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Nada mesmo.
Sinopse
Tabela de Conteúdos
Dedicatória
Aviso — bwc
Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Epílogo
Obrigada
Dedicatória
AGOSTO
BECKETT
•••
NOVEMBRO
EVELYN
Bem.
Eu não estava esperando isso.
Ando de um lado para o outro no meu quarto com uma
única cama e um café da manhã de Inglewild, observando
minha sombra seguir no papel de parede floral. Jenny, a dona,
deve ter visitado meu quarto enquanto eu estava na fazenda
porque voltei para a luz de velas e biscoitos, tudo suave e
romântico.
Eu franzo a testa para uma vela de marfim e debato minhas
opções.
Eu estava em uma cama com café da manhã semelhante
naquele fim de semana no Maine. Havia flores no parapeito da
janela e um homem com arte em sua pele me prendendo na
cama, seus lábios contra meu pescoço e sua risada gutural no
meu ouvido. O mesmo homem que acabei de encontrar na
fazenda que ele aparentemente trabalha e que fui enviada para
avaliar.
Não. Estava. Esperando. Isso.
Biscoitos me tentam da bandeja de estanho brilhante no
canto. Eu pego um e deslizo o meu telefone.
Josie atende no terceiro toque.
— Você chegou lá bem?
— Nós temos um problema — eu digo com a boca cheia de
chocolate amargo e manteiga de amendoim.
— Uh oh — sua voz fica séria sobre o som da papelada sendo
embaralhada do outro lado, o tilintar de uma caneca sendo
colocada em um pires. Eu verifico a hora. Ainda é fim de tarde
em Portland. Ela provavelmente está em sua oitava xícara de
café.
— Sway reservou para você uma daquelas coisas de sala de
fuga de novo?
Dois meses atrás, minha equipe de representação pensou
que seria um conteúdo de qualidade se eu ficasse trancada em
uma sala por 45 minutos sozinha. Nenhuma preparação ou
aviso. Graças a Deus não sou claustrofóbica.
— Não. Obrigada pelo lembrança, no entanto — Josie ri e
eu desabo na beirada da cama, olhando para o prato de
biscoitos. — Cheguei à fazenda hoje
— E? Você estava animada com isso.
Eu estava animada com isso. Estou animada com isso. Uma
fazenda de árvores de Natal na costa leste de Maryland, de
propriedade e operada por uma mulher chamada Stella. Sua
história é adorável e romântica, e o pequeno vislumbre que tive
da fazenda hoje foi nada menos que mágico. Eu só não esperava
que seu fazendeiro chefe fosse o mesmo homem com quem eu
tive meu primeiro – e único – caso de uma noite três meses
atrás.
Ele havia entrado naquele bar com cabelo bagunçado, uma
camiseta branca com as mangas levemente arregaçadas e olhos
claros como vidro marinho1. Ele deu uma olhada em mim e eu
senti meu estômago cair até os dedos dos pés.
— Beckett está aqui.
— Quem?
— Você sabe — eu abaixo minha voz. — Beckett.
Eu ouço o barulho de um copo e uma série de palavrões
criativos.
— Beckett do Maine? O gostoso e tatuado Beckett? — Ela
suga uma respiração entre os dentes e quando ela fala
novamente, sua voz está três oitavas mais alta. — O Beckett do
caso de uma noite que você teve quando finalmente decidiu se
soltar?
Eu desisto e pego outro biscoito.
— Ele mesmo.
Eu contei a Josie sobre Beckett depois de muitas taças de
Sauvignon blanc, embrulhada em seu sofá como um burrito.
Eu não conseguia entender por que eu ainda estava pensando
nele meses depois. Era para ser divertido e passageiro. Uma
noite inofensiva. Sem laços.
Não é algo para reviver em uma performance de marquise
todas as noites em meus sonhos febris.
1
Trata-se de uma “gema” encontrada em regiões costeiras, que é esculpida
pela areia e pela força das marés, conferindo à peça um efeito fosco e translúcido
encantador.
Josie ri, uma gargalhada afiada que me faz puxar o telefone
para longe do meu ouvido. Eu reviro os olhos.
— Muito obrigada por seu apoio.
— Desculpa, desculpa — diz ela com uma risadinha. Ela
tenta ficar séria, mas outra risada escapa. — Quais são as
hipóteses? Ele está visitando?
— Não, ele trabalha aqui. Ele administra as operações da
fazenda — ele administra o lugar com a proprietária, Stella, e a
mulher que dirige a padaria, Layla.
Isso a desencadeia em outro ataque de risos. Eu debato jogar
o telefone pela janela.
— Acho que isso explica por que ele era tão bom com as
mãos, hein?
— Eu vou te demitir.
Nunca disse nada a Josie sobre as mãos dele, mas agora me
lembro delas em detalhes explícitos. Como sua palma cobria
toda a extensão da minha coxa. Como, quando ele flexionou os
dedos e levantou, seus bíceps fizeram algo delicioso. Ele era
exigente com elas, me guiando para a posição perfeita. A
pressão de seu polegar atrás da minha orelha. As linhas
delicadas de uma constelação que vão de seu pulso até o
cotovelo.
— Você nunca vai me demitir — diz Josie. — Como você se
divertiria?
Josie é minha assistente pessoal autonomeada desde que
completamos dezoito anos e decidi começar meu próprio canal
no YouTube. Seu papel e título foram formalizados desde
minha explosão nas redes sociais, mas seu trabalho como minha
melhor amiga continua sendo sua principal prioridade. Eu
sempre posso contar com ela para me dizer o que fazer.
É a melhor e a pior coisa sobre ela.
— Ok, vamos recapitular. Você dormiu com um estranho
gostoso em agosto. Você saiu sem dizer uma palavra e agora, em
novembro, você o encontrou novamente enquanto julgava sua
fazenda para um concurso de mídia social — Ela faz um som
divertido que eu não retribuo. — Sério. Quais são as chances?
— Eu não faço ideia.
— O que você vai fazer?
— Novamente. Eu não faço ideia.
Eu pego um fio solto na borda da colcha. Eu não posso sair.
O que eu diria aos meus patrocinadores corporativos? Desculpe,
não posso fazer esta viagem porque dormi com um dos
funcionários há três meses. Eles têm sido agradáveis nas
reuniões, mas não vejo isso indo bem.
E, mais do que isso, não tenho o hábito de fugir dos meus
problemas. Beckett foi uma escolha que fiz. Uma escolha da
qual não me arrependo, apesar das lembranças daquela noite
estarem grudadas em mim como cola. Eu estava dizendo a
verdade quando lhe disse que ele era uma boa distração. Pela
primeira vez, eu estava felizmente fora da minha cabeça. Eu ri.
Eu me diverti.
Eu me senti eu mesma.
Mas estou aqui para fazer o meu trabalho. Stella merece isso.
Lovelight Farms é tudo o que ela descreveu e muito mais em
sua aplicação. Ela merece ser finalista desta competição e
merece o reconhecimento. Tudo que eu preciso é de um
segundo para me recompor. Superar o choque de vê-lo
novamente e seguir em frente.
— O plano é… — Não tenho nenhum plano. Olho ao redor
do quarto em busca de inspiração. Acho que o plano é terminar
o resto desses biscoitos. Encontrar uma garrafa de vinho... em
algum lugar.
Há uma batida na minha porta e eu solto um suspiro. Olho
para o olho mágico com uma ponta de apreensão. Não preciso
adivinhar quem está do outro lado.
— Oh meu Deus, eu acabei de ouvir uma batida? — Josie
está fora de si. — É ele?
Eu me levanto da beirada da cama e aliso a palma da mão
sobre o meu cabelo. Claro que é ele.
— Eu tenho que ir, Josie.
— Troque para o FaceTime — ela exige. — Não importa,
eu vou fazer isso. Evie, juro por Deus, se você for enforcada...
Termino a ligação antes que ela tenha a chance de terminar
sua ameaça, jogando meu telefone na mesa. Ele imediatamente
toca com uma chamada de vídeo recebida e eu a ignoro,
adicionando um travesseiro por cima como medida protetiva.
Eu tomo meu tempo na minha caminhada até a porta e
hesito com a mão acima da maçaneta. Quando ele entrou na
padaria hoje cedo, senti o mesmo golpe, baixo na minha
barriga. Assim como da primeira vez. Era como abrir uma
memória para dar outra olhada. Flanela em vez de uma t-shirt
branca. Boné de beisebol virado para trás com uma pequena
árvore bordada.
Olhos arregalados e surpresos.
Eu abro a porta como se estivesse arrancando um curativo e
encontro Beckett com os braços apoiados contra a moldura, as
mãos enroladas nas bordas como se ele estivesse fisicamente se
segurando. Seus dedos flexionam e eu tenho um flashback
imediato daquelas mãos apertadas em volta das minhas coxas,
Beckett de joelhos na minha frente, uma única mecha de cabelo
loiro escuro grudado em sua testa.
Eu engulo.
— Ei — eu sussurro. Mal consigo olhar para ele e pareço ter
engolido seis folhas de lixa. Boa forma de manter a compostura,
Evie.
Eu limpo minha garganta.
Ele pisca para mim, seu olhar demorado e preguiçoso,
tropeçando do topo da minha cabeça até o caimento do meu
suéter no meu ombro. Sua língua lambe seu lábio inferior, e eu
sinto que talvez eu devesse agarrar a borda da moldura também.
Agarrar-me à aldrava de bronze da porta para salvar minha vida.
Eu não sei o que me fez trazer Beckett de volta ao meu hotel
comigo naquela noite nebulosa de verão, todos aqueles meses
atrás. Eu nunca estive remotamente interessada em uma
conexão casual antes. Eu apenas…
Eu o vi entrar, e eu o queria.
É bom saber que seu efeito sobre mim não diminuiu em
nada.
— Ei — ele sussurra de volta. Ele exala pelo nariz e empurra
o batente da porta, olhando uma vez por cima do ombro para
o corredor vazio atrás dele. Dou uma boa olhada na linha forte
de sua mandíbula e tenho que limpar a garganta novamente. —
Posso entrar por um segundo?
Concordo com a cabeça e dou um passo para trás, deixando-
o passar pela porta estreita. Todas as minhas memórias
nebulosas aparentemente fizeram do tamanho dele uma
injustiça. Ele parece grande demais parado no meio do quarto
com as mãos nos bolsos, fingindo estudar a pintura do lago
pendurada acima da mesa. Eu fecho a porta e tento não pensar
na última vez que estivemos em um espaço como este.
Cortinas brancas transparentes. Lençóis emaranhados.
Uma mão quente se estendeu entre minhas escápulas. Sua voz
no meu ouvido, me dizendo o quão bom era me sentir. Recebê-
lo.
Eu balanço minha cabeça e me inclino contra a cômoda, as
pernas cruzadas nos tornozelos. Não estou me fazendo
nenhum favor.
— Você queria conversar?
Ele balança a cabeça, ainda distraído por aquela pintura. Ele
olha para mim com o canto do olho.
— Influenciadora de mídia social, hein?
Não gosto do tom de sua voz, da acusação fraca que ouço
ali. Não disse meu emprego, mas ele também não. Nós dois
estávamos focados em... outras coisas durante nosso tempo
juntos. Ele não me reconheceu quando entrei no bar e isso foi
uma boa mudança. Refrescante.
Por mais brega que pareça, os homens normalmente não
querem ficar comigo por mim. Normalmente, quando sou
abordada por homens, há algo para eles – uma foto em um dos
meus canais, um plugue de produto. Uma vez, um cara
perguntou se eu queria uma sex tape.
Então, quando Beckett entrou naquele bar minúsculo com
seus braços tatuados e seu olhar passando por mim com
apreciação ao invés de cálculo, eu arrisquei. Arrisquei algo para
mim.
Isso só me fez muito bem.
— Fazendeiro, hein? — Eu imito sua indiferença fria e
observo a forma como seus lábios se curvam nos cantos, as
mãos se fechando em punhos ao seu lado.
— Estou surpreso, só isso — ele diz, ainda com aquele tom
levemente sarcástico. Como se ele não pudesse acreditar que ele
ainda precisa ter essa conversa comigo. Como se eu ser alguém
que trabalha em mídia social fosse a coisa mais vil e repulsiva
que ele poderia pensar. Ele funga e esfrega os dedos contra a
mandíbula. — Eu não esperava ver você de novo.
Claramente, eu também não esperava vê-lo, já que fugi da
padaria da fazenda esta tarde como se o lugar estivesse pegando
fogo. Não significa que eu vou ser uma idiota sobre isso, no
entanto.
Ele me observa com cuidado, os olhos semicerrados. Eu
gostaria que a bandeja de biscoitos estivesse mais perto.
— Você sabia?
— Eu sabia o quê?
— Você sabia que eu trabalhava aqui?
Eu franzo a testa e inclino meu queixo para cima. Ele acha
que eu fiz isso de propósito? Vim ao seu local de trabalho para...
o quê? Assediá-lo? Envergonhá-lo?
— Absolutamente não — eu digo com firmeza. — Eu
também não achei que veria você de novo.
Ele sorri e não é bom de forma alguma.
— Bem, você deixou isso bem claro, Evie.
Eu pisco para ele.
— Desculpe — ele me diz, sua voz rouca. Ele não está nada
arrependido. — Você provavelmente prefere Evelyn.
Algo no meu peito aperta com a ponta afiada de suas
palavras. Ele parece frustrado, desconfortável. Ele está muito
quieto no canto da mesa, seus olhos irritados e chateados. Não
sei por que dói ele me chamar de Evelyn, só que dói.
Mas nada disso importa. Não importa que ele esteja
olhando para mim como se eu fosse algo preso na sola de seu
sapato.
Não muda nada entre nós. Não o que aconteceu antes e não
o que está acontecendo agora.
É só que... eu tinha sido Evie com ele.
Isso tinha sido bom.
O silêncio cresce entre nós até que parece que há um peso
pressionando meus ombros. Beckett não parece estar com
pressa para preenchê-lo. Ele puxa o chapéu da cabeça com uma
maldição resmungada e arrasta a palma da mão para trás e para
a parte de trás do pescoço. Em seu cabelo até metade dele estar
para cima.
— Ouça, eu não… — ele inclina a cabeça e olha para o teto,
torcendo o pescoço para o lado em um alongamento tenso. Ele
suspira e se endireita, me nivelando com um olhar que de
alguma forma canaliza irritação e exasperação ao mesmo
tempo. Não tenho ideia do que fazer com isso. Não tenho ideia
do que fazer com nada disso. Esta versão dele é muito diferente
do homem com as palavras suaves e toques cuidadosos – sua
risada uma coisa quieta e rouca no escuro.
— Eu sinto muito. Não foi por isso que vim aqui — ele
aperta a mandíbula com tanta força que é uma maravilha que
ele seja capaz de dizer qualquer coisa. — Eu vim aqui porque…
porque eu quero pedir para você ficar.
Não consigo parar o som que sai da minha boca. Se for ele
tentando me convencer a ficar, eu odiaria ver como fica quando
ele quiser que eu vá.
— Seu tom poderia ser melhor.
— Evelyn.
— Estou falando sério.
Sua carranca se aprofunda.
— Este concurso significa muito para Stella. Significa muito
para mim também. Nossa fazenda precisa de sua ajuda e eu
gostaria que você nos desse uma chance justa.
Outro puxão doloroso no meu peito.
— Você acha que eu não daria?
— Você fugiu de mim antes — ele aponta, a mais leve
sugestão de um sorriso curvando no canto de sua boca. Eu
odeio que isso envia uma lambida de calor direto pela minha
espinha. — Quero dizer, você literalmente correu da padaria
quando me viu.
Olho para os meus pés. Não é meu melhor momento. Mas
eu não sabia mais o que fazer.
— Eu sei.
Um tipo diferente de silêncio se instala no espaço entre nós.
— Eu gostaria de alguma garantia — diz ele, a voz calma. Eu
observo seus pés enquanto ele muda seu peso. — Que você vai
ficar.
— E o que isso seria? — Eu pergunto diretamente. Quando
ele não diz nada em troca, eu solto um suspiro e olho para ele.
Ele ainda está franzindo a testa, aquela pequena linha entre as
sobrancelhas se aprofundando com isso. — Para você ficar
tranquilo?
Eu poderia lhe escrever um haicai. Fazer um bolo para ele e
assinar com cobertura de creme de manteiga. Eu sei que ele está
hesitante por causa do jeito que eu deixei as coisas, mas foi uma
noite, tudo bem, duas noites. Um único fim de semana juntos.
Eu não devo nada a ele.
Seus olhos piscam um tom mais escuro. Pela primeira vez
desde que ele entrou no quarto, ele fixa seu olhar intensamente
no meu. Algo torce e puxa entre nós. Eu sinto isso tão certo
quanto um toque no meu braço. Na parte baixa das minhas
costas.
— Uma promessa — diz ele.
— Você gostaria que eu fizesse um juramento de sangue?
Ele faz um som sem graça. Eu reviro os olhos.
— Estou aqui para fazer um trabalho, Beckett. Eu não
deixaria nada atrapalhar isso. Stella merece o meu melhor. Não
tenho intenção de fazê-la mal.
Eu nunca fiz nada além do meu melhor. Ele pode achar meu
trabalho ridículo, mas sei o que minha influência pode fazer
pelas pessoas. Posso trazer negócios para esta fazenda – clientes,
atenção, uma bala de canhão de atividade social.
— Então, você promete?
Concordo com a cabeça, de repente cansada até os ossos.
Quero o resto daquela bandeja de biscoitos e a cama, nessa
ordem.
Quero que meu fantasma de um caso de uma noite passe
para encontrar a saída mais próxima.
— Eu prometo. Estarei lá amanhã. Podemos recomeçar.
— Você não vai embora? — Ele pergunta e eu me lembro de
uma manhã cinzenta nebulosa, uma tempestade rolando na
costa. Seu braço esticado sob os travesseiros, a pele nua de suas
costas e a curva de sua coluna. O som suave da porta se
fechando atrás de mim, minha mala aos meus pés.
Eu inspiro fundo pelo nariz e expiro tão lentamente. Não é
culpa dele que ele não acredite em mim. Aparentemente,
Beckett é do tipo que guarda rancor.
Pego outro biscoito da bandeja.
— Eu vou ficar.
Um
BECKETT
MARÇO
EVELYN
— EI — Uma garganta limpa em algum lugar acima de mim,
um estrondo áspero. — Você está esperando alguém?
Eu olho para cima do meu telefone para a figura alta
inclinada com o quadril na beirada da mesa, uma carranca
puxando seus lábios para baixo. Acho que não o vi sorrir uma vez
desde que cheguei aqui – nas poucas ocasiões em que o vi, é claro.
Acho que ele está se escondendo em um dos celeiros toda vez que
estou passeando pelo terreno.
Isto me deixa triste.
Um pouco irritada também.
— Eu não estou — Eu empurro o assento vazio na minha
frente com minha bota. Um convite silencioso.
Ele espera uma batida e então dobra seu corpo no pequeno
assento à minha frente. Eu o observo por cima da borda da
minha caneca de café. Cotovelos na mesa, ombros curvados. Seu
corpo se curva para frente enquanto ele encara seu prato como se
ele guardasse os segredos do universo. Minutos se passam, e ele
não diz uma palavra.
— Então — eu deixo cair meu queixo na minha mão e tomo
um gole barulhento do meu café. Eu mantenho minha voz leve e
brilhante, marcadamente diferente da tensão estranha que está
enrolando em meu estômago. Minha mãe diz que sou imune ao
humor dos outros. Que eu poderia iluminar até a nuvem de
tempestade mais escura.
Com Beckett, eu sinto que nós dois somos a nuvem de
tempestade. Juntos, somos uma monção.
— Como está sendo o seu dia?
Ele olha para mim, um pedaço de pão de abobrinha
perfeitamente posicionado na ponta de seu garfo.
— Hum?
— Seu dia — repito. Se ele quisesse ficar em silêncio, poderia
ter ido para qualquer uma das mesas vazias alinhadas contra a
parede. Em vez disso, ele se sentou aqui, comigo. — Como vão as
coisas?
— Oh — ele se mexe em seu assento e traça a borda de seu
prato de porcelana com o polegar. — Está tudo bem — ele
murmura. Olhos verde-azulados espiam para mim e depois
voltam para baixo. Outra pausa constrangedora, o silêncio se
estendendo por um momento muito longo. Eu não posso acreditar
que este homem veio até mim em um bar e colocou seu corpo ao
lado do meu. Inclinou-se para o meu espaço até que eu pudesse
sentir o cheiro da chuva de verão em sua pele e me perguntou o
que eu estava bebendo. — O seu?
— Bem — Eu quero arremessar o prato dele pela padaria,
mesmo que seja apenas para obter uma reação dele. Eu espero que
ele diga mais alguma coisa e quando ele não diz, eu suspiro. —
Stella vai me levar em um passeio pelos campos mais tarde.
Ele faz um som vagamente interessado.
— É realmente lindo aqui.
Outro som sob sua respiração.
Tudo bem, tudo bem.
Eu desabo no meu assento e cruzo os braços sobre o peito, me
ocupando em olhar pela janela do chão ao teto à minha
esquerda. Desse ângulo, posso ver algumas crianças indo e
voltando das árvores – um pequeno esquilo escondido no mato,
cavando um buraco na terra. A padaria está escondida em um
dos campos, uma surpresa para os visitantes se deparararem
quando estiverem procurando a árvore perfeita. No interior, a
condensação se acumula na parte inferior das janelas, uma
moldura perfeita de branco-acinzentado. Galhos de árvores
roçam as janelas. Parece que estou em um daqueles cartões de
Natal vintage, e aposto que é quase mágico quando neva.
— Você sabe, eu estava passando pelos campos de morango
mais cedo.
Eu lanço meu olhar de volta para Beckett, ainda encarando
aquele prato estúpido.
— É? Eu não sabia que vocês tinham campos de morango
aqui.
Ele me ignora, um movimento em sua garganta enquanto
engole com força. Estóico. Isolado. Milhões de quilômetros de
distância.
— Eu ouvi alguns deles chorando, eu acho.
— O quê?
— Os morangos — explica ele. — Eu ouvi alguns deles
chorando.
Eu pisco para ele.
— Eu não tenho ideia do que você está falando.
— É porque… — um pequeno sorriso se curva na borda de sua
boca, bem no canto. Ele puxa seu lábio inferior enquanto ele se
mexe na cadeira e eu me lembro, visceralmente, como é ter aquele
sorriso enfiado no lugar entre meu ombro e pescoço. Ele olha para
mim através dos cílios e é o momento depois de uma tempestade
quando o sol decide espreitar por trás das nuvens pesadas – a
chuva ainda pingando das bordas do telhado, das árvores, da
caixa de correio na esquina. — É porque os pais deles estavam em
uma geleia, eu acho.
Levo um segundo para entender.
Uma piada.
Beckett acabou de fazer uma piada.
Uma muito ruim, também.
Uma risada surpresa explode em mim, brilhante e alta.
Várias pessoas se voltam para olhar.
Mas estou muito ocupada olhando para Beckett, o sorriso em
seu rosto largo e desenfreado. Um pouco selvagem. Muito mais
bonito.
Eu pressiono meu punho em meus lábios, encantada com seus
olhos brilhantes. Ele abaixa a cabeça e dá outra mordida no pão
de abobrinha.
— Essa foi uma piada idiota — eu digo a ele.
— Sim — Seu sorriso se transforma em algo suave. Algo que
eu senti antes com a palma da minha mão na calada da noite.
Seus olhos brilham no sol da tarde. — Sim, foi.
Sou puxada para fora do meu devaneio com um chute forte
na minha canela.
Eu pulo no meu assento, meu joelho batendo na parte de
baixo da mesa de madeira brilhante que se estende por toda a
extensão da sala. Josie me dá um olhar de seu lugar à minha
frente, ambas as sobrancelhas levantadas. Eu não tenho sido
capaz de manter meus pensamentos à deriva desde que me
sentei nesta reunião, e dado o hematoma se formando na minha
perna, ela notou.
— Como você se sente sobre a dança?
Minha agente do dia, Kirstyn, bate a caneta contra um bloco
de notas rosa pálido. Peônia rosa. O céu logo antes do sol atingir
a água rosa. Sway não acredita em atribuir um agente específico
a um cliente. Em vez disso, tenho uma frota rotativa de
consultores jovens, atraentes e modernos à minha disposição.
Kirstyn e sua severa nuvem de perfume me fazem ansiar por
Derrick e seu esmalte fluorescente. Shelly e seus cachecóis
enormes.
Kirstyn aperta os lábios em aborrecimento.
— Você ouviu o que eu disse?
Os dentes de Josie apertam o lábio inferior e ela arregala os
olhos. Bem, parece dizer. Você ouviu?
Eu não ouvi. Eu estava muito ocupada lembrando de uma
tarde tranquila de novembro em uma padaria ensolarada. Eu
me pergunto o que Beckett pensaria de um lugar como este. Eu
o imagino aqui, sobrecarregado e confuso, olhando para os
cartazes de quadro-negro do lado de fora de cada espaço de
trabalho. Encarando os jarros na cozinha aberta. Carrancudo
para a água fresca de pepino e toalhas de mão quentes de
cortesia.
Eu balanço minha cabeça.
— Desculpe — eu limpo minha garganta e enrolo minhas
mãos em volta da minha caneca. — Você poderia repetir o que
disse?
Kirstyn joga o cabelo loiro brilhante para trás do ombro. Ela
está usando óculos grandes com uma armação fina e dourada.
Uma coleção de pulseiras dança em seu pulso. Ela levanta a
chaleira de chá verde menta da bandeja no centro da mesa e a
oferece para mim. Eu balanço minha cabeça.
— Danças — diz ela, colocando a chaleira de volta para
baixo com um pequeno beicinho. — Sabe, como aqueles
desafios que você vê em todos os lugares?
Ela gesticula para o telefone virado para cima ao lado da
bandeja – um fluxo coeso de influenciadores dançantes. Tento
me imaginar ali, enfiada entre todo aquele conteúdo. Eu não
posso nem começar a imaginar isso e sinto uma pontada de
ansiedade. Tenho certeza que a última vez que fiz qualquer tipo
de movimento coreografado, eu tinha treze anos no porão dos
meus pais, cantando para Backstreet Boys a plenos pulmões
com Josie usando um guarda-chuva como pedestal de
microfone.
— Eu conheço os desafios — eu ofereço, sem pouca
hesitação. Eu posso ver aonde isso está indo.
Este não é o lugar onde você deveria estar, uma voz no fundo
da minha mente sussurra. Está ficando cada vez mais alta, essa
voz, um fio constante de dúvida. Mas se eu não deveria estar
aqui, onde deveria estar? O que eu deveria estar fazendo? Passei
minha vida inteira organizando essa plataforma, construindo
esse público.
Eu pisco para longe do telefone e olho pela janela para a
movimentada calçada abaixo, me distraindo com as pessoas na
rua. Observo enquanto todos passam um pelo outro sem olhar
para cima – um avanço sem sentido e sem fim. Uma rajada de
vento desce pela calçada e levanta a ponta de um lenço
vermelho brilhante. Por um segundo, a mulher agarrada a ele
parece estar voando, sua mão agarrando as pontas. Ela consegue
pegá-lo assim que passa por uma pequena loja de empanadas –
um prédio rosa brilhante com luzes de cordas no topo,
imprensado entre uma loja nacional e um banco brilhante.
Uma mulher baixinha de pele morena ri na janela e atira a
toalha para alguém do outro lado do balcão. Um sorriso chuta
o canto da minha boca. Eu posso ouvir sua alegria daqui.
— Evie — eu sinto a bota de Josie debaixo da mesa,
cutucando contra a minha. — Você está bem?
— Sinto muito — repito. Eu balanço minha cabeça e forço
minha atenção de volta para Kirstyn. Estou em todo lugar hoje.
Preciso de um café forte e uma soneca de seis dias. — Estou
aqui. Estou ouvindo. Explique-me o que você está procurando.
— Achamos que você deveria adicionar alguma coreografia
aos seus vídeos — Kirstyn repete lentamente, enunciando cada
palavra. Eu arriscaria um palpite de que não verei Kirstyn
novamente depois de hoje. — Sway acredita que movimento e
dança tornariam seu conteúdo mais acessível.
Josie lentamente vira a cabeça para olhar para Kirstyn. Se
olhares pudessem matar, tenho certeza que Kirstyn seria uma
pilha de cinzas. Movimento e dança. Eu bato uma unha contra
a borda do meu copo.
— O que você sugere?
O leve beliscar de seus lábios se transforma em um aperto
entre as sobrancelhas.
— Dançar — ela repete, o primeiro indício de frustração
saindo de seus lábios levemente delineados. — Movimento…
Eu aceno minha mão.
— Sim, o movimento tornará meu conteúdo mais acessível.
Mas, como tenho certeza de que você sabe, meu conteúdo é em
grande parte aspiracional. Foco em viagens — Eu franzo a testa.
— Você acha que eu deveria dançar “Yah Trick Yah” no
corredor de uma livraria de cidade pequena?
Josie bufa. Meu sarcasmo passa por cima da cabeça de
Kirstyn.
— Isso é incrível — ela me diz, mãos gananciosas alcançando
seu laptop. Ela começa a digitar freneticamente, suas unhas
rosa-choque dançando pelo teclado. — Que ideia incrível. Não
acredito que não pensamos nisso.
Uma dor de cabeça maçante bate na base do meu crânio.
— Isso não foi… — Suspiro e olho para trás pela janela, em
direção à loja de empanadas. A mulher rindo na janela se foi
agora. — Eu estava brincando.
— Oh, bem — Kirstyn não olha para cima de seu
computador. — É uma boa ideia. Talvez você possa apresentar
isso em sua próxima viagem.
Josie arregala os olhos para mim. Apresentar, ela murmura.
Ela imita um movimento de dança do início dos anos 90, tenho
certeza que nos apresentamos durante nossa coreografia dos
Backstreet Boys.
Não dignifico a sugestão com uma resposta e tento mudar
de assunto. Estou cansada até os meus ossos.
— Onde é minha próxima viagem?
Metade de mim espera que Kirstyn me diga que minha
próxima viagem é para casa, para o apartamento minúsculo e
quase vazio que alugo aqui em Bay Area. Eu não sei por que eu
assinei um contrato para começar. Acho que passei um total de
seis noites lá nos últimos três meses. Mas eu ansiava por
algumas raízes e um apartamento parecia a resposta lógica.
— Oh, certo. Aqui vamos nós.
Comecei minha parceria com a Sway porque queria ajudar
mais pessoas, contar mais histórias, acessar mais comunidades
com pequenas empresas tentando divulgar seu nome. Como
Peter em Spokane, um veterano aposentado com um food
truck de queijo grelhado e – sem brincadeira, a melhor sopa de
tomate que já comi. Eliza e sua loja de roupas em Sacramento,
reciclando fast fashion em peças sustentáveis. Stella em
Lovelight Farms, trabalhando tão duro para criar um país das
maravilhas de inverno caprichoso. As pessoas que visito têm
tudo o que precisam para causar impacto, eu apenas... as ajudo.
Dou-lhes um impulso.
O gerenciamento de contas estava começando a ser um
pouco demais para Josie e eu lidarmos. Estávamos gastando
mais tempo no lado administrativo das coisas, em vez da parte
criativa. Minha parceria com Sway deveria tornar tudo isso
mais fácil. Mas, honestamente, tem sido uma dor de cabeça
atrás da outra.
— Esta é sua próxima viagem — anuncia Kirstyn com todo
o talento que eu esperava de Sway.
Uma tela em branco sussurra sua chegada enquanto cai do
teto. Brilha com uma explosão de cores, um bumbo alto e
pesado preenchendo o espaço. Josie pula em seu assento,
lutando para evitar que sua caneca vire.
Corpos enfeitados com joias balançam com os braços no ar.
Uma mulher com botas de pele até as coxas e uma roupa de
lantejoulas roxas brilhantes balança de uma trepadeira – eu
olho para a tela – uma poça de gelatina vermelha brilhante.
— Puta merda — Josie sussurra.
Minha dor de cabeça se aprofunda.
— Por que você está me mostrando o Burning Man2?
— Não é o Burning Man. É o Okeechobee Music & Arts
Festival — Kirstyn me diz, quase borbulhando de emoção. As
pulseiras em seu pulso fazem um barulho que eu sinto em meus
dentes. — É um festival mais novo, e Sway acha que será uma
boa opção para a evolução da sua marca.
A Sway acha. Eu belisco a ponte do meu nariz.
— Evolução da minha marca.
— Sim.
— É administrada por uma pequena empresa? — Estou
distraída com os corpos seminus empurrando e rolando na tela
e as luzes estroboscópicas estão me dando dor de cabeça. Olho
pela janela de vidro industrial para o resto do escritório, onde
os funcionários estão instalados em um espaço de coworking.
Um cara sentado no corredor com uma boina balança a cabeça
ao som da música. Uma mulher com pontas de cabelo rosa
choque parece estar cantarolando baixinho. Todos estão
2
Burning Man é um festival que ocorre em Nevada, nos Estados Unidos.
Nele, é promovido apresentações artísticas, diferentes instalações e música.
completamente imperturbáveis com a rave de três mulheres
acontecendo na sala de conferência dois. — Tem uma história
interessante?
Talvez eu esteja perdendo alguma coisa.
— Você será patrocinada pela Covergirl — ela me diz. A tela
muda para um vídeo que fiz há cerca de um mês, um clipe meu
de uma das minhas contas segurando um tubo laranja brilhante
de rímel, uma rajada de vento soprando meu cabelo sobre meu
rosto. Acho que você vê o produto real em uso por menos de
um segundo. O pequeno número no canto inferior direito é
destacado. Mais de 4 milhões de visualizações. Eu estremeço.
Eu tinha agonizado com esta peça, duvidosa sobre a
colocação de produtos tão pesados. A maior parte da minha
renda vem de patrocínios, claro, mas vive de meu blog em
espaços publicitários. Em um lugar onde as pessoas esperam
que esteja. Mas Sway insistiu que poderia ser um experimento
forte para mais conteúdo de marca e eu estava cansada,
distraída. Eu cedi e postei um vídeo estúpido de mim mesma
promovendo um rímel.
E olhe para mim agora. Um patrocínio da Covergirl.
Eu deveria estar muito feliz.
Por que não estou feliz?
Porque aqui não é onde você deveria estar.
Eu não deveria entrar em pânico com parcerias e promoções
e festivais de música. Passei todo esse tempo criando conteúdo
e quebrando pedaços de mim para consumo público e o que
tenho para mostrar para isso? Um apartamento vazio e milhões
de estranhos seguindo cada movimento meu.
Eu estou tão cansada.
— Acho que preciso fazer uma pausa — As palavras
escapam da minha boca com um suspiro, quieto, mas
ganhando força enquanto se acomodam no espaço entre nós
três. Eu rolo meus ombros para trás e respiro fundo. Eu levanto
meu queixo. — Vou fazer uma pausa.
Josie dá um pequeno soco no lado da mesa.
— Vou reservar um pacote de spa para você em seu hotel em
Okeechobee — diz Kirstyn. Algo me diz que Okeechobee não
é conhecido por seus spas. — Oh! Se você quisesse estender sua
viagem e começar em Miami, aposto que poderíamos conseguir
alguns patrocínios de clubes.
Eu balanço minha cabeça e empurro minha xícara de volta
para o pires de porcelana ornamentado. Eu absolutamente não
quero ir à baladas em Miami.
— Não, quero dizer, vou fazer uma pausa. De tudo... isso.
Kirstyn pisca para mim por trás de sua tela. Posso ver os
corpos dançantes de Okeechobee refletidos em suas lentes
enormes. É desorientador, como algo de Alice no País das
Maravilhas. Ela fica boquiaberta para mim, as mãos
perfeitamente imóveis sobre o teclado.
— Como um hiato?
— Claro. — Essa é uma boa palavra para isso. Tenho
bastante na minha conta poupança para sustentar umas mini-
férias, reforçadas por anos de meticuloso planejamento
financeiro. A renda de uma influenciadora dificilmente é
estável e sempre tive medo da atenção escapar tão rapidamente
quanto chegou. As redes sociais são uma coisa inconstante.
Talvez algum tempo longe seja exatamente o que eu preciso.
Espaço para reorientar, realinhar.
Eu me viro e olho por cima do ombro através das grandes
vitrines para a loja de empanadas abaixo. Começo a juntar
minhas coisas.
Algum espaço para comer empanadas.
— Mas você vai continuar postando, certo? — Há um fio
fino de inquietação na voz de Kirstyn enquanto ela desliza de
sua cadeira, me seguindo até a porta aberta. Josie espera por
mim na entrada da sala, um orgulho silencioso em seus grandes
olhos castanhos. Ela está pronta para sair desde que chegamos
aqui. Eu nem tenho certeza se ela arrumou seu laptop. Ela salta
em seus pés, o cabelo encaracolado balançando com ela.
Kirstyn nos segue, pendurada na borda da janela de vidro
industrial como se estivesse prestes a pular de um avião.
— Você não vai, tipo, ficar completamente inativa?
Eu dou de ombros.
— Eu realmente não pensei sobre isso ainda. — Mas agora
que ela mencionou isso, ignorar completamente meus canais de
mídia social por algumas semanas parece incrível. Eu coloco
minha jaqueta e enrolo minhas mãos nas mangas. — Tem
alguma coisa de patrocínio que eu estou sob contrato?
Ela praticamente corre de volta para a mesa, folheando seu
caderno rosa.
— Não — seu rosto cai em desânimo. — Não, nada que
você seja obrigada a postar. Mas temos algum interesse da Ray-
Ban, se você quiser...
— Está tudo bem, obrigada. — Eu tento suavizar as bordas
da minha recusa rápida. — Ouça, Kirstyn. Sou grata pelo
trabalho que você fez neste campo, mas acho que é melhor dar
um passo para trás agora. Entrar no modo de planejamento por
algumas semanas.
Seu rosto empalidece.
— Semanas?
Eu preciso descobrir o que estou fazendo, porque tudo de
repente parece encolher os ombros em um suéter que é muito
pequeno. Eu continuo esperando que esse sentimento vá
embora, mas não vai. Só está piorando.
— Vou mantê-la atualizada, ok? Fique à vontade para
continuar me enviando opções, mas... — Olho para a tela, as
luzes estroboscópicas e a pintura no rosto. — ...isso não parece
certo. Estou procurando algo diferente disso.
Kirstyn assente.
— Nós podemos fazer isso. Podemos apoiar algo diferente.
Terei opções em sua caixa de entrada hoje à noite.
Eu começo a voltar para o elevador. Josie já está apertando
agressivamente o botão com o polegar.
— Eu não vou olhar para elas esta noite, então tome seu
tempo. Estou falando sério sobre a pausa.
Ela me segue como um cordeirinho. Algumas das pessoas na
coleção de mesas no centro da sala estão meio em pé de seus
assentos, observando nosso progresso. Há uma mulher na
frente com franja romba, os dentes cortando o lábio inferior.
Um homem atrás dela em uma camisa de botão de manga curta
está de pé, a palma da mão contra a testa. Eu sinto como se
tivesse virado uma mesa e chutado uma de suas mães. Todos os
rostos estão feridos, preocupados. Dou-lhes um aceno e o que
espero seja um sorriso tranquilizador. Eles olham fixamente de
volta.
— Sempre um prazer, pessoal! — Josie acena por cima do
ombro, sem se incomodar em sair do elevador. As portas se
abrem e Kirstyn nos segue, até a beirada das portas de correr.
— Seus seguidores sentiriam sua falta — ela me diz
enquanto eu entro no minúsculo cubículo, papel de parede de
samambaia verde enrolado do chão ao teto. Há um espelho
com moldura dourada no teto e um tapete branco felpudo no
chão. É o elevador mais ridículo em que já entrei. — Todo
mundo vai se perguntar onde você foi.
Não é o incentivo que ela pensa que é. Se alguma coisa, isso
me faz querer deixar meu telefone cair neste poço do elevador.
Eles vão se perguntar, e então eles vão encontrar alguém novo
para seguir. Outra conta. Outra coleção de reels e posts e…
danças. As portas do elevador começam a se fechar. Eu dou a
ela um sorriso tranquilizador.
— Nos falamos em breve.
BECKETT
— POSSO APENAS DIZER — Jeremy Roughman se inclina
contra a traseira do trator, a luz do sol começando a piscar no
horizonte. Eu ouço sua voz e é um desafio para mim não me
virar e voltar direto para minha cabana na beira da propriedade.
— Estou muito animado que você decidiu me trazer como
aprendiz.
Não decidi trazê-lo como aprendiz. O xerife Jones me
encurralou no corredor de produtos de papel da farmácia e me
ameaçou levemente com o dever como faixa de pedestres para
a escola primária até que eu concordasse em aceitá-lo.
Aparentemente, Jeremy não consegue se manter longe de
problemas por mais de trinta e sete segundos e se a Sra. Beatrice
o pegar beijando outra garota em seu beco, ela provavelmente
fará algo que requererá prisão.
— Eu sei que os pais dele ficariam agradecidos — Dane
disse, e eu quase joguei meu corpo na prateleira de papel toalha.
— Ele só precisa de um pouco de direção.
Então aqui estamos nós, dando direção. A alvorada rasteja
pelo céu em rosa brilhante e ouro polido, uma pincelada
brilhante de nuvem no centro dela. Ainda posso sentir o frio do
inverno tão cedo pela manhã e sou grato pela minha camisa
térmica e pela gata enrolada no meu pescoço, cochilando com
o queixo no meu ombro.
Eu olho para Barney, empoleirado no banco de motorista
do trator – seu velho chapéu de aba larga puxado para baixo
sobre os olhos. Ele sorri para mim com a boca cheia de
rosquinha.
— Realmente animado, chefe — diz ele. Ele enfia massa frita
e açúcar de confeiteiro na boca. — Dificilmente consegui
dormir ontem à noite por causa disso.
Reviro os olhos e alcanço a pá apoiada no pneu. Apesar de
todas as suas alfinetadas, Barney torna meu trabalho mais fácil.
Ele é uma enciclopédia ambulante de colheitas e solo, doenças
que se alimentam de plantas e... a lista de Baltimore Orioles de
1990. Não tenho uso para a última parte, mas o resto vem a
calhar. Estou trabalhando com ele desde que assumi o turno do
meu pai na fazenda de produtos agrícolas há quase duas
décadas. Quando Stella me recrutou e eu dei meu aviso, ele deu
o dele também. Me deu um tapinha nas costas e me disse que
não podia me deixar estragar uma nova fazenda sozinho.
Entrego a pá para Jeremy e ele a segura entre o polegar e o
indicador, afastando-a de sua jaqueta. Eu nem percebi que eles
ainda distribuem essas coisas, mas Inglewild sempre pareceu
um pouco congelada no tempo. Prancer ecoa um miado
queixoso direto no meu ouvido e eu esfrego meus dedos sobre
sua cabeça macia.
— Nós vamos esculpir hoje — digo a Jeremy.
— Cara, eu não posso esculpir algo com uma pá — Jeremy
tenta devolver para mim. — Achei que eu poderia... aconselhar
sobre a colocação ou algo assim. Te dar uma nova perspectiva
sobre a estética do lugar.
Convoco minha paciência.
— A estética do lugar.
Ele joga o cabelo para trás e levanta o queixo.
— Não foi por isso que você me trouxe?
Eu não... o trouxe. Fui cercado na frente das toalhas de
papel. Cruzo os braços sobre o peito e me inclino contra a
lateral do trator. Prancer aproveita a oportunidade para pular
do meu ombro para o topo da cabine, acomodando-se no
torrão ao lado do assento. Ela gosta de andar com Barney de
manhã e voltar para casa quando está pronta.
Eu faço o meu melhor para ignorar Barney tremendo com
uma risada silenciosa em cima do trator.
— O que você sabe sobre agricultura, Jeremy?
Ele passa a mão pelo cabelo e olha de soslaio para o
horizonte.
— Eu sei um pouco.
— Vamos ouvir então.
— Bem — ele arrasta os pés, coloca as mãos nos bolsos do
paletó apenas para puxá-las novamente. — Obviamente, você
planta coisas.
— Obviamente.
— E as cultiva.
— Claro.
— Na verdade, tenho algumas ideias sobre seus padrões de
crescimento. Como você se sente sobre canna…
— Não termine essa frase — eu rosno. Já ouvi piadas de
maconha suficientes para uma vida inteira. Eu empurro minha
cabeça para a parte de trás do trator. — Talvez possamos falar
sobre padrões de crescimento na próxima semana — Barney faz
um barulho de asfixia. — Enquanto isso, temos uma tradição.
O mais novo membro da equipe está de plantão. Você vai
seguir o Barney e tirar pedras do solo, jogá-las naquele balde ao
lado. Vai tornar mais fácil para nós gravarmos e depois
plantarmos na próxima semana.
Eu trabalhava nas pedras todo verão por quatro anos no
Parson's Produce. Eu mesmo fiz isso aqui quando éramos
apenas Barney e eu preparando os campos. Será uma boa
mudança não fazer desta vez. Olho para os sapatos de Jeremy.
Nikes novinhos em folha, branco imaculado.
Uma pontada de culpa puxa meu intestino. Não é
exatamente culpa dele que ele não soubesse o que esperar.
Lembro-me do meu primeiro dia na fazenda quando era
criança, muito magro e fora do meu elemento, tropeçando para
acompanhar todos ao meu redor. Era como tentar entrar no
meio de uma dança já iniciada sem ouvir a maldita música.
Lembro-me de rir quando meus pés escorregaram na terra atrás
do trator, o sol batendo no meu pescoço e empolando minha
pele.
— Você tem um chapéu, garoto?
Ele balança a cabeça, ainda olhando para a pá em sua mão.
Eu cavo em uma das mochilas penduradas sobre o assento e tiro
um boné de beisebol velho, desbotado e rasgado de um lado.
Eu jogo para ele. O atinge no peito e depois cai no chão. Ele
olha para ele como se preferisse morrer do que colocá-lo em seu
cabelo perfeitamente penteado.
Eu dou de ombros e Barney bufa uma risada, ligando a
ignição e colocando o trator em marcha.
— Você irá ver seu pai hoje à noite para o jantar? — Barney
grita por cima do ronco do motor.
Eu concordo. Temos jantares em família todas as terças à
noite, uma tradição desde que me lembro.
— Diga a ele que eu disse olá. E ele me deve cento e quarenta
e sete dólares depois da nossa última noite de pôquer.
Reviro os olhos e aceno para ele. Barney e meu pai jogam
pôquer juntos todos os sábados à noite desde que temos
jantares em família. Tenho certeza de que nenhum deles já
liquidou a dívida entre eles.
Jeremy me encara tristemente enquanto Barney começa a
caminhada lenta em direção à borda dos campos a oeste, as
rodas do trator batendo ao longo. É um trabalho lento, mas
importante, e vamos passar as próximas semanas preparando os
campos para o plantio de mudas do norte. As árvores que
plantamos não estarão prontas por pelo menos cinco anos, mas
essa é a natureza de uma fazenda de árvores.
É tudo uma questão de paciência.
— Onde você está indo? — Jeremy grita do outro lado do
campo, parando para pegar o chapéu do chão. Se ele não se
mexer, ele estará cavando pedras até a próxima semana.
— Dar uma olhada na estética — eu grito de volta.
3
Gíria para problema.
da cabeça aos pés com lama grossa. Ele sorriu tanto que eu só
conseguia ver o branco de seus dentes através da sujeira. Estou
meio convencido de que o rosto dele ficou preso daquele jeito.
Eu nunca vi alguém sorrir tanto na minha maldita vida.
— Não sei quantos soluços aguento nessa temporada, Sal.
— Bah — ele me dá um olhar malicioso enquanto entramos
no celeiro. — Acho que você vai gostar desse.
Susie, uma das trabalhadoras da fazenda que ajuda na coleta,
oferece um aceno do canto mais distante do espaço aberto.
Metade do celeiro é usado para visitas ao Papai Noel durante a
temporada de feriados, a outra metade para armazenamento.
Ela está montada bem perto da divisória no meio, seus braços
embalando... alguma coisa.
— Você encontrou mais gatinhos? — Eu pergunto. No
outono passado, Stella descobriu uma família inteira de gatos
escondidos atrás de um dos gigantes quebra-nozes de madeira.
Todos os quatro vivem comigo agora, um pequeno exército de
pelo macio e opiniões obstinadas sobre a qualidade dos meus
lençóis. Eu acordo todas as manhãs com pelo menos um deles
enrolado no meu peito, ronronando.
— Melhor — Sal me diz. Quando me aproximo, vejo uma
pequena nuvem amarela. Susie abre a toalha que está segurando
e dentro dela está um patinho, pouco maior que a palma da
minha mão, uma mecha de penugem escura bem em cima da
cabeça. Ele olha para mim e solta um pequeno guincho, suas
asas se agitando levemente com a ruptura de seu casulo.
— Ah, merda. — A maldita coisa é fofa como o inferno. —
Você acha que foi abandonado?
— Parece que sim — Sal balança de volta em seus
calcanhares. — Não vi nenhum vestígio da mãe.
Não sei muito sobre patos, mas presumo que os patinhos
não sobrevivem muito tempo sem a mãe por perto. Eu olho
para o carinha e esfrego meus dedos contra minha mandíbula.
— Vou levá-lo para a cidade. Passar na casa do Dr. Colson e
ver o que pode ser feito.
Eu estendo minhas mãos para o pacote. Eu tento evitar a
cidade se eu puder evitar, mas eu tenho que fazer um pedido na
loja de ferragens de qualquer maneira. Christopher, o
proprietário, se recusa a fazer qualquer coisa pelo telefone e não
atende se eu ligar muitas vezes. Posso deixar esse carinha no
veterinário, fazer o pedido e estar de volta antes do almoço.
O patinho guincha na minha direção, seu bico cutucando
uma vez nas costas da minha mão. Eu acaricio meu dedo sobre
o topo de sua cabeça, sua penugem incrivelmente macia.
Eu tento juntar os fios da minha contenção enquanto nos
olhamos. Naturalmente, meu cérebro já começou a fazer
planos. Temos um pouco de arame na estufa. Eu poderia
enrolá-lo ao redor das bordas da cozinha. Fazer uma cerca.
Suspiro enquanto vejo o carinha cochilar na segurança de
minhas mãos. Não posso adotar outro animal. Eu não sei nada
sobre patos.
Você também não sabia nada sobre gatos. Isso não te impediu.
O patinho dá um pequeno guincho e se aninha mais na
minha mão. Eu suspiro.
Não vou adotar outro animal.
Eu ouço o clique de uma câmera e olho para cima para ver
Sal e seu maldito sorriso apontando seu telefone para mim. Eu
franzo a testa e ele clica novamente, uma risada sob sua
respiração.
— Que diabos está fazendo?
— Ideia do calendário de Stella — ele me diz com uma
risada. Stella vem promovendo a ideia de um calendário
agrícola com apenas fotos de Luka e eu nos campos há quase
um ano, uma tentativa de tentar aumentar os lucros.
Desnecessário dizer que não estou a bordo com isso. — Você
meio que tem uma vibe da Branca de Neve, meu amigo.
Eu saio pela porta sem outra palavra.
4
Acrónimo para "science, technology, engineering and mathematics" que
representa um sistema de aprendizado científico, o qual agrupa disciplinas
educacionais em "ciência, tecnologia, engenharia e matemática".
Eu me lembro exatamente do par de sapatos que eu estava
usando quando minha mãe recebeu a ligação. Converse
vermelho com os dois conjuntos de cadarços desfeitos, metade
do meu pé enquanto eu me sentava à mesa da cozinha e tentava
fazer minha lição de casa de inglês. O telefone tocou duas vezes
e minha mãe atendeu com uma xícara de café na mão, o fone
preso entre o ombro e a orelha. Lembro-me do pequeno
barulho que ela fez. Uma respiração aguda. Um quieto “onde
ele está?”. Vidro quebrado no chão da cozinha.
— Sobre o que é isso, pai?
Ele respira fundo e esfrega as palmas das mãos sobre os
joelhos.
— Eu só… — Ele engole o resto de sua frase e se vira das
estrelas para olhar para mim. — Acho que só quero saber se
você está feliz.
— Claro que estou feliz — eu respondo. Ele me estuda,
procurando a hesitação em minhas palavras. — Por que eu
estaria infeliz?
Adoro trabalhar na Lovelight. Eu amo minha cabana na
beira do terreno e as primeiras manhãs frescas quando sou
apenas eu e minha respiração e o sol rastejando por trás do
horizonte. Céus de algodão doce e as folhas das árvores
farfalhando enquanto os raios do sol os despertam. Gosto da
quietude, do silêncio. Layla em sua padaria, o cheiro de pão
fresco torcendo através dos carvalhos altos. Stella em seu
escritório, papelada em todos os lugares e uma gaveta cheia de
purificadores de ar de pinheiro que ela acha que ninguém sabe
sobre. Sal com cestas enroladas nos braços e Barney no trator.
Cada pessoa que encontra seu caminho até lá, descendo a
estrada de terra estreita e virando a curva. Através dos arcos e
subindo a entrada de cascalho. O grande celeiro vermelho à
beira da estrada e as fileiras e mais fileiras de árvores, esperando
por um lar.
É exatamente onde eu deveria estar. Minhas mãos na terra e
meus pés no chão. Eu nunca duvidei disso por um segundo.
Enraizado.
— Sinto que fiz uma escolha por você, só isso. Você tinha
quinze anos e eu...
Eu me empurro para fora da caminhonete e agarro seu
ombro do jeito que ele sempre agarrou o meu. Eu o sacudo uma
vez.
— Foi minha escolha — digo a ele.
Ele coloca a mão sobre a minha. Aperta bem.
— Você tem certeza?
— Tenho certeza.
Quatro
EVELYN
— DEUS, EVELYN. EU SINTO MUITO.
À beira das lágrimas, Jenny está atrás da pequena
escrivaninha da pousada de Inglewild com um roupão grande
e fofo enrolado em seu corpo magro. Ela estava se arrumando
para fechar essa noite quando parei no meio-fio no meu carro
de aluguel e ela correu para me deixar entrar, roupão e tudo.
— É só que… você fez um trabalho tão bom para nós da
última vez que esteve aqui. Temos tido reservas sólidas desde
então. E há um festival de pipas na praia neste fim de semana
e…
Eu a mandei para um espiral. Ela abre o livro de papel e
vasculha as páginas como se fosse dizer algo diferente do
computador sentado no canto de sua pequena mesa. Ela engole
e olha para mim antes de continuar a virar para frente e para
trás. Já é ruim o suficiente que eu a segurei depois do horário.
Agora estou prestes a dar a ela um colapso nervoso também.
Eu me aproximo e pego sua mão na minha, evitando que
seus dedos rasguem as páginas do livro.
— Jenny. Está tudo bem.
Não é como se eu tivesse reservado essa viagem com
antecedência. Ou colocado qualquer pensamento nisso além
de…
Eu estava feliz em pé naquele campo com minhas botas
afundando na lama e talvez eu devesse voltar e ver se consigo
encontrar minha felicidade novamente.
Uma ideia estúpida. Uma caprichosa. Uma que parecia
brilhante depois de seis empanadas e Josie socando a mesa
enquanto eu reservava minha passagem. Eu puxo minha mão
para trás e puxo meu cabelo em um rabo de cavalo. Eu me sinto
gordurosa e nojenta da viagem de avião, minha camisa grudada
nas minhas costas. Eu olho para o livro tristemente. Droga. Eu
estava ansiosa para um longo banho nas banheiras gigantes que
Jenny tem em todas as suítes.
— Está tudo bem — repito, e tento me convencer do
mesmo. Vou encontrar outro lugar para ficar. Sem problemas.
— Você pode recomendar outro lugar por perto?
Jenny engole em seco e olha para a mesa. Ela murmura
alguma coisa, com as mãos apertadas nas bordas do livro.
— O que foi?
Ela exala.
— Com o festival de pipas — ela começa devagar. — Tudo
está reservado. Eu nem tenho certeza se os maiores hotéis da
cadeia na praia terão alguma coisa disponível.
Merda. Bem. OK. Eu não sabia que as pessoas gostavam
tanto de pipas, mas tudo bem. Isso é o que eu ganho pela minha
impulsividade, eu acho. Eu não deveria ter entrado em um
avião sem fazer algumas reservas primeiro. Nem liguei para
Stella para saber se é uma boa hora para eu visitar a fazenda.
Mas eu me conheço. Eu sei que se eu demorasse um dia, eu
teria me convencido a desistir. Eu teria encontrado outra coisa
com que me ocupar – um novo projeto, uma nova tarefa – e
em uma semana, um mês, um ano, provavelmente ainda estaria
presa na mesma rotina, nesse ciclo interminável de
ambivalência entorpecida.
Eu franzo a testa e olho para fora de uma das grandes janelas
que dão para a Main Street, as luzes da rua envoltas em videiras
verdes vibrantes com flores começando a espreitar em
desabrochar. Mabel, a mulher deslumbrante e um pouco
aterrorizante que administra a vegetação, deve tê-las colocado
para dar as boas-vindas à primavera. A última vez que estive
aqui, havia guirlandas penduradas em todas as portas da frente,
guirlandas e luzes penduradas ordenadamente de poste a poste
– uma fileira de casinhas de gengibre perfeitas envoltas em
enfeites e luzes, guiando você até a Lovelight Farms nos limites
da cidade.
Estou feliz que as pessoas estão finalmente descobrindo esta
joia de cidade. Eu só queria que não fosse quando eu precisava
também.
— Alguma outra ideia de onde eu poderia ficar?
Talvez eu verifique as listagens locais amanhã de manhã e
veja se alguém tem um espaço que está disposto a alugar. Não
tenho ideia de quanto tempo pretendo ficar aqui, mas sei que
essa parece ser minha melhor chance de voltar a mim mesma.
De descobrir o que está errado.
O rosto de Jenny se ilumina pela primeira vez desde que ela
desceu os degraus da frente em um par de chinelos azuis
brilhantes.
— Oh! Eu poderia usar a árvore telefônica. — Seu rosto
desmorona em uma carranca quase tão rapidamente. — Droga.
Mas não podemos usá-lo depois das sete, a menos que seja uma
verdadeira emergência.
— Vocês têm uma árvore telefônica?
Ela acena com a mão acima dela, como se estivesse
chamando os espíritos para explicar o misticismo de tudo.
— É como nos comunicamos pela cidade quando há
notícias. Eu poderia usá-la para descobrir se alguém tem um
lugar para você ficar.
— Mas você não pode usá-la depois das sete?
Ela balança a cabeça tristemente.
— Tem acontecido um… abuso do sistema ultimamente.
Gus fez uma ligação para toda a cidade na terça-feira passada,
às 22h, para perguntar se alguém tinha tortilhas extras de sobra
para a noite do taco no quartel. O xerife quase dissolveu todo o
sistema. Foi apenas por Caleb entrar com a regra do toque de
recolher que a árvore telefônica foi recuperada.
— Ah, graças a Deus. — Pela gravidade de seu tom, parece
ser a resposta certa.
Ela acena.
— Vou usá-la de manhã, fazer algumas pesquisas para você.
Enquanto isso, acho que você pode encontrar algum quarto
vago em Lovelight Farms — Eu não tenho certeza, mas parece
que um sorriso se curva na borda de seus lábios. Um olhar
pensativo tricota suas sobrancelhas. — Costumava ser um
retiro de caça, eu acho.
Lembro-me de Stella dizendo algo sobre isso na última vez
que estive na cidade. Também me lembro de sua casinha na
beira do canteiro de abóboras, cheia até a borda com várias
quinquilharias. Em um ponto, Luka estava em sua cozinha
com os braços estendidos. Ele podia tocar uma das janelas e o
corredor de entrada ao mesmo tempo. Não quero aparecer na
porta dela no meio da noite e perguntar se posso dormir lá.
Especialmente se ela já tem Luka lá.
— Obrigada por isso — eu digo. Não tenho absolutamente
nenhuma intenção de dirigir até Lovelight esta noite. Não até
que eu tenha um banho, uma nova camada de batom e uma
conversa séria. Eu não estou ansiosa para ver Beckett
novamente, eu só...
Não quero que ele me veja e pense que estou... que estou
pedindo alguma coisa. Eu não vim aqui por ele.
Eu vim aqui pelos campos dele. Eu quero sentar na grama
alta e olhar para o céu e tentar encontrar o lugar dentro de mim
que está trancado ou enferrujado ou o que quer que esteja
acontecendo comigo ultimamente. Eu quero me consertar.
Estou cansada de me sentir assim.
Eu vim aqui para uma pausa. Eu quero sentar no silêncio e
não fazer nada. Tenho dezessete e-mails na minha caixa de
entrada de antes de eu sair – cortesia da Sway – e não olhei
nenhum. A ansiedade me agarra pela garganta toda vez que vejo
o pequeno número vermelho na minha tela. Desliguei meu
telefone na terceira vez que o peguei e o enterrei no fundo da
minha bolsa. Talvez eu consiga um telefone descartável
enquanto estiver aqui. Realmente me inclino para a coisa toda
de fora do radar.
Agradeço a Jenny por seu tempo e lhe asseguro mais quatro
vezes que está tudo bem antes de sair pela porta da frente e
descer os degraus de mármore para o meu carro de aluguel
estacionado no meio-fio. Uma rajada de vento levanta meu
rabo de cavalo e a barra do meu casaco, trazendo consigo notas
de madressilva e jasmim das flores torcidas ao redor do poste de
luz. Eu olho para o banco de trás enquanto estou na porta do
lado do motorista.
Já dormi no meu carro antes – em viagens longas e de última
hora. Certa vez, quando eu estava dirigindo pelo Colorado,
meu carro alugado morreu nas altitudes mais altas e eu tive que
empurrá-lo até a metade da estrada e esperar até de manhã
quando era seguro que um reboque viesse me pegar. Eu tinha
dormido bem no banco de trás, apenas um pouco apavorada de
que um urso viesse cambaleando pelo pára-brisa.
Vou ter que encontrar um lugar um pouco privado. Em
algum lugar que Jenny não vai me ver. Ou o xerife. Ou
qualquer um que pudesse ligar para o xerife. Eu não quero
exatamente começar minha viagem aqui com a fofoca da cidade
rolando sobre Evelyn St. James dormindo no banco de trás de
seu carro.
Também não quero que uma foto minha se torne viral,
enrolada no banco de trás e usando meu suéter como cobertor.
Eu mordo meu lábio inferior. Talvez não seja uma grande
ideia, afinal.
Ainda estou debatendo minhas escolhas quando ouço
passos na calçada do outro lado da rua. Eu olho para cima no
mesmo momento em que Beckett olha para o outro lado, e é
exatamente como naquela noite no bar, quando ele abriu
caminho através da porta da frente e olhou diretamente para
mim, aqueles malditos olhos dele varrendo meu rosto e
descendo pelos meus ombros. Um olhar como um toque, a
ponta de um dedo na cavidade da minha garganta.
Ele está congelado do outro lado da rua, metade no meio-fio
e metade fora. Jaqueta de veludo. Flanela aberta por baixo.
Jeans escuros e botas pesadas. Ele tem uma caixa da padaria da
Sra. Beatrice na mão esquerda, branca com um pedaço fino de
barbante em um lindo laço no topo. Concentro-me lá em vez
de seu rosto, e vejo como sua mão aperta a caixa.
Eu poderia rir. Ele se parece com todas as coisas decadentes
que eu já me entreguei. Flanela e barba e uma caixa de bolos na
mão.
Faz sentido que eu tenha encontrado ele assim – uma rua
abandonada só com nós e as pétalas de flores, minhas costas
quebrando sob a tensão de toda a minha exaustão. É assim com
Beckett e eu, estou começando a entender. Continuamos
colidindo um no outro.
— Não conte a Layla — é a primeira coisa que ele me diz.
Sua voz é um estrondo baixo, tão áspero quanto eu me lembro.
Eu mordo meu lábio contra um sorriso e seus olhos rolam para
o céu como se ele estivesse frustrado consigo mesmo antes de
incliná-los de volta para mim. Ele pisa o resto do caminho para
fora do meio-fio e atravessa a rua.
Olho para a caixa em sua mão.
— Só se você compartilhar.
Ele bufa e aperta a caixa com mais força.
— Eu acho que não.
— Você não está em posição de negociar.
— Veremos.
Fico na ponta dos pés e tento dar uma olhada através do
plástico fino em cima.
— O que a Sra. Beatrice faz melhor do que Layla, afinal?
Ele parece extremamente desconfortável por ser pego. Ou
talvez seja apenas a surpresa de ver seu caso de uma noite
aparecer de repente, de novo, no lugar em que mora. Eu
estremeço.
— Desculpe, não importa. — Eu esfrego a dor de cabeça que
está começando a se formar entre minhas sobrancelhas. —
Ouça, eu deveria ter…
— Biscoitos amanteigados — ele me diz. Ele para a cerca de
um metro de distância de mim e estuda meu carro de aluguel.
Seus olhos disparam de cima do meu ombro para a cama e café
da manhã, e depois voltam para o carro. Ele se concentra em
mim com aquela intensidade singular que ele sempre parece
carregar, seja lambendo uma linha de sal do meu pulso ou
trocando o pneu de um trator.
Eu engulo em seco. Nenhuma dessas imagens ajuda com o
pulso agudo de calor na minha barriga, uma única batida forte.
Beckett parece bem.
Ele sempre pareceu bem.
— Ela os faz para mim desde que eu era criança. Layla não
chega nem perto. — Seus olhos se estreitam em fendas. — Se
você disser a ela que eu disse isso, eu vou negar.
Dou-lhe um aceno solene enquanto luto contra meu
sorriso.
— Tudo bem.
Ele concorda.
— Bom. — Ele considera meu carro novamente. Eu me
pergunto se Jenny está assistindo de trás de sua mesa e se isso
constitui uma emergência na árvore telefônica. Eu vi como esta
cidade lidou com Stella e Luka juntos. Aposto que este carro
alugado foi objeto de várias discussões sobre a árvore telefônica.
Beckett bate seus dedos uma vez contra a porta traseira do
carro. — Você está na cidade?
Eu concordo.
— Sim.
— Stella não me disse que você viria.
— Teria sido difícil para ela — eu digo baixinho. Lá se vai
chegar com calma. — Desde que eu não sabia que viria até esta
manhã.
— Você tem alguma coisa por perto?
Por alguma coisa, suponho que ele se refira a um perfil ou
destaque de pequena empresa. Eu não tenho, e não quero
especialmente entrar em meus problemas recentes aqui na rua.
Eu certamente não quero entrar neles com Beckett, de todas as
pessoas. Ele já acha que meu trabalho é estúpido, e eu não quero
que ele pense que eu vim aqui como uma desculpa elaborada
para vê-lo.
Eu não vim.
Eu balanço minha cabeça e esfrego minhas mãos na parte
externa dos meus braços, desejando ter trazido uma jaqueta que
fosse um pouco mais grossa. Esqueci que março na Costa Leste
está apenas começando a sair do inverno, as manhãs e noites
ainda carregando um sussurro dele. Eu puxo meu casaco de lã
fino um pouco mais apertado em volta de mim e balanço para
trás em meus calcanhares. Os olhos de Beckett se estreitam, mas
ele não diz nada, a caixa em sua mão rangendo em protesto pela
forma como ele a está segurando.
— Você precisa de ajuda com suas malas?
— O quê?
— Suas malas — diz ele novamente, acenando para a
pousada. — Você precisa de ajuda para levá-las?
— Oh, não. Hum — se Jenny está assistindo agora, ela está
tendo uma aula de mestre em interações desajeitadas e
desconfortáveis. Eu coloco meu polegar sobre meu ombro. —
Jenny está cheia para a noite. Aparentemente, há um festival de
pipas na praia.
A testa de Beckett se enruga em uma linha pesada de
confusão.
— Festival de pipas? Eles têm festivais para pipas?
Eu ri. Eu pensei exatamente a mesma coisa.
— Sim, aparentemente.
— Então, o que você vai fazer?
— O quê?
Ele lança outra respiração profunda para o céu, sua exalação
uma nuvem branca que o vento leva embora. Estou cansando
ele.
— Você vai ficar na praia? — Inglewild fica a cerca de 25
minutos de carro da costa, um longo trecho de estrada entre
aqui e ali. Mais terras agrícolas, algumas compras de outlet e
uma barraca de cremes com os quais tive vários sonhos
recorrentes.
— Eu estava… — Não posso dizer a ele que planejei dormir
no meu carro no beco atrás do café. Procuro uma explicação
alternativa e apropriada do meu plano. Um plano que não
existe. — Eu ia dar um jeito.
Ele me considera em silêncio. Ainda não consigo entender
como ele é diferente aqui em comparação com o homem que
conheci no Maine. Ele era solto e confortável, quieto, mas
charmoso. Seus sorrisos eram fáceis e frequentes. Aqui, agora,
parado a um metro de distância perfeito na calçada, as luzes da
rua e a lua o pintam em sombras. Ele parece rígido – congelado
e desconfortável. Ele tem uma carranca em cada linha de seu
rosto, desde o conjunto de suas sobrancelhas até a inclinação
para baixo de seus lábios carnudos.
Eu me pergunto o quanto disso é minha culpa.
— Você não tem um plano.
Meu queixo cai no meu peito e mantenho meu olhar em
suas botas. Ele tem um pouco de lama grudada em uma, bem
no dedo do pé. Penso nele nos campos, chapéu virado para trás
e mangas arregaçadas até os cotovelos. Isso solta algo dentro de
mim e me permite ser um pouco honesta. Eu pressiono um
suspiro.
— Esta viagem não foi... planejada. Eu vim aqui por
capricho. Josie, minha assistente, ela me perguntou o último
lugar em que eu fui feliz e, não sei. — Eu dou de ombros,
sentindo-me boba e pequena, aqui na rua com um homem que
provavelmente nunca voltou a pensar em mim.
— Foi aqui — ele oferece.
Não é uma pergunta. Eu pisco para ele e meus ombros
escorregam das minhas orelhas quando vejo a forma como seu
rosto se suavizou, uma leveza naqueles olhos de vidro marinho
que eu não vejo desde que havia uma garrafa de tequila na mesa.
— Foi aqui — eu confirmo.
Seus lábios se inclinam para cima no canto. Só um
pouquinho. Eu não teria notado se não estivéssemos logo
abaixo de um poste de luz. Eu inclino minha cabeça com a
mudança em sua expressão, imediatamente curiosa.
— O que é esse olhar?
Ele balança a cabeça e troca sua caixa de biscoitos
amanteigados para a mão direita.
— Nada, apenas algo que meu pai disse esta noite. — Ele
estende a mão, palma para cima. — Vamos lá.
Eu olho para a mão dele como se ele tivesse desenrolado os
dedos e revelasse uma pequena cobra bebê lá.
— Vamos lá, o quê?
Ele sacode a cabeça para trás e mal consigo distinguir a
carroceria de sua caminhonete estacionada na esquina.
— Eu tenho três quartos extras. Você pode ficar em um até
descobrir o que está fazendo.
Isso parece uma... monumentalmente má ideia. A última
vez que estive aqui, mal podíamos olhar um para o outro. Acho
que a maior quantidade de tempo que passamos juntos – só nós
dois – foi naquela manhã na padaria onde ele contou aquela
piada idiota sobre os campos de morango. Não conversamos
muito além disso. Ele comentou sobre o clima. Fiz-lhe algumas
perguntas sobre as árvores. Ele me considerou em silêncio
enquanto comia lentamente seu pão de abobrinha, virando o
garfo e me oferecendo uma mordida, empurrando o prato
sobre a mesa com as costas da mão.
Foram provavelmente vinte minutos de coexistência
pacífica. Não tenho certeza de que morar juntos no futuro
imediato seja bom para qualquer um de nós.
— Eu não sei — eu me mexo em meus pés e me enrolo ainda
mais quando o vento aumenta novamente. A carranca de
Beckett se aprofunda. — Isso não vai ser estranho?
— Não tem que ser — ele murmura. — É uma cabana
grande. E nós dois somos adultos maduros.
Eu levanto as duas sobrancelhas para ele, lembrando como
ele apareceu naquela mesma pousada alguns meses atrás e
basicamente me acusou de ser uma medrosa com um trabalho
estúpido. Ele se encolhe e esfrega a mão na nuca.
— Pelo menos, eu acho que nós dois podemos ser adultos
maduros — ele emenda.
Eu dou uma risada pelo nariz, mas não faço nenhum
movimento para pegar sua mão. Depois de outro momento de
indecisão, ele a puxa de volta, enrolando os dedos longos de
volta ao redor das bordas da caixa. O papelão cede um pouco
sob seu aperto, como se mal estivesse se segurando. Essa pobre
caixa.
— Podemos começar de novo, se você quiser — ele oferece.
Ele engole, e eu vejo como a frustração aperta tudo em seu
rosto, a tensão em sua mandíbula afiada, a inclinação de seus
lábios. Ele é realmente bonito, mesmo quando está fazendo
uma careta para mim como se alguém tivesse enfiado um limão
em sua boca. — Nós poderíamos– se você quisesse, poderíamos
fingir que esta é a primeira vez que nos encontramos.
— E você está me convidando de volta para sua casa em um
trecho isolado de terras agrícolas? Ok, assassino em série.
Um sorriso se contorce em seus lábios.
— Sim, você provavelmente está certa.
Sem mencionar que não tenho certeza se conseguiria
esquecer Beckett se tentasse. Não há fingimento entre nós, não
mais.
Eu desvio meu olhar de volta para as trepadeiras de flores
torcidas ao redor do poste de luz. Verde e branco e amarelo e o
roxo mais pálido que eu já vi. Quero tocar cada flor e sentir a
suavidade, pressionar o nariz nas pétalas. Quando eu era criança
correndo pela floresta atrás da casa dos meus pais, eu costumava
colher flores de madressilva dos arbustos, arrancar o caule e
lamber o néctar. Pura doçura pegajosa, pétalas no meu cabelo.
Lama em meus joelhos e mãos e em todos os lugares entre eles.
Seria conveniente ficar na fazenda. Eu sei que a casa de
Beckett no limite da propriedade é maior que a de Stella. Eu a
vi uma vez enquanto estava explorando durante minha última
viagem. A grande chaminé de pedra, o alpendre envolvente. É
uma casa linda. Stella disse que seu lugar tinha sido o
alojamento de qualquer retiro de caça que Lovelight costumava
ser. Eu poderia ficar em um de seus quartos vagos esta noite e
ver o que a árvore telefônica dá amanhã.
Com a agenda dele, provavelmente nem nos veríamos.
Eu olho de volta para Beckett, meu olhar se prendendo na
saliência de sua clavícula, quase invisível através da abertura de
sua camisa. Lembro-me de afundar meus dentes exatamente
naquele local, traçando meu polegar sobre as marcas que deixei
para trás.
Eu arrasto meus olhos de volta para os dele.
— Tem certeza que está tudo bem?
Uma batida de silêncio pulsa entre nós. Ele não desvia o
olhar.
— Por mim, está. Você?
Eu penso sobre isso por um segundo, e então lentamente
aceno com a cabeça. Parece uma má ideia, mas estou sem
opções.
O vento assobia através da velha cerca de estacas que ladeia
os jardins à beira da estrada. Uma mecha de cabelo cai sobre sua
testa e ele a alisa para trás com a palma da mão. Olho para a caixa
em sua mão.
— Você vai compartilhar os biscoitos?
Ele gira nos calcanhares e segue em direção a sua
caminhonete.
— Absolutamente não.
Cinco
BECKETT
EU PERDI minha maldita mente.
Não há outra explicação para isso.
Eu não a vi quando saí pela entrada dos fundos do café, uma
caixa de biscoitos debaixo do braço e minha mente ainda na
garagem dos meus pais. Meu pai não fala sobre seu acidente há
quase dez anos. Certamente não o que aconteceu depois. Eu
estava tão envolvido tentando desembaraçar aquele nó em
particular, que não a notei até que eu estava saindo do meio-
fio, voltando para minha caminhonete na rua.
Foi seu cabelo primeiro, o vento levantando e balançando
sobre seu ombro. Preto azeviche e ondulado nas pontas,
roçando a pele negra lisa. O corte afiado de suas maçãs do rosto
e a ondulação suave de seu lábio inferior preso entre os dentes
enquanto ela olhava para um buraco na lateral do carro
desconhecido.
Vê-la parada ali com um casaco muito fino, um segundo
tímido de tremer para fora de suas botas, foi como agarrar um
fio exposto. Fiz isso uma vez, quando estava substituindo as
lâmpadas que serpenteiam pelos campos da fazenda. Ele passou
direto pelo meu braço, uma onda afiada e brilhante.
Levei um segundo para recuperar o fôlego.
— Você é um completo idiota, Beckett Porter. — Enfio
outro biscoito na boca com um bufo e vejo os faróis atrás de
mim subindo e descendo enquanto entramos na fazenda. A
manteiga e o açúcar não estão fazendo absolutamente nada
para mim. Olho pela janela do lado do passageiro enquanto
passo pela casa de Stella na beira do canteiro de abóboras,
aliviado quando vejo que suas janelas estão escuras. A última
coisa que preciso é Stella e Luka com um par de binóculos,
irritando a árvore telefônica.
Finja que esta é a primeira vez que nos encontramos. Que
coisa idiota de se dizer. Como se eu pudesse esquecer o jeito que
ela parecia emaranhada nos lençóis. Um sorriso que tinha gosto
de limão e sal.
Meu pé beira o acelerador e eu resmungo. Estúpido. Não
faço ideia de por que convidei Evelyn – a mesma mulher que
me deixou sem dizer uma palavra em um quarto de hotel – para
ficar indefinidamente. Minha casa é grande, claro, mas não tão
grande.
Desço a sinuosa estrada de terra que leva à minha cabana, o
caminho marcado por lanternas solares bruxuleantes. Instalei-
as no mês passado, quando Luka se perdeu tentando atravessar
os campos da minha casa para a de Stella depois de muitas
cervejas. Stella ligou meia hora depois que ele saiu,
perguntando para onde ele foi. Encontrei-o vagando pelos
campos do sudeste perto das cenouras.
Entro na garagem e desligo o motor, observando três
cabecinhas peludas aparecerem na janela, uma após a outra. Eu
não posso deixar de sorrir apesar da tensão torcendo meu
pescoço. É bom ter algo para voltar para casa, mesmo que eles
destruam meus móveis.
Evelyn está ocupada lutando com uma mochila enorme no
banco de trás de seu carro enquanto eu desço da caminhonete.
— Você precisa de ajuda?
Ela balança a cabeça e pega uma mala com rodinhas
também. Eu tento não me demorar muito no assunto. Se ela
quiser ter um pouco de ambiguidade sobre o que está fazendo
aqui e por quanto tempo, tudo bem. Sinto que tenho pelo
menos uma pessoa na minha vida retendo informações a
qualquer momento. O que é outra?
Três gatos disputam minha atenção assim que abro a porta
e os coloco em meus braços, deixando-os rastejar até minha
jaqueta para se acomodarem em meus ombros. Eles ainda são
pequenos, não crescendo muito desde que os encontramos
enrolados no canto do celeiro. Cometa, Cupido, Vixen. Foi um
pouco exagerado quando eu os nomeei, mas parecia
apropriado para uma família de gatos que vive em uma fazenda
de árvores de Natal. Olho ao redor da sala de estar aberta e
localizo Prancer esticada na frente da lareira, com a cabeça
apoiada na pedra. Ela abre um olho e preguiçosamente bate a
pata no ar, o mais entusiasmado que eu já recebi dela. É bom
ver que ela encontrou o caminho de volta após o passeio de
trator desta manhã.
A porta se fecha atrás de mim, e vejo Evelyn colocar suas
malas na porta, entrando hesitante no espaço. Todos os quatro
gatos param o que estão fazendo e olham para ela como se ela
tivesse jogado um punhado de sua ração no ar como confete.
Ela pisca, seus olhos escuros arregalados.
— Isso é… — ela olha ao redor da sala. Um sorriso afrouxa
cada pedacinho de seu corpo quando Prancer decide que não é
uma ameaça, faz um alongamento de corpo inteiro e
imediatamente volta a dormir. Ela olha para mim. — Isso não
é o que eu esperava.
Me sentindo envergonhado, olho ao redor do espaço e tento
ver o que tem de inesperado nele. É bastante simples em termos
de móveis e decoração. Sofás grandes e enormes de segunda
mão, gastos e amados, um par de cobertores jogados nas costas.
Os gatinhos passaram por uma fase de garras e eu prefiro não
ter o recheio derramando sobre mim toda vez que me sento.
Um tapete vermelho escuro por baixo para manter o chão
aquecido no inverno. Prateleiras de cada lado da lareira,
empilhadas ao acaso com livros. Uma tela gigante no meio –
um campo de flores silvestres pintadas por Nova, vermelho e
amarelo e rosa pálido, bem pálido.
Minha caneca de café desta manhã ainda está na beirada da
mesa e eu a pego no caminho para a cozinha, colocando as
sobras do jantar na geladeira.
— Você quer algo para comer?
Eu mal pego seu suave não em resposta, seus pés a levando
até uma das grandes janelas que dão para os campos. De manhã,
a luz do sol preenche todo esse espaço até que esteja prestes a
explodir, as colinas se estendendo atrás da casa em uma colcha
de retalhos de verde e dourado. Neste momento, a escuridão
cobre tudo além da varanda de madeira. Em vez de fileiras e
fileiras de árvores verdes robustas, só vejo o reflexo de Evelyn.
Pontas dos dedos em seus lábios e maçãs do rosto salientes.
Grandes olhos castanhos. Eu encaro um segundo longo
demais, algo arranhando minha garganta.
Eu engulo em torno disso.
— Vou te mostrar seu quarto. — Fecho a porta da geladeira
e coleto todos os pedaços espalhados de mim mesmo. É uma
noite, talvez, e então ela estará em seu caminho. Partindo para
a próxima aventura, a próxima coisa excitante. Eu sou um
ponto de parada. Eu sou apenas um ponto de parada. Um que
ela nunca quis ter.
Eu preciso me lembrar disso.
Saio da cozinha e desço o corredor que leva aos quartos. A
casa é toda em um nível, o andar de cima é um espaço de
armazenamento gigante e não reformado com tábuas antigas
que rangem sob a menor pressão. Nessa o usa para ensaios de
dança às vezes, quando seu estúdio habitual está alugado ou
ocupado. Eu pensei que ela ia subir no teto da última vez que
ela esteve aqui, o suave tamborilar de seus pés interrompido por
tremores estrondosos enquanto ela praticava salto após salto.
Os gatos não ficaram entusiasmados.
Abro a porta do primeiro quarto à esquerda e acendo a luz
com o cotovelo, agarrando Cometa de seu lugar no meu
pescoço apenas para fazer algo com minhas mãos. Esfrego a
cabeça dela com os nós dos dedos e enfio a cabeça na banheira
anexada para ter certeza de que Nova ou Harper não deixaram
um monte de toalhas molhadas amontoadas no canto. Todos
os quartos têm um banheiro anexo. É um resquício, eu acho,
de quando esta casa enorme costumava ser um alojamento.
Não é à toa que saiu do mercado. As únicas coisas que vi
para caçar por aqui foram alguns esquilos e um veado rebelde.
Uma raposa que Stella chama de Guinevere.
— Você está administrando uma pousada à parte?
Evelyn cai na cama com um pequeno suspiro feliz, e eu
imediatamente viro meu olhar para o baú cheio de lençóis e
cobertores extras ao pé da cama.
— Alguns dias parece que sim — murmuro. Se uma das
minhas irmãs não está aqui dormindo em um quarto vago, é
Layla, trabalhando até tarde na padaria e muito cansada para
dirigir sozinha para casa. Ou Luka, dizendo que precisa de
tempo de caras e fingindo que vai ficar a noite inteira em vez de
voltar para a Stella antes da meia-noite. Ou Charlie, meio-irmão
de Stella, roncando tão alto que as vigas tremem com ele.
— Os cobertores estão no baú — digo a ela. Agarro Vixen
pela nuca, onde ela está bravamente tentando subir no topo da
minha cabeça. Cupido salta de mim para a cama e amassa suas
patinhas rosa no travesseiro. Evelyn estende a mão e acaricia as
costas do gatinho. — Toalhas extras no banheiro. Você é bem-
vinda a qualquer coisa que encontrar.
Sinto-me estranho, desconfortável, expulso de órbita e me
debatendo para encontrar o caminho de volta. Eu limpo minha
garganta duas vezes.
— Vou acordar cedo, mas se sirva do que precisar.
— Eu não ficarei no seu espaço por muito tempo — diz ela
calmamente. — Jenny deve ligar para a árvore telefônica
amanhã. Encontrar um lugar para eu ficar.
Isso vai ser muito bom. A árvore telefônica é facilmente a
coisa mais inútil nesta cidade. Ignoro a reviravolta no meu
estômago e a pontada de protesto que surge em resposta. Estou
confuso com a reação. Não tenho motivos para querer que ela
fique mais tempo do que precisa, mas sempre estive um pouco
fora de mim no que diz respeito a Evelyn.
— Tudo bem — é com que eu me contento, pegando os
gatos em meus braços e me virando para sair. Tenho medo do
que farei se ficar neste quarto mais um segundo. Se eu desse
dois passos para frente, meus joelhos iriam bater nos dela. Eu
poderia colocar minha mão ao lado de seu quadril e me inclinar
sobre ela, prendê-la no colchão com meus quadris. Ela não é
nada além de tentação espalhada na cama assim, varrida pelo
vento e quente.
Eu escolhi este quarto por um motivo. É o mais distante do
meu, do lado oposto da casa.
— Beckett?
Eu olho para cima de onde eu estava tentando desembaraçar
as garras de Vixen do punho da minha manga e me concentro
em Evelyn, sentada em uma fatia de luar que filtra pela janela.
Ela parece cansada, o cabelo começando a escorregar do rabo
de cavalo, a camiseta branca de botão enrugada pela viagem,
uma das mangas meio enrolada e a outra presa no cotovelo. Ela
está deliciosamente desfeita, um pouco borrada nas bordas, e
eu só quero a bagunçar um pouco mais.
Ela olha para mim, e eu empurro o desejo para longe.
— Obrigada — diz ela, a voz sussurrando suave.
Eu respiro fundo pelo nariz.
— Não tem problema.
Não terá. Ela ficará aqui, encontrará o que precisa e seguirá
seu caminho. Vai ficar tudo bem.
Eu vou ficar bem.
Seis
BECKETT
O AMANHECER TRAZ consigo uma dor de cabeça latejante e
uma nuvem de tempestade de mau presságio. Retiro o que disse
ontem à noite.
Isso é um problema.
Eu não estou bem.
Eu não dormi nada. Acordei com um solavanco a cada
ranger da tábua do piso, cada arranhão de um galho de árvore
contra a janela, cada som que a casa fazia quando se acomodava
ao meu redor. Quando finalmente adormeci, tive sonhos com
Evelyn parada na frente daquela janela na sala de estar, o luar
em sua pele nua, aquelas covinhas na base de sua espinha me
tentando. Sonhei com minhas mãos acariciando seus quadris e
meus lábios subindo pela coluna de seu pescoço.
Eu acordo frustrado, desejo martelando minha corrente
sanguínea. Eu gemo e me arrasto para fora da cama e me forço
a tomar o banho mais frio que consigo. A última coisa que
Evelyn precisa é que eu pense nela assim enquanto ela está
trabalhando em algo.
Eu amaldiçoo enquanto coloco meu jeans. De alguma
forma, consigo dar uma topada na beirada da cômoda e na mesa
do corredor. Eu queimo minha mão na cafeteira e caio nos dois
últimos degraus da varanda quando estou saindo de casa.
A mulher me fez uma maldita bagunça.
Ela disse que esta viagem não foi planejada e eu não tenho
ideia do que isso significa em termos de quanto tempo ela vai
ficar, ou o que ela está planejando fazer agora que está aqui. Ela
disse algo sobre... algo sobre lembrar como ser feliz, seus lábios
virados para baixo nos cantos, seus olhos em algum lugar no
chão perto de nossas botas. Era como se ela estivesse
envergonhada com isso, sua voz sendo levada pelo vento e se
afastando de nós dois.
Ela não era feliz? É difícil imaginar Evelyn sentindo outra
coisa além de alegria absoluta. Cheia até a borda com a porra do
sol e borboletas. A última vez que ela esteve aqui, ela tinha um
sorriso permanente no rosto, sua risada alta e brilhante
enquanto deslizava por entre as árvores. Mas essa é a coisa sobre
a felicidade, eu acho. Você pode mostrar o que quiser ao
mundo e não sentir nada disso dentro de você.
— Mas eu não sou o novato mais.
— Você está trabalhando aqui há dois dias.
Vozes ecoam pela borda do celeiro, um resmungo baixo em
resposta antes de um suspiro pesado de exasperação. Viro a
esquina no momento em que Jeremy passa a mão pelo cabelo,
o quadril encostado na lateral do trator. Estou feliz em ver que
ele está usando botas hoje, mesmo que pareçam algo saído de
uma revista.
— Beckett disse que o novato pega as pedras. Eu não sou
mais o novato.
— Um dia de trabalho na fazenda não remove o título de
novato. — Dou-lhe uma palmada no ombro e ele salta cerca de
três metros no ar. — Você é o novato até que outra pessoa
apareça. — Eu lhe entrego a pá e ele geme. — Não há muito o
que fazer hoje.
Barney ri e passa as duas mãos sobre sua cabeça careca.
— Há muito o que fazer hoje. O jovem figurão aqui não vai
conseguir cavar por merda nenhuma.
— Esses braços foram feitos para o amor, baby. Não para o
trabalho.
Barney e eu trocamos um olhar. Eu mordo o interior da
minha bochecha com tanta força que quase sangra.
— Bom saber. — Pego outra das pás e aceno para os campos.
— Vamos lá. Vou te ajudar.
Um pouco de trabalho físico irracional será bom para mim.
O motor do trator liga e eu pego um flash de branco saltando
pelo campo em nossa direção enquanto Prancer se acomoda em
seu lugar no trator, um olhar velado de desgosto lançado em
minha direção. Ela não veio ao seu lugar habitual na minha
cama na noite passada, provavelmente ocupada esculpindo
ameaças de morte no estofamento do meu sofá por ousar trazer
outra mulher para sua casa.
Barney esfrega a cabeça e partimos. O trabalho é lento,
especialmente com Jeremy cavando na velocidade de um
pequeno passarinho, os braços flácidos ao lado do corpo e a
pegada errada. Reviro os olhos e me perco no trabalho, minha
mente vagando a cada movimento repetitivo.
Empurrar. Escavar. Jogar fora. Ela dormiu ontem à noite?
Empurrar. Escavar. Jogar fora. Eu a acordei esta manhã quando
eu tateei minha caneca de café desajeitadamente através da
cozinha? Empurrar. Escavar. Jogar fora. Quanto tempo ela vai
ficar? Empurrar. Escavar. Jogar fora. Por que ela não está feliz?
Empurrar. Escavar. Jogar fora. Como posso ajudar?
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
Ela quer que eu ajude?
Harper chama isso de meu complexo de herói. Ela diz que
eu resolvo os problemas de outras pessoas para evitar os meus e
ela provavelmente está certa sobre isso. Não gosto de ver
ninguém com dificuldades.
Eu particularmente não gosto do olhar que vi no rosto de
Evelyn na noite passada, a dúvida misturada com hesitação.
— Tudo bem, chefe — Barney está me dando um olhar
preocupado, o trator parado, seu braço pendurado nas costas
do banco. Olho para o campo e para o buraco que
aparentemente estou cavando atrás do pneu esquerdo.
— Acho que você tem uma reunião matinal para ir —
Barney diz. Ele acena na direção do escritório de Stella, um
fluxo constante de fumaça saindo da chaminé. O sol já está bem
acima do horizonte, o céu de um azul brilhante e brilhante.
Jeremy está deitado de costas, o peito arfando, a pá cerca de seis
metros atrás dele. Acho que ele conseguiu duas pedras hoje.
— Você não está no time de basquete? — Eu pergunto para
ele.
Ele levanta uma mão flácida no ar.
— Eu fico no banco, mano. Eu só faço isso pelas mulheres.
Temos nossas reuniões de sócios nas manhãs alternadas de
quarta-feira. Uma tentativa, eu acho, de Stella de ser mais
transparente depois que ela escondeu alguns detalhes do
negócio de nós no ano passado. Layla geralmente traz algum
tipo de assado, e meu estômago dá um ronco feliz com o
lembrete. Eu olho para minha camiseta com uma careta,
coberta de sujeira e suor.
Layla faz a mesma careta assim que entro no pequeno
escritório, pilhas de papel ao acaso em cada superfície plana.
Stella gosta de dizer que tem um sistema, mas acho que ela é
uma mentirosa. Eu tiro uma foto no meu telefone e envio para
Luka. Ele provavelmente vai ter urticária assim que a vir.
— Por que parece que você se arrastou até aqui? — Layla
puxa o suéter sobre o nariz e chuta o assento ao lado dela até
que haja uma distância saudável de um metro e meio entre o
meu assento e... todo o resto.
Stella franze a testa para ela.
— Não é tão ruim — diz ela. Eu dou um passo para dentro
da sala e ela suga uma respiração afiada. — Oh meu Deus,
Beckett. Isso é sangue?
É, e não faço ideia de como foi parar na manga da minha
camisa. Eu ignoro as duas e desabo na cadeira, as pernas dando
um guincho de protesto com o meu peso. Tenho certeza de que
Stella encontrou essas cadeiras na beira da estrada e decidiu
trazê-las para casa com ela. Eu espio na lata em cima de uma
pilha de faturas.
— Isso é bolo de cenoura?
Layla pega um muffin de cima e me entrega. Ela faz uma
pausa, considera, e então me entrega outro. Eu estreito meus
olhos para ela. Não é típico dela oferecer extras de bom grado.
— O que está acontecendo com você? — Eu pergunto,
desconfiado.
— O que está acontecendo com vocês, Colheita Maldita5?
— Ela atira de volta.
Eu debato esconder isso delas, mas elas saberão em breve.
Especialmente porque o carro de Evelyn está estacionado na
minha garagem e as fofocas da fazenda são mais eficientes do
que a árvore telefônica da cidade. Estou honestamente surpreso
que Stella ainda não saiba. Eu dou uma mordida gigante no
bolo de cenoura e chuto minhas pernas para fora.
— Evelyn está aqui.
Eu recebo dois olhares vazios em resposta. Layla alisa as
mãos na saia vermelha brilhante que está usando, meia-calça
preta térmica por baixo.
5
Referência ao livro e filme Colheita Maldita.
— Importa-se de repetir o que você acabou de dizer?
Eu engulo e pego o café que Stella tem esperando por mim
na beirada da mesa.
— Evelyn está aqui.
— Em Inglewild?
Na minha cama extra. Envolta em lençóis com pequenas
rosas. Em menos de meio segundo, meu cérebro toma algumas
liberdades criativas com isso, imaginando-a esticada nua sob os
cobertores, uma perna comprida chutada para fora. Eu limpo
minha garganta.
— Na minha casa — eu digo lentamente. Eu arrasto cada
palavra e vejo os olhos de Stella se arregalarem. Ela troca um
olhar com Layla. Layla cai de volta em sua cadeira e levanta as
duas sobrancelhas. O nariz de Stella se contrai e seu ombro
levanta até sua orelha antes de se acalmar novamente.
— Parem com essa merda — eu resmungo, terminando o
primeiro muffin e passando para o próximo. — Eu sei que
vocês estão falando de mim.
— Não dissemos nada.
— Poderia muito bem ter.
— Tudo bem, vamos dar um passo para trás — Stella coloca
as mãos na frente do rosto. Com ela atrás de sua mesa, e Layla e
eu nas duas cadeiras na frente dela, parece que toda vez que eu
fui chamado ao escritório do diretor. Meu telefone vibra no
braço da cadeira. Eu olho para ele e vejo uma mensagem de
Luka.
Luka: Furacão Stella.
Luka: Isso é bolo de cenoura?
— Para de mandar mensagens para o meu namorado e
presta atenção.
Respiro lentamente pelo nariz e tento mudar de assunto.
Olho para Layla.
— Você não jantou com Jacob ontem à noite?
Ela faz uma careta.
— Eu terminei com Jacob duas semanas atrás. Fui a um
encontro com um cara que conheci por meio de um aplicativo.
— Ela acena com a mão entre nós e me fixa com um olhar que
diz que ela sabe exatamente o que estou fazendo. — Não tente
me distrair. Eu não vou deixar essa coisa de Evelyn passar.
— Não deveríamos estar analisando os números deste
trimestre hoje?
— Boa tentativa — acrescenta Stella. — Podemos discutir
isso primeiro e passar para o relatório depois. Eu também quero
falar sobre por que você tem Jeremy Roughman fazendo
trabalho manual nos campos. Mas, primeiro, como Evelyn
chegou à sua casa?
— Ela pegou um voo, eu imagino. E depois alugou um
carro.
Stella não está impressionada.
— Beckett.
— Eu a encontrei na cidade ontem à noite — explico. Deixo
de fora a parte em que a encontrei saindo do café, uma caixa de
biscoitos contrabandeados debaixo do braço. Eu não sei o que
Layla faria se descobrisse que estou pegando os assados da Sra.
Beatrice ao lado, mas provavelmente não seria bonito. Eu gosto
do meu rosto do jeito que está. — A pousada estava cheia e ela
não tinha outro lugar para ficar.
Layla me dá um olhar crítico, uma sobrancelha erguida na
testa.
— Então você a convidou para ficar com você?
— Eu convidei.
— Por quanto tempo?
Eu dou de ombros e pego a embalagem do meu segundo
muffin. Eles têm gotas de chocolate neles, como se Layla de
alguma forma soubesse que eu precisaria de uma força extra
hoje.
— Eu não faço ideia. Ela disse algo sobre a viagem não ser
planejada. — Deixo de fora a parte em que ela falou sobre
Lovelight ser o último lugar em que ela esteve feliz. Isso parece
privado, e eu não quero compartilhar coisas que pertencem a
ela. — Jenny está ligando para a árvore telefônica hoje para
encontrar para ela algum lugar para ficar mais tempo, eu acho.
Eu ignoro o zumbido de desconforto que se instala em meus
ombros com isso. A sensação é a mesma de quando há muito
barulho ao meu redor, meus dentes cerrados. Eu não gosto da
ideia dela em nenhum outro lugar, e estou bem ciente de que
isso me torna um idiota do caralho. Um masoquista,
provavelmente. Ela deixou suas intenções muito claras no que
diz respeito ao nosso relacionamento. Não consigo imaginar
que ser colega de quarto de seu caso de uma noite estivesse em
seus planos quando ela decidiu vir para cá.
Ela poderia ter me mandado uma mensagem, no entanto.
Me dado um aviso. Ela achava que não teria que me ver? Era
isso que ela esperava? Eu franzo a testa.
Stella e Layla se ocupam com outra conversa silenciosa
enquanto eu me concentro em comer o resto do meu café da
manhã. Bebo meu café e tento colocar tudo em ordem dentro
de mim. Meu cérebro continua girando de volta para Evelyn
caindo para trás na cama no quarto de hóspedes, um dos
travesseiros caindo por suas pernas. Cometa cutucando sob seu
queixo com o nariz. Isso está tocando repetidamente em minha
mente durante toda a manhã e me deixa com a sensação de que
fui chutado morro abaixo em um barril. Aquela coisa de fio
exposto de novo, meu cabelo em pé.
— Beck? — Stella está olhando para mim, o rosto marcado
pela preocupação e as palmas das mãos em concha
delicadamente em torno de sua caneca. Há um pinheiro
pendurado na luminária de sua mesa, e ela bate nele com o
cotovelo quando abaixa a cabeça para me ver melhor. — Você
está bem?
— Estou bem.
Eu estou. Estou bem. Evelyn no meu espaço não é algo que
eu não possa lidar. Se estar aqui vai ajudá-la a descobrir seus
próximos passos ou o que quer que ela esteja fazendo, então eu
posso aguentar. Provavelmente será como da última vez, onde
circulamos um ao outro e depois nos acomodamos.
Compartilhando um bom assado e seguindo em frente.
Isso não precisa significar nada.
Layla pega outro muffin da lata e me entrega.
— Aqui — ela diz. — Parece que você precisa disso.
Sete
EVELYN
ESTÁ TÃO quieto do outro lado do telefone que verifico várias
vezes para ver se Josie desligou acidentalmente na minha cara.
O silêncio não é o que eu esperava quando dei a notícia. Na
verdade, eu estava me preparando para o oposto. Riso
prolongado e desagradável. Uma gargalhada ou duas. Um grito
estridente.
— Josie?
— Você está ficando na casa dele? — Sua voz é baixa e, pela
primeira vez, não consigo ouvir uma única coisa ao fundo. Josie
está em constante movimento, muitas vezes soando como se
estivesse em uma estação de trem em vez de em sua casa. Agora
ela soa como se estivesse em um armário.
— Sim, eu estou ficando na casa dele. — Ele deixou uma
chave ao lado da máquina de café esta manhã. Um bilhete com
uma caligrafia surpreendentemente perfeita com o código da
porta da garagem.
— Ele… — ela solta um suspiro trêmulo. — Ele só tem uma
cama?
— O quê? — Eu dou um pequeno sorriso para a garçonete
do café, acenando em agradecimento quando ela coloca meu
latte cuidadosamente na mesa na minha frente. Ela dá um passo
para trás, mas continua olhando para mim, um sorriso
brilhante em seu rosto jovem. Eu conheço esse olhar. Já o vi mil
vezes antes. Eu dou a ela um pequeno aceno e me viro
levemente no meu assento, baixando minha voz. — O que você
está falando? Não, ele tem pelo menos duas camas que eu saiba.
Provavelmente mais. Eu não estava brincando quando disse
que ele poderia administrar uma pousada à parte. O interior de
sua cabana é enorme. Surpreendentemente confortável. Uma
coleção inteira de cobertores e travesseiros aconchegantes em
sua sala de estar.
Josie continua a respirar pesadamente ao telefone.
— O que ele usa para dormir? É calça de moletom? Elas são
cinzas?
— Você está bêbada?
— Por favor, apenas responda à pergunta, Evie.
— Eu não tenho ideia do que ele usa para dormir — eu
respondo o mais baixinho possível, consciente do fato de que
estou sentada bem no meio do café em uma cidade que adora
fofocar. Eu espio por cima do ombro para a mesa atrás de mim,
dois dos bombeiros de Inglewild no que parece ser seu terceiro
prato de pãezinhos de canela. — Eu não chutei a porta dele para
olhar, Josie.
— Talvez você devesse — ela sibila. — Ok, mas falando
sério…
Eu suspiro de alívio.
— … Eu preciso que você me diga em detalhes excruciantes.
Como está o Sr. Beckett hoje em dia? Você nunca
compartilhou uma foto e foi irritantemente vaga. Ele tem
barba?
— O que deu em você?
— Toda essa situação é uma loucura e estou tentando
capitalizar os benefícios. Você pelo menos bisbilhotou todos os
pertences dele como um ser humano razoável?
— Eu não bisbilhotei, embora eu não tenha descartado isso
para esta noite.
Eu notei algumas coisas. O que parecia um mapa celestial
colado na frente da geladeira, um círculo desenhado em
vermelho sobre um aglomerado de pequenas manchas com
uma data e hora rabiscadas acima. O canto da sala de estar com
três camas de gato enormes e de aparência macia, um cobertor
minúsculo em cada uma. Cinco tipos diferentes de café moído
no balcão da cozinha, todos meio usados e bem enrolados.
Não era o que eu esperava.
Embora para ser justa, eu não me permiti esperar nada de
Beckett. Além do meu jogo de imaginá-lo em lugares aleatórios,
perplexo por vasos de suculentas verde menta e arranjos de
frutas, eu mal me permitia considerá-lo. Lembrar é uma ladeira
escorregadia para desejar, e eu construí muita coisa para me
distrair com um homem lindo com tatuagens e mãos muito
grandes.
Acho que isso não importa muito agora, no entanto. Eu sou
uma grande bola de distração.
— Você já verificou suas contas?
Um pico de ansiedade deixa minhas palmas quentes.
— Não. Quão ruim é?
Acho que nunca fiquei mais de quatro horas sem postar,
uma compulsão de estar sempre um passo à frente. Josie
cantarola e ouço o clique de um mouse enquanto ela faz algo
em seu computador.
— Nada mal. Você está causando bastante agitação, no
entanto. Eu vi alguns blogs perguntando onde você estava.
Tem toda uma coisa de “Onde no mundo está Evelyn St. James”
acontecendo para você agora.
— Tenho certeza de que a Sway está satisfeita.
— Tanto quanto pode estar com sua queridinha da internet
em confinamento — Ela faz um som interessado baixinho,
mais alguns cliques. — Eu queria te dizer, estou vasculhando
algumas de suas caixas de entrada enquanto você está fora.
Parece que a Sway está rastreando algumas mensagens. Você
planeja postar enquanto estiver aí, ou é um apagão total?
— Ainda não decidi. — Isto deveria ser um passo atrás do
trabalho. Não tenho certeza se percorrer minhas contas e postar
conteúdo aleatório ajudará com a perspectiva que quero
encontrar. Não quero fazer nada até que me sinta bem
novamente.
Mas estou ansiosa para abrir minha câmera. É um reflexo,
um hábito formado ao longo de quase uma década de
compartilhar minha vida com milhões de estranhos. Eu queria
tirar uma foto quando abri a porta do quarto esta manhã, todos
os quatro gatos sentados em uma fila, olhando para mim com
suas cabecinhas inclinadas em consideração silenciosa. Quando
desci da varanda da frente, o sol estava em um lindo e brilhante
laranja no céu, tudo brilhando nas bordas. Quando eu
perambulava pelo beco estreito no meu caminho até aqui, as
videiras florais se cruzavam para frente e para trás entre os
prédios, um dossel de flores desabrochando e pétalas
flutuando. O cheiro de madressilva fazendo cócegas no meu
nariz.
— Você não precisa fazer nada — Josie me diz pelo telefone.
— Você está de folga por um motivo. Eu nem me lembro da
última vez que você tirou férias de verdade.
— Eu sei — eu aliso meu polegar sobre a borda do copo. —
Mas talvez ajudasse se eu tentasse apenas contar histórias
novamente. Foi assim que começamos tudo isso, não é?
Sem pressão. Sem expectativas. Só eu, conversando com as
pessoas. Ouvindo novamente.
— Eu não acho que iria doer — ela oferece. — Mas, por
favor, dê um tempo. Beba um latte — Ela faz uma pausa por
um segundo. — Descubra se o homem tem calça de moletom
cinza.
Uma risada explode de mim e metade das pessoas no café se
vira para olhar. Isso parece normal, a atenção de estranhos.
Quando eu era mais jovem, era emocionante. Lembro-me da
primeira vez que alguém me reconheceu em público. Eu estava
no supermercado examinando laranjas e uma jovem de cabelo
azul brilhante veio até mim e perguntou se eu era Evelyn St.
James. Ela viu meu vídeo sobre o Bagby Hot Springs e fez uma
viagem com seus amigos. Lembro-me de estar maravilhada.
Lisonjeada, extremamente encantada.
Agora, porém, a atenção parece um pouco com a pele
aquecida pelo sol, apenas tímida de uma queimadura. Uma
pontada quente de consciência e uma coceira que não parece
certa para coçar. Meus olhos se fixam na minha garçonete no
canto, amontoada em uma mesa cheia de adolescentes. Seus
olhares se dispersam assim que faço contato visual e mordo
meu lábio inferior contra um sorriso. Dou-lhes um pequeno
aceno e elas caem em sussurros furiosos. Uma garota corajosa
com óculos escuros grossos e seu cabelo em tranças acena de
volta.
O sino acima da porta toca e Jenny entra, uma das pétalas de
flores do lado de fora presa em seu cabelo. Eu levanto minha
mão para chamar sua atenção e começo a mover minha coleção
de pratos ao redor. Eu não conseguia decidir o que pedir, então
peguei um de cada no menu. Talvez eu tenha que me levantar
para comer outra salsicha e biscoito de cream cheese.
Eu coloco o telefone entre meu ombro e minha orelha e
passo uma garra de urso6 para o canto da mesa. Eu considero
isso brevemente, e então dou uma mordida. Nunca encontrei
um doce que não gostasse.
— Tenho que ir, Jo.
— Espero uma foto na minha caixa de entrada mais tarde.
Eu dou uma risada. Se eu lhe mandasse uma foto de Beckett,
ela estaria no próximo voo para Maryland.
— Claro, claro. Te amo.
— Também.
Jenny levanta as duas sobrancelhas enquanto desliza para o
assento à minha frente. Eu entrego a ela um prato com um
bolinho de cranberry e ela dá uma mexida feliz em sua cadeira.
— Namorado sentindo sua falta?
Meus lábios se contorcem para o modo como ela jogou
verde. Pelo menos duas cabeças se inclinam em nossa direção
que posso ver. Preciso lembrar que sempre tem alguém
ouvindo nesta cidade.
— Parceira de vida — eu explico e Jenny me olha enquanto
ela quebra seu bolinho ao meio. Eu não me incomodo em
explicar. — Você ligou por aí?
Ela acena.
6
A garra de urso é uma massa doce fermentada com fermento, um tipo de
dinamarquês, originária dos Estados Unidos em meados da década de 1910.
— Não consegui encontrar nada, mas é cedo. Tenho certeza
que algo vai aparecer hoje — Ela arrasta a ponta do dedo ao
longo da borda do prato, o cabelo loiro cobrindo metade do
rosto. Ela me lembra da minha mãe. As mesmas linhas nos
olhos, o mesmo sorriso gentil.
A mesma incapacidade de esconder suas intenções dúbias.
— Por acaso você encontrou um lugar para ficar na noite
passada? Eu me sinto tão terrível sobre o que aconteceu.
Eu sorrio e arranco um pouco de rolo de canela. O glacê
gruda no meu polegar. Tem gosto de açúcar e fofoca de cidade
pequena.
— Tenho certeza que você viu tudo atrás de sua mesa,
Jennifer Davis. Você realmente ligou para a árvore telefônica
esta manhã ou está tramando algo?
Ela pisca duas vezes, lenta e firmemente. Ela então começa a
enfiar o resto do bolinho na boca.
— Eu não sei do que você está falando.
Eu deixo cair meu queixo na minha mão.
— Mmmm.
— Eu te disse…
— …o festival de pipas, sim. — Eu não vi uma única pessoa
nesta cidade com uma pipa.
— Vou continuar verificando — ela murmura em torno de
um bocado de massa densa e cranberry seco. Eu ofereço a ela o
copo de água ao meu lado, preocupada com a forma
compulsiva que ela continua engolindo. Ela o pega com a mão
trêmula e bebe tudo em dois goles. — Você nunca sabe o que
pode acontecer.
— Claro.
— Betsey pode ter uma pista sobre um estúdio, mas acho
que é em cima da estação mecânica. Provavelmente cheira a
óleo.
— Provavelmente.
— E eu sei que os McGivens às vezes alugam um quarto
extra, mas acho que eles estão hospedando um... estudante de
intercâmbio.
— Faz sentido. — Não faz sentido.
— Mas vou mantê-la atualizada! — Ela desliza de seu
assento e dá um passo para trás, mais perto da porta. Se eu
achava que todos estavam olhando antes, não é nada
comparado à atenção intensa e ávida que estamos atraindo
agora. Dois dos funcionários espiam da cozinha dos fundos,
observando a troca. Acho que Gus, um dos bombeiros, está
gravando tudo em seu telefone. Jenny ri – uma coisa brilhante
e antinatural. — Tudo bem, tchau!
Seu rabo de cavalo mal desapareceu de vista quando uma
sombra pequena, mas robusta, aparece sobre meu ombro.
— Aquela mulher é uma mentirosa de merda — diz a Sra.
Beatrice, sua voz sempre mais suave e doce do que eu esperava
que fosse. Ouvi rumores dela pela cidade antes de conhecê-la
pela primeira vez. Coisas como:
Lembre-se de não a olhar diretamente nos olhos e:
Você acha que ela vai fazer alguém chorar hoje?
Então, quando entrei no café e vi uma mulher baixinha de
avental floral com o cabelo comprido preso em um coque
grisalho solto, fiquei surpresa.
Então, eu a vi jogar uma lata vazia de café no xerife e as coisas
fizeram um pouco mais de sentido.
— Sim, eu sei — eu suspiro. Eu penso em Beckett parado na
porta de seu quarto de hóspedes na noite passada, seu corpo
com linhas rígidas com uma carranca torcida em seus lábios. Ele
parecia a cerca de sete segundos de sair pela janela. — Acho que
vou ter que bisbilhotar eu mesma. Ver se há outro lugar para
ficar.
A última coisa que quero fazer é deixar Beckett
desconfortável em sua própria casa.
— Por quanto tempo você ficará aqui?
— Eu ainda não tenho certeza.
A Sra. Beatrice sussurra, as mãos flexionando nas costas da
cadeira. Ela não usa joias, mas tem uma pequena tatuagem de
um pássaro canoro nas costas da mão, logo acima do pulso. Eu
aceno para ela.
— Isso é bonito. — Linhas delicadas, um toque de vermelho
nas asas estendidas. Parece que está prestes a voar pelo braço
dela e descansar na dobra do cotovelo.
Ela olha para ele uma vez, um sorriso flertando em seus
lábios.
— Nova fez.
— Nova?
— A irmã mais nova de Beckett. — Eu pisco. Eu nem sabia
que ele tinha irmãs. — Eu disse a ela que queria BOSS em
ambos os dedos, mas resolvemos isso em vez daquilo.
— Bem — eu procuro as palavras certas. Ela ficaria muito
foda com tatuagens nos dedos, e o olhar em seu rosto diz que
ela sabe disso. — Talvez você possa convencê-la no futuro.
Ela acena com a cabeça, mas não se move um centímetro.
Eu levanto uma sobrancelha.
— Há algo em que eu possa ajudá-la?
Um sorriso lento rasteja em seu rosto.
— Já que você está perguntando...
EVELYN
BECKETT ESTÁ ME EVITANDO.
Três dias e eu não vi um único vislumbre dele. Eu sei que ele
está indo e vindo. Há sempre café fresco no bule e uma nota
manuscrita ao lado, listando o que sobra na geladeira. Eu não
sei como ele consegue ficar tão quieto sobre isso, mas eu não o
encontro nenhuma vez. Nem mesmo quando tento ficar
acordada até tarde na terceira noite, determinada a conversar
com ele.
Em vez disso, adormeço no sofá, dois dos gatos ronronando
no meu colo. Acordo por volta da meia-noite com um cobertor
sobre mim e um copo de água fresca na mesa de centro.
É irritante.
— Onde Beckett está se escondendo? — Eu pergunto a
Layla, minhas palmas pressionando massa de pastel na
bancada. Tenho passado meus dias com Layla e Stella,
ajudando onde posso. Nenhuma delas pareceu surpresa ao me
ver quando apareci pela primeira vez no escritório de Stella,
então, pelo menos, Beckett disse a elas que eu estava aqui.
Ou a árvore telefônica disse.
Layla cantarola e continua espalhando camadas intrincadas
de glacê em um biscoito. Ela se inclina para trás, gira uma vez e
depois se inclina para continuar.
— Você não está ficando na casa dele?
— Eu estou, mas ele não — Layla faz outro som
contemplativo baixinho. Eu pressiono meus dedos em um
pedaço teimoso de massa. — Ou ele é o homem mais quieto
vivo.
— Ele é bem quieto — Layla oferece. — Uma vez fiquei três
semanas inteiras sem ouvi-lo dizer uma única palavra. Apenas
grunhidos. — Ela se endireita, fixa o rosto em uma carranca e
resmunga de algum lugar no fundo do peito. É uma boa
imitação de Beckett. — Ele provavelmente está tentando te dar
espaço. Ele é assim.
— Eu preferiria que ele não estivesse evitando sua própria
casa.
— Você poderia tentar dizer isso a ele.
Eu poderia. Se eu o visse.
— Não o vejo há três dias.
Layla me dá uma olhada por cima de sua bandeja de
biscoitos, um traço de glacê azul brilhante em seu queixo.
— Ele trabalha aqui, não é? Encontre-o.
Meus antebraços e ombros estão doloridos quando decido
sair da padaria. Descarreguei toda a minha frustração na massa,
e acho que enrolei massa de torta suficiente para cobrir toda a
área da fazenda e mais um pouco.
Eu me arrasto pelos campos, deixando minhas palmas
passarem sobre os galhos eriçados das árvores de Natal. A
fazenda não é menos mágica agora do que era durante a
temporada de feriados, as árvores tão densas nos campos que
não consigo ver os prédios ou a estrada estreita além dela.
Somos só eu e os pinheiros, o sol alto no céu. Eu respiro fundo
pelo nariz e sorrio.
Bálsamo. Cedro. Grama fresca cortada e flores de maçã.
Não encontro Beckett com as árvores ou ao longo da cerca
que divide a terra em quadrantes, então mudo de direção e sigo
para o celeiro. Passo por alguns lavradores que reconheço da
minha última viagem e aceno para eles, um homem passando
com o que parece ser uma cesta cheia de rabanetes. Eu protejo
meus olhos contra o sol com minha mão.
— Você viu Beckett?
O homem acena com a cabeça e aponta para um celeiro
menor atrás do que eles usam para a decoração do feriado, a
porta aberta com uma roda de trator descartada. Finalmente.
Deixo todo o peso da minha frustração guiar meu caminho até
o galpão e deslizo pela porta, meio que esperando que ele saia
correndo assim que me vir. Seria poético, de certa forma,
Beckett fugir de mim desta vez.
Mas ele não corre. Ele não me ouve. Eu passo pela porta para
o pequeno espaço inundado com a luz da tarde e quase dou de
cara no carrinho de mão na minha frente.
Beckett está sem camisa no meio da sala, ambos os braços
apoiados acima dele enquanto ele enrola um grosso rolo de
corda ao redor de dois pinos paralelos também. Observo a tinta
em seus braços mudar e flexionar a cada rotação de suas mãos,
as constelações e planetas em seu braço esquerdo um belo
elogio às flores e videiras à sua direita.
A pele lisa de suas costas não tem marcas, sua coluna é uma
coluna forte ladeada por músculos magros. Seu corpo é
condicionado pelo trabalho, endurecido e cortado pelos dias
passados sob o sol e nos campos. Lembro-me de pressionar
meus dedos naquela pele quente, como seus quadris rolaram
para dentro de mim, prendendo-me debaixo dele.
Eu engulo em seco quando ele deixa cair os braços e rola os
ombros para trás com um suspiro. Ele pega uma camiseta
jogada sobre a borda de uma grande prateleira de metal e eu
limpo minha garganta – desvio meus olhos de seus ombros
firmes.
— Então é aqui que você está se escondendo.
Beckett se assusta e bate a cabeça em uma cesta baixa de
ferramentas de jardim. Eu tenho um vislumbre de estômago
tonificado quando ele se vira e puxa a camisa para baixo para se
cobrir. A lembrança de que estive na cama com esse homem é
como uma corda nos amarrando. Ele fica tenso e eu balanço
para frente, ainda mais em seu espaço.
Ele esfrega os nós dos dedos atrás da orelha, seu cabelo
úmido de suor espetado em todos os sentidos. Seu chapéu está
de volta em uma das prateleiras, um boné preto usado
desbotado com um logotipo dos Orioles nas bordas. Há uma
marca vermelha em sua testa de onde deve ter pressionado sua
pele. Eu olho para ele enquanto ele olha para mim com os cílios
abaixados, um olhar tímido deixando suas bochechas rosadas.
Aquele corpo com aquele rosto.
Eu nunca tive chance naquele bar, todos esses meses atrás.
Eu endireito minha coluna, reúno minha frustração e a
seguro firme com as duas mãos.
— Você tem dormido no celeiro? — Sai de mim rápido
como um chicote. Aparentemente, estou mais irritada com isso
do que pensava.
— Não — ele responde. Sua voz profunda é uniforme e
calma, mas ele não me olha nos olhos. — Eu tenho dormido em
casa.
— Quando? — Eu atiro de volta.
— À noite.
Eu coloquei minhas mãos em meus quadris. Seus olhos se
estreitam, estudando a pilha de pneus sobressalentes atrás de
mim como se fosse a coisa mais interessante que ele já viu.
— Beckett.
Seus olhos relutantemente rastejam de volta para os meus.
— Estou chegando tarde. Eu estive… — ele hesita, tão
claramente procurando uma desculpa que eu tenho que lutar
para não revirar os olhos. — Eu tenho um projeto.
— Um projeto.
Ele se mexe como um homem com algo a esconder.
— Sim.
— Esse projeto é ficar me evitando?
— Não — ele diz a palavra como se tivesse mil vogais no
final, olhando por cima do meu ombro para a porta aberta com
desejo nu. Aposto que ele está fantasiando sobre correr direto
para as colinas. — É... bem, é complicado.
Essa conversa é ridícula.
— Me prova.
Ele abre a boca e nada sai. Acho que nunca vi alguém tão
sem palavras.
— É um pato — ele finalmente consegue.
Um grupo de lavradores passa pela porta aberta, suas risadas
chegando ao pequeno espaço. Eu pisco para Beckett e ele olha
de volta. Ele está falando sério?
— Um o quê?
— Estou tentando descobrir onde posso colocar um pato —
ele murmura. Suas palavras estão escondidas em sua respiração
e eu tenho que me esforçar para ouvir o que ele está dizendo.
— E você só pode fazer isso no meio da noite?
— Ah, eu não… — Ele deixa seus braços caírem ao seu lado.
Eu me concentro na tatuagem de videira que se enrola em seu
pulso e em torno de seu antebraço largo, até o cotovelo. Há
pequenas flores brancas nele, uma nova adição desde a última
vez que o vi. — Achei que você preferiria assim.
— Você achou que eu preferiria que você se esgueirasse por
aí?
Ele concorda.
— Quando eu te dei essa impressão?
Ele não diz nada em resposta, apertando as mãos ao lado do
corpo. Eu suspiro e pressiono dois dedos contra a dor de cabeça
sempre presente entre meus olhos.
— Eu tenho tentado falar com você — eu explico. —
Encontrei um aluguel em Rehoboth. Posso sair de sua casa em
dois dias, assim que estiver disponível.
Vai ser chato ir e voltar da costa, mas é melhor do que... seja
lá o que for.
Seu rosto se contorce em confusão.
— Você está indo?
Eu não entendo por que ele se importa, considerando que
ele me viu por vinte e oito minutos somados desde que eu
cheguei e ele está… escondido em galpões de armazenamento,
aparentemente. Concordo com a cabeça e deslizo minhas mãos
nos bolsos traseiros, balançando para trás em meus calcanhares.
Ele me considera em silêncio. Aqui na luz fraca, seus olhos
parecem verde musgo. Escuros e profundos.
— Você achou sua felicidade, então?
— O quê?
Ele dá um passo à frente e pega uma toalha, enxugando as
mãos nela com movimentos rápidos e treinados. Todo o seu
rosto tem linhas angulosas, uma carranca distorcendo tudo.
— Na primeira noite em que você esteve aqui, você disse
algo sobre procurar sua felicidade. Você achou?
Estou surpresa que ele se lembre, mas acho que não deveria
estar. Beckett sempre foi bom com os detalhes.
— Pedaços dela — Gus e Monty dançando no quartel dos
bombeiros. Biscoito de linguiça e cream cheese. O cheiro de
jasmim fresco na estufa de Mabel.
Notas manuscritas ao lado da máquina de café.
Ele me dá um olhar crítico.
— Você não parece ter certeza disso.
— Porque eu não tenho — eu digo. Eu ainda não tenho
respostas para as perguntas zumbindo na parte de trás da minha
cabeça. Eu ainda não tenho uma solução para o meu problema
de esgotamento profissional. — Mas eu não vou deixar você se
esgueirando pela sua própria casa enquanto eu descubro
minhas coisas. — Encolho um ombro. — O lugar em Delaware
é bom.
Beckett joga sua toalha de volta na prateleira de metal e apoia
as mãos nos quadris. Eu sei que ele não está fazendo isso de
propósito, mas seus braços flexionam com o movimento, seus
bíceps tatuados esticando as mangas de sua camiseta. Eu não
tenho ideia do que ele estava fazendo que o fez suar tanto, mas
eu gostaria de escrever uma nota de agradecimento.
— Fica aqui — ele diz em sua voz rouca – sua voz mandona
– uma voz que está acostumada a conseguir o que quer aqui na
fazenda. Sua mão esfrega a mandíbula, as pontas dos dedos
espalhadas sob o olho esquerdo. Ele parece cansado. — Fica na
minha casa. Eu irei parar de…
— Me evitar? Ser estranho? — Eu penso por um segundo,
expressando uma suspeita. — Dormir na sua estufa?
— Eu não tenho dormido na minha estufa.
OK, bom. Ele tem feito essas outras coisas.
— Eu não vou ficar aqui se for assim — digo a ele baixinho,
a luta se esvaindo de mim. — Eu não vim aqui para mexer com
sua vida. Eu queria um pouco de perspectiva e este parecia ser
o melhor lugar para isso.
Agora não tenho tanta certeza. Estou de pernas para o ar
desde que coloquei os pés em Inglewild.
— Fica — ele diz novamente, e ele acena para a porta aberta.
Parte da apreensão desaparece de seus olhos. Há uma suavidade
ali, um pouco de compreensão. Por um segundo, ele é aquele
homem do Maine novamente. Aquele que enroscou seus dedos
no meu cabelo e pressionou seus lábios tão docemente nos
meus. Mas então ele pisca e o reconhecimento desaparece.
Ele pega o chapéu da prateleira.
— Eu tenho que embrulhar algumas coisas e então eu vou
até em casa. Eu não serei… — um sorriso se contorce nos cantos
de seus lábios. — Eu não serei estranho.
BECKETT
EU acordo de bruços na minha cama, dois gatos enterrados
entre minhas escápulas e meu telefone vibrando na mesa de
cabeceira. Eu gemo e luto para não jogar a maldita coisa pela
janela. Eu estava sonhando com Evelyn e aquelas meias que ela
estava usando na varanda dos fundos – aquelas que vão até os
joelhos. No meu sonho, ela estava apenas usando aquelas
meias, um sorriso tímido em seus lábios vermelhos escuros.
Sou uma criatura de hábitos e posso me sentir criando novos
hábitos com Evelyn em meu espaço. Estou acostumado a tê-la
aqui agora, até gosto disso. Eu gosto de ouvi-la se mover do
outro lado da casa no meio da noite, um xingamento abafado
sob sua respiração quando ela esbarra em algo no escuro. Gosto
de ouvi-la falar com os gatos, discutir com Prancer sobre quem
tem direito ao grande cachecol fofo que ela amarra no pescoço.
Gosto dos sapatos dela no corredor e da bolsa em um dos
ganchos da porta. Seu batom no balcão da cozinha e seus
elásticos de cabelo esquecidos na beirada da pia.
Eu rolo na cama e Cometa e Vixen expressam seu protesto,
encontrando outro lugar nos cobertores para se enrolar. Eu
enfio as palmas das minhas mãos em meus olhos até ver
manchas.
Eu não deveria gostar de nada.
Eu certamente não gostaria de sonhar com ela. Tenho
certeza de que isso cruza algum tipo de linha na trêmula trégua
de amigos que lentamente montamos.
Mas meu cérebro não recebeu o memorando. Cada noite é
um vale-tudo de fantasias vívidas. Evelyn na banheira gigante,
bolhas deslizando pelo pescoço. Evelyn na cozinha, curvada
sobre minha bancada. Evelyn encostada na estante ao lado da
lareira, as mãos enroladas nas bordas.
Meu telefone vibra novamente e eu bato cegamente em
minha mesa de cabeceira. A luz do amanhecer flerta com as
bordas da minha janela em uma sombra cinza.
4h32
Nessa
Você é necessário na trivia esta semana.
Eu não quero ouvir uma única reclamação ou
desculpa.
Uma das categorias é botânica.
4h41
Beckett
O que você está fazendo acordada tão cedo?
E não.
Minha família tem um time de trivia para as competições
mensais do bar. Eles são assustadoramente competitivos sobre
isso. Harper quase jogou uma cadeira pela janela da frente
quando ela errou uma pergunta sobre Boyz II Men.
4h42
Nessa
Ensaio antes do trabalho.
Você tem 72 horas para aceitar essa realidade.
Harper não vai poder ir.
4h43
Beckett
Eu não estou registrado.
4h45
Nessa
Oh, meu doce irmão.
Registramos você todos os anos exatamente por
esse motivo.
Agora é sua hora de brilhar.
A categoria é BOTÂNICA.
4h47
Beckett
Nosso pai também é fazendeiro.
4h49
Nessa
Vejo você neste fim de semana.
EVELYN
BECKETT BRAVO É… UMA experiência.
Antebraços tensos, um sulco profundo no meio da testa.
Olhos duros e sua boca em uma linha plana e severa. Ele
continua respirando fundo durante a viagem para a cidade,
deixando o ar sair devagar. Suas mãos flexionam no volante e
ele murmura algo sobre um loiro de praia filho da puta
baixinho.
Francamente, está funcionando para mim.
Não que haja muito que Beckett faça que não funcione para
mim.
Observá-lo nos campos esta manhã foi como um copo de
água fora do alcance. A flexão e extensão de seus braços
enquanto ele empurrava sua pá para baixo. A extensão de seus
ombros e a linha forte de sua mandíbula. Não ajudou que eu
soubesse como é o corpo dele sob todas aquelas roupas. A
forma como seu peito duro afunila em quadris estreitos, o
músculo empilhado em seu abdômen que eu definitivamente
afundei meus dentes durante nosso tempo juntos.
— Aonde estamos indo?
Sua caminhonete diminui quando chegamos à beira da
cidade, uma placa de madeira pintada nos dando boas-vindas
ao centro de Inglewild. Faz-me sorrir cada vez que a vejo. A
diferença entre o centro e o resto deve ser de dois quarteirões.
Beckett vira à esquerda no quartel e desce a rua, seu olhar
focado no pára-brisa dianteiro. Eu sinto que talvez eu deva
ativar alguma meditação guiada, acalmá-lo antes que ele
encontre quem quer que esteja procurando.
— Beckett — eu tento novamente. — Aonde estamos indo?
Estou começando a pensar que o plano dele é dirigir sua
caminhonete pela sala de estar de alguém.
— O bar — ele responde. Duas palavras. Nada mais. Eu vejo
sua mandíbula flexionar e estalar.
— Quem está no bar?
— Carter Dempsey.
Eu aceno como se esse nome significasse alguma coisa para
mim.
— E o que você vai fazer com Carter Dempsey?
Beckett passa a mão sobre a alavanca de câmbio e nos faz
parar. Em uma série de movimentos praticados, ele manobra
sua caminhonete gigante em uma das vagas de estacionamento
que margeiam a estrada principal. Nunca na minha vida fiquei
tão excitada com uma baliza. Beckett muda para estacionar e
nivela um olhar direto para mim.
— Eu vou matá-lo.
OK, bem. Isso provavelmente não é uma ótima ideia. Ele
chuta a porta e atravessa a rua como se estivesse feliz sobre ir
matar alguém. Eu me esforço para soltar meu cinto de
segurança e o sigo com passos rápidos, correndo para
acompanhar sua caminhada furiosa.
— Você quer tomar sorvete em vez disso?
Ele abre caminho pela larga porta de madeira, mantendo-a
aberta com a palma da mão para que eu possa entrar por baixo.
— Não.
— Eles tinham um novo sabor há alguns dias.
Casquinha de waffle de chocolate com pedacinhos de
butterfinger7 misturados. Layla e eu pegamos três casquinhas
seguidas. Ele resmunga para mim e se dirige para o longo balcão
que se estende pelo meio do espaço. Está escuro, mesmo
durante o meio-dia, e ninguém está atrás do bar, o lugar vazio,
exceto por um homem relaxado em uma mesa no canto. Ele
levanta a mão em saudação enquanto Beck caminha até um
banquinho, chutando o que está ao lado dele no que suponho
ser um convite.
— Jesse está trabalhando hoje?
— Não, é o Carter — o homem no canto responde. —
Embora eu não saiba para onde ele desapareceu.
7
É barra de chocolate com a combinação única de textura crocante e
amanteigada de amendoim e pasta de amendoim
Eu ando atrás de Beckett até o velho bar de mogno,
catalogando os detalhes de estanho ornamentados em camadas
no teto. Se Carter tiver um pingo de bom senso, ele
desaparecerá nos fundos do bar. Eu tomo o assento ao lado de
Beckett e ele me puxa para mais perto com o pé entre os degraus
inferiores do banco, me entregando um menu de papel.
Eu enrolo meus dedos em torno dele e olho para ele.
— Vamos comer antes ou depois de você cometer um
crime?
Um sorriso mal toca seus lábios.
— Depois.
— Imagino que deva ser difícil com sangue em suas mãos.
Seu lábio se curva ainda mais e ele acena em direção ao
banheiro.
— Eles têm sabão.
Tudo bem, então. Eu olho para o menu, uma borda
arrancada.
— O que você recomendaria?
Olhos verde-mar se inclinam em minha direção.
— Pensei que você gostaria da coisa da berinjela.
Eu cantarolo e inclino minha cabeça enquanto olho para a
descrição impressa abaixo.
— Você tem razão. Mas vou comer batatas fritas. —
Recuso-me a comer uma salada depois de um dia inteiro de
trabalho manual. Ou, você sabe, sempre.
— Ok.
Ele mantém sua bota embaixo do meu banco enquanto
esperamos, seu olhar não vacilando da pequena meia porta que
leva à cozinha dos fundos. Seu joelho bate na minha perna a
cada dois minutos e é bom, apesar da tensão que ele está
segurando em seus ombros. É bom dividir um espaço. Foi bom
passar o dia todo nos campos com ele. Foi bom voltar para casa
com a chaleira no fogão e os muffins da padaria em uma linda
caixa verde na ilha da cozinha. Os gatos descansando sobre os
móveis e as botas de Beckett descartadas na porta. Foi bom vê-
lo descer o corredor, o cabelo ainda molhado de um banho,
jeans baixo em seus quadris, seus olhos brilhando ao me ver. Era
bom estar pressionada contra ele, sua pele quente e sua
respiração um sopro suave contra minha orelha.
Eu sempre senti uma atração por Beck. Isso não é segredo.
Mas agora está pior. Mais profundo. Eu gosto de passar tempo
com ele, vendo os pedaços de si mesmo que ele faz o possível
para esconder. Suas rotinas e sua ordem e compromisso
relutante com uma família de gatos órfãos. Sua lealdade e seu
cuidado silencioso.
Eu gosto dele.
Quanto mais tempo estou aqui, mais fácil é ignorar todo o
resto. Ainda não sei se isso é bom ou ruim.
Depois de dez minutos sem a aparição do misterioso Carter,
Beckett suspira e se levanta de seu banco, desenrolando seu
grande corpo de sua posição curvada. Eu o ouço murmurar
algo como fodido inútil baixinho novamente. Ele contorna a
borda do bar.
— Você quer uma cerveja?
— Cidra, se eles tiverem.
Ele aperta os olhos para as torneiras. Eu sorrio enquanto ele
se inclina um pouco mais perto dos rótulos, sua cabeça
inclinada em confusão.
— Você precisa de óculos?
Ele envolve a mão em torno de uma das torneiras, colocando
um copo embaixo e enchendo-o com bolhas âmbar. Ele não me
responde.
— Porque parece que talvez você precise de óculos.
Eu penso nele em um par de armações pretas grossas,
escorregando no nariz enquanto ele se senta na grande cadeira
de couro ao lado da lareira, um dos gatos no colo e um livro no
joelho. Meu corpo inteiro fica arrepiado.
— Tenho um par que uso às vezes, mas apenas para ler —
ele murmura. Ele pega outro copo para si e serve uma cerveja.
Ele olha por cima do meu ombro para o homem no canto. —
Você precisa de alguma coisa, Pete?
— Tequila com gelo, garoto.
Beckett acena com a cabeça e pega uma garrafa da prateleira
de trás. Uma onda lenta de calor se desenrola na base da minha
coluna enquanto Beckett alinha um copo, flexionando o
antebraço. A última vez que eu bebi tequila, Beckett lambeu
uma linha de sal de dentro do meu pulso e então amarrou os
dedos no meu cabelo, empurrando minha cabeça para trás até
que ele pudesse sentir o gosto na minha língua.
Ele olha para mim enquanto serve, os olhos conhecedores.
Eu tento sorrir em torno do nó na minha garganta.
— Isso é familiar. — Minha voz sai em um sussurro arenoso.
É o mais perto que chegamos de falar sobre aquele fim de
semana. Ele balança a cabeça e desliza o copo de tequila pelo
bar.
— Eu não vou levar isso para você, Pete — ele chama por
cima do ombro.
O velho no canto ri.
— Imaginei. Parece que você está com as mãos cheias do
jeito que está.
Beckett volta ao bar com sua cerveja, seus passos lentos. Seu
peito roça meus ombros enquanto ele desliza atrás de mim. Eu
sinto cada lugar que nossos corpos tocam. Quando ele se senta,
ele está mais perto do que antes, sua bota no degrau inferior da
minha cadeira. Ele puxa uma vez, o metal rangendo enquanto
se arrasta pelo chão. Pete abafa uma risada na manga de seu
casaco enquanto pega seu copo, retornando ao seu lugar
isolado no canto do bar. Viro meu rosto para Beckett e vejo
como sua língua molha seu lábio inferior.
— Não tomo tequila desde então — ele me diz e acho que
não estamos falando de álcool. A lambida de calor faiscando ao
longo da minha pele se transforma em um inferno. Eu abro
minhas pernas ligeiramente no banco até que eu possa
pressionar meu joelho ao lado de sua coxa. Deixo-me olhar para
ele, deliciando-me com todos os detalhes que posso coletar
quando estou tão perto. Eu os coloco na palma da minha mão
como segredos. As sardas quase imperceptíveis espalhavam-se
sob seu olho esquerdo. A linha reta de seu nariz, uma pequena
depressão no centro. O cacho de cabelo atrás da sua orelha.
— Nem eu — eu digo. Um sussurro. Uma confissão.
Eu observo a linha forte de sua garganta enquanto ele
engole.
— Você…
Ele não termina sua pergunta. A porta atrás do bar se abre e
um homem um pouco mais baixo que Beckett sai. Ele está
vestindo uma camiseta do Guns N' Roses rasgada na parte
inferior e jeans de lavagem clara, uma braçada de óculos limpos
equilibrados contra o peito. Seu cabelo loiro cai em seu rosto
enquanto ele passa pela porta, uma toalha enfiada no cinto. Ele
é meio fofo de um jeito despretensioso. Ele provavelmente seria
mais bonito se eu não tivesse Beckett sentado ao meu lado, as
mãos se fechando em punhos.
Este deve ser Carter, então.
Ele hesita assim que seu olhar pousa em Beckett, seus olhos
passando para a saída e de volta para o homem corpulento
prestes a tomar dois punhados da tampa do bar.
— Beckett — ele cumprimenta, cautela em sua voz e com
razão. O calor que estava rastejando na expressão de Beckett
enquanto esperávamos se foi agora, e sua mandíbula parece
apertada o suficiente para estalar. — Vejo que você se serviu.
Ele acena para as bebidas na nossa frente. Beckett não diz
nada. Carter se mexe em seus pés. Ele realmente tem um colar
de concha de puka. Achei que talvez Beckett estivesse
exagerando.
— Você precisa de mais alguma coisa?
Beckett permanece em silêncio.
Carter suspira.
— Você só vai sentar aí?
Beckett pega sua cerveja e toma um longo gole, o olhar não
se move um centímetro. Impaciente, o rosto de Carter se
transforma em algo cruel. Ele não parece mais fofo. Ele parece
mesquinho e infantil, seu cabelo tingido se tornando um verde
desbotado nas luzes acima.
— Harper contou…
— Não diga o nome dela. — Beckett interrompe. Um
arrepio lambe minha espinha. Eu nunca ouvi aquele tom de voz
em sua boca antes, um aviso em cada sílaba.
Carter se eriça.
— Bem, se ela está falando como uma…
A mão de Beckett estala, rápida como um relâmpago. Ele
agarra a gola da camisa de Carter e o puxa por cima do bar até
que o outro homem está praticamente pendurado lá, as mãos
apoiadas na borda para evitar cair de cara na bandeja de
drenagem.
— Como o quê?
Carter gagueja.
— Vá em frente, termina a sua frase. — Quando Carter não
diz nada em resposta, Beckett o libera. Ele vai tropeçando para
o outro lado do bar, as costas batendo na beirada de uma mesa
segurando sua bandeja de copos limpos. Eles chocalham com o
impacto.
— Eu sei que faz um minuto desde a última vez que
conversamos, mas deixe-me esclarecer isso bem para você. Se eu
ouvir outra palavra da sua boca sobre minha irmã, eu quebrarei
todos os ossos do seu corpo — Beckett não quebra o contato
visual, nem por um segundo, sua voz enganosamente calma
para a ameaça viva em cada palavra. — Não fale sobre ela. Não
olhe para ela. Nem pense nela. Se eu descobrir que você entrou
em contato com ela com mais alguma besteira, farei com o que
acontecer a seguir pareça um acidente. Você me entende?
Ele pega o menu que coloquei ao lado da minha bebida. Ele
olha para ele uma vez. Carter se aproxima da porta que leva aos
fundos.
— Eu quero um hambúrguer. Ela vai querer o sanduíche de
berinjela. — Ele joga o menu sobre o bar e dá a Carter um olhar
desdenhoso. — Não se esqueça das batatas fritas.
BECKETT
— VOCÊ ACHA QUE essa onda de frio vai acabar em breve?
Estou começando a ficar preocupado. Normalmente, não
vemos esses tipos de temperaturas no final de março. As tardes
têm sido bastante quentes, mas as manhãs e as noites são
francamente frígidas. Verifiquei a temperatura antes de sair de
casa esta manhã. Mal estava passando de um grau negativo.
— Tem que acabar — Barney responde, franzindo a testa
para suas botas, mãos nos quadris. — Porque eu me recuso a
fazer qualquer replantio dos produtos que já plantamos este
ano.
Não seria a pior coisa do mundo ter uma safra de baixo
rendimento nesta primavera. Não dependemos dela como
nossa principal fonte de renda. Mas eu odiaria ver todas essas
colheitas serem desperdiçadas depois de colocarmos tanto
esforço nesses campos e qualquer negócio é um bom negócio
para nossa nova fazenda.
Na verdade, eu estava começando a ansiar por pimentões.
— Onde está o garoto?
Eu coço minha sobrancelha.
— Com Layla esta manhã. Ela estava mostrando a ele como
estimar o estoque.
O que significa que ela está fazendo com que ele carregue os
sacos gigantes de farinha e açúcar, que ela pega no atacadista,
para dentro da padaria. Stella me repreende por forçar o
trabalho manual, mas tenho certeza de que Jeremy estará
rastejando de volta para os campos depois de uma tarde com
Layla. Ela administra suas cozinhas como uma equipe de
mecânicos, mas com glacê e granulado pastel.
Barney me dá um olhar malicioso.
— E a garota?
— O nome da garota é Evelyn — murmuro. E ela não é uma
garota. Ela é uma mulher envolta em tentação, encimada por
uma sinceridade ansiosa e honesta que faz meu peito parecer
vazio. Passar um tempo com ela, conhecendo-a, só me fez
gostar mais dela. O que é um problema, já que ela planeja partir
sem olhar para trás dentro de algumas semanas.
Esperançosamente, agora, ela está sentada em um grande
campo de flores. Imagino-a ali, com as mãos em concha
frouxamente em torno de uma Cenoura Selvagem florescendo,
as flores brancas brilhando contra sua pele escura. Eu me
imagino ali com ela, meu nariz em seu pescoço, sua pele mais
doce do que as flores ao nosso redor. Sua risada livre e quente.
Eu suspiro e enfio a palma da minha mão no meu ombro e
tento aliviar um pouco da tensão. Juro que me transformei no
homem de lata desde que ela começou a dormir na minha casa.
Um monte de latas chacoalhando, procurando para onde
diabos meu coração foi parar.
— Ela está em algum lugar por aqui, tenho certeza.
Barney se endireita de repente, sua mão protegendo seus
olhos contra o sol.
— Mais perto do que você pensa, sim?
O sorriso em seu rosto murcha e depois desaparece
completamente. Sigo seu olhar para uma figura curvada
tropeçando na colina. O chocalho no meu peito se transforma
em um rugido quando Evelyn faz uma pausa bem no topo.
Não há como confundir seu cabelo escuro ou suas longas
pernas enquanto ela balança no lugar, os braços apertados ao
redor de si mesma. Já estou avançando quando Barney
murmura um xingamento baixinho.
Algo está errado.
— Ela está bem?
— Pegue o Gator — eu chamo por cima do meu ombro,
pegando meu ritmo para uma corrida enquanto Evelyn tropeça
em seus joelhos e então cai ao seu lado. Eu a perco de vista na
grama alta e meu coração para, uma sensação de dormência
subindo pelas minhas pernas. Quando eu tinha 12 anos,
apostei com outro menino da minha classe que conseguiria
pular uma das cercas da fazenda com um único pulo. Lembro-
me de correr para a coisa torta a toda velocidade, as silvas dos
arbustos arranhando minhas pernas nuas. Lembro-me da
sensação de leveza de impulsionar meu corpo para cima e, em
seguida, do clipe do meu sapato contra a cerca. Eu bati no chão
com um baque doentio, o vento bateu em mim. Fiquei ali
deitado de costas e tentei desesperadamente sugar o ar, tudo
girando ao meu redor.
É assim agora enquanto corro para o topo da colina e
encontro Evelyn enrolada de lado na grama. Seu cabelo
molhado está grudado em seu rosto, suas roupas encharcadas e
grudadas em sua pele. Qualquer jaqueta que ela estava vestindo
foi descartada há muito tempo e seu corpo fica mais retraído,
os joelhos no peito, enquanto ela tenta conservar qualquer
calor que lhe resta.
Porra, está um pouco acima de zero aqui e ela está
encharcada.
— Evie — eu respiro, as mãos pairando sobre ela antes de eu
a virar de costas. Ela pisca para mim com os olhos atordoados,
os dentes cerrados ao redor dos arrepios que percorrem seu
corpo. Eu enrolo minha palma ao redor de sua nuca e o som
que ela faz estilhaça direto no meu peito.
— Ei — ela diz, sua voz áspera. Ela tenta sorrir, mas tudo o
que consegue é uma careta. — Eu ca-ca-caí no l-l-lago.
— Que porra você estava fazendo? — Eu pergunto, ciente
de que estou gritando sem motivo. Mas não consigo me conter,
não quando sua pele está desbotada para um cinza acastanhado
e ela mal consegue manter os olhos abertos.
Eu olho por cima do meu ombro enquanto coloco minhas
mãos acima de seus cotovelos, sua pele tão malditamente fria
que eu xingo baixinho. Eu deslizo meus dedos e me atrapalho
com minha jaqueta, arrancando-a dos meus braços e
colocando-a ao redor dela. Não que isso vá ajudar muito contra
suas roupas encharcadas. Mas ela o aperta contra o peito como
uma tábua de salvação e enterra o nariz no colarinho.
— Venha aqui — digo a ela, as mãos tremendo. Eu coloco
um sob seus ombros e o outro sob seus joelhos e a levanto
contra mim. A água escorre pelos meus braços e eu ajusto
minha jaqueta mais apertada ao redor dela. Ela geme no
segundo em que sua bochecha pressiona meu pescoço e eu sugo
uma respiração afiada por entre os dentes.
Ela está congelando.
— E-e-estava achando um po-pouco de feli-lici-licidade —
ela sussurra em meu pescoço, as mãos frouxamente sobre meus
ombros. Eu deslizo minha palma sob sua camisa molhada até
que o material se amontoe no meu pulso, esfregando com força
na parte inferior de suas costas. Eu quero arrancar o sol do céu
e instigá-lo de volta em sua pele, alisar minhas palmas sobre
cada centímetro dela até que ela esteja brilhando com ele
novamente.
— Como isso funcionou para você? — Eu respiro contra
sua testa, observando quando Barney finalmente aparece no
Gator. Ele está dirigindo a coisa como um louco, dando a volta
na cerca como um morcego fora do inferno. Eu começo a ir em
sua direção, tomando cuidado para manter Evelyn perto.
Ela bufa uma risada na minha pele que soa como um
gemido, seu nariz pressionado contra minha garganta.
— P-p-poderia ter sido me-melhor. Obrigada.
Barney bate no freio e uma nuvem de poeira sobe ao nosso
redor, os olhos arregalados em seu rosto bronzeado. Ele dá uma
olhada em Evelyn em meus braços e sua boca se achata em uma
linha fina.
— Há quanto tempo?
Eu subo no banco da frente com Evelyn e me enrolo em
volta dela. Somente sobre o meu cadáver vou a deitar no banco
de trás.
— Não sei — digo a ele. Enfio o nariz em seu cabelo
molhado e traço minha palma sobre sua barriga, tentando
derramar todo o meu calor nela. Sua mão enrola em volta do
meu pulso e ela me segura lá, apertando uma vez.
— A-andei do l-lago até a-aqui — ela responde com outro
arrepio enquanto Barney decola com um estrondo, indo em
direção a minha cabana. Eu coloco minha bota no chão do
pequeno caminhão e me agarro. O lago está facilmente a
oitocentos metros de onde estamos agora e quem sabe quanto
tempo ela demorou andando assim. — Meu te-telefone estava
no meu bo-bo-bolso.
— Você disse que estava dando um tempo, certo? Você não
precisa dele — Eu não posso acreditar que ela está pensando em
seu telefone quando ela mal consegue juntar duas palavras.
Uma chama quente de frustração bate atrás dos meus olhos,
seguida de um pânico profundo.
Ela está muito fria.
— P-p-por i-isso q-que eu n-não l-liguei para v-você — ela
explica, inclinando a cabeça para trás para estreitar os olhos
para mim. Sua mão aperta meu pulso novamente. — M-mal-
humorado.
Porra, eu estou mal-humorado. Eu também estou
apavorado. Fodidamente furioso comigo mesmo.
Barney para bruscamente na frente da minha cabana e eu
imediatamente saio, minha mão protegendo a cabeça de
Evelyn, seu rosto ainda dobrado na curva do meu pescoço.
Cada roçar de sua pele gelada contra a minha é como um
tambor de advertência, batendo dentro do meu crânio. Leve-a
para dentro. Aqueça-a.
— Sem água quente — Barney chama, seu rosto alinhado
com preocupação. — Se você a colocar no chuveiro ou na
banheira, pode aquecê-la muito rápido — Ele bate uma vez
sobre o peito. Sobre seu coração. — Cobertores. Muitos deles.
Ao meu olhar questionador, ele encolhe os ombros.
— Caí na baía em dezembro ajudando meu irmão a amarrar
potes de caranguejo. Quando a guarda costeira me pescou, foi
o que eles disseram. — Ele coloca o Gator em marcha e alivia o
freio. — Eu vou em direção ao escritório principal. Avisar Stella
e resolver tudo. Vou ligar para o Gus e pedir para ele vir assim
que puder. — Ele me dá um olhar severo. — Cuide da nossa
garota.
Nossa garota. Outro pedaço de mim se quebra, algo para
Evelyn segurar na palma de sua linda mão.
Ele volta ruidosamente para a fazenda e eu subo os degraus
de dois em dois, irrompendo pela porta da frente. Evelyn
estremece violentamente na minha frente, sua respiração em
pequenas baforadas contra meu pescoço. Os gatos correm ao
redor dos meus pés enquanto eu desço o corredor, indo direto
para a lareira. Eu a coloquei com cuidado na poltrona enorme
na frente dela, puxando-a para mais perto com minhas mãos
apoiadas em ambos os lados.
Ela franze a testa para mim enquanto eu me afasto,
tropeçando na pilha de lenha na lareira. Sinto que tenho duas
mãos esquerdas, meus movimentos descoordenados e
desajeitados. Eu acendi fogueiras desde criança, mas preciso de
três tentativas para acender o maldito fósforo, minhas mãos
tremendo o tempo todo. Eu lanço a chama atrás da grade e
expiro lentamente enquanto ela pega e se espalha, madeira
enrolando nas bordas. Eu a vejo tentar se levantar com o canto
do meu olho e meus dentes cerram em um estalo audível.
— Sente-se, porra.
— M-m-as o sofá. Estou toda molhada.
— Evie, eu juro por Deus. Eu não dou a mínima para o sofá
— Eu rasgo um dos cobertores do outro e o jogo na madeira a
seus pés, o fogo começando a estalar atrás de mim. Meu olhar
arrasta seu corpo encolhido na beirada da poltrona, de suas
botas encharcadas até seu suéter pingando.
— Tira suas roupas — eu lato, antes de pisar na cabine para
o meu quarto.
Eu gostaria de ser mais suave, mais reconfortante, mas meu
corpo parece apertado, tudo a um segundo do colapso. Não
consigo parar de relembrar o momento em que ela apareceu
sobre a colina, a forma como seu corpo balançou e depois caiu
para fora de vista. Como uma flor murchando na videira. Eu
não consigo parar de ver o jeito que ela se encolheu quando eu
a virei, as mãos agarrando o nada.
Eu enrolo o edredom da minha cama e caminho em direção
à sala de estar. Evelyn está de pé novamente, de costas para mim
enquanto se atrapalha com suas roupas na frente da lareira.
Tudo o que ela conseguiu fazer foi tirar os sapatos, as mãos
trêmulas tentando afrouxar o botão do jeans encharcado.
Ela me olha por cima do ombro, um olhar levemente
suplicante que evapora toda a minha raiva e a substitui por uma
dor terna.
— Beck, eu n-n-não consigo...
— Está tudo bem — Eu jogo o edredom com o outro
cobertor e me enrolo em suas costas, gentilmente movendo
suas mãos para os lados. Seu suéter molhado encharca minha
camisa enquanto deslizo o botão de sua calça jeans, as costas dos
meus dedos roçando a pele macia de seu estômago enquanto
trabalho no zíper. Eu puxo o material pesado sobre seus quadris
e ela faz um pequeno barulho, uma exalação fina de seu nariz.
Arrepios aparecem em sua pele enquanto eu desço o jeans
molhado e tiro suas pernas.
— Desculpe — murmuro, minha mão em volta de seu
joelho enquanto tento ajudá-la a sair dele. Meu polegar traça
distraidamente sobre a pele delicada. Ela ainda está tão fria.
Algo que soa como uma risada sai dela, suas mãos segurando
seus cotovelos e seu queixo pressionado contra o peito.
— Nada que você n-não tenha visto a-a-antes.
Eu aperto minha mandíbula.
— Não significa que é um convite aberto — digo a ela,
minha voz rouca de frustração. Estou muito focado nos
círculos sob seus olhos e no tom azul pálido de seus lábios para
notar qualquer outra coisa – o frio pegajoso que cobre sua pele,
suas roupas rígidas e inflexíveis. Eu me levanto e levanto a
bainha de sua camisa, guiando-a sobre sua cabeça. Eu tomo
cuidado para não emaranhar o cabelo dela quando todo o seu
corpo dá uma tremenda sacudida, a camisa jogada no chão com
um plop pesado. Eu aliso minhas palmas para baixo em seus
lados em uma massagem vigorosa e todo o seu corpo estremece.
Ela não é nada além de algodão fino e pele nua na minha
frente, suas escápulas curvadas como asas dobradas enquanto
ela se curva para frente. Eu alcanço o edredom e o enrolo em
sua frente, hesitando por meio segundo antes de pegar meu
moletom e puxá-lo. Eu puxo minha camiseta também,
deixando meu peito e torso nus. Evelyn olha para mim, olhos
escuros, pesados e exaustos.
— Isso é b-b-bom — ela murmura em torno de outro
tremor feroz, seu queixo e a curva de seus lábios mal visíveis
acima de seu casulo cobertor. Seria fofo se eu não estivesse tão
preocupado, seu cabelo escuro ainda um tufo molhado contra
sua testa.
Eu me afundo no edredom com ela, meus braços deslizando
ao redor de sua barriga e guiando-a contra mim até que suas
costas nuas fiquem confortáveis contra meu peito. Eu chupo
uma respiração afiada quando cada centímetro congelado dela
pressiona contra mim, suas mãos se movendo do cobertor para
agarrar meus braços em vez disso.
Preciso de mais dezessete cobertores. Uma daquelas garrafas
de água quente que minha mãe costumava colocar em nossas
camas quando éramos crianças.
— Q-quente. — Sua expiração é um suspiro de alívio. São
três passos arrastados até o sofá que não está coberto de roupas
molhadas. Quando eu caio de volta nele, eu me certifico de
manter Evelyn contra mim, guiando seu corpo acima do meu
até que ela esteja sentada de lado, suas pernas dobradas sobre
meu colo. Eu envolvo minha mão em torno de seu tornozelo e
aperto, meu polegar esfregando a saliência de seu osso.
Nós nos sentamos em silêncio, o fogo crescendo na lareira
até que a sala está brilhando com ele – o crepitar das chamas me
incitando a me acalmar. Eu posso sentir o calor lambendo
minhas canelas e inclino seu corpo até que ela esteja o mais
perto possível, dobrada contra mim.
— Você me chamou de Evie — ela diz em algum lugar no
meu pescoço, sua palma deslizando do meu pulso para o meu
cotovelo. Ela se aninha mais perto, ávida por calor.
— Esse é o seu nome, não é? — Eu cedi ao desejo de roçar
meus lábios contra a concha de sua orelha, usando meus dedos
em suas costas para pentear suavemente as pontas de seu cabelo.
Ainda está pingando e eu enrolo a ponta do edredom em volta
dele, tentando espremer um pouco da água extra. Eu deveria ter
trazido uma toalha para ela. Feito seu chá na cozinha.
— Você n-não me chama assim há algum tempo, é por isso
— ela responde, preguiçosa e lenta. Seu tremor diminuiu, sua
mandíbula finalmente relaxou com o aperto de seus dentes. Eu
olho para o que posso ver de seu rosto, seus cílios escuros em
leque contra a ascensão de sua bochecha.
— Eu g-gosto — ela me diz – uma declaração. Ela faz uma
pausa e solta um suspiro pesado e aguado. — Eu senti falta —
ela acrescenta – um segredo.
Eu movo minha mão para suas costas, diminuindo meu
toque até que minha palma descanse ao longo do centro de sua
coluna. Eu abro meus dedos e escuto o som de sua respiração.
Eu combino a minha com a dela.
— Eu também senti falta — confesso.
O frio começa a deixar sua pele enquanto eu continuo a
abraçá-la, uma luz suave da lareira enchendo a sala. Uma das
gatinhas aparece na beirada do sofá, seu rostinho franzido em
preocupação. O corpo de Evelyn relaxa contra o meu e eu
ajusto meu aperto, cutucando-a uma vez com o nariz.
— Ei. Acho que você não deveria dormir. Fale comigo por
alguns minutos.
Ela resmunga algo baixinho, se mexendo no meu colo até
que seu braço está baixo em volta das minhas costas e seu joelho
está abraçando meu lado. Ela está me usando como um
travesseiro humano e o pensamento me faz sorrir, um pouco da
tensão finalmente escorregando dos meus ombros.
— Sobre o que? — ela pergunta.
— Não sei. Sobre o que costumamos falar?
— Eu costumo fazer um monte de perguntas e você gr-
grunhe para mim. — Ela ri no buquê de margaridas no meu
ombro, as delicadas pétalas se espalhando sobre meu peito. Ela
o traça suavemente – os longos caules, a fina fita pintada entre
eles. Seu polegar trilha para o oco da minha garganta e ela o
deixa lá, o nariz na minha clavícula. Eu a ajusto no meu colo.
Não consigo pensar quando toda a sua pele está pressionada
contra a minha. Mal consigo respirar.
Quando não ofereço nada em termos de conversa, ela
suspira.
— Diga-me algo sobre o céu.
Eu inclino minha cabeça para trás contra o sofá e considero,
esticando minhas pernas sob a mesa de café.
— Haverá uma chuva de meteoros no final de abril — eu
começo. Suas pernas se movem e eu estou distraído com o peso
dela contra mim, seu lábio inferior arrastando contra a minha
pele. Eu inspiro lentamente.
— Eu sei — ela me diz. — Eu vi isso na sua g-geladeira.
Esqueci que coloquei o mapa lá. Normalmente um dos
gatos o recolhe para seu ninho e eu tenho que extraí-lo entre
camisas roubadas e uma gravata que usei duas vezes.
O peso de Evelyn se torna mais pesado contra mim, sua testa
cutucando meu queixo. Eu a empurro levemente, minha mão
deslizando por sua pele.
— Vamos, docinho. Fica acordada comigo.
Ela geme e envia um raio de calor disparando pelo meu
sangue. Eu limpo minha garganta e luto por algo para
preencher o espaço limitado entre nós.
— Li online que é considerado uma chuva de meteoros
comum. — É o que dizia o artigo. Comum. Como se um monte
de poeira, rocha e gelo que sobram da criação do sistema solar
não fosse algo incrível. Quando paramos de nos maravilhar
com o mundo ao nosso redor? Quando paramos de olhar para
as estrelas?
— Meteoros vêm de cometas? — Ela murmura no meu
pescoço, preguiçosa e lenta.
Eu concordo.
— Sim. — Deslizo minha mão até seu quadril e aperto uma
vez. — Pedaços de cometa, suponho. Quando os restos
começam a cair em nossa atmosfera, eles pegam fogo.
— Quando você c-coloca assim — ela ri, um leve toque no
som. — Parece lindo.
Eu sorrio contra sua têmpora.
— É, no entanto. É quando você pensa sobre isso. Essas
coisas estão circulando o céu por– Deus sabe quanto tempo,
realmente. E então nós cruzamos o seu caminho e eles
começam a cair, iluminando o céu à medida que avançam.
Pense em cada criança que olha para o céu e vê aquele flash de
luz. Isso é mágico, não é? — Oito anos de idade e de pé no
quintal dos meus pais, talos de milho até os joelhos e meu
pijama um tamanho maior, a barra da minha calça arrastando.
Um flash de luz e meu coração na garganta. Um desejo feito a
uma estrela. — O que diabos há de comum sobre isso?
EVELYN
EU GRUNHO quando alcanço a maçaneta da porta da padaria,
dezessete camadas de roupas grossas e quentes ao meu redor.
Beckett olhou para mim enquanto forçava um moletom sobre
minha cabeça na cozinha esta manhã – uma coisa verde velha e
desbotada com um texugo gigante no peito.
— Fique longe da água hoje — ele ordenou, os lábios
inclinados para baixo. Eu tinha ido soltar meu cabelo da gola,
mas ele chegou lá primeiro, prendendo-o em seu punho. Ele fez
uma pausa, apenas por um segundo, e depois o soltou nas
minhas costas.
Houve um punhado de memórias naquele segundo. Eu
podia ver isso no único flash de escuridão naqueles olhos
brilhantes. Ele se lembrava, assim como eu. Suas mãos no meu
cabelo, inclinando minha cabeça para trás enquanto ele me
guiava em direção a uma cama com muitos travesseiros.
Umidade pegajosa contra minha pele. Um gemido profundo e
indulgente vindo de mim. Uma exalação trêmula pressionada
bem entre meus seios.
A fita de sinos prateados acima da porta anuncia minha
chegada e interrompe com sucesso meu pequeno devaneio.
Layla e Stella olham por trás do balcão, o rosto de Stella se
contorcendo em confusão com minhas camadas de
marshmallow. Nem está frio hoje. Posso sentir uma única gota
de suor escorrendo pela minha espinha.
— Moletom fofo — Layla diz imediatamente, um sorriso
malicioso em seus lábios carnudos. Ela tem um bolo na frente
dela, creme de manteiga branco e glacê verde caçador. Um
rastro de miosótis delicados e azuis pálidos desce em cascata
pela lateral, sua mão parada acima. Ela ajusta seu aperto na
bolsa e inclina a cabeça para o lado. — Eu gosto do seu novo
visual de fazenda. Combina com você.
Também combina pra mim, quando não estou suando até
a morte. Vou até a bancada e pego um biscoito quebrado, a
pilha de descartes imperfeitos de Layla em uma bandeja para
qualquer um pegar.
Eu deveria ajudá-la com seus pedidos de fim de semana, mas
talvez eu coma todos os restos dela e encerre o dia. Sinto que
mereço isso.
— Eu vi a ambulância estacionar ontem — Stella enxuga as
mãos em uma toalha e dá a volta no balcão. — Eu ia passar lá se
não te visse hoje. Tudo certo?
A ambulância. Deus. Eu nunca me senti mais inconveniente
do que quando Gus entrou estrondoso na garagem de Beckett
com seu gigante vermelho e branco. Pelo menos ele não tinha
as luzes e as sirenes ligadas. Tenho certeza de que teria rastejado
para debaixo da cama no quarto de hóspedes e nunca mais
sairia.
— Estou bem. Beckett cuidou bem de mim. — Com os
cobertores e sua pele quente pressionada na minha, seus braços
apertados em volta de mim, seu queixo no meu ombro. Sinto
outra onda de calor que não tem nada a ver com minhas
camadas de roupa. Ele não hesitou, instantaneamente me
pegando e me segurando perto.
Layla ri de seu bolo, um movimento experiente de seu pulso
enquanto ela desenha uma pequena e perfeita folha no canto.
— Tenho certeza que sim.
Eu dou a ela um olhar ao redor de um bocado de biscoito de
aveia e chocolate.
— Muito maduro de sua parte.
Eu termino meu biscoito e coloco meus cotovelos no meu
peito, uma tentativa de puxar meus braços das mangas das
minhas duas camadas superiores. O material grosso se amontoa
ao redor do meu bíceps e eu faço um som impotente enquanto
tento me contorcer.
Stella tem misericórdia de mim e agarra a bainha.
— Estou feliz que você foi capaz de chegar a Beckett. É uma
longa caminhada do lago até os campos.
Ainda mais quando você está encharcada e tremendo tanto
que mal consegue respirar. Perdi meu casaco em algum lugar
no caminho, a coisa tão pesada com água que parecia ter 30
quilos a mais. Eu vou ter que ir pegá-lo em algum momento.
Stella puxa o moletom por cima da minha cabeça e eu solto
um suspiro de alívio. Movimento. Oxigênio. Doce, doce
liberdade. Ela coloca a confusão de algodão sobre uma cadeira.
— O que você estava fazendo no lago, afinal? Nós realmente
só o usamos no verão.
— Tentando. — Eu ofereço uma explicação que não faz
absolutamente nenhum sentido. Mas Stella sempre parece ler
nas entrelinhas. A confusão em seu rosto se transforma em uma
compreensão suave, sua mão apertando meu braço uma vez.
— Tudo certo?
Concordo com a cabeça, dou de ombros e, em seguida,
balanço a cabeça.
— Não sei. — Eu enfio minhas mãos nos punhos da minha
camisa e olho para a foto pendurada atrás do balcão – Beckett,
Layla e Stella juntos com uma tesoura gigante, cortando um
grande laço vermelho na frente da padaria. — Você já sentiu
vontade de ir devagar? Não ser responsável por tudo, o tempo
todo?
Ela quebra um pedaço do meu biscoito enquanto considera
sua resposta.
— Cerca de seis meses como dona da fazenda, comecei a ter
sonambulismo. Na maioria das vezes, eu acordava em algum
lugar da casa. Passando pelas gavetas da cozinha.
Inexplicavelmente tirando todas as minhas roupas da cômoda.
Reorganizando as plantas de casa. Outras vezes eu acordava no
meu escritório, sentada atrás da minha mesa. — Ela bufa uma
risada. — Uma vez acordei enquanto digitava um e-mail para
um fornecedor, pedindo quatro vezes o valor de tudo. Beckett
teria terra suficiente para anos.
— O escritório fica bem longe da sua casa. — Pelo menos
no meio da noite, fica. Quando alguém está presumivelmente
dormindo.
Stella assente.
— Sim. Uma noite eu caí no meio do campo. Torci meu
tornozelo. Eu tive que voltar para casa de pijama. — Ela balança
a cabeça. — Eu estava coberta de sujeira, sentada na minha
cozinha, com a perna apoiada no balcão.
Eu dou outra mordida no biscoito.
— Luka ficou bravo?
Ela acena.
— Furioso. Ele ficou chateado por eu nunca ter contado a
ele sobre o sonambulismo. Que estava acontecendo há um
tempo e eu nunca pensei em mencionar ou desacelerar.
Ela olha pela janela para as árvores além, um meio sorriso
puxando seus lábios.
— Não sou muito boa em ouvir a mim mesma. Alguns dias
eu me esforço demais. Alguns dias não conseguimos um único
cliente e eu fico em pânico de perder tudo. Alguns dias eu
invento uma história elaborada com meu melhor amigo e finjo
que estamos em um relacionamento para que uma
influenciadora de mídia social goste mais de nós. — Ela me dá
um sorriso triste. — Alguns dias estou tão cansada que mal
consigo lembrar meu nome. E isso é o que se espera, certo?
Quando você possui um negócio. Acho... acho que nos
disseram que devemos abraçar a rotina. O trabalho. Que tudo
vai valer a pena no final. Mas às vezes precisamos descansar mais
do que precisamos de outra coisa em nossa agenda. E tudo bem.
Estou aprendendo que está tudo bem.
Eu solto uma respiração ruidosa. É isso que estou
procurando, eu acho. Um pequeno descanso. Algo mais lento.
Estou tão cansada de todo o resto.
Stella me observa com atenção.
— Não há problema em querer coisas diferentes — diz ela.
— Pessoas mudam. Você tem permissão para mudar. Fazer
menos não te torna menos.
As estações mudam e nós também. Eu me pergunto se Stella
fez o banner que está pendurado no centro da cidade.
— Bela camisa — Layla chama, uma risada escondida em
sua voz. Olho para a flanela enorme amarrada com um nó na
minha cintura e puxo um dos botões.
— É confortável — eu digo.
— Mmmm.
— É muito macia.
— Tenho certeza de que é.
Não tão suave quanto o olhar no rosto de Beckett, porém,
quando ele me ajudou a deslizar o material sobre meus ombros,
seus dedos roçando o interior do meu braço e então minha
clavícula. Minha, aquele olhar dizia, com posse no trabalho
ágil de seus dedos contra os botões. Mas então ele limpou a
garganta e desviou o olhar, olhando para sua caneca de chá
como se ela tivesse o significado da vida.
Eu não tenho ideia do que ele quer de mim, se ele ainda quer
alguma coisa de mim.
Stella me estuda com um olhar conhecedor.
— Você falou com ele?
— Ele sabe que eu estou com a camisa dele.
— Não foi isso que eu quis dizer e você sabe disso.
Eu não sei. O que eu poderia dizer? Aquela noite no Maine
foi uma das melhores noites da minha vida. Eu quero continuar
sentada na sua varanda dos fundos.
A cada dia que passamos juntos, só gosto mais de você.
Não posso. Ainda há muito para descobrir. Estou confusa
sobre o trabalho e essa confusão está sangrando, atrapalhando
o resto de mim.
Especificamente meus sentimentos por um fazendeiro
muito bonito e muito estóico.
Nossa conversa é interrompida por uma batida no vidro
grosso da porta da frente. Caleb Alvarez abre a porta e enfia a
cabeça por ela, o resto de seu longo corpo permanece na
pequena varanda. Cabelo escuro, sorriso tímido. Olhos apenas
para Layla.
— Você já abriu para negócios?
Layla acena para ele de trás do balcão, a língua entre os
dentes enquanto termina de colocar suas flores.
— Sempre para você, oficial.
Caleb se endireita e desliza pela porta, um rubor satisfeito
em suas bochechas bronzeadas. Ele nos dá um aceno e um
sorriso tímido que faz com que covinhas gêmeas pisquem em
suas bochechas. Stella e eu suspiramos em uníssono.
— Disse para você me chamar de Caleb — ele fala para
Layla.
— Seu bolo estará pronto em um segundo — Layla oferece.
— Sirva-se de um café enquanto espera.
Caleb se abaixa atrás do balcão até a cafeteira e Stella se
inclina para mais perto de mim, escondendo a boca com as
costas da mão.
— Este é o terceiro bolo personalizado que ele pediu este
mês — ela sussurra. — Acho que ele ganhou quinze quilos.
Eu observo seu corpo esbelto, pernas cruzadas nos
tornozelos enquanto ele se inclina contra o balcão e olha para
Layla como se ela fosse feita de ameixas e pó de fada. Talvez
todas essas calorias estejam indo direto para seu coração
gigantesco. Eu sorrio.
— Ela notou?
O sorriso desaparece do rosto de Stella enquanto ela balança
a cabeça.
— Ela está tão acostumada com os homens que a tratam
como lixo, acho que ela não reconhece quando alguém tem um
interesse genuíno por ela. — Ela suspira e esfrega a ponta do
dedo em sua sobrancelha. — Eu tenho fé em Caleb, no entanto.
Eu também, se a risada de Layla for alguma indicação. Ela
explode com algo que ele murmura baixinho sobre a bancada,
um sorriso de resposta florescendo em seu rosto bonito.
Eu estreito meus olhos.
— Isso significa que você apostou dinheiro no Caleb?
Na última vez que estive aqui, me deparei com um bolão de
apostas em toda a cidade com chances de Stella e Luka se
tornarem oficial; um quadro branco surpreendentemente
organizado e eficiente na parte de trás do quartel com nomes e
valores rabiscados.
Stella ri.
— Luka tem.
EVELYN
NÃO ESTÁ BEM.
Ele mal termina sua cerveja antes que uma dramática
crescente de música comece a bombar no bar. Parece algo de
Harry Potter ou talvez... Battlestar Galactica? Eu não faço
ideia. Seja o que for, Gus lentamente sobe ao ritmo de sua
posição agachada em cima do bar, megafone na mão.
— VAMOS NOS PREPARAR PARA A TRIVIA — ele
grita em seu alto-falante, arrastando a última palavra até que ele
não consiga respirar. A multidão irrompe em aplausos
estridentes.
— Jesus Cristo — Beckett suspira ao meu lado.
— Tudo bem, todos. Vocês conhecem as regras. Cada
equipe tem um corredor. Você escreverá suas respostas e, no
final de cada rodada, seu corredor levará suas submissões para
Monty — Ele aponta para o bar onde Monty está sentado com
um chapéu de aparência oficial e um sorriso largo. — O xerife
também gostaria que eu lembrasse a todos que o termo corredor
não significa que você tenha que correr, e se alguém começar a
atacar novamente, isso é o fim imediato da noite — Gus estreita
os olhos e examina a multidão. — Você ouviu isso, Mabel,
querida? Sem violência esta noite.
— Eu nunca vi trivia como essa antes — eu digo na direção
geral da mesa.
Nova bate uma folha de papel que parece estar em relevo na
parte inferior, uma canetinha entre os dentes.
— E você nunca mais vai. Vamos matar esses filhos da puta.
Beckett arrasta a mão inteira pelo rosto.
— A primeira categoria… — Gus faz uma pausa dramática.
O bar inteiro espera com a respiração suspensa. — …é botânica.
— Não é justo! — Alguém grita lá de trás. — A família
Porter tem gerações de conhecimento agrícola em sua equipe!
Nessa dispara de seu assento ao lado de Nova.
— Ninguém questionou você no mês passado sobre como
você sabia tanto sobre as Spice Girls, Sam. Sente-se.
Há um resmungo do outro lado da sala. Ninguém mais diz
uma palavra.
— Primeira pergunta. Que tipo de planta vascular não
possui sementes nem flores?
— Samambaia — Beckett, seu pai e eu respondemos a
pergunta exatamente no mesmo momento. Beckett olha para
mim, confuso.
— Como você sabe disso?
Eu dou de ombros e bebo minha cerveja.
— Eu sei das coisas.
Ele abre a boca para dizer mais alguma coisa, mas Gus
interrompe com aquele maldito megafone.
— Segunda questão! Qual parte da planta de ruibarbo é
comestível?
— Caules — Novamente, Beckett e eu respondemos a
pergunta ao mesmo tempo. Ele estreita os olhos para mim
enquanto Nova escreve furiosamente as respostas.
— Como você sabia disso?
— Eu te disse, eu sei das coisas. — Eu traço meu dedo
indicador ao redor da borda do meu copo. O olhar de Beckett
se move para ele e seus olhos se aguçam, sua mandíbula
flexionando.
— Não importa como ela sabe porque ela não está registrada
e ela não pode participar com respostas. — Nessa fornece do
outro lado da mesa. Ela me dá um encolher de ombros e um
sorriso arrependido. — Desculpe. Mas você pode dar apoio
moral.
— Deveríamos tê-la registrado na equipe — diz Nova.
— Da próxima vez. — Nessa concorda.
Um brilho quente se instala em meu peito. Eu não percebi
o quanto eu estava esperando que elas gostassem de mim até
agora. Nessa estala os dedos na frente do rosto de Beckett. Ele
não desviou o olhar de mim.
— Cabeça no jogo.
Minha designação como apoio moral da equipe é necessária
porque duas rodadas depois, Beckett está miserável, tão tenso
ao meu lado que tenho certeza que poderia quebrar uma
garrafa na cabeça dele e ele não perceberia. Ele participa apenas
quando é solicitado, oferecendo respostas de uma palavra e
cerrando os punhos durante os intervalos. Ele engole sua
cerveja como se ela fosse desaparecer se ele não bebesse cada
copo em três goles. A certa altura, Nova se inclina para a frente
com um olhar preocupado e pergunta baixinho se ele precisa de
seus protetores de ouvido.
— Não — diz ele, quase inaudível sobre os sons do bar. Suas
bochechas coram quando ele olha para mim rapidamente antes
de piscar. — Estou bem.
Eu tento entrete-lo quando posso, mas ele está rígido e
inflexível ao meu lado, recuando cada vez mais para dentro de
si mesmo. Ele não fala a menos que falem com ele e me ignora
mais de uma vez. Suspiro e olho por cima do ombro para o
outro lado da sala onde ficam os banheiros. Eu algemo o pulso
de Beckett frouxamente com minha mão e tento chamar sua
atenção de onde ele está olhando fixamente para a mesa. Ele
inclina a cabeça ligeiramente, a coroa de flores caindo para o
lado. Uma margarida branca roça sua testa.
— Eu volto logo.
Por um segundo, parece que ele pode tentar me impedir. Ele
abre a boca e seus olhos tropeçam nos planos do meu rosto,
considerando. Mas seja o que for, ele engarrafa de volta. Sua
mandíbula se fecha. Um aceno rápido e afiado.
Eu aperto seu pulso novamente.
Abro caminho entre a multidão barulhenta, um grupo de
pessoas vestidas de pássaros tendo uma discussão acalorada
com senhoras em longos vestidos pastel e chapéus de sol. Layla
não estava brincando quando disse que a noite de trivia é um
negócio sério em Inglewild. Tanto Caleb quanto Dane estão
presentes, sentados na extremidade do bar com uma cesta de
pimenta jalapeño entre eles. Dane tem um longo olhar de
sofrimento em seu rosto sério. Caleb parece estar se segurando
para não participar.
Eu sou desviada por Jeremy e seus amigos enquanto viajo
pelas mesas, suas cabeças inclinadas sobre seus celulares e uma
jarra de refrigerante no meio da mesa. Eles pedem selfies e dicas
de iluminação e então me mostram 17 rascunhos de vídeo que
eles estão pensando em postar. É como uma versão de mídia
social do American Idol, e eu escapo com promessas de mais
amanhã, se eles vierem na padaria pela manhã.
Gus e Monty me encurralam em seguida, mostrando-me
orgulhosamente os números em seu vídeo de dança. Quando
eu pergunto a eles como eles planejam dar sequência a uma
estreia tão impressionante, Gus tem um brilho nos olhos e se
levanta de seu banco, me pegando em seus braços grandes e me
girando em torno do pequeno quadrado de espaço no chão. Eu
rio alto e me mantenho firme em seus ombros, meu coração tão
leve que parece que eu poderia flutuar para longe.
Isso é o que estava faltando. Base. Pertencimento. Pessoas e
histórias e meu nome jogado fora em saudação sobre cestas
meio comidas de batatas fritas gordurosas. Em todas as minhas
viagens, não fiquei em um lugar tempo suficiente para que
alguém me conhecesse. Eu não tive Caleb acenando para mim
do outro lado do bar com uma pimenta jalapeño entre o
polegar e o indicador. Sra. Beatrice gritando na cara de alguém
sobre o nome oficial da Sexta Avenida de Nova York enquanto
usava um chapéu de sol e segurava um taco de croquet, uma
piscadela jogada por cima do ombro. Um coro de assobios
quando aceno para as senhoras do salão.
As palavras de Stella voltam para mim. Pessoas mudam.
Talvez seja disso que eu preciso agora.
Ainda estou sorrindo, sem fôlego, quando finalmente chego
ao banheiro. Eu paro e me olho no espelho – minhas bochechas
coradas e um sorriso que deixa meu rosto quase irreconhecível.
Faz tanto tempo que não me sinto assim. Eu toco meus dedos
em minhas bochechas e tento memorizá-lo.
— Você está indo bem — digo a mim mesma baixinho. Meu
sorriso se suaviza em algo duradouro e me permito me sentir
bem com tudo o que me trouxe exatamente a este momento.
Sem culpa. Sem hesitação. Apenas um calor borbulhante bem
no centro de mim. — Você está fazendo o melhor que pode.
É o bastante.
Eu lavo minhas mãos na pia e saio pela porta, uma parede de
som batendo em mim. A música de alguma forma se juntou à
mistura, gritos e risos e alguém gritando por cima de tudo sobre
uma quesadilla. É caótico, mas adorável. Uma trilha sonora de
comunidade e amor.
Mal consigo dar dois passos pelo corredor escuro antes de
vê-lo. Seu grande corpo inclinado contra a parede, um ombro
e sua cabeça pressionados contra ela. Seus braços estão cruzados
e seu rosto está sombreado, mas eu reconheceria os ângulos de
seu corpo em qualquer lugar – no escuro, especialmente.
— Beckett?
Parece que ele está com dor. Ombros curvados. Uma
carranca profunda em seu rosto bonito quando me aproximo.
Estendo a mão para ele e minha mão paira sobre a inclinação de
seu ombro, sem ter certeza se ele quer ser tocado agora ou não.
Ele toma a decisão por mim, levantando a cabeça e piscando
para mim turva. Ele enrola a mão em volta do meu pulso e
puxa, um silencioso oof escorregando dos meus lábios
enquanto eu tropeço nele.
Seu cheiro habitual está escondido sob camadas de álcool e
frituras, mas sua pele está quente onde meu nariz encontra seu
pescoço. Ele envolve seus braços em volta das minhas costas e
segura firme, agarrando-se a mim no corredor estreito na parte
de trás do bar. Minhas mãos deslizam sobre seus ombros e eu o
seguro firme, confusa e preocupada.
— Você está bem?
Sinto um calafrio percorrer sua espinha, um tremor fino em
suas mãos. Ele balança a testa contra o meu ombro e resmunga,
murmurando algo baixinho. Ele balança um pouco e eu firmo
meu aperto.
— Está alto — ele finalmente murmura, baixo e áspero no
meu ouvido. — Precisava de uma pausa.
Eu arrasto minhas mãos para cima e para baixo em suas
costas em um ritmo suave. Ele dá um suspiro agradecido contra
mim.
— Tudo bem. O que eu posso fazer?
— Isso está bom — diz ele com outro aperto. — Só quero
ouvir você respirar por um segundo.
Eu me certifico de tomar uma respiração barulhenta e
desagradável na minha próxima inspiração e ele suaviza ainda
mais, o aperto de seus braços relaxando um pouco, mas seu
corpo se tornando mais pesado contra o meu. Eu me arrasto
para trás até que estou encostada na parede, Beckett
pressionado contra mim.
Está alto aqui. Eu ouço Gus subir de volta no bar com seu
megafone, um gemido curto de sirene que faz Beckett se
encolher contra mim. Eu aliso meus dedos por seu cabelo e ele
solta um suspiro profundo e ruidoso. Gus anuncia a última
chamada e a última rodada, e a multidão dá um gemido
beligerante em resposta.
— Por que você veio? — Eu pergunto a ele baixinho, unhas
arranhando levemente. Ele se inclina mais forte contra mim. —
Você poderia ter dito não.
— Nova pediu — Beckett fornece calmamente. — Não
queria decepcionar ninguém.
Eu pedi também. Eu me pergunto quanta pressão Beckett
coloca em si mesmo para ser o que todo mundo precisa, o
tempo todo.
— Não foi logo — Beckett resmunga em minha camisa.
— O quê?
— Você disse que voltaria logo — ele acusa, inclinando-se
para trás até que eu possa ver as linhas de seu rosto na luz do
bar. Ele franze a testa para mim. — Você não voltou logo.
— Eu me empolguei. Todo mundo queria…
— Você estava rindo — ele corta abruptamente. —
Dançando. — Ele engole em seco. — Você não é assim comigo.
Suas mãos flexionam em meus quadris e ele dá um passo
para trás, deixando-me encostada na parede. Sinto os cinco
centímetros de espaço entre nós como um empurrão no peito.
— Eu sorrio — eu começo a dizer. — Beckett, eu rio com
você o tempo todo…
Ele balança a cabeça.
— Não é o mesmo. Não como quando estávamos no Maine.
Ele deve ter bebido mais do que eu pensava. Olho para o bar
lotado e mal consigo distinguir a mesa em que estávamos
sentados – uma grande coleção de copos empilhados ao lado de
cestas de comida vazias.
— Desculpe — ele corta, não parecendo nem um pouco
arrependido. Sua voz é areia e cascalho e tons de posse, olhos
aquecidos para combinar. Ele dá um passo à frente e coloca a
mão ao meu lado. Estou contra a parede novamente, com
Beckett em todos os lugares ao meu redor. — Eu esqueci que
não falamos sobre isso. Esqueci que devo fingir que não sei
exatamente qual é o seu gosto.
A imagem que vem à tona é imediata. Beckett de joelhos na
beirada da cama, a mão estendida contra minha barriga para me
segurar. Seu nariz no meu quadril e minhas coxas pressionando
suas orelhas, meu pé tamborilando entre suas escápulas.
Meu corpo inteiro treme, um pulso forte batendo uma vez
na base da minha garganta.
— Beckett — eu digo, um pouco atordoada. Seu nome
permanece no espaço entre nós. Não falamos sobre isso, ele tem
razão, mas achei que era isso que ele queria. — Quanto você
bebeu?
— Não o suficiente — diz ele, com os olhos fixos no meu
rosto. — Porque eu ainda penso em te beijar o tempo todo.
Eu deixei essa confissão ser pressionada contra mim, as
palavras soando em meus ouvidos, apesar do barulho alto do
bar. Eu seguro seu olhar e pisco enquanto ele olha de volta. Ele
empurra a parede com um suspiro, a mão pelo seu cabelo.
— Eu preciso de uma cerveja — ele me diz.
Eu enrolo meus dedos em torno de seu pulso.
— Eu acho que você já teve o suficiente. — Olho para o final
do corredor e para a porta com SAÍDA marcada em letras
vermelhas piscantes acima. — Eu vou nos levar para casa. Você
quer dizer adeus à sua família?
Ele balança a cabeça, murmurando algo sobre mandar uma
mensagem para eles mais tarde. Ele torce o braço do meu aperto
e se endireita com um tropeço. Eu deslizo meu braço ao redor
de sua cintura e sua mão encontra meu ombro, a cabeça
inclinando até que sua coroa de flores roça minha testa.
— Desculpe — diz ele, seu lábio inferior contra a concha da
minha orelha. Sua voz ainda é aquele arranhão áspero que eu
gosto demais. — Eu sei que estou sendo um idiota.
Eu acaricio suas costas através do material grosso de sua
flanela.
— Vamos para casa.
Assim que saímos da porta para a quietude e o silêncio de
uma rua quase totalmente abandonada, Beckett solta um
suspiro ofegante. Ele soa como se tivesse acabado de correr, os
pulmões queimando e as pernas se contraindo. Alívio doloroso
e feliz.
Eu mantenho meu braço em volta de sua cintura, guiando-
nos para sua caminhonete estacionada a dois quarteirões, logo
atrás do café. Ele já tem sua caixa de biscoitos amanteigados no
banco do passageiro e toma o cuidado de colocá-los no colo
quando entra no carro.
Levo um segundo para me orientar no banco do motorista,
tudo parecendo um pouco grande demais. Beckett ri enquanto
minhas mãos pairam sobre o volante, tentando encontrar uma
posição no assento que não pareça que eu estou operando um
carro alegórico no desfile do Dia de Ação de Graças da Macy's.
— O quê? — Eu pergunto. Eu gosto dele assim. Cabelo
bagunçado. Coroa de flores. Um sorriso que curva seu lábio
inferior lindamente.
— Você faz uma cara fofa quando está frustrada — ele me
diz, deixando sua cabeça cair para trás contra o assento. —
Torce o nariz.
Eu olho para ele no banco do passageiro, esparramado o
máximo que ele pode estar na cabine da caminhonete. Seu
joelho está dobrado contra a janela e seus braços estão soltos, o
rosto relaxado. Coloco a caminhonete em movimento e nos
afasto do espaço, roncando pela estrada que nos levará de volta
à fazenda.
Não é nada além do ronco do motor e do vento lambendo
as janelas enquanto voltamos, a respiração suave e fácil de
Beckett. Não sei o que dizer a ele, não sei como responder às
coisas que ele me disse no bar.
Porque eu ainda penso em te beijar o tempo todo.
Eu não fazia ideia. Dou outra olhada para ele com o canto
do olho, minhas mãos flexionando no volante.
— Eu não gosto de barulho — Beckett anuncia enquanto
manobramos nosso caminho para fora da cidade. — Estava alto
esta noite. No bar.
— Eu sei.
Beckett não tem televisão em sua casa, não ouve música
enquanto arruma sua estufa. Ele se encolhe quando entra em
uma sala e as pessoas estão falando muito alto, sua cabeça
ligeiramente inclinada para o lado. É como se ele estivesse
tentando abafar o som sem ser óbvio sobre isso. Ele se mexe no
assento até que seu ombro é pressionado contra a parte de trás,
o cotovelo no console central e o queixo na mão.
— Eu tenho protetores de ouvido — ele me diz, uma
expressão séria no rosto. Olho para ele e depois volto para a
estrada. Eu quero essa versão dele na minha memória para
sempre. Campos de milho brilhando nas janelas, folhas de
magnólia em seu cabelo. Olhos encobertos, mas brilhantes, os
nós dos dedos descansando sob o queixo.
Entregando-me seus segredos como se quisesse que eu os
guardasse para ele.
A pergunta de Nova na mesa faz sentido agora.
— Ok.
Entramos em silêncio novamente. Ele se reorganiza até estar
olhando pela janela.
— Você não está me fazendo perguntas — ele murmura
depois de alguns minutos, um pouco petulante, o punho no
joelho.
— Achei que você não gostasse das minhas perguntas. — Eu
ligo a seta com o lado da minha mão, mesmo que não haja outra
alma por quilômetros. — Além disso, você andou bebendo.
Essa é uma vantagem injusta.
Ele bufa, um resmungo baixinho que eu não entendo. A
pausa se arrasta e então ele diz baixinho:
— Eu gosto das suas perguntas.
Eu mordo meu lábio contra o meu sorriso.
— Ok.
— Eu sei que você sabe mais palavras do que essa.
Eu sei. Eu sei mais palavras do que essa. Mas a verdade é que
estou lutando para me conter. Essa adorável e aberta versão que
ele está me mostrando agora é... é muita coisa para eu lidar.
Quero parar no acostamento da estrada e estacionar a
caminhonete. Eu quero subir no console e escorregar para o
colo dele. Eu quero fechar minhas mãos em sua flanela e guiar
sua boca para a minha, beijá-lo até que ele esteja sem fôlego e
então levá-lo para casa e colocá-lo na cama.
Todo esse tempo em que ele estava me querendo, eu
também o queria.
— Nós vamos conversar amanhã de manhã, uma vez que
você expelir o álcool durante o sono.
— Sobre o que eu disse no bar?
Eu concordo.
— Sim, sobre o que você disse no bar.
Porque eu ainda penso em te beijar o tempo todo.
Se ele ainda se sentir assim pela manhã, teremos algumas
outras coisas para conversar. Sigo as lanternas que levam à sua
cabana.
— Eu quis dizer aquilo — diz ele.
Eu tomo uma respiração fortificante enquanto paro a
caminhonete, puxando com o que parece ser o peso do meu
corpo inteiro para jogá-la no estacionamento. Eu desligo a
ignição e o estrondo é interrompido, a cabine da caminhonete
se enche com os sons abafados da noite que perduram do lado
de fora da janela. O chilrear dos grilos que se escondem em suas
sarjetas. O rangido do cata-vento no topo de seu telhado. Uma
veneziana solta, batendo levemente no tapume.
Beckett não desvia o olhar de mim, a luz da lua lançando seu
rosto na sombra. Assim, ele é apenas ângulos fortes e linhas
suaves. O nariz dele. Sua mandíbula. A inclinação de sua
sobrancelha séria. Sua mão se move contra o topo do console,
as pontas dos seus dedos mal roçando meus dedos.
— Evie — ele respira, sua voz profunda ainda mais
profunda do que o habitual. Acho que nunca gostei tanto do
som do meu nome. — Eu realmente quis dizer aquilo.
— Eu sei que você quis — eu sussurro. Beckett não é capaz
de dizer algo que não queira dizer. É uma das coisas que mais
gosto nele. Eu sei que ele está sempre me dizendo a verdade.
— Eu gosto de você — ele sussurra. Seu olhar desliza para os
meus lábios e segura. — Eu gosto tanto de você.
Eu preciso sair dessa caminhonete.
Ele me segue enquanto eu tropeço para fora da
caminhonete, meu joelho batendo no corrimão na beirada de
sua varanda enquanto eu subo. De repente, parece que fui eu
quem bebeu cerveja no bar esta noite, minhas mãos desajeitadas
enquanto eu tateio para encontrar a chave certa.
— Eu pensei em você o tempo todo — Beckett diz bem atrás
de mim, seu peito roçando minhas costas. A ponta de um único
dedo traça a borda superior da minha camisa, onde fica contra
o meu pescoço. Eu deixo cair as chaves na varanda.
— Eu penso em você o tempo todo — ele continua. Quando
eu inclino minha cabeça para trás para olhar para ele, suas mãos
estão cerradas em punhos ao seu lado. Aquela coroa de flores
ridícula ainda está em seu cabelo. — Você pensa em mim?
— Beckett.
— Você pensa?
Pego as chaves das tábuas de madeira desgastadas e passo
pela porta da frente, Beckett me seguindo com passos lentos e
cuidadosos – um suspiro que ele faz o possível para esconder
enquanto tira os sapatos e desliza a coroa de sua cabeça.
Observo enquanto ele a coloca cuidadosamente em um
gancho, seu dedo traçando uma pétala púrpura pálida. Ele é um
bêbado introspectivo, digo a mim mesma. Isso é tudo. Nossa
melhor aposta é encerrar a noite e nos retirar para os dois
extremos opostos da casa. Talvez possamos... talvez possamos
tentar essa conversa novamente pela manhã.
Duvido muito que ele vá dizer alguma coisa sobre isso. Ele
provavelmente vai servir seu café e resmungar sobre fazer um
ovo mexido para o café da manhã. Reclamar da qualidade do
espinafre comprada na loja e raspar a colher de pau no fundo
da panela com movimentos rápidos e agitados.
Eu só... não podemos ter essa conversa agora. Não quando
o álcool o tornou honesto. Eu quero que ele queira ser honesto.
Eu despejo um copo de água e coloco no balcão, pressiono
na ponta dos pés para vasculhar o armário acima da geladeira.
Um braço forte aparece acima de mim, a pele lisa no interior do
braço de Beckett perto o suficiente para eu arrastar meu nariz
contra. Eu vejo a borda de um azul brilhante – uma galáxia
espreitando por baixo da manga de sua camisa.
— O que você está fazendo? — Sua voz é baixa atrás de mim,
seu hálito quente esvoaçando meu cabelo.
— Pegando um pouco de ibuprofeno para você — eu digo
para o desenho de linha fina de Orion acima de seu cotovelo,
um escudo solto em seu punho. Em vez de um porrete acima
de sua cabeça, ele está segurando um buquê de flores –
papoulas e ramalhetes e um grande e deslumbrante girassol. É
tão lindamente Beckett, faz meu peito doer.
— Evelyn.
— Claro que eu penso em você — eu digo com pressa.
Alguma parte secreta de mim desbloqueada, desvendada,
desenrolada. Tenho pensado em Beckett Porter desde que o
deixei em uma pequena cidade litorânea, meses atrás. Eu
engulo e enrolo meus dedos ao redor do pequeno frasco de
pílulas, puxo-o para baixo e o seguro perto do meu peito.
Quando me viro, ele está perto, ambas as mãos ancoradas na
bancada ao meu lado. Estou dobrada entre seus braços, perto o
suficiente para roçar meus lábios contra o cacho de flores em
seu bíceps. Meus joelhos batem nos dele e levanto meu queixo.
Seus olhos se movem para frente e para trás entre os meus,
os dedos pastando no meu quadril, onde suas mãos flexionam
e seguram.
— Eu gosto de ter você aqui — diz ele asperamente. Outra
confissão.
Eu tento aliviar a tensão que nos faz tropeçar mais juntos.
— Você ainda não está cansado de mim?
— Se você está esperando que eu esteja cansado de você,
Evie — ele levanta a mão e pega uma mecha do meu cabelo,
enrola em volta do dedo e puxa uma vez. Há um pulso de
resposta baixo na minha barriga. — Você vai esperar por muito
tempo.
Eu procuro seus olhos para medir o quão sério ele é.
— Você é muito bom em esconder tudo isso.
— Sério? — Ele parece surpreso. — Não parece. Eu me sinto
rachado ao seu redor.
Eu conheço o sentimento. Soltei um suspiro trêmulo.
— Nós deveríamos ir para a cama.
— Deveríamos.
Beckett não se move um centímetro. Seu tom sugere que
devemos ir para a cama, mas talvez devêssemos fazer isso juntos.
Eu aperto o frasco em minhas mãos como se fosse a única coisa
que me mantém pressionada contra este balcão. Tão perto, eu
posso sentir o cheiro do lado de fora em sua pele. Vento de
primavera, uma pitada limpa e crocante. Seria tão fácil me
inclinar e prová-lo em sua clavícula. Eu já sei o som que ele faria.
A maneira como suas mãos se moldariam aos meus quadris, seu
dedo mindinho deslizando para baixo na cintura do meu jeans.
— Nós podemos… — Fecho meus olhos para resistir à
tentação. Infantil? Provavelmente. Mas estou muito perto de
tirar vantagem de um Beckett bêbado em sua cozinha. —
Podemos conversar sobre isso pela manhã.
Eu sinto seu nariz contra a minha têmpora logo antes dele
empurrar o balcão e dar um passo para trás. Eu mantenho meus
olhos fechados e empurro o frasco de remédio. Dedos ásperos
roçam as costas da minha mão antes que ele o pegue.
— Boa noite, Evie — Parece que ele está sorrindo, mas eu
me recuso a olhar.
— Boa noite, Beckett.
Ouço passos no corredor e o clique silencioso de uma porta.
Eu expiro lentamente.
— Eu gosto de você também — eu sussurro para a cozinha
escura. — Muito.
Quatorze
BECKETT
OLHO para a porta fechada do quarto no final do corredor pela
décima quinta vez desde que saí do meu, uma dor de cabeça
latejando na base do meu crânio. Menos pela bebida, eu acho,
e mais pelo desejo.
Eu estive tão perto de beijar Evelyn na noite passada. No
bar, com seu sorriso ensolarado enquanto Gus a girava na pista
de dança. Na caminhonete, com a mão enrolada no câmbio e o
cabelo caindo no rosto. Na cozinha, com meus quadris a um
centímetro dos dela, rosa iluminando suas bochechas.
Eu queria fazer mais do que beijá-la na cozinha.
— Merda. — Eu puxo minha mão para longe da frigideira e
coloco meu polegar em minha boca, um vergão vermelho
raivoso florescendo na ponta. Eu desligo a boca do fogão e olho
para a porta dela como se eu pudesse derrubar a maldita coisa
com a força dos meus pensamentos.
Precisamos conversar sobre a noite passada.
Ela disse que pensava em mim também. Mas isso pode
significar um milhão de coisas diferentes. Tudo o que sei é que
não consigo lidar com esse sentimento que fica como uma
pedra no meu peito toda vez que ela entra em uma sala. Eu não
posso vê-la em minha camisa de flanela – os dois botões de
baixo desabotoados e a bainha amarrada em seu quadril – e não
sentir nada sobre isso. Vamos falar sobre isso, e vamos limpar o
ar.
Talvez então eu possa respirar sem desejá-la tanto.
Vejo o arrastar de pés na fresta abaixo da porta.
— Evie! — Eu lato, impaciente. Estou fazendo ovos
mexidos, porra. Ela não precisa se esconder em seu quarto a
manhã toda. Nós já fizemos essa merda de estranheza juntos.
Não precisamos fazer isso de novo. — Eu fiz o café da manhã!
A porta se abre e ela aparece, uma carranca franzindo o
nariz. Meu olhar varre de seus ombros para suas pernas longas
e longas e meu corpo inteiro contrai. Ela está usando as
malditas meias até o joelho novamente, um branco cremoso
contra sua pele escura.
— Você não precisa gritar sobre isso!
E ela não precisa ser a tentação encarnada, mas nós estamos
onde estamos.
Eu me viro com um grunhido e empurro os ovos na panela
em um esforço para manter minhas mãos ocupadas. Ela me faz
sentir coisas que eu não deveria sentir. Fora de controle, metade
do tempo. Fora da minha mente, a outra metade. Quero fazer
mil coisas diferentes, começando com minhas mãos em seu
cabelo e minha boca em seu pescoço – tudo o que pensei em
fazer ontem à noite, quando éramos apenas nós e o luar.
Estou agarrado à corda da minha restrição e posso sentir as
pontas começando a se desgastar. Cada olhar, cada toque, cada
sorriso que ela me dá, desvenda um pouco mais.
— Quer café da manhã? — Eu tento novamente, um
esforço consciente para suavizar minha voz em algo gentil.
Ainda soa como uma demanda em vez de uma oferta, e Evelyn
bufa uma risada.
— Você quis dizer o que você disse ontem à noite? — Direto
ao ponto, então.
Continuo a cutucar os ovos com indiferença. As bordas
estão começando a dourar. Eu desligo o fogão e descanso a
colher de pau na panela.
Eu gosto tanto de você.
— Eu quis.
Tenho pensado nela todos os dias desde aquela manhã em
que acordei sozinho, uma tempestade trovejando do leste,
grossas nuvens cinzentas pairando sobre a água. Eu pensei
sobre o som exato que ela faz quando meu corpo está sobre o
dela, a forma como sua respiração trava e depois solta, um
suspiro ofegante em torno do meu nome. Eu pensei sobre sua
risada e seu sorriso – mais bonito do que todas as flores
silvestres no prado e cada estrela no céu.
Sinto uma expiração profunda contra o algodão da minha
camiseta, Evelyn de pé às minhas costas.
— Você ainda está bêbado?
Eu dou uma risada e balanço a cabeça.
— Não.
Eu não estava tão bêbado para começar. Apenas solto o
suficiente para um pouco do desejo que chacoalhava dentro de
mim escapar. De pé nesta cozinha na noite passada, eu balancei
direto para o seu espaço como eu queria. Meus braços em cada
lado de seus quadris, meu nariz em seu pescoço. Eu queria
beijá-la mais do que tudo. Quase a beijei, também.
— Foi o álcool?
— Não é assim que essa merda funciona. — O álcool não
inventa as coisas, apenas as solta.
Eu olho para ela por cima do meu braço. Ela está de pé perto,
seus pés cutucando as minhas costas. Eu poderia abaixar minha
cabeça e dar um beijo em sua têmpora se eu quisesse, apoiá-la
na bancada e fazer o resto deste café da manhã com ela em volta
de mim. É um pensamento tentador.
Ela me considera com olhos curiosos. Tenho a impressão de
que ela está olhando para bem dentro de mim.
— Você estava me provocando?
— Provocando você sobre o quê? — Eu observo sua mão
enquanto ela pega a borda inferior da minha camiseta com dois
dedos. Ela esfrega o material, considerando.
— Eu também gosto de você, Beckett — Ela puxa minha
camisa até que estou de frente para ela, com as mãos ao meu
lado. Ela bate os nós dos dedos contra minhas costelas e todo o
meu corpo estremece. — Você não notou?
— Muito ocupado gostando de você de volta para notar, eu
acho — eu respondo fracamente, observando a forma de seu
lábio inferior se curvar em um sorriso. Todas as versões de
Evelyn que conheci passam pela minha mente como os
quadros de uma tira de filme. Sentada no bar com a mão na
minha coxa. Enrolada na cama, pele nua e olhos escuros. Rindo
do outro lado da padaria com um prato entre nós. Enrolada na
cadeira na minha varanda de trás, o queixo no joelho. Nos
campos, fazendo todos ao seu redor brilharem.
De pé aqui assim, com o rosto virado para o meu.
Gosto um pouco mais de cada versão.
Suas mãos encontram meus braços, dedos traçando sobre a
tinta. Ela se demora sobre uma única flor branca, um ponto
sensível na parte interna do meu cotovelo.
— Ok — diz ela com um aceno decisivo.
— Ok, o que?
Ela ignora minha pergunta. Em vez disso, ela enrola a mão
em volta do meu pescoço, me puxa para baixo e me beija.
A primeira vez que beijei Evie foi sob uma luz quebrada em
um bar escuro, o brilho alaranjado apagado piscando e
apagando e acendendo novamente. Eu podia ver por trás dos
meus olhos enquanto nossas bocas se moviam juntas, uma
batida de desejo que eu acompanhava. Sinto que descompactei
a memória daquele beijo o suficiente nos últimos dois meses
para que as bordas fiquem lisas, como pedras no fundo do leito
de um rio. Não é nada além de flashes nebulosos de sensação.
Pontas dos dedos sob minha orelha. Sua bochecha roçando a
minha. O deslizamento lento e úmido de calor enquanto eu
empurrava seu queixo para baixo e a beijava mais
profundamente.
Agora, aqui – na luz brilhante da minha cozinha com a
janela rachada meio centímetro e café na cafeteira – eu sinto
essa memória quebrar bem no meio.
Não há nada nebuloso sobre este beijo.
Nenhuma introdução doce. Nada de reaprendizagem suave.
Evie coça as unhas no meu cabelo e puxa, uma exigência na
forma como sua boca trabalha na minha. Ela me beija como se
estivesse faminta por isso, como se estivesse sonhando comigo
da mesma forma que eu tenho sonhado com ela. Eu aliso
minhas duas mãos sobre seus quadris e aperto firme.
— Aí está você — ela respira em minha boca. Eu aperto
novamente e ela solta uma risada rouca.
— Estou bem aqui — digo a ela. Eu sempre estive aqui.
Esperando, parece, Evie aparecer e me beijar no meio da minha
cozinha. Nosso beijo se inclina para algo mais quente – mais
úmido, mais lento – no espaço de um único batimento
cardíaco gaguejante. As mãos de Evie se tornam exigentes
enquanto agarram a frente da minha camisa, punhados fortes
de material macio entre seus dedos enquanto ela me empurra
contra a geladeira. A máquina nas minhas costas estremece com
o impacto, mas estou muito ocupado com o deslizar de sua
língua contra a minha, muito focado em sentir a pele macia de
suas costas sob minhas palmas.
Eu cavo meu polegar em uma das covinhas logo acima de
sua bunda enquanto lambo em sua boca e ela faz meu som
favorito – um gemido gutural. Eu pressiono com mais força e
ela puxa sua boca da minha, deixa cair sua cabeça contra minha
clavícula e pressiona aquele som na minha pele.
Eu movo minhas mãos pelas costas dela, impaciente
enquanto mapeio o arco de sua coluna. Eu arrasto minha mão
para frente e para trás sobre a faixa de seu sutiã e deslizo meus
dedos por baixo, estalando uma vez quando libero o elástico
contra sua pele. Ela belisca minha mandíbula em retribuição.
— Seja gentil — ela me diz.
— Eu posso ser gentil. — Na verdade, posso pensar em
várias coisas boas que quero fazer neste exato momento. Sua
camisa se junta contra meus pulsos enquanto eu coloco meus
dedos sob as alças de seu sutiã novamente, seguindo a linha
sobre seus ombros. Eu enrolo minhas mãos lá e puxo,
observando-a balançar ainda mais em mim.
— Oh? — Os olhos de Evie estão escuros de desejo, sua boca
mordida pelo beijo. — Você gostaria de me mostrar?
É como se nossos corpos estivessem frenéticos para
compensar o tempo perdido, nossas bocas mergulhando de
volta enquanto eu arrasto meus dedos em suas clavículas, para
baixo sobre seus seios. Eu demoro lá no espaço acima, seu peito
arfando, meus polegares traçando onde a pele encontra o
tecido.
— Ainda um provocador — diz ela com um beliscão no
meu lábio inferior. Suas unhas cavam meias luas em meu peito
sobre minha camisa.
— Ainda impaciente — eu respondo, preso entre querer rir
e cair de joelhos. Reapresentar-me com cada centímetro
quadrado dela.
— Juro por Deus, se você não me tocar, eu vou…
Ela não termina a frase. Eu a seguro em minhas mãos e
aperto, meus polegares arrastando lenta e seguramente contra
o algodão de seu sutiã. Eu sinto quando sua respiração gagueja,
uma rápida subida e descida sob meu toque. Eu quero sua pele
nua. Eu quero mais desses sons. Eu agarro o centro de seu sutiã
e puxo o material para baixo até que esteja torcido sob seus
seios, observando minhas mãos agarrarem e alisarem e puxarem
por baixo de sua camisa.
— Você vai o quê? — Eu pergunto.
— Eu vou… — seus cílios tremem, um meio sorriso
curvando seus lábios. — Eu vou ficar tão brava.
— Hum.
Ela vira o rosto e pega minha boca novamente, minhas mãos
trabalhando sob sua camisa. Eu esfrego meus polegares em seus
mamilos até que ela faça o som ofegante que eu mais gosto, suas
mãos agarrando minha mandíbula em uma demanda
silenciosa. Eu envolvo um braço em volta de sua cintura e a
puxo para mais perto. Eu quero seu corpo contra o meu, sua
suavidade em todos os lugares em que sou duro. Suas unhas
arranham minha barba e eu tropeço para frente, apoiando-a na
mesa. Percebo vagamente que minha caneca de café tomba na
borda e cai no tapete com um baque surdo. Vou olhar para
aquela mancha todos os dias e me lembrar exatamente disso.
Evelyn ofegante contra meus lábios, seu joelho engatando alto
contra meu quadril.
Eu deixo cair minha testa em seu ombro e dou um beijo lá,
minha mão deslizando de seu seio para seu quadril. Eu aperto
uma vez e tento me controlar.
— Deveríamos parar — murmuro. — Conversar.
Esta sempre foi a parte fácil – deixar as faíscas entre nós
pegar e queimar. É tudo o mais que precisamos resolver. Gosto
do corpo dela, mas gosto mais de todo o resto. E eu não quero
que ela pense que isso é tudo que eu quero.
Ela acena com a cabeça, as mãos deslizando por baixo da
minha camisa para coçar minhas costas. Eu arqueio para ela e
prendo seus quadris com os meus, achatando-a na mesa.
— Sim.
Eu cheiro a gola de sua camisa até que eu possa alcançar a
pele onde seu ombro encontra seu pescoço e chupar um beijo
demorado lá. Ela é doce com um toque de sal que eu sei que vai
ficar na minha língua por dias. Eu arrasto meu rosto em seu
peito até que eu possa pegar seu mamilo entre meus dentes
através do tecido de sua camisa.
Eu não consigo parar de tocá-la, saboreá-la.
— Excelente conversa — Evelyn respira em torno de uma
risada, sua mão na parte de trás da minha cabeça me segurando
para ela. — Melhor conversa que já tive.
Eu deixo cair minha testa entre seus seios e pressiono um
beijo lá.
— Eu quero te levar pra sair.
— Ok — ela ofega, puxando a bainha da minha camisa até
que eu ceda e puxe pela minha cabeça. Eu imediatamente pego
seus lábios em um beijo novamente, minhas mãos em suas
coxas. Eu a encorajo até que ela esteja sentada na mesa, com as
pernas abertas, o pé enrolado na parte de trás do meu joelho.
Meus dedos encontram as pontas daquelas malditas meias e eu
traço o algodão grosso, um gemido no fundo da minha
garganta.
— Nós vamos jantar — eu digo contra sua boca. Suas mãos
apertam minha bunda e eu empurro contra ela uma vez. Sua
cabeça cai para trás, cabelos escuros e compridos deslizando
sobre a mesa como tinta derramada. Cristo, mas ela me deixa
louco. Embaralha todos os meus planos até eu ficar sem mente
com ela. Eu rolo meus quadris contra ela e abaixo minha cabeça
para observar a maneira como nos movemos juntos. — Vou te
trazer flores.
— Flores, hein?
Ela persegue meu toque, seus quadris circulando apenas do
modo certo. Eu murmuro e aceno.
— Bonitas. Vai ser um encontro.
Suas mãos soltam o meu corpo e ela cai de volta na mesa com
um suspiro feliz. O calor entre nós muda e se instala em algo
mais suave. Deixo meus dedos brincarem na parte externa de
suas coxas, traçando a fina cicatriz branca que não esqueci. Ela
chuta os pés para frente e para trás e inclina a cabeça para o lado,
olhando para mim com os olhos semicerrados. Ela sorri algo
doce com seus lábios vermelho-rubi – um pouco vermelho em
seu queixo e pescoço por causa da minha barba.
— Eu gosto de você, Evie — eu ajeito sua camisa e dou um
beijo único e casto na ponta de seu nariz. Meu coração começa
a galopar no meu peito. — Eu gosto muito de você.
Seu sorriso ilumina cada maldito canto desta sala. As partes
sombrias de mim também, e todas as peças que guardo para
mim.
— Eu também gosto de você — ela me diz. Ela me chuta
levemente e morde o lábio inferior. — Agora coloque sua
camisa ou vamos fazer sexo nesta mesa.
Eu desabo em cima dela com um gemido. Ela passa os dedos
pelo meu cabelo com uma risada, puxando uma vez nas pontas.
— Você diz isso como se fosse uma coisa ruim — eu
resmungo. Já consigo imaginar. A forma como as pernas da
mesa estalavam e gemiam. Nossas roupas se moviam apenas o
suficiente para fricção e calor e alívio feliz. Eu tento me ajustar
o mais delicadamente possível, mas ainda ouço sua risadinha.
— Eu quero esse encontro — ela me diz, a voz suave. Um
pouco sonhadora. — Talvez este seja o nosso recomeço. Uma
chance de fazer as coisas de forma diferente.
Há honestidade simples lá, um fio fino de esperança do
coração dela para o meu. Eu alcanço sua mão e enrosco nossos
dedos juntos. Tenho certeza de que faria as coisas de qualquer
maneira com Evelyn, contanto que acabássemos assim. Meu
queixo descansando em seu peito e um sorriso em seu lindo
rosto.
— Sim?
Ela acena.
— Sim.
Quinze
EVELYN
NÃO MUDA MUITO depois do nosso amasso selvagem na
cozinha.
Apesar de bater seu corpo contra um utensílio de cozinha e
beijá-lo como se eu não estivesse pensando em mais nada,
continuamos a agir como se nada tivesse mudado. Jantamos
juntos na varanda todas as noites. Ele me deixa bilhetes no
balcão da cozinha. Eu roubo as meias dele. Trocamos olhares
longos e acalorados sobre as bordas de nossas canecas de café
pela manhã, uma distância perfeitamente educada de um metro
entre nós.
É maravilhoso e extremamente irritante ao mesmo tempo.
Eu gosto de Beckett. Gosto de seus meio sorrisos e do modo
como sua voz se aprofunda e arranha no início da manhã, o
suave roçar de seus dedos em meu ombro enquanto passo por
ele na cozinha. Eu gosto do calendário que ele mantém colado
ao lado de sua geladeira, as datas importantes de sua família
rabiscadas em vermelho. Eu gosto que ele esteja sempre
cuidando de todos ao seu redor, desde os gatos até suas irmãs e
os doces que Barney pede em cima do trator.
Eu gosto do jeito que ele olha para mim quando ele pensa
que eu não estou prestando atenção. A suavidade que ele tenta
esconder.
Estou ansiosa pelo nosso encontro, sempre que ele decidir
cumprir essa promessa em particular.
Também estou ansiosa para jogá-lo na superfície plana mais
próxima e fazer o meu caminho com ele.
Eu o peguei olhando para a mesa da cozinha algumas vezes
desde aquela manhã, o polegar no lábio inferior e um olhar de
profunda concentração em seu rosto sério. Eu me peguei
olhando para ela também.
Minha contenção está por um fio, reforçada apenas pelo
tempo prolongado de Beckett na estufa. Ele desaparece lá a
cada momento livre que tem, murmurando algo sobre abrir
espaço e limpar a desordem. Limpeza de primavera, diz ele.
Nada a ver com um pato.
Mas vi quatro pacotes chegarem esta semana e sei que o
homem não está comprando comida de pato para si mesmo. A
caixa menor continha um pequeno chapéu de golfista com um
pompom vermelho brilhante em cima que Beckett arrancou
assim que me viu com ele, suas bochechas em um furioso tom
de rosa.
Na quarta-feira, sou um emaranhado de tensão. Sento-me à
mesa da cozinha com as pernas dobradas embaixo de mim, meu
laptop aberto, mas meu olhar fixo firmemente na janela de trás.
Eu pego um vislumbre dele de vez em quando através do vidro
embaçado da estufa, sua forma alta curvada sobre alguma coisa,
sua mão apoiada contra a janela, dedos abertos. Eu tenho que
me virar e me ocupar com e-mails, me perder no trabalho em
um esforço para esquecer a sensação daquela mão contra a
minha pele. Como o sol iluminava cada linha e cume de seu
corpo, sua camisa jogada em algum canto da cozinha. O corte
de seus quadris e a trilha de cabelo abaixo de seu umbigo, a
pressão grossa dele contra a frente de sua calça de flanela.
Eu coloco minha cabeça brevemente sobre meu
computador e bato nele duas vezes.
Beckett é uma complicação no meu plano. Meu plano
insosso que não tem uma linha do tempo ou um ponto final
claro. Seria mais fácil se tudo que eu quisesse fosse o corpo dele
– cair na cama com ele e enterrar minha confusão com as coisas
que ele me faz sentir. Mas eu não quero. Quero noites em sua
varanda dos fundos e histórias sobre as estrelas. Eu quero
sujeira em minhas mãos e aquele sorriso em seu rosto, aquele
quieto que avança em frações.
Ontem à noite ele me encontrou na varanda dos fundos,
enfiada na minha cadeira com um cobertor enrolado em meus
ombros. Eu estava de mau humor, irritada comigo mesma e
minha incapacidade de apenas – descobrir isso. Me recompor.
Ser melhor. Ele me observou em silêncio com o ombro apoiado
na porta e perguntou:
— Você achou a sua felicidade hoje?
Eu cerrei os dentes e balancei a cabeça. Um empurrão
rápido.
— Não.
Ele cantarolou uma vez, a cabeça inclinada para olhar os
campos.
— Você quer um abraço?
E isso tinha sido seu próprio tipo de magia, não tinha? Ele
não tentou consertar isso. Apenas... perguntou se ele poderia
me segurar.
Eu balancei a cabeça e ele, sem palavras, desabou no assento
ao meu lado, dando um tapinha em sua coxa uma vez. Eu me
arrastei até ele e me enrolei em seus braços, minha cabeça
aninhada sob seu queixo, sua palma um peso pesado contra
minhas costas, varrendo dos meus ombros até o meu quadril.
Uma pressão suave. Uma afirmação silenciosa.
Meu trabalho significa que eu viajo o tempo todo. Esta
viagem a Inglewild é a mais longa que fiquei em um lugar desde
que fiz vinte anos. Eu sempre tive uma coceira sob minha pele
para explorar. Ela ainda ganha vida de vez em quando, mas hoje
em dia está tingida de exaustão. Mais memória muscular do que
qualquer tipo de compulsão me impulsionando para frente. Eu
não quero ir.
Eu quero ficar.
Eu dirijo minha atenção de volta ao meu laptop e procuro
no meu e-mail a nota de Josie. Ela enviou as informações para
Theo ontem, o cara do grupo de pequenas empresas que está
entrando em contato. Eu mando uma mensagem rápida para
ele sobre entrarmos em contato e clico em enviar, a porta dos
fundos se abrindo quando termino.
Eu olho para Beckett, sujeira cobrindo suas mãos e uma
mancha acima de sua sobrancelha esquerda.
— Como estão as plantas hoje?
— Elas estão bem. — Ele olha para as mãos sujas e depois
volta para mim. Há consideração lá, como a única coisa que o
impede de me jogar contra a mesa em que estou sentada é a terra
nas palmas das mãos. Eu enrolo as minhas em punhos. — Você
pode estar pronta para sair em uma hora?
— Pronta para sair?
Ele concorda.
— Sim. Pronta para sair.
Eu olho para ele e espero por uma explicação. Ele não me dá
uma.
— Para onde, Beckett?
— O nosso encontro — ele me diz. Um sorriso começa em
seus olhos. — Você ainda quer?
Eu concordo. Eu absolutamente quero. Eu estava
começando a pensar que ele tinha se esquecido disso. Que
talvez fosse apenas algo que ele disse no calor do momento.
Eu me afasto da mesa da cozinha e me levanto.
— Aonde estamos indo?
Seu sorriso se espalha até que ele está mordendo o lábio
inferior com força.
— Não muito longe.
EVELYN
EU BALANÇO minha cabeça e o empurro para trás até que ele
caia com um grunhido, meus joelhos subindo e abraçando seus
quadris. Eu seguro seu queixo em minhas mãos enquanto ele
olha para mim e traço uma vez sobre a aspereza de sua barba.
— Eu quero que você veja as estrelas — digo a ele. Algo atrás
de seus olhos brilha e queima intensamente. Mais brilhante do
que qualquer coisa no céu. Minha própria supernova
particular.
Ele me guia mais para dentro dele com a mão na parte
inferior das minhas costas e trilha pequenos beijos mordazes até
a linha do meu pescoço. Ele suga com força em um ponto logo
abaixo do meu queixo e depois se inclina para trás, demorando-
se lá com seus lábios mal roçando os meus.
— Eu só estarei olhando para você.
Sua boca na minha envia arrepios em cascata pelos meus
braços, ambos entrelaçados em seu pescoço enquanto nossos
lábios se encontram e pressionam. Nós nos inclinamos para trás
na mesma respiração e nos reajustamos. Algo mais profundo,
mais quente. Ele me beija como se estivesse me contando mil
segredos, cada um diferente. Senti sua falta, seu primeiro beijo
diz – suave e demorado contra meu lábio inferior. Você é tão
bonita, diz o seguinte – um pincel doce e provocante. Eu quero
você, diz o último – uma coisa faminta e ávida enquanto ele
lambe minha boca e segura meu rosto contra o dele. Para
caralho – seus dedos afundando no meu cabelo.
Sua mão aperta e puxa, um leve toque de aspereza que ganha
um som desesperado na minha garganta. Acho que nunca quis
tanto alguém. Nem mesmo no bar naquela primeira vez. Eu
rolo meus quadris para baixo sobre os dele e ele puxa a boca
para longe para chupar uma lufada de ar. Eu gosto que ele não
tenha me parado – que ele não tenha perguntado se isso é algo
que eu quero. Ele pode sentir isso vibrando através de mim,
assim como dele. Perfeitamente em sintonia. Eu circulo meus
quadris novamente e ele exala uma risada trêmula.
— Você parece melhor do que eu me lembro — diz ele.
Eu sorrio.
— Você ainda nem viu a melhor parte.
Ele sorri para mim, seu sorriso um pouco selvagem. Retiro
o que pensei sobre seus meio sorrisos. Este é o que eu quero
manter.
— Eu já vi seus peitos, Evie.
Uma risada explode de mim, abafada por um beijo áspero
contra meus lábios. É desajeitado, nós dois sorrindo nele. Eu
quero que ele me pergunte aqui, assim. Aquela mesma
pergunta que ele faz todas as noites enquanto nos sentamos na
varanda dos fundos, o sol se pondo à nossa frente.
Você encontrou sua felicidade hoje?
Sim, eu diria a ele. Achei aqui mesmo. Com você. Assim.
Eu alcanço a barra da minha camisa e a puxo sobre a minha
cabeça. Suas mãos imediatamente deslizam pela minha barriga,
os polegares esfregando em um movimento firme abaixo dos
meus seios. Eu deixei minha cabeça cair, meu cabelo fazendo
cócegas na parte inferior das minhas costas. É tão bom em
todos os lugares que ele toca. Eu só quero mais.
— Você está com frio?
Eu balanço minha cabeça e alcanço o fecho do meu sutiã.
— Não com suas mãos em mim.
Seus olhos brilham. Ele gosta dessa resposta. O material do
meu sutiã cai e estou com a pele nua ao luar. Eu sinto a
expiração profunda de Beckett roçar o vale dos meus seios, a
ponta de seu nariz seguindo atrás. Mãos grandes seguram meus
quadris e deslizam pelas minhas costas – uma pressão deliciosa
em ambos os lados da minha coluna. Ele enrola as mãos em
volta das minhas costelas e me puxa para mais perto.
— E a minha boca?
Eu passo meus dedos por seu cabelo e torço, empurrando-o
para frente. Ele ri da minha resposta sem palavras e se aninha
em mim, pressionando profundamente, sugando beijos abaixo
da minha clavícula e no topo das minhas costelas. Suas mãos
apertam e ele me empurra mais para trás, me segurando
suspensa exatamente no ângulo certo para seus beijos. Ele mal
roça meu peito e, em vez disso, pula para o meu ombro, a linha
do meu pescoço. Em todos os lugares, menos onde eu mais os
quero. Eu arqueio minhas costas, puxando seu cabelo com
impaciência.
— Beckett — eu digo em um suspiro, sua barba
perfeitamente áspera contra meu peito. Ele arrasta sua
mandíbula contra mim e eu movo meus quadris para baixo.
Uma mão deixa minhas costas para segurar meu seio, dedos
apertando meu mamilo. Faço um som incoerente e puxo seu
cabelo novamente, exigindo alívio.
— Só queria que você ficasse mandona de novo — ele
brinca, a boca ocupada na minha garganta. Ele mergulha a
língua lá enquanto seus dedos apertam novamente e todo o
meu corpo estremece.
— Você poderia simplesmente ter pedido.
— Isto é melhor.
Ele finalmente coloca a boca no meu peito e eu suspiro seu
nome, minhas mãos apertadas na parte de trás de sua cabeça. A
sensação é tão boa. Quente e molhado e apenas a quantidade
certa de áspero. Ele morde com os dentes e as estrelas tremem
no céu.
Eu odeio que eu tenha decidido usar jeans esta noite. Eu
posso senti-lo grosso e duro contra mim, mas a fricção é
entorpecida por nossas camadas, cada rolo de nossos corpos um
contra o outro aumentando minha frustração. Eu quero sentir
sua pele nua debaixo de mim, satisfazer a dor na minha barriga.
Sinto coceira com a necessidade, vibrando com ela.
Ele alisa a palma da mão nas minhas costas nuas.
— Relaxe — ele sussurra debaixo do meu ouvido. — Eu vou
cuidar de você.
— Você relaxa — eu resmungo de volta, frustrada por seus
meio-toques. Estou muito tensa para uma provocação
prolongada. Sinto que foram semanas de preliminares entre
nós. Sinto cada olhar demorado, cada toque contido. Eu o
quero duro e rápido e preenchendo cada centímetro de mim
até que eu mal possa respirar com a pressão disso. Ele
gentilmente me coloca de volta contra o cobertor e meu cabelo
se espalha ao meu redor, meus joelhos ainda abraçando seus
quadris enquanto eu caio. Eu puxo seu cinto com uma
carranca. Ele manuseia a borda dos meus lábios com um
sorriso.
— Por que é essa cara?
— Você está me provocando.
— Eu não estou — ele balança a cabeça e rola seus quadris
contra mim, um moer profundo e sujo que faz seus cílios
tremularem contra suas bochechas. Uma mecha de cabelo cai
sobre sua testa e eu a pressiono para trás com a palma da minha
mão. Um homem perdendo o controle, finalmente. — Estou
tentando ir devagar — ele deixa sair.
— Também conhecido como provocação.
Ele bufa uma risada e se inclina até poder lamber uma faixa
quente entre meus seios. Ele move a cabeça para a esquerda e
pega a ponta entre os dentes, segue-a com um puxão de sucção
profundo que me faz arquear o cobertor.
— Eu só estou tentando me controlar — ele diz na minha
pele, suas mãos batendo nas minhas para longe de seu jeans. Ele
rapidamente encontra o meu botão, soltando-o e puxando o
zíper, seus movimentos rápidos e agitados. Ele empurra o
material teimoso pelas minhas pernas com um grunhido –
apenas metade do caminho para baixo antes de desistir
completamente, distraído pela visão do algodão branco liso. Ele
geme e firma seu aperto em minhas coxas.
— Eu tinha um plano — diz ele, os olhos ainda fixos na linha
de algodão inexpressivo em meus quadris. Eu me mexo sob seu
olhar.
— Oh? Sinta-se à vontade para compartilhá-lo.
— Eu ia fazer você gozar e depois a levaria para casa — diz
ele em voz baixa, seus olhos brilhando um caminho pelo meu
corpo. Ele me fixa com um olhar faminto e flexiona as mãos
novamente. — Mas acho que não consigo.
— Você não consegue me fazer gozar?
Ele libera minha coxa para bater levemente na minha bunda.
Arrepios irrompem em cada centímetro quadrado do meu
corpo.
— Você sabe que eu consigo, amor.
Eu sinto um puxão forte na minha barriga – uma corda
entre suas palavras e o desejo correndo quente pelo meu
sangue.
— Você tem um novo plano?
Ele considera, o olhar se demorando nos cinco centímetros
de pele macia e lisa entre meu umbigo e a borda da minha
calcinha. Eu tive a boca dele lá antes, enquanto eu estava
encostada na beirada de uma cômoda com minhas mãos em seu
cabelo. Eu quero isso de novo. Eu quero um milhão de outras
coisas também.
— Levanta — ele ordena, batendo uma vez no meu quadril
nu. Quando eu levanto meu corpo, ele enrola as mãos no meu
jeans e puxa, tirando-o com três puxões ásperos. Estou em nada
além de uma sensata calcinha de algodão branca enquanto ele
ainda está completamente vestido, no meio de um bosque de
árvores na escuridão da noite. Isso me faz tremer embaixo dele,
mãos apertadas em sua camisa.
Eu me agarro a isso.
— Tira.
Ele alcança entre as escápulas com uma mão e a puxa sobre
a cabeça, flexionando os bíceps enquanto a joga no cobertor.
Ele cai de volta em cima de mim, sua boca na minha, seu corpo
uma pressão deliciosa e quente me puxando para baixo, para
baixo, para baixo no chão. Eu enrolo minhas pernas em torno
de seus quadris e tranco meus tornozelos na parte inferior de
suas costas, jeans áspero contra o interior das minhas coxas. Seu
zíper morde minha pele e eu flexiono minhas pernas mais alto,
seu peito pressionado contra meus seios e seus braços tatuados
me segurando firme. Eu me concentro inteiramente nele – o
calor de seu corpo e a dor oca entre minhas pernas.
— Diga-me que você trouxe uma camisinha — eu imploro
em sua boca, seu polegar puxando meu mamilo. Ele balança a
cabeça com um som abafado de frustração, empurrando seus
braços para encontrar meu olhar. Ele se esforça por um
segundo, distraído, antes de mergulhar de volta para escovar
um beijo contra meus lábios. Ele demora e geme, outro beijo
roubado quando aperto seus quadris com mais força.
— Não — diz ele, arrependimento gravado em cada linha de
seu rosto. Deixei minhas mãos mapearem a linha forte de seus
ombros, seu peito largo, os músculos empilhados em seu
abdômen. Seu corpo é formado pelo trabalho, colorido pelo sol
e pela terra. Já vi cada pedaço dele, mas encontro coisas novas
para descobrir. O conjunto de sardas no topo de suas costelas.
A fina linha de contraste onde a pele bronzeada encontra o
branco pálido e cremoso. A trilha de cabelo que desce pelo
estômago, sob a barra da calça jeans em direção aos seus
quadris.
— Ok, tudo bem — eu balbucio. Não precisamos de
preservativo. Há muitas outras coisas que podemos fazer.
Minha mente desenrola uma lista de um quilômetro e meio de
comprimento, e a dor dentro de mim se aprofunda. Mais
nítida.
Eu coço minhas unhas contra seus quadris e alcanço o botão
de sua calça jeans, deslizando minha mão por baixo quando ela
cede. Meus dedos roçam contra a pele quente e eu envolvo
minha mão ao redor do comprimento duro dele. Ele fecha os
olhos, os dentes cerrados.
— Eu não acho… — Ele olha para mim, confuso e extasiado.
Despenteado e encantado. Todas as minhas coisas favoritas. —
Eu não esperava isso.
— Você literalmente acabou de me dizer que tinha um
plano. — Eu aperto minha mão uma vez e ele faz um som de
gemido estrangulado. Eu imediatamente quero ouvi-lo
novamente. — Você não estava me esperando nua neste
cobertor?
Ele balança a cabeça e rola seus quadris no meu toque.
— Você se lembra da noite em que nos conhecemos?
Eu o acaricio novamente e ele empurra em meu aperto mais
forte, fodendo em minha mão com outro som doloroso e
desesperado entre seus dentes. Gosto tanto desse som que faço
de novo. E então, novamente, meu polegar passando pelo que
posso alcançar.
— Você quase me fodeu no corredor dos fundos do bar,
Beckett. — Eu queria que ele o fizesse. Praticamente implorei
por exatamente isso, se bem me lembro.
Sua mão pega meu pulso e ele me mantém imóvel, olhos em
chamas.
— Você primeiro — diz ele. Seus dedos roçam a curva do
meu quadril, deslizam sob o cós da minha calcinha e apertam a
pele nua da minha bunda.
Eu balanço minha cabeça e sorrio para ele, minha mão ainda
presa em suas calças. Eu preciso tanto dele que quase me
machuco com isso. Todas as minhas ideias se dispersam e eu sei
o que quero. Eu quero nós, juntos.
— Eu sou testada regularmente — digo a ele. — No
controle de natalidade. Se você quisesse…
Sua boca cai na minha em um beijo, mais suave do que
deveria ser com meu corpo nu debaixo dele e um convite na
mesa. Ele agarra meu queixo e lambe minha boca com uma
carícia suave, seu polegar traçando minha mandíbula até a pele
macia abaixo da minha orelha. Ele esfrega lá uma vez, um golpe
lento.
— Fui testado no mês passado — ele consegue dizer quando
se afasta, a palma da mão contra o meu pescoço. Ele desliza um
pouco para baixo até que está pressionado bem no centro do
meu peito. Eu envolvo minha mão ao redor de seu pulso e
aperto. — Não houve ninguém desde você.
Meu coração tem em uma batida irregular sob a palma de
sua mão.
— O mesmo para mim — eu confesso. Eu ofereço a ele um
pouco mais. — Eu não queria mais ninguém.
Nem mesmo perto. Nem mesmo estive tentada. Apenas a
memória de Beckett tinha sido mais que suficiente. O fantasma
de suas mãos na minha pele.
— Está tudo bem? — Eu pergunto, meus dedos traçando
para frente e para trás em sua pele.
Ele balança a cabeça, olhos brilhantes, e sua mão desliza pelo
meu corpo para se juntar à outra, brincando com os lados da
minha calcinha. Ele desliza os polegares por baixo e estala o
tecido uma vez, o suficiente para fazer meus quadris pularem
embaixo dele. Ele solta uma risada, e eu aperto com minha mão
ainda em suas calças.
Ele para de rir bem rápido.
Mãos agarram e puxam, uma corrida para obter o alívio que
ambos desejamos. Ele se atrapalha com seu jeans enquanto eu
tento ajudar, uma tentativa de chutá-lo sem sair de cima de
mim.
— Se você apenas… — Eu puxo com força o material.
— Se eu o que? — Ele balança os quadris e pressiona seu pau
bem contra mim. Eu suspiro e deixo minhas pernas mais
abertas. — Você não está ajudando. Você está tornando isso
mais difícil.
Eu ri.
— Estou tornando algo mais duro.
— Evie — ele resmunga, ainda tentando puxar o jeans sobre
os quadris, distraído enquanto rolo o meu debaixo dele. Ele me
prende no cobertor com a mão no meu quadril, a palma
apertando com força. — Seja boa.
Eu solto uma respiração lenta, um sorriso ainda em meus
lábios. Estou tendo problemas para ficar quieta. Eu pressiono
meus dedos sobre sua mandíbula e esfrego minha palma em seu
pescoço. Sua pele está quente sob o meu toque, rosada na luz
fraca.
— Eu sinto como se estivesse esperando por você desde
sempre — eu confesso.
Seu rosto suaviza.
— Eu sei, amor.
Ignorando o jeans ainda preso em torno de suas coxas, sua
mão desliza para baixo, dois dedos deslizando exatamente onde
eu mais preciso dele. Depois de todas as provocações, seu toque
firme já me deixou no meio do caminho. Ele os circula uma vez
e eu sufoco seu nome. Ele move a mão, pressiona novamente, e
minhas unhas cravam meias-luas em suas costas.
— Porra, você é tão boa — ele resmunga. Esqueci o quão
profunda sua voz fica quando estamos fazendo isso. Como ele
soa desesperado.
Concordo com a cabeça e agarro seus braços, palmas das
mãos batendo levemente na tinta em sua pele, tentando
aproximá-lo. Seu polegar desliza sob o algodão e nós dois
gememos quando ele sente como eu estou molhada.
— Agora — eu exijo. — Agora mesmo, por favor.
Ele não se incomoda em deslizar minha calcinha dos meus
quadris, apenas torce o polegar no material e o puxa para o lado,
alinhando-se com a outra mão e empurrando fundo. Um
impulso pesado, por todo o caminho. Minhas pernas se
debatem em seus quadris e ele deixa cair a testa no meu pescoço,
um gemido deslizando de seu peito para o meu. Sinto-me
deliciosamente cheia, sobrecarregada da melhor maneira
possível.
Minha memória não é nada comparada com a realidade dele
em mim. Mãos flexionando em minhas coxas, testa balançando
contra meu pescoço, barba por fazer raspando minha pele. Ele
puxa para trás, rola os quadris e empurra para dentro. Um
ritmo suave e fácil que eu combino. Ele empurra seu corpo
contra mim, de novo e de novo, me empurrando para cima do
cobertor com cada impulso até que minhas escápulas roçam a
grama fria.
— Evelyn — ele diz em meu pescoço. — Evie. Porra.
— É bom — eu dou uma risada, bolhas de champanhe no
meu peito. Ele se ajoelha e coloca a palma da mão na parte
inferior das minhas costas, guiando meus quadris mais justo
contra ele. Tudo funciona perfeitamente e eu já estou bem no
limite, oscilando.
— Eu pensei sobre isso — diz ele, uma confissão sem fôlego.
Suas mãos enrolam em volta dos meus quadris e seguram firme,
me levantando mais um centímetro contra ele. Ele fica lindo
assim. Um pouco selvagem, uma gota de suor descendo por seu
pescoço. Seu olhar roça todos os lugares que estamos tocando
e alguns dos lugares que não estamos – minhas coxas, meus
quadris, o salto dos meus seios nus e a curva da minha
bochecha. — Todos os dias, eu pensei sobre isso. Sobre você.
Meu coração palpita e sinto que tenho a luz das estrelas
deslizando sob minha pele, ouvindo que ele pensou em mim
tanto quanto eu pensei nele.
— Vamos — diz ele, os olhos travando nos meus. Eu
observo seu rosto enquanto ele arrasta a mão sobre a curva do
meu quadril e abre os dedos. Seu polegar traça a minha barriga
e, em seguida, ele o pressiona entre as minhas pernas. Ele a
mantém ali – uma pressão simples e pesada. Tudo em mim fica
mais apertado. Uma respiração ofegante escapa de mim e um
sorriso arrogante aparece no canto de sua boca. — Me dê isso.
Eu sorrio de volta para ele e persigo seu toque, colocando
minha mão sobre a dele para movê-lo do jeito que eu gosto.
— Conquiste.
Sua risada é uma coisa áspera, sem fôlego com o jeito que ele
ainda está se movendo contra mim. Ele cai em um braço e
emaranha a mão livre no meu cabelo. Ele rola seus quadris com
mais força, mantendo-se profundamente.
— Vou pegar o que você tiver — ele me diz. Seus dedos se
enrolam em um punho no meu cabelo e ele me beija como se
não quisesse fazer mais nada, nunca mais.
Só isso.
Eu e ele.
Ele se aproxima de mim, a explosão brilhante de prazer
rolante. Ele lambe minha espinha e eu arqueio embaixo dele,
uma risada presa no fundo da minha garganta. Eu nunca me
senti assim. Nunca. Poeira estelar, parece, bem no centro do
meu peito.
Ele continua se movendo através dela – frenético e sem seu
controle suave – e estou muito ocupada com a leveza difusa em
meus membros para fazer qualquer coisa além de me segurar
enquanto ele persegue seu prazer. Ele estremece e congela
contra mim, as mãos agarrando, a boca trabalhando
silenciosamente contra o meu pescoço. Tudo se acomoda em
ondas suaves de calor pulsante, meu corpo perfeitamente,
deliciosamente desgastado.
Eu pisco para o céu acima de mim, os galhos das árvores
dançando na brisa leve. Eu aliso minha palma em suas costas.
Beckett deixa cair sua testa contra a minha e sussurra meu
nome.
— Espero que seu plano inclua me levar de volta para casa
— eu bocejo, as costas da minha mão pressionadas contra
minha boca. Cada pedaço de mim se sente esticado e saciado.
Preguiçoso. — Porque eu não pretendo me mover.
Ele pressiona os cotovelos. Seus olhos são suaves, seu toque
ainda mais suave. Ele escova um beijo na ponta do meu nariz.
— Não estou carregando nada. — Ele desaba ao meu lado,
olhos pesados e sorriso solto. — Vamos apenas deitar aqui.
Mais um minuto.
— Tudo bem — eu bocejo novamente, um arrepio
correndo pelos meus braços. Ele a afugenta com a palma da
mão contra a minha pele, me puxando para mais perto. — Mais
um minuto.
BECKETT
EU ACORDO com Evelyn esparramada sobre mim, sua coxa
jogada sobre meus quadris e seu nariz no meu ombro. Eu aliso
minha mão por suas costas nuas e observo enquanto ela se
aproxima, um único raio de luz da manhã dançando por sua
pele. Eu persigo a luz com o meu toque, meu polegar relaxando
sobre a pele negra e seu nariz torce, um bufo em seu sono
enquanto ela rola e se acomoda novamente.
Eu amo como ela fica debaixo dos meus lençóis – a curva
suave de seu quadril e a curva em sua cintura. A linha graciosa
de seu braço sobre seus seios nus. Ela parece uma obra de arte.
Pintada com óleo e prensada em tela com as pontas dos dedos
ásperos. Traços arrojados de ouro polido e ameixa rica e
profundo, verde floresta.
Apesar da minha insistência de que tudo o que faríamos era
dormir, acordei antes do amanhecer com dedos macios
roçando meu estômago, procurando beijos no escuro. Eu a
puxei sobre mim e a toquei até ela ficar sem fôlego, as mãos
puxando minhas roupas. Uma lambida de calor se enrola
contra a base da minha espinha quando me lembro do som que
ela fez quando afundei nela pela segunda vez. Um gemido
baixo. Alívio puro e não adulterado.
O desejo pulsa quente e eu cavo as palmas das minhas mãos
contra meus olhos até ver manchas. Eu preciso sair desta cama
se eu tiver alguma esperança de fazer alguma coisa hoje. Ainda
me sinto desesperado por ela, carente de seus sons, toques e
corpo.
Pelo jeito que ela me olha. Por sua risada e sorriso e atenção
cuidadosa.
Eu afasto os cobertores e saio da cama, Evie imediatamente
rolando no meu espaço. Eu dou um beijo entre suas escápulas.
Sua mão se emaranha brevemente no meu cabelo, um puxão
suave e, em seguida, uma massagem calmante com as pontas
dos dedos no meu couro cabeludo. Um som profundo e
satisfeito ressoa baixo no meu peito. Evie sorri no travesseiro.
— Como um gato — ela murmura.
Eu empurro minha cabeça ainda mais em sua mão de
brincadeira e ela me empurra.
— Panquecas — diz ela com um suspiro. — Bacon — Ela
ainda não se incomodou em abrir os olhos.
— Tudo bem — eu traço o inchaço de sua bochecha com
meu polegar. Eu quero encapsular este momento, seu corpo
macio e doce sob meus lençóis, os sons da casa se instalando ao
nosso redor. Galhos de árvores arranhando as janelas e tábuas
do assoalho se abrindo no corredor. — Vamos começar com o
café e partir daí.
Eu faria panquecas e bacon para ela e um bufê à vontade,
qualquer coisa que ela quisesse se ela me dissesse que queria
ficar. Mas eu afasto esse pensamento tão rápido quanto ele
entra em minha mente. Enterre-o profundamente. É uma
ilusão da pior das maneiras. Evie é grande demais para ser
contida por um lugar como Lovelight. Muito brilhante para ser
escondida em uma fazenda de cidade pequena. Não quero que
ela perca o brilho porque... porque não suporto vê-la partir.
Eu olho para seu sorriso enfiado no meu travesseiro, seus
dedos traçando linhas sem sentido contra minhas tatuagens.
— Encontro você na cozinha — ela me diz, já a meio
caminho de volta a dormir, o pé se contorcendo sob os
cobertores de flanela. Eu fecho as cortinas no meu caminho
para fora da porta e pego minhas calças descartadas do chão,
pisando nelas enquanto ando pelo corredor. Os gatos me
ignoram completamente, satisfeitos com seu lugar ao sol sob a
janela.
— Bom ver vocês também.
Cometa rola de costas, sua pequena pata acenando
brevemente no ar.
Eu me ocupo começando o café e colocando os ingredientes
para as panquecas, uma dor profunda entre minhas escápulas e
na parte de trás das minhas coxas. Eu tenho duas marcas de
arranhões gêmeos na curva das minhas costelas – uma
lembrança da segunda vez, quando eu pressionei meu polegar
entre suas pernas e suas mãos se fecharam em punhos contra os
meus lados.
Dormir com Evelyn na noite passada provavelmente não foi
a melhor ideia. Só estou me aprofundando nessa coisa entre
nós. Tenho medo de que, quando ela for embora desta vez, ela
leve todas as minhas partes importantes com ela.
Mas estou cansado de me segurar. Cansado de fingir que
não a quero de todas as maneiras possíveis. Na minha varanda
e na minha mesa e na minha cama. Eu nunca fui tão ganancioso
por uma mulher em toda a minha vida.
É Evie.
Eu nunca tive chance.
Eu quero falar com ela sobre seu dia e depois fodê-la sem
sentido contra a parede. Eu quero fazer queijo grelhado e sopa
de tomate e depois espalhá-la na minha mesa.
Um toque leve e musical interrompe meus pensamentos e
olho por cima do ombro para a mesa. O laptop de Evelyn está
aberto no canto, um caderno espiral logo abaixo. Meus olhos
se movem pelo corredor e voltam novamente, o toque parando
abruptamente.
Começa novamente um momento depois.
Eu sei que ela não tem o telefone dela. Ainda está no fundo
da lagoa, provavelmente fazendo um bom lar com um dos
remos de barco que Luka deixou cair há dois verões. Dou um
passo mais perto e olho para a tela. Uma pequena caixa no
canto me diz que Josie está ligando. Eu ouvi o nome dela antes
de Evelyn, uma afeição amigável em sua voz.
Minha mão paira sobre o trackpad e eu toco em responder
antes que eu possa me convencer a desistir. Vou anotar uma
mensagem, desligar e fazer umas malditas panquecas.
O rosto de uma mulher aparece instantaneamente na tela.
Cabelo preto curto. Um moletom do Metallica. Olhos
castanhos arregalados que piscam e depois se arregalam.
— Puta merda — diz uma voz metálica do alto-falante.
Meu reflexo aparece no canto superior esquerdo da tela, o
braço apoiado na borda da mesa e a mão ainda pairando sobre
o teclado. Eu... não estou vestindo uma camisa. Tenho certeza
que você pode ver as marcas de arranhões de Evie em meu peito.
Eu me levanto da mesa e fico ali como uma idiota,
hesitantemente acenando com a espátula em saudação.
Não sabia que era uma videochamada.
— Hum, olá.
Pés com meias arrastam-se pelo corredor. Evie aparece na
entrada da cozinha vestindo uma das minhas flanelas, meio
abotoada e mal roçando as coxas. Ela está de tricô – eu exalo
uma respiração trêmula e agarro as costas da cadeira – ela está
com suas meias de tricô puxadas até os joelhos. Estou dividido
entre o desejo de queimar essas malditas coisas e tê-la vestindo
nada além disso, seus joelhos abraçando minhas orelhas e suas
mãos no meu cabelo.
— Ei — ela murmura, se aproximando de mim e dando um
breve beijo na parte de baixo do meu queixo. Seus braços
enrolam em volta da minha cintura e ela me abraça forte. É o
tipo de afeição fácil que eu ansiava dela, e não posso apreciá-la
porque estou congelado na frente da câmera, parecendo como
um cervo aos faróis sobre a cabeça de Evie. Se o chão da cozinha
pudesse me engolir inteiro, seria ótimo.
Eu sabia que não deveria ter atendido a porra da ligação.
— Ora, ora, ora. Olha o que temos aqui.
Evie salta, o rosto se virando para o computador. Minhas
mãos agarram seus quadris em um pedido de desculpas
silencioso.
— Eu não sabia que era uma chamada de vídeo — eu
sussurro, só para ela.
Evelyn pisca. A mulher na tela olha para nós dois sem
palavras e então junta os dedos. Ela bate neles levemente,
parecendo uma vilã de filme. Um sorriso lento começa na
borda de sua boca até que todo o seu rosto parece pronto para
explodir com alegria desenfreada.
É assustador.
— Tantas coisas estão começando a fazer sentido — diz ela
com um sotaque aristocrático estranho. Evie suspira e dá um
tapinha no meu peito, inclinando a cabeça para trás para olhar
para mim. Ela tem um leve rubor nas bochechas, mas também
tem um sorriso. Seus olhos percorrem meu torso e pousam nos
arranhões finos do meu lado. O rubor em suas bochechas fica
um tom mais escuro.
— Por que você não vai colocar uma camisa?
— Por mim não é necessário — vem a voz da tela.
— Eu vou colocar uma camisa — eu concordo. Coloco a
espátula na mesa e saio rapidamente, recuando para a segurança
do meu quarto.
Uma vez que a porta se fecha atrás de mim, eu puxo uma
flanela da gaveta de cima sem me incomodar em olhar para ela,
tomando meu tempo para fechar os botões. É melhor que eu
não esteja desajeitadamente atrás de Evie durante um
telefonema com sua amiga. Não estou tentando dificultar nada
para ela. Eu não quero que ela sinta qualquer pressão, de mim
ou de qualquer outra pessoa. Ela coloca o suficiente em si
mesma.
Esfrego a palma da minha mão na nuca, frustrado. Com a
situação, mas principalmente comigo mesmo, com minha
incapacidade de apenas dizer o que eu quero.
Eu sei o que quero.
Olho para a cama – os lençóis retorcidos e o tênue entalhe
no travesseiro ao lado do meu.
Mas eu sei que é egoísmo querer isso.
A porta se abre e Evie enfia a cabeça na porta, o cabelo
emaranhado e caindo sobre os ombros. Ela sorri gentilmente
para mim quando me vê de pé no meio do quarto e abre mais a
porta. Ela coloca uma caneca de café na ponta da cômoda como
se fizéssemos isso todos os dias.
Eu gostaria que tivéssemos feito.
Eu limpo minha garganta.
— Tudo certo?
Ela balança a cabeça e cruza os braços sobre o peito
enquanto se inclina contra o batente da porta, um sorriso fácil
no rosto. Tudo o que posso fazer é olhar para os botões da
camisa que ela roubou, os lados mal cobrindo o volume de seus
seios. Seria tão fácil prender meu dedo ali, puxá-la para mim e
esquecer a bagunça na minha cabeça.
Quanto tempo ela vai ficar? O que vai acontecer quando ela
se for?
Quão longe eu estaria e eu me importo?
Tudo desapareceria com a minha boca na dela.
Metade de mim espera que ela empurre a conversa, exija que
falemos sobre tudo o que abrimos na noite passada. Mas ela
mantém os olhos em mim, um olhar caloroso, honesto e gentil.
Há uma linha desbotada pressionada do canto do olho até a
curva de sua mandíbula, um vinco do meu travesseiro impresso
em sua bochecha.
Eu a quero assim todas as manhãs.
— Você deixou seu telefone no balcão — ela me diz,
descruzando os braços e avançando mais no quarto. — Mabel
ligou e disse que você está atrasado.
Eu gemo. Esqueci que me ofereci para ajudá-la hoje. A
temporada de casamentos na primavera é caótica no espaço
verde, e ela é muito baixa para fazer os arcos sozinha. Olho para
a longa linha do corpo de Evie encostada na cômoda e gemo
novamente.
Eu tinha planos para esta manhã. Panquecas e calda com as
portas da varanda escancaradas. O sol em sua pele e a linha
tentadora de sua garganta. Esfrego meu peito e ignoro o
lampejo baixo de decepção.
Ela sorri e se vira, dobrando a cintura para a terceira gaveta
para baixo. Eu faço um som de impotência quando a curva de
seus quadris e a curva de sua bunda são exibidas e ela me dá uma
pequena sacudida, as pernas balançando para frente e para trás.
— Eu vou com você — ela me diz por cima do ombro,
puxando um par de jeans e jogando na minha direção. — Eu
tenho que deixar coisas do site para ela de qualquer maneira.
— Você ainda está fazendo essas coisas pela cidade? —
Redes sociais, a maioria. Mas ajudar Alex a estocar livros nas
prateleiras de trás também. Dar uma volta na caixa registradora
na loja de ferragens. Christopher estava fora de si, contando a
quem quisesse ouvir sobre a celebridade que queria trabalhar
em sua loja.
Ela está compartilhando seu sol com qualquer um que
precise de um pouco de luz, mesmo enquanto ela luta. Ela é
aberta, calorosa e gentil e é tão fácil imaginá-la aqui. Querer que
ela fique.
Ela cantarola em afirmação, um par de meias enrolado
voando pelo ar e quase errando minha cabeça. Eu alcanço para
trás e as agarro da cama.
Ela se levanta rapidamente e coloca as mãos nos quadris.
Mandona, em cada linha de seu corpo. Linda, também.
— Mas se vamos pular o café da manhã aqui, vou querer
bacon no caminho.
Eu facilito e me acomodo. Vamos descobrir tudo a tempo,
para melhor ou para pior. Me preocupar com isso não vai me
levar a lugar nenhum.
— Nós podemos fazer isso.
EVELYN
MEU telefone novinho toca no braço da cadeira enquanto me
sento na varanda dos fundos da cabana de Beckett, uma caneca
de chá em minhas mãos e meus pés apoiados no corrimão. É
um número desconhecido, mas reconheço o código de área.
Eu bato em resposta enquanto vejo Beckett cruzar para
frente e para trás através das grossas janelas de vidro de sua
pequena estufa, curvando-se na cintura com um regador preso
frouxamente em seu punho. Não sei como alguém conseguiu
esse número. Pedi a Josie um novo quando ela me encomendou
um telefone substituto.
— Alô?
— A árvore telefônica do Inglewild está chamando — uma
voz vagamente familiar soa do outro lado do telefone. —
Beckett e Evelyn foram vistos se agarrando no canto da casa de
Mabel hoje. Tenho certeza de que ele a teria jogado no chão se
ninguém estivesse por perto.
Afasto o telefone do ouvido e olho para a tela. Essa é uma
interpretação criativa do beijo doce, mas demorado, que
Beckett me deu sob o arco de flores.
— Kelly? Essa é você?
Tenho certeza que Kelly nem estava na estufa hoje cedo. Há
uma pausa e então sua risada alta e ruidosa dança sobre a linha.
Eu sempre posso dizer quando a porta do salão está aberta
quando estou andando pela cidade. Eu posso ouvir a risada de
Kelly a uma milha de distância.
— Oh, meu Deus. Quais são as chances? — Sua risada
diminui. — Eu acho que você é oficialmente uma local agora...
se você foi adicionada à árvore telefônica.
— Eu acho. — O pensamento me faz sorrir. Eu ainda tenho
dúvidas sobre como eles conseguiram esse número, no entanto.
Meu pai ainda não o tem. — Nós não estávamos nos agarrando.
— Oh, querida. Isso é uma vergonha. — Ela zomba uma
vez. — Você deveria estar sempre dando uns amassos com
aquele homem.
Eu desligo o telefone e chuto as pernas enquanto olho para
as colinas ondulantes. Deixo-me imaginar como seria. Manhãs
passadas na cidade e tardes na fazenda, cores brilhantes se
espalhando por trás da casa enquanto as flores começam a
desabrochar. Ligações da árvore telefônica e biscoitos da Sra.
Beatrice na calada da noite. A boca de Beckett contra a minha.
Eu ainda não tinha essa coceira de ir para outro lugar. O
pulso que bate no meu peito para ir a algum lugar novo –
perseguir, descobrir, encontrar – está mais fraco agora.
Tranquilo. Eu não acho que acabou. Está apenas... satisfeito,
eu acho.
Eu olho para o meu telefone e em vez de sentir uma onda de
ansiedade subindo como uma maré, eu apenas sinto... nada.
Não me preocupei em reconectar nenhuma das minhas contas
sociais quando configurei este novo telefone. Também não
conectei meu e-mail.
Estou começando a deixar algumas coisas irem.
Eu assisto Beckett cruzar atrás das janelas novamente – uma
coisa que eu não quero deixar de lado.
Com Beckett, estou tentando descobrir muito por conta
própria quando há outra metade da equação atualmente
escondida na estufa, cuidando de suas plantas. Ele ainda quer
que eu fique? Eu me levanto do meu assento e desço a varanda
dos fundos, seguindo o caminho aberto por pedras enormes e
planas. Cometa e Vixen correm na minha frente, pulando de
pedra em pedra para passar pela fresta da porta.
Beckett está de costas para mim, sua camiseta esticada sobre
seus ombros enquanto ele trabalha na mesa pressionada contra
o comprimento da parede dos fundos. Quase todo o espaço é
ocupado por vários vasos e floreiras, uma longa prateleira
contra cada janela do chão ao teto cheia de orquídeas e petúnias
e poinsétias vermelhas brilhantes, suas pétalas sedosas abertas
para o sol poente. Eu enfio meu nariz em um aglomerado de
rosa que não reconheço, seu cheiro como a primeira mordida
de uma maçã crocante. Forte e afiada.
Eu me inclino para trás e encontro Beckett me observando.
— A árvore telefônica ligou — digo a ele. — Somos oficiais.
Eu me arrependo da minha escolha de palavras quase que
imediatamente. A única coisa oficial sobre o que estamos
fazendo é evitar oficialmente a conversa. Oficialmente
estúpidos sobre isso. Reviro os olhos para os painéis de vidro
do teto e desço novamente.
— Você sabe o que eu quero dizer.
Ele enxuga as mãos em uma toalha, seus movimentos
praticados e suaves.
— Nós estamos oficialmente no radar de todo mundo? —
Ele joga a toalha para o lado. — Oficialmente, nós vamos ter
que começar a verificar os arbustos da frente em busca de
vizinhos?
Eu gosto tanto dessa palavra. Nós.
— Eu não acho que você vai encontrar Luka e Stella
escondidos em seus arbustos — eu digo enquanto inclino meu
quadril contra a mesa em que ele está trabalhando. Três potes
pequenos e um pacote de sementes. Um regador azul brilhante
e algumas tesouras de poda. Eu inclino minha cabeça e olho
para sua caligrafia elegante no lábio inferior de terracota.
Lavanda.
— Vamos falar sobre o que está acontecendo, ou você vai
ficar bisbilhotando silenciosamente na minha estufa até eu
perder a cabeça?
Eu pisco para ele e sinto um sorriso puxando minha boca.
Eu mordo o interior da minha bochecha em uma
demonstração de contenção.
— A segunda opção parece legal, obrigada.
Ele balança a cabeça e esfrega os nós dos dedos contra o
pescoço, exasperado. Este pobre homem. Eu realmente o
coloquei no ringue esta semana. A lagoa, um beijo... sexo em
um campo. Eu me sentiria mal se não soubesse de fato que ele
adora. Ele adora o desafio, a luta, a grande provocação de tudo.
Ele deixa cair as mãos e alcança debaixo da mesa, apertando
algum interruptor escondido. Uma série baixa de luzes
entrelaçadas nos painéis do teto pisca para a vida e todo o
espaço brilha com uma luz quente e nebulosa. Vejo um reflexo
nosso no vidro à minha direita, a noite rastejando pelos campos
do lado de fora e cobrindo tudo com sombras.
Estou cativada pelo nosso olhar refletido de volta em uma
distorção ondulada. Eu de pé na frente de Beckett, seu corpo
forte onde ele está apoiado contra a mesa. Seus braços tatuados
se abriram. Meu rabo de cavalo enrolado sobre meu ombro.
— Há outras opções para explorar, eu acho. — Ele dá um
passo à frente e me prende contra a mesa nas minhas costas,
suas mãos encontram meus quadris e me levantam
cuidadosamente em cima. Ele arrasta minhas pernas e dá um
tapinha na parte externa das minhas coxas, pisando entre elas.
Todos os seus movimentos são tão fáceis, tão sem esforço.
Como se ele estivesse aqui planejando exatamente o que ele
quer fazer comigo.
— Até agora, tudo bem — eu digo.
Um sorriso flerta com os cantos de sua boca. Ele coloca a
palma da mão no meu pescoço e traça abaixo da minha orelha.
— Eu gosto de você, Evie — ele respira, e o ar úmido na
estufa fica mais espesso, mais quente. Seu olhar suaviza no meu
e tudo em seus olhos parece muito mais do que gostar. Meu
coração bate no meu peito e eu sei o que ele sente, eu sinto
também. — Eu gosto muito de você. Quero ver onde isso vai
dar.
— Ver onde isso vai dar — eu repito de volta para ele
lentamente, focada nos dedos de sua outra mão brincando com
a bainha do meu vestido. Ele poderia estar recitando o Star-
Spangled Banner8 e eu provavelmente ainda teria o mesmo
olhar estupefato no meu rosto. Ele acaricia minhas pernas
novamente, o polegar curvando sob a borda da minha saia.
Coloquei um vestido antes de sairmos de casa esta manhã. Eu
gostei do jeito que Beckett engoliu em seco quando eu entrei
na cozinha, como seus olhos se demoraram onde a bainha
roçava minhas coxas.
Ele junta o tecido em seu punho e enrola o material uma vez.
Eu tremo.
— Sim — ele diz baixinho. — Isso funciona para você?
— É um bom começo. — Eu quero mais dele do que isso.
Ver onde isso vai dar soa um pouco ambivalente para os grandes
sentimentos que estouram nas costuras do meu peito, mas vai
8
Hino nacional dos Estados Unidos
servir por enquanto. Ele levanta a saia do meu vestido
novamente, mais um centímetro de pele visível. — Eu também
gosto de você, só para constar.
Eu gosto mais dele.
— Estou feliz por termos conversado sobre isso — diz ele no
topo dos meus joelhos, um gole pesado na coluna forte de sua
garganta. Ele se inclina para frente e cutuca sob minha
mandíbula. Eu obedientemente levanto meu queixo e ele dá
um beijo suave bem no meu ponto de pulsação. Ele gosta dessa
pequena concessão, uma respiração áspera exalada sobre minha
pele, dedos arrastando ao longo da parte externa das minhas
coxas. Eu paro suas mãos no lugar onde minha calcinha sobe
sobre meus quadris, minhas mãos enrolando em torno de seus
pulsos.
— Vou querer falar mais sobre isso.
— Tudo bem.
— Muitas conversas.
Suas mãos flexionam na minha cintura, dedos deslizando
sob a faixa da minha calcinha. Ele torce o material e puxa.
— Quantas você quiser, querida.
— Beckett — eu arrasto meus lábios em sua testa. Eu sou
mais alta que ele assim, apoiada na mesa, seu corpo grande
ocupando todo o espaço entre minhas pernas abertas. — As
paredes são feitas de vidro.
Ele balança a cabeça e coloca outro beijo debaixo da minha
orelha. Arrasta os dentes pela minha garganta e me dá um beijo
afiado e mordaz logo acima da minha clavícula.
— Elas são.
— Alguém pode… — Eu me interrompo com um suspiro
quando seu caminho sinuoso faz uma curva acentuada, sua
boca molhada e quente sobre o meu seio através do tecido do
meu vestido. Ele morde uma vez no meu mamilo e minhas
mãos soltam seus pulsos para encontrar seu cabelo, enfiando-se
nos fios grossos. Eu empurro sua cabeça para trás e ele faz um
som suave de súplica na parte de trás de sua garganta.
Oh, garoto.
— Alguém pode ver — eu consigo dizer. — Devemos
entrar.
Já sei como o quero quando chegarmos lá. Rápido. Duro.
Contra a cômoda em seu quarto. Curvada na beirada de sua
cama. Talvez o sofá também. Eu coloco minha mão em seu
cabelo e o guio até que eu possa pegar seus lábios com os meus.
Eu o deixo saber tudo o que estou pensando com minha boca
contra a dele e ele geme algo desesperado em meu lábio inferior.
Quando ele se afasta, suas mãos estão apertando minhas pernas,
a cabeça já balançando.
— Ninguém vai ver — ele me diz, a voz enferrujada com a
necessidade. — Somos apenas nós aqui – você e eu. Eu quero
você assim.
Seu olhar se inclina para o lado e ele enrola a mão sob minha
mandíbula, guiando meu rosto para seguir até que eu esteja
olhando para nossos reflexos novamente.
— Posso ter você assim?
Eu vejo então, exatamente o que ele quer. Beckett me
pressionando contra a mesa com meu vestido dobrado em volta
dos meus quadris, a longa linha das minhas pernas um traço de
cobre na janela. Não consigo ver nada além do vidro agora.
Apenas nós dois, as luzes do globo brilhando acima de nossas
cabeças como vaga-lumes. A do canto acende, apaga e acende
novamente.
— Eu quero que você assista — ele me diz.
E então ele cai de joelhos.
É estranho, observá-lo no vidro. Tudo está um pouco fora.
Sinto sua respiração contra meu joelho antes de vê-lo dar um
beijo lá. Sinta as pontas calejadas de seus dedos antes de vê-lo
arrastar minha calcinha pelas minhas pernas, envolvê-la em seu
punho e colocá-la no bolso. Eu me vejo abrir mais minhas
pernas antes mesmo de perceber que fiz isso, sua cabeça
desaparecendo entre minhas coxas, apenas o topo de seu cabelo
visível em nosso reflexo.
— Eu gosto disso — eu respiro, surpresa com o calor
subindo pelas minhas veias. Ele faz um som contra a parte
interna da minha coxa e suas mãos apertam com força,
flexionando os dedos tatuados. Uma palma guia minha perna
para cima e sobre seu ombro, minha coxa pressionada contra
sua orelha.
Ele observa meu rosto enquanto coloca sua boca contra
mim, seus olhos se fechando em alívio agonizante com seu
primeiro beijo lento. Eu o observo em nosso reflexo enquanto
ele rola sua língua contra mim, uma pulsação constante que me
faz lutar contra a mesa. Uma longa e completa arrastada. Um
suave zumbido de satisfação.
O regador cai ruidosamente no chão. Sua tesoura de jardim
também. A lavanda é poupada, mas apenas porque minhas
mãos encontram a prateleira baixa nas minhas costas, o aperto
de Beckett firmando meus quadris. Eu desvio o olhar do nosso
reflexo, mais interessada na realidade disso. Sua cabeça se
inclinou sobre mim, um braço baixou sobre meu estômago
para me segurar no lugar. O outro desaparecendo abaixo de
nós, o tilintar de seu cinto contra o chão de cimento me
deixando saber exatamente o que ele está fazendo.
Ele puxa e puxa e puxa – essa sensação – na minha barriga,
onde seu antebraço descansa contra mim, meus quadris
rolando desesperadamente para cima e para ele. Perseguindo
aquele sentimento lindo que eu só tenho com Beckett. Suas
mãos e seus lábios e seu profundo gemido de alívio contra mim
quando eu suspiro seu nome e arqueio, minha liberação
roubando o ar dos meus pulmões.
Ele arrasta sua boca para frente e para trás contra o interior
da minha coxa, a ponta de sua barba fazendo minhas pernas
pularem. Ele descansa a testa lá brevemente.
— Mais? — Sua mão desliza sobre minha barriga e seu
polegar se curva para baixo, onde estou molhada e sensível.
Outro salto em meus quadris que o faz sorrir para minha perna.
Ele bate lá uma vez e eu quase escorrego da mesa para o chão.
Ele vai ter que recolher meus pedaços em uma cesta e me levar
de volta para casa.
Enquanto a ideia de Beckett me dando outro orgasmo nesta
mesa com suas mãos e sua boca é tentadora, eu quero algo
melhor. Eu balanço minha cabeça e uso a mão ainda em seu
cabelo para instigá-lo a se levantar. É uma maravilha que ele
tenha algum fio sobrando neste momento. Eu esfrego meus
dedos contra seu couro cabeludo e ele faz aquele som
estrondoso novamente, no fundo de seu peito. Como um gato
ao sol.
— Posso ter você assim? — Eu pergunto, curvando minhas
pernas em seus quadris, o calcanhar do meu pé na parte inferior
de suas costas. Eu quero olhar para ele, ver como todo o seu
rosto relaxa enquanto ele desliza dentro de mim. Alívio e desejo
e... algo mais também. Algo que bate no meu peito na mesma
batida que a dele. Ele apalpa minha coxa, flexionando a mão, e
engole em seco enquanto olha para mim.
— Você pode me ter como quiser, amor — Sua mão cobre
o lado do meu rosto, embalando minha bochecha. — Você
sabe disso.
Ele arrasta o polegar sobre meu lábio inferior e eu o puxo em
minha boca. Ele faz outro som profundo, uma expiração
pesada de ar.
Eu deslizo minhas mãos sob sua camisa e arranco minhas
unhas em seu peito, de volta para baixo novamente quando seu
corpo cai mais fundo no meu. Eu enrolo minhas mãos no
material de sua calça jeans e as empurro para baixo sobre seus
quadris, o botão e a braguilha já desfeitos, a faixa de sua cueca
puxada para baixo. O pensamento dele se tocando enquanto
me tocava e me provava, envia calor que inunda o meu corpo.
Um toque de excitação em todos os lugares certos.
— Bom — eu digo com meus dentes na base de sua
garganta, raspando até que ele estremece e seus quadris saltam
para frente, duro onde eu sou macia. O metal da mesa morde a
parte de trás das minhas coxas, a superfície fria contra minha
pele nua. — Porque desta vez eu quero que você assista.
A mão na minha bochecha desliza no meu cabelo,
inclinando minha cabeça para trás enquanto sua boca encontra
a minha. É um beijo áspero, possessivo, e eu seguro as laterais
de seu torso enquanto ele me inclina para trás sobre a mesa.
Uma curva perfeita, suas mãos me segurando. Ele se afasta e
arrasta o nariz contra o meu queixo, mergulha e dá um único e
demorado beijo no meu ombro.
Ele não diz nada enquanto pressiona em mim, um
deslizamento espesso de calor que me faz mover meu corpo
contra a mesa – tentando tomar mais. Tentando levar tudo. Ele
observa com a cabeça inclinada entre nós, um gemido baixo
que soa como meu nome. Eu fecho meus olhos e o sinto em
todos os lugares que ele está dobrado contra mim. Uma mão no
meu cabelo. A outra na minha coxa, guiando minha perna mais
aberta. Suas respirações profundas e ofegantes contra a pele
sensível atrás da minha orelha. O pequeno movimento
inquieto de seu corpo contra o meu quando nossos quadris se
juntam, como se ele quisesse se mover, mas ainda não pudesse.
Como se ele precisasse de um momento para se recompor.
Ele puxa um pouco para fora e empurra de volta, um
movimento curto e afetado que ainda, de alguma forma,
consegue roubar minha respiração. Ele xinga e faz isso de novo,
uma bagunça bagunçada em sua retirada que esfrega contra
mim em todos os lugares certos. Minha mão desliza para sua
mandíbula, dedos se curvando contra sua barba áspera. Eu guio
seu rosto até que ele esteja olhando para nós na parede de vidro
à nossa esquerda.
— Assista — digo a ele.
Parecemos algo saído de um sonho. Um sonho imundo que
tive um milhão de vezes em que acordo ainda enrolada nos
lençóis. Meu coração na garganta e um brilho fino de suor na
minha pele, uma batida de desejo entre minhas coxas.
Minhas pernas estão enroladas em torno de seus quadris,
minhas costas arqueadas em uma curva delicada contra o
tampo da mesa, ancorado com a mão torcida pelo meu cabelo.
Seu corpo, forte e alto acima de mim. Seu jeans ficou preso na
metade de suas pernas. Eu olho para ele em nosso reflexo e a
tempestade furiosa naqueles olhos verdes. Desejo intenso. Uma
promessa sem palavras.
Ele sai devagar. Empurra de volta com tanta força que a
mesa inteira treme. Um vaso cai no chão e eu me agarro a ele.
E não escondo nada dele enquanto desmorono.
— EVIE.
Eu resmungo e bato com a pressão quente nas minhas
costas, uma mão pesada na minha cintura sobre a colcha grossa.
Beckett bufa uma risada e sua mão aperta, esfregando o flanco
da minha coxa e volta novamente. Eu tenho marcas nas minhas
pernas do metal da mesa ontem à noite, hematomas leves de
quando Beckett me puxou da borda, me virou e me dobrou na
cintura. Pronto, ele disse com a boca no meu ouvido, a mão
entre as minhas pernas. Agora nós dois podemos assistir.
Eu estremeço quando me lembro, e Beckett dá uma risada
sábia acima de mim.
— Por que você me acordou? — Eu gemo no travesseiro,
puxando os cobertores ainda mais sobre meu ombro e me
aconchegando. Sua cama está perfeitamente quente, seu corpo
é meu próprio aquecedor pessoal.
Exceto que seu corpo está totalmente vestido e acima das
cobertas, um boné de beisebol puxado para trás sobre seu
cabelo loiro bagunçado. Eu pisco para ele por cima do ombro,
confusa.
— Por que você está vestido? Está tudo bem?
Seu polegar traça sobre meu lábio inferior, um meio sorriso
em seu rosto bonito.
— Tudo está bem. Mais ou menos. Entregaram nossas
mudas na fazenda errada. Barney e eu temos que ir até o interior
de Nova York e pegá-las.
— Nova York?
Ele cantarola afirmativamente.
Eu pisco um pouco mais.
— Agora mesmo?
Ele concorda.
— Se esperarmos que elas sobrevivam, será na próxima
semana. Não quero que as árvores sequem.
— Não podemos deixar isso acontecer — murmuro, ainda
meio adormecida. Seu sorriso se alarga.
— Não, não podemos.
— Quanto tempo você vai ficar fora?
— Não muito. Devemos estar de volta amanhã à noite.
Sento-me na cama e esfrego as mãos nos olhos. Prancer solta
um miado lamentoso de seu lugar na beira da cama, chateada
com a interrupção. Eu deixo cair minhas mãos e bocejo na
direção direta de Beckett.
— Eu vou com você.
Ele balança a cabeça e se move para a frente para roçar um
beijo contra meus lábios. Suave. Perfeito.
— Fica aqui — diz ele. Ele hesita por um segundo e, em
seguida, enrola a mão em volta do meu pescoço, a palma da
mão varrendo a pele quente do sono. — Durma na minha cama
enquanto eu estiver fora, sim? Vejo você quando voltar.
Eu desabo de volta para os travesseiros e cobertores com um
suspiro de gratidão e enterro meu rosto em flanela.
— Você tem certeza?
— Sim, tenho certeza — O colchão afunda na minha
cintura e lábios quentes deslizam pela minha testa. — Descansa
um pouco.
— Divirta-se com as árvores — murmuro.
A última coisa que ouço antes de voltar a dormir é sua risada
áspera, as pontas dos dedos passando pelo meu cabelo.
10h37
Josie
Envie-me uma mensagem quando tiver um
segundo. Tenho novidades.
BECKETT
— PARE DE SORRIR ASSIM — Barney fala abruptamente do
lado do passageiro do caminhão, seus braços cruzados sobre o
peito e uma sacola cheia de lanches do último posto de gasolina
descansando em seu joelho. O homem consumiu mais pães de
mel em 48 horas do que qualquer um tem direito. — Você
parece um maníaco.
— Eu nem estou sorrindo — digo a ele.
Barney afunda ainda mais em seu assento, sua cabeça contra
a janela. Sua mão alcança seu ataque cardíaco embrulhado em
plástico.
— Poderia muito bem estar.
A caçamba do caminhão está cheia de cento e oitenta e três
mudas de Abeto de Douglas. Eu sei disso porque Barney
insistiu em contá-las duas vezes, em voz alta e na frente das
pessoas que receberam nosso carregamento por engano.
— Ainda acho que aquele pessoal da Lovebright estava
tramando alguma coisa — Barney resmunga com a boca cheia
de açúcar processado. — Não confio em fazendeiros de xarope
de bordo.
Eu bato meus dedos no volante. Foi pura coincidência que
nossos nomes fossem tão parecidos, embora eu tenha
perguntas para nosso fornecedor. Dei a ele nosso endereço três
vezes, e está impresso na fatura que já pagamos.
— Eles não colhiam apenas xarope de bordo. Eles também
tinham maçãs.
— Meu ponto permanece. Assisti a um documentário sobre
o comércio clandestino de xarope. Aparentemente, há todo um
mercado ilegal. Atividade de gangue.
Eu olho para ele com o canto do meu olho.
— O que deu em você?
Ele murmura alguma coisa.
— O quê?
Ele se mexe no assento e me dá um olhar, debatendo. Eu
levanto ambas as sobrancelhas em encorajamento. Ainda temos
mais três horas de viagem, e não estou empolgado com a
perspectiva de ouvir Barney resmungar como se ele estivesse
sentado em um assento feito de pregos de metal.
— Eu gosto mais de você quando você é um idiota mal-
humorado — ele finalmente diz com pressa.
Não era isso que eu esperava.
— O quê?
— Você está cantarolando há seis horas — Barney ferve,
mordendo outro bocado gigante. — Você está ciente disso?
Eu não estava ciente disso. Eu não fazia ideia, na verdade.
— O rádio nesta coisa está quebrado, e você está
cantarolando há seis. Horas. Seguidas — Ele se abaixa de volta
em seu assento. — Me fazendo subir pela maldita parede.
Esfrego a palma da mão no queixo e fico quieto. Eu tenho
uma velha música de Tom Petty presa na minha cabeça desde
que deixei Evie enfiada debaixo dos meus cobertores, os
gatinhos amontoados em volta dela e uma flor da estufa
trançada em seu cabelo. Eu não percebi que estava
cantarolando.
— Seu pai faz a mesma merda — Barney reclama,
vasculhando sua sacola de lanches. Ele pega alguns pretzels e
gomas de melancia azedas, oferecendo-me o último. Eu
balanço minha cabeça. Essas coisas fazem minha língua parecer
um suéter de lã. — Sempre cantarolando alguma coisa.
— É?
— Mmmm. Certa vez, ele fez toda a trilha sonora de Grease
por uma semana seguida, em um loop. Ele disse que era minha
punição por ter uma opinião.
— Qual foi a sua opinião?
— Que ele não deveria cantar, porra.
Consigo me conter por vinte e sete segundos. Meu
compasso de abertura para Summer Lovin' é um pouco
instável, mas Barney reconhece mesmo assim. Ele solta uma
gargalhada alta e me dá um soco forte, bem na coxa. Eu firmo
meu aperto no volante.
— Não enquanto estou dirigindo, velho.
— Velho — ele repete para mim. — Eu ainda chutaria sua
bunda.
Eu dou uma risada. Ele provavelmente poderia. Ele ensinou
a Nova tudo o que ela sabe sobre autodefesa. Certa vez, ele a
pegou cedo na escola e a levou para a Wrestlemania em
Baltimore. Ela tentou me suplexar do alto de seu beliche por
quase três meses.
Nós nos acomodamos em silêncio, a rajada de vento nas
janelas e o rangido do caminhão abaixo de nós. A dobra de
plástico quando Barney pesca outro pão de mel. Se eu me
lembrasse do meu maldito celular, pelo menos teríamos algo
para conectar na entrada AV. Mas eu o deixei no centro da
mesa da minha cozinha, junto com a garrafa térmica de café que
eu deveria trazer e toda a nossa papelada.
Ainda bem que Barney mantém duplicatas enfiadas em uma
pasta manchada de café embaixo do assento. Algo sobre Evie
emaranhada em flanela desgastada, a curva de seu ombro nu à
luz do sol embaralhou meu cérebro antes mesmo de eu sair de
casa.
— Você sabe quando as inclinações musicais dele estavam
no seu pior?
Eu resmungo e entro em uma pista, minha mente ainda fixa
na maneira como ela se espreguiçou e rolou em mim, nem
mesmo totalmente acordada. Um sorriso em seu rosto e suas
mãos me alcançando como se ela não pudesse suportar me
deixar ir.
— Dezembro de 1994. Quando você perdeu sete jogos de
pôquer seguidos e devia ao meu pai US$ 10.000 e um barco que
não é seu?
— Eu não posso acreditar que ele ainda conta essa história
— Barney bufa. — Não, espertinho. A semana em que ele
conheceu sua mãe. Ele tinha olhos de lua, trabalhando nos
campos e berrando Springsteen a plenos pulmões.
Eu me mexo no assento. Limpo minha garganta duas vezes.
— Parece que você está tentando fazer um ponto.
Barney dá outra mordida no Pão de Mel.
— Imagina isso.
— BECKETT?
Ignoro a chamada do outro lado do campo e continuo
cavando.
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
Estou nos campos há uma hora e o sol ainda não apareceu
no horizonte. O céu está preenchido com a luz cinzenta opaca
que vem pouco antes do amanhecer, o céu decidindo como
quer acordar para o dia. Nuvens grossas escondem as estrelas e
parece que elas podem esconder o sol também.
Bom.
— Que diabos você está fazendo? — Luka exige do meio do
campo.
O que diabos você está fazendo, eu quero atirar de volta. Estes
são meus campos, afinal. Mas eu não estou mais na sexta série e
Luka é malditamente persistente quando quer, caminhando
em minha direção com uma caneca de café em cada mão. Eu o
ignoro e desço a pá novamente.
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
— Estou cavando.
Estou cavando porque no segundo em que me sentei na
beirada da cama e peguei minha calça de moletom, lembrei-me
de seus dedos contra minhas escápulas, seu corpo torcido em
flanela desgastada e seu rosto no meu travesseiro. Levantei-me
para ir para a cozinha e ouvi sua risada batendo contra as
bancadas. Imaginei ela cortando tomates com o cabelo preso
atrás da orelha.
Estou vendo Evie em cada espaço vazio e plantar essas
mudas parecia a coisa lógica a fazer. Eu tenho um furacão
dentro do meu peito e o puxão e o estiramento dos meus
músculos são a única coisa que o mantém contido. Eu mordo
meus dentes em torno dele – aperto minha mandíbula com
tanta força que dói.
— Eu posso ver isso — Luka murmura, os olhos firmemente
no buraco aos meus pés. — Mas por que você está cavando às
quatro da manhã?
Eu não digo nada.
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
— Beck, o que está acontecendo? — Ele suspira.
Eu grunho.
— Estou cavando um buraco…
— Eu posso ver isso.
— ...para o seu corpo.
Ele bufa uma risada em sua caneca de café.
— Muito legal.
Eu dirijo a pá em um pedaço de terra fresco e descanso meu
cotovelo contra ele, meu polegar esfregando minha
sobrancelha.
— Como você sabia que eu estava aqui?
— As câmeras — Luka oferece. Stella instalou câmeras
durante o inverno quando alguém estava vandalizando a
fazenda. Acontece que o bibliotecário da cidade, Will Hewett,
realmente queria uma fazenda de alpaca e decidiu que destruir
a nossa era a melhor maneira de atingir esse objetivo em
particular.
Idiota.
— Stella recebeu uma notificação sobre um louco
carregando mudas em seu caminhão e as levando para o campo
— Ele toma um gole alto e desagradável de café. — O que é
estranho porque o dia da escavação é daqui a alguns dias.
Também não está programado para às quatro da manhã.
— Decidi sair na frente — digo, tão casualmente quanto
consigo, espiando por cima do cabo da minha pá para o buraco
em que estive trabalhando. É muito profundo para uma muda,
mas estou comprometido agora. Coloco a pá de lado e pego um
dos pacotes do carrinho de mão. Eu o solto do recipiente seguro
para viagem em que eles chegaram e o transfiro
cuidadosamente para sua nova casa.
Ele cai para o fundo, os galhos superiores nem mesmo
visíveis.
Eu suspiro.
— Esse é um buraco grande — diz Luka.
Eu belisco a ponte do meu nariz.
— Será que… — ele inclina a cabeça para o lado e toma outro
gole de café. — Vai crescer do chão, você acha? — Ele imita
algum gesto complicado com a mão, como o lançamento de
um foguete. — Como uma planta de abacaxi. Você já viu uma
dessas?
Eu vi. Eu sinceramente duvido que isso vai se parecer com
aquilo.
Eu alcanço o buraco e puxo a árvore para fora, colocando
um pouco da terra de volta com meu braço. Luka bate no meu
ombro e segura uma xícara de café na frente do meu rosto.
— Espere um segundo. Eu trouxe café para você.
— Eu não quero café — eu digo, me contradizendo e
imediatamente pegando a caneca de suas mãos. A mãe de Luka
sempre garante que Stella tenha as coisas boas estocadas para
quando ela e todas as tias de Luka aparecerem aleatoriamente
em sua casa. Da última vez trouxeram biscoitos também.
Eu caio de bunda no chão e tomo um gole da caneca. Tem
uma pequena raposa nela, um chip na alça. Luka me encara
com uma mão no quadril. Pela primeira vez, noto que ele está
vestindo uma das velhas blusas de moletom de Stella, as mangas
muito curtas em seus longos braços.
— O que está acontecendo com você? — ele pergunta.
— O que você quer dizer?
Ele faz um som exasperado no fundo de sua garganta, o
cabelo do lado esquerdo de sua cabeça espetado em uma
profusão de cachos. Stella deve tê-lo expulsado da cama para vir
aqui me checar. O pensamento levanta meu ânimo, por incrível
que pareça.
— Oh, culpa minha. Você tem razão. Isso é totalmente
normal. Nós sempre conversamos antes do sol nascer — Ele
revira os olhos e chuta minha bota com a dele. — Por que você
está aqui plantando árvores? Onde está Evelyn?
Provavelmente em algum hotel boutique em uma cidade
brilhante e reluzente, encantando todos que conhece.
Brilhando como a porra do sol.
Ela não está aqui. Essa é a única parte que importa.
— Não sei.
Eu odeio não saber.
As sobrancelhas de Luka se abaixam em uma linha de
confusão.
— Ela não está com você?
— Ela estava — eu digo. — Agora ela não está.
Desvio os olhos para a linha de árvores que consegui plantar
esta manhã – uma fileira um tanto caótica de pequenos feixes
verdes. Em cinco a sete anos, todo este campo estará cheio de
galhos sussurrantes e pinheiros espessos.
Eu me pergunto se ainda estarei sentado aqui.
— O que você quer dizer com ela não está?
— Quero dizer que o carro alugado dela não está na garagem
e as coisas dela não estão na minha casa — Talvez. Eu acho. Há
uma parte de mim que está revirando os olhos com minhas
suposições, mas a parte muito maior de mim está apenas
tentando proteger o que posso. — Ela se foi.
Eu não sei se Luka quer que eu desenhe um mapa para ele
ou o que, mas parece bem direto. Eu posso ver o raciocínio dela.
Ela estava ficando comigo enquanto ela descobria suas coisas.
Ela descobriu. Ela se foi.
É isso.
Luka faz outro pequeno som baixinho, seus olhos
semicerrados em concentração. Quero rolar para o buraco que
cavei até que ele decida me deixar em paz.
— Você sabe como eu conheci Stella, certo?
Reviro os olhos para o céu e coloco os braços sobre os
joelhos. Acho que ele vai ficar.
— Eu sei como você conheceu Stella. — Eu ouvi a história
o suficiente nos últimos dois anos. Ela caiu dos degraus de uma
loja de ferragens e bateu direto em Luka. Eles então passaram a
fingir que não estavam perdidamente apaixonados um pelo
outro por quase uma década. Fixo meu olhar nas árvores
balançando à distância e aperto minha mandíbula. — Você
pode pular essa coisa toda.
— Pular o quê?
— Quaisquer banalidades esperançosas que estão prestes a
sair de sua boca — Luka adora um bom discurso motivacional.
— Não quero ouvir.
Luka bufa uma risada e fica quieto. Outra rajada de vento
rola sobre o campo e todos os galhos se levantam e dançam. Vai
ser mais difícil não pensar em Evie desta vez, mas vai passar.
Talvez em um mês ou dois eu não a veja em cada maldito canto
deste lugar. Eu só preciso... preciso me lembrar de como ficar
sozinho, eu acho. Eu e os gatos.
E aquele maldito pato que eu disse que não ia adotar.
— Eu quase disse a ela — Luka considera o chão com uma
carranca, cedendo depois de uma longa pausa e sentando na
terra à minha frente. Ele vasculha o bolso do moletom e sai com
o punho cerrado em torno de um pacote de biscoitos. Ele abre
com os dentes e me oferece um. — Naquela época — ele
explica. — No começo. Eu quase disse a ela como me sentia.
Eu relutantemente aceito um biscoito. Outro quando
percebo que são chocolate e avelã e Luka pretende lançar seu
melhor discurso encorajador, apesar do meu protesto.
— Poderia ter se poupado cerca de sete anos, aposto.
— Poderia — Luka concorda. — Ela estava saindo de um
táxi na cidade. Eu estava esperando por ela no meio-fio e ela
meio que... ficou presa, eu acho. Saindo do carro. Sua bolsa ou
algo assim estava enrolada no cinto de segurança. Ela tentou
sair do táxi e sua bolsa a puxou de volta. Ela riu tanto que
bufou. — Ele sorri com a memória, seus olhos um pouco
vidrados. — Ela era tão linda que eu não aguentei. Meu coração
parecia estar bem aqui. — Ele bate na garganta e depois entre
os olhos. Tira um biscoito e o enfia na boca.
— Por que você não fez isso? Disse qualquer coisa? — Estou
irritado comigo mesmo por perguntar.
Ele dá de ombros.
— Porque tínhamos algo bom e eu não queria agitar o barco
com uma conversa difícil. — Seus olhos castanhos se estreitam
em mim e ele morde um biscoito com tanta força que se parte
em dois. — Isso soa familiar? — ele pergunta com a boca cheia.
Sim. Não vou discutir com ele sobre os detalhes. Tenho
evitado ativamente ter uma conversa com Evelyn.
Absolutamente. Claro, parte disso foi medo. Mas uma grande
parte – a maior parte – foi…
— Eu não quero amarrá-la aqui — confesso com um
suspiro profundo e ofegante. — Eu não quero que ela se sinta
obrigada… — Aos meus sentimentos. A mim.
— Você acha que ela iria? — Uma pequena linha aparece
entre as sobrancelhas de Luka.
Talvez. Eu suspiro e esfrego a palma da minha mão na
minha testa.
— Qual é o sentido de ser honesto com ela se ela vai embora
de qualquer maneira? — Esse é o coração disso. Tudo se resume
a mim tateando em torno de uma pequena cama e café da
manhã no calor do final do verão, procurando por pedaços de
sua afeição. Por que diabos eu iria me abrir só para ela olhar
tudo por dentro e decidir que não é suficiente? Para que eu
possa sentir essa mesma reviravolta no estômago toda vez que
ela sai sem dizer uma palavra? Continuar a perder pedaços de
mim mesmo até me tornar uma coleção de arestas irregulares?
Não, obrigado. — Ela já foi embora. Ela foi embora três vezes
agora.
— Telefones existem, você sabe. Você poderia ligar para ela.
Tomo outro longo gole da minha caneca de café. Se Stella
está nos assistindo nas câmeras agora, ela provavelmente está se
perguntando por que diabos seu namorado e seu principal
fazendeiro estão fazendo um piquenique em um campo cheio
de buracos.
Às 4h18 da manhã.
— Eu tentei ligar para ela — eu explico. Enquanto estava
sentado na beira da minha cama com uma flor azul murcha na
palma da minha mão. Disquei o número dela três vezes e escutei
uma mensagem genérica de correio de voz. Digitei sete
mensagens de texto diferentes antes de decidir por uma simples.
Aonde você foi? Eu queria enviar outra. Por que você foi? — Ela
não respondeu.
— É isso? Você vai desistir? O relacionamento acabou? —
Ele estala os dedos. — Bem desse jeito.
— O que mais eu devo fazer?
Eu sou um homem realista. Eu sei onde pertenço e onde não
pertenço. Eu defino minhas expectativas e ajo de acordo. Andar
por aí com ideias fantasiosas na cabeça sobre coisas que não
posso ter nunca me serviu bem.
Essa coisa com Evie não é diferente.
Minha casa vazia é prova disso.
— Ouça, cara — eu solto um suspiro e um pouco do café da
minha caneca se derrama sobre a borda e pinga sobre meus
dedos. Eu ignoro. — Eu aprecio o que você está tentando fazer
e eu… eu sei que eu disse que não precisava da conversa
estimulante, mas foi… — Eu inclino minha cabeça para frente
e para trás. — Foi bom.
Luka solta uma risada e eu fico de pé, uma dor nas costas e
no centro do meu peito. Esfrego a palma da mão e entrego a
Luka minha caneca vazia, pego o cabo da minha pá e olho para
os campos. Tenho mais de cem árvores para plantar, e parece
que vai chover. A antecipação disso paira pesadamente no céu,
nuvens espessas sobre um manto de estrelas. Ocorre-me que
chove toda vez que Evelyn vai embora, e isso quase me faz rir.
Até o céu está triste ao vê-la partir. Tempo para combinar
com o meu humor.
Luka se levanta com um resmungo e joga as duas canecas no
carrinho de mão com um tinido. Seu pacote de biscoitos
também. Ele pega a pá extra que eu trouxe e me encara com as
duas sobrancelhas levantadas, um aperto determinado em sua
mandíbula.
— Tenho mais uma coisa para te dizer.
— Tudo bem — Olho ansiosamente para o buraco muito
fundo e me pergunto se caberei lá dentro.
Luka endireita os ombros.
— Eu não acho que você deveria desistir. Ainda não. Eu não
sei onde ela está, mas eu vi vocês dois juntos. Eu vi o jeito que
ela olha para você. E Beckett... Quando você já desistiu de
alguma coisa? Você construiu pequenas barracas sobre mudas
para protegê-las da chuva no inverno passado. Você monitorou
os níveis de saturação do solo no meio de um furacão. Você
apareceu para Stella quando ela teve a ideia deste lugar. — Sua
voz falha nas bordas. — Você abandonou um emprego seguro
com um bom salário para ajudá-la a se levantar aqui, sem
garantia. Você adotou um pato…
— … Eu não adotei o pato…
— … você adotou um pato que encontrou no celeiro.
Quatro gatos também. Você contrabandeia biscoitos porque
tem medo de ferir os sentimentos de Layla. E eu sei que foi você
quem dirigiu dois estados até a costa para conseguir a manteiga
chique que ela queria quando todos os fornecedores locais
estavam dando a ela um gelo. Você não é um cara que desiste, e
você não é um cara que não se importa. Então, por favor, pare
de fingir que você é uma dessas coisas.
Eu encaro Luka. Ele me encara. Eu limpo minha garganta.
— Isso foi, uh. Isso foi mais do que uma coisa.
— Foi — diz ele, sem fôlego e agitado. Suas bochechas estão
vermelhas, sua boca em uma linha firme. Ele se mexe e aponta
para os pontos marcados no campo com a lâmina da pá. Ele
apunhala o ar com aquilo uma vez. — Eu vou cavar alguns
buracos agora.
— Isso é bom.
Acho que ele esperava que eu brigasse com ele. Ainda estou
um pouco chocado com o discurso dele. Aquelas cordas de
piano em meu peito vibram sob a tensão, todas as minhas notas
desafinadas.
— Você se lembra do que me disse quando apareci em sua
casa? Depois daquela briga com Stella?
Logo antes de eles se resolverem, Luka apareceu na minha
porta, seu moletom do avesso e um olhar em seu rosto como se
alguém tivesse roubado todos os seus biscoitos e sua última
fatia de pizza também. Ele se sentou no meu sofá enrolado em
três cobertores e olhou fixamente para a minha lareira por
quase cinco horas. Só preciso de um segundo, disse ele. Apenas
alguns minutos.
— Eu disse para você parar de ser um idiota — eu digo,
relutante. — Conta a ela como você se sente.
Luka levanta as duas sobrancelhas.
— Para de ser um idiota — ele me diz. Um sorriso torce sua
boca para o lado. — Conta a ela como você se sente.
STELLA APARECE NÃO MUITO TEMPO DEPOIS, um moletom
até os joelhos e uma pá arrastando-se apática atrás dela. Parece
que ela acabou de lutar sete rodadas com seu colchão e perdeu
todas. Ela dá um beijo na bochecha de Luka, envolve seus
braços ao redor da minha cintura em um abraço, e então reboca
seu caminho até o outro lado do campo e começa a cavar os
buracos mais lentos e desleixados conhecidos pela humanidade.
Luka dura três minutos antes de ir até lá para ajudar.
Layla chega no momento em que algumas gotas de chuva
gordas decidem cair do céu, botas de borracha e um gorro de
tricô azul brilhante. Ela caminha até mim e me aperta com
força, sua cabeça sob meu queixo. Eu fico com a boca cheia de
pompons.
— Não tive tempo de fazer pão de abobrinha — diz ela. Ela
aperta mais forte e eu solto um chiado. — Eu sinto muito.
Eu pisco para sua cabeça e lhe dou um aperto suave de volta.
Realmente, estou tentando encorajá-la a me deixar ir. Abrir
todas aquelas crostas de torta a tornou assustadoramente forte.
— Tudo bem.
— Vou fazer alguns esta tarde.
— Ok.
Ela levanta a pá que eu não a vi trazer por cima do ombro e
se junta a Luka e Stella, seu chapéu balançando o caminho
todo. Vejo faróis piscarem à distância e franzo a testa.
— O que está acontecendo? — Eu grito para o meu trio de
assistentes inesperados. Uma gota de chuva cai no meu nariz e
desliza para baixo.
Stella está encostada no peito de Luka, com a cabeça apoiada
no ombro dele. Seus olhos mal estão abertos e por um segundo,
acho que ela está dormindo.
— A árvore telefônica — ela grita de volta, sua voz ecoando
pelo campo vazio. — Nós mudamos o dia de escavação.
Outro par de faróis aparece de longe, dois feixes de luz
lançados pela estrada de terra que leva à fazenda. Eu os observo
por um segundo e engulo em seco. As cordas do piano relaxam
um pouco.
— Por quê?
Eu posso ver o olhar que Stella está me dando de todo o
caminho até aqui. Uma sobrancelha delicadamente levantada,
seus lábios em uma linha plana. Layla zomba e Luka balança a
cabeça.
— Se você está cavando, estamos todos cavando — ela grita.
O calor em sua declaração é ligeiramente diminuído por um
bocejo gigante, bem no meio. Ela estremece e Luka dá um beijo
na parte de trás de sua cabeça, seu antebraço ancorado em sua
clavícula. — Isso é o que os parceiros fazem.
Vinte
EVELYN
EU ODEIO ESTE LUGAR.
Eu odeio este lugar. Eu odeio esse carro. E eu odeio essa
estrada estúpida que meu GPS me disse que seria a rota mais
cênica. Eu odeio ter pensado que uma rota mais cênica parecia
legal, e eu não peguei apenas a estrada. Eu poderia estar de volta
agora.
Ou, pelo menos, eu poderia estar bebendo um milk-shake
no caminho de volta.
Na estrada.
Olho para um campo de grama morta e chuto meu pneu
furado. Não há uma única coisa cênica sobre este trecho de
estrada mal conservada e o posto de gasolina abandonado a dez
metros de distância, uma família de corvos olhando fixamente
para mim de seu poleiro em uma loja fechada com tábuas.
Estou recebendo vibrações fracas de Hitchcock, e pressiono
dois dedos entre minhas sobrancelhas, silenciosamente
desejando algumas vibrações positivas. Parece que tive uma
série de azar cósmico desde que deixei os escritórios da US Small
Business Coalition em Durham. Eu tento não ler isso.
Café derramado. Perdi o retorno. Mais uma volta perdida.
Sinal perdido. E agora isso. Um pneu furado.
Pelo menos o carro de aluguel tem um reserva. Eu só
preciso... lembrar como trocar isso.
Minha mãe tinha sido grande com essas coisas no ensino
médio. Substituindo canos velhos e enferrujados embaixo da
pia e trocando o óleo do carro. Ela disse que era importante
para mim aprender a ser meu próprio herói.
Você nunca vai precisar perguntar a um menino, ela me
disse, graxa até os cotovelos e na testa, um sorriso no rosto
quando ela soltou o macaco. Sua risada tinha sido orgulhosa e
brilhante em nossa pequena garagem, rugas na pele escura ao
redor de seus olhos. Seu braço quente em volta do meu ombro
enquanto nossa minivan balançava no lugar.
Ela estaria carrancuda para mim agora, porém, se ela pudesse
me ver olhando para o pneu apoiado contra a roda.
Coloco a mão sobre os olhos e olho para a longa estrada
sinuosa que parei ao lado. Não consigo ouvir um único motor
roncando à distância. Verifico meu telefone novamente e noto
a falta de barras no canto superior direito.
— Tudo bem, bem. — Talvez volte para mim através da
memória muscular. Certamente não tenho nada melhor para
fazer no momento.
Eu puxo o macaco pesado para fora do porta-malas do carro
e o coloco no meu pneu traseiro e começo a trabalhar. Isso, pelo
menos, eu me lembro. Eu despejo toda a minha frustração em
girar os parafusos teimosos, um som de gemido vindo de cada
um enquanto eu seguro o metal firme na palma da minha mão
e dou a manivela.
Apesar da minha sequência de azar desde que deixei seus
escritórios, minha entrevista com a Small Business Coalition
correu bem. Muito bem. Theo tinha sido caloroso e acolhedor
– um pouco estranho – me oferecendo café e uma bandeja
cheia de pequenos danishes9 assim que cheguei, o prato coberto
equilibrado precariamente na borda de uma mesa superlotada.
— Muito do seu conteúdo apresenta comida — ele disse,
ajustando os óculos com os nós dos dedos. — Eu estava
esperando cortejar você para o nosso lado com açúcar.
Ele não precisava me cortejar com açúcar ou café ou
qualquer outra coisa. Ele começou a falar imediatamente, sua
voz calma ganhando vida com entusiasmo na lista de pequenas
empresas em sua lista. Seu escritório estava desordenado,
abafado, uma pequena janela acima de sua mesa que dava para
um beco estreito e uma parede de tijolos. Quase não havia luz
natural ou espaço extra, apenas uma cadeira em frente à sua
mesa, um telefone ultrapassado com um fio emaranhado preso
ao lado da bandeja dinamarquesa.
9
É um doce de pastelaria típico da culinária da Dinamarca. É comum
encontrá-lo em diversos pontos do mundo industrializado, apesar da forma variar
significativamente de país para país. Os seus ingredientes incluem farinha,
fermento, leite, ovos e uma quantidade abundante de manteiga.
Eu adorei imediatamente. Tudo aquilo. A caneca meio vazia
na estante perto da porta e a pilha de papéis que se agitavam
toda vez que ele se movia em sua cadeira barulhenta. Seu espaço
parecia trabalho árduo e entusiasmo, ideias saindo de todos os
cantos. Eu me peguei examinando as fotos penduradas na
parede enquanto ele falava, uma linha do tempo descombinada
de pessoas e lugares em tecnicolor. Uma barraca de comida em
um pequeno parque. Uma vitrine com um toldo vermelho e
azul, grandes letras em loop na vitrine. Uma foto menor, logo
abaixo, dele e de um homem bonito, as mãos entrelaçadas e
uma garotinha agarrada aos joelhos.
— Você receberá ofertas mais sofisticadas, tenho certeza —
ele me disse. Não pude deixar de pensar em Sway – a arte da
fruta na água e todas as quinquilharias extravagantes que não
importam nem um pouco. — Mas eu não acho que você vai
encontrar um trabalho que te faça mais feliz do que isso.
Mais feliz. De todas as palavras que ele poderia ter escolhido.
Ele não precisava dizer mais do que isso.
Os detalhes sobre a posição foram como a cereja do meu
bolo de satisfação. Trabalhando com pequenas empresas,
ajudando-as a estabelecer seus canais digitais – essa nova
posição é exatamente o que tenho feito, mas melhor. Mais
tempo construindo relacionamentos. Recursos mais fortes
para apoiar as iniciativas. E um Rolodex10 inteiro de donos de
10
Uma espécie de portfólio/fichário.
pequenas empresas em todo o país apenas tentando descobrir
tudo.
Inúmeras histórias para contar.
E suporte para mim. Descanso, quando eu quiser.
Eu estava cantarolando de excitação quando saí da
entrevista, estourando pelas costuras com uma sensação que
pensei ter desaparecido para sempre. Caminhei até meu carro e
disquei o número de Beckett, imaginando-o sentado na
varanda dos fundos, um dos gatos em seu joelho e sua mão
enrolada em torno de uma cerveja, pés com meias cruzados nos
tornozelos e suas longas pernas esticadas. Imaginei como ficaria
seu rosto quando eu lhe contasse as novidades, como suas
sobrancelhas se ergueriam. Aquele sorriso tranquilo nas linhas
de seus olhos e o buraco em sua bochecha.
Mas ele não respondeu.
Eu giro a chave com um grunhido e afrouxo o último
parafuso, uma gota de suor escorrendo entre minhas escápulas.
Eu deixo cair a chave no cimento e um dos corvos se lança do
topo do posto de gasolina em uma enxurrada de penas eriçadas.
Eu franzo a testa para seus amigos e depois para o meu pneu
furado.
— Até agora tudo bem — eu murmuro.
Ela volta para mim em pedaços enquanto eu trabalho. A voz
da minha mãe no meu ouvido, me instruindo como acionar o
macaco, como me manter longe do carro, como puxar o pneu
e gentilmente colocar o novo. Um arrepio de satisfação me
percorre enquanto passo a cada passo, seguro a nova roda e
aperto o último dos parafusos. Eu enrolo o pneu estourado no
porta-malas e abaixo o macaco novamente, e o carro solta um
gemido, um suspiro ofegante.
Talvez eu devesse ter trocado um pneu mais cedo. O
orgulho queimando em meu peito me deixa sem fôlego, uma
explosão feroz de energia que percorre todo o meu corpo. Eu
fico lá com minhas mãos cobertas de graxa e meus braços
queimando com o esforço.
Eu me sinto fantástica.
Eu quase rio quando ouço o ronco de um motor de carro
atrás de mim, um caminhão vermelho brilhante descendo a
estrada. Ele desacelera até parar ao meu lado e um velho com
um boné de beisebol desbotado enfia a cabeça para fora da
janela, seu braço bronzeado pendurado sobre a porta. Ele olha
para todas as ferramentas espalhadas pelo chão e me dá um
olhar interrogativo.
— Você precisa de ajuda?
Eu balanço minha cabeça. Eu não preciso. Pela primeira vez
em muito tempo, não me falta nada. Estou firmemente aqui,
neste momento. Sem planejar o que vem a seguir, sem pensar
em todas as coisas que estou perdendo por ficar parada. Tudo
está exatamente onde deveria estar.
Eu dou a ele um sorriso que ele espelha com uma contração
desnorteada de seus lábios. Uma mulher estranha parada do
lado de fora de um posto de gasolina fechado com graxa no
rosto, sorrindo para o nada.
— Estou bem, obrigada.
11
É um donut redondo, sólido e fermentado com cobertura de chocolate e
recheio de creme, resultando em um donut que lembra uma torta de creme de
Boston em miniatura.
— Espero que esse não seja um dos detalhes que precisem
ser resolvidos — Assim que eu falar com Beckett. Assim que ele
atender seu maldito telefone.
Eu gostaria de ficar. Não na casa dele, é claro. Um novo
lugar, talvez em algum lugar da cidade. Em algum lugar eu
possa sair da varanda e pressionar os dedos dos pés na grama
molhada. Flores no jardim. Muitas janelas.
— Eu vou ter que voar para a Califórnia — digo a ela. —
Preciso acabar com o contrato com a Sway. Separar alguns
outros projetos — Recolher o resto das minhas coisas do meu
apartamento mal usado. Provavelmente visitar aquela loja de
empanadas.
— Vou também e te encontro.
— Você não precisa fazer isso.
— E perder seu rompimento com a Sway? Eu acho que não.
— Ela ri do outro lado do telefone e ouço o ranger de uma porta
de tela se abrindo.
— Estou orgulhosa de você, sabe — Sua voz é calma, um
sorriso em cada sílaba. — Eu sei que você não tem se sentido
como você mesma, mas você... você está voltando para lá. E
estou orgulhosa de você.
Eu pisco com a pressão atrás dos meus olhos. Estou
orgulhosa de mim também.
Uma conversa sussurra de volta para mim. Flanela
desgastada em volta dos meus ombros e aquela velha cadeira da
varanda áspera sob minhas mãos. Meias emprestadas nos meus
pés e Beckett na cadeira ao meu lado.
— Estou tentando.
BECKETT
EU ENCARO O PATO.
O pato me encara.
Um dos gatinhos mia atrás da cerca improvisada que fiz na
cozinha. Não que isso os detivesse se eles realmente quisessem
sair. Ainda não tenho ideia de como Prancer consegue sair de
casa todas as manhãs para seus passeios de trator. Examinei cada
centímetro quadrado do perímetro e não consigo descobrir
como ela está saindo, a não ser abrindo a porta da frente
sozinha.
Suspiro e olho para a família de gatos esperando
pacientemente atrás de uma tela de galinheiro. Eles vieram
correndo assim que eu acotovelei meu caminho pela porta da
frente com nossa nova adição. É a primeira vez que reconhecem
minha existência desde que Evelyn partiu, duas noites atrás.
Eles ainda não me perdoaram por afastá-la.
Também não me perdoei.
Encontrei o bilhete dela amassado e meio rasgado na cama
da Prancer ao lado do sofá, ao lado de um prendedor de cabelo
e um tubo vazio de batom. Fiquei olhando para aquele
pequeno pedaço de papel por um longo tempo, as flores
rabiscadas ao longo da borda inferior, os três pontos de
exclamação.
Não importa que ela tenha deixado um bilhete. Não
importa que ela tinha toda a intenção de voltar. Manter toda a
luz dela para mim ainda parece o pior tipo de egoísmo. Eu não
vou fazer isso.
Digo isso a mim mesmo, de qualquer maneira. E coloquei o
bilhete na gaveta ao lado da minha cama. Ao lado da maldita
flor azul seca e um recibo amassado.
Suspiro e pego o patinho em minhas mãos, já maior do que
da última vez que o vi. O Dr. Colson ligou esta manhã e me
avisou que não havia lugar para ele no centro de vida selvagem
local. Provavelmente teria sido muito tempo, de qualquer
maneira, para o carinha fazer uma transição bem-sucedida de
volta à natureza.
Ele não precisava dizer muito mais do que isso.
Não queria que o patinho ficasse sozinho.
— Tudo bem, todo mundo — eu lanço um olhar severo
para os gatos alinhados atrás da parede improvisada. — Nós
vamos estar em nosso melhor comportamento, sim? Sem
mordidelas ou qualquer coisa com dentes adjacentes. — Juro
que Prancer franze a testa para mim, um beicinho em seu
rostinho peludo.
Sento-me no chão e cuidadosamente – lentamente –
estendo minhas mãos. Com a recomendação do Dr. Colson em
mente, mantenho uma mão pairando sobre a bola de penugem
amarela na palma da minha mão, pronto para protegê-lo se
precisar. Mas todos os quatro gatos parecem calmos o
suficiente para conhecer seu novo companheiro de casa, rostos
voltados para o interesse.
O pato enfia a cabeça entre meus dedos estendidos, um
pequeno chilrear de saudação.
Prancer olha com ávida concentração e então mia em
resposta. Ela se levanta de sua posição de bruços no chão e
cutuca suavemente minha mão, seu nariz de veludo rosa
roçando meu polegar e depois o patinho. Ela mia novamente e
os três gatinhos ecoam na mesma sinfonia. O patinho oferece o
início de um quack.
Tudo bem. Isso parece... bom.
Pato e gatos continuam investigando um ao outro e ouço
minha porta da frente se abrir. Por uma fração de segundo, uma
chama de esperança toma conta do meu peito. Mas então eu
ouço Stella e Layla discutindo sobre pãezinhos de canela e meu
coração rola, a decepção batendo em uma batida lenta.
Olhei para Evelyn e disse a ela que não me contentaria com
os pedaços dela. É como me sinto, mas gostaria de ter dito isso
de uma maneira melhor. Mais suave, talvez. Eu ainda posso ver
o rosto dela enquanto as palavras tropeçavam na minha língua.
A forma como seu corpo inteiro se encolheu, suas mãos
apertadas juntas. Seus cílios contra sua bochecha. Uma única e
aguda inspiração.
Arrependimento é uma coisa engraçada. Autopreservação
também. Eu estive balançando descontroladamente entre os
dois e peguei meu telefone mais vezes do que posso contar. Mas
não consigo me obrigar a discar o número dela, meu polegar
pairando sobre a tela.
Stella e Layla tropeçam e param na beira da minha cozinha.
Eu não me incomodo em olhar para cima.
— Cristo — Layla respira. — É pior do que eu pensava.
Observo Cometa cutucando o pato com a cabeça, um
ronronar feliz entre eles. O pato bate suas asinhas contra minha
mão. Vou ter que nomeá-lo agora. Está feito.
— Achei que tinha trancado a porta.
— Eu tenho uma chave — Layla diz suavemente.
— Eu peguei sua chave três meses atrás quando você invadiu
e roubou todas as minhas tortas.
— Como se eu fosse comer tortinhas compradas em lojas —
Layla fica ofendida. — Não foi eu.
Stella levanta a mão.
— Isso foi Charlie. Ele vai comprar uma caixa nova para
você. — Ela faz uma pausa por um segundo e cai de joelhos ao
meu lado, estendendo a mão para os gatinhos. — Beckett, por
que você está sentado no chão?
Pergunta interessante de uma mulher que acabou de me
dizer que seu meio-irmão invadiu minha casa e comeu todo o
meu açúcar processado. Eu ignoro. Estou muito cansado para
os detalhes.
— Estou os apresentando um ao outro.
— Tudo bem — Ela pisca para mim. — Há quanto tempo
você vem fazendo isso?
— Sentado no chão?
— Sim.
Layla se ocupa com algo no balcão. Eu ouço o som de papel
alumínio amassando, minhas gavetas se abrindo enquanto ela
procura por talheres. Vixen está mais interessada no que ela
trouxe do que no novo membro da família e sai trotando,
enrolando-se entre os tornozelos de Layla.
Olho para o relógio.
— Eu só estou sentado aqui há dez minutos. Por quê?
Stella parece aliviada.
— OK, bom.
— Por quê?
— Porque Sal nos disse que viu você de costas no meio do
celeiro do Papai Noel ontem por três horas — Layla
interrompe. Ela estende um prato com um único muffin de
mirtilo – um crumble amanteigado perfeito por cima.
Eu franzo a testa. Eu não tinha percebido que estava lá há
tanto tempo.
— Eu estava verificando se havia buracos no telhado.
Alguns dos lavradores notaram vazamentos.
E então adormeci, deitado de costas no meio do celeiro do
Papai Noel. Acordei cansado e desorientado, uma dor oca na
boca do estômago.
Sentir falta de Evelyn é como perder o último degrau de uma
escada. Eu continuo esperando que ela esteja onde ela não está.
É essa expectativa, eu acho, que é o pior de tudo. Entro na
cozinha e espero vê-la sentada no balcão fazendo suas palavras
cruzadas. Passo pela porta dos fundos e espio pela janela,
procurando suas longas pernas curvadas embaixo dela na
varanda dos fundos. Eu procuro o casaco dela no cabide ao lado
do meu. Suas botas jogadas sob a mesa da entrada. Deixo um
espaço na geladeira para onde ela gosta de colocar o café, bem
ao lado do chá gelado.
Estou perdendo todos os pedaços dela.
Eu os quero de volta.
Layla se senta do meu outro lado com seu próprio prato de
muffins e estende um para Stella. Aproximo o pato do meu
peito – atrás da proteção da cerca – e o coloco cuidadosamente
no meu colo. Ele dá um grasnado feliz, anda em círculos e
depois cai em um pequeno tufo de pelo amarelo contra minha
coxa.
— Evelyn nos mandou uma mensagem — Layla oferece,
como se essa única frase não roubasse todo o ar dos meus
pulmões. Eu dou uma mordida no muffin para me impedir de
dizer algo estúpido. Quando, eu quero perguntar. Ela parecia
tão triste quanto eu? — Ela queria que nós chegássemos a você.
Isso é algo, eu acho. Eu arranco um mirtilo seco do topo do
muffin. Eu verifiquei seus perfis de mídia social outro dia,
desesperado por um vislumbre. Ela não postou nada em
semanas. Nada desde uma foto dela deitada de costas no campo
de flores silvestres, a foto angulada para obter apenas o topo de
sua cabeça. Olhos sorridentes iluminados pelo sol, seus longos
cabelos espalhados ao redor de sua cabeça como uma auréola,
pétalas de flores torcidas entre os fios.
Fiquei olhando para aquela foto por um longo tempo.
— Eu estou bem — eu digo. Quero perguntar mais sobre
Evelyn, mas não consigo dizer o nome dela.
Stella suspira.
— Você não pode ficar aqui o dia todo. — Parece que ela
quer sair pelos fundos, pegar o carrinho de mão e me jogar nele.
— Venha até a casa. Luka vai fazer nhoque para você.
Ele também provavelmente suspirará durante a refeição,
murmurando baixinho o tempo todo.
— Não, obrigado. — Eu dou outra mordida no muffin e
ignoro a conversa silenciosa acontecendo de cada lado de mim.
Posso sentir seus olhos como pequenos lasers. — Eu vou para a
casa dos meus pais mais tarde. Estou consertando a varanda.
O que estou fazendo é evitar meus problemas. Sair desta casa
que ainda tem o fantasma de sua risada e seu sorriso e seus
grandes olhos castanhos em todos os lugares que olho.
— Bem — Layla estica as pernas no chão da minha cozinha
e franze a testa para seus pés com meias. Ela deve ter tirado as
botas na porta. Ela deixa cair a cabeça no meu ombro no
momento em que Stella enrola a mão em volta do meu braço,
logo acima do meu cotovelo. Ela aperta carinhosamente. —
Vamos sentar com você até que você tenha que ir.
Solto um suspiro trêmulo e observo os gatos baterem em
volta de uma velha caixa de papelão, algo que devem ter tirado
da reciclagem. Stella cruza os tornozelos e Layla solta um
bocejo. Nós três ficamos sentados em silêncio, amontoados no
chão.
Parceiros, das melhores maneiras.
— O pato tem nome?
— Hum?
— O pato. Ele precisa de um nome.
Ele precisa. Nós três consideramos isso.
— Que tal Picles? — Layla oferece. Ela espia por cima do
meu ombro para o pato adormecido contra o meu joelho. —
Ele meio que parece um Picles.
— De que maneira ele se parece com um Picles?
— A pequena marca na cabeça dele parece uma, você não
acha? — Ela olha para mim e seus olhos se arregalam com o
olhar no meu rosto. — Tudo bem. Picles não.
— Ovoberto?
Eu faço um barulho baixo na minha garganta. Não esqueci
que Stella queria nomear Prancer – Guaxinim.
— James Pond12?
12
Referência a um jogo de plataforma que foi desenvolvido pelas empresas
britânicas de videogames Vectordean Ltd e Millennium Interactive, e publicado
— Squeak?
Eu ignoro as duas.
— Eu gosto de Otis.
Meu pai costumava tocar Otis Redding de manhã enquanto
estávamos nos preparando para a escola. Ele tocava nos alto-
falantes da sala de estar. Aumentava o volume alto o suficiente
para ouvirmos tudo em nossos quartos. Foi a primeira artista
que Nessa dançou. Ele ainda toca These Arms of Mine para
minha mãe toda quarta-feira à noite, depois que ele acha que
todos nós fomos embora. Ela se senta em seu colo e ele
cantarola em seu ouvido, uma curva lenta ao redor da garagem
com nada além das luzes da varanda acesas.
— Eu gosto desse nome — diz Stella.
Layla acena em meu ombro.
— Sim, eu também.
Eu esfrego meu dedo sobre a cabeça do carinha.
— É Otis, então.
EVELYN
— O QUE ELE DISSE?
Eu olho para Josie da minha coleção de leggings dobradas –
uma quantidade francamente alarmante de roupas
confortáveis que se eleva ao lado de uma das minhas caixas de
mudança.
— Quando?
— Quando você foi embora.
Ele não tinha dito nada. Ele ficou parado na entrada da
estufa com o braço apoiado na porta e me observou
silenciosamente me mover pela casa. Eu só me permiti um
único olhar para trás, logo antes de sair pela porta da frente. Ele
estava de costas para mim então, ambas as mãos ancoradas em
seu cabelo.
Não posso ficar aqui parado vendo você se afastar de mim.
Eu derrubo toda a pilha na caixa.
— Ele não disse nada.
— Ele disse alguma coisa desde então?
Eu olho para o meu telefone e, em seguida, balanço a cabeça.
Tem sido um silêncio total.
Não que eu esperasse algo diferente.
Já se passaram dois dias e a única atualização que recebi
sobre Beckett é uma mensagem banal de Stella. Um simples “ele
está bem” que ela não escolheu elaborar, junto com uma foto
de um patinho com um biscoito em seus pés palmados. Otis
escrito em glacê no topo.
Embora eu suponha que foi uma atualização em si.
— Eu preciso que vocês dois se comuniquem — Josie
oferece do outro lado da sala, segurando um copo de... eu não
tenho ideia, honestamente. Ela vasculha o meu micro-ondas e
encontra uma garrafa de uísque tão velha que acumulou uma
camada de poeira. Acho que a tampa está fundida com a
garrafa. — A falha de comunicação aqui é..
Ela para, resmungando baixinho.
— O quê?
— É extremamente frustrante para mim, como espectadora
neste seu relacionamento.
Ela se arrasta de volta para mim em torno de um campo
minado de caixas de mudança e... mais leggings... a garrafa presa
debaixo do braço. Ela cai na minha frente e me entrega o copo,
trabalhando na tampa com os dentes. Ela cospe para as janelas
quando está destampado.
— Não é uma falha de comunicação — eu respondo. É
Beckett pensando que não há nenhuma maneira possível de eu
encontrar minha felicidade em sua fazenda. É ele tomando uma
decisão por nós dois por causa de uma sensação equivocada
de... algo. — Eu simplesmente não posso acreditar que ele
pensou que eu iria embora assim — eu suspiro.
Eu vejo isso toda vez que fecho meus olhos. Beckett e a
forma como seu corpo inteiro ficou rígido quando entrei em
seu espaço. A resignação em seu rosto, como se fosse o que ele
esperava o tempo todo.
Ele realmente pensou que eu ia embora.
Josie brinca com a garrafa.
— Bem, você já disse a ele que queria ficar?
— O quê?
— Você sabe: “Beckett. Eu quero seu coração gigantesco e
seu corpo quente e fumegante. Vou ficar.”
Abro a boca e depois a fecho.
Josie continua.
— Você foi muito comunicativa comigo sobre seus planos.
— Ela cheira a garrafa aberta e faz uma careta. — Qual foi a
reação dele quando você lhe contou sobre o novo emprego?
— Ele não sabe sobre ele — murmuro.
Josie faz um som, exasperada. A garrafa em sua mão quase
sai voando pela sala.
— Então é uma coisa de falha de comunicação.
— Não é — Eu esfrego meus dedos contra minha testa. Eu
penso em nossas noites na varanda, conversando sobre tudo
sob o sol. Tudo, aparentemente, exceto nossos planos para o
futuro. As coisas pelas quais eu estava trabalhando e as coisas
das quais ele tinha medo.
Ver onde essa coisa vai.
Deus, nós dois fomos tão estúpidos.
Mas eu mostrei a ele, não mostrei? Trivia com sua família e
meu nome escrito na ficha de inscrição para a próxima. Tardes
passadas na cidade e noites passadas com ele. Eu tenho criado
raízes esse tempo todo, cultivando cuidadosamente cada uma
para ser algo duradouro e verdadeiro. Ele não viu isso? Ele não
percebeu?
Josie despeja o líquido âmbar no copo e eu franzo a testa.
— O que você quer que eu faça com isso?
Ela levanta as duas sobrancelhas.
— Beba.
— Eu não tenho mais vinte e dois. — Tomar uma dose me
machuca fisicamente nos dias de hoje.
— Precisamos comemorar este novo capítulo de sua vida e
resolver a bagunça gigante que vocês dois fizeram. — Ela pega
a dose da minha mão, bebe metade e quase cospe na minha cara.
Ela engole com esforço, as pontas dos dedos nos lábios. — Oh
meu Deus.
— Eu te disse.
— Você não me disse.
— Achei que minha recusa poderia dizer o suficiente.
— Tudo bem, mudança de planos. — Ela pega seu telefone
e rola e toca – e toca um pouco mais. — Pedi para nós duas
garrafas de vinho e uma pizza.
— Isso foi muito eficiente.
— Tecnologia moderna, querida. Não podemos conduzi-la
ao grande desconhecido sem gordura, queijo frito e
carboidratos — Ela balança o telefone e o coloca de lado. —
Tudo bem. Vamos conversar sobre seu plano com o
fazendeiro.
É um plano solto, na melhor das hipóteses. Quero que ele
veja que não é só por ele que vou voltar, mas por todo o resto
também. Acho que ele precisa ver que estou falando sério.
— Bem, eu vou voltar. — Sempre planejei voltar.
Josie assente.
— E eu tenho aquela casinha que estou alugando. É
estranho que de repente tenha se tornado disponível, mas tanto
faz.
Não é estranho. Eu sei que está vazia desde antes de eu vir
para a cidade. Gus me disse isso quando liguei para ele para
fazer meu depósito pelo telefone. Aparentemente, ele queria
tentar sua mão em casas de fliperama – além da noite de trivia
e da dança do corpo de bombeiros. Um homem de muitos
talentos estranhos. Infelizmente para ele, não havia outras casas
para reformar nos limites da cidade de Inglewild e esse sonho
foi interrompido abruptamente.
— E eu vou… — é aqui que o plano fica obscuro. — … Eu
vou para a fazenda. Vou mostrar a ele que, embora eu tenha
ido, sempre planejei voltar. — Vou levar hambúrgueres e
batatas fritas em um saco de papel pardo. Talvez eu espere até
o sol se pôr para que as estrelas fiquem brilhantes no céu. — Se
ele não quiser me ver, tudo bem.
Vai ser de partir o coração, mas eu não vou embora.
— Vou ficar na casa e vou visitá-lo se ele me aceitar. Vou lhe
levar os biscoitos que ele gosta. Eu vou continuar aparecendo.
Eu vou ficar. — Eu respiro uma respiração trêmula pelo nariz.
— Vou dizer a ele que o amo. Que eu também amo a cidade.
Que eu fui lá à procura de uma coisa e encontrei um monte de
outras coisas em vez disso. As melhores coisas.
Felicidade e liberdade e pertencimento e comunidade e –
biscoitos amanteigados na calada da noite. Trivias estranhas. A
cobertura de creme de manteiga da Layla.
— Eu acho que você poderia ter se poupado de alguns
problemas e contado a ele tudo isso mais cedo, mas… — ela
pega minha mão com a dela. — É um bom plano.
— Sim?
— Quero dizer, você pode mandar uma mensagem para ele
e dizer que vai voltar, mas eu gosto do drama por trás disso.
— Eu disse a ele que o veria em breve. Quando eu saí.
— Você disse?
— Sim. Eu disse a ele que estava voltando.
Eu não disse? Eu juro que sim. Pressionei meu polegar na
constelação no interior de seu antebraço e tracei as linhas com
tinta até a palma da mão. Eu bati lá duas vezes e disse a ele que
voltaria.
— Não é uma falha de comunicação — eu explico.
Nós apenas continuamos perdendo um do outro. Toda vez
que colidimos, algo está um pouco errado. Nós batemos um no
outro e voltamos ricocheteando para o espaço, um milhão de
quilômetros entre nós. Um desses meteoros.
Um desalinhamento, talvez?
Uma oportunidade perdida, certamente.
Espero que eu possa consertar isso.
Josie bate os dedos na garrafa aberta de licor e mantém o
olhar em mim. Ela parece estar considerando outra prova, a
experiência anterior que se dane.
— De qualquer forma — ela me diz. — Estou aqui para isso.
BECKETT
ESTOU TENDO ARREPENDIMENTOS.
Não pelo que eu disse, mas pelo...
— Cara, você me fez chorar.
Eu grunho e ignoro Gus, jogando uma caixa de macarrão no
meu carrinho. Por alguma razão, decidi que hoje é o dia de
quebrar minha regra tácita de fazer compras na calada da noite.
Uma tentativa, provavelmente, de me integrar à cidade como
Evie sempre me encorajava a fazer.
Evie, de quem não ouvi uma palavra desde que postei aquele
vídeo há quase doze horas.
Eu ouvi do resto dos Estados Unidos continentais, no
entanto. Um monte de outros países também. Meu telefone
está tocando sem parar desde que decidi me destacar no meio
dos campos com meu telefone como um idiota.
Eu queria fazer algo fora da minha zona de conforto. Eu
queria que Evelyn visse aquele vídeo e percebesse que eu... vou
tentar. Vaguei até o lugar com os carvalhos imponentes só
porque isso me fez sentir melhor – ficar ali entre eles e lembrar
do jeito que Evie parecia ao luar. Com o cabelo emaranhado
sobre o cobertor e estrelas nos olhos.
Levei algumas tentativas para acertar. Eu tive que parar de
pensar tanto nisso, fechar os olhos e fingir que ela estava bem
na minha frente. Vento em seu cabelo, lábios vermelho-rubi, o
sol fazendo sua pele marrom brilhar. Foi fácil quando eu falei
sobre isso assim.
Eu não me incomodei em assistir de volta antes de postar e
não reuni coragem para assistir novamente. Tive de perguntar
a Stella se fiz algo estranho. Ela balançou a cabeça sem palavras
com os olhos cheios de lágrimas. Não exatamente um impulso
de confiança. Não tenho explicação para os milhares de novos
seguidores na minha conta apresentando exatamente um vídeo.
Ou às centenas de milhares de comentários que são ao mesmo
tempo confusos e aterrorizantes em sua paixão e entusiasmo
abjetos.
Eu jogo outra caixa de macarrão no meu carrinho. Gus me
segue pelo corredor.
— Foi poético. Só... — ele faz algum tipo de gesto com a
mão que não consigo interpretar. Seu dedo e o polegar se
apertaram e... não tenho ideia. Eu não quero saber,
francamente. — Quem diria que você era tão eloquente sob
todos aqueles grunhidos?
Eu luto contra a vontade de grunhir em resposta e dirijo
meu carrinho pela beirada do corredor. Gus me deixa por doces
e cerveja enquanto eu debato a geléia de morango na tampa.
Evelyn gostou e eu fiquei sem três dias antes de ela ir embora.
Pego um pote e o coloco delicadamente ao lado de uma caixa
de suco de laranja e três pacotes de biscoitos de chocolate. Eu a
encaro lá no meu carrinho como o saco triste em que me
transformei.
Um pouco de esperança nunca fez mal a ninguém,
raciocino.
Embora essa esperança esteja rapidamente circulando pelo
ralo enquanto o silêncio se estende entre nós.
Talvez ela não tenha visto o vídeo? Acho isso difícil de
acreditar, considerando sua profissão e o fato de que todas as
outras pessoas vivas no universo assistiram pelo menos três
vezes.
Talvez ela tenha visto e deixado cair o telefone em outro
corpo de água estagnado. Ou talvez ela viu e comentou no post.
Eu não descobri como ver se ela o fez ou não, e estou muito
envergonhado para pedir ajuda a Nova.
Talvez ela tenha assistido ao meu vídeo e pulou no próximo
avião que pudesse.
Ou talvez ela viu e riu, guardou o telefone no bolso e foi
cuidar de seus negócios.
— Tudo certo?
Eu pisco para longe dos cremes de café que eu parei na frente
e olho para o xerife Jones parado ao meu lado. É estranho vê-lo
sem uniforme, quase irreconhecível em uma camiseta velha dos
Orioles e jeans escuros.
— O quê?
— Você está olhando para a seção de laticínios como se ela
tivesse feito mal a você por cerca de sete minutos — Ele mastiga
um palito de dente. — Você gostaria de registrar uma
reclamação formal?
— Não. Eu estou… — Cansado. Perdendo a esperança.
Desconfortável que uma mulher em Cincinnati me chamasse
de seu pai gato do jardim de infância himbo13 na seção de
comentários de um vídeo destinado a exatamente uma mulher.
Não faço ideia do que isso significa, mas não soa bem. — …
bem.
Dane faz um som ofegante.
— Você já pareceu melhor.
Pego uma garrafa de creme de mocha de menta e olho para
ela. Não tenho certeza se isso ainda deveria estar nas prateleiras
em abril. Eu coloco de volta e pego uma caixa de meio a meio
em vez disso.
— Obrigado?
É realmente uma maravilha que eu prefira fazer compras no
meio da noite.
Dane pega minha garrafa descartada de mocha de menta e a
coloca em sua cesta. Quando eu olho para ele um pouco demais
por causa disso, ele levanta as duas sobrancelhas para mim.
— Você tem algo contra creme sazonal?
Eu dou de ombros.
13
Uma gíria para um homem atraente, mas pouco inteligente.
— Quando é a estação errada... sim.
Dane pega a garrafa e verifica a data de validade no fundo.
Seja lá o que ele vê deve ser reconfortante, porque ele coloca de
volta em sua coleção.
— Matty gosta — ele me diz.
Maravilhoso. Eu não poderia me importar menos.
Passo pelo xerife Jones até a fila do caixa e o silêncio feliz
além. Eu não quero ficar aqui e ter que jogar conversa fora por
nenhum segundo a mais. Estou cansado de pessoas falando
comigo. Estou cansado de pessoas me perguntando se estou
bem. Estou cansado de conselhos não solicitados. Neste ponto,
estou cansado de Layla deixando suas cestas de assados na
minha varanda todas as manhãs. Os montes de bolinhos de
pena na mesa da minha cozinha estão começando a me fazer
sentir um pouco patético.
— Ouvi dizer que Gus alugou sua casa — Dane oferece sem
olhar para cima, mexendo na seção de manteiga. Atrás dele,
vejo uma das crianças da pré-escola tentar escalar uma tela de
balão. Roma, acho que é o nome dela. — A amarela, logo atrás
da de Matty.
Um suspiro sai de mim de algum lugar no fundo do meu
peito. Eu conheço o lugar.
— Você quer dizer aquela com o telhado da varanda em que
ele caiu?
Dane bufa.
— Essa mesma.
Houve muita confusão naquele dia, imaginando quem
deveria dirigir a ambulância quando o paramédico da cidade
estava deitado em um monte de madeira quebrada no jardim
da frente.
— Toda a papelada foi assinada há alguns dias — acrescenta
Dane. — Isso é o que eu ouvi de qualquer maneira.
— Da árvore telefônica?
— Da árvore telefônica.
Dou mais um passo para mais perto da saída.
— Isso é bom.
— Ouvi dizer que a nova inquilina estava se mudando hoje,
na verdade.
Eu não me importo. Faço minha melhor aproximação de
um som vagamente interessado e continuo andando.
— Talvez você devesse parar por ali. — A voz de Dane
percorre o corredor. Quando me viro para olhar para ele, ele
está examinando um recipiente de cream cheese. Sua carranca
se aprofunda e suas sobrancelhas caem em uma linha reta em
sua testa. — Qual você acha que é o gosto de cream cheese batido
ao estilo de búfala?
Estou mais interessado em saber por que ele quer que eu
pare na casinha com margaridas no quintal.
— Alguém novo na cidade, hein?
Eu sou a última pessoa que alguém gostaria no comitê de
boas-vindas. Um lampejo de esperança ganha vida em meu
peito junto com uma dose saudável de suspeita. Dane joga o
cream cheese em sua cesta, bem ao lado do creme da estação não
apropriadamente temperado.
— Sim. — Ele estala a última letra da palavra.
— E eu deveria passar por ali?
Dane me dá um olhar.
— Você está tendo problemas para ouvir, Beckett? — Mas
seus olhos estão sorrindo, uma contração em sua boca que é o
mais próximo de um sorriso que o xerife Dane Jones consegue.
— Sim, eu acho que você deveria parar por ali.
EVELYN
UM ANO DEPOIS
ABRIL
FIM
Obrigada
Ro. Você tornou isso difícil, garoto. obrigada por voltar a tirar
sonecas enquanto eu escrevia a segunda metade deste livro.
Estou tão orgulhosa de ser sua mãe, mas também talvez durma
mais.