade de sua garganta, o espaço suave atrás de sua
mandíbula – enquanto eu a apoiava em direção ao cobertor. Enganchei
sua cintura, estendi a mão para nos apoiar enquanto a deitava. Abri as
pernas dela com minhas coxas. Fiquei de joelhos.
Seus olhos ardiam, agarrando os meus. Suas mãos alcançaram a
barra do meu calção.
Eu peguei seus pulsos em uma mão. — Não.
Um doce beicinho caiu em seu rosto. — Mas eu
quero você, — disse ela, com a voz rouca.
— O que? O que você quer, Tess?
Seus olhos foram para o meu pau. Ele latejou em resposta.
— Diga-me, — eu disse, apertando seus pulsos.
Sua língua disparou para umedecer os seus lábios, rosados e
escorregadios. — Eu quero seu pau na minha cara, Luke.
Um sorriso puxou meus lábios, apenas em um lado. — Da
próxima vez. Esta é a minha vez. Tenho algo a provar, Tess, e não vou
parar até que eu prove.
Ela gemeu, seus quadris se elevando, chamando minha atenção.
Manuseei a carne enrugada entre suas coxas.
— Não se preocupe. Você vai conseguir o que quer.
Estendi a mão ao lado dos meus quadris para pegar seu joelho e,
com um puxão sólido, virei seus quadris, contorcendo seu corpo.
Deus, ela era linda. O brilho de seus cabelos espalhados como uma
sereia. A curva dos seus seios, a linha da sua cintura, as curvas do seu
corpo, o inchaço da sua bunda.
— Vire-se, — eu ordenei, agarrando seus quadris.
Ela virou, sua respiração barulhenta. Debrucei-me sobre ela, meus
olhos percorrendo suas costas, a minha mão afastando os cabelos do
seu rosto, acariciando sua bochecha, passando o polegar pelo seu
pescoço antes de apertá-lo com o meu punho. Minha mão livre
patinou por todo o seu corpo, agarrou a cintura dela, puxou-a para
os meus quadris, o meu pau aninhando-se no vale de sua bunda
com nada além do tecido do meu calção nos separando.
Aqueles quadris rolaram, me acariciando.
Meus lábios em sua mandíbula, a respiração
mexendo seus cabelos, sussurrando contra sua omoplata. Eu me
levantei, soltei o pescoço dela, recostei-me. Enchi minhas mãos
com sua bunda, afastei suas coxas o máximo possível e fui recebido
com o suave arquear de suas costas, uma oferta. Um pedido.
Eu me mexi, olhos presos na abertura de suas pernas. Braços
alinhados sob as suas coxas. Lábios formigando de antecipação. Boca
encontrando seu calor. Língua provando o sal do seu corpo. Meu
único foco, estava apenas na margem do tremor de suas coxas, o
suspiro do meu nome. Eu continuei exatamente onde estava, levando o
meu tempo. Eu conhecia todos os picos e vales do corpo dela, sabia
como trazê-la para o ápice, sabia como desacelerá-la sem perdê-la.
Não foi até que ela se mexeu que eu a soltei e não por escolha,
mas pela perda de contato. Ela sentou-se e se virou, alcançando-me
quando eu a alcancei, a sincronização instintiva do corpo e da mente.
Eu sabia o que ela queria, onde encontraria seus lábios, como a
deitaria novamente antes mesmo que acontecesse. Seus lábios
esmagaram os meus, meu corpo esmagou o dela, pressionando-a
contra o cobertor, o mergulho do feno sob seu corpo embalando-a.
Suas mãos, frenéticas e agitadas, lutaram pelas minhas calças.
Eu quebrei o beijo, olhando para o rosto dela, alisando seus
cabelos, acalmando sua respiração. Mas seus quadris estavam
selvagens debaixo de mim. Prendi-os com os meus. Mordi seus
lábios. Somente quando ela parou, eu me afastei para
ficar de pé.
Ela estava esticada na flanela, a pele brilhante
contra o escuro. Ela era tons de vermelho – o brilho de seus
cabelos, o rubor de suas bochechas, o rosado de seus lábios, de
seus mamilos, a elegante porção de cabelos no V de seu corpo. Eu não
conseguia desviar o olhar, e ela também não conseguia, não quando
alcancei atrás de mim para pegar um punhado da minha camiseta e
puxá-la sobre minha cabeça. Não quando eu peguei a camisinha do
meu bolso e deixei cair meu calção. Não quando eu a deslizei,
bombeando meu pau enquanto me aproximava.
Nossos olhos se trancaram – eles tinham estado ocupados. Suas
coxas se espalharam para dar espaço aos meus quadris. Seus braços se
abriram para abrir espaço para o resto de mim. Peito com peito.
Quadril com quadril. Minha mão na minha base, polegar no meu eixo,
coroa no seu calor. E com uma flexão, deslizei nela até que não
houvesse espaço entre nós.
Engoli seu suspiro com um beijo, segurei seu corpo com o meu.
Meus braços abraçaram seu rosto, minhas mãos em seus cabelos. E
passei um longo momento ali, através das batidas do meu coração,
através da pulsação do meu corpo no dela, o eco dela em torno de
mim.
Meus quadris eram a única coisa se movendo.
O balançar lento, a mudança quando cheguei ao fim, a
pressão que ela precisava, a profundidade que eu ansiava. O
beijo quebrou quando ela perdeu o seu corpo com a
sensação, sua cabeça pendendo, os olhos fechados. Ela
não conseguia se mover, não conseguia exigir prazer.
Era meu para dar.
E eu queria dar tudo a ela.
Eu fui mais fundo, beijando a pele que pude, respirando na
concha de sua orelha, traçando o lóbulo com minha língua. O balançar
do meu corpo, dolorosamente lento. Deliberado e estável. Um impulso
profundo. Outro ainda mais profundo. Mais uma vez, e ela chegou lá,
com o corpo tenso, a respiração superficial.
Eu levantei minha cabeça, bombeei meus quadris, vi seu rosto se
esticar e suas sobrancelhas se unirem, ouvi o som do meu nome
montando sua respiração. Senti a flexão de seu corpo em torno do
meu, tão forte e firme. Eu não retirei, apenas fiquei até a pulsação
irromper através dela, me puxando mais fundo.
A impulso era muito forte, muito profundo, minha consciência
encolhendo a cada golpe dos meus quadris, meus sentidos recuando. A
visão se foi com uma batida das minhas pálpebras. Nada soava além
do trovão do meu coração e o barulho da minha respiração. Toques
deslizando em todas as extremidades, correndo para o lugar onde meu
corpo encontrava o dela.
E com uma explosão de raios por trás das pálpebras fechadas, eu
gozei, segurando-me nela como se eu fosse sair voando se a soltasse.
Os braços dela foram a primeira coisa que eu registrei,
entrelaçados nas minhas costelas. Então, seus dedos, o delicado
roçar de suas unhas para cima e para baixo nas minhas
costas. O perfume de seus cabelos onde meu rosto
estava enterrado, lilases se misturando com o doce feno.
A vibração de seu pulso sob meus lábios enquanto eu beijava a
coluna de seu pescoço.
Levantei-me em busca de seus lábios, beijei-a com a lenta
apreciação que eu tinha dado a seu corpo. E quando eu me afastei, foi
para olhar seu rosto, deleitando-me com a visão de sua forma
sorridente em minhas mãos.
— O que você fez comigo, Tess? — Eu perguntei, procurando os
olhos dela. — Como você fez isso?
O sorriso dela apareceu de um lado. — Bem, eu tenho essa
boneca de vodu.
Eu ri.
— Não, de verdade. E há um santuário no meu armário com as
coisas padrões. Você sabe, em pouco do seu cabelo, velas vermelhas,
sua foto, alguns ossos de galinha.
— O que, nenhuma sálvia?
Com um rolar de olhos, ela fez um barulho de dissensão. — Por
favor, todo mundo sabe que não se usa sálvia em poções do amor.
Um tiro de emoção estourou através de mim com a palavra amor
em seus lábios, e eu os beijei para cobri-lo. Medo, surpresa, desejo.
Alerta. Gratidão.
Amor. Isso significava muitas coisas em tantos contextos,
uma única palavra para abranger uma centena de emoções. Eu
amava minha família. Eu amava meus amigos. Eu amava
Wendy, apesar de nunca mais querer vê-la. Eu amava
Zhenya, minha antiga vizinha, embora eu quisesse vê-la
novamente e provavelmente nunca o faria.
A maneira como me sentia sobre Tess era uma variação dessa
palavra. Ainda não sabia qual variação. Mas eu sabia sem saber que
esse sentimento não iria embora. Não iria me deixar. Só iria crescer.
Eu só esperava que nós crescêssemos juntos e não separados.
Eu guardei o pensamento, movendo-me para nos enrolar. Tess
interrompeu o beijo, apoiando o seu pequeno queixo na mão para
olhar para mim, cabelos selvagens e soltos. Eu alisei eles, colocando
um cacho atrás da orelha para que eu pudesse ver seu rosto melhor.
— Eu sempre me perguntei como era ser a namorada de Luke
Bennet, — disse ela com aquele sorriso preguiçoso.
— É tão fascinante quanto você imaginou? — Eu provoquei,
lançando um olhar para o feno ao nosso redor.
— Confie em mim, é melhor, — disse ela, inclinando-se para
pressionar um beijo fugaz nos meus lábios.
Minhas mãos seguraram seus quadris. — Então, como você quer
jogar isso? Devemos colocar uma placa na janela? Talvez pegar um
anúncio no jornal?
— Eu estava pensando em um outdoor, ou pelo menos um cartaz-
sanduíche.
Eu ri. — Falando sério – teremos que contar à minha mãe em
algum momento, e ela vai se inserir diretamente em tudo o que
fazemos. Ela vai fazer perguntas que você não quer
responder, como em que tipo de controle de natalidade
você está e se há algum histórico de doença cardíaca em
sua família. Talvez o tamanho do seu anel e qual formato de
diamante você prefere.
Quando ela riu, o rubor nas suas bochechas era quase tão
profundo quanto o seu cabelo. — Deus, eu nem pensei em sua mãe.
Não achava que você gostaria que alguém soubesse sobre nós.
Meu sorriso desapareceu. — Tess, se colocar um outdoor não
fosse escandaloso e inapropriado, eu faria isso. Isso nunca foi
temporário para mim.
O rosto dela se suavizou. — Eu pensei que tudo que você queria
era algo temporário.
— E eu pensei que você não estava interessada em algo
temporário. Entrei nisso com a intenção de namorar com você, Tess
Monroe.
Ela balançou a cabeça, maravilhada. — Como você faz isso?
— O que?
— Faz eu me sentir como se fosse a única mulher no mundo.
Minha mão segurou sua mandíbula, meus olhos prendendo os
dela. — Porque você é.
E eu a beijei para provar isso.
15
Coisas Que O

Gato Arrasta

Tess
— Eu te disse que ele era seu namorado, — Ivy disse com certeza
presunçosa.
Eu ri, o som aliviado, assim como eu. Leve como uma pena e
flutuando pela brisa, livre como deveria ser, apesar da minha
exaustão. Levamos a noite toda para concluir a montagem, graças aos
lábios, mãos e corpo de Luke.
— Você estava certa e eu estava errada, — eu disse
incisivamente.
Ela apertou a mão no peito, sorrindo. — É mais
comum do que o crédito que eu recebo. Você vai contar à senhora
Bennet?
Meu nariz enrugou. — Vamos esperar um pouco. Apenas... se
acomodar, ter certeza que estamos estáveis antes que ela salte em nós
com amostras de convites de casamento ou algo assim.
— Eu diria que ela assustaria Luke, mas de alguma forma, eu não
acho que é ele quem ficaria com um pé atrás.
Eu olhei para ela. — Você pode me culpar? Eu não faço nada
rápido.
— Não, você não faz. E quando a Sra. Bennet souber que sua
pessoa favorita no planeta que não é parente dela está namorando seu
filho, ela absolutamente começará a planejar seu casamento. Dou duas
horas.
— Deus, — eu disse rindo. — Talvez devêssemos esconder dela
até ficarmos noivos.
Ivy me deu uma olhada.
— O que?
— Você disse até. Até vocês ficarem noivos.
Minhas bochechas arderam. — Eu estava brincando, Ivy.
— Estou apenas dizendo, Tess. Eu acho que em algum lugar da
sua mente racional existe uma romântica pegajosa que sabe que
vocês dois combinam um com o outro.
— Nós combinamos. Isso não significa que vamos
nos casar, sua esquisita.
Ela me deu outro olhar, este me dizendo que ela
sabia mais. — Vocês me lembram eu e Dean. Você apenas… se
encaixam, sabe? E todos ao seu redor podem ver. — Um sorriso
melancólico saiu dela, sua mão distraidamente se movendo para sua
barriga. — É o seu próprio tipo de magia, e estou tão feliz que você a
encontrou. Eu juro, a eletricidade tremeluz quando vocês estão na
mesma sala. Como a Sra. Bennet ainda não percebeu está além de
mim.
— Ela está muito ocupada paparicando eles agora que tem seus
filhos em casa, para prestar atenção. De qualquer forma, quando ela
está aqui, Luke e eu geralmente não estamos na sala ao mesmo tempo.
— Por planejamento?
— Um pouco, mas também porque estamos muito ocupados.
Ivy bufou uma risada. — Você age como se eu não tivesse pegado
ele te tocando ontem no armazém.
Encolhi os ombros. — Você sabe o que dizem – uma agarrada por
dia mantém a solteirice longe.
— Ninguém diz isso, — disse ela, rindo assim que a campainha
no balcão tocou pela segunda vez em trinta segundos.
Eu fiz uma careta, olhando para trás. — Onde diabos está Jett?
— Eu não sei. Ele foi para a estufa um minuto atrás. Luke está em
uma entrega.
Limpei minhas mãos no meu avental. — Eu sei onde Luke
está.
— Oh, tenho certeza que sim. Vai se tornar o seu
sexto sentido, saber a que distância ele está a qualquer momento.
Porque você vai se casaaaar, — ela cantou, dando-me uma
exibição de mãos de jazz como efeito.
Revirei os olhos, sorrindo enquanto caminhava em direção à
frente.
A loja estava tão movimentada que me surpreendi que Jett tivesse
escapado por tanto tempo sem a campainha tocar.
Nas primeiras horas da manhã – depois de uma soneca muito
curta no feno – revelamos a nova montagem para uma pequena
multidão, cafés na mão enquanto esperavam na calçada. Toda semana
era um pouco maior, um pouco mais grandiosa e hoje não foi exceção.
Era uma surpresa para todos nós. Mas nem de longe tão
surpreendente quanto quem eu encontrei do outro lado do balcão.
Wendy Westham sempre foi linda, e o tempo não mudou isso. Na
verdade, acho que o tempo a deixara mais bonita. A redondeza da
juventude havia sido apagada de seu rosto, deixando as maçãs do rosto
altas e uma mandíbula perfeitamente modelada. Seus olhos estavam
mais confiantes do que eu lembrava, mais vividos, embora ainda
brilhassem com aquela faísca de travessura que tantas vezes eu via nos
de Luke. Aqueles olhos eram quase da mesma cor que os dele, um
azul profundo e chocante.
Se o casamento deles tivesse dado à luz um bebê, esse bebê
teria aqueles olhos inteligentes e profundos como o
oceano.
A dor partiu minhas costelas enquanto um sorriso
dividiu meu rosto. —Wendy! — Eu disse animada, o som fraco
demais para ser genuíno. — O que... o que você está fazendo aqui?
Ela sorriu um sorriso que pertencia a uma capa de revista, um
sorriso tão perfeito e praticado quanto charmoso e verdadeiro. —
Tess, certo? Deus, é bom te ver. A loja parece incrível. Ouvi dizer que
você fez as vitrines, é verdade? Porque você poderia conseguir um
emprego em Los Angeles assim. — Ela estalou os dedos.
Eu ri, desajeitada e rígida. — Eu fiz, obrigada. Então... posso
ajudá-la?
— Oh! — ela disse rindo, ajustando a bolsa, que estava presa na
dobra do braço e custava mais de um mês de aluguel na Quinta
Avenida. — Eu estava procurando por Luke. Ele está aqui?
Engoli a pedra na minha garganta. — Você acabou de perder ele.
Ele está em uma entrega.
O rosto dela caiu. — Oh. Você se importa se eu esperar por ele?
Estou de volta a Nova Iorque há um minuto, mas ainda não tive
chance de vê-lo.
Com um aceno de cabeça – sério, o que mais eu poderia fazer? –
eu disse, — Sim, claro, embora eu não saiba quando ele voltará.
Ela acenou com a mão, contornando o balcão para ir para os
fundos antes que eu pudesse contestar. Ela usava um vestido, de
design simples e boêmio, mas colorido com pequenos detalhes
– um laço aqui, um plissado ali, um design inteligente
que fazia com que parecesse quase alta costura. Sua
beleza era tão ofuscante quanto discreta. Ela não tinha
que tentar. Ela simplesmente era.
Eu não conhecia Wendy muito bem – ela e Luke se
conheceram logo depois que nos formamos, e eles namoraram apenas
por quarenta e dois segundos antes de fugirem para se casar. Mas eles
tinham sido uma coisa só, inseparáveis desde o segundo em que se
conheceram. Sempre que Luke passava pela loja, Wendy estava ao seu
lado. Ela nunca foi cruel comigo, embora todos a pintassem como
uma súcubo. Todo mundo adorava Luke demais para aceitar qualquer
coisa, exceto o tratamento cinco estrelas a ele. Qualquer coisa abaixo
era blasfêmia.
Ela entrou no nosso espaço de trabalho. — Obrigada, Tess. Você
trabalha aqui atrás, certo?
— Eu tento. — Nos dias em que não somos interrompidas.
Quando chegamos às mesas, Ivy olhou para cima, sua mandíbula
se abrindo por um nanossegundo antes de voltar ao normal.
— Ivy? Como você está? — Wendy sorriu, dando a volta na
mesa. Quando ela teve um vislumbre da barriga de Ivy, seu rosto se
suavizou, seus olhos brilhando com o que pareciam ser... lágrimas? —
Olhe para você. Você está linda. — Wendy deu-lhe um abraço,
provocando um olhar aterrorizado de Ivy por cima do ombro de
Wendy. — Quem é o sortudo?
— Oh, eu não acho que você o conhece. Dean, um dos
nossos fornecedores.
Os olhos de Wendy se estreitaram em pensamento.
— Espere, o grandão? Quem sempre trazia todos os vasos? —
Uma de suas sobrancelhas se levantou.
Ivy riu. — Sim. Vasos – e um pouco de maconha11, se o clima
estivesse bom.
— Parabéns, sério, — disse ela, as palavras cheias de emoção que
ela cobriu olhando ao redor. — Nada mudou aqui atrás. Deus, eu não
posso contar o número de vezes que Luke e eu costumávamos nos
esconder aqui. — Ela riu. — Acho que nos agarramos em todas as
superfícies do edifício.
O ar voou dos meus pulmões em um uivo quase audível.
Ivy riu nervosamente, pulando do banquinho o mais rápido que
qualquer mulher em seu estado e tamanho conseguia. — Então, o que
você está fazendo de volta na cidade, Wendy?
— Oh, você sabe, apenas precisando de casa por um minuto. Já
teve esse sentimento? Quando você precisa de um rosto amigável?
Não há muitos em Los Angeles hoje em dia. — Ela riu baixinho.
Deus, por que ela tinha que ser tão charmosa? E um pouco triste?
E realmente bonita para caralho? E ter se casado com Luke? Algum
tempo atrás pelo menos... embora fosse tudo que eu conseguia pensar,
junto com a linda bunda nua de Wendy por toda a loja que eu amava
com o homem que eu achava que podia amar.

11A Ivy fez um trocadilho com pots (vasos) e pot que é um gíria
para maconha.
O pensamento manchou as lembranças que ele e eu
tínhamos feito aqui, fez com que se sentissem cansadas e usadas,
uma repetição e não uma revelação.
Naquele momento, eu não conseguia mais entender o que Luke
estava fazendo comigo. Wendy era igual a ele de uma maneira que eu
nunca poderia ser – maior que a vida, incrivelmente encantadora,
bonita daquela maneira mítica que desafiava seus sentidos. E tudo isso
em um vestido de verão e sandálias, e sem um pingo de maquiagem
no rosto.
E então havia eu. Rosto pequeno e sardento, olhos como lama e
cabelos da cor de argila molhada. Jeans manchados de sujeira e com
pequenos buracos gastos onde minhas coxas se encontravam. Minha
camiseta usada e meus tênis gastos, a borracha rachada e descascando.
Onde Wendy era encantadora e conhecedora, eu era estranha e um
pouco desconfiada, e não saía deste lado de Manhattan há quase um
ano. Meu mundo existia dentro dos quarteirões em torno desta
floricultura e incluía as pessoas dentro e meu pai.
O mundo dela – o mundo de Luke – era grande e brilhante demais
para gente como eu.
Wendy vagou até o arranjo em que eu estava trabalhando,
trazendo o nariz bonito para a cabeça de uma peônia. — Isso é tão
bonito, Tess. Luke sempre dizia que você era a florista mais
talentosa que ele já conhecera. Devo dizer que acho que ele
estava certo. — Ela sorriu tão gentilmente para mim que
a dor no meu coração apertou mais forte.
Eu sorri de volta e contei a verdade. — Não há
como eu ser melhor que a Sra. Bennet.
— Você é pelo menos igual nas minhas contas. Você me
ensinaria alguma coisa? — ela perguntou sinceramente.
Embora eu quisesse correr, não havia para onde ir. Então eu disse,
— Vou te mostrar o que sei.
E com o estômago enjoado e revirado, mostrei para a única
mulher que Luke já amou meus segredos, todos, exceto um.
..............................................

Luke
Eu não conseguia parar de sorrir.
Era como se meus dentes estivessem untados, minhas bochechas
doendo quando eu parei o caminhão de entrega.
Tess estava lá dentro – essa era a primeira razão. A segunda razão
era que ela não estava apenas dentro, mas havia concordado em ser
minha. A terceira razão era que eu tinha algo a dizer a ela.
Algo grande.
Depois da minha última entrega, eu corri para uma reunião depois
de receber uma mensagem de um amigo com quem costumava
trabalhar. Sua irmã trabalhava para a revista Floral, e eu liguei,
pedindo uma reunião, que ele entregou sob a forma de uma
emboscada em uma cafeteria. Uma rápida apresentação e
o nosso feed do Instagram – foi o suficiente para que
ela concordasse com outra reunião, uma reunião real,
que poderia terminar em uma matéria. Uma matéria de capa, se eu
pudesse manobrar isso.
Tess pode estar certa. Mamãe pode realmente ter um ataque
cardíaco.
Agora que convenci Tess a namorar comigo, minha nova missão
de vida era arranjar essa matéria de capa.
Eu desliguei o motor e abri a porta, acenando para meu pai e Kash
enquanto eu caminhava em direção à loja.
Em direção a Tess.
Eu queria ver o olhar em seu rosto quando disse a ela, queria os
beijos que ela me daria depois, queria girá-la e ouvi-la rir e
compartilhar esse sentimento com ela. Ela, antes da minha mãe ou dos
meus irmãos, antes de qualquer pessoa no mundo, eu queria contar a
ela.
Abri as portas giratórias da sala de trabalho como o maldito rei de
Sião.
— Tess, — eu chamei, examinando a sala de trabalho. — Você
nunca vai acreditar...
As palavras morreram na minha garganta, meu sorriso
desapareceu pela primeira vez em vinte e quatro horas.
Havia Tess, olhando para mim como uma ovelha que acabou
de perceber que estava no matadouro, com os olhos grandes,
castanhos e profundos demais para entender. E Ivy, que
fez uma careta na minha direção.
E Wendy. Parada ao lado de Tess. Sorrindo para
mim como se ela não tivesse me visto em uma década e tivesse
sentido falta de cada minuto.
Eu olhei para elas como se estivesse olhando para uma cena de
crime, os detalhes nítidos e gritantes – o choque e a preocupação de
Tess, a quietude da sala, a esperança nos olhos de Wendy. E então eu
me encontrei, dando um sorriso no rosto.
Nova missão: neutralizar o que diabos estava acontecendo aqui e
tirar Wendy da loja. Imediatamente.
— Bem, — comecei, educando minha voz para ficar o mais gentil
possível, — você é a última pessoa que eu esperava ver hoje.
— Luke, — ela respirou, seu sorriso aliviado e os olhos brilhando
enquanto andava em volta da mesa.
Meus olhos se voltaram para Tess, mas ela estava olhando para
baixo, os lábios contraídos e as sobrancelhas juntas. Eu tinha uma
sensação suspeita e terrível de que ela estava tentando não chorar.
Wendy flutuou pela sala como a porra do anjo da morte, e antes
que eu percebesse o que estava acontecendo, estávamos nos
abraçando. Os braços dela estavam em volta da minha cintura, o rosto
enterrado no meu peito, como havíamos feito milhares de vezes antes.
A familiaridade me atingiu, mas não havia conforto, apenas uma onda
de aversão.
Mas eu a abracei em volta dos ombros com um breve
aperto antes de usar meu recuo para agarrar seus ombros
e tirá-la de mim.
Tess tinha se virado, as costas da mão passando no
rosto.
— O que você está fazendo, Wendy? — Eu perguntei
baixinho, minha mandíbula apertada.
Wendy sorriu para mim. — Eu... eu queria ver você. Laney disse
que eu estava de volta?
— Ela disse. — Meu olhar voltou para Tess, que estava
sussurrando com Ivy. — Ei, por que não damos um passeio?
— Eu gostaria disso, — ela respondeu.
Eu ofereci um sorriso curto e fui em direção à frente da loja, meus
olhos em Tess. — Eu já volto, — eu disse, esperando que ela ouvisse
o pedido de desculpas e a garantia em minha voz.
Tess tentou sorrir, mas desviou o olhar. Parecia que ela se sentia
envergonhada, tola. E amaldiçoei mentalmente um tornado estridente
de obscenidades.
Jett e eu tivemos uma conversa completa quando passei, que
consistiu em muitos que diabos e eu não faço ideia e um sólido, não
conte à mamãe.
Empurrei a porta da loja ao som da campainha e Wendy saiu do
prédio.
Graças a Deus, porra.
Ela sorriu para mim. — Onde você quer ir?
Eu não respondi, apenas comecei a andar na direção do
parque. — Do que você precisa, Wendy? — Não fui frio,
nem rude. Mas não havia convite nas palavras.
— Eu... eu apenas... quando conversamos pela
última vez, foi... tenso.
— Como está seu namorado, a propósito?
— Nós terminamos. — Ela parou, agarrando meu cotovelo. —
Sinto muito por ter passado por aqui. Eu realmente precisava ver você.
Suspirei, passando a mão no rosto. — Não é bom para mim vê-la,
e não há mais nada a ser dito.
— Los Angeles não é a mesma coisa sem você, Luke. Nós... nos
mudamos para lá juntos, nos casamos lá juntos.
— Se divorciamos lá.
Uma carranca, por mais leve que fosse. — Eu não queria ficar lá
sem você, então vim para casa. Senti sua falta.
Meus olhos se estreitaram. — O que você quer?
Ela bufou. — Nada, está bem? Tudo... tudo parece fodido. E
quando as coisas parecem fodidas, é sempre o seu rosto que eu quero
ver.
Outro suspiro, este controlado, minha mandíbula apertada, o
músculo saltando. — Você está bem? Precisa de alguma coisa?
Ela balançou a cabeça, olhando para baixo. — Não. Não é desse
jeito. Eu só precisava de um rosto familiar.
— Você não pode simplesmente aparecer assim. Não depois de
tudo.
Ela ainda estava olhando para os pés. — Eu sinto
muito. É só que... eu sinto que perdi tudo. — As palavras
quebraram com um soluço quando sua mão se moveu para o rosto.
E com um terceiro suspiro, este conformado, a dúvida que eu
tinha sobre sua sinceridade se foi. Fui até ela, puxei-a para um abraço,
deixei ela chorar por um minuto.
Porque eu entendia. Ela não tinha ninguém – ela seletivamente
empurrava e puxava todos em sua vida, indo e voltando como um ioiô
sem fim. Seu pai estava praticamente ausente, e sua mãe existia entre
ciclos de bebidas e ressacas. Nem todo mundo podia lidar com
Wendy, certamente não seus pais, e todos os outros haviam partido,
sem vontade de amá-la o suficiente para suportar o fardo de tempos
como esses.
Eu era a constante de Wendy. E o que quer que tenha acontecido
tinha sido o seu gatilho, o que significava que ela estava oscilando à
beira de um declínio ou estava prestes a me manipular.
Eu mantinha meus olhos abertos para o último porque não podia
ignorar o primeiro.
Ela se afastou, passando a mão no rosto. — Deus, me desculpe.
— O que aconteceu?
Wendy riu com um soluço. — Eu deveria ter parado de namorar
executivos de Hollywood. Entre outras coisas, que eu deveria ter
parado de fazer. — Ela respirou fundo e se endireitou, sorrindo
um pouco mais brilhante. — Sabe, você sempre foi
capaz de me fazer sentir melhor.
— Eu não fiz nada.
Ela sorriu, uma expressão pequena e triste. E com a mão no
meu braço, ela se esticou para me beijar na bochecha. — Você
estava aqui, — disse ela calmamente, afastando-se. — Posso mandar
uma mensagem para você?
Meus lábios se achataram. — Se você precisar.
Ela assentiu. — Obrigada, — disse ela e virou-se para ir embora.
Fiquei na calçada e a observei partir, me perguntando por que
diabos ela não poderia ter ficado do outro lado do país onde ela
pertencia. A visão dela foi um choque que eu não esperava.
Um para o qual eu não tinha preparado Tess.
Tess.
Me reergui, correndo para a loja com minha mente nela. Quando
cheguei à porta, eu estava zumbindo, cantarolando com antecipação,
um pedido de desculpas rodando pela minha cabeça em um loop.
Eu nem sabia pelo que precisava me desculpar. Eu não conseguia
controlar Wendy mais do que controlava o clima. Mas minha culpa
era profunda – pela presença dela, pelo que quer que ela tenha dito a
Tess. Por se casar com ela. Por não ir embora. Pelo meu senso de
dever.
Mais do que ninguém, eu queria poder dar as costas a isso.
Eu atravessei a loja, correndo até os fundos, mas ela se fora.
Os olhos de Ivy estavam tristes, o rosto abatido.
Meu coração bateu nos meus sapatos.
— Ela está no armazém, — foi tudo o que ela disse.
E eu saí antes que ela terminasse de falar. Não registrei meu
pai e meu irmão, embora a decepção deles tenha pesado sobre mim
quando passei. Não de mim. Por mim.
Por Tess.
E isso era tudo o que importava – Tess.
Eu a encontrei no armazém, no nosso canto. Ela encarava a
parede, a mão sobre a boca e os ombros encolhidos.
— Tess. — Eu implorei a palavra, e ela se virou, assustada.
Seu rosto reluzia com lágrimas que ela enxugou, endireitando sua
coluna, encontrando meus olhos.
Eu andei até ela, querendo nada mais do que puxá-la em meus
braços. Mas não fiz isso por medo de que ela me afastasse.
Ela engoliu em seco, as sobrancelhas unidas. — O que ela quer?
— Não sei ao certo. Ela... ela está um pouco perdida, eu acho, e
eu sempre sou a pessoa que ela procura quando está tentando
encontrar o seu caminho. — Eu dei outro passo. — Por favor, não
chore, Tess.
Seu rosto se curvou, lançando seu olhar para os sapatos. — Eu
sinto muito. Não sei o que há comigo.
Essa foi toda a permissão que eu precisava. Eu a acolhi no meu
peito, segurei a parte de trás de sua cabeça para abraçá-la. — Eu
sinto muito. Sinto muito mesmo, — sussurrei em seus cabelos.
— Você não fez nada de errado. — Ela fungou e
disse contra o meu peito, — Deus, eu sou tão ridícula.
Você nem é meu namorado há um dia e aqui estou eu,
choramingando.
— Bem, Wendy sempre teve um talento especial para fazer as
pessoas chorarem, — brinquei e fui recebido com uma risada fraca. —
E eu acho que sou seu namorado há algumas semanas, mesmo que
você não ache.
Ela arriscou um olhar para mim. — Era fácil esquecê-la,
pensando que ela estava tão longe. Ela era apenas uma história do seu
passado, não uma pessoa do seu presente. Mas vocês eram casados.
Casados. E ela é tão bonita e encantadora, assim como você.
Eu fiquei sóbrio, minha voz baixa. — Eu não sou nada como ela.
Tess, você precisa entender que ela e eu somos complicados, na
melhor das hipóteses. Mas eu não a quero. Eu quero você. E parte da
razão pela qual eu quero você é porque você não é como ela. Você
nunca me trairia, mentiria para mim. Me usaria. Essas linhas, uma vez
cruzadas, não podem ser descruzadas.
Ela assentiu, mas seus olhos ainda estavam incertos.
Eu capturei seu queixo no meu polegar e indicador. — Você, Tess
Monroe, é a garota mais bonita que eu já conheci. Cada pequena
sarda, cada pequeno sorriso. Todos os cabelos da sua cabeça e curvas
do seu corpo, especialmente esta. — Eu dei um aperto na bunda dela
com a mão livre, provocando uma risada. — Você é perfeita. E eu
sou irresponsável e não confiável.
— E hedonista, — ela acrescentou.
— Sim, o que pelo que eu me lembre você gosta. —
Outra risada. — Eu não quero alguém como eu. Eu quero alguém
como você.
Seu suspiro de concessão e alívio foi acompanhado por um
sorriso. — Beije-me, — ela ordenou.
E assim eu fiz, satisfatoriamente e cuidadosamente.
O beijo quebrou quando eu não pude segurar mais as notícias nas
quais eu estava me agarrando.
— Eu tive uma reunião muito interessante hoje, — eu disse,
minhas mãos cruzadas nas costas dela, mantendo-a colada a mim.
— É mesmo?
— Com uma editora júnior da revista Floral.
Os olhos dela se arregalaram. — Você está brincando.
— Ela está interessada em fazer uma parceria.
Seu rosto se abriu como um raio de sol. — Luke… — ela
respirou.
— Eu sei. Ela deu uma olhada nas fotos que você tirou e foi
comprada. É tudo por sua causa. — Meu coração dobrou de tamanho
quando eu olhei para o seu rosto. — Você encontrou uma maneira de
mostrar ao mundo inteiro o que é esta loja, o que ela significa para
nós. Eu posso fazer o sonho da mamãe se tornar realidade.
A mão dela se desenrolou do meu pescoço e segurou minha
mandíbula, o seu rosto macio e aberto.
— Então prepare-se, — eu disse com um sorriso de
lado. — Porque eu estou prestes a nos colocar na capa da maior
revista de flores da América.
Ela riu, pulando para me agarrar pelo pescoço, e eu a levantei e a
rodei, exatamente como eu tinha imaginado. Quando seus pés estavam
no chão, peguei sua mão para levá-la até minha mãe.
E nós fugimos com nossas esperanças elevadas e nossos sonhos a
reboque.
16
Golpe Do Baú

Luke
A loja estava vazia e silenciosa enquanto Tess e eu caminhamos
até a frente naquela noite, o dia terminado e a loja fechada.
— Você tem certeza que não quer vir para o jantar? — Eu
perguntei. — Mamãe não vai se importar, especialmente depois de
hoje. Tenho certeza que ela tem um milhão de coisas para conversar
com você.
— Outra hora. Eu mal tenho visto o papai e adoraria cozinhar
uma refeição fresca para ele, em vez de uma que ele precise aquecer.
Eu a fiz parar, puxei-a para trazê-la para o círculo dos meus
braços. — Você é uma boa filha, sabia disso?
Ela corou, sorrindo. — De vez em quando, acho que faço
algo certo
— Diga ao seu pai que tenho suprimentos sendo
entregues amanhã. Talvez amanhã a noite possamos jantar na sua
casa com seu pai, e eu posso garantir que tudo está pronto para
começarmos?
Um aceno de cabeça e um pequeno sorriso foram minha única
resposta.
— Você tem certeza que está bem com a reforma?
Um aceno e um sorriso idênticos me disseram que a verdade era
não.
Eu fiz uma careta. — Eu realmente acho que você deveria contar
ao seu pai. Ele não mudaria a casa se soubesse que isso a chateia.
— Eu sei que ele não mudaria, e é por isso que não posso dizer
nada. — Ela colocou os braços em volta da minha cintura e apertou.
— Eu confio em você, Luke. E eu quero o que meu pai quer. Não se
preocupe... eu vou ficar bem.
— Você sempre está. Mas você não precisa estar. Você sabe
disso, certo?
— Eu já ouvi isso uma ou duas vezes, — disse ela com um
sorriso de soslaio.
Eu ri e beijei seu nariz. — Encontro você aqui depois do jantar.
Vamos pensar nessa montagem para que eu possa começar a construir.
— Combinado. E traga seu apetite.
Uma das minhas sobrancelhas se levantou. — Você está
trazendo sobremesa?
— Sim, na forma de renda preta.
Eu beijei seus lábios sorridentes por um longo
momento antes de deixá-la ir com arrependimento. — Vamos.
Quanto mais cedo acabarmos com isso, mais cedo receberei minha
guloseima.
Lá fomos nós, trancando a loja atrás de nós. Com um beijo fugaz,
nos separamos na frente da varanda de meus pais. Bem, ela se
separou. Inclinei-me contra a grade e a observei, acenando quando ela
olhou para trás.
Não entrei até que ela tivesse ido.
O barulho da minha família me recebeu enquanto eu fechava o
barulho da cidade atrás de mim. Marcus e papai estavam sentados em
silêncio à mesa – papai com seu jornal, Marcus com seu telefone – e
quando entrei na sala a caminho da cozinha barulhenta, eles me deram
idênticos acenos de cabeça. A cozinha era uma alvoroço de
movimentação e som. Kanye cantava Gold Digger na caixa de som
portátil ao lado da coxa de Edie no balcão enquanto ela balançava os
ombros. Jett ria no fogão, mexendo o jantar em uma panela enquanto
Kash e minha mãe travavam uma batalha de rap na copa.
Mamãe estava ganhando. E quando ela chegou à parte do pré-
nupcial e gritou, Eighteen Years! Kash começou a rir tanto que perdeu
na hora.
— Obrigada, obrigada, — mamãe disse, fazendo uma
reverência antes de estender com expectativa a mão retorcida
para Kash.
Ele folheou a carteira, pegou uma nota de cinco e
colocou na palma da mão dela. — Você ganhou essa, — disse ele,
beijando-a na bochecha.
Mamãe corou, rindo. — Vencendo você em batalhas de rap desde
2002.
Kash balançou a cabeça. — Você é a razão pela qual não
podemos tocar Sorry, você sabia.
Ela deu de ombros, enfiando a nota no bolso de trás. — Eu não
sei do que você está falando, Kassius Bennet.
Laney riu. — Ela dá um significado totalmente novo à palavra.
Jett bufou. — O sinto muito12 vem quando ela vira o tabuleiro.
— Você é o motivo pelo qual somos tão competitivos, — eu disse
com um sorriso. — Exceto papai. Ele largou todos os jogos que já
jogou.
— Isso é porque seu pai sabe algo muito importante, — mamãe
declarou com naturalidade, parando para obter um efeito dramático.
— Se a mamãe não está feliz, ninguém está feliz.
Risos encheram a sala. Mamãe veio até mim para me dar um
abraço.
— Meu garoto, como você está? — ela perguntou docemente. —
Não acredito que você conseguiu uma reunião com a Floral! Você faz
mágica sem nem tentar, não é?

12 Jett fez uma referência à música Sorry a qual Kash tinha se referido
anteriormente.
Passei um braço em volta dos ombros dela. —
Qualquer coisa para você. — Eu beijei o topo da cabeça dela.
Jett transferiu uma panela de arroz para uma tigela e a
entregou a Laney. — Você já fez algumas acrobacias, mas a
probabilidade de um artigo para uma revista? Estou impressionado.
— Eles querem vir na próxima semana e analisar a loja. Tess e eu
estamos trabalhando em uma montagem hoje à noite.
— Eu aposto que vocês estão. — Kash fez um gesto obsceno para
mim por trás da mamãe.
Eu dei um olhar para ele.
— Vocês dois estão trabalhando tão duro, — mamãe se mexeu,
me deixando ir para olhar para mim. — Vocês estão na loja todas as
manhãs antes de abrir e todas as noites depois de fechar. Vocês
realmente merecem um tempo deitados.
Laney riu, indo para a sala de jantar. — Oh, eu tenho certeza que
eles estão passando bastante tempo deitados.
— Eu não vejo como, — mamãe disse, completamente
inconsciente. — Eu vou fazer vocês ficarem em casa para descansar
um dia desses – espere e verá.
— Oh, não faça isso, mãe. — Jett entregou outra tigela, essa cheia
de brócolis fumegantes, a Kash. — Acho que pode ser mais punição
do que recompensa.
Mamãe riu, completamente alheia. Eu lancei Jett ao chão
apenas com o poder da minha mente.
— Eu nunca imaginei que Luke se tornaria um
viciado em trabalho, — disse ela, rindo baixinho e alcançando
meu rosto. — E aqui eu pensei que você particularmente nem
gostasse da floricultura. Agora não posso mantê-lo fora dela.
Um prato de carne foi empurrado em minha direção, e Jett me
lançou um olhar sorridente. — Ele está bem dentro dela.
Peguei o prato da mão dele com um sorriso amável. — O que
posso dizer? Adoro uma boa atividade de prego e martelo.
— Oh, nós sabemos, — disse ele em uma risada.
— Realmente, — mamãe continuou nos seguindo até a sala de
jantar, — eu nunca soube que você era um carpinteiro tão bom.
— Sempre foi bom com madeira13, — disse Kash, jogando uma
flor de brócolis no ar e pegando-a na boca.
Revirei os olhos, pousando o prato na mesa e me sentando. Mas
antes que eu pudesse mudar de assunto, mamãe mudou.
Ela abriu o guardanapo, colocando-o no colo. — Ouvi dizer que
Wendy veio à loja hoje. Não sabia que ela estava na cidade. — A
declaração foi apontada.
Eu olhei para Jett, que deu de ombros, divertido.
— Oh, por favor, — disse a mãe. — Não há segredos nesta casa.
Os Bennets são conhecidos por muitas coisas, mas lábios fechados
não é uma delas.

13Kash fez um trocadilho com a palavra wood, que tanto pode significar
madeira no sentido mais literal, como também pode se referir a uma
ereção.
Meus irmãos, pelo menos, tiveram o bom senso de
parecerem intimidados. Uma varredura me informou que Jett disse
a Laney, e ela disse a Kash, que teria contado a quem quisesse
ouvir, até Marcus.
— O que ela queria? — Mamãe perguntou, servindo arroz,
chamando minha atenção por um piscar de olhos.
— Só passou para dizer olá, — respondi, o que era verdade o
suficiente.
Mamãe bufou uma risada. — Eu não posso imaginar que isso era
tudo o que ela queria.
— Ela voltou, — eu admiti. — Ela e o namorado terminaram.
Isso me rendeu um olhar por toda a mesa.
— Não me olhem assim, — eu disse, ignorando-os em favor da
carne. — Eu a mandei embora.
Eles ainda estavam olhando para mim.
Coloquei o garfo no prato e olhei para todos de volta. — Não
estou interessado em nada que Wendy tenha para oferecer ou pedir.
Tudo certo?
Mamãe pegou o garfo e serviu um pedaço de frango. — Bem,
você não pode nos culpar por suspeitar. Ela fez tudo o que pode para
machucá-lo, Lucas, e eu prefiro não ver isso acontecer novamente.
Suspirei. — Ela não quer.
— Isso não muda o fato do que ela fez – e fará novamente,
se você lhe der uma chance. Ela não é sua
responsabilidade. Não mais. Não depois do que ela
fez. — O rosto da mãe estava duro, mas seus olhos
estavam focados.
Ela estava certa, é claro. Wendy não era minha
responsabilidade. Mas parecia que ela era.
Eu me perguntei se algum dia eu estaria livre desse sentimento.
— Eu sou apenas um rosto amigável, — assegurei a ela.
O que me rendeu um olhar azedo da minha mãe. — Só não deixe
que mais nada seja amigável com ela.
Kash riu. O resto da mesa pareceu relaxar. Eles sabiam que eu
nunca seria amigável com Wendy, não quando eu tenho Tess.
— Ela está ficando com os pais? — Mamãe perguntou, sua voz
tingida de preocupação.
Porque aqui estava a mais triste de todas as verdades: apesar de
tudo o que havia acontecido, até minha mãe queria que Wendy fosse
feliz e ficasse segura. Todos queríamos salvá-la porque havia tão
poucas pessoas que o fariam.
Mas não poderíamos salvar alguém que não queria ser salvo, por
mais que quiséssemos.
— Com a mão dela. O pai dela se foi novamente.
Mamãe fez um barulho desdenhoso. — Gastando seu salário, em
Atlantic City, sem sombra de dúvida. A mãe dela está bem?
— Eu não sei, — eu admiti. — Realmente, eu só queria que
ela saísse para fora da loja e fosse embora.
Marcus estava extremamente carrancudo. — Ela
sabe que estamos reformando a loja então.
Eu balancei a cabeça, trocando um olhar
significativo com ele.
Wendy tinha sido despejada. A floricultura – e, portanto,
minha herança – estava de volta em cena. Era uma questão de
sobrevivência. Onde mais ela poderia ir? Era verdade que eu não
mantinha um emprego por mais de seis meses, mas isso era por opção.
Wendy foi demitida de todos os empregos que já teve. Ela não
conseguia se cuidar. Então, ela usou seu charme para fazer conexões
com pessoas que podiam cuidar dela.
Tudo isso, era verdade. Mas era mais do que isso também. Porque
eu era o seu lugar seguro. Se eu tivesse sido capaz de provê-la da
maneira que ela pensava que precisava, ela não teria me traído. E se
ela não tivesse me traído, eu provavelmente ainda estaria casado com
ela.
Eu reprimi um tremor que subiu pela minha espinha. Agora que
eu tinha Tess, agora que vi o que poderíamos ser, a comparação era
gritante e aterrorizante. O que Wendy e eu tínhamos não era amor
verdadeiro. Dependência, culpa, medo, desejo. Mas olhando para
meus pais, olhando para o que eu tinha com Tess, percebi que o amor
era mais do que isso.
Era igualdade. Respeito. Confiança. E eu não tive nenhuma
dessas coisas com Wendy.
— Bem, — mamãe disse, cortando delicadamente o frango,
— espero que ela esteja bem. E espero que ela te deixe
em paz, pelo bem de todos nós.
Papai capturou meus olhos enquanto mastigava um
bocado, engoliu com deliberação e disse, — Estamos plantando
uma fileira elevada de malmequeres.
Isso foi o suficiente para distrair todos eles, como ele havia
planejado. Mamãe se animou e perguntou quais cores e espécies. Kash
começou a falar sobre o novo sistema de plantio que eles estavam
instalando, o que dobraria nosso espaço de cultivo verticalmente.
Laney nos atualizou sobre o site e as redes sociais, e Marcus nos levou
pelo resto da refeição, informando-nos sobre o novo sistema de
computador, que estaria em vigor nesta semana.
Sentei-me com minha família e, pela primeira vez, não disse nada.
Em vez disso, pensei sobre Wendy. Sobre o que ela poderia
querer e como ela poderia destruir as coisas com Tess. E então eu
considerei todas as maneiras de impedir que isso acontecesse.
Uma hora depois, o jantar fora limpo, as louças lavadas, secas e
guardadas. E a família se dispersou, minha mãe por último com a
declaração de um banho e um livro – dois dos grandes prazeres da
vida, ela apontou com naturalidade.
E com a saída dela, papai e eu estávamos sozinhos na cozinha,
comendo biscoitos do pote entre nós em silêncio.
— Você falou com Tess? — ele finalmente perguntou entre
mordidas, me olhando com olhos inteligentes e conhecedores.
Eu assenti, engolindo. — Eu falei. Ela estava chocada.
— Bem, assim como todos nós.
Nós rimos e ficamos em silêncio por um momento
novamente.
— O que você acha que Wendy quer? — ele perguntou.
— Eu não sei. Eu realmente não sei. Pode ser uma atuação para
me recuperar, pode ser sobre dinheiro. Ou pode ser tão simples quanto
levar um fora e voltar para casa. Mas eu quis dizer o que disse. Eu
terminei com ela.
Ele balançou a cabeça. — Sim e não. Você nunca realmente
terminou com ela, não é?
— Eu não posso apenas... eu não sei. Empurrá-la para longe. Não
sei para onde ela irá ou o que fará se eu a cortar completamente. Eu só
tenho que ser honesto com Tess e preciso manter o máximo de
distância possível entre mim e Wendy.
— Wendy te ama da melhor maneira que pode. E você a ama.
Vocês passaram por muitas coisas juntos para não se amarem. Mas
Wendy é imprevisível – não sabemos o que ela fará ou quando fará.
Ela é perigosa desse jeito, e eu sei que você sabe disso. Eu apenas
pensei que seria bom dizer isso em voz alta. Não quero que você se
machuque, filho. E não quero que você perca o que encontrou com
Tess por causa de Wendy.
A exaustão deslizou sobre mim, até os ossos profundos e pesados.
— Eu sei. Mas se ela me ligar, não sei como ignorá-la – já vi o
que acontece com ela quando o faço. Não sei como sobreviver à
culpa tanto quanto não sei como lidar com ela quando
ela precisar de mim. Tudo o que posso fazer é estar lá
se ela estiver com problemas e garantir que esteja claro
o que ela e eu somos e o que não somos. E Tess – preciso contar a
ela sobre Tess. Mas pai, tem que ser eu para atender a ligação.
Wendy não tem mais ninguém.
Ele me observou por um momento, abaixando a mão no balcão.
— Sua mãe está certa, você sabe. Você não é responsável por ela.
Eu balancei minha cabeça. — Eu sei. Mas se alguém pode ajudá-
la, sou eu.
Papai assentiu, movendo a mão para agarrar meu ombro. — Você
é um bom homem, Lucas. E eu tenho orgulho de você. Do homem que
você se tornou. Apenas saiba o quanto você vale e dê seu amor às
pessoas que darão o delas de volta para você.
Ele se virou, mordendo seu biscoito enquanto se afastava. E eu
esperei, diante da esperança, que eu soubesse o que estava fazendo.
17
Fudge Ripple 14

Tess
Eu mal dormia há dias e nunca estive mais feliz.
Estávamos no modo animal, preparando a loja para a editora da
revista – um novo canto para fotos, algumas novas exposições
penduradas usando flores frescas para substituir as secas, uma
reorganização dos móveis para incluir mais baldes de estanho para
nossos buquês de mercado. Luke até refinou uma linda cristaleira que
enchemos com curiosidades e vasos de plantas.
Nenhum de nós tinha parado de se mover, e hoje não seria
diferente. Mas, apesar da minha exaustão, pulei da cama, pronta para
enfrentar minha lista insuperável com a determinação de superá-
la.

14 Fudge ripple: Sorvete de baunilha com doce de chocolate.


A casa estava cheia de suprimentos e projetos semi-
acabados, embora a reforma estivesse finalmente se
concretizando. Eu podia ver o resultado final, o fim perto o
suficiente para ser visualizado. E Luke tinha feito exatamente o que
ele havia dito – ele mantivera a mamãe presente. Uma parede em
destaque com o feio e velho papel de parede dela, entre cortinas
simples e modernas que se estendiam do chão ao teto, o efeito fazendo
o papel de parede parecer vintage, em vez de datado. Os armários
ainda mantinham a familiaridade do que eram antes, enfeitados com
uma camada de tinta branca fresca e novas ferragens. Um novo sofá e
suporte de TV – um aparador antigo do depósito da loja – renovaram
toda a sensação que o lugar transmitia, mas mantivemos o tapete
velho, amarrando-o com um fio que corria por toda a casa.
Encontrei papai comendo uma tigela de Cheerios à luz da manhã.
— Bom dia, — ele disse com a boca cheia. — Descansou?
— Um pouco. Hoje temos um grande dia, mas não estou cansada.
Não é estranho?
Ele riu. — A paixão faz isso com você.
Eu sorri, pensando em Luke. — Engraçado como as coisas
mudam, — pensei. — Eu nunca pensei que iria me divertir tanto.
— É mais fácil ver, quanto mais você envelhece, quantas mais
estações você suporta. Tudo é temporário, não importa como
tentamos combater. Mas quando abraçamos a mudança,
suportamos ela, mais fácil é aturá-la. E mais divertido
pode ser.
— Palavras sábias.
— Outra vantagem de sobreviver a essas estações. — Ele deu
outra mordida no cereal. — Como estão as coisas com Luke?
A pergunta era cheia de significado. Eu ainda não tinha contado a
papai sobre Luke e eu, e com uma respiração profunda, decidi que
agora era um momento tão bom quanto qualquer outro. — Boas papai.
Muito boas. — Sentei-me ao lado dele. — Acho que estava errada
sobre ele, afinal.
O canto de seus lábios levantou em um meio sorriso. — Não me
diga?
— Eu sei, — eu disse rindo. — Ele tem... bem, ele tem sido tudo
o que a loja precisava. Tudo o que eu precisava.
— Já era hora de você criar coragem e me dizer. Estou esperando
por isso há semanas, desde que você voltou para casa, toda risonha por
ele ter lhe escolhido para fazer as vitrines.
— Ei, eu nunca disse que estávamos nos vendo, — provoquei.
Ele me deu uma olhar. — Por favor, Pomba. Você acha que eu
não sei quando você está vendo alguém? — Uma risada irônica. — Eu
assisti aquele menino correr igual a um filhote de cachorro atrás de
você por semanas, e conversei com Matilda sobre a promessa que
você fez de ser selvagem. — Ele acenou com a cabeça para a
monstruosa hera da mamãe. — Fico feliz que você tenha dado
uma chance a ele, Tess. E te ver feliz é o máximo que eu
poderia pedir. É tudo que eu quero para você.
Eu cobri sua mão com a minha. — Eu estava feliz,
— argumentei suavemente.
— Há contentação e há felicidade. Elas não são a mesma
coisa. E Luke? Bem, ele te faz feliz de maneiras que nunca vi.
Praticamente dispara para fora dos seus olhos.
Eu ri. — Ele faz. Ele realmente me faz. — Mas meu sorriso
desapareceu. — Wendy acabou de voltar. Ela apareceu na loja outro
dia e... eu não sei, papai. Foi difícil testemunhar. Eles têm toda essa
história que ele e eu não temos.
— Não somente história, Tess. Bagagem e um caminhão de
mudança cheio disso. Tenho a sensação de que Luke não está
interessado nela em nenhum contexto. Estou errado?
— Não, você não está errado, — eu concedi, embora a
preocupação ainda arranhasse meu coração. — Mas ela é imprevisível.
E Luke não sabe por que ela voltou. Eu só... e se ele voltar para ela? E
se ela me disser algo que eu não quero saber? Ou tentar ficar entre
nós? E se...
— Não pode viver sua vida com hipóteses. Você simplesmente
não pode. Se eu soubesse que perderia as minhas pernas, não sei como
teria sido corajoso. Se sua mãe soubesse o que aconteceria com ela,
ela teria vivido a vida inteira com medo, tentando descobrir como
combatê-lo. Ela não teria vivido, Tess. E você também não, não se
você se dedicar ao seu medo. — Ele fez uma pausa, virando a
mão sob a minha para entrelaçar nossos dedos. —
Deixe-me dar um pequeno conselho paternal. Tenha
fé. Em você e na sua capacidade de se adaptar, de mudar
se algo aparecer no seu caminho. Em Luke, para ser honesto e
cuidar do seu coração. Ele já lhe deu uma razão para menos?
— Não.
— Então é isso, Pomba. Eu sei que dizer para você não se
preocupar é como dizer a uma girafa para parar de ter manchas, mas
lembre-se de ter fé. Você já está preparada para lidar com o que a vida
lhe der. Não perca seu tempo planejando para um desastre que pode
nunca acontecer.
Suspirei, desafogando a pressão no meu peito. — Tudo bem,
papai.
Ele sorriu, apertando minha mão antes de soltá-la. — Agora, vá
para a sua lista. Eu sei que você já está conferindo as coisas na sua
cabeça.
— Você me conhece bem, — eu disse, beijando sua cabeça. —
Me mande uma mensagem se precisar de mim, — gritei por cima do
ombro enquanto me dirigia para a porta, sabendo muito bem que ele
não iria.
— Você vai conseguir, — ele gritou de volta.
E então eu estava descendo as escadas, tão cheia como eu nunca
estivera com fé.
............................................

Luke
Nós não paramos de nos mover por seis horas.
Não enquanto passávamos de projeto em projeto, Ivy
trabalhava duro na parte de trás para acompanhar os pedidos,
enquanto Tess e eu andávamos pela loja. Nós penduramos alguns dos
caixotes verticais com suculentas, construímos molduras para a nossa
próxima montagem. Comemos pizza fria em rodadas – Tess comia
enquanto me controlava, e eu comia enquanto ela gastava tempo na
parede de flores, verificando o nível de água, tirando e substituindo o
que precisava ser revigorado.
Passei a última hora no armazém, concentrado inteiramente na
montagem de uma peça de exibição feita com uma dúzia de triângulos
nos quais Tess queria plantar samambaias e musgo. Quando estava
pronta, saí do armazém procurando por ela.
Eu a encontrei cavando com determinação através dos baldes de
flores em uma das mesas. Ivy a observava com preocupação.
Seu cabelo estava um pouco selvagem, solto em mechas ao redor
do rosto, que estava tenso, as sobrancelhas franzidas. Um bufo a
deixou, barulhento e impaciente enquanto ela se movia para o
próximo balde.
— A busca acabou, — brinquei, abrindo meus braços em
exibição.
Ela não olhou para cima, muito menos riu. — Havia uma
orquídea em um desses baldes e não consigo encontrá-la.
Eu fiz uma careta. — Uma orquídea?
— Sim, e eu preciso dela.
Fui até os baldes e procurei junto com ela. — E o
que é tão urgente que depende dessa orquídea em particular?
— Estou trabalhando no buquê em que vou fingir trabalhar
quando a editora chegar amanhã e eu preciso dessa orquídea! — Ela
mergulhou no próximo balde, frenética demais para realmente ver
alguma coisa. — Está na minha lista e não posso passar para a
próxima tarefa até encontrar essa orquídea e colocá-la onde ela
pertence.
Com três passos, eu estava na frente dela, me colocando entre ela
e a mesa.
Ela olhou para mim. — Luke, o que você está fazendo?
— Tirando você daqui, — eu respondi, guiando-a em direção à
porta.
— Mas eu preciso daquela orquídea! — ela engasgou por cima do
ombro.
— Ivy vai encontrar. Certo, Ivy?
— Estou trabalhando nisso! — ela gritou atrás de nós.
— Está vendo? Ela está nisso.
Os lábios de Tess achataram-se desafiadoramente, ela cavou seus
calcanhares como se pudesse me parar, o que era adorável. Seus pés
tropeçavam enquanto eu continuava andando.
— Luke, se eu vou terminar tudo isso, eu preciso ficar dentro
do cronograma. Eu não posso sair!
— Sim você pode.
— Não, eu não posso.
Com isso, eu realmente parei, virando-a para me
encarar. — Tess, o mundo não vai parar se você não encontrar a
orquídea.
— Mas..
— O que eu te disse sobre mas?
— Sem mas, — ela resmungou.
— Estamos saindo daqui, agora. Vamos tomar sorvete e caminhar
até o parque, porque você precisa se lembrar de que um mundo inteiro
existe fora desta loja, o dia todo, todos os dias. Você sabe, temos um
ditado entre garçons – hambúrgueres e batatas fritas, não matam
ninguém.
Isso me rendeu uma pitada de sorriso e a menor risada já vista
pelo homem.
— Isso não é uma cirurgia cerebral, Tess. É uma floricultura.
Iremos fazer tudo, dentro do tempo, mesmo que passemos a noite toda
para terminar. Não é como se não fossemos estar aqui de qualquer
maneira, — eu disse com um olhar significativo.
Um que a amoleceu. Eu a senti relaxar quando ela suspirou. — Tá
bom. Sorvetes e o parque, mas sem enrolação, ok?
— Ok, — eu disse com um sorriso. — Você vai vir de bom
grado, ou eu preciso jogá-la por cima do meu ombro?
Seus olhos viraram para o teto, mas ela riu. — Estou indo,
estou indo.
Saímos da loja e, embora ela não tenha hesitado, eu
a observei analisar a sala, catalogando as coisas que ela precisava
fazer.
— Caramelo salgado ou brownie de menta? — Perguntei para
distraí-la, empurrando a porta.
Seus olhos vagantes encontraram os meus, acalmando-os para que
eu pudesse tirá-la da loja. — Hmm... caramelo. Está muito quente para
chocolate.
— Isso existe?
A testa dela subiu. — Você já viu o que acontece com o chocolate
quando está quente?
— Isso não se aplica ao sorvete. Ele vai derreter, esteja quente ou
não.
— É pesado e denso, denso demais para esse tipo de calor.
— É sorvete, Tess. Seu único objetivo é refrescar você.
Mas ela deu de ombros. — Caramelo hoje, sem dúvida. Em uma
casquinha de açúcar. E você vai pegar... dreamsicle15. Casquinha de
waffle. Com granulado de chocolate branco.
Eu ri. — Bem, essa é a primeira vez que sou acusado de ser
previsível.
— Confie em mim, você não é. Eu apenas presto atenção a coisas
assim... meu cérebro está cheio de todos os tipos de informações

15 Dreamsicle: sabor do sorvete de baunilha com a combinação de


laranja.
inúteis como essa. Com relação às suas preferências de
sorvete, você gosta de dreamsicle quando se sente sobrecarregado.
Cherry chunk16 quando você está feliz – casquinha de açúcar.
Fudge ripple quando você está triste ou estressado.
— Hã. Isso é verdade, e eu nem sabia disso.
— Quero dizer, não que você fique triste muitas vezes. Mas você
tomou fudge ripple comigo depois que minha mãe morreu. E no dia
em que Wendy voltou.
Eu fiquei sério. — Eu ainda sinto muito por isso.
— E você ainda não tem razão para ficar assim. Está tudo bem,
Luke. Eu confio em você. Lamento que você tenha que lidar com a
incerteza. Isso me deixaria louca. Eu provavelmente iria sair buscando
um confronto apenas para ter algum tipo de resolução.
— Os confrontos com Wendy geralmente não terminam bem.
Móveis quebrados ou pontos talvez, mas as consequências geralmente
não valem o preço pago.
Andamos em silêncio por um momento, o calor batendo em nós.
Era opressivo, o peso disso. O peso de Wendy entre nós.
— Ela sempre foi assim?
— Desde que eu a conheço. Mas ela não mostrou isso até depois
do casamento. E então... bem, ela era minha esposa. Eu queria ajudá-
la, cuidar dela. Mas nunca melhorou. Ela tentava por um tempo,

16 Cherry chunk: Sorvete de cereja, normalmente com pedaços de


chocolate.
mas inevitavelmente, desmoronava novamente. Mamãe
gosta de me lembrar que não sou responsável por ela, mas não é
isso que parece. Parece que sou o único responsável por ela,
incluindo ela mesma. Como você se afasta disso? Como você pode
vira as costas para alguém que não pode se ajudar, sabendo que você é
o único que pode?
— Eu não sei, — ela respondeu suavemente. — Eu também não
sei se poderia, não quando você coloca dessa maneira. Mas... bem, ao
mesmo tempo, eu a odeio pelo que ela fez com você. Por te machucar.
— Junte-se à multidão. O que ninguém entende é que ela não
pode evitar.
Tess olhou para mim.
— Eu sei soa ingênuo, mas eu falo sério. Eu acho que sou o único
que a conhece. Quando você vive com alguém assim por tanto tempo,
sabe o que é real e o que não é. Tudo o que ela sente, ela sente com
tudo de si mesma. Bem ou mal, com altos e baixos. Ela me amava,
mas dormiu com outro homem. E eu simplesmente não conseguia
superar isso.
— Você sente falta dela?
Fiz uma pausa, sentindo-me culpado por saber que a resposta era
não, incapaz de mentir e dizer que sim. — Wendy não é quem eu
pensava que era quando me casei com ela. Eu a amo da maneira
que você ama uma pessoa por ter sofrido algo com ela. Mas a
verdade é que nosso relacionamento não foi construído
com base em confiança ou respeito. Foi construído
com medo e culpa. E esse não é o tipo de amor que eu
quero.
— Não é o tipo que você merece. Você é muito generoso,
muito doador para um amor que exige tanto.
Peguei a mão dela, sorrindo para ela. — O que aconteceu com eu
ser um jogador preguiçoso e egoísta?
— Eu estava errada, — disse ela com adoração no rosto e um
sorriso nos lábios, um sorriso que eu beijei antes de abrir a porta da
sorveteria.
Pedimos nossas casquinhas e voltamos para fora, virando para o
parque. Eu fiz o meu melhor para não observá-la lamber seu cone
como um pervertido, eu juro. Mas falhei miseravelmente.
— Você consegue acreditar, — disse ela em torno de lambidas,
— que você tem trabalhado na loja o dia todo, todos os dias há
semanas, e você nem sequer teve uma erupção cutânea, urticária ou
qualquer outra coisa?
Eu ri, feliz por notar que Tess também não conseguia parar de
observar minha boca. — Eu sei. Quero dizer, veremos como vou estar
daqui há cinco meses, mas tem sido bom. Eu acho que porque, mesmo
estando no mesmo lugar, todos os dias são diferentes. Sempre há algo
novo para fazer, um novo projeto para trabalhar, um novo problema
para resolver. Nenhuma vez eu senti que era trabalho, sabe? Não é
como ser um caixa de banco. Eu durei um dia. Um.
— Você? Um caixa de banco?
— Foi uma pequena morte, Tess. Eu podia sentir os
anos da minha vida passando a cada segundo naquele relógio
grande e feio. Eles colocam isso bem na sua frente – presumo que
seja para que você possa acompanhar sua mortalidade.
Foi a vez dela de rir. — Escute, especialista, — eu tenho certeza
que você poderia fazer o que quisesse, e seria bom em literalmente
tudo.
— Acabei de dizer que era um péssimo caixa de banco.
— Eu duvido que você era ruim no seu trabalho, apenas ruim em
permanecer no seu trabalho.
— Acho que o Banco e Creditário de Santa Mônica discordaria. E
quanto a você? — Eu perguntei. — Você quer trabalhar na loja para
sempre?
— Sim, — ela respondeu sem hesitar. — Eu sempre quis ser um
elemento permanente na loja, mas...
— Mas… — eu incitei quando ela não continuou.
— Bem... eu tinha esse sonho de publicar meu próprio livro sobre
floricultura. Meio que com instruções básicas sobre design de flores,
esse tipo de coisa. Faço anotações e esboços há anos.
— Por que não corre atrás?
Ela encolheu os ombros. — Não sei. E se eu falhar?
— Você? Falhar? Impossível.
Uma risada. — Algum dia eu farei isso.
— Promete?
Ela me bateu com o braço. — Prometo. — Ela
lambeu o sorvete. — Você já pensou em virar empreiteiro? Você
tem sido tão bom com a nossa reforma e parece realmente gostar
disso.
Fiz uma pausa, considerando. — Já. É o mesmo que trabalhar em
uma loja na qual cada trabalho é diferente. Eu teria continuado
ajudando meu amigo na Califórnia se algo melhor não tivesse surgido.
Chegamos ao parque, o arco orgulhoso e alto, a fonte
borbulhando. Paramos no caminho, observando a vista.
— Você sempre segue em frente quando algo melhor aparece? —
ela perguntou baixinho.
— Nem sempre. Quando eu me comprometo, eu entro com tudo,
Tess.
Tess olhou para mim, com os olhos macios e o coração aberto. —
Com tudo?
Deslizei minha mão livre em volta da cintura dela, puxando-a
para mim. — Com tudo.
Ela alcançou meu rosto e eu atendi seu pedido, inclinando-me
para pressionar um beijo em seus lábios.
Com tudo, até o meu coração, ela encontrou seu caminho.
E eu a deixei entrar sem pensar duas vezes.
Sem sequer pensar.
18
Fixador

Tess
Havia poucas alegrias maiores na vida do que assistir Luke
Bennet usar ferramentas elétricas.
Eu saí do meu quarto para agarrá-lo e levá-lo até a loja para a
reunião com a editora da revista. Mas, observando-o, todos os meus
planos – assim como minha noção do tempo – caíram da minha
cabeça como maçãs caindo de um saco.
Ele estava em uma escada, instalando sancas, suas costas se
agitando e suando pontilhadas com serragem. Um lápis repousava na
dobra da orelha, as mãos grandes e quadradas segurando uma pistola
de pregos. Seu corpo tremia com cada disparo e chiado da
máquina, seus músculos flexionando em sincronia enquanto ele
se preparava para cada prego.
Um suspiro desmaiado deslizou para fora de mim e,
por um segundo, eu apenas fiquei lá como uma tola, observando-o
pregar uma tábua na parede, mesmo que estivéssemos atrasados.
Ele alcançou o canto, exibindo sua envergadura impressionante e
colocou o último prego no lugar antes de se virar para descer a escada.
Ele me viu, dando um sorriso quando me pegou olhando boquiaberta.
— Eu faria uma piada sobre pistolas, mas parece óbvio demais,
— disse ele, pulando o último degrau com uma dobra da lona plástica
que ele havia colocado.
— Você deveria ter feito, — eu disse, sorrindo para ele quando
ele se aproximou. — Teria funcionado em dois níveis.
Ele roubou um beijo rápido. — Hora de ir?
Eu assenti, meu sorriso desaparecendo. — Eu não quero me
atrasar.
— A loja está pronta. Tudo vai se sair perfeitamente, não se
preocupe.
— É como se você nem me conhecesse.
— Ou eu conheço, e é por isso que é o meu trabalho te garantir
que tudo ficará bem.
Eu dei um olhar para ele, carinhoso e provocante, enquanto
mudava de assunto. — Você vai tomar banho ou aparecer sem camisa
e fedendo?
Ele enganchou meu pescoço e colocou meu nariz em seu
peito suado, meus gritinhos e mexidas fazendo
absolutamente nada para diminuir o seu aperto. Era
como tentar sair do punho de um gigante.
— Você gosta da minha camisa fedorenta.
Eu bati nele cegamente, rindo. — Eu gosto, mas não para uma
reunião de negócios.
Ele beijou o topo da minha cabeça e me soltou. — Vou passar em
casa e tomar banho. — Ele encontrou minha grande carranca com um
sorriso de lado. — Sério, não se preocupe. Dê-me dez minutos –
estarei pronto para ir e livre do fedor, dentro do tempo e conforme o
prometido.
Eu olhei para ele. — Um banho de dez minutos?
— Não, um banho de quatro minutos e seis minutos para escolher
minha roupa.
Eu o segui em direção à porta, me despedindo de papai por cima
do ombro.
Quando saímos, perguntei, — Como você toma banho em menos
de cinco minutos?
Ele deu de ombros, enfiando a barra da camisa no bolso de trás,
em vez de colocá-la. — Mais do que isso, e você está apenas se
masturbando.
Uma risada passou pelos meus lábios.
Descemos as escadas trotando, deixando o pequeno elevador para
a velha Sra. Reynolds no andar de cima e para o papai.
— Você está nervosa? — ele perguntou quando saímos
para o calor.
— Você está de brincadeira? Ontem à noite, tive
um pesadelo no qual todas as flores morreram da noite para o dia,
e a editora riu da nossa cara.
Ele riu. — Ela está apenas vindo para dar uma olhada. Não se
preocupe, Tess.
— Você continua dizendo isso como se isso realmente fosse parar
minha preocupação.
Luke agarrou minha mão, olhando para mim com aquele sorriso
dele, aquele que fazia parecer que nada poderia dar errado, nada no
mundo inteiro.
— Você confia em mim? — ele perguntou, já sabendo a resposta.
Suspirei. — Eu confio.
— Então deixe-me me preocupar por nós dois.
Ele apertou minha mão, que estava perdida em algum lugar dentro
da dele. E por um segundo eu deixei.
Nos beijamos na varanda da casa dele, e ele disparou pelas
escadas e desapareceu lá dentro. Quanto a mim, bem, entrei na loja e
imediatamente comecei a me preocupar novamente. Eu me preocupei
com a montagem. Eu me preocupei com a mesa da frente. Preocupei-
me com o arranjo que tinha começado com a intenção de finalizá-lo
apenas quando eu tivesse um público. Ivy me observou, me provocou
um pouco, mas me deixou mexer.
Isso me fez sentir melhor. Mãos ociosas e tudo isso.
Doze minutos depois, Luke estava lá embaixo, com
os cabelos pretos úmidos e desgrenhados pelos dedos.
Quando ele me beijou, ele cheirava a sabão e tinha gosto
de menta, e a combinação me fez desejar que ele estivesse sem
camisa novamente.
Mas, infelizmente, o sino da porta tocou. E quando nos viramos,
foi para encontrar uma mulher que parecia um pouco mais velha que
nós, parecendo inteligente em uma saia lápis e uma camisa sob
medida, assistente ao seu lado.
Segui Luke até a loja, nós dois tontos e sorridentes.
Ela estendeu a mão, sorrindo amplamente para nós. — É bom ver
você, Luke.
— Natalie. Obrigado por vir. Esta é Tess Monroe, nossa chefe de
design e produção e a mente por trás das montagens da vitrine.
Eu quase ri – meu título parecia tão oficial. — Prazer em
conhecê-la, Natalie, — eu disse, oferecendo minha mão, que ela
pegou e apertou.
— É um prazer também. O espaço é lindo. Você disse que está na
família desde 1849?
Luke assentiu com orgulho. — Uma longa fila de mulheres
passou a Longbourne para suas filhas.
— Até agora, — disse ela rindo. — Agora parece que os
acionistas majoritários são homens.
— A desgraça na vida da minha pobre mãe, eu lhe asseguro,
— ele brincou. — Se ao menos ela pudesse ter parido um bando
de garotas. Seríamos mais fáceis de casar, tenho certeza.
Outra risada. Deus, ele era encantador. Um estalar
de dedos, um flash daquele sorriso, e o mundo estava aos pés de
Luke Bennet.
— Tenho certeza que você não tem problemas para conseguir
encontros, Sr. Bennet. — Havia um tom em sua voz que fez meus
olhos se estreitarem.
— Mas poucas tem o que é preciso para lidar conosco a longo
prazo. Somente a mulher mais forte e obstinada poderia domar os
irmãos Bennet. — Ele passou um braço em volta da minha cintura,
ainda sorrindo aquele sorriso de um milhão de dólares. — Confie em
mim quando digo que todos estamos contando os minutos até Tess
descobrir que ela é boa demais para mim.
Corei como um adolescente, rindo para ele. Mas passei o braço
pela cintura dele e me inclinei. Ele apertou meu quadril.
Natalie sorriu amigavelmente, um pouco envergonhada e com o
entendimento de que acabara de ser pega. — Bem, com o talento que
ela tem para flores, posso ver o porquê. Tess, você pode me falar
sobre a montagem, seu processo, esse tipo de coisa? E então posso
ganhar uma excursão?
— Claro, — eu disse, afastando-me de Luke para ir em direção
às vitrines.
Eu a guiei pelo conceito, como tínhamos pensado nisso, o
trabalho que Luke e eu havíamos feito juntos. Eu a guiei através
da loja, respondendo as milhares de perguntas que ela
tinha. Fomos até o espaço de trabalho, onde ela
conheceu Ivy e adorou o arranjo em que eu estava
trabalhando, papoulas, casulos e crisântemos em tons de laranja.
Abandonei a orquídea uma vez que tivera me afastado um pouco e
estava com a visão de Luke lambendo uma casquinha de dreamsicle
na minha mente.
Natalie fez todas as perguntas certas. Ela era conhecedora e
inquisitiva, e eu descobri que gostava muito dela. Luke nos seguiu
silenciosamente, deixando-me assumir a liderança como ele sempre
faz.
Quando ela pediu para ver a estufa, Luke a conduziu para longe,
piscando para mim por cima do ombro enquanto saia. E Ivy e eu
acenamos, jogando para ele polegares para cima.
É isso, pensei, adicionando flores ao vaso na minha frente sem ver
nada.
Reconhecimento nacional. Estávamos prestes a explodir de uma
maneira que não fazíamos há cinquenta anos.
E era tudo graças a Luke.
Tudo era.
............................................

Luke
Eu guiei Natalie pela estufa, mostrando a ela nossa nova
configuração para acomodar nosso aumento de
produção. Ela conheceu papai e Kash e, por último
mas certamente não menos importante, nossa matriarca.
Ela foi encantadora pelos cinco minutos que tínhamos
reservado para ela – depois disso, minha mãe tendia a falar até cair
a orelha de quem quer que tivesse tropeçado nela.
Em incrementos de cinco minutos, ela poderia governar o mundo.
Natalie parecia impressionada, sorridente, cativada e ofegante ao
entrar na estufa. Ela fez uma centena de perguntas e vagou pelas
fileiras repletas de flores, ocasionalmente curvando-se para levar o
nariz até um broto.
Tinha sido uma reunião muito boa, pelas minhas estimativas.
— Então, — comecei, abrindo as portas giratórias que separam a
estufa da área de trabalho, — o que você acha?
— Eu acho que a Floral iria adorar fazer uma matéria sobre a
Longbourne, — ela respondeu com um sorriso.
Tess e Ivy se levantaram da mesa, sorrindo.
Natalie percorreu seu calendário em seu telefone. — Nossa
próxima matéria vaga é para novembro. Vocês acham que estariam
dispostos a fazer um vitrine de outono para as fotos?
Olhei para Tess em busca de confirmação, e ela assentiu
enfaticamente.
— Absolutamente, — eu disse.
— Ótimo, — respondeu Natalie, clicando em seu calendário.
— Amanhã?
Tess parou, seu sorriso caindo em um O.
— Amanhã? — Eu repeti estupidamente.
— Eu sei. É um pedido insano. Nossa matéria
planejada fracassou e eu tenho que preencher o local agora. Eu
tenho outra florista que pode fazê-la, mas eu preferiria muito mais
mostrar a Longbourne. A história, o fato de vocês cultivarem suas
próprias flores, o papel que vocês desempenham na vizinhança... é
uma história tão boa eu acho que faria os nossos leitores realmente se
conectarem. Mas eu entendo se vocês não podem fazê-la a tempo.
Nosso próximo espaço aberto seria... — Ela fez uma pausa,
percorrendo o telefone. — Em março.
Tess parecia ter sido eletrocutada, mas assentiu uma vez.
— Nós vamos fazer isso, — eu disse.
Natalie sorriu. — Perfeito. Estarei aqui amanhã às sete. Temos
que pegar a luz da manhã para a frente da loja. — E com isso, ela
estava se dirigindo para a porta com o clicar dos saltos no concreto.
Quando eu a acompanhei até a saída, corri de volta para Tess, me
perguntando como diabos nós iríamos criar um conceito, obter os
suprimentos e construir uma vitrine em menos de vinte e quatro horas.
Tess não parecia mais confiante do que eu.
Ela mordeu o lábio, as sobrancelhas unidas e o rosto franzido em
pensamentos. — Uma vitrine de outono. Em agosto.
— Não conseguiremos arranjar abóboras ou qualquer coisa que
seja da estação.
— Não. Vai ter que ser pela cor. Laranjas quentes,
amarelos. Trigo, capim-dos-pampas seco. E se... — ela
começou, se animando. — E se pegássemos um dos
postes de moldura, como o que usamos para a exibição
de chuva e luz, e pendurarmos capim-dos-pampas pelo caule?
Pendurando-os bem juntos, usando barbante tingido. Talvez com
ferrugem. — Seu ritmo acelerou, animada. — Nós podemos pendurá-
los como uma onda ou em ângulos. Ah! Em ângulos! Quase para
formar um triângulo se você estiver em frente à loja. Ah, ah!
Poderíamos usar diferentes tonalidades de barbante, de marrom a
ferrugem, de laranja a mostarda, em vários tons para que desapareçam
de uma cor para outra.
Eu pude imaginar e sorri. — Sim. E temos quase tudo o que
precisamos. Mas... — Eu fiz uma careta. — Será o suficiente?
— Não. — Ela murchou por um instante antes de ficar reta,
radiante. — Campos de trigo.
Ela pegou o seu caderno da mesa e rabiscou. Ivy e eu nos
inclinamos sobre o ombro dela.
— Nós podemos fazer molduras, assim. — Ela desenhou um
retângulo. — Fio de galinha dentro. Pegar o trigo em montes, fazer
um campo e angular e torcer eles para parecer que o vento está
soprando através de uma corrente. E na mesa de exibição – puts, até
embaixo dela – podemos usar as velhas botas de chuva e enchê-las
com girassóis.
— É genial, — disse Ivy, sorrindo de orelha a orelha. — Do
que nós precisamos?
A boca de Tess se torceu quando ela mordeu o lábio
novamente. — Uma montanha de trigo. Tenho um
monte de capim-dos-pampas secos, mas acho que vou
precisar de mais. E barbante. Muitos e muitos barbantes.
Eu assenti. — Eu sei onde conseguir as gramíneas e mais
girassóis. E o barbante?
— Há uma loja de fibras têxteis a alguns quarteirões daqui, —
disse Tess. — Tenho certeza de que eles terão o que precisamos.
— Tudo bem. Eu tenho que ir – se eu não sair agora e a loja de
suprimentos não tiver o que eu preciso, vou ter que rodar por aí.
Vocês se viram até eu voltar?
Tess assentiu, sorrindo. — Isso é simples e ousado o suficiente,
pode ser que funcione.
— Definitivamente vai funcionar, — eu assegurei a ela, puxando-
a para meus braços. — Eu prometo.
E roubei um beijo antes de sair pela porta para fazer isso
acontecer.
........................................................
Já estava quase escuro quando eu estava voltando para a loja. Eu
estava correndo do inferno no caminhão de entrega, procurando
girassóis que não estivessem devorados por vermes ou murchos.
Graças a Deus fechamos os pedidos do dia, vendendo apenas nossos
estoques e recebendo pedidos para amanhã, sabendo que levaria a
noite toda para deixar as vitrines prontas e a loja preparada para a
sessão de fotos.
Era loucura, a coisa toda. Mas nós faríamos isso. Eu
não tinha dúvidas.
Tess e eu estávamos nos comunicando o dia inteiro
por mensagens de texto. Jett e Kash a ajudaram a desmontar a
vitrine e a pendurar as molduras que eu construí para outra
montagem. Os quatro haviam cortado algumas centenas de
comprimentos de fibra e amarrado todos os pampas que ela tinha, e eu
estava voltando com o resto enquanto eles preparavam a loja. E,
quando eu estivesse de volta, precisaríamos de algumas horas e muitas
mãos para amarrar o que restava, pendurar os postes e encher as
molduras que eu construí para o trigo.
Meu telefone tocou no meu bolso e eu o peguei, esperando um
pedido de jantar de Tess.
O que eu encontrei foi uma mensagem de Wendy.
Era longa, muito longa para ler de relance. Eu olhei de relance, e
o medo tomou conta de mim, frio e impiedoso. Palavras saltaram para
mim: não posso, doí, sozinha, como, por favor.
Eu preciso ver você. Não sei o que farei se não te ver.
Eu olhei para a hora. Eu estava perto da casa dos pais dela... Eu
podia passar por lá, embora me perguntasse com que rapidez poderia
voltar. Eu não queria ir – o medo que eu sentia em me envolver era
profundo e feroz – mas se não o fizesse, não tinha certeza do que ela
faria. Misturar substâncias e se machucar. Vir para a loja e me
encontrar.
Pensei em uma dúzia de cenários, e este era o único que me
dava controle. Eu tinha que atender o chamado. Eu tinha
que ir.
Disparei uma mensagem para Tess. Vai demorar
um minuto. Vocês estão bem?
Meu telefone tocou um segundo depois. Estamos bem. Temos
muito o que fazer. Tudo certo?
Respirei fundo, perturbado, e menti. Sim, está tudo bem. Vou
mandar uma mensagem quando estiver a caminho.
Tá bem. Te vejo em breve. <3
Joguei meu telefone no banco do passageiro, minha mandíbula
apertada e as sobrancelhas cerradas.
Eu menti. Porque como eu poderia contar a ela por mensagem
para onde eu estava indo? Como eu poderia ter dito com tudo isso na
cabeça dela hoje à noite?
Não. Eu diria a ela amanhã quando tudo isso estivesse para trás.
Poderíamos criar um plano para lidarmos com Wendy, um com o qual
ambos estivéssemos à vontade. Porque eu não podia abandonar
Wendy.
Mas eu não perderia Tess.
Quando parei em frente ao prédio de Wendy, uma nuvem escura
havia se instalado sobre Manhattan com o pôr do sol. O cheiro
metálico da chuva pairava no ar, carregado e pronto para liberar. E eu
corri escada acima, sem saber o que encontraria.
A carne da minha mão bateu na porta em três rajadas
estrondosas. E eu esperei.
A porta se abriu e Wendy estava em pé na soleira.
Alívio quebrou no seu rosto, manchado, molhado
com lágrimas e brilhando. — Você veio, — ela respirou, as
palavras roucas e rachadas.
E ela se jogou nos meus braços.
Eu a peguei, meu rosto tenso e mente afiada. — O que aconteceu?
— Eu perguntei.
Suas mãos agarraram minha camisa, sua testa pressionada no meu
peito. — Nada. Tudo.
Exausta. Esgotada. Esticada e fina como papel estava a mulher
em meus braços.
Coloquei-a para dentro, fechei a porta quando a chuva começou a
cair em respingos, pingando na janela como granizo. Um olhar para o
quarto de sua mãe me informou que ela estava desmaiada – metade
para fora da cama, roupas torcidas ao redor dela, seu peito subindo e
descendo naquele ritmo lento do sono tornado mais lento por bebidas
ou pílulas. Ou ambos.
Eram seis e meia.
Wendy se amarrotou em meus braços.
— Calma aí, — eu murmurei, pegando-a para levá-la para seu
quarto.
O apartamento parecia menor do que eu lembrava, mais velho.
Manchado e desbotado. Mas o quarto dela era o mesmo –
minúsculo e claro, a única alegria neste lugar sombrio.
Coloquei-a em sua cama caída e me ajoelhei aos
seus pés.
— Você veio. — Ela ainda sorria enquanto lágrimas
pesadas rolavam pela curva de sua bochecha.
Eu me perguntei se ela tinha tomado alguma coisa, me
perguntei quanto tempo fazia desde que ela comeu.
— Diga-me o que aconteceu.
— Eu precisava de você e você veio. Você sempre vem. — Ela
riu, olhando para as mãos. Mas o sorriso dela quebrou em um soluço.
— Tudo está desmoronando, Luke. Você é o único que pode
recompor.
— Do que você está falando? — Eu perguntei gentilmente,
conhecendo esse lugar, esse espaço, esse círculo absurdo que
montaríamos até que ela chegasse a algo.
Ela se iluminou, enquadrando meu rosto com as mãos. — Vamos
fugir.
Tão fraca quanto ela parecia, fiquei surpreso com a rapidez com
que ela pulou da cama para abrir o armário e tirar uma mala.
Eu assisti, pasmo.
— Onde você quer ir? — ela perguntou, abrindo uma gaveta e
colocando uma braçada de seu conteúdo na mala. — Nós podemos ir a
qualquer lugar. Seattle talvez. Denver? Há trilhas tão boas lá. Pense
em todas as trilhas, Luke.
Eu levantei, interceptando-a quando ela trouxe outra carga
para sua mala. Apertei seus braços. — Wendy, — eu disse
calmamente, — não vamos a lugar nenhum.
O rosto dela se curvou de raiva. Sem cerimônia, ela
deixou cair as roupas em nossos pés. — Por que não? Luke, você
me ama. Eu sei que você ama, é por isso que você veio. E eu te
amo. Sempre foi você. Eu sei que estraguei tudo. Sei que sou louca e
magoei você várias vezes sem querer. Sem entender o porquê. Por que
eu faço isso? — E sua raiva se foi, substituída pela miséria.
— Eu não sei, — eu disse suavemente.
— Mas você sempre sabe como tornar as coisas melhores. Então
deixe-me consertar isso. Deixe-me acertar as coisas. Venha comigo,
Luke. Vamos começar de novo. — Suas mãos deslizaram pelo meu
peito e ela se inclinou como se quisesse que eu a beijasse.
Eu agarrei suas mãos. — Não.
A confusão cintilou em seu rosto. — Mas você me ama.
Tristeza, culpa. Não pelo que eu tinha perdido, mas pelo que
estava prestes a fazer com ela. — Não há como consertar o que está
quebrado entre nós... não é por isso que estou aqui. É porque estou
preocupado com você, não porque eu amo você.
Outra lágrima, pesada o suficiente para cair sem tocar seu rosto.
— Mas você tem que, — ela sussurrou.
— Estou apaixonado por outra pessoa.
Um arquejar atingiu suas costas, depois veio até mim novamente,
suas mãos batendo no meu peito, o rosto torcido. — Não! Você
não pode. Você não está.
Agarrei seus pulsos e os tranquei em meus punhos.
— Eu estou, — eu disse severamente, abaixando o rosto para
olhar em seus olhos. — Eu segui em frente, Wendy. E não há
como voltar atrás.
— Não, — ela gemeu, afundando no chão, — não, não, não.
Não havia nada a fazer além de pegá-la, segurá-la, deixá-la
chorar. — Sinto muito, — eu disse, meu coração tão apertado, que
pensei que ele iria se dobrar.
Seus dedos se apertaram, torcendo minha camisa, sua testa
pressionada contra o mergulho no meu peito, suas lágrimas
encharcando o tecido, quentes e depois frias enquanto ela recuperava o
fôlego.
Minha mão se mexeu nas costas dela, minha esperança emergindo
de que era isso. De que tinha sido simples assim.
E então ela falou duas palavras que quebraram minha esperança
exatamente como o que era – uma ilusão.
— Estou grávida, — ela sussurrou na minha camisa, no espaço
logo acima do meu coração.
O mundo encolheu-se a esse quarto, a mulher trêmula em meus
braços, o grito da minha mente, o trovejo do meu coração.
— O que? — Eu respirei.
— Estou grávida. — A admissão foi miserável, quebrada e
desgastada. — Estou grávida do seu bebê.
Meu coração contraído explodiu como estilhaços,
destruindo tudo em seu caminho.
— Conte-me tudo, — eu disse.
E silenciosamente, ouvi enquanto ela dizimava meu mundo
mais uma vez.
19
Idiota

Tess
Uma risada ecoou pela loja à luz da manhã, o som cansado de
alívio e vitória da ninhada de Bennet.
Toda a família estava na loja comendo donuts do Blanche’s,
tomando café e tentando manter os olhos abertos. Luke sorriu para
mim do outro lado da sala, enchendo meu coração com sussurros
esvoaçantes.
Ele voltou para a loja quieto e retraído, indo direto para o
armazém para começar as molduras para os campos de trigo. Fui lá
embaixo procurá-lo uma vez, e encontrei-o mal-humorado. Um abraço
o suavizou, um beijo me rendeu um sorriso, por menor que fosse.
Ele pontuou que tinha sido um longo dia e que me contaria
sobre depois da editora. Mas quando ele disse isso, seus
olhos estavam tocados com dor, arrependimento. Medo.
Tentei não deixar que esse medo me atingisse – tínhamos
muito o que fazer. E eu confio nele. Não havia razão para não confiar.
Ele me contaria tudo quando isso estivesse para trás, e isso era o
suficiente para mim.
Então eu me joguei de volta ao trabalho.
Levamos quase a noite toda para terminar, alguns de nós saindo
para tomar banho e se trocar.
Luke trouxera caixas com donuts e uma caixa com café do
Blanche’s como o salvador que ele era. E nós estávamos apenas
mordiscando, esperando a editora chegar com seu fotógrafo.
Luke caminhou até onde eu estava sentada no balcão de
atendimento, dando aquele sorriso dele. Mas seus olhos estavam
cansados, exaustos além da falta de sono. O que quer que o estivesse
incomodando havia amadurecido o suficiente desde a noite anterior
para que ele estivesse quase fingindo ser ele mesmo.
Quase.
Da minha posição, eu estava um pouco mais alta que ele, e
quando ele olhou para mim, tudo que eu queria fazer era segurar sua
mandíbula e beijá-lo. Minhas mãos e lábios formigavam com o desejo
de beijá-lo, mas eu não me movi além do levantamento do meu
copo de café de papel.
— Conseguimos. — Eu sorri.
Ele bateu o copo no meu. — É lindo, Tess. Apenas
quando eu penso que você não pode se superar, você supera.
— Engraçado, eu penso isso todos os dias sobre você. Somos
cheios de surpresas, não somos?
Seu sorriso vacilou, seus olhos azuis escurecendo. Algo sobre o
movimento – a separação de seus lábios, o desenho de suas
sobrancelhas, os vincos de seu rosto – enviou um choque através de
mim. Eu me preparei para o impacto.
Antes que ele pudesse falar, o sino da porta tocou.
Eu olhei para cima com uma onda de excitação e um sorriso
brilhante, esperando Natalie. Mas eu encontrei Wendy.
Ela parecia uma mulher diferente daquela que havia entrado aqui
algumas semanas atrás, nova e sem fazer esforço, como se tivesse
saído de um anúncio de uma revista. Esta Wendy era quase
irreconhecível. Seu cabelo loiro estava sujo na raiz, sem vida e
emaranhado em um coque que parecia ter sido dormido. As bolsas em
suas pálpebras, as olheiras embaixo, faziam seus olhos parecerem
submersos e pequenos, mas eles estavam brilhantes, febris, afiados
com inquietação. De alguma forma, ela conseguiu fazer com que um
blusão e uma legging branca amarrotadas parecessem elegantes, mas
tudo nela era frenético, zumbindo, sussurrando, eletricidade estática
agarrada a ela, carregando-a.
A loja ficou em silêncio.
— Luke, — ela resmungou, lágrimas escorrendo
pelo rosto ao vê-lo. Os lábios dela estavam secos. Pálidos.
Meu batimento cardíaco dobrou.
— Wendy, você não pode ficar aqui agora, — disse ele enquanto
voava pela sala em direção a ela, as palavras duras e reconfortantes.
— Precisamos conversar sobre isso, — ela implorou, com o rosto
torcido. — Temos que resolver isso.
Ele a agarrou pelo braço e tentou guiá-la para fora. — Eu te disse,
nós vamos. Mas a revista estará aqui a qualquer momento, e eu...
— Resolver o que? — A senhora Bennet perguntou em um tom
que o paralisou.
Wendy colocou a mão na barriga, um sorriso aguado no rosto ao
dizer, — Estou grávida.
A sala ficou em silêncio novamente por um momento prolongado,
antes que todas as vozes na sala explodissem.
Todas as vozes, menos a minha.
Dobrei-me, incapaz de analisar o que tinha ouvido. Wendy, a mão
na barriga e os olhos adorando Luke enquanto ela o encarava. Meu
Luke, seus olhos fixos nos meus, o desgosto e o pedido de desculpas
em seu rosto desmascarado e cru.
Grávida. Ela estava grávida. E, a julgar pela expressão no rosto
dele, aquele bebê era seu.
A Sra. Bennet começou a chorar, sua voz alta enquanto ela
disparava perguntas para ele como uma metralhadora. O
Sr. Bennet segurou-a pelo braço, lábios na orelha dela.
Laney parecia que estava prestes a arrancar os olhos de
Wendy, mas Jett ficou na frente dela enquanto ela gritava em volta
dos ombros largos dele. O rosto de Marcus estava exausto e,
embora seus lábios estivessem se movendo, ele não podia ser ouvido
sobre o barulho. Kash deu um passo na direção deles, mas ele não
estava gritando com Wendy. Ele estava gritando o que parecia ser uma
série de obscenidades para Luke.
Ivy estava ao meu lado, repetindo, — Oh meu Deus, — em um
loop, mãos no rosto e olhos arregalados como bolas de pingue-
pongue.
E eu estava em algum lugar separado, em outro lugar.
Um bebê. Luke iria ter um bebê com Wendy. Ela não iria embora,
não desapareceria. Ele nunca escaparia dela. Ela seria uma presença
constante em sua vida.
Na minha.
— Com licença! — ouvimos sobre o barulho e a sala ficou em
silêncio mais uma vez.
Natalie olhou em volta, com o rosto rígido da porta. Todos
prenderam a respiração.
— Agora é um momento ruim? — ela perguntou
intencionalmente.
Deus abençoe Ivy Parker, que entrou em ação. — Não, claro
que não! Por favor, entre. Dê-nos apenas um minuto. Temos
donuts e café! — Ela correu para o lado de Natalie para
distraí-la.
Natalie lançou um olhar duvidoso ao redor do
estabelecimento, enquanto Luke calmamente se desculpava e
guiava Wendy para fora do prédio. Não ouvi nada que alguém ao
meu redor disse. Em vez disso, eu os assisti conversar por fora da
vitrine. O rosto de Luke exausto e abatido, as mãos nos ombros dela
enquanto ele tentava acalmá-la. Wendy olhou para baixo, assentindo,
seu peito ocasionalmente se contraindo com um soluço e as mãos se
revezando ao passarem em suas bochechas.
Mas o que me quebrou completamente foi quando ele a puxou
para seus braços, segurando a cabeça dela em seu peito. Seus olhos se
fecharam, apertados pela dor, a cabeça curvada como se estivesse
rezando. E Wendy se aconchegou nele como se ela pertencesse lá.
Não percebi que estava chorando, até Laney tocar minha perna.
As sobrancelhas dela estavam juntas, o rosto apertado de preocupação.
Eu funguei, escovando as trilhas frescas de lágrimas do meu
rosto.
— Ele não a ama, — disse Laney.
— Eu sei. — E eu sabia.
— Nem tenho certeza se acredito nela, Tess. Mas Luke vai
descobrir. E se for verdade, vamos passar por isso. Ele vai fazer a
coisa certa.
— Eu sei, — eu disse novamente. Porque ele faria.
Só não sabia como eu me encaixava nesse cenário.
Imaginei-o acompanhando-a durante a gravidez,
participando de todas as consultas médicas. O vínculo
que eles compartilhavam iria se aprofundar. Isso
reacenderia a afeição deles? Eles se apaixonariam novamente?
Ele me deixaria por ela?
Era demais. A sala muito pequena. O ar muito ralo. Muitas
pessoas, muitas pressões, tudo em um espaço.
— Você vai ficar bem?
Eu balancei a cabeça, deslizando para fora do balcão, meus
sapatos cheios de chumbo. — Vamos apenas passar por isso.
Laney assentiu, pegando minha mão, apertando-a suavemente.
Não senti nada.
Luke entrou na loja, e o pouco de fôlego que eu tinha foi sugado
por ele como um vácuo. Ele atravessou a sala até mim como se
estivéssemos presos em um feixe de atração, minha consciência
diminuindo mais uma vez.
— Tess, — ele respirou.
Ele estava me tocando, percebi distraidamente, a distante pressão
de suas mãos nos meus braços.
Eu olhei para ele, sem enxergar.
Seus olhos procuraram os meus. — Por favor, diga alguma coisa.
— Essas mãos se moveram dos meus braços para o meu rosto,
inclinando-o para ele. — Nós vamos dar um jeito nisso, — prometeu.
— Então é verdade.
Medo. Eu podia sentir isso patinando na ponta dos seus
dedos.
— Eu não sei. Não... não houve tempo. Por favor,
Tess, deixe-me explicar...
— Você tem escondido isso de mim também, Lucas? — A
voz da Sra. Bennet era estridente, o rosto vermelho.
Natalie olhou por cima do ombro para nós, mas Ivy riu mais alto,
colocando o braço na Natalie para direcioná-la para fora, onde o
fotógrafo estava se ajeitando.
Os olhos da Sra. Bennet brilhavam com lágrimas furiosas. — O
que mais você não me contou?
— Mãe, eu...
— Um bebê. Com ela. De todas as coisas irresponsáveis e
imprudentes que você poderia fazer. Depois de tudo o que ela fez,
depois que você finalmente estava livre, e agora isso? Você sabia que
ela era um problema. Você sabia disso e voltou. E aqui estamos. Ela
nunca vai deixar você ir, Lucas. Nunca. Você entregou a ela tudo o
que ela precisava para tirar vantagem de você para sempre. Para
sempre. — O rosto dela se curvou, a mão retorcida pressionando os
lábios. E ela se virou, encontrando o caminho para os braços do Sr.
Bennet.
Ele a guiou para trás, com um olhar de desculpas e decepção em
seu rosto.
Luke havia me soltado, suas mãos cobrindo seu rosto e os
dedos pressionando seus olhos. E eu apenas fiquei lá, atordoada
e silenciosa.
Eu assisti pela vitrine da frente. Marcus havia ido lá
na frente para tentar acalmar as coisas. Kash seguiu sua mãe,
provavelmente para tentar defender o caso de Luke. Jett e Laney
estavam frente a frente, falando em sussurros silenciosos, da mesma
maneira que gêmeos faziam às vezes.
Parecia um sonho, meu corpo e mente cansados demais para
processar a loucura do que estava acontecendo. Tudo que eu queria
era acordar. Ou avançar rapidamente. Ou ir para a cama. Ou estar em
qualquer lugar, exceto em pé nesta loja ao lado de Luke Bennet.
Abri minha boca para pedir licença para que eu pudesse me
retirar, para encontrar um lugar onde pudesse recuperar o fôlego,
acalmar minha mente.
Mas antes que eu pudesse falar, um estouro disparou pela sala,
seguido de um gemido, um estalo.
Uma colisão.
Nossos rostos trincaram com o som, todas as pessoas na sala
congelaram como se tudo estivesse em câmera lenta. Uma das
instalações se soltou, o poste em que os pampas estavam amarrados
caiu no trigo com um triturar e um baque, esmagando-o.
Esmagando tudo.
Corremos em direção a ele, enquanto todos lá fora entravam.
Luke chegou primeiro, verificando a ponta do poste que caíra,
inspecionando com as sobrancelhas reunidas. Lágrimas picaram
meus olhos, meu coração apertando com um pressão nas
minhas costelas.
A corda com o qual estava preso estava em sua
mão. — Está molhada.
Sua mão se moveu da corda para o poste. Quando ele o
levantou, minha mão voou para minha boca enquanto eu assimilava a
carnificina.
As fibras tingidas se molharam, as cores sangrando no trigo que
em que tocaram. Esse trigo estava esmagado, os caules amassados e
curvados, com inumeráveis cores em linhas sem sentido nas cabeças
emplumadas.
Estava arruinado. Não haveria como salvá-lo.
— Eu posso consertar isso. — Luke fez outra promessa que não
podia cumprir, uma promessa frenética e impensada. Ele pegou uma
das escadas atrás do balcão e a abriu.
— Pare, Luke, — eu disse. — Apenas... não toque.
— Eu posso consertar isso, Tess, — disse ele determinado.
— Não. Não pode ser consertado. Você só vai piorar as coisas.
Precisamos de outra escada. Precisamos mover o trigo. Precisamos...
— Não, — ele insistiu, com a corda na mão enquanto subia a
escada. — Olhem, tem um vazamento. Marcus, ligue para o
encanador.
O telefone de Marcus já estava na mão.
— Se eu apenas aparafusar tudo aqui em vez de...
— Apenas deixe quieto, — eu vociferei. — Você não está
ajudando, Luke! Isso só vai...
— Pelo amor de Deus, Tess, eu entendi, — ele
retrucou, olhando para mim.
Outro gemido, um estalo. Muitos de nós gritamos e saltamos
para trás, evitando por pouco o outro lado da instalação que caiu em
uma camada de poeira e trigo.
Ficamos olhando silenciosamente os destroços por um momento
longo e ofegante. Tudo pelo que tínhamos trabalhado, tudo o que
havíamos feito... se foi.
A instalação. Meu relacionamento. Meu coração.
Se foram.
Em seu lugar, surgiu uma onda de fúria por causa da frustração, e
eu me apoiei nela enquanto olhava para ele.
— Eu disse para você não tocar. — As palavras tremeram, quietas
e contidas. — Mas você acabou de fazer o que queria. Você não ouviu
ninguém além de si mesmo. Como sempre.
— Eu estava tentando ajudar. Eu estava tentando concertar. Eu
não fiz isso, Tess. Não forcei um vazamento. Não fiz isso cair. Eu não
fiz isso.
— Não, você está certo. Você é inocente, como sempre. Nunca é
sua culpa. Nada – nada – nunca é culpa sua, — eu rebati.
Natalie interrompeu, sua voz dura, — Está claro que estamos
dispensados por hoje. Sei que coloquei um prazo difícil para vocês
e vocês entregaram algo realmente extraordinário. Mas não há
como eu fotografar isso, e não tenho certeza de que
vocês possam se comportar de uma maneira em que
possamos fotografar todos vocês e o resto da loja. Eu
preciso conversar com minha equipe, descobrir o que fazer.
Manteremos contato.
Luke desceu apressadamente a escada. — Natalie, por favor.
Espere.
Ele pulou, seguindo-a enquanto ela saía da loja. Eu os observei
conversando na calçada – Natalie séria e fechada, Luke implorando.
Com um estreitamento dos olhos dela e um breve aceno de cabeça,
eles se separaram.
No segundo em que ele foi para a porta, eu fui para os fundos.
Porque eu não podia. Eu não podia encará-lo. Eu não conseguia
controlar minhas lágrimas. Eu não conseguia entender o que tinha
acontecido com as fotos, com a loja, com Luke. E eu não conseguia
entender o que aconteceria.
Tudo o que eu sabia era que precisava ir a um lugar mais seguro
do que esse para entender.
Ele me chamou. Eu não parei. Eu iria sair pelos fundos. Ir para
casa. Rezar para que papai não estivesse acordado. Eu subiria na
minha cama e ficaria lá até minhas lágrimas secarem e eu ter um
plano.
—Tess, — Luke chamou novamente, mais perto.
Eu apressei meu passo.
— Tess, pare. — Ele colocou a mão no meu cotovelo e me
parou.
— Me deixe ir. — Com um giro e um puxão, tirei
meu braço de seu aperto, olhando-o com lágrimas de raiva.
— Por favor, deixe-me explicar.
— Você estava com ela ontem à noite. Foi por isso que você
voltou para cá tão chateado.
Um aceno triste. — Eu ia te contar hoje à noite. Tínhamos que
terminar a montagem e...
— Besteira, Luke. Ela é o motivo de você ter se atrasado. Você
deveria ter me dito. Se você tivesse me dito, eu não teria sido pega de
surpresa. Eu poderia ter me preparado para isso, mas agora... agora…
— Minha garganta se fechou, sufocando as palavras.
Suas sobrancelhas escuras se juntaram. — Eu deveria ter te ligado
no meio de tudo isso e te dito que eu estava indo para a casa da
Wendy? Que eu não sabia o que ela faria consigo mesma, se eu não
fosse? O que eu deveria ter feito, Tess? E então... então ela me disse...
ela me disse que... — As palavras morreram em sua garganta.
Ele não podia nem falar, e naquele momento, eu queria sentir
pena dele. Eu queria entender.
Mas eu não conseguia. Estava recente demais, cru demais e eu
estava cansada demais para ser razoável ou lógica.
— Eu não posso fazer isso, — eu disse, minha voz quebrada.
E o rosto dele quebrou. — Fazer isso? Comigo?
Eu balancei minha cabeça. — Eu não posso falar sobre isso
agora. Não posso. Não há nada que eu possa dizer,
nenhuma maneira de eu ser racional. Eu... eu preciso...
eu preciso pensar, preciso tentar entender e preciso me
afastar de você para fazer isso.
Ele examinou meu rosto, pegou minhas mãos e eu deixei,
cansada demais para lutar. — Isso aconteceu antes de você, antes de
eu deixar Los Angeles...
— Pare, — eu solucei, removendo minhas mãos das dele. — Por
favor. Eu não... eu não quero saber os detalhes. Ainda não, não
quando eu apenas...
— Diga-me que vai ficar tudo bem. Diga-me que ainda confia em
mim.
— Eu... eu não posso.
Ele parou. — Porque você não confia?
— Porque eu não sei.
Algo rachou atrás de seus olhos. — Não amo ela, Tess. E ela sabe
que estou apaixonado por outra pessoa.
Meus olhos se arregalaram, prendendo-se nos dele. Eu estava
paralisada. — Luke, não termine esse pensamento. Não diga essas
palavras agora. — Palavras trêmulas. Tremores nas mãos. Joelhos
trancados. Pés presos.
O nó de sua garganta subiu e desceu. Um aceno de cabeça,
pequeno e resignado. Seu olhar caiu para o chão.
E eu fiz a única coisa que pude.
Eu me virei e corri.
20
Queimadura De

Coração

Luke
Eu assisti meu coração sair pela porta.
Um espaço no meu peito se abriu, vazio, exceto pelo
formigamento estático, afiado com eletricidade, frenético e doloroso.
Um dia atrás, minha vida estava em uma trajetória diferente,
iluminada com esperança e possibilidades. Vinte e quatro horas atrás,
minha maior preocupação era com um fornecedor de girassol e o
período de tempo que eu teria que suportar antes que eu
pudesse segurar Tess.
Agora eu a perdi.
Ela precisava de tempo – sem surpresas, assim
como a Tess que eu conheço – tempo para se orientar, para
descobrir o que pensava, como se sentia em relação à sucessão de
bombas que foram detonadas. Mas eu não podia deixar de sentir que o
tempo não resolveria isso. O tempo não reverteria o impacto. Isso não
mudaria o fato de Wendy estar grávida.
Eu não podia imaginar como isso havia acontecido – Wendy
estava no controle de natalidade desde que eu a conhecia. Mas o
porquê e o como não importam. Tudo mudou com o conhecimento
disso, e tudo desmoronou com o anúncio de Wendy.
E agora, Tess havia ido embora. A sessão de fotos para a revista
foi potencialmente arruinada. Minha família estava de cabeça para
baixo. Tudo por minha causa.
Então eu teria que consertar tudo. Começando com o que eu
podia.
Eu me virei, entrando entorpecido na loja onde meus irmãos
estavam ocupados desmontando a instalação quebrada com lábios
achatados e sobrancelhas cerradas e silêncio demais para o número de
Bennets em uma sala. Eles olharam para cima quando entrei na sala,
interrompendo e se reunindo quando parei. A acusação pesava em
seus rostos.
Com um trago doloroso, comecei com a primeira coisa e a
mais importante.
— Eu sinto muito.
Não sei se foi a visão de mim ou o tom dessas três
pequenas palavras, mas seus rostos se suavizaram em uníssono.
Eu balancei minha cabeça, olhando para o chão. — Ela me
disse ontem à noite. Eu ia contar para vocês assim que falasse com
Tess e essa reunião terminasse. Eu pensei que tinha pelo menos esse
tempo. Deveria ter sido mais inteligente.
Laney se mexeu ao meu lado e colocou a sua mão pequena no
meu braço. — Luke... como você se meteu nessa bagunça?
Eu tentei engolir a pedra na minha garganta. — Nós saímos antes
de eu deixar Los Angeles. Ela... ela sempre esteve no controle da
natalidade, então eu não pensei em...
Laney e Jett trocaram um olhar, mas foi Marcus quem disse o que
todos pareciam estar pensando.
— Você acha que ela fez isso de propósito? Para prender você?
— Eu não posso acreditar que você sequer diria isso, — eu
vociferei.
— Vamos lá, Luke, — ele insistiu. — Não é uma suposição
irracional. A loja está melhorando...
— Não era esse o caso quando dormimos juntos.
— Você tem certeza que ela está realmente grávida? —
Perguntou Laney.
— Ela não mentiria sobre estar grávida.
— Por que não? Fingir um aborto espontâneo. Sair debaixo
da mentira, mas prender você primeiro, — ela postulou.
Um vento defensivo soprou através de mim, quente
e amargo. — Eu sei que todos vocês pensam que ela é conivente e
predatória, mas não é a verdade, e no fundo, vocês sabem disso. Eu
sei que vocês querem me proteger, mas tornar ela vilã, inventando
essa história? Isso não ajuda nenhum de nós. Serei o primeiro a
admitir que ela me usaria – confiem em mim, de todos nós, sou eu
quem está na primeira fileira dessa verdade em particular. Mas há
coisas que ela mentiria e coisas que ela não mentiria. Confiem em
mim. Por favor, confiem em mim.
Nenhum deles parecia convencido.
— Ok, vamos supor que ela esteja grávida então, — disse Kash.
— Você tem certeza que é seu? — Ele olhou para os nossos irmãos,
acrescentando, — Ela tinha um namorado que não mencionou
convenientemente até depois que dormiu com Luke.
Indignação e esperança despertaram na sala, uma estranha e
pesada combinação de emoções. Um par de maldições. Meios sorrisos
aqui e ali. Uma risada incrédula e zombeteira sob a respiração de
alguém.
Eu estava no centro deles, entorpecido.
Nas horas que passei em solidão na noite passada, pensei em tudo,
sabendo que poderia acontecer de qualquer maneira. Sua história fazia
sentido, na linha do tempo. Isso explicava a volta de Wendy, sua
insistência em me ver. Eu peguei essa informação, e apliquei ao
contrário – talvez não fosse meu, e ela inventou tudo
para me prender. E então aceitei as duas possibilidades
da melhor maneira possível, guardando-as para que eu
pudesse me concentrar na reunião, cujas ruínas estavam em pilhas
amassadas na vitrine.
Esfreguei a mão no rosto. Suspirei com uma respiração puxada do
fundo dos meus pulmões. — É possível. Eu não sei para quando é
esperado ou com quantas semanas ela está. Ela estava histérica
quando me contou, e eu tive que voltar para a loja com os
suprimentos. Não havia tempo para entrar nisso. E hoje... bem, vocês
viram o quanto que aconteceu hoje.
O rosto de Marcus ficou sombrio. — Você precisa descobrir isso
e obter a confirmação de um médico. Eu sei que você quer acreditar
nela, mas...
— Eu não quero acreditar nela, Marcus. Eu não quero que isso
seja verdade, não com ela, não assim. Se for, você sabe que eu não irei
embora. Mas não tenho ilusões quando se trata de Wendy ou de suas
intenções, especialmente quando ela está contra a parede. Eu tenho
algo a ver com o motivo de ela estar de volta, ou é porque eu sou o pai
do filho dela ou porque ela quer que eu seja.
Laney balançou a cabeça. — Deus, se ela mentiu... Luke, isso é
tão fodido. E Tess...
A dor dividiu meu peito em dois com a menção do nome dela. —
Eu sei.
As sobrancelhas de Jett estavam franzidas. — E a revista?
Você acha que pode consertar isso?
— Não até que eu tenha notícias deles. Tentarei
entrar em contato daqui há alguns dias, mas não posso forçá-los a
me dar outra chance, assim como não posso forçar Tess. Tempo e
espaço. É tudo com o que tenho que trabalhar. Enquanto isso, vou
descobrir exatamente o que está acontecendo com Wendy.
— Você vai ter que lidar com mamãe também, — acrescentou
Kash.
Todo mundo suspirou com isso, até Marcus.
— Você cometeu o pecado capital, — observou Laney. — Você
dormiu com Wendy, e mamãe verá isso como uma traição pessoal. Ela
provavelmente está se perguntando o que fez de errado quando você
era bebê para você dormir com Wendy depois de tudo o que ela fez
com você.
— Eu vou falar com ela hoje à noite, depois que ela queimar uma
efígie e chorar pelas minhas fotos de bebê.
— E como você está planejando evitar ela e Tess? — Marcus
perguntou.
— Você age como se evitar as coisas não fosse uma habilidade
especial minha. — Uma risada rolou através deles, mas eu não sorri.
— Eu vou ficar aqui o dia todo. Eu tenho a instalação para consertar,
ou pelo menos quebrar. Ver se consigo montar outra em conjunto com
as coisas que temos armazenadas. Isso deve me levar o dia todo.
Não suspeito que alguém virá me incomodar. A única que quer
falar comigo é a única pessoa que não quero ver.
— Wendy. Maldita seja, — Laney disse balançando
a cabeça. — Como podemos ajudar?
— Apenas mantenham a frente funcionando para que eu possa
salvar o que puder, onde puder.
Terminamos a reunião com um plano – Kash e Jett terminariam
de desmontar as instalações. Laney verificaria mamãe. Marcus
prepararia o resto da loja para abrir.
E eu escaparia para os fundos.
No segundo em que eu pude, me arrastei para o armazém. Liguei
as luzes para avaliar nosso estoque, mas quando olhei em volta para o
espaço – nosso espaço, o meu e o dela – senti o último pedaço da
minha determinação rachar e quebrar. As peças em que trabalhamos.
A velha cadeira de balanço com o cobertor pendurado nas costas. A
pilha de feno.
Abaixei-me para sentar no feno, deixando cair a cabeça nas mãos,
fechando o mundo ao meu redor. O aroma familiar deste lugar, como
madeira velha, o doce feno e a fragrância das flores que flutuavam da
estufa. Não era a realização dos meus erros e não era um marcador da
perda.
Porque eu sabia o que tinha a perder desde o início.
E apesar de como eu tentei mantê-la, eu posso ter perdido Tess
para sempre.
............................................
Tess
Eu fugi pela porta dos fundos, cega pelo sol e se afogando no
calor. O quarteirão que eu percorri até em casa foi navegado através
de uma camada de lágrimas, meu destino em minha premeditação e
mil emoções borbulhando sob ele.
Apenas chegue em casa. Chegue em casa. Chegue em casa.
Quando você chegar em casa, poderá quebrar.
A escada estava fria e escura, minha compostura desmoronando a
cada passo. Eu destranquei a porta. Entrei.
O único lugar no mundo que eu precisava era o meu lar, e a
imagem desse lugar era tangível em minha mente.
Uma imagem que não existia mais.
As paredes estavam brancas, exceto pela parede em destaque com
o feio e velho papel de parede da mamãe. A cozinha, branca e
imaculada, bancadas em mármore Carrera para substituir a velha
fórmica de sopa de ervilha, apoiada em azulejos de metrô.
Era bonito. Mas não era minha casa, não mais.
Tudo mudou. E tudo por causa de Luke.
Antes de ele voltar, tudo era perfeitamente normal, perfeitamente
previsível. Mas desde que ele passara pela porta da Longbourne
novamente, não havia nada além de caos. O que antes era
estável, seguro, familiar, foi virado de cabeça para
baixo, de dentro para fora. A loja. Minha casa
Meu coração.
Eu não conseguia olhar para a sala. Eu precisava do meu
lugar, meu lugar seguro, o único lugar que eu sabia que não havia
mudado.
— Tess? — Papai chamou de seu escritório. — É você?
Não era eu. Eu não sabia mais quem eu era.
Mas eu segui o som de sua voz para enfrentar o que eu podia.
Quando passei do limiar, seu rosto percorreu uma gama de emoções –
preocupação, tristeza, dor, raiva.
— O que aconteceu? — ele perguntou.
Eu respirei fundo. — A montagem quebrou. Não conseguimos a
matéria.
— Oh querida. Eu sinto muito.
Um sorriso fraco tocou meus lábios, forçado e doendo com
falsidade. — Eu... eu só preciso de um tempo. Descansar.
Ele assentiu. — Tudo certo. Vá tomar banho e durma. Estou aqui.
Ok, Pomba?
Eu balancei a cabeça, meu queixo tremendo. — Ok, papai.
Mas quando entrei no corredor, não fui para o outro lado do
apartamento para o meu quarto.
Eu me virei para o quarto do papai.
Este quarto era o mesmo de sempre. O livro que ela estava
lendo quando morreu ainda estava na mesa de cabeceira. A
roupa de cama tinha desbotado e afinado, mas era do
mesmo azul marinho e branco, a cama cuidadosamente
feita com cuidado por papai todos os dias. Mas eu não
prolonguei. Em vez disso, abri o armário, sentando-me no
pequeno canto, fechando a porta atrás de mim.
A luz entrava pelas brechas, cortando linhas de luz em tudo o que
havia dentro.
E eu deitei minha cabeça nos joelhos e chorei por tudo que havia
perdido.
21
Espaços Vazios

Tess
Minha exaustão era por inteiro.
Eu era um fogo que queimara até as cinzas, deixando apenas
poeira e brasas apagadas. O que antes era sólido estava agora em
pedaços pequenos o suficiente para serem levados por nada mais que
uma brisa suave. Mas de alguma forma, eu encontrei uma vontade
para me levantar da cama naquela manhã. Vestir-me e escovar os
dentes, olhos turvos e dormentes. Trocar algumas palavras de deflexão
com meu pai antes de sair pela porta da frente. E então fui para a
floricultura, não pronta para enfrentar o que me esperava, mas sem
nenhuma opção no assunto.
A loja precisava de mim, e a Sra. Bennet também.
Passei muito tempo na segurança do armário da
mamãe, esgotando minhas lágrimas por tempo suficiente para
tomar banho e ir para a cama. Mas, por mais cansada que eu
estivesse, mal dormi, minha mente muito agitada, muito ocupada
fantasiando sobre todos os finais infelizes que poderiam acontecer,
todas as coisas que eu perderia em seu rastro. Foi apenas entre crises
de choro e longos trechos silenciosos gastos olhando para o meu teto
que eu caí em um sono inquieto, do tipo que explorava a exaustão sem
aliviá-la.
Durei duas horas antes de me levantar da cama com um objetivo –
distração.
Eu cozinhei duas refeições do zero. Reguei as plantas. Tirei
algumas fotos para o Instagram. Joguei Mario Kart com o papai.
Assisti algumas das minhas comédias românticas favoritas – A
Princesa Prometida e Segredos de uma Novela. Mergulhei em um
novo livro e fiquei acordada até que eu não conseguisse mais manter
meus olhos abertos. Mas no segundo em que apaguei a luz e minhas
distrações se foram, meu cérebro acordou e vasculhou tudo o que
havia acontecido, imaginando o que viria a seguir.
O primeiro item em tópico era tentar identificar exatamente por
que eu estava tão chateada e reduzi-lo a alguns pontos, nos quais me
apeguei, repetindo-os em um ciclo como Arya Stark e sua lista de
mortes.
Na superfície, estava a ferida superficial: tínhamos
perdido a nossa chance com a revista, não apenas
parecendo um bando de tolos, mas tolos incompetentes.
Eu parecia incompetente – o que por si só atingiu um profundo
gatilho perfeccionista em mim – e a responsabilidade parecia
minha, independentemente do meu conhecimento de que não era.
O corte que atingiu o osso: Luke engravidou sua ex-esposa e ela
se tornaria um elemento permanente em sua vida. O que significava
que ela se tornaria um elemento permanente na minha vida. Eu não o
culpei por não ter me contado quando ele descobriu – ele estava certo
em dizer que era o momento errado. Confiei nele com ela, confiei. Eu
acreditei nele, era verdade. Mas descobrir como eu descobri foi brutal,
chocante e brutal, rápido demais para acompanhar, não me deixando
tempo para processar ou mesmo reagir além do desejo instintivo de ir
para o mais longe que eu pudesse. Era o meu pesadelo – não havia
como se planejar, nem se preparar, e o trauma foi brusco e forte,
deixando-me de joelhos.
Mas a ferida mais profunda de todas – o maior e mais
inacreditável motivo para eu não conseguir parar de chorar – era
porque eu estava apaixonada por Luke Bennet.
Era talvez o pior de todos os resultados.
Não porque ele me faz feliz. Não pela maneira que ele havia
ganho minha confiança. Não pela liberdade que encontrei nele. Luke
estava cheio de vitalidade e possibilidade, sua faísca acendendo
algo em mim que eu não sabia que existia – aventura.
Espontaneidade. Alegria no desconhecido.
Não era nem porque ele também me amava.
A dolorosa percepção de que eu havia deixado Luke
entrar era uma ferida mortal. Dei-lhe meu coração, dia após dia,
minuto a minuto, peça por peça. E isso foi um sacrifício, do qual
eu não tinha percebido o peso.
Não até ontem. Até que eu o vi com ela, soube do vínculo que
iriam compartilhar, e percebi com um arrancar brutal da faca que eu
poderia perdê-lo.
E quando ele partisse, ele levaria meu coração com ele.
Eu ficaria sozinha novamente.
Talvez fosse por isso que eu me protegi todo esse tempo, todos
esses anos. Eu inventei desculpas – trabalho, meu pai, etc, até o
infinito – porque não queria dar espaço para alguém. Porque quando
eles se vão, o espaço ainda continua lá, vazio e assobiando com o
vento.
O espaço cavernoso deixado por minha mãe nunca se fechou,
nunca se contraiu.
Eu me perguntei se o que Luke deixaria também não fecharia. De
certo modo, eu duvidava que sim.
Ele não disse que estava indo embora, eu disse a mim mesma
enquanto caminhava pela calçada fervente em direção à Longbourne.
Ele não quer ir embora mais do que você.
Mas esse desejo, essa intenção, seriam o suficiente para nos
manter unidos através do furacão no horizonte? Porque havia
outra lista, uma das verdades que compunham Luke
Bennet, verdades muito aparentes para ignorar.
Ele era irresponsável o suficiente para ter dormido
com sua ex-esposa, sem camisinha. Ele precisava de mudança
constante, ação constante – sem isso, seria infeliz – e eu precisava
de estabilidade. Quietude. Segurança. Por um momento, pensei que
ele pudesse ser tudo o que eu precisava que ele fosse. Mas o caos de
ontem me jogou de um penhasco e me fez cair em queda livre. Tudo
havia mudado e meus rumos estavam perdidos. Eu não conseguia
traçar a linha entre o garoto que eu conhecia, o homem que havia
retornado, o homem por quem eu havia me apaixonado e o homem
que ele se tornaria.
Wendy nunca pararia de manipulá-lo, e ele sempre a deixaria. Era
evidente na repercussão do que ela havia dito. Duas palavras de
Wendy, e nosso futuro foi apagado.
Apagado, mas não desapareceu. Como um quadro-negro – uma
mancha e um redemoinho de pó de giz, a mensagem embaixo apenas
esmaecida pelo movimento e o resíduo deixado pelo apagar daquelas
duas pequenas palavras: estou grávida.
Tempo. Eu precisava de tempo para catalogar e avaliar os danos.
Mas eu não teria. Não pelo que eu conheço Luke.
Respirei fundo para me fortalecer quando me aproximei da loja,
diminuindo a velocidade quando vi as vitrines, parando ao perceber o
que estava do outro lado.
Luke reformulou as vitrines com um conceito que
havíamos apenas discutido. Mas ele pegou a ideia e fez
algo além da minha imaginação, a mensagem trazendo
lágrimas bruscas aos meus olhos, incendiando aquelas
brasas no meu coração.
Cabeças gigantes de dente-de-leão estavam na vitrine à
esquerda, quase tão altas quanto eu e grandes demais para os meus
braços abrangerem. Rabos-de-raposa compunham o globo de
sementes emplumadas, e os cinco dentes-de-leão estavam inclinados
em direção à porta e à vitrine direita como se o vento estivesse
soprando as sementes. Através das vitrines eles estavam suspensos em
voo. E na vitrine à direita, escrita com margaridas e cercada por rabos-
de-raposa voadores, estavam as palavras Faça um desejo.
Eu me perguntei se ele tinha feito um desejo, me perguntei o que
ele desejara. E então eu fechei meus olhos e fiz um dos meus com
meu coração partido cortando minhas costelas.
Limpei minhas lágrimas e me virei para a porta, o toque alegre da
campainha era uma pequena blasfêmia. A loja já estava ocupada, meu
atraso concedido por Ivy e totalmente utilizado por mim, apesar de
não ter descansado e não ter encontrado respostas. Ambos me
escaparam com uma habilidade especializada.
Jett deu um pequeno sorriso e um aceno de conforto enquanto eu
passava, mas eu estava procurando por Luke, com o coração batendo
forte e a respiração superficial. Mas, para meu alívio, só encontrei Ivy,
que veio até mim bem mais rápido do que uma mulher em sua
gestação deveria.
Ela me pegou em um abraço. — Oh, Tess. Eu sinto
muito.
Eu amo ele. Eu o dei meu coração, e agora, ele vai
quebrá-lo. Ele nem vai ter a intenção. Eu não deveria ter feito
isso. Eu faria de novo.
— Eu estou bem, — eu menti, forçando um sorriso quando dei
um aperto nela e me afastei. — Com quantos pedidos estamos
trabalhando?
Ela ficou aborrecida, claramente não querendo falar sobre
trabalho. Mas ela disse, — Quatorze. Estamos atrasadas em relação a
ontem, e muitos vieram esta manhã.
— Bom. Eu preciso de algo para fazer com minhas mãos.
Uma débil risada de Ivy. — Um dia inteiro de folga é demais para
você?
— Você não tem ideia.
Me estabeleci ao lado de Ivy, folheando os pedidos, fazendo
anotações em minha mente do que eu precisaria, grata por outra
distração. Luke teve a ideia de ter uma opção de buquê personalizado
com as escolhas do cliente – eles nos informavam sua faixa de preço,
a cor e a flor preferidas do destinatário, se tivessem uma, e eu faria
algo no improviso. Eles se tornaram meus buquês favoritos para fazer,
simplesmente porque cada buquê era diferente, e eu apreciava o
desafio. Eles cutucavam as bordas da minha caixa, me incentivando a
sair dela.
Era a especialidade de Luke Bennet – me tirar da minha
caixa, querendo ou não.
Por um tempo, me perdi no trabalho. Quando
Brutus não estava passando por minhas pernas ou miando para
mim, ele ficava de sentinela ao meu lado, observando a porta tão
intensamente quanto eu. Ivy preencheu o tempo com uma conversa
fiada, e minha distração era quase total. Quase. Luke estava
suspeitosamente ausente da loja. Toda vez que as portas da estufa se
abriam, meu coração parava, mas nunca era ele. Na hora do almoço,
eu já tinha me convencido de que ele não apareceria. Talvez ele
estivesse sendo ocupado pelos Bennets ou Ivy, em um esforço para me
fazer um favor. Talvez ele estivesse cansado por trabalhar na vitrine.
Ivy disse que ele passou o dia todo ontem sem dormir, sem parar até
que finalmente o forçaram a ir para casa.
Quando as portas da estufa se abriram, não levantei os olhos. Mas
quando ele atravessou a soleira, todos os nervos do meu corpo o
alcançaram, sabendo que ele estava lá sem que eu percebesse. Quando
meus olhos se seguiram, eles encontraram os dele, os abraçaram,
disseram mil coisas, deram cem desculpas.
Ivy escorregou do banquinho, dizendo calmamente enquanto
desamarrava o avental, — Vou pegar alguns sanduíches para o
almoço. Vou pedir o de sempre.
— Ok, — eu murmurei, meus olhos ainda em Luke.
Ele era escuridão – cabelo em tons da meia-noite, olhos
sombreados por uma nuvem de trovões. Os lábios normalmente
curvados com leviandade estavam planos e pesados.
Quando ele se aproximou de mim, encontrei meu
corpo se movendo até ele sem permissão, como se
pertencesse a seus braços, eu gostasse ou não, e não pararia até
estar lá.
Eu estava quase lá quando paramos, perto demais para ser casual,
longe demais para o conforto.
— Você… você está bem? — ele perguntou, sua voz bruta.
Eu balancei minha cabeça. — Você?
Ele sacudiu a dele. — Tess, eu… eu sinto muito. Eu sei que isso
não significa muito, mas eu sinto.
— Eu sei. Eu também sinto muito. — Uma pausa, espessa com
um doloroso silêncio. — As vitrines. Você fez os dentes-de-leão.
Seu sorriso era breve, fino, apenas um movimento do canto dos
lábios. — Você gostou deles?
— Eles são perfeitos, Luke.
Outra pausa enquanto lutávamos pelo que dizer. Havia muita
coisa, sem nenhum caminho para começar.
Mas Luke encontrou um caminho. Ele sempre encontra.
— Eu preciso... — O nó de sua garganta sacudiu. — Por favor,
Tess. Posso explicar?
Eu balancei a cabeça uma vez, me preparando.
Ele respirou fundo, parecendo fazer o mesmo. — Quando eu fui
até ela na outra noite... — Ele balançou a cabeça. — Não. Antes
disso. — Outra respiração, um endireitamento de sua coluna. —
Nunca me senti mais certo do que desde que entrei por
aquelas portas, Tess. E foi porque você estava aqui, esperando por
mim.
Meu coração se partiu, o conteúdo derramando por meu peito em
uma piscina quente.
— Quando ela me mandou uma mensagem, as coisas que ela
disse... elas me assustaram. Quando ela está naquele lugar, coisas
ruins acontecem, e eu não queria que minha ausência fosse o motivo.
Eu nunca poderia imaginar por que ela me queria lá, o que ela diria. E
eu deveria ter lhe contado em seguida. Me desculpe por isso. Sinto
muito por ter me metido nisso com ela, mas eu não sabia. Eu não sabia
que isso iria acontecer.
— Que ela engravidaria? — Eu perguntei incrédula.
— Não. Que eu te encontraria.
Engoli minha resposta em um caroço pegajoso.
— Ela tinha um namorado que eu não sabia da existência quando
ficamos juntos pela última vez. E quando deixei Los Angeles, jurei
que nunca mais a veria. Afastei-me quase três mil milhas para garantir
isso.
— Um namorado? — Eu fiz uma careta. — Deus, Luke. Então
realmente pode não ser seu?
— Essa é a questão.
Minha mente chiou com possibilidades, perguntas e uma
dúzia de emoções.
— Ela tem uma consulta médica em alguns dias e
eu vou com ela. Ela insiste que o bebê é meu, mas... eu não sei.
Quero acreditar que ela não mentiria sobre isso, tanto quanto
espero que não seja verdade.
Eu olhei para ele, sentindo sua honestidade em cada palavra,
escrita em cada linha do seu rosto. Ele não sabia. E Wendy estava
desesperada – eu tinha visto por mim mesma quando ela veio aqui
ontem. Mas eu não tinha uma resposta, nenhuma resposta. Era tudo
demais para compreender. Mas havia uma coisa que eu tinha certeza.
— Sinto muito, — eu disse, meu peito doendo. — Sinto muito
que você tenha que passar por isso, não importa se é verdade ou não.
— Eu não me importo com isso, Tess, — ele disse suavemente,
suplicando, pegando minhas mãos. — Nada disso importa enquanto
estivermos bem. Nada disso importa se eu ainda tiver você.
Mas não pude dar a resposta que ele queria ouvir, não porque não
queria. Mas porque eu não sabia se deveria.
Eu corri riscos suficientes para uma vida inteira. Na próxima vez
que eu me arriscasse, tinha que ter certeza.
Retirei minhas mãos do seu alcance. — Tudo isso tem sido
demais, Luke. O drama, a agitação na loja, na minha casa, na minha
vida. Parece que alguém entrou e colocou ao avesso. Não sei para que
lado se encontra, porque não há uma resposta. Não é preto e
branco. Não há sim ou não, e não há certo ou errado. — Eu vi
como seu rosto caiu, seus olhos afiados de dor.
— Mas há. Eu não fiz nada de errado. Eu não fiz
isso para machucá-la – está fora de minhas mãos, fora do meu
controle. E você não confia em mim. Depois de tudo isso, você
ainda não confia em mim.
— Eu confio, Luke, — insisti, minha emoção aumentando em
uma onda. — Mas se isso provou alguma coisa, é que Wendy sempre
o manipulará, e você sempre deixará. Não sei como me encaixo na sua
vida, não quando está sempre em risco de ser controlada por ela.
Preciso de tempo. E você precisa resolver as coisas com Wendy.
— Eu não preciso de tempo para isso, — ele insistiu, seus olhos
brilhando com desespero e honestidade. — Eu preciso de você, Tess.
Isso é tudo que preciso.
— Então você tem que me dar tempo, — eu disse com uma
respiração instável, dando um passo para trás que eu não queria dar.
Eu queria menos espaço entre nós, não mais, mas se eu caísse em seus
braços, nunca mais sairia. Era desconhecido demais para eu dar um
salto, e eu estava completamente sem fé.
— Quanto tempo?
— Eu não sei.
O rosto dele ficou sombrio. — O que você sabe?
Que eu te amo. Que eu odeio isso. Que eu estou confusa,
oprimida e cada escolha parece um erro, pensei.
Mas eu disse, — Que agora, Wendy precisa de você mais
do que eu.
Eu me virei e corri para fora da loja. Porque se eu
tivesse ficado mais um segundo, eu teria beijado-o. Eu teria
prometido a ele que tudo ficaria bem, sem saber se ficaria, e eu me
segurei ao mantra de que me recusei a nos machucar ainda mais.
Mesmo que isso fosse mentira.
22
Rainbow Road

Luke
Eu passei pela porta da casa dos meus pais com a intenção de
conversar com mamãe, sombreado pela esperança de que ela já estava
dormindo e eu não precisaria.
Foi um dia de acerto de contas, para resolver as coisas, e eu já
tinha falhado uma vez.
Wendy sempre o manipulará, e você sempre deixará.
As palavras de Tess, uma verdade tão clara, tão flagrante. E eu
nunca tinha percebido, não nesses termos.
Eu só tinha que decidir o que fazer sobre isso. Mas, primeiro, eu
teria que passar pela consulta com o médico, entender isso para
determinar se esse bebê era meu. Porque se fosse, Tess estava
certa. Não haveria como escapar de Wendy.
Minha vida se afastou de mim com essas duas
palavras. E eu não estava mais no controle de nada.
Caminhei pelo primeiro andar, verificando a sala de estar, a
sala de jantar, a cozinha, finalmente encontrando mamãe na biblioteca,
enfiada na poltrona grande com um romance.
Seus olhos estavam tristes quando encontraram os meus, mas ela
deu um pequeno sorriso, fechando o livro e descansando-o no colo. —
Olá, Lucas.
— Oi mãe. — Olhei para os meus pés, sentindo como se tivesse
seis anos novamente. — Eu... estou feliz que você esteja acordada.
— Bem, imaginei que você viria em casa eventualmente e devo
um pedido de desculpas.
Meu olhar saltou para encontrar o dela.
— Venha aqui, — ela persuadiu, acenando para mim enquanto se
movia para afastar os pés do escabelo.
Sentei-me e ela pegou minha mão.
— Eu não deveria ter dito coisas tão terríveis e não deveria ter
perdido a paciência como fiz. Fiquei tão chocada, Lucas. Eu pensei...
bem, eu pensei que quando você se separasse, não a veria novamente.
Eu deveria saber que ela não deixaria você ir tão fácil. E eu deveria
saber que você não a abandonaria. É uma prova do seu caráter, da
construção de quem você é. Quando você ama, você ama
ferozmente. E por isso, estou orgulhosa.
— Mas foi estúpido e imprudente. Eu não pensei...
não percebi os riscos.
— Não, é só que os riscos mudaram quando você se
apaixonou por Tess.
Eu pisquei de volta minha surpresa. — Como você...
Mas ela riu. — Eu posso ser velha, mas não sou cega. E meus
filhos são muito fáceis de enganar, acreditando que eu não estou
ciente. Você realmente acha que eu não os vi juntos? Vocês mal
conseguem tirar as mãos um do outro.
Uma risada saiu de dentro de mim. — Tanto para manter
segredos.
— Oh, eu não posso culpar você por não me contar – eu sabia que
você contaria quando estivesse pronto. Além disso, eu teria me
intrometido, e todos nós sabemos disso. — Ela apertou minha mão. —
Como está Tess?
— Chateada. Ela me pediu um tempo e não tenho escolha a não
ser dar a ela.
— Ela não volta rápido, mas sempre volta. Eu prometo, Lucas.
Ela voltará.
— Eu espero que você esteja certa. Mas não posso deixar de
sentir que está fora do meu controle. Está nas mãos de Wendy.
Uma sombra passou por seu rosto. — Maldita seja.
Eu suspirei do fundo dos meus pulmões. — Tess disse que
Wendy sempre me manipularia, e eu sempre deixaria. E ela está
certa. Só não sei como me desemaranhar dela, mãe. Não sei
como deixá-la ir, porque temo que, se o fizer, ela se
afogará.
— Ou ela vai nadar. Mas a única maneira de você
não ser arrastado pelo peso dela é se você colocar limites. Se esse
bebê for seu...
— Você sabe disso também?
Ela revirou os olhos. — Não há segredos nessa família, Lucas. Se
esse bebê for seu, procure um mediador e resolva a custódia e seus
direitos. Apareça e cumpra seu dever, nada mais.
— E quando ela desmoronar, ameaçar machucar a si mesma e ao
bebê?
— Então você chama a ambulância e vai até ela. E você luta pela
custódia total. Mas a criança pode não ser sua. E se for esse o caso,
você se afasta dela de uma vez por todas. Está na hora, filho. É hora
de seguir em frente.
— Mas eu segui. Eu pensei que não estava mais devendo nada a
ela, e então isso. Toda vez que penso que fui embora, sou sugado de
volta.
— Wendy acha que ainda tem uma chance com você, porque suas
ações nunca disseram o contrário. Então coloque a mão na massa,
Lucas Bennet, e mostre a ela.
Eu balancei a cabeça, a esperança cintilando no meu peito. Porque
mostrar a Wendy exatamente como estamos não apenas provaria
minha sinceridade.
Isso provaria minha devoção a Tess.
Porque acima de tudo, era isso que eu queria. Ela
era o que eu queria.
Eu só esperava poder recuperá-la.
...............................................

Tess
Meu coração trovejou quando eu contornei a última curva da
Rainbow Road com o papai bem na minha cola. A linha de chegada
apareceu e, por um segundo, eu pensei que poderia vencê-lo.
Deveria saber mais.
Um míssil de concha de tartaruga me atingiu na traseira e,
enquanto meu carro capotava e saltava, papai passou voando por
baixo da faixa.
Eu gemi. — Bastardo sorrateiro.
— Encare isso, Pomba. Eu sou o campeão residente, e me
derrotar é um sonho impossível17. Entendeu? Canos? Mario?
— Ha ha, — eu disse. — Não mataria você me deixar vencer de
vez em quando. Você sabe, para o meu ego?
Ele me deu uma olhada. — Você realmente quer que eu entregue
o jogo?
— Não, — eu admiti com um suspiro, esticando minhas costas.
— Quer ir de novo?

17 A expressão utilizada por ele foi pipe dream, na tradução literal dream
significa sonho e pipe significa cano, por isso o trocadilho com Mario.
— Talvez em um minuto. Preciso dar aos meus
dedos ágeis a chance de se reagrupar. — Ele os ergueu, movendo-
os para obter efeito. — Como foi na loja hoje?
— Foi... — Um suspiro saiu de mim. — Pai, eu não contei toda a
verdade.
Ele sorriu tristemente. — Eu imaginei. O que aconteceu?
— Antes da instalação desabar, Wendy apareceu na loja. Ela...
está grávida e diz que o bebê é de Luke.
— Você... você está brincando.
Eu balancei minha cabeça. — Estávamos exaustos – foi um caos.
E nós brigamos. Não... não foi uma briga. Eu simplesmente não pude
lidar com o choque, então fugi e voltei para casa. E ontem, ele veio
falar comigo sobre isso. Mas não posso dizer o que ele quer ouvir,
papai. Não posso dizer a ele que está tudo bem, porque não parece
bem. Não parece nem um pouco perto de estar tudo bem.
— Como parece?
— Ao avesso. Irreal. Assustador. Eu estou com medo, — eu disse
suavemente. — Com medo de que tudo vá mudar. Que ele irá me
deixar. Que eu vou ficar em segundo atrás da Wendy, sempre. Que ela
o manipulará até o fim dos tempos. E eu não sei como lidar com esse
medo. Não sei como me arriscar, não quando a circunstância está
repleta de incógnitas.
— A vida é cheia de incógnitas. É assustador, e
você não pode evitar isso. Você não pode se planejar. As pessoas
mais felizes e bem-sucedidas do mundo são flexíveis, Tess.
— Mas e se eu cometer um erro? E se eu me machucar? E se eu
perder?
— Quando foi a última vez que você me venceu na Rainbow
Road? — ele perguntou, o canto dos lábios subindo.
— Ação de Graças de 2012. Você estava gripado.
— Isso já impediu você de jogar comigo?
Revirei os olhos. — É um videogame, papai.
Ele encolheu os ombros. — Talvez os riscos sejam menores, mas
o sentimento é o mesmo. Você não pode me dizer que agora, quando
pensou que ia me vencer, seu coração não estava batendo e cheio de
esperança. E se você tivesse me vencido? Se você não tivesse jogado,
não teria vencido.
— Você venceu, — eu disse rindo.
— Mas e se eu não tivesse? Se você quiser jogar o jogo das
hipóteses, vou fazer você considerar o bom, não apenas o ruim.
— Sem risco, sem recompensa, certo?
— Essa é a ideia. Escute-me, Pomba. Não sacrifique seu futuro só
porque está com medo. Sacrifique seu medo pela esperança.
Meu olhar caiu nas minhas mãos, a emoção apertando minha
garganta.
— Luke te faz feliz, e isso não vai parar só por
causa de Wendy. No fundo, você sabe disso. Não ignore isso só
porque você está com medo. Se você precisar de tempo para mudar
de ideia, pegue-o. Luke vai esperar. Eu acho que esse garoto te ama, e
acho que você também o ama. Não jogue isso fora, Tess.
Eu assenti, incapaz de falar. Mas ele não exigiu uma resposta,
apenas pegou minha mão. E encontrei meu caminho até seus braços,
esperando que ele estivesse certo.
23
Tic-Tac

Luke
Três dias desde que a bomba foi detonada, e cada batida do
relógio me trouxe a esse momento.
O silêncio estalou na sala, afiado com antecipação enquanto a
médica observava o monitor de ultrassom.
Meus pulmões estavam vazios e travados, meu pulso alto nos
meus ouvidos. Wendy estava deitada na mesa de exame, com o rosto
tenso e os olhos brilhantes. Ela pegou minha mão e eu deixei, a
sensação de sua palma úmida contra a minha enviando um arrepio de
aversão através de mim.
Tudo sobre isso parecia errado.
A presença de Wendy. A fria sala de exames. A estática no
monitor. O som vibrante do batimento cardíaco de um
bebê. A descrença de que o criador desse batimento
cardíaco era eu. A sensação doentia de que eu não
queria que fosse e a subsequente culpa de que eu poderia ser. E
que pai de merda eu era por desejar algo tão abominável.
O único som era o tum, tum, tum de um batimento cardíaco e o
clique do mouse da médica enquanto ela fazia medições.
Cada segundo era prolongado, sem fim, o suspense deslizando
através de mim.
— Bem, — a médica disse com um sorriso, — o bebê está ótimo.
Batimentos cardíacos fortes, o que é um bom sinal. Parece que temos
nossa data prevista errada. Você está de duas a três semanas à frente.
Assim, meus pulmões se abriram e eu respirei fogo.
Os olhos de Wendy se arregalaram, mas ela sorriu, rindo
casualmente. — Não, isso não pode estar certo. Eu sei quando foi meu
último período. Eu anotei.
Minha mão desenrolou da dela. Eu dei um passo para trás, a
mente acelerada.
A médica riu. — Oh, não se preocupe. Há muitas razões pelas
quais isso pode acontecer, como quando você ovula, quando concebe.
Além disso, na maioria das vezes, temos apenas datas erradas. Mas a
boa notícia é que tudo parece exatamente como esperávamos. Você
está quase na zona segura.
Tragos rasos de ar, alimentando o sentimento se mexendo nas
minhas costelas.
— Não tenho a data errada, — insistiu Wendy, com
a voz firme e leve. — Tem certeza de que não estou apenas
medindo à frente?
Mentiu. Ela mentiu.
A médica girou em seu banquinho com uma carranca fantasma
nos lábios. — A margem de erro em uma gravidez tão recente é de
apenas uma semana. Você está facilmente duas semanas à frente, mais
como três com base na minha experiência.
Mãos dormentes. Um formigamento de descrença. Uma sensação
satisfatória de retidão, juntamente com uma repulsa avassaladora.
— Você deve verificar novamente. — A voz dela tremia. Ela
ainda não tinha olhado para mim.
Sair. Eu tinha que sair. Eu tinha que ir embora.
O olhar da médica disparou para o meu em confusão, sua carranca
totalmente formada. — Eu posso, mas os números serão os mesmos.
— Eu sei quando concebi! — Branco rodeava seus olhos.
— Você mentiu, — eu respirei.
A carranca da médica se achatou, os lábios contraídos enquanto
ela se levantava. — A data que você me deu não é a data da
concepção com base no desenvolvimento do seu bebê. — Ela se
moveu ao redor da mesa, dando a nós dois um olhar conhecedor que
permaneceu em mim. Eu vi um pedido de desculpas em seus
olhos. — Deixe-me dar-lhes o quarto por alguns minutos.
Eu havia recuado alguns metros da mesa, incapaz
de brigar, incapaz de ir. Em vez disso, eu congelei, olhando para
ela, analisando a verdade que eu sabia em meu coração.
— Você mentiu.
Ela se sentou, oscilando as pernas sobre a borda da mesa, com o
rosto selvagem. ― Eu não menti. Eu juro, Luke.
Minha cabeça, lenta e distraidamente, escandalizou sua opinião
sem que eu dissesse. — É sempre o mesmo. A mesma frase, a mesma
história, mas com novas dolorosas maneiras de me machucar. Você
voltou aqui para me prender, mentir para mim. Tirar vantagem de
mim porque você sabia que eu a ajudaria porque sempre ajudo. Eu
sempre ajudo. Mas desta vez é diferente. Desta vez, quando eu for
embora, não voltarei.
O rosto de Wendy se curvou, se rachou e as lágrimas caíram. Por
mais genuínas que fossem, eu não tinha simpatia.
— Luke, por favor.
— Por favor, o que? — Eu disparei. — Salvar você? Assumir
outra responsabilidade que não é minha?
Ela balançou a cabeça. Um soluço a atravessou quando ela olhou
para as mãos, descansando abertas no seu colo.
— Eu não vou fazer isso, — eu respirei. — Porra, eu não vou
fazer isso, Wendy. Fique longe de mim e da minha família. Fique
longe de Tess. Isto está acabado. Acabado.
Ela pulou com a picada da palavra, o apontar do
meu dedo em sua direção. Eu girei nos calcanhares,
pegando a maçaneta da porta, sobrecarregado pelo
desejo de correr o mais rápido e mais distante possível até
desmoronar.
Eu a amaldiçoei, cataloguei cada traição, construí um muro com
todas as lembranças dolorosas, sem esperar que ela fosse falar, sem
antecipar a profundidade da honestidade em suas palavras quando ela
o fez.
— Eu não sabia mais o que fazer, — ela sussurrou, as palavras
quebradas.
Minha mão parou.
— Quando descobri, fu... fui até o Chad. Ele me disse para fazer
um aborto. Me largou quando eu recusei. Me expulsou. Bloqueou meu
número. Mas não pude. Eu... tentei, fui à minha consulta e depois...
simplesmente não consegui, Luke. Mas também não sei como cuidar
disso, como prover. Quero dar a esse bebê a vida que não tive. Eu
queria que seus pais se amassem, para criá-lo com amor. E eu sabia
que você era o único a quem eu poderia ir. Eu sabia que você cuidaria
de mim.
Eu me virei, enfurecendo quando ela pegou minha mão.
Seus olhos estavam em nossas mãos enquanto ela traçava as
linhas dos meus dedos. — Pensei que você ainda me amasse, pensei
que poderia recuperá-lo para sempre desta vez. Este bebê deveria
ter sido seu. Eu vim até você porque você é o único homem no
mundo que quero que seja o pai de meu filho. E sinto
muito por ter mentido para você… — As palavras
morreram em um soluço. — Eu n-não sabia mais o que
fazer. Eu te amo, Luke. E eu fo... fodi tudo. Agora... agora tudo
em que consigo pensar é sobre esse bebê e como vou cuidar disso.
— Ela apertou a palma da mão na barriga, a cabeça inclinada. — Eu
não tenho emprego. Não tenho seguro. Não tenho meios, nem apoio.
Só você.
Minha raiva diminuiu, embora meu queixo ainda estivesse
travado. Porque eu entendi. Eu odiava ter entendido, e odiava me
importar.
Mas eu entendi.
— Eu não te amo, — eu disse em um tom sem discussão.
Ela assentiu olhando para os sapatos.
— E eu não posso te ajudar. Não mais. — Meu coração doía,
retorcido e apertado. — Você tem que resolver isso sozinha. E nós
dois precisamos seguir em frente.
Outro aceno de cabeça, uma fungada. — Sinto muito, Luke. Eu
sinto muito.
Eu lutei contra o desejo de acalmá-la, minha mente ocupada
imaginando o que ela faria sozinha. Até mesmo agora, mesmo depois
de tudo isso.
— Gostaria que você tivesse vindo até mim e me dito a verdade.
Porque eu poderia ter te ajudado sem tudo isso. Mas você foi
longe demais. Tudo isso foi longe demais.
— Eu pensei que poderia te recuperar. Eu... eu não
sabia que você tinha seguido em frente.
— Wendy, — eu disse, pegando-a pelos ombros,
esperando ela encontrar meus olhos. — Nós nunca vamos ficar
juntos novamente. Você entendeu?
Tristeza pura e absoluta tocou todos os ângulos e planos de seu
rosto. — Entendi.
E pela primeira vez, eu realmente acreditei que ela havia
entendido. Mas desta vez, eu não esperaria por provas.
Não com minha própria vida pela frente.
24
Uma Certa Fé

Tess
— Eu não sei como você tem evitado-o, — disse Ivy em um balde
de rododendros.
— Eu também não sei. — E era ao mesmo tempo uma bênção e
uma maldição. Descobri que não o queria no mesmo CEP tão
desesperadamente quanto queria que ele passasse por aquelas portas,
apenas para que eu pudesse respirar seu ar.
Passei os últimos dias procurando respostas, evitando todas as
perguntas. Eu me perguntei se ver Luke desencadearia algo. Se ele
passaria pelas portas e as nuvens se separariam, iluminando-o como
um santo em uma explosão de intervenção divina. Mas eu tinha
me convencido de que vê-lo, conversar com ele além das
poucas mensagens superficiais que havíamos trocado,
apenas confundiria mais as coisas.
A última coisa que eu precisava era de mais
confusão.
— Marcus tem mantido ele fora da loja, e a Sra. Bennet
também. Ele está tão ferrado que vai ter que compensar ela por anos.
Mas achei que ele encontraria maneiras para te ver de qualquer forma.
— Eu pedi para ele não fazer isso, e ele disse que não faria, — eu
disse quietamente e com um toque de arrependimento.
Ivy me observou, ainda que suas mãos estivessem levando flores
para uma pilha em cima da mesa. — Você teve notícias dele?
Um aceno, apenas um. — Nós trocamos algumas mensagens. A...
a consulta médica é hoje.
Ela gemeu. — Oh Deus. Não é de se admirar que você tenha
estado tão quieta. Por que você não me contou?
Encolhi os ombros. — Porque eu na verdade não queria falar
sobre isso.
— Tess, eu sei que é mais seguro fechar as portas e trancar-se
longe de todos, mas você não precisa passar por tudo isso sozinha.
Você não precisa carregar o fardo sozinha.
— Eu sei.
Ela escolheu as próximas palavras com cuidado. — Eu sei que
não é fácil... ser vulnerável. Mas você pode ter sentimentos. Você
pode ficar confusa, magoada e com raiva. O que quer que você
sinta, é válido.
Mas balancei minha cabeça. — Toda vez que eu
fico vulnerável, me machuco. Toda vez que eu amo, eu perco.
Ivy franziu a testa, me encarando com um olhar. — Você não
me perdeu. Sra. Bennet. Seu pai.
— E confiar em alguém é perigoso. Porque quanto mais eu amo,
mais chances tenho de me machucar. Quanto mais me abro, mais
desamparada fico. Por que não tenho permissão para me proteger
contra isso?
— Porque você não está se protegendo, está fugindo. E essas são
duas coisas muito diferentes.
Eu não tinha resposta para isso. Minha garganta apertou
dolorosamente, e eu engoli para liberá-la.
— Eu sei que você pensa que pode se planejar para o perigo, mas
quando você está constantemente procurando algo que vá dar errado,
inevitavelmente dará. Você se torna a mestra de uma profecia auto-
realizável. E eu tenho um pequeno segredo para você. — Ela fez uma
pausa, esperando até eu encontrar seus olhos. — A incerteza faz parte
da vida. Você não pode se planejar para isso. Você não pode se
preparar. Não havia como você ver Wendy chegando.
Lágrimas atingiram meu nariz. — Então, o que eu devo fazer? —
Eu implorei, minha voz tremendo e tensa. — Como eu devo reagir?
Porque não conheço outra maneira.
Ela alcançou minha mão e a cobriu com a dela. — Você
não pode fugir e lutar contra isso. Você não pode
congelar com a indecisão e pensar demais até a morte.
Às vezes, não há resposta certa nem errada. O único
jeito é ter fé.
Fé. Confiança total, mas em quê? Na vida? Em Luke?
A vida não tinha sido boa, mas tinha me dado muito também. As
palavras do meu pai ecoaram nos meus ouvidos – sacrifique o medo
pela esperança.
— O que quer que aconteça, Tess, vai dar certo. Luke não faria de
outra maneira. Você tem que saber isso.
Eu assenti para nossas mãos. — Eu sei, — eu disse, a verdade
disso deslizando sobre mim, para dentro de mim, aquecendo meu
coração e colocando uma lágrima em curso na minha bochecha.
— Você tem que ter fé nele, — ela insistiu. — Acreditar que vai
dar certo, apesar do quanto dói chegar lá.
A esperança brilhou silenciosamente em mim. Imaginei-me
abandonando meu medo. Eu podia ver, minha confissão de
sentimentos, nossa reunião. Imaginei como seria vê-lo sorrir, ver o
alívio em seu rosto, sentir o alívio em meu coração e o peso de seus
braços em volta de mim. Por toda a minha indecisão, por toda a minha
incerteza e medo, uma verdade permaneceu, inabalável.
Luke era tudo que eu queria. Não havia escolha a ser feita – nunca
houve. Estava claro e fresco pela primeira vez depois de dias passados
vagando pelo nevoeiro.
— Eu tenho que contar a ele, — eu disse, pegando no meu
bolso o meu telefone. — Você acha que ele vai falar
comigo?
Ivy sorriu. — Oh, acho que ele vai falar muito com
você.
Meu lábio inferior deslizou entre os meus dentes enquanto eu
escrevia uma mensagem.
Ei, se você tiver um minuto, você acha...
Eu apaguei e comecei de novo.
Me desculpe por não ter entrado em contato...
Você está ocupado? Eu queria...
Ivy revirou os olhos. — Oh meu Deus, pare de pensar demais.
Com uma risada, meus dedos voaram enquanto eu me lembrei de
ter fé em Luke e em mim mesma, que tudo ficaria bem. Mas antes que
eu apertasse enviar, Ivy respirou fundo.
Meu olhar se voltou para o rosto dela, mas o dela estava trancado
atrás de mim. A julgar pela expressão dela, imaginei quem estava lá
antes de olhar, meu pescoço girando lentamente, deliberadamente,
para encontrar Wendy Westham.
Ela parecia menor, mais fraca do que eu a tinha visto. A quentura
em seus olhos se foi, substituída por uma tristeza silenciosa, as mãos
entrelaçadas na frente dela. Ela parecia quebradiça. Frágil.
— Eu... desculpe incomodá-la, Tess. Podemos conversar um
pouco?
O medo endireitou minha coluna – não dela, mas do que ela
poderia dizer. Havia notícias em sua língua, e eu tinha certeza
de que não importa o que ela falasse, as coisas
inevitavelmente mudariam.
A incerteza faz parte da vida. Tenha fé.
Tentei sorrir contra a minha ansiedade, limpando as mãos no
avental enquanto me levantava. — Claro.
Ivy pegou alguns vasos e foi em direção à frente. — Deixe-me
levá-las a Jett para a entrega.
Um momento depois, ela se foi, e Wendy e eu estávamos
sozinhas.
Eu não sabia como começar, o que dizer, e parecia que ela
também não. Por um momento, ficamos ali paradas, com nossos
pensamentos zunindo e nossas bocas firmemente fechadas.
E então ela falou. — Fiz muitas coisas na minha vida das quais
não me orgulho, e quase todas elas fiz com Luke. — Ela respirou
fundo e segurou meus olhos. — Eu o amo, sempre amarei, mas
continuo machucando-o repetidamente. E ele sempre esteve lá, apesar
de tudo. Até agora. — Sua garganta trabalhou enquanto ela engolia.
— O bebê não é dele.
Meus pulmões contraíram, esvaziaram como se eu tivesse sido
chutada no peito. Naquele momento, percebi que havia me
convencido de que o filho era dele, que tudo o que ele e eu tínhamos
que enfrentar, teríamos que enfrentar com um filho e sua ex-esposa
entre nós.
De alguma forma, o conhecimento de que ela mentira sobre
algo tão sério era mil vezes mais chocante.
— Por quê? — Eu respirei. — Por que você faria
isso com ele? Com os Bennets? Comigo?
Ela engoliu em seco, o rosto tenso de dor e
arrependimento. — Porque eu não sabia mais o que fazer. Você...
você tem que entender – eu sei que você já viu por si mesma. Ele é
meu lugar seguro. Não importa o que aconteça, ele está sempre lá. O
homem que gerou esse bebê não o quer e não me quer. Eu... eu nunca
fui capaz de me sustentar, e agora? O futuro deste bebê depende de
mim, e não sei se posso provê-lo. Então fiz a única coisa que sabia
fazer: vim até Luke. Porque eu sabia que ele cuidaria deste bebê e de
mim. Eu pensei que talvez ele pudesse até me amar de novo. Mas eu
estava errada. Não sabia que ele estava apaixonado por você.
Minha mão havia chegado aos meus lábios, meus pensamentos
tropeçando em si mesmos.
— Eu vim aqui para fazer as pazes. Para te dizer a verdade. Você
merece saber que ele não fez nada de errado, exceto confiar em mim.
Desde que eu o conheço, ele só me rejeitou uma vez antes de você –
quando eu o traí. Quando eu ligava, ele sempre vinha. Quando eu
precisava dele, ele estava sempre lá. Ele tem sido a coisa mais
constante e verdadeira da minha vida, a minha vida inteira. Mas ele
não é meu, não mais. Ele é seu.
Ela deu um passo em minha direção, com os olhos brilhando de
dor.
— Por favor, não deixe meus erros impedirem você de amá-
lo. Porque ele merece estar com alguém que lhe dará o que eu
nunca pude.
Minha mão caiu ao meu lado. — Ele disse para
você vir aqui?
— Não. Ele não sabe que estou aqui. Mas devo muito a ele,
Tess, mais do que posso compensar. Estou aqui porque devo a ele
consertar o que quebrei, limpar seu nome. Luke disse que eu tenho
que fazer isso sozinha, e ele está certo. É hora de seguir em frente. —
Ela colocou a palma da mão na barriga.
Algo sobre o olhar em seu rosto, o tom de sua voz, a gentil
honestidade escrita em todo o seu corpo me atingiram profundamente
nos recessos do meu coração. Ela estava sozinha e com medo, e ela
veio até Luke. Ela procurou segurança, e por mais que eu odiasse o
que tinha acontecido e como aconteceu, descobri que não podia odiá-
la por isso.
Ela não era má. Ela estava com medo. Mas não para si mesma.
Para o filho dela.
O que ela fez, ela fez pelo bebê. E essa era uma verdade pela qual
eu poderia encontrar perdão.
— Você não terá notícias minhas de novo, — prometeu Wendy.
— Não vou interferir e, assim que falar com a Sra. Bennet, estarei fora
de suas vidas. Faça-o feliz, Tess. Ele merece. — Ela ofereceu um
pequeno sorriso, inclinando a cabeça enquanto se virava e se afastava.
Minha mente bobinou.
Desde que eu conheci Luke Bennet, acreditei que ele era
volúvel e imprevisível, não confiável e irresponsável.
Mesmo nos últimos meses mantive esse núcleo de
dúvida, a velha ideologia nunca indo embora.
Mas eu estava errada – ele era exatamente o oposto. Ele era
gentil e garantia medidas de certeza absoluta. Ele se sacrificava
pelos outros, mesmo quando isso lhe custava caro. Ele assumia a
responsabilidade por coisas que não lhe eram responsáveis. Ele era
firme e seguro de maneiras que eu nunca pensei que ele pudesse ser,
de maneiras que trouxeram Wendy através do país estritamente para
buscar segurança nele. Se o bebê fosse dele, ele teria feito qualquer
coisa, tudo para prover. Mesmo agora, mesmo tendo suportado o que
ela o fez passar, eu acreditava que ele tentaria ajudá-la, faria o que
pudesse para garantir sua segurança.
E se eu desse a ele uma chance, ele faria o mesmo por mim. Mais,
se eu permitir.
Eu queria permiti-lo. E eu queria dar a ele tudo o que ele havia me
dado.
Ivy correu para os fundos, de olhos arregalados e costas rígidas,
mas antes que ela pudesse fazer alguma pergunta, eu agarrei suas
mãos, sorrindo.
— Preciso da sua ajuda.
— Qualquer coisa, — disse ela rapidamente.
— Me ajude a dizer a Luke que eu o amo.
E seu próprio sorriso se espalhou. — Eu pensei que você
nunca pediria.
25
Momentos

Luke
Todo o clã Bennet estava esquisito.
A propensão dos Bennets por fofocas – sobre Wendy, eu presumi
– era a causa. Toda vez que eu entrava em uma sala, era para sussurros
que explodiam em conversas muito altas. Eu estava sendo
sistematicamente guiado durante o meu dia, em um esforço para me
manter fora da loja. Meus irmãos desapareciam em intervalos. Minha
mãe me conduzia pelo nariz, citando minha promessa de compensar
minhas transgressões, uma ferida sobretudo recente depois que Wendy
apareceu para conversar com ela. Elas se despediram com um abraço
choroso e, depois, fiquei surpreso que os Bennets não tivessem
surgido com um bolo pré-encomendado e servido um bom
uísque para comemorar a ocasião. Em vez disso, mamãe
passou os braços em volta da minha cintura,
enterrando o rosto no meu peito enquanto chorava. Em
parte de alívio, eu tinha certeza. Mas suas palavras só falavam de
seu orgulho de mim.
Isso e o desejo dela de que eu voltasse com Tess.
Mas esse era o problema. A única coisa que eu poderia fazer era
esperar, e isso estava me levando à beira da loucura. Eu pedi para vê-
la, mas ela me deu um vácuo. Queria que ela soubesse por mim as
notícias sobre Wendy, mas não através de mensagens de texto. Eu
precisava vê-la.
Mas eu tinha perdido o direito. E a essa altura, ela provavelmente
já tinha ouvido falar através de um dos meus irmãos. Nenhuma chance
de que as notícias não iriam se espalhar como fogo.
Naquela noite, eu estava deitado no beliche superior com Kash
roncando abaixo, telefone na mão e as mensagens de Tess na tela.
Havia tantas coisas que eu queria dizer. Mas eu não poderia dizer
nenhuma delas. Não se eu a quisesse de volta.
E eu a queria de volta. Eu a queria tanto de volta, mas não tinha o
controle. O pensamento de perdê-la era uma dor ardente em meu
peito, o conhecimento de que estava em grande parte fora de minhas
mãos me paralisava.
Mas eu sabia do que ela precisava. Eu poderia ser paciente. Eu
poderia dar a ela espaço. Porque eu acreditava no meu amor por
ela e tinha fé que ela voltaria para mim. Então, em vez de
digitar todas as palavras do meu coração, eu desliguei o
telefone e tentei dormir.
Quando acordei, foi com o mesmo sólido
sentimento de esperança de quando eu fui dormir, vivo e tangível
no meu peito. Na verdade, estava mais forte, mais vital do que
tinha estado desde que tudo foi desvendado. Talvez fosse porque eu
não estava mais interessado em Wendy, ou talvez porque meu nome
tinha sido limpo.
Ou poderia ser a esperança desencadeada pelo acordo da Natalie
de ir à loja falar comigo sobre potencialmente trabalhar com a revista
novamente. Isso é, se eu pudesse convencê-la, o que eu tinha certeza
que sim.
Mas hoje eu pude sentir uma mudança. Eu só esperava que fosse
na direção que eu queria.
Kash já tinha saído, e eu vesti as roupas e desci as escadas,
interrompendo outra sessão de sussurros dos Bennets. Minha mãe,
Laney e Jett se separaram com sorrisos cômicos nos rostos.
Cruzei os braços e dei um sorriso preguiçoso. — O que vocês
estão sussurrando?
— Nada! Nada, Lucas, — mamãe disse, flutuando pela sala com
um rubor manchando suas bochechas. — Você dormiu bem? Está com
fome? Laney, pegue os donuts. Temos do Blanche’s. Você aceitaria
alguns do Blanche’s?
Eu olhei para ela enquanto pegava a isca, — Sem tempo.
Estou indo para a loja.
O rosto dela se abriu como eu imaginei. — Oh, não
– você precisa tomar café da manhã primeiro! Eles não
precisam de você lá em baixo, não, ainda não. — Ela
colocou a mão pequena no meu cotovelo e me puxou em direção à
mesa.
Foi como na vez em que eles tentaram me fazer uma festa
surpresa. Os Bennets eram péssimos com segredos – todos, exceto
Marcus e papai, pelo menos.
— Não estou com fome, mas obrigado, mãe. — Eu retirei a mão
dela no mesmo movimento em que beijei o topo da cabeça dela. —
Natalie está vindo à loja para falar sobre a matéria, e eu preciso vê-la
em breve. Quero ter certeza de que tudo está bem lá em baixo antes
que ela chegue aqui.
Os três trocaram um olhar preocupado.
Mamãe agarrou meu braço novamente enquanto Laney pegou seu
telefone e entrou na cozinha.
— Bem, se você tiver que ir, eu irei com você, — mamãe insistiu.
— Apenas deixe-me colocar meus sapatos.
Os quinze minutos seguintes foram gastos por minha mãe.
Primeiro com um caso de sapatos desaparecidos – seus favoritos para
sua roupa, ela insistiu. Então, uma busca por um suéter, mesmo que
estivesse quase trinta e dois graus. Opa, olha só, ela esqueceu de
tomar o remédio, o que gastou mais cinco minutos. Uma parada no
banheiro, um breve telefonema e uma pergunta a qual Laney
precisava de uma resposta urgente na cozinha, e finalmente
estávamos saindo pela porta.
— Sutil, mãe, — eu disse com um sorriso enquanto
abria a porta.
Ela sorriu maliciosamente para mim quando eu passei. — Não
é do seu feito ficar desconfiado, Lucas.
— Você seria a pior espiã do mundo, sabia?
Com uma risada, ela disse, — É verdade. Nunca tive gosto por
armas de fogo.
E então foi a minha vez de rir enquanto descíamos as escadas para
a calçada, virando para a loja. Eu olhei para cima, sem saber o que
esperar.
Foi quando eu a vi.
Tess estava na frente da porta turquesa, a luz do sol brilhando em
seus cabelos ruivos, cintilando-os como uma moeda nova. Seus olhos
aveludados estavam iluminados com esperança e desculpas enquanto
ela ficava parada diante de mim, esperando por mim.
— Ouça-a, Lucas. E diga a ela como você se sente, — mamãe
disse gentilmente, apertando meu braço antes de soltá-lo.
Dirigi-me para Tess com uma confissão, uma profissão, uma
admissão nos lábios, mas antes de alcançá-la, ela se aproximou de
mim para pegar minha mão e me direcionar para a vitrine, virando-me
para encará-la.
Meus lábios se abriram com admiração quando observei a
exibição – eu só tinha visto Tess até então.
Escrito nas duas vitrines em flores estavam as
palavras O Amor acontece em momentos. E eu me aproximei,
notando fracamente que a mão dela caiu.
Em cada vitrine havia três vinhetas, marcadas por placas
seguradas com quadros de rolagem. Momentos, momentos em que
vivemos, momentos em que vivi com ela, momentos em que a amei.
O primeiro era uma pequena pilha de feno com nosso cobertor jogado
sobre ele, uma garrafa de uísque e dois copos em exibição ao lado de
uma placa que dizia: Quando você me beijou pela primeira vez. A
escada da qual ela caiu: Quando você salvou minha vida. O balanço
que eu fiz para ela: Quando você roubou meu coração. Pés dormentes
me levaram até a outra vitrine, onde três de nossas caixas de
suculentas estavam penduradas. Às vezes, as coisas dão certo, dizia a
placa, e ao lado havia um pedaço de nossa instalação quebrada. E às
vezes não.
No final, havia um espelho, sua elaborada moldura dourada
esculpida em espirais e ondas. Nas curvas dos arabescos, ranúnculos
cremes e pêssegos sobre folhas verdes.
Olhei para o meu reflexo, depois para a placa embaixo do
espelho.
Mas enquanto eu tiver você, nada mais importa.
Tess se moveu para o meu lado e, por um longo momento, eu
memorizei a nossa visão no espelho, a visão emoldurada por
flores, o acerto disso atordoante.
Ela virou. Eu encontrei ela. Olhei para o rosto que
eu tanto amava e todas as coisas que eu queria dizer se resumiam a
uma.
— Eu te amo, — eu disse, minhas mãos emoldurando seu rosto,
inclinando-o para o meu.
Uma risada escapou dela, seus olhos brilhando com lágrimas. —
Espera, essa era a minha fala.
Mas eu sorri sem um pingo de arrependimento. — Você fez tudo
isso por mim?
— Porque eu te amo, Luke Bennet, — disse ela, sorrindo
enquanto falava as palavras que me mudariam para sempre. — Você
pode me perdoar pelo meu medo, se eu prometer ter fé sempre?
Respirei fundo o que a atraiu até mim, e a respondi com um beijo,
pressionando meus lábios nos dela em uma delicada junção de decisão
e afirmação. E eu a beijei com todos os cantos do meu coração e alma
abertos em oferendas.
Ela derreteu em mim, seu corpo pressionado contra o meu, o
espaço entre nós se fora, mesmo quando eu quebrei o beijo.
— Sinto muito, Luke. Eu estava com tanto medo – com medo do
nosso futuro, com medo de te perder – e não posso... não quero... —
sua voz falhou.
Eu toquei sua bochecha, o espaço sob a palma da sua mão no
meu peito doendo. — Shh. Por favor, não se desculpe, — eu
sussurrei.
— Você me disse que nada importa, desde que
tenhamos um ao outro, e você estava certo. Perder você deixaria
uma ferida que nunca se curaria. Nada importa, desde que eu tenha
você.
Com um suspiro, fiz uma promessa. E com um beijo, eu a selei.
— Eu sou seu, — eu disse contra seus lábios antes de tomá-los.
Para sempre estava escrito naquele beijo.
Quando finalmente quebrou, olhei para ela, afastando os seus
cabelos do rosto com um sorriso no meu. — Eu sabia que eles
estavam me escondendo algo, mas eu não tinha ideia de que você
tinha feito tudo isso.
Tess riu. — Nós traçamos o plano ontem. — O sorriso dela
desapareceu. — Eu sinto muito. Pelo que você passou nos últimos
dias. Eu deveria estar lá por você.
Mas balancei minha cabeça. — Eu também não sabia como lidar
com isso e não culpo você por precisar de tempo.
Ela olhou para mim maravilhada. — Qualquer outra pessoa
ficaria furiosa comigo por empurrá-la para longe, como eu fiz.
Uma risada. — Ficamos separados por quatro dias. É verdade que
foram quatro dos dias mais longos da minha vida, mas você precisou
de alguns dias para processar minha ex-mulher contando a uma sala
cheia de pessoas que ela estava grávida do meu bebê. Você não
estava sendo irracional e não tem nada a que se desculpar. E
Wendy não vai nos incomodar novamente. Você estava
certa, Tess. Ela sempre me manipularia, e eu deixaria. Mas não
mais. Eu prometo a você isso.
Uma expressão tímida tocou seu rosto, iluminou suas bochechas.
— Wendy veio aqui ontem. Ela me contou tudo, e depois de conversar
com sua mãe... bem, pensamos que talvez houvesse uma maneira de
ajudá-la, afinal. Precisamos de um conjunto extra de mãos, e ela
precisa de um emprego estável com seguro e um empregador que
entenda sua situação, que pode ser flexível se ela precisar tirar alguns
dias de folga. Queremos dar uma chance a ela, se você concordar.
Eu analisei o rosto dela. — É isso mesmo que você quer?
— Sim. Eu acredito nela. E eu quero ajudá-la.
— Então eu estou dentro.
— Todo dentro? — ela perguntou com um sorriso de soslaio.
— Todo dentro. — Meus olhos traçaram todos os planos e
ângulos de seu rosto. — Não acredito que você está aqui. Não acredito
que você voltou para mim.
— Oh, eu não fui longe, — disse ela rindo. — Eu amo você, Luke
Bennet. E eu não vou a lugar nenhum.
Ela apertou os braços em volta do meu pescoço e eu me inclinei,
sabendo exatamente o que aconteceria antes que acontecesse. Eu sabia
o momento em que nossos lábios se encontrariam, sabia como ela
provaria. Eu conhecia a suavidade de seus lábios e as curvas
familiares de seu rosto, encaixado na minha palma. Eu a
conhecia. E naquele momento, eu percebi que ela
sempre voltaria, e eu sempre estaria esperando.
Porque o jeito que eu a amava nunca iria desaparecer. E tão
segura quanto ela estava em meus braços, eu estava seguro nos
dela.
Nós enrolamos juntos, um emaranhado de braços, corpos ardentes
e beijos se aprofundando. Deus, como eu senti falta dela. E por um
momento, entreguei-me à alegria de encontrar o que pensava ter
perdido.
Aplausos foram o que quebrou o beijo com um estalo chocado.
Gritos, assobios e palmas vieram dos nossos arredores, nossos rostos
surpresos girando para todo o clã Bennet, o pai de Tess, Ivy sob o
braço maciço de Dean, todos nos observando com olhos lacrimejantes
e bochechas coradas. Corando, nos viramos para eles, embora ela
ainda estivesse acolhida ao meu lado. Eu não podia deixá-la ir, não
queria um milímetro entre nós. Tess riu, inclinando-se em mim, o peso
da mão dela no meu peito como uma âncora, amarrando-me à terra
enquanto observava os rostos felizes daqueles que nos amavam.
Quando cheguei ao fim da fila, percebi, sem grande surpresa, que
Natalie estava na beira do grupo e uma fotógrafa estava ao lado dela.
Mas eu não conseguia ver o rosto da garota – sua câmera estava
apontada para nós, o obturador piscando.
Tess também a viu e respirou fundo. — Aquela é...
— Eu esqueci que ela estava vindo assim que eu te vi. Era
para ser uma surpresa.
— Bem, — disse ela, endireitando a coluna, —
vamos ver se temos uma chance.
Antes que pudéssemos conversar com Natalie, fomos cercados
pela nossa família e amigos. Mamãe estava chorando, choramingando
e se revezando, segurando nossos rostos e nos abraçando. Papai
apenas sorriu orgulhosamente do fundo da multidão, com os olhos
cheios de emoção e as mãos nos bolsos. Meus irmãos e irmã estavam
fazendo piadas, rindo, abraçando e apertando ombros, como era do
nosso feito. Tess estava abraçando o seu pai, beijando o topo da
cabeça dele. Seu aperto era de ferro, seu sorriso de lado, sua bênção
singela.
E no segundo que pude, coloquei a mão nas costas de Tess e
acenei para Natalie.
Ela estava em pé, sorrindo na calçada, enquanto a fotógrafa tirava
fotos da frente da loja. Quando nos aproximamos, ela ofereceu uma
mão e um sorriso.
— Bem, não esperávamos tudo isso, mas que surpresa agradável,
— disse ela, apontando para as vitrines.
— Eu sei exatamente como você se sente. — Eu olhei para a
fotógrafa. — Apesar de eu não achar que fossemos fotografar.
— Foi perfeito demais para não. Nós não preenchemos a vaga,
então eu esperava que ainda pudéssemos fazer a matéria, se você
estiver interessado. Sei que depois do outro dia você pode não
querer...
— Nós vamos fazer isso, — eu interrompi. — Mas
esta não é a instalação que você pediu.
— Não é, mas essa história é ainda melhor. A família Bennet
se reúne para salvar o legado da família. Como Luke Bennet e Tess
Monroe trouxeram a floricultura falida de volta dos mortos e
encontraram amor em algum lugar ao longo do caminho. Eu gostaria
de colocar vocês dois como o centro do artigo. O que vocês acham?
Olhei para Tess, esperando por ela, com a certeza de que ela
recusaria uma exposição tão pública.
Mas, para meu choque total, ela sorriu amplamente e disse, —
Acho que parece brilhante. — Ela olhou para mim, cheia de esperança
e amor. — O que você acha?
— Tess, quero dizer ao mundo inteiro o quanto eu te amo, e isso
parece um meio tão bom quanto qualquer outro.
E ela riu de mim o máximo que pôde antes que eu a beijasse.
26
Faça Um Desejo

Tess
O dia foi um turbilhão.
Os Bennets se uniram, cuidando da loja, enquanto a fotógrafa
seguia Luke e eu por aí enquanto tínhamos um dia típico na vida da
Longbourne. Luke e eu cortamos flores, baldes e mais baldes. Fiz
alguns arranjos enquanto o obturador clicava. Fomos ao armazém e
fingimos trabalhar nas coisas, o que consistia principalmente em Luke
usando ferramentas elétricas sem propósito algum e nós dois
brincando com algumas das antigas instalações como se fossem novas.
Enquanto enchíamos nossos rostos com pizza, a fotógrafa fotografou o
resto dos Bennets em seus habitats naturais – Sr. Bennet e Kash na
estufa, a Sra. Bennet na frente com Jett, Laney tirando fotos
com o telefone e perturbando Marcus, que parecia
extremamente deslocado e perfeitamente ele mesmo
em um terno preto como a meia-noite.
Todos pareciam igualmente satisfeitos e exaustos quando
terminamos no início da tarde. A senhora Bennet retirou-se para
descansar, e o resto do grupo se dispersou. Eu mergulhei no trabalho
com Ivy e pensei que Luke sairia para fazer entregas. Mas ele não
parecia querer se separar de mim e, por isso, eu estava em êxtase.
Quatro dias sem ele havia sido muito tempo.
Fechamos a loja ao entardecer e nos despedimos de todos, nós
sendo os últimos, como sempre.
E quando ficamos sozinhos, foi como se o tempo não tivesse
passado, como se nada tivesse mudado. Exceto que tudo tinha, e da
melhor maneira.
Suspirei alegremente quando ele trancou a grade e a porta da
frente. A posse que eu sentia por ele percorreu meus ossos enquanto
eu media a largura de suas costas, marcando os lampejos de sua
mandíbula. O cuidado que ele teve, o amor que ele deu a esta loja, a
sua família, a mim. Nesse homem havia um coração grande demais
para se conter, com paciência e amor além dos limites da
compreensão. E ele era meu.
Nunca me senti tão feliz. Não em toda a minha vida.
Quando ele se levantou, ele se virou para mim com aquele sorriso
no rosto, aquele que uma vez me enfureceu simplesmente porque
eu pensei que nunca poderia ser meu. Aquele que agora me
iluminava como uma pira, dedicada ao meu amor por
ele.
Ele pegou minha mão e veio até mim. Meu queixo
se levantou para que eu pudesse segurar seus olhos.
— Eu te amo, — eu disse.
— Bom, porque eu também te amo.
O roçar de seus lábios contra os meus era muito macio, muito
dolorosamente adorável.
— Vamos lá, — disse ele, me rebocando para trás.
Eu ri, trotando para acompanhar. — Podemos ir à minha casa,
você sabe.
— Eu sei. Mas este... este é o nosso lugar.
A simplicidade das palavras não enfraqueceu seu peso. E eu o
segui pela estufa iluminada pela lua, carregada por uma nuvem de
perfume, esperanças e a luz das estrelas.
O armazém estava escuro, mas ele sabia o caminho. Minha mão
estava perdida dentro da dele, sua mão livre estendida em nossa frente
nos guiando. Quando as luzes douradas dos pisca-piscas iluminaram o
espaço, parecia que estávamos em um sonho. Os dentes de leão que
ele havia feito nos cercavam entre os móveis e molduras familiares,
cestas e caixotes. E lá no meio estava nossa pilha de feno, o lar da
minha felicidade e alegria.
Aqui. Foi aqui que eu me apaixonei. Foi aqui que eu aprendi a me
soltar. Foi aqui que eu me encontrei e onde encontrei o homem
que mudou minha vida.
Quando ele me beijou novamente, não foi um roçar
ou uma vibração. Foi uma reivindicação. Ele me
capturou com os braços, os lábios. Com as mãos, tão
fortes enquanto ele me deitava. Com os quadris, tão insistentes.
Não foi lento, embora deliberado – a maneira como ele me despiu,
a maneira como ele me tocou. A maneira como ele me beijou
sussurrou uma palavra para mim, e meu coração ecoou outra de volta.
Minha, disse o corpo dele.
Sua, o meu respondeu.
E ele aceitou a oferta que eu dei com uma declaração de coração,
uma promessa de si mesmo, uma que eu sabia que era para sempre.
Para sempre. Eu sabia sem saber que ele era meu para sempre.
E eu não desperdiçaria um minuto.
Nenhum.
27
Imagine Isso

Luke
Tess riu contra o meu peito e eu a puxei um pouco mais para
perto, o mais perto que podíamos chegar sem tropeçar e comer
calçada.
— Sério, por mais que eu goste da pilha de feno, podemos dormir
na minha casa hoje à noite? — ela perguntou. — Vou tirar feno do
meu cabelo por uma semana depois de dormir lá na noite passada.
— Você diz isso como se fosse novidade.
— Eu sei, mas agora temos outra opção. Meu quarto fica do outro
lado do apartamento, e papai não apenas dorme como uma pedra, ele
também tem uma máquina de ruído branco. Por favor? — Ela
estava quase choramingando. — Apenas pense: lençóis e
travesseiros limpos e uma cama macia e agradável que
não nos causa coceira.
— Você tem certeza que seu pai está bem com isso?
— Ele diz que está. Tenho certeza de que ele não está
pensando nisso com muitos detalhes.
Eu ri. — Deus, espero que não.
— Honestamente, acho que ele está tão feliz com a perspectiva de
nós e de eu não acabar como uma solteirona, ele concordaria com
praticamente qualquer coisa.
Eu beijei o topo da cabeça dela. — Tudo bem, vamos dormir na
sua casa, mas se eu acordar com um rifle apontado para mim, saio em
um piscar de olhos.
Isso me ganhou uma risada e um aperto de seus braços em volta
da minha cintura. — Eu vou trancar as balas dele pelo menos.
— Aprecio isso.
Viramos a esquina em direção à loja e à casa dos meus pais, onde
o jantar com minha família esperava. Nas últimas trinta e seis horas,
Tess e eu ficamos separados por um período de quarenta e cinco
minutos, para que pudéssemos tomar banho e lidar com nossas
famílias. Bem, eu lidei com a minha e corri para a casa dela o mais
rápido que pude.
Parte de mim se preocupava que fosse tudo um truque da mente,
que eu bateria na porta dela e ela teria sumido ou seríamos jogados
para alguns dias atrás, quando tudo estava suspenso no ar, quando
estávamos esperando para ver o que aconteceria quando as
fichas caíssem. Mas ela atendeu a porta, corada e
sorridente, cabelos úmidos e cheirando a flores.
Era como se ela fosse composta de flores. Rosas,
vermelhas e espinhosas, delicadas e perigosas. E de alguma forma,
eu tinha libertado o meu caminho através dos arbustos para me
perder na beleza aveludada dela.
Subimos os degraus e atravessamos a porta ao som do caos que
era minha família. Eles estavam sentados à mesa, seus rostos virando
para nós quando entramos, seguidos por um coro de aplausos. O jantar
estava fresco na mesa, e então nos apressamos para sentar, de alguma
forma conseguindo cumprimentar simultaneamente seis pessoas no
processo.
— Bem, devo dizer, — começou minha mãe, — a visão de vocês
dois aquece meu coração velho e debilitado. Não consigo imaginar
por que vocês esconderam de mim esse tempo todo.
Kash bufou uma risada, enfiando um bocado de batatas na boca.
— Claro, porque você não iria se intrometer e ficaria completamente
na sua, certo?
Mamãe fez um barulho irônico. — Não fale de boca cheia,
Kassius. E eu teria sido a própria imagem da restrição.
Laney riu. — Seu primeiro item da lista teria sido marcar a data
do casamento.
Mamãe olhou para ela. — Um dia você terá uma ninhada de
filhos e depois entenderá. Você pode culpar uma mãe por querer
que seus filhos sejam felizes e encontrem amor?
— Só se ela é incessantemente intrometida e faz
você sair com Jenny Arnold, — Marcus brincou.
Com um aceno de mão na direção dele, mamãe
disse, — Jenny Arnold é uma menina doce. Não se preocupem.
Verei todos vocês felizes no amor e a caminho do altar mais cedo
ou mais tarde. Se vocês não achavam que eu tinha Tess guardada para
um de vocês, vocês nem me conhecem. — Ela encontrou meus olhos,
me uma piscadela que acho que ninguém mais viu.
Tess sorriu ao meu lado, pegando minha mão.
— Agora, eu me pergunto qual de vocês será o próximo? —
Mamãe disse, sorrindo de lado enquanto examinava a mesa.
— Eu não, — disse Kash em torno de um bocado de pão.
Um eco de eu não, fez as rondas. Certamente Jett foi o último
simplesmente pelo olhar de aviso que atirou em mamãe, que todos
sabíamos que era tão útil quanto um guarda-chuva em um furacão.
Mas segurei a mão de Tess e encontrei seus olhos. O sorriso dela
pressionou um beijo no meu coração.
E o para sempre começou.
Epílogo
Tess
O estouro do champanhe soou com um estalo e gritos de
comemoração enquanto estávamos na calçada da Longbourne, muitos
de nós sorrindo para a nova placa.
As últimas seis semanas haviam sido um turbilhão de ação
inebriante, juntamente com um estabelecimento da rotina. E isso – a
elevação da nova placa – parecia marcar ao mesmo tempo o fim e o
começo.
Senhora Bennet levantou o copo. — A Longbourne e todas as
pessoas que a amam e cuidam dela. Que ela floresça eterna.
Hip hip hurra! nós demos vivas e tomamos nossos goles de
solidariedade.
Inclinei-me em Luke, seu braço em volta da minha cintura e um
sorriso no rosto. Eu sorri de volta para ele.
— Mostre a ela, — eu disse silenciosamente.
Com um aceno de cabeça e o mais breve dos beijos, ele me
soltou para alcançar o bolso de trás. — Mãe, eu tenho
algo que você pode querer ver.
Ela olhou para as mãos dele enquanto ele
desenrolava a última edição da revista Floral. Um arfar, e ela
estava chorando, passando seu champanhe para o Sr. Bennet com
os olhos presos na capa.
Longbourne se mantinha alta e orgulhosa com aquele azul
vibrante que Luke havia pintado a porta pulando da página. A
instalação cantava na capa, as palavras O Amor acontece em
momentos através das vitrines emolduravam perfeitamente o topo da
página. E no meio estava eu e Luke, meus braços em volta da sua
cintura e os dele em volta dos meus ombros. Estávamos rindo, como
de costume, o momento sincero fazendo meu coração pular no peito.
Sra. Bennet não conseguia falar, sobrecarregada enquanto
folheava as páginas até a matéria da loja. O artigo estava intitulado
Coming Up Roses18 ao lado de uma foto na página inteira de Luke e
eu na estufa, braços cheios de flores e sorrisos infinitos.
Este foi o momento em que ela começou a chorar.
Luke a puxou para o lado dele em quanto ela passava página após
página. A última página da matéria era toda a família Bennet, com a
Sra. Bennet no meio, segurando um buquê de rosas em tons de fúcsia.
Com isso, ela se virou para o peito de Luke e chorou abertamente e
sem um pingo de vergonha.
O artigo recontava a história da Longbourne, a partir de seu
estabelecimento e seu legado. Seu declínio e seu ressurgimento.
O trabalho que tínhamos feito, as vitrines e os arranjos

18 Coming Up Roses: Significa “Um Mar de Rosas” em Inglês.


inovadores. E no centro de tudo isso havia um tema que
ninguém poderia negar.
Amor.
O amor de uma família. Um amor pelo crescimento e pela
criação. O amor que Luke e eu havíamos encontrado juntos, nossa
parceria provocando mudanças que atravessaram a Longbourne como
um incêndio.
Os Bennets observavam a matriarca, os rostos tomados pela
emoção. Ivy e Dean estavam do lado, assistindo como eu, porque os
Bennets eram sua própria entidade, seu próprio animal, seu vínculo
tão forte e certo que todo o resto era deixado de fora sem intenção.
Mas nós os assistimos com o amor em nossos corações tão feroz
quanto o deles.
E logo depois de Ivy estava Wendy, com os olhos brilhando e um
sorriso suave.
Tivemos que batalhar para convencê-la a vir trabalhar na loja. Eu
não vou mentir – eu estava mais do que um pouco preocupada em tê-
la lá. Mas ela não era apenas gentil e cheia de deferência, mas ansiosa
e animada para aprender. O conjunto extra de mãos me deu mais
tempo para projetar as vitrines e criar buquês sazonais especiais, que
por sua vez aumentaram nossas entregas.
Meu olhar voltou para Luke, meu orgulho dele me
iluminando por dentro. Em poucas semanas, ele começaria o
curso profissionalizante sendo o primeiro passo para
obter a sua licença de empreiteiro. Ele poderia
aprender coisas novas, o que era seu passatempo
favorito. E no segundo que ele decidiu, ele se jogou em uma
remodelação do meu banheiro para conectá-lo ao meu quarto, nem
mesmo fingindo que não era para seu próprio benefício.
A segunda vez que meu pai o pegou em uma toalha no corredor
foi a gota d'água.
E quanto a mim? Bem, eu propus minha ideia de livro a Natalie, e
ela me fez uma oferta na semana passada – a empresa-mãe deles
estava interessada em publicar um livro sobre arranjos florais, e eles
queriam que eu o escrevesse. Era o meu sonho se realizando.
As coisas estavam virando rosas. E todos nós sentíamos a alegria
e a esperança efervescentes que vieram junto com o sucesso.
Os Bennets convergiram ao redor da Sra. Bennet, envolvendo-a
em um amontoado de cabelos escuros e sorrisos brilhantes. E quando
eles se separaram, a Sra. Bennet estava no centro, limpando as
bochechas.
— Estou começando a achar que vocês gostam de me ver chorar,
— disse ela rindo.
Sr. Bennet sorriu para ela. — Somente quando é com muita
alegria.
Ela se inclinou nele, pressionando a bochecha no peito dele
enquanto ele beijava o topo da cabeça dela.
Todo mundo começou a tagarelar, o grupo quebrando para
voltar para dentro. Todos menos eu e Luke.
Ele pegou as duas últimas caixas de dentro da loja,
beijando sua mãe na bochecha quando passamos. Eu a envolvi em
um abraço meu.
— Cuide dele, Tess, — ela sussurrou.
— Sempre e para sempre, — prometi.
E com um sorriso de compreensão, nos separamos.
Ele carregava as caixas como se não fossem nada, mas eu podia
dizer pelas protuberâncias duras de seus bíceps que elas eram pesadas.
— Eu acho que ela gostou, — eu disse como se não fosse óbvio.
— Não sei, não podia ter certeza. Na escala da Sra. Bennet, essas
lágrimas foram, na melhor das hipóteses, sem brilho.
Uma risada escapou de mim. — Realmente, uma exibição ruim,
se eu já vi uma. Eu disse que você deveria ter proposto.
Ele me lançou um sorriso torto. — Não me tente, Tess.
Meu coração e meu estômago trocaram de lugar, meu sorriso
largo e as bochechas quentes. — Luke Bennet, se eu não te
conhecesse bem, acharia que você tinha planos.
O olhar que ele me deu fundiu meu interior. — Oh, eu tenho
planos, está bem. E quando eu implementá-los, você saberá. Mas
primeiro, dia da mudança. Tenho que garantir que você pode lidar
com o Luke que deixa as meias por aí e não fecha as gavetas.
— Você age como se não tivéssemos passado as últimas seis
semanas unidos pelo quadril.
— Unidos por algo, definitivamente nas
proximidades do quadril. — Ele balançou as
sobrancelhas quando chegamos à porta do meu prédio e
nos dirigimos para dentro. — Enfim, agora você vai conseguir o
negócio real. Luke Bennet, completo e sem adulterações. Quem
nunca pendura toalhas de mão e coloca a louça ao lado da pia em vez
de dentro dela.
Sorri para ele enquanto subíamos as escadas. — Você está
tentando me assustar?
— Não, mas sinceridade total – deixarei a roupa no cesto por um
mês, se isso significa que não preciso dobrar nada.
— Você é impossível.
— Eu sei. O que você está fazendo comigo?
— Eu me pergunto isso todos os dias.
Ele fez beicinho ao meu lado enquanto eu destrancava a porta da
frente.
Mas sorri, esclarecendo, — Se eu pudesse descobrir uma razão
pela qual você está comigo, ficaria satisfeita.
— Oh, eu vou te dar cem, Tess Monroe.
A maneira como ele falou era uma promessa ou um aviso – eu
não tinha certeza. De qualquer maneira, eu queria cada um.
— Cem, hein? — Eu me virei para o meu quarto com ele nos
calcanhares, esperando que pelo menos alguns deles envolvessem
beijos.
— Uhum, — ele cantarolou, chutando a porta para fechá-la
e colocando as caixas no chão. Ele andou até mim com
um olhar predatório no rosto que me atingiu em todos
os pontos fracos do meu corpo. — Para começar, seus
lábios são a coisa mais doce que eu já provei. Sua devoção ao que
você ama me inspira. O para sempre soava como uma gaiola, uma
armadilha, mas então você me ensinou que para sempre é uma
aventura, e quero passar cada minuto dela com você.
Eu queria contar a ele todas as razões pelas quais eu também o
amava, mas ele me beijou antes que eu pudesse. Deitou-me na cama
que compartilharíamos, no quarto onde passaríamos nossa lua de mel
e onde conceberíamos nossa própria ninhada Bennet. Eu tive um
vislumbre disso até então, um formigamento de esperança e uma onda
de possibilidades para um futuro que se tornaria realidade.
Eu viveria cada momento com alegria.
E eu o amaria com cada batida do coração, até o meu último
suspiro.

Fim

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