Você está na página 1de 465

Sinopse

Evelyn St. James não é o tipo de mulher que você esquece.

Beckett Porter certamente não a esqueceu. Um fim de semana


incrível no Maine, e ele era oficialmente um homem distraído.
Ele não era familiarizado com casos de uma noite quentes e
pesados. Ele sabe como é. Mas Evie teceu algum tipo de magia
sobre ele durante a queda nos lençóis. Ele não consegue parar
de pensar na risada dela. A mão dela pressionada contra o peito
dele. A boca sorridente dela em seu pescoço.

Além disso, os olhos dela. E as pernas.

Então, quando ela aparece de repente em sua fazenda como


parte de um concurso de mídia social, ele fica... confuso. Ele
não tinha ideia de que a mulher doce e sexy que conheceu em
um bar é na verdade um fenômeno global: a influenciadora de
mídia social Evelyn St. James. Quando ela desaparece
novamente, Beckett resolve finalmente esquecê-la e seguir em
frente.

Mas Evelyn St. James tem um problema.

Sentindo-se desconectada de seu trabalho e cada vez mais


infeliz, ela está tentando encontrar o caminho de volta para algo
real. Ela volta ao último lugar em que foi feliz, Lovelight Farms
e a pequena cidade de Inglewild.
Não tem absolutamente nada a ver com o fazendeiro gostoso
com quem ela passou duas noites incríveis.

Nada mesmo.

In The Weeds é um romance second chance doce e fumegante


sobre encontrar sua felicidade. Ele apresenta um fazendeiro
mal-humorado, uma influenciadora de mídia social sensata,
uma pequena cidade de intrometidos e quatro gatinhos muito
fofos. In The Weeds é um romance independente e faz parte da
série Lovelight.
Tabela de Conteúdos

Sinopse
Tabela de Conteúdos
Dedicatória
Aviso — bwc
Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Epílogo
Obrigada
Dedicatória

Para todos que procuram pela sua felicidade.


Espero que você saiba o quão corajoso você é.
Aviso — bwc

Essa presente tradução é de autoria pelo grupo Bookworm’s


Cafe. Nosso grupo não possui fins lucrativos, sendo este um
trabalho voluntário e não remunerado. Traduzimos livros com
o objetivo de acessibilizar a leitura para aqueles que não sabem
ler em inglês.
Para preservar a nossa identidade e manter o funcionamento
dos grupos de tradução, pedimos que:
• Não publique abertamente sobre essa tradução em
quaisquer redes sociais (por exemplo: não responda a
um tweet dizendo que tem esse livro traduzido);
• Não comente com o autor que leu este livro
traduzido;
• Não distribua este livro como se fosse autoria sua;
• Não faça montagens do livro com trechos em
português;
• Se necessário, finja que leu em inglês;
• Não poste – em nenhuma rede social – capturas de
tela ou trechos dessa tradução.
Em caso de descumprimento dessas regras, você será banido
desse grupo.
Caso esse livro tenha seus direitos adquiridos por uma
editora brasileira, iremos exclui-lo do nosso acervo.
Em caso de denúncias, fecharemos o canal
permanentemente.
Aceitamos críticas e sugestões, contanto que estas sejam
feitas de forma construtiva e sem desrespeitar o trabalho da
nossa equipe.
Prólogo

AGOSTO
BECKETT

ELA ESTÁ SENTADA no bar quando eu entro, o calor do verão


espesso e opressivo contra minhas costas. Minha camisa gruda
na minha pele, e os olhos dela grudam em todos os outros
lugares – um sorriso se formando nos cantos de sua boca.
Pernas longas em shorts cortados. Cabelo preto liso até a
cintura. Um lábio inferior cheio, pintado de vermelho. Ela se
vira em seu banco quando a porta se fecha e olha direto para
mim, como se eu a tivesse feito esperar. Uma arqueadura de
sobrancelha como se estivesse chateada sobre isso também.
— Desculpe — digo a ela enquanto deslizo para o banco ao
lado dela, sem saber muito bem por que estou me desculpando
ou como cheguei a este lugar para começar. Estou preso no
meio do caminho entre fazer e querer, a umidade abafada do
lado de fora permanecendo.
Seus cílios tremulam como se ela estivesse se divertindo e
uma pressão espessa de calor xaroposo se enrola no espaço entre
nós.
— Pelo quê?
Eu não faço ideia. Eu esfrego a palma da minha mão no meu
queixo e me ocupo com o menu de bebidas, uma onda
inexplicável de vergonha queimando minhas bochechas. Eu
nunca afirmei possuir um pingo de charme, mas geralmente
sou melhor do que isso.
Eu aceno para seu copo meio vazio.
— O que você está bebendo? — Eu pergunto. Ela revira os
lábios para esconder o sorriso e inclina o copo para frente e para
trás.
— Tequila.
Devo ter estremecido porque ela ri, seu queixo inclinado
para cima, mas seus olhos escuros permanecem em mim.
— O quê? Não é um fã?
Eu balanço minha cabeça e ela deixa cair o copo no bar entre
nós, girando e girando em suas mãos bonitas. Uma sobrancelha
se arqueia no alto da testa dela.
— Talvez você não tenha tomado o tipo certo.
— Talvez — eu concordo. Eu paro o movimento de sua
mão com meus dedos sobre os dela e trago o copo aos meus
lábios. Eu me certifico de colocar minha boca contra a marca
de batom vermelho cereja que ela deixou para trás.
Ambar. Limão. Uma pitada de sal.
Eu deixo cair o copo de volta no bar e lambo meu lábio
inferior.
— Nada mal — eu deixo sair.
Ela sorri para mim, seus olhos escuros como uma unha do
polegar arranhando a linha da minha mandíbula.
— Nada mal.

ELA TEM uma cicatriz na parte superior da coxa.


Eu não sei se ela percebe, mas ela se mexe toda vez que eu
passo meu polegar sobre a região, sua perna cavando em meu
quadril onde ela está dobrada sobre mim. Sua pele cheira a
limão e alecrim, e eu enfio meu nariz no espaço abaixo de sua
orelha, onde é mais forte, arrasto meu rosto para baixo até que
eu possa dar um beijo na linha suave de sua garganta.
Ela cantarola.
Não consigo parar de traçar minhas palmas contra sua pele,
sentindo sua suavidade contra mim. Seus dedos emaranham
em meus cabelos e os puxam, e eu pressiono meu rosto com
mais força em seu pescoço com um gemido. Ela bufa uma
risada contra minha clavícula.
Duas malditas noites juntos e oficialmente nem me
reconheço. Evie é como uma maré correndo e me agarrando
pelos tornozelos. Um puxão baixo e forte. Uma feliz
inevitabilidade.
Eu arrasto meu polegar sobre a cicatriz novamente, mais
devagar desta vez, e seu nariz cava no meu ombro.
— Eu não costumo fazer esse tipo de coisa.
Olho para a mesa tombada no canto, a máquina de café que
de alguma forma conseguiu ficar de pé durante nossa entrada
muito entusiasmada na sala. O prato de cerâmica que contém
os cremes não está em nenhum lugar que eu possa ver, mas os
pequenos recipientes de plástico descartáveis estão espalhados
pelo tapete como estrelas cadentes. Pontos de branco contra
azul marinho.
Eu aliso minha palma pelas costas dela e estico meus dedos,
tentando ver o quanto de sua pele eu posso cobrir de uma vez.
Ela é quente sob o meu toque, sua pele de um marrom
profundo e impecável. Como uma garrafa de uísque na
prateleira mais alta, a luz da tarde dançando.
Eu me mexo embaixo dela, grunhindo quando sua coxa roça
algo interessante.
— Quase destruir um quarto de hotel?
Ela balança a testa para frente e para trás contra o meu
pescoço com uma risada e desliza sobre meus ombros para
sentar no centro do meu peito. Ela se inclina em um braço e
descansa o queixo na palma da mão.
— Não — Ela chega atrás da minha orelha e arranca uma
pena do meu cabelo, olhando para o travesseiro meio rasgado
empurrado ao acaso sob minha cabeça. Estou surpreso por não
ter arrancado os lençóis da cama naquela segunda vez, quando
ela arranhou as unhas nas minhas costas, enrolou as pernas
compridas em volta dos meus quadris e colocou os dentes na
minha clavícula. Ela suspira baixo e devagar, os olhos
procurando os meus, um sorriso confuso inclinando seus
lábios quando eu enrolo uma mecha de seu cabelo em volta do
meu dedo e puxo. Eu tinha meu punho inteiro nele cerca de
vinte minutos atrás, e ela parece se divertir por eu me
conformar com uma mecha agora.
— Não costumo me distrair em viagens de trabalho —
explica ela.
Nem eu. Normalmente não me distraio. Enquanto um caso
de uma noite é o meu relacionamento de preferência, eu não
estava planejando um nesta viagem. A Conferência do
Agricultor Orgânico do Nordeste não é um foco de sedução.
Ou não é, normalmente.
Nosso copo compartilhado de tequila se transformou em
uma dose no bar na minha frente. Aquela dose se transformou
em Evie pedindo o resto da garrafa. E aquela garrafa se
transformou em mim lambendo uma linha de sal do interior de
seu pulso, seu joelho pressionado ao meu sob o bar. Nós
tropeçamos de volta para o pequeno hotel na colina e caímos
na cama como se fôssemos feitos para isso.
Acontece que eu não me importo muito com o sabor de
tequila quando eu provo nela.
Agora estamos aqui, enrolados e nus pela segunda noite
consecutiva. Disse a mim mesmo que não voltaria ao bar, não
iria procurá-la. Mas eu não conseguia parar de pensar nela. Sua
pele pressionada na minha. O gemido baixo e rouco quando
deslizei minha mão por entre suas pernas. Seu cabelo escuro
espalhado pelos travesseiros totalmente brancos.
Assim que o último orador terminou na minha conferência,
eu vaguei de volta para aquele bar como se ela estivesse
cantando uma maldita canção de sereia. E lá estava ela, sentada
no mesmo banco no mesmo bar, aquele mesmo sorriso
iluminando cada centímetro de seu rosto.
Eu traço meus dedos pelo braço dela, hipnotizado pelo
caminho de arrepios que surgem na sequência do meu toque.
— Você se arrepende? — Eu me sento, gentilmente pedindo
que ela me siga. Ela o faz, pernas longas reorganizando em
torno de meus quadris. — Da distração? — eu esclareço.
O suor mal secou na minha pele, mas eu a quero de novo.
Tenho uma coceira nas palmas das mãos toda vez que olho para
ela. Eu quero provar a pele macia logo abaixo de sua orelha,
sentir seu corpo tremer e rolar sobre o meu. Eu quero
pressionar minha mão naquelas duas covinhas na base de sua
coluna e sentir sua pele queimar como um inferno enquanto
ela se move contra mim.
Ela sorri e morde o lábio inferior como se soubesse para
onde minha mente se desviou, traçando a linha de tinta que se
enrola sobre meu ombro. Ela bate lá uma vez e eu tenho um
vislumbre nosso no espelho acima da cômoda, lençóis brancos
retorcidos e pele que brilha como fios de ouro, meu braço em
volta de sua cintura. Nunca na minha vida eu quis tirar uma
foto minha, mas o desejo me atinge quente e feroz agora, sua
pele nua contra a minha. Seu rosto no meu pescoço e a curva
de sua bunda mal visível.
Eu coloco o nariz sob seu queixo e pressiono um único e
demorado beijo na pele pulsante acima de seu pulso – um
incentivo sem palavras para responder à pergunta.
— Não. Acontece que você é uma boa distração, Beck. O
melhor tipo, na verdade — Sua resposta é um sussurro, um
segredo no escuro. Ela faz uma pausa, e então: — Você se
arrepende?
Não, não me arrependo. Tanto quanto eu provavelmente
deveria. Eu sorrio e arrasto meus dentes até a linha da garganta
dela, belisco seu lóbulo da orelha e o puxo uma vez. Eu vejo no
espelho enquanto seu corpo inteiro estremece, seus quadris
rolando para baixo nos meus.
— Eu gosto do seu tipo de distração — digo a ela enquanto
pego sua cintura com as mãos. Eu a guio em um ritmo suave
acima de mim até que nós dois estamos ofegantes, suas unhas
arranhando meu cabelo.
— Você… — Ela cantarola e se levanta de joelhos,
manobrando-nos com a mão no meu peito até que minhas
costas estejam contra a cabeceira da cama. Ela é mandona
quando quer ser, e eu gosto que ela me diga exatamente o que
ela quer, como ela quer. A rouquidão de sua voz no meu
ouvido ontem à noite me fez estremecer contra ela, as mãos
apertando seus quadris enquanto eu trabalhava para seguir
cada instrução que ela me dava.
— Faça mais devagar.
— Mais forte.
— Assim, sim. Bem aí.
Minha cabeça bate na madeira com um baque surdo e ela se
acomoda no meu colo, reorganizando os lençóis até ficar pele
com pele, um gemido baixo de desejo pesado na minha língua.
Ela murmura algo baixinho e então soluça um suspiro, outro
som que eu persigo com meus lábios contra os dela. Ela se afasta
e olha para mim com os olhos pesados.
— Você queria mais?
A pergunta me fez rir. Eu olho para ela e tudo que eu pareço
fazer é querer. Eu me inclino até que eu possa pegar sua boca
em um beijo e lamber profundamente, minha mão deslizando
da parte de trás de sua cabeça para enrolar em torno de sua
mandíbula. Eu a seguro lá até que suas mãos se transformem
em punhos no meu cabelo, o corpo se movendo
impacientemente acima do meu.
Eu também posso ser mandão.
— Eu quero mais — digo a ela – outra confissão –, minha
mão deslizando entre nós para escovar a pele macia logo abaixo
de seu umbigo. — Eu quero tudo.

ACORDO com um trovão baixo, a chuva batendo contra o


vidro grosso. Uma brisa fresca entra pela janela rachada e eu me
contorço sob os lençóis com um gemido, minha mão
procurando a pele aquecida pelo sono. A última vez que me
lembro, Evie murmurou algo sobre o serviço de quarto,
aconchegou-se ainda mais nos cobertores e adormeceu com as
duas mãos em volta do meu braço. Foi agradável. Diferente,
mas legal.
Eu me inclino sobre os cotovelos e olho para o lugar vazio
ao meu lado. Estou surpreso por não ter ouvido ela se movendo
pelo quarto – não a senti escorregar da cama. Não costumo
dormir tão profundamente.
Meu olhar tropeça para o banheiro, a porta meio aberta,
uma toalha usada pendurada na parte de trás. É possível que ela
tenha saído para tomar café, mas não vejo sua mala e a mesa de
cabeceira está visivelmente vazia. Eu examino o resto do quarto.
O único sinal de que ela esteve aqui é um copo meio vazio de
água na cômoda – um recibo amassado sobre a mesa.
Eu desabo de cara no meu travesseiro.
Este, pelo menos, é um sentimento familiar. Acordar
sozinho.
— Estúpido — digo a mim mesmo. Eu suspiro e enfio a
palma da minha mão na minha testa.
Não sou idiota.
Tem coisas que eu deveria estar fazendo aqui, e nenhuma
delas envolve uma mulher linda com pernas esguias.
Eu viro de costas e vejo nuvens de tempestade se juntarem
do lado de fora da janela. Eu só preciso lembrar o que são essas
coisas.

•••
NOVEMBRO
EVELYN

Bem.
Eu não estava esperando isso.
Ando de um lado para o outro no meu quarto com uma
única cama e um café da manhã de Inglewild, observando
minha sombra seguir no papel de parede floral. Jenny, a dona,
deve ter visitado meu quarto enquanto eu estava na fazenda
porque voltei para a luz de velas e biscoitos, tudo suave e
romântico.
Eu franzo a testa para uma vela de marfim e debato minhas
opções.
Eu estava em uma cama com café da manhã semelhante
naquele fim de semana no Maine. Havia flores no parapeito da
janela e um homem com arte em sua pele me prendendo na
cama, seus lábios contra meu pescoço e sua risada gutural no
meu ouvido. O mesmo homem que acabei de encontrar na
fazenda que ele aparentemente trabalha e que fui enviada para
avaliar.
Não. Estava. Esperando. Isso.
Biscoitos me tentam da bandeja de estanho brilhante no
canto. Eu pego um e deslizo o meu telefone.
Josie atende no terceiro toque.
— Você chegou lá bem?
— Nós temos um problema — eu digo com a boca cheia de
chocolate amargo e manteiga de amendoim.
— Uh oh — sua voz fica séria sobre o som da papelada sendo
embaralhada do outro lado, o tilintar de uma caneca sendo
colocada em um pires. Eu verifico a hora. Ainda é fim de tarde
em Portland. Ela provavelmente está em sua oitava xícara de
café.
— Sway reservou para você uma daquelas coisas de sala de
fuga de novo?
Dois meses atrás, minha equipe de representação pensou
que seria um conteúdo de qualidade se eu ficasse trancada em
uma sala por 45 minutos sozinha. Nenhuma preparação ou
aviso. Graças a Deus não sou claustrofóbica.
— Não. Obrigada pelo lembrança, no entanto — Josie ri e
eu desabo na beirada da cama, olhando para o prato de
biscoitos. — Cheguei à fazenda hoje
— E? Você estava animada com isso.
Eu estava animada com isso. Estou animada com isso. Uma
fazenda de árvores de Natal na costa leste de Maryland, de
propriedade e operada por uma mulher chamada Stella. Sua
história é adorável e romântica, e o pequeno vislumbre que tive
da fazenda hoje foi nada menos que mágico. Eu só não esperava
que seu fazendeiro chefe fosse o mesmo homem com quem eu
tive meu primeiro – e único – caso de uma noite três meses
atrás.
Ele havia entrado naquele bar com cabelo bagunçado, uma
camiseta branca com as mangas levemente arregaçadas e olhos
claros como vidro marinho1. Ele deu uma olhada em mim e eu
senti meu estômago cair até os dedos dos pés.
— Beckett está aqui.
— Quem?
— Você sabe — eu abaixo minha voz. — Beckett.
Eu ouço o barulho de um copo e uma série de palavrões
criativos.
— Beckett do Maine? O gostoso e tatuado Beckett? — Ela
suga uma respiração entre os dentes e quando ela fala
novamente, sua voz está três oitavas mais alta. — O Beckett do
caso de uma noite que você teve quando finalmente decidiu se
soltar?
Eu desisto e pego outro biscoito.
— Ele mesmo.
Eu contei a Josie sobre Beckett depois de muitas taças de
Sauvignon blanc, embrulhada em seu sofá como um burrito.
Eu não conseguia entender por que eu ainda estava pensando
nele meses depois. Era para ser divertido e passageiro. Uma
noite inofensiva. Sem laços.
Não é algo para reviver em uma performance de marquise
todas as noites em meus sonhos febris.

1
Trata-se de uma “gema” encontrada em regiões costeiras, que é esculpida
pela areia e pela força das marés, conferindo à peça um efeito fosco e translúcido
encantador.
Josie ri, uma gargalhada afiada que me faz puxar o telefone
para longe do meu ouvido. Eu reviro os olhos.
— Muito obrigada por seu apoio.
— Desculpa, desculpa — diz ela com uma risadinha. Ela
tenta ficar séria, mas outra risada escapa. — Quais são as
hipóteses? Ele está visitando?
— Não, ele trabalha aqui. Ele administra as operações da
fazenda — ele administra o lugar com a proprietária, Stella, e a
mulher que dirige a padaria, Layla.
Isso a desencadeia em outro ataque de risos. Eu debato jogar
o telefone pela janela.
— Acho que isso explica por que ele era tão bom com as
mãos, hein?
— Eu vou te demitir.
Nunca disse nada a Josie sobre as mãos dele, mas agora me
lembro delas em detalhes explícitos. Como sua palma cobria
toda a extensão da minha coxa. Como, quando ele flexionou os
dedos e levantou, seus bíceps fizeram algo delicioso. Ele era
exigente com elas, me guiando para a posição perfeita. A
pressão de seu polegar atrás da minha orelha. As linhas
delicadas de uma constelação que vão de seu pulso até o
cotovelo.
— Você nunca vai me demitir — diz Josie. — Como você se
divertiria?
Josie é minha assistente pessoal autonomeada desde que
completamos dezoito anos e decidi começar meu próprio canal
no YouTube. Seu papel e título foram formalizados desde
minha explosão nas redes sociais, mas seu trabalho como minha
melhor amiga continua sendo sua principal prioridade. Eu
sempre posso contar com ela para me dizer o que fazer.
É a melhor e a pior coisa sobre ela.
— Ok, vamos recapitular. Você dormiu com um estranho
gostoso em agosto. Você saiu sem dizer uma palavra e agora, em
novembro, você o encontrou novamente enquanto julgava sua
fazenda para um concurso de mídia social — Ela faz um som
divertido que eu não retribuo. — Sério. Quais são as chances?
— Eu não faço ideia.
— O que você vai fazer?
— Novamente. Eu não faço ideia.
Eu pego um fio solto na borda da colcha. Eu não posso sair.
O que eu diria aos meus patrocinadores corporativos? Desculpe,
não posso fazer esta viagem porque dormi com um dos
funcionários há três meses. Eles têm sido agradáveis nas
reuniões, mas não vejo isso indo bem.
E, mais do que isso, não tenho o hábito de fugir dos meus
problemas. Beckett foi uma escolha que fiz. Uma escolha da
qual não me arrependo, apesar das lembranças daquela noite
estarem grudadas em mim como cola. Eu estava dizendo a
verdade quando lhe disse que ele era uma boa distração. Pela
primeira vez, eu estava felizmente fora da minha cabeça. Eu ri.
Eu me diverti.
Eu me senti eu mesma.
Mas estou aqui para fazer o meu trabalho. Stella merece isso.
Lovelight Farms é tudo o que ela descreveu e muito mais em
sua aplicação. Ela merece ser finalista desta competição e
merece o reconhecimento. Tudo que eu preciso é de um
segundo para me recompor. Superar o choque de vê-lo
novamente e seguir em frente.
— O plano é… — Não tenho nenhum plano. Olho ao redor
do quarto em busca de inspiração. Acho que o plano é terminar
o resto desses biscoitos. Encontrar uma garrafa de vinho... em
algum lugar.
Há uma batida na minha porta e eu solto um suspiro. Olho
para o olho mágico com uma ponta de apreensão. Não preciso
adivinhar quem está do outro lado.
— Oh meu Deus, eu acabei de ouvir uma batida? — Josie
está fora de si. — É ele?
Eu me levanto da beirada da cama e aliso a palma da mão
sobre o meu cabelo. Claro que é ele.
— Eu tenho que ir, Josie.
— Troque para o FaceTime — ela exige. — Não importa,
eu vou fazer isso. Evie, juro por Deus, se você for enforcada...
Termino a ligação antes que ela tenha a chance de terminar
sua ameaça, jogando meu telefone na mesa. Ele imediatamente
toca com uma chamada de vídeo recebida e eu a ignoro,
adicionando um travesseiro por cima como medida protetiva.
Eu tomo meu tempo na minha caminhada até a porta e
hesito com a mão acima da maçaneta. Quando ele entrou na
padaria hoje cedo, senti o mesmo golpe, baixo na minha
barriga. Assim como da primeira vez. Era como abrir uma
memória para dar outra olhada. Flanela em vez de uma t-shirt
branca. Boné de beisebol virado para trás com uma pequena
árvore bordada.
Olhos arregalados e surpresos.
Eu abro a porta como se estivesse arrancando um curativo e
encontro Beckett com os braços apoiados contra a moldura, as
mãos enroladas nas bordas como se ele estivesse fisicamente se
segurando. Seus dedos flexionam e eu tenho um flashback
imediato daquelas mãos apertadas em volta das minhas coxas,
Beckett de joelhos na minha frente, uma única mecha de cabelo
loiro escuro grudado em sua testa.
Eu engulo.
— Ei — eu sussurro. Mal consigo olhar para ele e pareço ter
engolido seis folhas de lixa. Boa forma de manter a compostura,
Evie.
Eu limpo minha garganta.
Ele pisca para mim, seu olhar demorado e preguiçoso,
tropeçando do topo da minha cabeça até o caimento do meu
suéter no meu ombro. Sua língua lambe seu lábio inferior, e eu
sinto que talvez eu devesse agarrar a borda da moldura também.
Agarrar-me à aldrava de bronze da porta para salvar minha vida.
Eu não sei o que me fez trazer Beckett de volta ao meu hotel
comigo naquela noite nebulosa de verão, todos aqueles meses
atrás. Eu nunca estive remotamente interessada em uma
conexão casual antes. Eu apenas…
Eu o vi entrar, e eu o queria.
É bom saber que seu efeito sobre mim não diminuiu em
nada.
— Ei — ele sussurra de volta. Ele exala pelo nariz e empurra
o batente da porta, olhando uma vez por cima do ombro para
o corredor vazio atrás dele. Dou uma boa olhada na linha forte
de sua mandíbula e tenho que limpar a garganta novamente. —
Posso entrar por um segundo?
Concordo com a cabeça e dou um passo para trás, deixando-
o passar pela porta estreita. Todas as minhas memórias
nebulosas aparentemente fizeram do tamanho dele uma
injustiça. Ele parece grande demais parado no meio do quarto
com as mãos nos bolsos, fingindo estudar a pintura do lago
pendurada acima da mesa. Eu fecho a porta e tento não pensar
na última vez que estivemos em um espaço como este.
Cortinas brancas transparentes. Lençóis emaranhados.
Uma mão quente se estendeu entre minhas escápulas. Sua voz
no meu ouvido, me dizendo o quão bom era me sentir. Recebê-
lo.
Eu balanço minha cabeça e me inclino contra a cômoda, as
pernas cruzadas nos tornozelos. Não estou me fazendo
nenhum favor.
— Você queria conversar?
Ele balança a cabeça, ainda distraído por aquela pintura. Ele
olha para mim com o canto do olho.
— Influenciadora de mídia social, hein?
Não gosto do tom de sua voz, da acusação fraca que ouço
ali. Não disse meu emprego, mas ele também não. Nós dois
estávamos focados em... outras coisas durante nosso tempo
juntos. Ele não me reconheceu quando entrei no bar e isso foi
uma boa mudança. Refrescante.
Por mais brega que pareça, os homens normalmente não
querem ficar comigo por mim. Normalmente, quando sou
abordada por homens, há algo para eles – uma foto em um dos
meus canais, um plugue de produto. Uma vez, um cara
perguntou se eu queria uma sex tape.
Então, quando Beckett entrou naquele bar minúsculo com
seus braços tatuados e seu olhar passando por mim com
apreciação ao invés de cálculo, eu arrisquei. Arrisquei algo para
mim.
Isso só me fez muito bem.
— Fazendeiro, hein? — Eu imito sua indiferença fria e
observo a forma como seus lábios se curvam nos cantos, as
mãos se fechando em punhos ao seu lado.
— Estou surpreso, só isso — ele diz, ainda com aquele tom
levemente sarcástico. Como se ele não pudesse acreditar que ele
ainda precisa ter essa conversa comigo. Como se eu ser alguém
que trabalha em mídia social fosse a coisa mais vil e repulsiva
que ele poderia pensar. Ele funga e esfrega os dedos contra a
mandíbula. — Eu não esperava ver você de novo.
Claramente, eu também não esperava vê-lo, já que fugi da
padaria da fazenda esta tarde como se o lugar estivesse pegando
fogo. Não significa que eu vou ser uma idiota sobre isso, no
entanto.
Ele me observa com cuidado, os olhos semicerrados. Eu
gostaria que a bandeja de biscoitos estivesse mais perto.
— Você sabia?
— Eu sabia o quê?
— Você sabia que eu trabalhava aqui?
Eu franzo a testa e inclino meu queixo para cima. Ele acha
que eu fiz isso de propósito? Vim ao seu local de trabalho para...
o quê? Assediá-lo? Envergonhá-lo?
— Absolutamente não — eu digo com firmeza. — Eu
também não achei que veria você de novo.
Ele sorri e não é bom de forma alguma.
— Bem, você deixou isso bem claro, Evie.
Eu pisco para ele.
— Desculpe — ele me diz, sua voz rouca. Ele não está nada
arrependido. — Você provavelmente prefere Evelyn.
Algo no meu peito aperta com a ponta afiada de suas
palavras. Ele parece frustrado, desconfortável. Ele está muito
quieto no canto da mesa, seus olhos irritados e chateados. Não
sei por que dói ele me chamar de Evelyn, só que dói.
Mas nada disso importa. Não importa que ele esteja
olhando para mim como se eu fosse algo preso na sola de seu
sapato.
Não muda nada entre nós. Não o que aconteceu antes e não
o que está acontecendo agora.
É só que... eu tinha sido Evie com ele.
Isso tinha sido bom.
O silêncio cresce entre nós até que parece que há um peso
pressionando meus ombros. Beckett não parece estar com
pressa para preenchê-lo. Ele puxa o chapéu da cabeça com uma
maldição resmungada e arrasta a palma da mão para trás e para
a parte de trás do pescoço. Em seu cabelo até metade dele estar
para cima.
— Ouça, eu não… — ele inclina a cabeça e olha para o teto,
torcendo o pescoço para o lado em um alongamento tenso. Ele
suspira e se endireita, me nivelando com um olhar que de
alguma forma canaliza irritação e exasperação ao mesmo
tempo. Não tenho ideia do que fazer com isso. Não tenho ideia
do que fazer com nada disso. Esta versão dele é muito diferente
do homem com as palavras suaves e toques cuidadosos – sua
risada uma coisa quieta e rouca no escuro.
— Eu sinto muito. Não foi por isso que vim aqui — ele
aperta a mandíbula com tanta força que é uma maravilha que
ele seja capaz de dizer qualquer coisa. — Eu vim aqui porque…
porque eu quero pedir para você ficar.
Não consigo parar o som que sai da minha boca. Se for ele
tentando me convencer a ficar, eu odiaria ver como fica quando
ele quiser que eu vá.
— Seu tom poderia ser melhor.
— Evelyn.
— Estou falando sério.
Sua carranca se aprofunda.
— Este concurso significa muito para Stella. Significa muito
para mim também. Nossa fazenda precisa de sua ajuda e eu
gostaria que você nos desse uma chance justa.
Outro puxão doloroso no meu peito.
— Você acha que eu não daria?
— Você fugiu de mim antes — ele aponta, a mais leve
sugestão de um sorriso curvando no canto de sua boca. Eu
odeio que isso envia uma lambida de calor direto pela minha
espinha. — Quero dizer, você literalmente correu da padaria
quando me viu.
Olho para os meus pés. Não é meu melhor momento. Mas
eu não sabia mais o que fazer.
— Eu sei.
Um tipo diferente de silêncio se instala no espaço entre nós.
— Eu gostaria de alguma garantia — diz ele, a voz calma. Eu
observo seus pés enquanto ele muda seu peso. — Que você vai
ficar.
— E o que isso seria? — Eu pergunto diretamente. Quando
ele não diz nada em troca, eu solto um suspiro e olho para ele.
Ele ainda está franzindo a testa, aquela pequena linha entre as
sobrancelhas se aprofundando com isso. — Para você ficar
tranquilo?
Eu poderia lhe escrever um haicai. Fazer um bolo para ele e
assinar com cobertura de creme de manteiga. Eu sei que ele está
hesitante por causa do jeito que eu deixei as coisas, mas foi uma
noite, tudo bem, duas noites. Um único fim de semana juntos.
Eu não devo nada a ele.
Seus olhos piscam um tom mais escuro. Pela primeira vez
desde que ele entrou no quarto, ele fixa seu olhar intensamente
no meu. Algo torce e puxa entre nós. Eu sinto isso tão certo
quanto um toque no meu braço. Na parte baixa das minhas
costas.
— Uma promessa — diz ele.
— Você gostaria que eu fizesse um juramento de sangue?
Ele faz um som sem graça. Eu reviro os olhos.
— Estou aqui para fazer um trabalho, Beckett. Eu não
deixaria nada atrapalhar isso. Stella merece o meu melhor. Não
tenho intenção de fazê-la mal.
Eu nunca fiz nada além do meu melhor. Ele pode achar meu
trabalho ridículo, mas sei o que minha influência pode fazer
pelas pessoas. Posso trazer negócios para esta fazenda – clientes,
atenção, uma bala de canhão de atividade social.
— Então, você promete?
Concordo com a cabeça, de repente cansada até os ossos.
Quero o resto daquela bandeja de biscoitos e a cama, nessa
ordem.
Quero que meu fantasma de um caso de uma noite passe
para encontrar a saída mais próxima.
— Eu prometo. Estarei lá amanhã. Podemos recomeçar.
— Você não vai embora? — Ele pergunta e eu me lembro de
uma manhã cinzenta nebulosa, uma tempestade rolando na
costa. Seu braço esticado sob os travesseiros, a pele nua de suas
costas e a curva de sua coluna. O som suave da porta se
fechando atrás de mim, minha mala aos meus pés.
Eu inspiro fundo pelo nariz e expiro tão lentamente. Não é
culpa dele que ele não acredite em mim. Aparentemente,
Beckett é do tipo que guarda rancor.
Pego outro biscoito da bandeja.
— Eu vou ficar.
Um

BECKETT
MARÇO

— VOCÊ planeja voltar para a cama?


Sua voz está rouca de sono e ela tem um chupão na base do
pescoço, um hematoma roxo profundo que não consigo parar de
olhar. Ela estica os braços acima da cabeça e o lençol desliza um
centímetro, a protuberância de seus seios surgindo por baixo. Eu
quero pegar aquele lençol com os dentes e arrastá-lo para baixo
até que ela fique nua embaixo de mim. Eu quero uma centena
de outras coisas, também.
Balanço a cabeça de onde estou empoleirado na mesa no canto
da sala, tomando outro gole de café.
Controle-se, digo a mim mesmo. Tenha algum maldito
controle.
Ela sorri para mim.
— Oh, entendi. — Ela deixa cair as mãos de volta para baixo,
uma torcendo pelo cabelo, a outra deslizando sob os lençóis. Uma
sobrancelha se arqueia em convite. — Você gosta de assistir.
Tenho certeza que gostaria de qualquer coisa com Evie. Eu
quero todo aquele cabelo preto e sedoso em volta do meu punho,
aquela boca sorridente no meu pescoço. Ontem à noite, ela passou
vinte e dois minutos traçando a tatuagem em meu bíceps com a
boca e eu quero isso também. Quero retribuir o favor com as
sardas na parte interna de seu pulso e com as marcas nos seus
quadris.
Eu me afasto da mesa e coloco minha xícara de lado. Eu dou
um passo em direção à cama e observo o movimento de sua mão.
Ela a passa para baixo em seu estômago, um sorriso perverso em
seu rosto bonito. Eu planto meu joelho na cama e encontro seu
tornozelo, seu pé descalço pendurado na beirada.
— Eu amo assistir — digo a ela enquanto agarro sua coxa e
abro espaço para meu corpo entre suas longas pernas. Eu dou um
beijo no interior de seu joelho e seu corpo inteiro estremece. Dou
outro beijo logo acima dele. — Mas eu gosto ainda mais de tocar.
Um dedo crava em minhas costelas enquanto sou
violentamente arrancado do meu devaneio favorito.
— Você está prestando atenção?
Meu joelho treme e minha bota fica presa na cadeira à minha
frente, fazendo Becky Gardener balançar precariamente para o
lado. Ela enrola as mãos ao redor das bordas com um aperto de
nós dos dedos brancos e me lança um olhar por cima do ombro.
Fixo minha atenção em minhas botas e murmuro um pedido
de desculpas.
— Estou prestando atenção — digo a Stella, e afasto sua
mão.
Um pouco. Na verdade, não. Há muitas pessoas nesta sala.
Todos os donos de negócios da cidade estão espremidos juntos
no espaço de conferência no salão de recreação, uma sala antiga
que tenho certeza que é usada para guardar decorações de
Páscoa, se o coelho ligeiramente aterrorizante de 1,80m no
canto de trás for alguma indicação. Cheira a café velho e spray
de cabelo e as senhoras do salão não pararam de gargalhar desde
que entraram pela porta. É como sentar de pernas cruzadas no
meio de um desfile enquanto a bateria marcha ao meu redor.
Todo o som puxa meus ombros com força, uma coceira de
desconforto picando meu pescoço.
E eu continuo fazendo contato visual com aquele coelho.
Não costumo ir a esse tipo de coisa, mas Stella insistiu. Você
queria ser um sócio, ela disse. Isso é o que os sócios fazem.
Eu pensei que ser um sócio significava que eu poderia
comprar o fertilizante chique sem consultar ninguém, não
participar de reuniões que não servem para absolutamente
nenhum propósito. Há uma razão pela qual escolhi um
trabalho em que passo setenta e cinco por cento do meu dia ao
ar livre.
Sozinho. No silêncio.
Eu tenho dificuldade em falar com as pessoas. Dificuldade
em encontrar as palavras certas na sequência certa no momento
certo. Toda vez que entro na cidade, sinto que todo mundo está
olhando diretamente para mim. Parte disso está na minha
cabeça, eu sei, mas parte é...
Parte disso é Cindy Croswell fingindo cair no corredor da
farmácia só para que eu tenha que ajudá-la a se levantar
novamente. Ou Becky Gardener da escola me perguntando se
eu posso organizar uma viagem de campo enquanto me olha
como se eu fosse um bife mal passado com um
acompanhamento de batatas. Não faço ideia do que acontece
na metade do tempo que venho à cidade, mas sinto que as
pessoas enlouqueceram.
— Você não está prestando atenção — Layla intervém à
minha direita, pernas cruzadas e mão vasculhando a tigela
gigante de pipoca que ela trouxe com ela. Layla administra a
padaria da fazenda, enquanto Stella mantém o lado do turismo
e do marketing. Como Inglewild é do tamanho de um selo
postal e Stella tem um desejo profundo de fazer da Lovelight
Farms uma pedra angular da comunidade, parece que
esperamos estar envolvidos em muitos negócios da cidade.
Eu nem sei do que se trata esta reunião.
— De onde veio a pipoca?
Olho para a bolsa gigantesca enfiada debaixo da cadeira. Eu
sei de fato que há alguns brownies e meia caixa de biscoitos lá.
Ela diz que a reunião bimestral de proprietários de pequenas
empresas de Inglewild é uma chatice sem um lanche e estou
inclinado a concordar. Não que ela tenha se oferecido para
compartilhar.
Layla circula um dedo bem na frente do meu rosto e ignora
minha pergunta.
— Você tem aquele olhar lunar em seu rosto. Você está
pensando em Evelyn.
— Não estava — Eu suspiro e rolo meus ombros,
desesperado para aliviar a tensão que existe entre eles. — Eu
estava pensando na colheita de pimenta — minto.
Estou distraído. Estou assim desde duas noites nebulosas em
agosto. Pele molhada de suor. Cabelo escuro como meia-noite.
Evie St. James cheirava a sal marinho e tinha gosto cítrico.
Minha cabeça está fora do lugar desde então.
Layla revira os olhos e enfia outro punhado de pipoca na
boca.
— OK, claro. Qualquer coisa que você diga.
Stella estende a mão e arranca a tigela das mãos de Layla.
— Eles estão se preparando para começar. Se pudéssemos
fingir ser profissionais, seria ótimo.
Eu levanto as duas sobrancelhas.
— Para a reunião da cidade?
— Sim, para a reunião da cidade. Aquela em que estamos
atualmente presentes.
— Ah, sim. Sempre muito profissional.
Na última reunião da cidade, Pete Crawford tentou
obstruir Georgie Simmons durante uma votação sobre novas
restrições de estacionamento em frente à cooperativa. Ele havia
reencenado Velocidade Máxima, completo com adereços e
vozes.
Stella me nivela com um olhar e se vira para a frente da sala
com a tigela na dobra do braço. Layla se aproxima e descansa o
queixo no meu cotovelo. Suspiro e olho para as pesadas vigas
de madeira que cortam o teto e rezo por paciência. Há um balão
vazio preso lá em cima, provavelmente sobra do evento do Dia
dos Namorados que eles tiveram no mês passado. Uma coisa de
namoro rápido, eu acho. Minhas irmãs tentaram me fazer ir, e
eu me tranquei em casa e desliguei o telefone. Olho para o balão
e franzo a testa. Um coração vermelho desbotado, esvaziado e
preso, barbante dando voltas e voltas.
— Você falou com ela desde que ela foi embora?
Algumas vezes. Uma mensagem sem graça enviada no meio
da noite depois de muitas cervejas. Uma resposta genérica. Uma
foto dela de um campo aberto, em algum lugar do mundo, uma
linha da mensagem que dizia não tão legal quanto sua fazenda,
mas ainda assim bem legal. Eu tinha jogado meu telefone na
sujeira quando a mensagem chegou, meu polegar traçando para
frente e para trás sobre suas palavras como se eu tivesse minhas
mãos em sua pele.
Uma influenciadora de mídia social. Uma importante,
aparentemente. Eu ainda estou tentando envolver minha
cabeça em torno disso. Milhões e milhões de seguidores. Eu a
procurei uma noite quando o silêncio da minha casa parecia
sufocante, meu polegar batendo na tela do meu telefone. Eu
verifiquei sua conta e não conseguia parar de olhar para aquele
pequeno número no topo.
Nunca mais verifiquei a conta dela.
Eu tive encontros de uma noite antes. Muitos deles. Mas
não consigo tirar Evie da cabeça. Pensar nela é como uma fome
na cavidade do meu estômago, um zumbido logo abaixo da
minha pele. Passamos duas noites juntos em Bar Harbor. Eu
não deveria – eu não sei por que ainda a vejo quando fecho os
olhos.
Retorcida em lençóis. Cabelo na minha cara. Aquele meio
sorriso que me deixou louco.
— Eu estava pensando em pimentas — eu digo novamente,
determinado a manter essa mentira. É melhor não dar a Layla
um dedo. Ela vai querer o braço e o corpo todo só pelo desafio.
Cresci com três irmãs. Posso sentir a inquisição como uma
mudança de vento.
— Seu rosto não diz que você está pensando em pimentas.
Diz que você está pensando em Evelyn.
— Pare de olhar para o meu rosto.
— Pare de fazer a cara que você está fazendo e eu vou parar
de olhar para ele.
Eu suspiro.
— Eu só acho que é uma pena, só isso — Layla se estende
por cima de mim e pega outro punhado de pipoca e um grão
cai no meu colo. Eu dou um peteleco e acerto Becky Gardener
bem na nuca. Cristo. Eu estremeço e afundo ainda mais na
minha cadeira. — Vocês dois pareciam se dar bem.
O que parecíamos fazer era circular um ao outro como dois
gatinhos nervosos. Depois que fui visitá-la na pousada, prometi
que daria a ela um amplo espaço para fazer seu trabalho. Tinha
sido mais difícil do que eu esperava, manter essa promessa. Vê-
la de pé entre as fileiras e mais fileiras de árvores da fazenda, um
sorriso no rosto, as mãos passando pelos galhos... bem. Foi
como levar um taco de beisebol no rosto. Repetidamente. Mas
o concurso significava tudo para Stella, e eu não iria arruinar
nossas chances por uma... por uma...
Uma queda? Um flerte?
Eu nem sei o que era.
Tudo o que sei é que foi um desafio para mim estar perto
dela. Eu não conseguia parar de pensar no meu corpo enrolado
no dela. O gosto da pele logo abaixo da orelha. Como era ter
todo aquele cabelo roçando meu queixo, meus ombros, o topo
das minhas coxas. Eu me peguei querendo fazê-la rir, querendo
falar com ela.
Posso contar nos dedos de uma mão o número de pessoas
com quem quero falar.
Mas nós demos um jeito, estabelecemos uma rotina
enquanto ela estava aqui. Conversa cordial e acenos educados.
Uma única fatia de pão de abobrinha compartilhada em uma
tarde tranquila – muito espaço entre nós. A mesma corrente
elétrica que nos uniu em um bar de mergulho no Maine se uniu
lentamente em um fio fino de conexão.
E então ela foi embora. Novamente.
E, infelizmente para mim, ainda não descobri como parar de
pensar nela.
— Que tipo de pimentas?
Eu balancei minha cabeça uma vez, tentando soltar uma
imagem de Evelyn de pé entre dois carvalhos altos na beira da
propriedade, seu rosto de perfil e inclinado para o céu. O sol a
pintara em dourados cintilantes, as folhas esvoaçando
levemente ao seu redor. Eu limpo minha garganta e ajusto
minha posição na cadeira dobrável, meu joelho batendo de lado
no de Layla. Eu sou muito grande para essas cadeiras e há
muitas pessoas nesta sala.
— O quê?
— Que tipo de pimenta você está plantando? Não vi
nenhum marcador de pimentas no campo.
A parte de trás do meu pescoço fica quente.
— Você nunca sai para o campo.
— Estou nos campos todos os dias.
Ela caminha pelos campos, claro, a caminho da padaria
situada bem no meio deles. Mas ela nunca se encontra na
colheita de produtos. Não, a menos que ela precise de algo. Eu
coço minha mandíbula, frustrado. Aposto minhas economias
que ela encontrará algo de que precisa amanhã de manhã.
— Pimentão — eu deixo sair entre os dentes cerrados.
Merda, agora eu preciso sair e plantar pimentão.
Layla cantarola, olhos brilhando com malícia.
— Que cor?
— O quê?
— Que cor de pimentão… — ela coloca uma ênfase irritante
nas palavras. — Você plantou?
— Ele plantou pimentões vermelhos nos campos do sudeste
em duas fileiras ao lado da abobrinha. De quais você não terá
absolutamente nada se não prestar atenção — Stella retruca.
Layla e eu olhamos para ela em estado de choque. Não é típico
de Stella se irritar. Sem mencionar que... não é uma afirmação
verdadeira. E nós dois sabemos disso.
Parte do aço derrete de seus ombros e ela cai, devolvendo a
Layla sua tigela de pipoca.
— Desculpe. Eu estou estressada.
— Claramente — diz Layla em uma risada, a mão de volta
para vasculhar seus lanches. Seus olhos encontram os meus e
seguram, estreitando até que tudo que eu posso ver é um
vislumbre de avelã. Ela ainda tem um pouco de geleia no cabelo
por assar mais cedo hoje. Morango, pelo visto. Ela aponta o
dedo bem entre minhas sobrancelhas e me dá um tapinha lá
uma vez. — Não pense que vou esquecer isso.
Eu afasto a mão dela. Ela poderia persistir neste tópico pelos
próximos seis meses para tudo que eu me importo. Vai soar
como um ruído de fundo.
Volto minha atenção para Stella e coloco minha bota contra
a dela. Ela para de bater o pé nervosamente e faz uma careta.
— Desculpe.
— Nada para se desculpar — eu dou de ombros e examino
as bordas da sala. — Luka não vem?
Se Luka estivesse aqui, ele passaria a mão entre suas
escápulas e ela derreteria como manteiga. Eles eram assim antes
de ficarem juntos, e eles levaram um tempo estupidamente
longo para ver o que estava bem na frente deles. Eu não ganhei
o bolão de apostas em toda a cidade, mas estava perto. Gus do
corpo de bombeiros não se calou sobre isso, chegando a fazer
uma placa para pendurar acima do compartimento de
ambulância no quartel. Dizia o Casamenteiro Número Um de
Inglewild, como se ele tivesse algo a ver com Luka e Stella
orbitando um ao outro por quase uma década. Eu deslizo ainda
mais no meu assento e tento reorganizar minhas pernas para
que eu realmente caiba nesta maldita cadeira.
— Ele está a caminho — diz ela, os olhos correndo para a
porta e segurando como se ela pudesse fazê-lo aparecer por pura
força de vontade. Uma mão empurra cachos pretos
emaranhados de seu rosto. — Mas ele está atrasado.
— Ele estará aqui — eu asseguro a ela. Tenho certeza de que
Luka não perderia isso por nada. Mesmo que sua pequena mãe
italiana e todas as suas irmãs ferozes estivessem bloqueando a
porta. Se ele disse que viria, ele estará aqui.
— Ei — eu abaixo minha voz e me inclino para mais perto,
consciente de Layla ainda comendo à minha direita. Ela
começou a jogar pedaços no ar e apanhá-los em sua boca.
Sempre acertando. — Eu não plantei nenhum pimentão.
Isso parece relaxar um pouco Stella, um sorriso tímido
virando os cantos de seus lábios.
— Eu sei.
— Por que você mentiu então?
— Porque parecia que você precisava de uma saída. E eu sei
uma coisa ou duas sobre ter que catalogar os sentimentos antes
que você possa compartilhá-los com todos os outros. — A
porta da sala de recreação se abre e Luka entra, os olhos
procurando. Seu cabelo está grudado em todas as direções, a
barra de sua camisa meio enfiada em seu jeans. Parece que veio
direto da fronteira de Delaware para cá. Stella solta um suspiro
e um sorriso abre sua boca. Um sorriso de resposta floresce no
rosto de Luka no segundo em que ele a encontra na multidão.
Vê-los juntos é como enfiar um cupcake diretamente na minha
cara.
— Além disso — os olhos de Stella não piscam para longe
de Luka enquanto ele tenta escalar seu caminho através de filas
de pessoas para chegar ao assento vazio ao lado dela. Ele derruba
uma cadeira dobrável e quase manda Cindy Croswell para o
chão com ela. — Eu quero pimentões na fazenda há séculos.
— Ah, ok. Aí está.
— Luka faz pimentões recheados muito bons — ela ri
enquanto Luka desliza para o espaço ao lado dela. A mão dele
imediatamente passa por baixo do cabelo dela e os ombros dela
balançam um pouco enquanto ela se inclina ainda mais para
ele. Viro meus olhos para a frente da sala, onde o xerife Jones
está se preparando no pódio de madeira, mas não perco o
murmúrio baixo entre eles, a maneira como Stella dobra seu
corpo no dele. Como o pé de Luka se prende no fundo da
cadeira para puxá-la um pouco mais para perto.
Não pela primeira vez, estou com ciúmes. Nunca tive isso
com outra pessoa. Nunca fui capaz de deslizar no espaço de
alguém e pressionar meus dedos em sua pele, vê-los se
inclinarem ainda mais para mim.
Eu penso no meu polegar contra um lábio inferior cheio,
vermelho como uma cereja, e me mexo no meu lugar. O metal
range ameaçadoramente abaixo de mim.
Eu realmente adoraria parar de pensar em Evelyn.
Layla se inclina ao meu redor, sua tigela cavando em minhas
costelas.
— O armário de manutenção está disponível se vocês dois
quiserem um quarto.
Eu dou uma risada. Stella geme. Luka se inclina para frente
e coloca a mão na tigela de pipoca.
— Tem uma tranca?
Layla gargalha alto o suficiente para atrair a atenção da
frente da sala. Algumas das senhoras do salão param a conversa
para nos dar uma olhada e Alex da livraria levanta seu café em
saudação. Eu noto o oficial Caleb Alvarez parado logo atrás do
xerife, um sorriso se contorcendo em seus lábios, seu olhar fixo
em Layla.
Eu pego o olhar de Stella e ela sorri.
— Tudo bem, vamos colocar esse show na estrada. — O
xerife Dane Jones limpa a garganta e depois a limpa novamente,
a conversa na sala se acalmando enquanto todos se preparam
para a reunião. — Primeira ordem de negócios. Sra. Beatrice, o
departamento de polícia gostaria que você parasse de tentar
rebocar os carros na frente do café por conta própria. Você não
tem o equipamento para isso e usar seu veículo como aríete
resultou em algumas reclamações.
— Ela tentou me matar — Sam Montez grita do fundo da
sala, seu chapéu caindo para o lado enquanto ele pula da
cadeira. — Eu estava fora do meu carro por um minuto – dois
no máximo – e ela tentou me matar!
Eu escondo meu sorriso atrás do meu punho. Sam tem um
mau hábito de estacionar em fila dupla. Normalmente não é
um problema em nossas ruas de cidade pequena, mas irritante
do mesmo jeito. Eu mal posso ver o topo da cabeça da Sra.
Beatrice sentada no final da primeira fila, seu cabelo grisalho
puxado em um coque bagunçado. Ela murmura algo que eu
não entendo muito bem. Dane franze a testa, e Caleb
praticamente engole a língua.
— Bem, não há necessidade desse tipo de linguagem. Se
alguém estiver bloqueando a doca de carregamento, você pode
ligar para mim ou para Caleb.
Ela murmura outra coisa e Shirley do salão suspira. Dane
aperta a ponte do nariz entre o polegar e o indicador.
— Bea, o que eu te disse sobre fazer ameaças de violência
física na frente de um policial. Sam, sente-se.
Sam se abaixa em seu assento e pega seu chapéu. Luka
estende a mão para pegar outro punhado de pipoca da tigela de
Layla.
— Você subestimou essa reunião, Lala.
— Eles geralmente não são tão animados — Stella diz a ele,
aceitando um punhado de pipoca oferecido.
— Sim, eles são — Layla e eu respondemos em uníssono.
— Próximo — Dane olha para a pilha de papéis no pódio e
solta um gemido abafado. Ele olha para Caleb com uma
expressão suplicante. Caleb dá de ombros e Dane volta a olhar
para a sala.
— Sra. Beatrice, se você pudesse gentilmente remover os
pôsteres de PROCURADO da vitrine da loja, seria ótimo.
Desta vez eu não sou o único que tem que abafar uma risada.
A sala irrompe em um murmúrio baixo e Caleb tem que se virar
completamente para esconder seu sorriso, de costas para o
público e seus ombros tremendo. Beatrice tem colocado placas
de PROCURADO em suas janelas há meses, desde que pegou
dois turistas no banheiro dos fundos usando a pia de maneiras
novas e criativas.
Dane inclina a cabeça para ouvir o que a Sra. Beatrice tem a
dizer sobre o assunto.
— Concordo que indecência pública é crime, mas,
novamente, apenas ligue para mim ou para Caleb. — Ele
levanta a mão para cortar a resposta dela e olha para o pódio,
ansioso para levar a conversa adiante. Mas o que quer que ele
veja o faz dobrar toda a pilha de papéis com um grunhido. —
Tudo bem, Beatrice, claramente você e eu precisamos ter uma
conversa paralela. Vamos marcar as… — ele vira o papel e olha
para ele novamente. — …outras sete coisas para outra hora.
— Você acha que alguém reclamou sobre como ela se recusa
a comprar leite de amêndoa? — Layla sussurra com o canto da
boca. Ela comprou, na verdade. Ela acabou por colocá-lo em
uma lata que dizia suco de hipster ao lado.
— Provavelmente algo sobre Karen e o incidente com o leite
— eu respondo. Raramente venho à cidade durante a tarde,
mas aconteceu de eu estar andando no dia em que a Sra.
Beatrice se recusou a servir Karen Wilkes por ser rude com os
garçons. Um café com leite de alguma forma encontrou seu
caminho por toda a jaqueta de pele falsa de Karen. Não posso
dizer que a culpo por isso.
— Tudo bem — a voz de Dane ecoa pela sala e todos se
acomodam novamente. — Próximo. A pizzaria está, uh… — ele
hesita, esfregando as pontas dos dedos sobre o bigode e
descendo pelo queixo. Ele bate lá uma vez e olha ao redor da
sala. — Matty gostaria que todos vocês soubessem que há um
especial este mês. Metade dos lucros das quartas-feiras vão para
a escola primária para financiar suas viagens científicas.
A mão de Stella dispara no ar. Dane parece querer sair pela
porta e continuar andando.
— Sim, Stella?
— Este é um momento apropriado para compartilhar que
acho que vocês dois são o casal mais fofo que eu já vi na minha
vida e expressar meus parabéns por finalmente estarem
morando juntos?
— Gosto da guirlanda que você coloca na porta —
acrescenta Mabel Brewster de algum lugar no meio da sala. —
E a fonte de pássaros no jardim da frente. Não sabia que você
tinha tanto olho para jardinagem, xerife.
O resto da sala explode em uma série de comentários e
perguntas sobre a vida amorosa do xerife.
— Você os viu no mercado do fazendeiro? Juro que nunca
vi Dane Jones sorrir tanto.
— Você quer dizer que ele já sorriu antes? Porque eu acho
que esse é o recorde permanente.
— Eles estavam de mãos dadas. Ele comprou flores para
Matty.
— Onde está Matty? Você não pode mantê-lo preso só
porque vocês dois são um casal agora.
Eu afundo ainda mais na minha cadeira, o zumbido do som
subindo sobre mim. É como um zumbido na parte de trás da
minha cabeça, um zumbido nos meus ouvidos. Eu pressiono
meu polegar profundamente na palma da minha mão e tento
me concentrar lá em vez disso.
Dane parece prestes a explodir na frente da sala, suas
bochechas um vermelho flamejante acima de sua barba, mãos
mexendo com o chapéu debaixo do braço.
Eu cutuco Stella com meu cotovelo.
— Você não está preocupada que isso vá se voltar contra
você?
— O que você quer dizer?
Eu gesticulo entre ela e Luka.
— Quando vocês dois vão morar juntos?
— Oh — ela acena com a mão, despreocupada. — Assim
que pudermos descobrir como adicionar mais espaço. Eu não
acho que Luka está pronto para mim em toda a minha glória
bagunçada ainda.
Stella mora em um chalé do lado oposto da minha cabana
da fazenda, uma casinha cheia até a borda com revistas velhas e
canecas de café meio vazias. Parece que mora lá uma mulher de
oitenta anos com problemas de acumulação, a interferência de
Luka seria condenada. Uma vez eu os ouvi discutindo sobre
toalhas de cozinha com gnomos nelas. Stella não queria jogá-las
fora porque, aparentemente, elas eram uma peça de conversa.
— Vamos morar juntos quando pudermos adicionar um
quarto ou dois para que ele tenha um lugar para chorar quando
eu não dobrar suas camisetas de forma certa. — Ela dá de
ombros, empurrando o braço de Luka ao redor de seus ombros.
Ele a belisca levemente sem nem olhar e seu sorriso se espalha.
— Estou feliz em compartilhar isso com quem perguntar.
Tudo isso, Dane precisa saber que o amamos. Nós amamos eles.
Ele me disse uma vez que não achava que era o suficiente para
Matty. Ele estava com medo de arriscar. — Ela se inclina para
Luka, sua têmpora contra o queixo dele. — Ele merece saber
que tem a cidade torcendo por ele. Que estamos felizes por ele
estar feliz.
Isso é muito bom, mas Dane parece que está prestes a
derreter no chão.
— Mesmo que isso atrapalhe o resto desta reunião?
Ela sorri. Luka grita algo sobre combinar padrões de
porcelana. Há um aplauso em resposta por toda a pequena sala
e Dane pressiona o punho na testa.
— Especialmente por isso.
Eu me inclino para trás no meu assento com uma risada e
cruzo os braços sobre o peito, puxo meu boné de beisebol para
baixo sobre os olhos e estico as pernas o máximo que posso.
Melhor apenas esperar essas coisas, na minha experiência.
Fecho os olhos, respiro fundo e penso em pimentas.
Dois

EVELYN
— EI — Uma garganta limpa em algum lugar acima de mim,
um estrondo áspero. — Você está esperando alguém?
Eu olho para cima do meu telefone para a figura alta
inclinada com o quadril na beirada da mesa, uma carranca
puxando seus lábios para baixo. Acho que não o vi sorrir uma vez
desde que cheguei aqui – nas poucas ocasiões em que o vi, é claro.
Acho que ele está se escondendo em um dos celeiros toda vez que
estou passeando pelo terreno.
Isto me deixa triste.
Um pouco irritada também.
— Eu não estou — Eu empurro o assento vazio na minha
frente com minha bota. Um convite silencioso.
Ele espera uma batida e então dobra seu corpo no pequeno
assento à minha frente. Eu o observo por cima da borda da
minha caneca de café. Cotovelos na mesa, ombros curvados. Seu
corpo se curva para frente enquanto ele encara seu prato como se
ele guardasse os segredos do universo. Minutos se passam, e ele
não diz uma palavra.
— Então — eu deixo cair meu queixo na minha mão e tomo
um gole barulhento do meu café. Eu mantenho minha voz leve e
brilhante, marcadamente diferente da tensão estranha que está
enrolando em meu estômago. Minha mãe diz que sou imune ao
humor dos outros. Que eu poderia iluminar até a nuvem de
tempestade mais escura.
Com Beckett, eu sinto que nós dois somos a nuvem de
tempestade. Juntos, somos uma monção.
— Como está sendo o seu dia?
Ele olha para mim, um pedaço de pão de abobrinha
perfeitamente posicionado na ponta de seu garfo.
— Hum?
— Seu dia — repito. Se ele quisesse ficar em silêncio, poderia
ter ido para qualquer uma das mesas vazias alinhadas contra a
parede. Em vez disso, ele se sentou aqui, comigo. — Como vão as
coisas?
— Oh — ele se mexe em seu assento e traça a borda de seu
prato de porcelana com o polegar. — Está tudo bem — ele
murmura. Olhos verde-azulados espiam para mim e depois
voltam para baixo. Outra pausa constrangedora, o silêncio se
estendendo por um momento muito longo. Eu não posso acreditar
que este homem veio até mim em um bar e colocou seu corpo ao
lado do meu. Inclinou-se para o meu espaço até que eu pudesse
sentir o cheiro da chuva de verão em sua pele e me perguntou o
que eu estava bebendo. — O seu?
— Bem — Eu quero arremessar o prato dele pela padaria,
mesmo que seja apenas para obter uma reação dele. Eu espero que
ele diga mais alguma coisa e quando ele não diz, eu suspiro. —
Stella vai me levar em um passeio pelos campos mais tarde.
Ele faz um som vagamente interessado.
— É realmente lindo aqui.
Outro som sob sua respiração.
Tudo bem, tudo bem.
Eu desabo no meu assento e cruzo os braços sobre o peito, me
ocupando em olhar pela janela do chão ao teto à minha
esquerda. Desse ângulo, posso ver algumas crianças indo e
voltando das árvores – um pequeno esquilo escondido no mato,
cavando um buraco na terra. A padaria está escondida em um
dos campos, uma surpresa para os visitantes se deparararem
quando estiverem procurando a árvore perfeita. No interior, a
condensação se acumula na parte inferior das janelas, uma
moldura perfeita de branco-acinzentado. Galhos de árvores
roçam as janelas. Parece que estou em um daqueles cartões de
Natal vintage, e aposto que é quase mágico quando neva.
— Você sabe, eu estava passando pelos campos de morango
mais cedo.
Eu lanço meu olhar de volta para Beckett, ainda encarando
aquele prato estúpido.
— É? Eu não sabia que vocês tinham campos de morango
aqui.
Ele me ignora, um movimento em sua garganta enquanto
engole com força. Estóico. Isolado. Milhões de quilômetros de
distância.
— Eu ouvi alguns deles chorando, eu acho.
— O quê?
— Os morangos — explica ele. — Eu ouvi alguns deles
chorando.
Eu pisco para ele.
— Eu não tenho ideia do que você está falando.
— É porque… — um pequeno sorriso se curva na borda de sua
boca, bem no canto. Ele puxa seu lábio inferior enquanto ele se
mexe na cadeira e eu me lembro, visceralmente, como é ter aquele
sorriso enfiado no lugar entre meu ombro e pescoço. Ele olha para
mim através dos cílios e é o momento depois de uma tempestade
quando o sol decide espreitar por trás das nuvens pesadas – a
chuva ainda pingando das bordas do telhado, das árvores, da
caixa de correio na esquina. — É porque os pais deles estavam em
uma geleia, eu acho.
Levo um segundo para entender.
Uma piada.
Beckett acabou de fazer uma piada.
Uma muito ruim, também.
Uma risada surpresa explode em mim, brilhante e alta.
Várias pessoas se voltam para olhar.
Mas estou muito ocupada olhando para Beckett, o sorriso em
seu rosto largo e desenfreado. Um pouco selvagem. Muito mais
bonito.
Eu pressiono meu punho em meus lábios, encantada com seus
olhos brilhantes. Ele abaixa a cabeça e dá outra mordida no pão
de abobrinha.
— Essa foi uma piada idiota — eu digo a ele.
— Sim — Seu sorriso se transforma em algo suave. Algo que
eu senti antes com a palma da minha mão na calada da noite.
Seus olhos brilham no sol da tarde. — Sim, foi.
Sou puxada para fora do meu devaneio com um chute forte
na minha canela.
Eu pulo no meu assento, meu joelho batendo na parte de
baixo da mesa de madeira brilhante que se estende por toda a
extensão da sala. Josie me dá um olhar de seu lugar à minha
frente, ambas as sobrancelhas levantadas. Eu não tenho sido
capaz de manter meus pensamentos à deriva desde que me
sentei nesta reunião, e dado o hematoma se formando na minha
perna, ela notou.
— Como você se sente sobre a dança?
Minha agente do dia, Kirstyn, bate a caneta contra um bloco
de notas rosa pálido. Peônia rosa. O céu logo antes do sol atingir
a água rosa. Sway não acredita em atribuir um agente específico
a um cliente. Em vez disso, tenho uma frota rotativa de
consultores jovens, atraentes e modernos à minha disposição.
Kirstyn e sua severa nuvem de perfume me fazem ansiar por
Derrick e seu esmalte fluorescente. Shelly e seus cachecóis
enormes.
Kirstyn aperta os lábios em aborrecimento.
— Você ouviu o que eu disse?
Os dentes de Josie apertam o lábio inferior e ela arregala os
olhos. Bem, parece dizer. Você ouviu?
Eu não ouvi. Eu estava muito ocupada lembrando de uma
tarde tranquila de novembro em uma padaria ensolarada. Eu
me pergunto o que Beckett pensaria de um lugar como este. Eu
o imagino aqui, sobrecarregado e confuso, olhando para os
cartazes de quadro-negro do lado de fora de cada espaço de
trabalho. Encarando os jarros na cozinha aberta. Carrancudo
para a água fresca de pepino e toalhas de mão quentes de
cortesia.
Eu balanço minha cabeça.
— Desculpe — eu limpo minha garganta e enrolo minhas
mãos em volta da minha caneca. — Você poderia repetir o que
disse?
Kirstyn joga o cabelo loiro brilhante para trás do ombro. Ela
está usando óculos grandes com uma armação fina e dourada.
Uma coleção de pulseiras dança em seu pulso. Ela levanta a
chaleira de chá verde menta da bandeja no centro da mesa e a
oferece para mim. Eu balanço minha cabeça.
— Danças — diz ela, colocando a chaleira de volta para
baixo com um pequeno beicinho. — Sabe, como aqueles
desafios que você vê em todos os lugares?
Ela gesticula para o telefone virado para cima ao lado da
bandeja – um fluxo coeso de influenciadores dançantes. Tento
me imaginar ali, enfiada entre todo aquele conteúdo. Eu não
posso nem começar a imaginar isso e sinto uma pontada de
ansiedade. Tenho certeza que a última vez que fiz qualquer tipo
de movimento coreografado, eu tinha treze anos no porão dos
meus pais, cantando para Backstreet Boys a plenos pulmões
com Josie usando um guarda-chuva como pedestal de
microfone.
— Eu conheço os desafios — eu ofereço, sem pouca
hesitação. Eu posso ver aonde isso está indo.
Este não é o lugar onde você deveria estar, uma voz no fundo
da minha mente sussurra. Está ficando cada vez mais alta, essa
voz, um fio constante de dúvida. Mas se eu não deveria estar
aqui, onde deveria estar? O que eu deveria estar fazendo? Passei
minha vida inteira organizando essa plataforma, construindo
esse público.
Eu pisco para longe do telefone e olho pela janela para a
movimentada calçada abaixo, me distraindo com as pessoas na
rua. Observo enquanto todos passam um pelo outro sem olhar
para cima – um avanço sem sentido e sem fim. Uma rajada de
vento desce pela calçada e levanta a ponta de um lenço
vermelho brilhante. Por um segundo, a mulher agarrada a ele
parece estar voando, sua mão agarrando as pontas. Ela consegue
pegá-lo assim que passa por uma pequena loja de empanadas –
um prédio rosa brilhante com luzes de cordas no topo,
imprensado entre uma loja nacional e um banco brilhante.
Uma mulher baixinha de pele morena ri na janela e atira a
toalha para alguém do outro lado do balcão. Um sorriso chuta
o canto da minha boca. Eu posso ouvir sua alegria daqui.
— Evie — eu sinto a bota de Josie debaixo da mesa,
cutucando contra a minha. — Você está bem?
— Sinto muito — repito. Eu balanço minha cabeça e forço
minha atenção de volta para Kirstyn. Estou em todo lugar hoje.
Preciso de um café forte e uma soneca de seis dias. — Estou
aqui. Estou ouvindo. Explique-me o que você está procurando.
— Achamos que você deveria adicionar alguma coreografia
aos seus vídeos — Kirstyn repete lentamente, enunciando cada
palavra. Eu arriscaria um palpite de que não verei Kirstyn
novamente depois de hoje. — Sway acredita que movimento e
dança tornariam seu conteúdo mais acessível.
Josie lentamente vira a cabeça para olhar para Kirstyn. Se
olhares pudessem matar, tenho certeza que Kirstyn seria uma
pilha de cinzas. Movimento e dança. Eu bato uma unha contra
a borda do meu copo.
— O que você sugere?
O leve beliscar de seus lábios se transforma em um aperto
entre as sobrancelhas.
— Dançar — ela repete, o primeiro indício de frustração
saindo de seus lábios levemente delineados. — Movimento…
Eu aceno minha mão.
— Sim, o movimento tornará meu conteúdo mais acessível.
Mas, como tenho certeza de que você sabe, meu conteúdo é em
grande parte aspiracional. Foco em viagens — Eu franzo a testa.
— Você acha que eu deveria dançar “Yah Trick Yah” no
corredor de uma livraria de cidade pequena?
Josie bufa. Meu sarcasmo passa por cima da cabeça de
Kirstyn.
— Isso é incrível — ela me diz, mãos gananciosas alcançando
seu laptop. Ela começa a digitar freneticamente, suas unhas
rosa-choque dançando pelo teclado. — Que ideia incrível. Não
acredito que não pensamos nisso.
Uma dor de cabeça maçante bate na base do meu crânio.
— Isso não foi… — Suspiro e olho para trás pela janela, em
direção à loja de empanadas. A mulher rindo na janela se foi
agora. — Eu estava brincando.
— Oh, bem — Kirstyn não olha para cima de seu
computador. — É uma boa ideia. Talvez você possa apresentar
isso em sua próxima viagem.
Josie arregala os olhos para mim. Apresentar, ela murmura.
Ela imita um movimento de dança do início dos anos 90, tenho
certeza que nos apresentamos durante nossa coreografia dos
Backstreet Boys.
Não dignifico a sugestão com uma resposta e tento mudar
de assunto. Estou cansada até os meus ossos.
— Onde é minha próxima viagem?
Metade de mim espera que Kirstyn me diga que minha
próxima viagem é para casa, para o apartamento minúsculo e
quase vazio que alugo aqui em Bay Area. Eu não sei por que eu
assinei um contrato para começar. Acho que passei um total de
seis noites lá nos últimos três meses. Mas eu ansiava por
algumas raízes e um apartamento parecia a resposta lógica.
— Oh, certo. Aqui vamos nós.
Comecei minha parceria com a Sway porque queria ajudar
mais pessoas, contar mais histórias, acessar mais comunidades
com pequenas empresas tentando divulgar seu nome. Como
Peter em Spokane, um veterano aposentado com um food
truck de queijo grelhado e – sem brincadeira, a melhor sopa de
tomate que já comi. Eliza e sua loja de roupas em Sacramento,
reciclando fast fashion em peças sustentáveis. Stella em
Lovelight Farms, trabalhando tão duro para criar um país das
maravilhas de inverno caprichoso. As pessoas que visito têm
tudo o que precisam para causar impacto, eu apenas... as ajudo.
Dou-lhes um impulso.
O gerenciamento de contas estava começando a ser um
pouco demais para Josie e eu lidarmos. Estávamos gastando
mais tempo no lado administrativo das coisas, em vez da parte
criativa. Minha parceria com Sway deveria tornar tudo isso
mais fácil. Mas, honestamente, tem sido uma dor de cabeça
atrás da outra.
— Esta é sua próxima viagem — anuncia Kirstyn com todo
o talento que eu esperava de Sway.
Uma tela em branco sussurra sua chegada enquanto cai do
teto. Brilha com uma explosão de cores, um bumbo alto e
pesado preenchendo o espaço. Josie pula em seu assento,
lutando para evitar que sua caneca vire.
Corpos enfeitados com joias balançam com os braços no ar.
Uma mulher com botas de pele até as coxas e uma roupa de
lantejoulas roxas brilhantes balança de uma trepadeira – eu
olho para a tela – uma poça de gelatina vermelha brilhante.
— Puta merda — Josie sussurra.
Minha dor de cabeça se aprofunda.
— Por que você está me mostrando o Burning Man2?
— Não é o Burning Man. É o Okeechobee Music & Arts
Festival — Kirstyn me diz, quase borbulhando de emoção. As
pulseiras em seu pulso fazem um barulho que eu sinto em meus
dentes. — É um festival mais novo, e Sway acha que será uma
boa opção para a evolução da sua marca.
A Sway acha. Eu belisco a ponte do meu nariz.
— Evolução da minha marca.
— Sim.
— É administrada por uma pequena empresa? — Estou
distraída com os corpos seminus empurrando e rolando na tela
e as luzes estroboscópicas estão me dando dor de cabeça. Olho
pela janela de vidro industrial para o resto do escritório, onde
os funcionários estão instalados em um espaço de coworking.
Um cara sentado no corredor com uma boina balança a cabeça
ao som da música. Uma mulher com pontas de cabelo rosa
choque parece estar cantarolando baixinho. Todos estão

2
Burning Man é um festival que ocorre em Nevada, nos Estados Unidos.
Nele, é promovido apresentações artísticas, diferentes instalações e música.
completamente imperturbáveis com a rave de três mulheres
acontecendo na sala de conferência dois. — Tem uma história
interessante?
Talvez eu esteja perdendo alguma coisa.
— Você será patrocinada pela Covergirl — ela me diz. A tela
muda para um vídeo que fiz há cerca de um mês, um clipe meu
de uma das minhas contas segurando um tubo laranja brilhante
de rímel, uma rajada de vento soprando meu cabelo sobre meu
rosto. Acho que você vê o produto real em uso por menos de
um segundo. O pequeno número no canto inferior direito é
destacado. Mais de 4 milhões de visualizações. Eu estremeço.
Eu tinha agonizado com esta peça, duvidosa sobre a
colocação de produtos tão pesados. A maior parte da minha
renda vem de patrocínios, claro, mas vive de meu blog em
espaços publicitários. Em um lugar onde as pessoas esperam
que esteja. Mas Sway insistiu que poderia ser um experimento
forte para mais conteúdo de marca e eu estava cansada,
distraída. Eu cedi e postei um vídeo estúpido de mim mesma
promovendo um rímel.
E olhe para mim agora. Um patrocínio da Covergirl.
Eu deveria estar muito feliz.
Por que não estou feliz?
Porque aqui não é onde você deveria estar.
Eu não deveria entrar em pânico com parcerias e promoções
e festivais de música. Passei todo esse tempo criando conteúdo
e quebrando pedaços de mim para consumo público e o que
tenho para mostrar para isso? Um apartamento vazio e milhões
de estranhos seguindo cada movimento meu.
Eu estou tão cansada.
— Acho que preciso fazer uma pausa — As palavras
escapam da minha boca com um suspiro, quieto, mas
ganhando força enquanto se acomodam no espaço entre nós
três. Eu rolo meus ombros para trás e respiro fundo. Eu levanto
meu queixo. — Vou fazer uma pausa.
Josie dá um pequeno soco no lado da mesa.
— Vou reservar um pacote de spa para você em seu hotel em
Okeechobee — diz Kirstyn. Algo me diz que Okeechobee não
é conhecido por seus spas. — Oh! Se você quisesse estender sua
viagem e começar em Miami, aposto que poderíamos conseguir
alguns patrocínios de clubes.
Eu balanço minha cabeça e empurro minha xícara de volta
para o pires de porcelana ornamentado. Eu absolutamente não
quero ir à baladas em Miami.
— Não, quero dizer, vou fazer uma pausa. De tudo... isso.
Kirstyn pisca para mim por trás de sua tela. Posso ver os
corpos dançantes de Okeechobee refletidos em suas lentes
enormes. É desorientador, como algo de Alice no País das
Maravilhas. Ela fica boquiaberta para mim, as mãos
perfeitamente imóveis sobre o teclado.
— Como um hiato?
— Claro. — Essa é uma boa palavra para isso. Tenho
bastante na minha conta poupança para sustentar umas mini-
férias, reforçadas por anos de meticuloso planejamento
financeiro. A renda de uma influenciadora dificilmente é
estável e sempre tive medo da atenção escapar tão rapidamente
quanto chegou. As redes sociais são uma coisa inconstante.
Talvez algum tempo longe seja exatamente o que eu preciso.
Espaço para reorientar, realinhar.
Eu me viro e olho por cima do ombro através das grandes
vitrines para a loja de empanadas abaixo. Começo a juntar
minhas coisas.
Algum espaço para comer empanadas.
— Mas você vai continuar postando, certo? — Há um fio
fino de inquietação na voz de Kirstyn enquanto ela desliza de
sua cadeira, me seguindo até a porta aberta. Josie espera por
mim na entrada da sala, um orgulho silencioso em seus grandes
olhos castanhos. Ela está pronta para sair desde que chegamos
aqui. Eu nem tenho certeza se ela arrumou seu laptop. Ela salta
em seus pés, o cabelo encaracolado balançando com ela.
Kirstyn nos segue, pendurada na borda da janela de vidro
industrial como se estivesse prestes a pular de um avião.
— Você não vai, tipo, ficar completamente inativa?
Eu dou de ombros.
— Eu realmente não pensei sobre isso ainda. — Mas agora
que ela mencionou isso, ignorar completamente meus canais de
mídia social por algumas semanas parece incrível. Eu coloco
minha jaqueta e enrolo minhas mãos nas mangas. — Tem
alguma coisa de patrocínio que eu estou sob contrato?
Ela praticamente corre de volta para a mesa, folheando seu
caderno rosa.
— Não — seu rosto cai em desânimo. — Não, nada que
você seja obrigada a postar. Mas temos algum interesse da Ray-
Ban, se você quiser...
— Está tudo bem, obrigada. — Eu tento suavizar as bordas
da minha recusa rápida. — Ouça, Kirstyn. Sou grata pelo
trabalho que você fez neste campo, mas acho que é melhor dar
um passo para trás agora. Entrar no modo de planejamento por
algumas semanas.
Seu rosto empalidece.
— Semanas?
Eu preciso descobrir o que estou fazendo, porque tudo de
repente parece encolher os ombros em um suéter que é muito
pequeno. Eu continuo esperando que esse sentimento vá
embora, mas não vai. Só está piorando.
— Vou mantê-la atualizada, ok? Fique à vontade para
continuar me enviando opções, mas... — Olho para a tela, as
luzes estroboscópicas e a pintura no rosto. — ...isso não parece
certo. Estou procurando algo diferente disso.
Kirstyn assente.
— Nós podemos fazer isso. Podemos apoiar algo diferente.
Terei opções em sua caixa de entrada hoje à noite.
Eu começo a voltar para o elevador. Josie já está apertando
agressivamente o botão com o polegar.
— Eu não vou olhar para elas esta noite, então tome seu
tempo. Estou falando sério sobre a pausa.
Ela me segue como um cordeirinho. Algumas das pessoas na
coleção de mesas no centro da sala estão meio em pé de seus
assentos, observando nosso progresso. Há uma mulher na
frente com franja romba, os dentes cortando o lábio inferior.
Um homem atrás dela em uma camisa de botão de manga curta
está de pé, a palma da mão contra a testa. Eu sinto como se
tivesse virado uma mesa e chutado uma de suas mães. Todos os
rostos estão feridos, preocupados. Dou-lhes um aceno e o que
espero seja um sorriso tranquilizador. Eles olham fixamente de
volta.
— Sempre um prazer, pessoal! — Josie acena por cima do
ombro, sem se incomodar em sair do elevador. As portas se
abrem e Kirstyn nos segue, até a beirada das portas de correr.
— Seus seguidores sentiriam sua falta — ela me diz
enquanto eu entro no minúsculo cubículo, papel de parede de
samambaia verde enrolado do chão ao teto. Há um espelho
com moldura dourada no teto e um tapete branco felpudo no
chão. É o elevador mais ridículo em que já entrei. — Todo
mundo vai se perguntar onde você foi.
Não é o incentivo que ela pensa que é. Se alguma coisa, isso
me faz querer deixar meu telefone cair neste poço do elevador.
Eles vão se perguntar, e então eles vão encontrar alguém novo
para seguir. Outra conta. Outra coleção de reels e posts e…
danças. As portas do elevador começam a se fechar. Eu dou a
ela um sorriso tranquilizador.
— Nos falamos em breve.

AS EMPANADAS, no fim das contas, são incríveis.


— Achei que o rosto dela ia derreter imediatamente — Josie
diz com a boca cheia de espinafre e queijo. Ela faz algo grotesco
com as palmas das mãos apertadas contra as bochechas – uma
tentativa, eu acho, de ilustrar seu rosto derretendo. É difícil
dizer exatamente o que ela está tentando fazer. Eu bufo em
outra mordida de bondade amanteigada escamosa. — Ela ficou
genuinamente chocada por você não querer começar a usar
pintura corporal.
— Foi estranho, certo? Acho que eles não entendem… — a
mim, quase digo. Um comentário injusto considerando que eu
não me entendo esses dias. — Acho que eles não entendem o
tipo de conteúdo que estou procurando.
— Obviamente. Estou orgulhosa de você por dizer algo. Eu
só esperei os últimos seis meses para que isso acontecesse. — Ela
remexe na cesta vazia entre nós. — Precisamos de mais
empanadas.
A senhora atrás do balcão ri quando eu saio da pequena
cabine e ando para uma terceira rodada.
— Vocês ainda estão com fome? — Sua risada é alta e
ruidosa, tão mágica quanto eu pensava.
— Dê a ela um croqueta — diz uma mulher mais velha
sentada na beirada do balcão, meio escondida atrás de uma
planta gigante, seus longos cabelos grisalhos enrolados em um
lenço de seda roxo brilhante. Ela está comendo três leches desde
que nos sentamos, uma pequena xícara de café cubano no
balcão à sua frente. — Jamon.
— Eu vou querer dois — eu sorrio para a mulher e olho para
o cardápio escrito à mão. — E um pastelito — Eu olho para
Josie e ela levanta dois dedos. — Na verdade, faça dois desses.
Eu considero um café, mas tenho certeza que vou bater nas
paredes se for tão forte quanto o cheiro. Eu deslizo de volta para
a cabine aconchegante no canto e pego o que sobrou da minha
empanada, puxando meu telefone do bolso e colocando-o
sobre a mesa. Eu olho para a minha tela de bloqueio, uma foto
dos meus pais abraçados na frente da pequena boutique que
eles possuem nos arredores de Portland. Sorrisos radiantes. St.
James Sundry Store pintado à mão na vitrine.
Não sei como cheguei de lá até aqui.
— Eu amo essa foto — Josie diz com um sorriso. — Eles
parecem tão felizes.
— Eles parecem — eu sorrio, olhando para o rosto da minha
mãe. — Eles são. — Temos o mesmo sorriso, a mesma torção
no nariz quando rimos. Eu me pergunto o que ela está fazendo
agora. Se ela está reabastecendo os doces que guarda em uma
cestinha nos fundos da loja para as crianças que conseguem
encontrá-los, ou se ela está lavando as vitrines com a mesma
toalha rosada e brilhante de sempre. Uma pontada de saudade
me atinge bem no peito.
— Evie.
— Hum? — Eu pisco do meu telefone e olho para a minha
amiga, o rosto da pessoa que me conhece melhor do que
ninguém. Ela inclina a cabeça e me dá um sorriso suave.
— O que está acontecendo? Você parece... você parece que
está só metade aqui. Presa em sua cabeça em algum lugar. — Eu
deixo cair meu queixo e pressiono dois dedos acima da minha
sobrancelha enquanto Josie corre para explicar. — Não de um
jeito ruim, necessariamente. Você parece distraída, eu acho.
Essa pausa parece menos uma ideia e mais uma necessidade.
Acordo todas as manhãs com uma sensação de vazio no peito,
uma palpitação ansiosa que piora quanto mais tempo fico
deitada em uma cama desconhecida olhando para um quarto
desconhecido. Passo mais tempo em hotéis do que no pequeno
apartamento que aluguei. Eu verifico minhas contas sociais e
sinto uma pressão no peito. Eu me sinto uma mentirosa. Uma
falsa.
— Eu não tenho ideia do que estou fazendo — eu suspiro.
Josie franze a testa.
— Isso nunca foi verdade.
— Tem sido verdade mais do que você pensa — murmuro.
Fiquei excelente em fingir que está tudo bem.
Eu vasculho nossa cesta vazia, tocando a borda do papel
gorduroso que está amassado no fundo. Pego uma migalha
com o dedo e a lambo.
— Estou apenas indo com a maré.
Sorrindo para a câmera. Adicionando legendas expressivas.
Fazendo minha vida parecer uma grande e maravilhosa
aventura quando na verdade estou presa na minha cabeça.
Fiquei obcecada com números, com o desempenho dos posts.
Estou mais interessada na estética de uma história do que na
própria história. Na minha última viagem, esqueci o nome da
cidade onde estava. Duas vezes.
— Há quanto tempo você se sente assim?
Está se instalando lentamente, como uma neblina saindo da
água. Ultimamente, tudo parece... estranho... e não sei por quê.
O blog começou como um hobby, algo divertido para eu fazer.
Nunca tive a intenção de construir uma carreira com isso.
Agora, porém, tenho tudo o que sempre quis de um trabalho.
Eu sou bem sucedida, procurada.
E terrivelmente solitária.
Eu me sinto desconectada, eu acho. Silenciada. Longe de
qualquer coisa que pareça real. A culpa entra em ação e evito
meu olhar para a mesa.
Pobre influenciadora de mídia social, triste por ter muitos
seguidores e poucos amigos. Me sinto uma impostora. Como o
pior tipo de fraude.
— Estou mentindo para todo mundo. Eu posto este
conteúdo e estou apenas– Josie, estou apenas fingindo.
— Fingindo o quê?
Tudo, eu acho. Tudo, o tempo todo.
A dona da loja de empanadas vem até nossa mesa, um prato
cheio de delícias fritas em suas mãos. Ela o coloca na beirada e
grita por cima do ombro em espanhol, outra gargalhada alta
ecoando pelo espaço. Meu coração se eleva. Um pouco de
magia da vida real.
— Eu não quero postar conteúdo — eu digo para Josie,
ainda distraída.
Ela coloca um pastelito na boca.
— Então, não poste.
— Estou cansada de viajar.
— Dê um tempo.
— Não quero perder tudo pelo que trabalhei.
— Você não vai.
— Eu sinto que esqueci como ser feliz — eu sussurro, meu
pensamento mais secreto. Aquele que desliza pela minha
cabeça como um fio de fumaça quando estou deitada de costas
e olhando para o teto de qualquer hotel em que vou passar a
noite, incapaz de dormir. Corrida mental. Pensamentos
zumbindo.
— Isso já fez você se sentir bem? — Josie pergunta. — Antes
de você explodir no estrelato da internet, quero dizer. Você
estava feliz fazendo vídeos?
Eu era. Algumas das melhores lembranças que tenho são de
passear com a velha câmera do meu pai. Eu passava meus
sábados sentada em um banco no mercado do fazendeiro e
apenas ouvia as pessoas falarem. Perdi um pouco disso, eu acho.
Em algum lugar ao longo do caminho.
Josie pega um croqueta e me estuda.
— Eu acho que isso é uma coisa boa para você. A maioria
das pessoas passa por isso. Você quer dar um passo para trás e
avaliar se este ainda é o ajuste certo. Eu defendo um pouco de
auto-reflexão. — Ela levanta sua croqueta em uma torrada, bate
na minha testa uma vez. — Seja você, garota.
— Você não acha que estou sendo ridícula?
— Eu acho que você está sendo quarenta e cinco por cento
ridícula. E isso é atribuído principalmente à maneira como você
está falando sobre si mesma. Nada do que você tem aconteceu
por acaso. Você trabalha duro e se move na velocidade da luz.
Acho que esse é o cerne do seu problema. Você tem andado por
aí e não encontrou raízes para cavar. Seu corpinho bonitinho
está exausto. Seu cérebro também.
Pego uma croqueta e dou uma mordida, o sabor salgado
estourando na minha língua.
— Fico feliz quando estou comendo isso — murmuro com
a boca cheia. Josie sorri.
— Bem, nós poderíamos enviar você em um tour
gastronômico. — Ela se recosta na cabine com um suspiro
satisfeito. Ela dá um tapinha na barriga uma vez e torce os lábios
em pensamento. — Sério, quando foi a última vez que você
sentiu que não estava fazendo um trabalho? Onde é o último
lugar em que você se sentiu feliz?
Vem a mim instantaneamente. Folhas sob minhas botas.
Um céu sem nuvens tão azul quanto um lago de montanha.
Estradas de terra e um grande celeiro vermelho à beira da
estrada. Fileiras e fileiras de árvores, agulhas de pinheiro no meu
cabelo.
Uma piada estúpida sobre morangos em uma tarde
ensolarada. Um prato de pão de abobrinha na mesa.
Sinto-me assentar, meus ombros rolando para trás com a
primeira respiração profunda que dei no que parecem meses.
— Eu acho que sei.
Ela acena com a cabeça, um brilho satisfeito em seus olhos.
— Então vamos começar por aí.
Três

BECKETT
— POSSO APENAS DIZER — Jeremy Roughman se inclina
contra a traseira do trator, a luz do sol começando a piscar no
horizonte. Eu ouço sua voz e é um desafio para mim não me
virar e voltar direto para minha cabana na beira da propriedade.
— Estou muito animado que você decidiu me trazer como
aprendiz.
Não decidi trazê-lo como aprendiz. O xerife Jones me
encurralou no corredor de produtos de papel da farmácia e me
ameaçou levemente com o dever como faixa de pedestres para
a escola primária até que eu concordasse em aceitá-lo.
Aparentemente, Jeremy não consegue se manter longe de
problemas por mais de trinta e sete segundos e se a Sra. Beatrice
o pegar beijando outra garota em seu beco, ela provavelmente
fará algo que requererá prisão.
— Eu sei que os pais dele ficariam agradecidos — Dane
disse, e eu quase joguei meu corpo na prateleira de papel toalha.
— Ele só precisa de um pouco de direção.
Então aqui estamos nós, dando direção. A alvorada rasteja
pelo céu em rosa brilhante e ouro polido, uma pincelada
brilhante de nuvem no centro dela. Ainda posso sentir o frio do
inverno tão cedo pela manhã e sou grato pela minha camisa
térmica e pela gata enrolada no meu pescoço, cochilando com
o queixo no meu ombro.
Eu olho para Barney, empoleirado no banco de motorista
do trator – seu velho chapéu de aba larga puxado para baixo
sobre os olhos. Ele sorri para mim com a boca cheia de
rosquinha.
— Realmente animado, chefe — diz ele. Ele enfia massa frita
e açúcar de confeiteiro na boca. — Dificilmente consegui
dormir ontem à noite por causa disso.
Reviro os olhos e alcanço a pá apoiada no pneu. Apesar de
todas as suas alfinetadas, Barney torna meu trabalho mais fácil.
Ele é uma enciclopédia ambulante de colheitas e solo, doenças
que se alimentam de plantas e... a lista de Baltimore Orioles de
1990. Não tenho uso para a última parte, mas o resto vem a
calhar. Estou trabalhando com ele desde que assumi o turno do
meu pai na fazenda de produtos agrícolas há quase duas
décadas. Quando Stella me recrutou e eu dei meu aviso, ele deu
o dele também. Me deu um tapinha nas costas e me disse que
não podia me deixar estragar uma nova fazenda sozinho.
Entrego a pá para Jeremy e ele a segura entre o polegar e o
indicador, afastando-a de sua jaqueta. Eu nem percebi que eles
ainda distribuem essas coisas, mas Inglewild sempre pareceu
um pouco congelada no tempo. Prancer ecoa um miado
queixoso direto no meu ouvido e eu esfrego meus dedos sobre
sua cabeça macia.
— Nós vamos esculpir hoje — digo a Jeremy.
— Cara, eu não posso esculpir algo com uma pá — Jeremy
tenta devolver para mim. — Achei que eu poderia... aconselhar
sobre a colocação ou algo assim. Te dar uma nova perspectiva
sobre a estética do lugar.
Convoco minha paciência.
— A estética do lugar.
Ele joga o cabelo para trás e levanta o queixo.
— Não foi por isso que você me trouxe?
Eu não... o trouxe. Fui cercado na frente das toalhas de
papel. Cruzo os braços sobre o peito e me inclino contra a
lateral do trator. Prancer aproveita a oportunidade para pular
do meu ombro para o topo da cabine, acomodando-se no
torrão ao lado do assento. Ela gosta de andar com Barney de
manhã e voltar para casa quando está pronta.
Eu faço o meu melhor para ignorar Barney tremendo com
uma risada silenciosa em cima do trator.
— O que você sabe sobre agricultura, Jeremy?
Ele passa a mão pelo cabelo e olha de soslaio para o
horizonte.
— Eu sei um pouco.
— Vamos ouvir então.
— Bem — ele arrasta os pés, coloca as mãos nos bolsos do
paletó apenas para puxá-las novamente. — Obviamente, você
planta coisas.
— Obviamente.
— E as cultiva.
— Claro.
— Na verdade, tenho algumas ideias sobre seus padrões de
crescimento. Como você se sente sobre canna…
— Não termine essa frase — eu rosno. Já ouvi piadas de
maconha suficientes para uma vida inteira. Eu empurro minha
cabeça para a parte de trás do trator. — Talvez possamos falar
sobre padrões de crescimento na próxima semana — Barney faz
um barulho de asfixia. — Enquanto isso, temos uma tradição.
O mais novo membro da equipe está de plantão. Você vai
seguir o Barney e tirar pedras do solo, jogá-las naquele balde ao
lado. Vai tornar mais fácil para nós gravarmos e depois
plantarmos na próxima semana.
Eu trabalhava nas pedras todo verão por quatro anos no
Parson's Produce. Eu mesmo fiz isso aqui quando éramos
apenas Barney e eu preparando os campos. Será uma boa
mudança não fazer desta vez. Olho para os sapatos de Jeremy.
Nikes novinhos em folha, branco imaculado.
Uma pontada de culpa puxa meu intestino. Não é
exatamente culpa dele que ele não soubesse o que esperar.
Lembro-me do meu primeiro dia na fazenda quando era
criança, muito magro e fora do meu elemento, tropeçando para
acompanhar todos ao meu redor. Era como tentar entrar no
meio de uma dança já iniciada sem ouvir a maldita música.
Lembro-me de rir quando meus pés escorregaram na terra atrás
do trator, o sol batendo no meu pescoço e empolando minha
pele.
— Você tem um chapéu, garoto?
Ele balança a cabeça, ainda olhando para a pá em sua mão.
Eu cavo em uma das mochilas penduradas sobre o assento e tiro
um boné de beisebol velho, desbotado e rasgado de um lado.
Eu jogo para ele. O atinge no peito e depois cai no chão. Ele
olha para ele como se preferisse morrer do que colocá-lo em seu
cabelo perfeitamente penteado.
Eu dou de ombros e Barney bufa uma risada, ligando a
ignição e colocando o trator em marcha.
— Você irá ver seu pai hoje à noite para o jantar? — Barney
grita por cima do ronco do motor.
Eu concordo. Temos jantares em família todas as terças à
noite, uma tradição desde que me lembro.
— Diga a ele que eu disse olá. E ele me deve cento e quarenta
e sete dólares depois da nossa última noite de pôquer.
Reviro os olhos e aceno para ele. Barney e meu pai jogam
pôquer juntos todos os sábados à noite desde que temos
jantares em família. Tenho certeza de que nenhum deles já
liquidou a dívida entre eles.
Jeremy me encara tristemente enquanto Barney começa a
caminhada lenta em direção à borda dos campos a oeste, as
rodas do trator batendo ao longo. É um trabalho lento, mas
importante, e vamos passar as próximas semanas preparando os
campos para o plantio de mudas do norte. As árvores que
plantamos não estarão prontas por pelo menos cinco anos, mas
essa é a natureza de uma fazenda de árvores.
É tudo uma questão de paciência.
— Onde você está indo? — Jeremy grita do outro lado do
campo, parando para pegar o chapéu do chão. Se ele não se
mexer, ele estará cavando pedras até a próxima semana.
— Dar uma olhada na estética — eu grito de volta.

HÁ muito com que me ocupar enquanto o trabalho de campo


está em andamento. Stella e eu decidimos depois de nossa
primeira temporada que não dependeríamos apenas das árvores
de Natal para nos fazer passar ao longo do ano. Fora da
temporada, experimentamos várias plantações diferentes.
Milho e abóboras no outono. Frutas no verão.
Pimentões, aparentemente, na primavera.
Salvatore me encontra perto do celeiro enquanto eu faço
meu caminho para os campos de produção, um sorriso
ensolarado em seu rosto desgastado. Ele me dá um tapinha no
ombro e me guia em direção às enormes portas de correr em vez
dos campos.
— Tive um pequeno soluço3 — ele me diz, aquele sorriso
ainda esticado em seu rosto. No verão passado, tivemos uma
tempestade que transformou todos os campos em poços de
lama. Dois passos para fora do trator e ele escorregou, coberto

3
Gíria para problema.
da cabeça aos pés com lama grossa. Ele sorriu tanto que eu só
conseguia ver o branco de seus dentes através da sujeira. Estou
meio convencido de que o rosto dele ficou preso daquele jeito.
Eu nunca vi alguém sorrir tanto na minha maldita vida.
— Não sei quantos soluços aguento nessa temporada, Sal.
— Bah — ele me dá um olhar malicioso enquanto entramos
no celeiro. — Acho que você vai gostar desse.
Susie, uma das trabalhadoras da fazenda que ajuda na coleta,
oferece um aceno do canto mais distante do espaço aberto.
Metade do celeiro é usado para visitas ao Papai Noel durante a
temporada de feriados, a outra metade para armazenamento.
Ela está montada bem perto da divisória no meio, seus braços
embalando... alguma coisa.
— Você encontrou mais gatinhos? — Eu pergunto. No
outono passado, Stella descobriu uma família inteira de gatos
escondidos atrás de um dos gigantes quebra-nozes de madeira.
Todos os quatro vivem comigo agora, um pequeno exército de
pelo macio e opiniões obstinadas sobre a qualidade dos meus
lençóis. Eu acordo todas as manhãs com pelo menos um deles
enrolado no meu peito, ronronando.
— Melhor — Sal me diz. Quando me aproximo, vejo uma
pequena nuvem amarela. Susie abre a toalha que está segurando
e dentro dela está um patinho, pouco maior que a palma da
minha mão, uma mecha de penugem escura bem em cima da
cabeça. Ele olha para mim e solta um pequeno guincho, suas
asas se agitando levemente com a ruptura de seu casulo.
— Ah, merda. — A maldita coisa é fofa como o inferno. —
Você acha que foi abandonado?
— Parece que sim — Sal balança de volta em seus
calcanhares. — Não vi nenhum vestígio da mãe.
Não sei muito sobre patos, mas presumo que os patinhos
não sobrevivem muito tempo sem a mãe por perto. Eu olho
para o carinha e esfrego meus dedos contra minha mandíbula.
— Vou levá-lo para a cidade. Passar na casa do Dr. Colson e
ver o que pode ser feito.
Eu estendo minhas mãos para o pacote. Eu tento evitar a
cidade se eu puder evitar, mas eu tenho que fazer um pedido na
loja de ferragens de qualquer maneira. Christopher, o
proprietário, se recusa a fazer qualquer coisa pelo telefone e não
atende se eu ligar muitas vezes. Posso deixar esse carinha no
veterinário, fazer o pedido e estar de volta antes do almoço.
O patinho guincha na minha direção, seu bico cutucando
uma vez nas costas da minha mão. Eu acaricio meu dedo sobre
o topo de sua cabeça, sua penugem incrivelmente macia.
Eu tento juntar os fios da minha contenção enquanto nos
olhamos. Naturalmente, meu cérebro já começou a fazer
planos. Temos um pouco de arame na estufa. Eu poderia
enrolá-lo ao redor das bordas da cozinha. Fazer uma cerca.
Suspiro enquanto vejo o carinha cochilar na segurança de
minhas mãos. Não posso adotar outro animal. Eu não sei nada
sobre patos.
Você também não sabia nada sobre gatos. Isso não te impediu.
O patinho dá um pequeno guincho e se aninha mais na
minha mão. Eu suspiro.
Não vou adotar outro animal.
Eu ouço o clique de uma câmera e olho para cima para ver
Sal e seu maldito sorriso apontando seu telefone para mim. Eu
franzo a testa e ele clica novamente, uma risada sob sua
respiração.
— Que diabos está fazendo?
— Ideia do calendário de Stella — ele me diz com uma
risada. Stella vem promovendo a ideia de um calendário
agrícola com apenas fotos de Luka e eu nos campos há quase
um ano, uma tentativa de tentar aumentar os lucros.
Desnecessário dizer que não estou a bordo com isso. — Você
meio que tem uma vibe da Branca de Neve, meu amigo.
Eu saio pela porta sem outra palavra.

— BEM — Dr. Colson segura o patinho na palma da mão,


empurrando os óculos para cima do nariz com os nós dos
dedos. — É um patinho, tudo bem.
Eu me mudo de pé e luto contra a vontade de revirar os
olhos. Estou forçando minha capacidade de socialização hoje e
ainda não é meio-dia. Ainda jantarei com minha família esta
noite e minhas irmãs não são exatamente conhecidas por seu
comportamento calmo e quieto.
— Claro que sim — eu consigo dizer, cerrando os dentes
quando o Dr. Colson olha para mim por cima dos óculos. Ele
gira em sua cadeira e coloca o pato cuidadosamente de volta na
caixa de papelão em que eu o embalei. O carinha grasna e se
aproxima de mim, se acomodando em um canto e mordendo
minha mão com seu bico minúsculo.
Não o nomeie, digo a mim mesmo. Se eu lhe der um nome,
vou trazê-lo para casa, e não tenho certeza se um bando de
gatinhos e um patinho seriam bons companheiros de quarto.
Não se atreva a dar um nome a ele.
— Vou fazer algumas ligações e ver se há um resgate por
perto que o receba, mas os patos são complicados. Ele terá que
ser aceito por uma nova mãe.
Eu respiro fundo pelo nariz.
— E se ele não for?
— Se ele não for, temo que o carinha não sobreviverá. Não,
a menos que alguém o adote como animal de estimação.
Ele me dá um olhar significativo.
Porra.
— Isso é uma possibilidade?
Dr. Colson acena com a cabeça.
— Com os devidos cuidados e atenção, absolutamente. Vai
ser demorado no começo, mas os patos podem ser ótimos
animais de estimação. — Ele olha para mim com um sorriso
malicioso. — As fazendas são um ótimo ambiente.
— Não tenho certeza se as fazendas com uma família de
gatos sedentos por sangue são um ótimo ambiente —
resmungo. Prancer me trouxe três ratos no fim-de-semana
passado. Ela os alinhou na frente da minha porta como uma
oferta de sacrifício. Era ao mesmo tempo repugnante e
cativante.
— Lembre-me de te enviar um daqueles Toks que todas as
crianças estão compartilhando — diz o Dr. Colson. Ele se
levanta com uma careta e me dá um tapinha nas costas. Seus
joelhos o incomodam desde os sessenta anos. — Sheila lá na
frente está sempre me mostrando novos. Acho que há uma
conta inteira dedicada a gatos e patos.
Eu não saberia. Não tenho interesse em redes sociais.
Não procurei Evelyn de novo, não desde aquela primeira
vez. Nem mesmo depois que ela postou seu vídeo agora viral de
Luka e Stella fingindo se amar enquanto também fingiam
desesperadamente não se amar. Luka ficou tão satisfeito por ser
uma celebridade na internet que andou por aí autografando
tudo ao seu alcance por semanas. A terceira vez que ele assinou
uma batata com uma canetinha, eu quebrei o marcador ao
meio bem na frente de seu rosto.
— Eu não posso adotar um pato — eu digo. Talvez se eu
vocalizar minhas intenções, elas se manifestem. Minha irmã
Nessa me disse isso nada menos que setenta e cinco vezes. Eu
suspiro. — Você vai mantê-lo aqui um pouco? Ligar para mim
quando souber do resgate?
Dr. Colson acena com a cabeça. O pato solta um grasnado.
Eu belisco a ponte do meu nariz.
Não posso adotar este pato.
— VOCÊ ESTÁ ADOTANDO UM PATO?
— Porra — eu xingo baixinho quando Nova aparece na
minha janela. Ela pula na barra lateral e passa o braço pela
minha janela aberta antes mesmo que eu consiga parar minha
caminhonete. Com um metro e meio de altura e vestindo seu
preto padrão da cabeça aos pés, é uma maravilha eu não a ter
atropelado.
Ela me cutuca uma vez na bochecha enquanto eu mudo
para estacionar. Eu afasto a mão dela e pego a torta do banco
do passageiro.
— Como você sabe sobre o pato?
Não dê um nome ao pato. Você não vai nomear o pato.
— A árvore telefônica.
A árvore telefônica de Inglewild deveria ser usada apenas em
caso de emergência, mas nos últimos seis meses, ela se
transformou em uma rede de distribuição de fofocas da cidade.
Duas semanas atrás, Alex Alvarez, da livraria, ligou para me
dizer que o xerife Jones e Matty foram vistos escolhendo bulbos
de tulipa na estufa para o jardim dos fundos. Quando eu
perguntei por que diabos ele estava me ligando sobre bulbos de
tulipa, ele murmurou “árvore telefônica” e desligou.
Não continuei a árvore telefônica naquele dia. Eu não tive
um único telefonema desde então. Presumo que fui removido.
— Ele está adotando um pato? — Harper grita da porta,
pendurada no corrimão da varanda da frente, um pano de
prato pendurado no ombro e uma colher de pau na mão. Eu
saio da minha caminhonete com um suspiro, tomando cuidado
para não mandar Nova voando pela porta.
— Não vou adotar um pato — Eu jogo meu braço sobre o
ombro de Nova e bagunço seu cabelo enquanto subimos a
rampa que leva à varanda. Algumas das tábuas rangem sob
minhas botas e faço uma pausa, considerando. Eu estendo a
mão e empurro o corrimão, a madeira balançando levemente
sob meu aperto.
— Eu vou ajudá-lo a consertar isso esta semana, se você
quiser — Nova me diz, me empurrando para frente e
gentilmente me guiando em direção à casa. Ela provavelmente
sabe que estou a cerca de três segundos de tirar a caixa de
ferramentas da minha caminhonete e reconstruir a coisa toda.
A culpa me pica. Já faz muito tempo desde que perguntei aos
meus pais se eles precisavam de alguma coisa.
— Para — Harper adverte assim que pisamos na varanda.
Ela me bate uma vez com a colher. De todas as minhas irmãs,
ela é a que mais se parece comigo. Cabelo loiro escuro, olhos
azul-esverdeados, uma carranca quase permanente. Ela é dois
anos mais nova, mas ela pode muito bem ser minha gêmea. —
Você está se culpando antes mesmo de entrar na casa. Isso deve
ser um novo recorde.
— Não. Lembra-se da véspera de Natal há dois anos? Ele
esqueceu o pedaço de manteiga que mamãe pediu para ele
trazer e ele quase atropelou a caixa de correio indo para o
supermercado. Ele nem conseguiu sair do banco do motorista
antes de começar a se culpar.
— Ou quando ele se esqueceu do recital de dança de Nessa.
Achei que ele ia afundar no chão. — Os lábios de Harper se
curvam nas bordas e seu olhar corta para mim. — Você nem o
perdeu. Você só errou a data. Você estava se sentindo culpado
por potencialmente perder alguma coisa.
Elas se dissolvem em um ataque de risos e eu empurro as
duas para dentro da casa. Não é um bom presságio para mim
que a provocação já tenha começado. Eu geralmente posso
contar com Nova para estar do meu lado, mas não esta noite,
aparentemente.
O cheiro de alho e alecrim deslizam pelo corredor da
cozinha enquanto eu tiro minhas botas. Pão fresco e um toque
de mel. Posso ouvir o murmúrio baixo de minha mãe e Nessa
conversando, meu pai se virando para trás em sua cadeira para
enfiar a cabeça no corredor enquanto Nova e Harper me
seguem.
— Você está adotando um pato?
Reviro os olhos e tiro o casaco. Eu penso em voltar para
minha caminhonete e pedir a minha mãe para trazer o jantar
para mim. Ela provavelmente iria. Nova passa a mão em volta
do meu pulso antes que eu possa virar para a porta e me puxa
pelo corredor até a cozinha, me direcionando para a ilha no
centro. Seu aperto é assustadoramente forte para uma pessoa
tão pequena. Ela me segura até meu braço ficar exposto sob a
luz, o punho da minha manga enrolado para que ela possa ver
a tinta que decora cada centímetro da minha pele.
— Posso pegar uma bebida primeiro?
— Não.
Ela não se incomoda em olhar para cima enquanto traça
uma das videiras que começa no meu cotovelo e se enrola no
meu pulso. Ela acrescentou alguns botões de flores cerca de
duas semanas atrás, e eles estão quase totalmente cicatrizados.
— Eles parecem bons — ela me diz, virando meu pulso e
cutucando minha pele com um distanciamento quase clínico.
Ela começou a me tatuar quando tinha dezesseis anos e decidiu
que queria ser artista. Ela foi aprendiz em uma loja na costa,
mas ninguém deixaria um adolescente praticar em sua pele.
Então, eu me ofereci. Cada tatuagem em meus braços é dela,
uma progressão interessante do meu braço esquerdo para o
meu direito. Agora que ela é uma das artistas mais requisitadas
da Costa Leste, ela está revisando seu trabalho, acrescentando
detalhes e limpando velhos erros.
— Eu quero consertar essa — ela me diz, cutucando uma
pequena folha de carvalho na parte interna do meu pulso. As
bordas estão ligeiramente borradas por muita pressão da arma,
uma oscilação nas linhas nítidas. Eu puxo meu braço de seu
aperto e rolo meu punho de volta para baixo.
— Não — Gosto dessa. Foi uma das primeiras que ela fez, e
ela ficou tão orgulhosa quando pressionou aquele lenço frio
sobre minha pele, limpando o excesso de tinta. É uma boa
memória, e não quero mudá-la. — Você pode me assediar sobre
outras mudanças depois da torta.
— E você pode vir dizer olá para sua mãe — minha mãe diz
por cima do ombro, mexendo algo que cheira a canela e mel.
Eu ando até o fogão e dou um beijo na parte de trás de sua
cabeça.
— Oi, mãe. — Pego uma lasca de cenoura assada da panela,
apreciando a crocância e a doçura em resposta.
— Essas são da fazenda? — Eu pergunto. Eu já sei a resposta.
As cenouras são da fazenda, e o pão é de Nessa, e a música é
uma playlist que Harper fez durante o verão, e o delicado
buquê de flores silvestres desenhado nas costas de seu braço é
de Nova. Meu pai cortou a colher que ela está usando, e toda
esta cozinha está cheia até a borda com pedaços da minha
família. O amor entre meus pais e por todos nós, misturado
com tomilho, manteiga e torta, até que toda a tensão que
costumo sentir em uma sala cheia de pessoas está no corredor,
enfiada no bolso do meu casaco. Vou buscá-lo de volta mais
tarde, tenho certeza, mas por enquanto estou resolvido.
Estou em casa.
A comida é servida e a conversa se dissolve em poucos
minutos em uma discussão animada de algum programa de
namoro, o volume das vozes das minhas irmãs e do meu pai
subindo até que todos estão gritando um com o outro.
Quando meu pai sofreu o primeiro acidente, ele ficou
sentado no escuro de seu quarto o dia todo, preso em uma
depressão que foi quase tão incapacitante quanto a queda que
o paralisou da cintura para baixo. Nessa começou a se sentar no
quarto com ele, bem na beira da cama. Ela ligava algum
programa sobre donas de casa se comportando mal e ele fingia
não estar interessado.
Agora eles assistem semanalmente.
Harper olha para mim do outro lado da mesa enquanto
Nessa grita algo sobre chardonnay.
— Você quer seus protetores de ouvido?
Concordo com a cabeça, agradecido por ela ter oferecido e
eu não ter que pedir. Ela abre uma gaveta no armário de
porcelana atrás dela e tira um fofo par de protetores de ouvido
rosa. Eu pensei que Nessa estava tirando sarro de mim quando
ela os comprou para mim três anos atrás, mas ela insistiu que
eles ajudariam.
Sempre tive problemas com barulho. Isso deixa meus dentes
no limite, me faz sentir como se agulhas estivessem espetando
minha pele. Os protetores de ouvido abafam o som sem
eliminá-lo completamente. Ainda posso ouvir o que está
acontecendo ao meu redor sem uma onda esmagadora de
tensão.
E eles nunca deixam de fazer minha mãe sorrir.
Eu os deslizo sobre minha cabeça e meu peito afrouxa um
pouco, capaz de participar agora que o barulho diminuiu.
Nessa tem uma exposição em junho, a maior até agora. E,
aparentemente, Nova está conversando com o irmão de Stella,
Charlie, sobre uma tatuagem de escorpião em sua bunda.
Eu nivelo um olhar para ela.
— Por que você está mandando mensagens para Charlie
sobre a bunda dele?
Nova dá de ombros, despreocupada.
— Eu não estou. Ele está me mandando mensagens sobre
sua bunda.
— Tudo bem. Por que ele está mandando mensagens para
você sobre a bunda dele?
— Porque ele quer um escorpião nela. Não sei.
Harper fica sozinha durante o jantar, estranhamente quieta,
arrumando a comida ao redor e ao redor do prato. Faço uma
nota mental para me aprofundar nisso mais tarde, assim que
meu pai se lançar em sua dramática releitura semanal da
colheita de trigo fracassada de 1976. Coloco uma cenoura no
meu prato e minha mente começa a divagar.
Imagino Evelyn sentada à mesa, na cadeira de espaldar reta
com as flores esculpidas nos braços, bem ao lado de Nessa.
Imagino seu sorriso e sua pele brilhante e a maneira como seu
polegar acaricia seu lábio inferior quando ela está pensando no
que quer dizer, os olhos brilhando com malícia. Será que ela
riria das piadas estúpidas do meu pai? Ela dançaria com Nessa
pela cozinha durante a limpeza? Não consigo parar de imaginá-
la em todos os lugares que estou.
— Beck? Você está bem?
Eu concordo. Eu não tenho ideia do que está acontecendo
na minha cabeça ultimamente. Um monte de bobagem. Eu
preciso dormir mais ou algo assim. Eu coloco um pedaço de
batata na boca.
— Bem — eu digo.
Meu pai me dá um olhar cético e continua a me lançar um
espectro inteiro de olhares preocupados durante o resto do
jantar. Consigo desviar até o final da noite, quando estou cheio
de torta e tentando equilibrar três recipientes de sobras. Eu
coloco minha jaqueta no corredor e ele me encurrala, seus
movimentos estranhamente quietos apesar de sua cadeira de
rodas.
— Beckett.
— Jesus — Meu corpo inteiro tomba para o lado, meu
cotovelo pousando no relógio antigo que minha mãe comprou
quando eu tinha seis anos. Um dos contêineres cai no chão. —
Você precisa de um sino. Você me assustou pra caralho, pai.
— Paralisado ou não, eu sempre ganho de vocês, crianças.
— Ele pega o Tupperware e o equilibra no colo. — Venha, eu
vou te levar até lá fora.
Concordo com a cabeça e ele aperta meu braço uma vez, um
lembrete sem palavras de sua pergunta sobre o jantar. Ele
provavelmente está me acompanhando até o meu carro em um
esforço para me interrogar ainda mais, minha mãe e minhas
irmãs sabendo da futilidade de tentar me fazer falar na mesa de
jantar. Enquanto elas preferem um interrogatório impetuoso,
meu pai tem uma abordagem mais sutil.
Eu o sigo pela varanda da frente e desço a rampa, franzindo
a testa quando noto a maneira como sua cadeira de rodas salta
sobre as tábuas frágeis. Sua mão segura uma das rodas com
firmeza enquanto ele gira. Ele não deveria ter que manobrar seu
caminho para cima e para baixo nesta coisa.
— Vou passar na próxima semana e consertar — digo a ele.
Ele me espia por cima do ombro, seus olhos refletindo a luz
de cima da garagem.
— Consertar o quê?
— A rampa — eu chuto uma tábua que está levantada um
centímetro, espetando na parte de trás de sua cadeira de rodas.
— Está caindo aos pedaços.
— Psh — ele acena com a mão. — É assim porque eu aposto
com sua mãe que eu poderia subir e descer em menos de trinta
segundos. Essa coisa não foi construída para esse tipo de
torque. — Ele me dá uma olhada e solta o aperto nas rodas,
deixando sua cadeira deslizar até o último centímetro da rampa.
Ele desliza para a calçada com um som suave. — Além disso, eu
tenho braços, não tenho?
— Você tem.
— Bom. Então, deixe minha rampa em paz. Me atende bem.
— Ele aperta os olhos para mim, seu rosto contorcido no
mesmo olhar que ele sempre faz quando está tentando resolver
um quebra-cabeça. Sobrancelhas franzidas, nariz franzido, uma
inclinação para baixo em seus lábios. Ele costumava fazer a
mesma cara quando Harper mentia para ele sobre seus planos
para a noite, dançando pela janela e se esgueirando pela estrada
para as festas da fogueira em vez de estudar em seu quarto.
— Você está bem, garoto?
Abro o lado do passageiro da caminhonete e um pequeno
rato de feltro cai na calçada. Metade de mim espera que Cupido
ou Vixen venham rolando atrás dele. De todos os gatos, esses
dois causam mais problemas. Stella os encontrou em um de
seus armários de cozinha há duas semanas, remexendo em uma
caixa de biscoitos.
— Estou bem — digo a ele, colocando o Tupperware no
chão. Enfio o rato no bolso e me inclino contra a caminhonete.
— O que está acontecendo? Tudo bem com você?
Ele acena com a cabeça, engole em seco, e então inclina a
cabeça para trás para olhar para o céu. Eu sigo seu olhar e olho
para cima, meus olhos imediatamente pousando nas Plêiades,
um aglomerado de estrelas em forma de ponto de interrogação.
Tudo está iluminado esta noite, nenhuma nuvem à vista. Claro
o suficiente para que você possa ver a ligeira diferenciação na
cor. Azul pálido. Branco crocante. Amarelo brilhante e
intenso.
— Você não calava a boca sobre as estrelas quando era
criança — meu pai ri, o pescoço ainda erguido para trás e o
rosto virado para cima. Ignoro as estrelas e olho para ele,
observando a maneira como suas mãos se enrolam nos braços
da cadeira. — Você queria ir para aquele acampamento
espacial, você se lembra?
Eu lembro. Vi o comercial e imediatamente comecei a
economizar o dinheiro que ganhava na cidade. Devorei tudo e
qualquer coisa sobre astronautas. Lancei uma campanha
individual para ter uma semana com tema espacial durante as
unidades STEM4 na escola primária e fiz Nova e Nessa
construírem uma nave espacial com latas de lixo velhas no
quintal. Eu queria um daqueles adesivos que eles distribuíram
com “Astronauta Junior” costurado nele. Eu queria comer
sorvete espacial.
Coisas estúpidas. Coisas de criança.
Mas à medida que envelheci, comecei a olhar para o que
tinha que estudar. Peguei livros da biblioteca sobre engenharia,
matemática – maldita ciência biológica. A escola deixou de ser
chata e se tornou um caminho. Um desafio.
Mas nunca cheguei a esse acampamento e nunca fiz uma
única aula de engenharia. Meu pai caiu de uma escada
enquanto consertava algumas telhas na fazenda. Um dos trilhos
tinha dobrado e a escada estava inclinada para a esquerda,
mandando meu pai para o chão de uma queda de quinze
metros. Um acidente bizarro.

4
Acrónimo para "science, technology, engineering and mathematics" que
representa um sistema de aprendizado científico, o qual agrupa disciplinas
educacionais em "ciência, tecnologia, engenharia e matemática".
Eu me lembro exatamente do par de sapatos que eu estava
usando quando minha mãe recebeu a ligação. Converse
vermelho com os dois conjuntos de cadarços desfeitos, metade
do meu pé enquanto eu me sentava à mesa da cozinha e tentava
fazer minha lição de casa de inglês. O telefone tocou duas vezes
e minha mãe atendeu com uma xícara de café na mão, o fone
preso entre o ombro e a orelha. Lembro-me do pequeno
barulho que ela fez. Uma respiração aguda. Um quieto “onde
ele está?”. Vidro quebrado no chão da cozinha.
— Sobre o que é isso, pai?
Ele respira fundo e esfrega as palmas das mãos sobre os
joelhos.
— Eu só… — Ele engole o resto de sua frase e se vira das
estrelas para olhar para mim. — Acho que só quero saber se
você está feliz.
— Claro que estou feliz — eu respondo. Ele me estuda,
procurando a hesitação em minhas palavras. — Por que eu
estaria infeliz?
Adoro trabalhar na Lovelight. Eu amo minha cabana na
beira do terreno e as primeiras manhãs frescas quando sou
apenas eu e minha respiração e o sol rastejando por trás do
horizonte. Céus de algodão doce e as folhas das árvores
farfalhando enquanto os raios do sol os despertam. Gosto da
quietude, do silêncio. Layla em sua padaria, o cheiro de pão
fresco torcendo através dos carvalhos altos. Stella em seu
escritório, papelada em todos os lugares e uma gaveta cheia de
purificadores de ar de pinheiro que ela acha que ninguém sabe
sobre. Sal com cestas enroladas nos braços e Barney no trator.
Cada pessoa que encontra seu caminho até lá, descendo a
estrada de terra estreita e virando a curva. Através dos arcos e
subindo a entrada de cascalho. O grande celeiro vermelho à
beira da estrada e as fileiras e mais fileiras de árvores, esperando
por um lar.
É exatamente onde eu deveria estar. Minhas mãos na terra e
meus pés no chão. Eu nunca duvidei disso por um segundo.
Enraizado.
— Sinto que fiz uma escolha por você, só isso. Você tinha
quinze anos e eu...
Eu me empurro para fora da caminhonete e agarro seu
ombro do jeito que ele sempre agarrou o meu. Eu o sacudo uma
vez.
— Foi minha escolha — digo a ele.
Ele coloca a mão sobre a minha. Aperta bem.
— Você tem certeza?
— Tenho certeza.
Quatro

EVELYN
— DEUS, EVELYN. EU SINTO MUITO.
À beira das lágrimas, Jenny está atrás da pequena
escrivaninha da pousada de Inglewild com um roupão grande
e fofo enrolado em seu corpo magro. Ela estava se arrumando
para fechar essa noite quando parei no meio-fio no meu carro
de aluguel e ela correu para me deixar entrar, roupão e tudo.
— É só que… você fez um trabalho tão bom para nós da
última vez que esteve aqui. Temos tido reservas sólidas desde
então. E há um festival de pipas na praia neste fim de semana
e…
Eu a mandei para um espiral. Ela abre o livro de papel e
vasculha as páginas como se fosse dizer algo diferente do
computador sentado no canto de sua pequena mesa. Ela engole
e olha para mim antes de continuar a virar para frente e para
trás. Já é ruim o suficiente que eu a segurei depois do horário.
Agora estou prestes a dar a ela um colapso nervoso também.
Eu me aproximo e pego sua mão na minha, evitando que
seus dedos rasguem as páginas do livro.
— Jenny. Está tudo bem.
Não é como se eu tivesse reservado essa viagem com
antecedência. Ou colocado qualquer pensamento nisso além
de…
Eu estava feliz em pé naquele campo com minhas botas
afundando na lama e talvez eu devesse voltar e ver se consigo
encontrar minha felicidade novamente.
Uma ideia estúpida. Uma caprichosa. Uma que parecia
brilhante depois de seis empanadas e Josie socando a mesa
enquanto eu reservava minha passagem. Eu puxo minha mão
para trás e puxo meu cabelo em um rabo de cavalo. Eu me sinto
gordurosa e nojenta da viagem de avião, minha camisa grudada
nas minhas costas. Eu olho para o livro tristemente. Droga. Eu
estava ansiosa para um longo banho nas banheiras gigantes que
Jenny tem em todas as suítes.
— Está tudo bem — repito, e tento me convencer do
mesmo. Vou encontrar outro lugar para ficar. Sem problemas.
— Você pode recomendar outro lugar por perto?
Jenny engole em seco e olha para a mesa. Ela murmura
alguma coisa, com as mãos apertadas nas bordas do livro.
— O que foi?
Ela exala.
— Com o festival de pipas — ela começa devagar. — Tudo
está reservado. Eu nem tenho certeza se os maiores hotéis da
cadeia na praia terão alguma coisa disponível.
Merda. Bem. OK. Eu não sabia que as pessoas gostavam
tanto de pipas, mas tudo bem. Isso é o que eu ganho pela minha
impulsividade, eu acho. Eu não deveria ter entrado em um
avião sem fazer algumas reservas primeiro. Nem liguei para
Stella para saber se é uma boa hora para eu visitar a fazenda.
Mas eu me conheço. Eu sei que se eu demorasse um dia, eu
teria me convencido a desistir. Eu teria encontrado outra coisa
com que me ocupar – um novo projeto, uma nova tarefa – e
em uma semana, um mês, um ano, provavelmente ainda estaria
presa na mesma rotina, nesse ciclo interminável de
ambivalência entorpecida.
Eu franzo a testa e olho para fora de uma das grandes janelas
que dão para a Main Street, as luzes da rua envoltas em videiras
verdes vibrantes com flores começando a espreitar em
desabrochar. Mabel, a mulher deslumbrante e um pouco
aterrorizante que administra a vegetação, deve tê-las colocado
para dar as boas-vindas à primavera. A última vez que estive
aqui, havia guirlandas penduradas em todas as portas da frente,
guirlandas e luzes penduradas ordenadamente de poste a poste
– uma fileira de casinhas de gengibre perfeitas envoltas em
enfeites e luzes, guiando você até a Lovelight Farms nos limites
da cidade.
Estou feliz que as pessoas estão finalmente descobrindo esta
joia de cidade. Eu só queria que não fosse quando eu precisava
também.
— Alguma outra ideia de onde eu poderia ficar?
Talvez eu verifique as listagens locais amanhã de manhã e
veja se alguém tem um espaço que está disposto a alugar. Não
tenho ideia de quanto tempo pretendo ficar aqui, mas sei que
essa parece ser minha melhor chance de voltar a mim mesma.
De descobrir o que está errado.
O rosto de Jenny se ilumina pela primeira vez desde que ela
desceu os degraus da frente em um par de chinelos azuis
brilhantes.
— Oh! Eu poderia usar a árvore telefônica. — Seu rosto
desmorona em uma carranca quase tão rapidamente. — Droga.
Mas não podemos usá-lo depois das sete, a menos que seja uma
verdadeira emergência.
— Vocês têm uma árvore telefônica?
Ela acena com a mão acima dela, como se estivesse
chamando os espíritos para explicar o misticismo de tudo.
— É como nos comunicamos pela cidade quando há
notícias. Eu poderia usá-la para descobrir se alguém tem um
lugar para você ficar.
— Mas você não pode usá-la depois das sete?
Ela balança a cabeça tristemente.
— Tem acontecido um… abuso do sistema ultimamente.
Gus fez uma ligação para toda a cidade na terça-feira passada,
às 22h, para perguntar se alguém tinha tortilhas extras de sobra
para a noite do taco no quartel. O xerife quase dissolveu todo o
sistema. Foi apenas por Caleb entrar com a regra do toque de
recolher que a árvore telefônica foi recuperada.
— Ah, graças a Deus. — Pela gravidade de seu tom, parece
ser a resposta certa.
Ela acena.
— Vou usá-la de manhã, fazer algumas pesquisas para você.
Enquanto isso, acho que você pode encontrar algum quarto
vago em Lovelight Farms — Eu não tenho certeza, mas parece
que um sorriso se curva na borda de seus lábios. Um olhar
pensativo tricota suas sobrancelhas. — Costumava ser um
retiro de caça, eu acho.
Lembro-me de Stella dizendo algo sobre isso na última vez
que estive na cidade. Também me lembro de sua casinha na
beira do canteiro de abóboras, cheia até a borda com várias
quinquilharias. Em um ponto, Luka estava em sua cozinha
com os braços estendidos. Ele podia tocar uma das janelas e o
corredor de entrada ao mesmo tempo. Não quero aparecer na
porta dela no meio da noite e perguntar se posso dormir lá.
Especialmente se ela já tem Luka lá.
— Obrigada por isso — eu digo. Não tenho absolutamente
nenhuma intenção de dirigir até Lovelight esta noite. Não até
que eu tenha um banho, uma nova camada de batom e uma
conversa séria. Eu não estou ansiosa para ver Beckett
novamente, eu só...
Não quero que ele me veja e pense que estou... que estou
pedindo alguma coisa. Eu não vim aqui por ele.
Eu vim aqui pelos campos dele. Eu quero sentar na grama
alta e olhar para o céu e tentar encontrar o lugar dentro de mim
que está trancado ou enferrujado ou o que quer que esteja
acontecendo comigo ultimamente. Eu quero me consertar.
Estou cansada de me sentir assim.
Eu vim aqui para uma pausa. Eu quero sentar no silêncio e
não fazer nada. Tenho dezessete e-mails na minha caixa de
entrada de antes de eu sair – cortesia da Sway – e não olhei
nenhum. A ansiedade me agarra pela garganta toda vez que vejo
o pequeno número vermelho na minha tela. Desliguei meu
telefone na terceira vez que o peguei e o enterrei no fundo da
minha bolsa. Talvez eu consiga um telefone descartável
enquanto estiver aqui. Realmente me inclino para a coisa toda
de fora do radar.
Agradeço a Jenny por seu tempo e lhe asseguro mais quatro
vezes que está tudo bem antes de sair pela porta da frente e
descer os degraus de mármore para o meu carro de aluguel
estacionado no meio-fio. Uma rajada de vento levanta meu
rabo de cavalo e a barra do meu casaco, trazendo consigo notas
de madressilva e jasmim das flores torcidas ao redor do poste de
luz. Eu olho para o banco de trás enquanto estou na porta do
lado do motorista.
Já dormi no meu carro antes – em viagens longas e de última
hora. Certa vez, quando eu estava dirigindo pelo Colorado,
meu carro alugado morreu nas altitudes mais altas e eu tive que
empurrá-lo até a metade da estrada e esperar até de manhã
quando era seguro que um reboque viesse me pegar. Eu tinha
dormido bem no banco de trás, apenas um pouco apavorada de
que um urso viesse cambaleando pelo pára-brisa.
Vou ter que encontrar um lugar um pouco privado. Em
algum lugar que Jenny não vai me ver. Ou o xerife. Ou
qualquer um que pudesse ligar para o xerife. Eu não quero
exatamente começar minha viagem aqui com a fofoca da cidade
rolando sobre Evelyn St. James dormindo no banco de trás de
seu carro.
Também não quero que uma foto minha se torne viral,
enrolada no banco de trás e usando meu suéter como cobertor.
Eu mordo meu lábio inferior. Talvez não seja uma grande
ideia, afinal.
Ainda estou debatendo minhas escolhas quando ouço
passos na calçada do outro lado da rua. Eu olho para cima no
mesmo momento em que Beckett olha para o outro lado, e é
exatamente como naquela noite no bar, quando ele abriu
caminho através da porta da frente e olhou diretamente para
mim, aqueles malditos olhos dele varrendo meu rosto e
descendo pelos meus ombros. Um olhar como um toque, a
ponta de um dedo na cavidade da minha garganta.
Ele está congelado do outro lado da rua, metade no meio-fio
e metade fora. Jaqueta de veludo. Flanela aberta por baixo.
Jeans escuros e botas pesadas. Ele tem uma caixa da padaria da
Sra. Beatrice na mão esquerda, branca com um pedaço fino de
barbante em um lindo laço no topo. Concentro-me lá em vez
de seu rosto, e vejo como sua mão aperta a caixa.
Eu poderia rir. Ele se parece com todas as coisas decadentes
que eu já me entreguei. Flanela e barba e uma caixa de bolos na
mão.
Faz sentido que eu tenha encontrado ele assim – uma rua
abandonada só com nós e as pétalas de flores, minhas costas
quebrando sob a tensão de toda a minha exaustão. É assim com
Beckett e eu, estou começando a entender. Continuamos
colidindo um no outro.
— Não conte a Layla — é a primeira coisa que ele me diz.
Sua voz é um estrondo baixo, tão áspero quanto eu me lembro.
Eu mordo meu lábio contra um sorriso e seus olhos rolam para
o céu como se ele estivesse frustrado consigo mesmo antes de
incliná-los de volta para mim. Ele pisa o resto do caminho para
fora do meio-fio e atravessa a rua.
Olho para a caixa em sua mão.
— Só se você compartilhar.
Ele bufa e aperta a caixa com mais força.
— Eu acho que não.
— Você não está em posição de negociar.
— Veremos.
Fico na ponta dos pés e tento dar uma olhada através do
plástico fino em cima.
— O que a Sra. Beatrice faz melhor do que Layla, afinal?
Ele parece extremamente desconfortável por ser pego. Ou
talvez seja apenas a surpresa de ver seu caso de uma noite
aparecer de repente, de novo, no lugar em que mora. Eu
estremeço.
— Desculpe, não importa. — Eu esfrego a dor de cabeça que
está começando a se formar entre minhas sobrancelhas. —
Ouça, eu deveria ter…
— Biscoitos amanteigados — ele me diz. Ele para a cerca de
um metro de distância de mim e estuda meu carro de aluguel.
Seus olhos disparam de cima do meu ombro para a cama e café
da manhã, e depois voltam para o carro. Ele se concentra em
mim com aquela intensidade singular que ele sempre parece
carregar, seja lambendo uma linha de sal do meu pulso ou
trocando o pneu de um trator.
Eu engulo em seco. Nenhuma dessas imagens ajuda com o
pulso agudo de calor na minha barriga, uma única batida forte.
Beckett parece bem.
Ele sempre pareceu bem.
— Ela os faz para mim desde que eu era criança. Layla não
chega nem perto. — Seus olhos se estreitam em fendas. — Se
você disser a ela que eu disse isso, eu vou negar.
Dou-lhe um aceno solene enquanto luto contra meu
sorriso.
— Tudo bem.
Ele concorda.
— Bom. — Ele considera meu carro novamente. Eu me
pergunto se Jenny está assistindo de trás de sua mesa e se isso
constitui uma emergência na árvore telefônica. Eu vi como esta
cidade lidou com Stella e Luka juntos. Aposto que este carro
alugado foi objeto de várias discussões sobre a árvore telefônica.
Beckett bate seus dedos uma vez contra a porta traseira do
carro. — Você está na cidade?
Eu concordo.
— Sim.
— Stella não me disse que você viria.
— Teria sido difícil para ela — eu digo baixinho. Lá se vai
chegar com calma. — Desde que eu não sabia que viria até esta
manhã.
— Você tem alguma coisa por perto?
Por alguma coisa, suponho que ele se refira a um perfil ou
destaque de pequena empresa. Eu não tenho, e não quero
especialmente entrar em meus problemas recentes aqui na rua.
Eu certamente não quero entrar neles com Beckett, de todas as
pessoas. Ele já acha que meu trabalho é estúpido, e eu não quero
que ele pense que eu vim aqui como uma desculpa elaborada
para vê-lo.
Eu não vim.
Eu balanço minha cabeça e esfrego minhas mãos na parte
externa dos meus braços, desejando ter trazido uma jaqueta que
fosse um pouco mais grossa. Esqueci que março na Costa Leste
está apenas começando a sair do inverno, as manhãs e noites
ainda carregando um sussurro dele. Eu puxo meu casaco de lã
fino um pouco mais apertado em volta de mim e balanço para
trás em meus calcanhares. Os olhos de Beckett se estreitam, mas
ele não diz nada, a caixa em sua mão rangendo em protesto pela
forma como ele a está segurando.
— Você precisa de ajuda com suas malas?
— O quê?
— Suas malas — diz ele novamente, acenando para a
pousada. — Você precisa de ajuda para levá-las?
— Oh, não. Hum — se Jenny está assistindo agora, ela está
tendo uma aula de mestre em interações desajeitadas e
desconfortáveis. Eu coloco meu polegar sobre meu ombro. —
Jenny está cheia para a noite. Aparentemente, há um festival de
pipas na praia.
A testa de Beckett se enruga em uma linha pesada de
confusão.
— Festival de pipas? Eles têm festivais para pipas?
Eu ri. Eu pensei exatamente a mesma coisa.
— Sim, aparentemente.
— Então, o que você vai fazer?
— O quê?
Ele lança outra respiração profunda para o céu, sua exalação
uma nuvem branca que o vento leva embora. Estou cansando
ele.
— Você vai ficar na praia? — Inglewild fica a cerca de 25
minutos de carro da costa, um longo trecho de estrada entre
aqui e ali. Mais terras agrícolas, algumas compras de outlet e
uma barraca de cremes com os quais tive vários sonhos
recorrentes.
— Eu estava… — Não posso dizer a ele que planejei dormir
no meu carro no beco atrás do café. Procuro uma explicação
alternativa e apropriada do meu plano. Um plano que não
existe. — Eu ia dar um jeito.
Ele me considera em silêncio. Ainda não consigo entender
como ele é diferente aqui em comparação com o homem que
conheci no Maine. Ele era solto e confortável, quieto, mas
charmoso. Seus sorrisos eram fáceis e frequentes. Aqui, agora,
parado a um metro de distância perfeito na calçada, as luzes da
rua e a lua o pintam em sombras. Ele parece rígido – congelado
e desconfortável. Ele tem uma carranca em cada linha de seu
rosto, desde o conjunto de suas sobrancelhas até a inclinação
para baixo de seus lábios carnudos.
Eu me pergunto o quanto disso é minha culpa.
— Você não tem um plano.
Meu queixo cai no meu peito e mantenho meu olhar em
suas botas. Ele tem um pouco de lama grudada em uma, bem
no dedo do pé. Penso nele nos campos, chapéu virado para trás
e mangas arregaçadas até os cotovelos. Isso solta algo dentro de
mim e me permite ser um pouco honesta. Eu pressiono um
suspiro.
— Esta viagem não foi... planejada. Eu vim aqui por
capricho. Josie, minha assistente, ela me perguntou o último
lugar em que eu fui feliz e, não sei. — Eu dou de ombros,
sentindo-me boba e pequena, aqui na rua com um homem que
provavelmente nunca voltou a pensar em mim.
— Foi aqui — ele oferece.
Não é uma pergunta. Eu pisco para ele e meus ombros
escorregam das minhas orelhas quando vejo a forma como seu
rosto se suavizou, uma leveza naqueles olhos de vidro marinho
que eu não vejo desde que havia uma garrafa de tequila na mesa.
— Foi aqui — eu confirmo.
Seus lábios se inclinam para cima no canto. Só um
pouquinho. Eu não teria notado se não estivéssemos logo
abaixo de um poste de luz. Eu inclino minha cabeça com a
mudança em sua expressão, imediatamente curiosa.
— O que é esse olhar?
Ele balança a cabeça e troca sua caixa de biscoitos
amanteigados para a mão direita.
— Nada, apenas algo que meu pai disse esta noite. — Ele
estende a mão, palma para cima. — Vamos lá.
Eu olho para a mão dele como se ele tivesse desenrolado os
dedos e revelasse uma pequena cobra bebê lá.
— Vamos lá, o quê?
Ele sacode a cabeça para trás e mal consigo distinguir a
carroceria de sua caminhonete estacionada na esquina.
— Eu tenho três quartos extras. Você pode ficar em um até
descobrir o que está fazendo.
Isso parece uma... monumentalmente má ideia. A última
vez que estive aqui, mal podíamos olhar um para o outro. Acho
que a maior quantidade de tempo que passamos juntos – só nós
dois – foi naquela manhã na padaria onde ele contou aquela
piada idiota sobre os campos de morango. Não conversamos
muito além disso. Ele comentou sobre o clima. Fiz-lhe algumas
perguntas sobre as árvores. Ele me considerou em silêncio
enquanto comia lentamente seu pão de abobrinha, virando o
garfo e me oferecendo uma mordida, empurrando o prato
sobre a mesa com as costas da mão.
Foram provavelmente vinte minutos de coexistência
pacífica. Não tenho certeza de que morar juntos no futuro
imediato seja bom para qualquer um de nós.
— Eu não sei — eu me mexo em meus pés e me enrolo ainda
mais quando o vento aumenta novamente. A carranca de
Beckett se aprofunda. — Isso não vai ser estranho?
— Não tem que ser — ele murmura. — É uma cabana
grande. E nós dois somos adultos maduros.
Eu levanto as duas sobrancelhas para ele, lembrando como
ele apareceu naquela mesma pousada alguns meses atrás e
basicamente me acusou de ser uma medrosa com um trabalho
estúpido. Ele se encolhe e esfrega a mão na nuca.
— Pelo menos, eu acho que nós dois podemos ser adultos
maduros — ele emenda.
Eu dou uma risada pelo nariz, mas não faço nenhum
movimento para pegar sua mão. Depois de outro momento de
indecisão, ele a puxa de volta, enrolando os dedos longos de
volta ao redor das bordas da caixa. O papelão cede um pouco
sob seu aperto, como se mal estivesse se segurando. Essa pobre
caixa.
— Podemos começar de novo, se você quiser — ele oferece.
Ele engole, e eu vejo como a frustração aperta tudo em seu
rosto, a tensão em sua mandíbula afiada, a inclinação de seus
lábios. Ele é realmente bonito, mesmo quando está fazendo
uma careta para mim como se alguém tivesse enfiado um limão
em sua boca. — Nós poderíamos– se você quisesse, poderíamos
fingir que esta é a primeira vez que nos encontramos.
— E você está me convidando de volta para sua casa em um
trecho isolado de terras agrícolas? Ok, assassino em série.
Um sorriso se contorce em seus lábios.
— Sim, você provavelmente está certa.
Sem mencionar que não tenho certeza se conseguiria
esquecer Beckett se tentasse. Não há fingimento entre nós, não
mais.
Eu desvio meu olhar de volta para as trepadeiras de flores
torcidas ao redor do poste de luz. Verde e branco e amarelo e o
roxo mais pálido que eu já vi. Quero tocar cada flor e sentir a
suavidade, pressionar o nariz nas pétalas. Quando eu era criança
correndo pela floresta atrás da casa dos meus pais, eu costumava
colher flores de madressilva dos arbustos, arrancar o caule e
lamber o néctar. Pura doçura pegajosa, pétalas no meu cabelo.
Lama em meus joelhos e mãos e em todos os lugares entre eles.
Seria conveniente ficar na fazenda. Eu sei que a casa de
Beckett no limite da propriedade é maior que a de Stella. Eu a
vi uma vez enquanto estava explorando durante minha última
viagem. A grande chaminé de pedra, o alpendre envolvente. É
uma casa linda. Stella disse que seu lugar tinha sido o
alojamento de qualquer retiro de caça que Lovelight costumava
ser. Eu poderia ficar em um de seus quartos vagos esta noite e
ver o que a árvore telefônica dá amanhã.
Com a agenda dele, provavelmente nem nos veríamos.
Eu olho de volta para Beckett, meu olhar se prendendo na
saliência de sua clavícula, quase invisível através da abertura de
sua camisa. Lembro-me de afundar meus dentes exatamente
naquele local, traçando meu polegar sobre as marcas que deixei
para trás.
Eu arrasto meus olhos de volta para os dele.
— Tem certeza que está tudo bem?
Uma batida de silêncio pulsa entre nós. Ele não desvia o
olhar.
— Por mim, está. Você?
Eu penso sobre isso por um segundo, e então lentamente
aceno com a cabeça. Parece uma má ideia, mas estou sem
opções.
O vento assobia através da velha cerca de estacas que ladeia
os jardins à beira da estrada. Uma mecha de cabelo cai sobre sua
testa e ele a alisa para trás com a palma da mão. Olho para a caixa
em sua mão.
— Você vai compartilhar os biscoitos?
Ele gira nos calcanhares e segue em direção a sua
caminhonete.
— Absolutamente não.
Cinco

BECKETT
EU PERDI minha maldita mente.
Não há outra explicação para isso.
Eu não a vi quando saí pela entrada dos fundos do café, uma
caixa de biscoitos debaixo do braço e minha mente ainda na
garagem dos meus pais. Meu pai não fala sobre seu acidente há
quase dez anos. Certamente não o que aconteceu depois. Eu
estava tão envolvido tentando desembaraçar aquele nó em
particular, que não a notei até que eu estava saindo do meio-
fio, voltando para minha caminhonete na rua.
Foi seu cabelo primeiro, o vento levantando e balançando
sobre seu ombro. Preto azeviche e ondulado nas pontas,
roçando a pele negra lisa. O corte afiado de suas maçãs do rosto
e a ondulação suave de seu lábio inferior preso entre os dentes
enquanto ela olhava para um buraco na lateral do carro
desconhecido.
Vê-la parada ali com um casaco muito fino, um segundo
tímido de tremer para fora de suas botas, foi como agarrar um
fio exposto. Fiz isso uma vez, quando estava substituindo as
lâmpadas que serpenteiam pelos campos da fazenda. Ele passou
direto pelo meu braço, uma onda afiada e brilhante.
Levei um segundo para recuperar o fôlego.
— Você é um completo idiota, Beckett Porter. — Enfio
outro biscoito na boca com um bufo e vejo os faróis atrás de
mim subindo e descendo enquanto entramos na fazenda. A
manteiga e o açúcar não estão fazendo absolutamente nada
para mim. Olho pela janela do lado do passageiro enquanto
passo pela casa de Stella na beira do canteiro de abóboras,
aliviado quando vejo que suas janelas estão escuras. A última
coisa que preciso é Stella e Luka com um par de binóculos,
irritando a árvore telefônica.
Finja que esta é a primeira vez que nos encontramos. Que
coisa idiota de se dizer. Como se eu pudesse esquecer o jeito que
ela parecia emaranhada nos lençóis. Um sorriso que tinha gosto
de limão e sal.
Meu pé beira o acelerador e eu resmungo. Estúpido. Não
faço ideia de por que convidei Evelyn – a mesma mulher que
me deixou sem dizer uma palavra em um quarto de hotel – para
ficar indefinidamente. Minha casa é grande, claro, mas não tão
grande.
Desço a sinuosa estrada de terra que leva à minha cabana, o
caminho marcado por lanternas solares bruxuleantes. Instalei-
as no mês passado, quando Luka se perdeu tentando atravessar
os campos da minha casa para a de Stella depois de muitas
cervejas. Stella ligou meia hora depois que ele saiu,
perguntando para onde ele foi. Encontrei-o vagando pelos
campos do sudeste perto das cenouras.
Entro na garagem e desligo o motor, observando três
cabecinhas peludas aparecerem na janela, uma após a outra. Eu
não posso deixar de sorrir apesar da tensão torcendo meu
pescoço. É bom ter algo para voltar para casa, mesmo que eles
destruam meus móveis.
Evelyn está ocupada lutando com uma mochila enorme no
banco de trás de seu carro enquanto eu desço da caminhonete.
— Você precisa de ajuda?
Ela balança a cabeça e pega uma mala com rodinhas
também. Eu tento não me demorar muito no assunto. Se ela
quiser ter um pouco de ambiguidade sobre o que está fazendo
aqui e por quanto tempo, tudo bem. Sinto que tenho pelo
menos uma pessoa na minha vida retendo informações a
qualquer momento. O que é outra?
Três gatos disputam minha atenção assim que abro a porta
e os coloco em meus braços, deixando-os rastejar até minha
jaqueta para se acomodarem em meus ombros. Eles ainda são
pequenos, não crescendo muito desde que os encontramos
enrolados no canto do celeiro. Cometa, Cupido, Vixen. Foi um
pouco exagerado quando eu os nomeei, mas parecia
apropriado para uma família de gatos que vive em uma fazenda
de árvores de Natal. Olho ao redor da sala de estar aberta e
localizo Prancer esticada na frente da lareira, com a cabeça
apoiada na pedra. Ela abre um olho e preguiçosamente bate a
pata no ar, o mais entusiasmado que eu já recebi dela. É bom
ver que ela encontrou o caminho de volta após o passeio de
trator desta manhã.
A porta se fecha atrás de mim, e vejo Evelyn colocar suas
malas na porta, entrando hesitante no espaço. Todos os quatro
gatos param o que estão fazendo e olham para ela como se ela
tivesse jogado um punhado de sua ração no ar como confete.
Ela pisca, seus olhos escuros arregalados.
— Isso é… — ela olha ao redor da sala. Um sorriso afrouxa
cada pedacinho de seu corpo quando Prancer decide que não é
uma ameaça, faz um alongamento de corpo inteiro e
imediatamente volta a dormir. Ela olha para mim. — Isso não
é o que eu esperava.
Me sentindo envergonhado, olho ao redor do espaço e tento
ver o que tem de inesperado nele. É bastante simples em termos
de móveis e decoração. Sofás grandes e enormes de segunda
mão, gastos e amados, um par de cobertores jogados nas costas.
Os gatinhos passaram por uma fase de garras e eu prefiro não
ter o recheio derramando sobre mim toda vez que me sento.
Um tapete vermelho escuro por baixo para manter o chão
aquecido no inverno. Prateleiras de cada lado da lareira,
empilhadas ao acaso com livros. Uma tela gigante no meio –
um campo de flores silvestres pintadas por Nova, vermelho e
amarelo e rosa pálido, bem pálido.
Minha caneca de café desta manhã ainda está na beirada da
mesa e eu a pego no caminho para a cozinha, colocando as
sobras do jantar na geladeira.
— Você quer algo para comer?
Eu mal pego seu suave não em resposta, seus pés a levando
até uma das grandes janelas que dão para os campos. De manhã,
a luz do sol preenche todo esse espaço até que esteja prestes a
explodir, as colinas se estendendo atrás da casa em uma colcha
de retalhos de verde e dourado. Neste momento, a escuridão
cobre tudo além da varanda de madeira. Em vez de fileiras e
fileiras de árvores verdes robustas, só vejo o reflexo de Evelyn.
Pontas dos dedos em seus lábios e maçãs do rosto salientes.
Grandes olhos castanhos. Eu encaro um segundo longo
demais, algo arranhando minha garganta.
Eu engulo em torno disso.
— Vou te mostrar seu quarto. — Fecho a porta da geladeira
e coleto todos os pedaços espalhados de mim mesmo. É uma
noite, talvez, e então ela estará em seu caminho. Partindo para
a próxima aventura, a próxima coisa excitante. Eu sou um
ponto de parada. Eu sou apenas um ponto de parada. Um que
ela nunca quis ter.
Eu preciso me lembrar disso.
Saio da cozinha e desço o corredor que leva aos quartos. A
casa é toda em um nível, o andar de cima é um espaço de
armazenamento gigante e não reformado com tábuas antigas
que rangem sob a menor pressão. Nessa o usa para ensaios de
dança às vezes, quando seu estúdio habitual está alugado ou
ocupado. Eu pensei que ela ia subir no teto da última vez que
ela esteve aqui, o suave tamborilar de seus pés interrompido por
tremores estrondosos enquanto ela praticava salto após salto.
Os gatos não ficaram entusiasmados.
Abro a porta do primeiro quarto à esquerda e acendo a luz
com o cotovelo, agarrando Cometa de seu lugar no meu
pescoço apenas para fazer algo com minhas mãos. Esfrego a
cabeça dela com os nós dos dedos e enfio a cabeça na banheira
anexada para ter certeza de que Nova ou Harper não deixaram
um monte de toalhas molhadas amontoadas no canto. Todos
os quartos têm um banheiro anexo. É um resquício, eu acho,
de quando esta casa enorme costumava ser um alojamento.
Não é à toa que saiu do mercado. As únicas coisas que vi
para caçar por aqui foram alguns esquilos e um veado rebelde.
Uma raposa que Stella chama de Guinevere.
— Você está administrando uma pousada à parte?
Evelyn cai na cama com um pequeno suspiro feliz, e eu
imediatamente viro meu olhar para o baú cheio de lençóis e
cobertores extras ao pé da cama.
— Alguns dias parece que sim — murmuro. Se uma das
minhas irmãs não está aqui dormindo em um quarto vago, é
Layla, trabalhando até tarde na padaria e muito cansada para
dirigir sozinha para casa. Ou Luka, dizendo que precisa de
tempo de caras e fingindo que vai ficar a noite inteira em vez de
voltar para a Stella antes da meia-noite. Ou Charlie, meio-irmão
de Stella, roncando tão alto que as vigas tremem com ele.
— Os cobertores estão no baú — digo a ela. Agarro Vixen
pela nuca, onde ela está bravamente tentando subir no topo da
minha cabeça. Cupido salta de mim para a cama e amassa suas
patinhas rosa no travesseiro. Evelyn estende a mão e acaricia as
costas do gatinho. — Toalhas extras no banheiro. Você é bem-
vinda a qualquer coisa que encontrar.
Sinto-me estranho, desconfortável, expulso de órbita e me
debatendo para encontrar o caminho de volta. Eu limpo minha
garganta duas vezes.
— Vou acordar cedo, mas se sirva do que precisar.
— Eu não ficarei no seu espaço por muito tempo — diz ela
calmamente. — Jenny deve ligar para a árvore telefônica
amanhã. Encontrar um lugar para eu ficar.
Isso vai ser muito bom. A árvore telefônica é facilmente a
coisa mais inútil nesta cidade. Ignoro a reviravolta no meu
estômago e a pontada de protesto que surge em resposta. Estou
confuso com a reação. Não tenho motivos para querer que ela
fique mais tempo do que precisa, mas sempre estive um pouco
fora de mim no que diz respeito a Evelyn.
— Tudo bem — é com que eu me contento, pegando os
gatos em meus braços e me virando para sair. Tenho medo do
que farei se ficar neste quarto mais um segundo. Se eu desse
dois passos para frente, meus joelhos iriam bater nos dela. Eu
poderia colocar minha mão ao lado de seu quadril e me inclinar
sobre ela, prendê-la no colchão com meus quadris. Ela não é
nada além de tentação espalhada na cama assim, varrida pelo
vento e quente.
Eu escolhi este quarto por um motivo. É o mais distante do
meu, do lado oposto da casa.
— Beckett?
Eu olho para cima de onde eu estava tentando desembaraçar
as garras de Vixen do punho da minha manga e me concentro
em Evelyn, sentada em uma fatia de luar que filtra pela janela.
Ela parece cansada, o cabelo começando a escorregar do rabo
de cavalo, a camiseta branca de botão enrugada pela viagem,
uma das mangas meio enrolada e a outra presa no cotovelo. Ela
está deliciosamente desfeita, um pouco borrada nas bordas, e
eu só quero a bagunçar um pouco mais.
Ela olha para mim, e eu empurro o desejo para longe.
— Obrigada — diz ela, a voz sussurrando suave.
Eu respiro fundo pelo nariz.
— Não tem problema.
Não terá. Ela ficará aqui, encontrará o que precisa e seguirá
seu caminho. Vai ficar tudo bem.
Eu vou ficar bem.
Seis

BECKETT
O AMANHECER TRAZ consigo uma dor de cabeça latejante e
uma nuvem de tempestade de mau presságio. Retiro o que disse
ontem à noite.
Isso é um problema.
Eu não estou bem.
Eu não dormi nada. Acordei com um solavanco a cada
ranger da tábua do piso, cada arranhão de um galho de árvore
contra a janela, cada som que a casa fazia quando se acomodava
ao meu redor. Quando finalmente adormeci, tive sonhos com
Evelyn parada na frente daquela janela na sala de estar, o luar
em sua pele nua, aquelas covinhas na base de sua espinha me
tentando. Sonhei com minhas mãos acariciando seus quadris e
meus lábios subindo pela coluna de seu pescoço.
Eu acordo frustrado, desejo martelando minha corrente
sanguínea. Eu gemo e me arrasto para fora da cama e me forço
a tomar o banho mais frio que consigo. A última coisa que
Evelyn precisa é que eu pense nela assim enquanto ela está
trabalhando em algo.
Eu amaldiçoo enquanto coloco meu jeans. De alguma
forma, consigo dar uma topada na beirada da cômoda e na mesa
do corredor. Eu queimo minha mão na cafeteira e caio nos dois
últimos degraus da varanda quando estou saindo de casa.
A mulher me fez uma maldita bagunça.
Ela disse que esta viagem não foi planejada e eu não tenho
ideia do que isso significa em termos de quanto tempo ela vai
ficar, ou o que ela está planejando fazer agora que está aqui. Ela
disse algo sobre... algo sobre lembrar como ser feliz, seus lábios
virados para baixo nos cantos, seus olhos em algum lugar no
chão perto de nossas botas. Era como se ela estivesse
envergonhada com isso, sua voz sendo levada pelo vento e se
afastando de nós dois.
Ela não era feliz? É difícil imaginar Evelyn sentindo outra
coisa além de alegria absoluta. Cheia até a borda com a porra do
sol e borboletas. A última vez que ela esteve aqui, ela tinha um
sorriso permanente no rosto, sua risada alta e brilhante
enquanto deslizava por entre as árvores. Mas essa é a coisa sobre
a felicidade, eu acho. Você pode mostrar o que quiser ao
mundo e não sentir nada disso dentro de você.
— Mas eu não sou o novato mais.
— Você está trabalhando aqui há dois dias.
Vozes ecoam pela borda do celeiro, um resmungo baixo em
resposta antes de um suspiro pesado de exasperação. Viro a
esquina no momento em que Jeremy passa a mão pelo cabelo,
o quadril encostado na lateral do trator. Estou feliz em ver que
ele está usando botas hoje, mesmo que pareçam algo saído de
uma revista.
— Beckett disse que o novato pega as pedras. Eu não sou
mais o novato.
— Um dia de trabalho na fazenda não remove o título de
novato. — Dou-lhe uma palmada no ombro e ele salta cerca de
três metros no ar. — Você é o novato até que outra pessoa
apareça. — Eu lhe entrego a pá e ele geme. — Não há muito o
que fazer hoje.
Barney ri e passa as duas mãos sobre sua cabeça careca.
— Há muito o que fazer hoje. O jovem figurão aqui não vai
conseguir cavar por merda nenhuma.
— Esses braços foram feitos para o amor, baby. Não para o
trabalho.
Barney e eu trocamos um olhar. Eu mordo o interior da
minha bochecha com tanta força que quase sangra.
— Bom saber. — Pego outra das pás e aceno para os campos.
— Vamos lá. Vou te ajudar.
Um pouco de trabalho físico irracional será bom para mim.
O motor do trator liga e eu pego um flash de branco saltando
pelo campo em nossa direção enquanto Prancer se acomoda em
seu lugar no trator, um olhar velado de desgosto lançado em
minha direção. Ela não veio ao seu lugar habitual na minha
cama na noite passada, provavelmente ocupada esculpindo
ameaças de morte no estofamento do meu sofá por ousar trazer
outra mulher para sua casa.
Barney esfrega a cabeça e partimos. O trabalho é lento,
especialmente com Jeremy cavando na velocidade de um
pequeno passarinho, os braços flácidos ao lado do corpo e a
pegada errada. Reviro os olhos e me perco no trabalho, minha
mente vagando a cada movimento repetitivo.
Empurrar. Escavar. Jogar fora. Ela dormiu ontem à noite?
Empurrar. Escavar. Jogar fora. Eu a acordei esta manhã quando
eu tateei minha caneca de café desajeitadamente através da
cozinha? Empurrar. Escavar. Jogar fora. Quanto tempo ela vai
ficar? Empurrar. Escavar. Jogar fora. Por que ela não está feliz?
Empurrar. Escavar. Jogar fora. Como posso ajudar?
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
Ela quer que eu ajude?
Harper chama isso de meu complexo de herói. Ela diz que
eu resolvo os problemas de outras pessoas para evitar os meus e
ela provavelmente está certa sobre isso. Não gosto de ver
ninguém com dificuldades.
Eu particularmente não gosto do olhar que vi no rosto de
Evelyn na noite passada, a dúvida misturada com hesitação.
— Tudo bem, chefe — Barney está me dando um olhar
preocupado, o trator parado, seu braço pendurado nas costas
do banco. Olho para o campo e para o buraco que
aparentemente estou cavando atrás do pneu esquerdo.
— Acho que você tem uma reunião matinal para ir —
Barney diz. Ele acena na direção do escritório de Stella, um
fluxo constante de fumaça saindo da chaminé. O sol já está bem
acima do horizonte, o céu de um azul brilhante e brilhante.
Jeremy está deitado de costas, o peito arfando, a pá cerca de seis
metros atrás dele. Acho que ele conseguiu duas pedras hoje.
— Você não está no time de basquete? — Eu pergunto para
ele.
Ele levanta uma mão flácida no ar.
— Eu fico no banco, mano. Eu só faço isso pelas mulheres.
Temos nossas reuniões de sócios nas manhãs alternadas de
quarta-feira. Uma tentativa, eu acho, de Stella de ser mais
transparente depois que ela escondeu alguns detalhes do
negócio de nós no ano passado. Layla geralmente traz algum
tipo de assado, e meu estômago dá um ronco feliz com o
lembrete. Eu olho para minha camiseta com uma careta,
coberta de sujeira e suor.
Layla faz a mesma careta assim que entro no pequeno
escritório, pilhas de papel ao acaso em cada superfície plana.
Stella gosta de dizer que tem um sistema, mas acho que ela é
uma mentirosa. Eu tiro uma foto no meu telefone e envio para
Luka. Ele provavelmente vai ter urticária assim que a vir.
— Por que parece que você se arrastou até aqui? — Layla
puxa o suéter sobre o nariz e chuta o assento ao lado dela até
que haja uma distância saudável de um metro e meio entre o
meu assento e... todo o resto.
Stella franze a testa para ela.
— Não é tão ruim — diz ela. Eu dou um passo para dentro
da sala e ela suga uma respiração afiada. — Oh meu Deus,
Beckett. Isso é sangue?
É, e não faço ideia de como foi parar na manga da minha
camisa. Eu ignoro as duas e desabo na cadeira, as pernas dando
um guincho de protesto com o meu peso. Tenho certeza de que
Stella encontrou essas cadeiras na beira da estrada e decidiu
trazê-las para casa com ela. Eu espio na lata em cima de uma
pilha de faturas.
— Isso é bolo de cenoura?
Layla pega um muffin de cima e me entrega. Ela faz uma
pausa, considera, e então me entrega outro. Eu estreito meus
olhos para ela. Não é típico dela oferecer extras de bom grado.
— O que está acontecendo com você? — Eu pergunto,
desconfiado.
— O que está acontecendo com vocês, Colheita Maldita5?
— Ela atira de volta.
Eu debato esconder isso delas, mas elas saberão em breve.
Especialmente porque o carro de Evelyn está estacionado na
minha garagem e as fofocas da fazenda são mais eficientes do
que a árvore telefônica da cidade. Estou honestamente surpreso
que Stella ainda não saiba. Eu dou uma mordida gigante no
bolo de cenoura e chuto minhas pernas para fora.
— Evelyn está aqui.
Eu recebo dois olhares vazios em resposta. Layla alisa as
mãos na saia vermelha brilhante que está usando, meia-calça
preta térmica por baixo.

5
Referência ao livro e filme Colheita Maldita.
— Importa-se de repetir o que você acabou de dizer?
Eu engulo e pego o café que Stella tem esperando por mim
na beirada da mesa.
— Evelyn está aqui.
— Em Inglewild?
Na minha cama extra. Envolta em lençóis com pequenas
rosas. Em menos de meio segundo, meu cérebro toma algumas
liberdades criativas com isso, imaginando-a esticada nua sob os
cobertores, uma perna comprida chutada para fora. Eu limpo
minha garganta.
— Na minha casa — eu digo lentamente. Eu arrasto cada
palavra e vejo os olhos de Stella se arregalarem. Ela troca um
olhar com Layla. Layla cai de volta em sua cadeira e levanta as
duas sobrancelhas. O nariz de Stella se contrai e seu ombro
levanta até sua orelha antes de se acalmar novamente.
— Parem com essa merda — eu resmungo, terminando o
primeiro muffin e passando para o próximo. — Eu sei que
vocês estão falando de mim.
— Não dissemos nada.
— Poderia muito bem ter.
— Tudo bem, vamos dar um passo para trás — Stella coloca
as mãos na frente do rosto. Com ela atrás de sua mesa, e Layla e
eu nas duas cadeiras na frente dela, parece que toda vez que eu
fui chamado ao escritório do diretor. Meu telefone vibra no
braço da cadeira. Eu olho para ele e vejo uma mensagem de
Luka.
Luka: Furacão Stella.
Luka: Isso é bolo de cenoura?
— Para de mandar mensagens para o meu namorado e
presta atenção.
Respiro lentamente pelo nariz e tento mudar de assunto.
Olho para Layla.
— Você não jantou com Jacob ontem à noite?
Ela faz uma careta.
— Eu terminei com Jacob duas semanas atrás. Fui a um
encontro com um cara que conheci por meio de um aplicativo.
— Ela acena com a mão entre nós e me fixa com um olhar que
diz que ela sabe exatamente o que estou fazendo. — Não tente
me distrair. Eu não vou deixar essa coisa de Evelyn passar.
— Não deveríamos estar analisando os números deste
trimestre hoje?
— Boa tentativa — acrescenta Stella. — Podemos discutir
isso primeiro e passar para o relatório depois. Eu também quero
falar sobre por que você tem Jeremy Roughman fazendo
trabalho manual nos campos. Mas, primeiro, como Evelyn
chegou à sua casa?
— Ela pegou um voo, eu imagino. E depois alugou um
carro.
Stella não está impressionada.
— Beckett.
— Eu a encontrei na cidade ontem à noite — explico. Deixo
de fora a parte em que a encontrei saindo do café, uma caixa de
biscoitos contrabandeados debaixo do braço. Eu não sei o que
Layla faria se descobrisse que estou pegando os assados da Sra.
Beatrice ao lado, mas provavelmente não seria bonito. Eu gosto
do meu rosto do jeito que está. — A pousada estava cheia e ela
não tinha outro lugar para ficar.
Layla me dá um olhar crítico, uma sobrancelha erguida na
testa.
— Então você a convidou para ficar com você?
— Eu convidei.
— Por quanto tempo?
Eu dou de ombros e pego a embalagem do meu segundo
muffin. Eles têm gotas de chocolate neles, como se Layla de
alguma forma soubesse que eu precisaria de uma força extra
hoje.
— Eu não faço ideia. Ela disse algo sobre a viagem não ser
planejada. — Deixo de fora a parte em que ela falou sobre
Lovelight ser o último lugar em que ela esteve feliz. Isso parece
privado, e eu não quero compartilhar coisas que pertencem a
ela. — Jenny está ligando para a árvore telefônica hoje para
encontrar para ela algum lugar para ficar mais tempo, eu acho.
Eu ignoro o zumbido de desconforto que se instala em meus
ombros com isso. A sensação é a mesma de quando há muito
barulho ao meu redor, meus dentes cerrados. Eu não gosto da
ideia dela em nenhum outro lugar, e estou bem ciente de que
isso me torna um idiota do caralho. Um masoquista,
provavelmente. Ela deixou suas intenções muito claras no que
diz respeito ao nosso relacionamento. Não consigo imaginar
que ser colega de quarto de seu caso de uma noite estivesse em
seus planos quando ela decidiu vir para cá.
Ela poderia ter me mandado uma mensagem, no entanto.
Me dado um aviso. Ela achava que não teria que me ver? Era
isso que ela esperava? Eu franzo a testa.
Stella e Layla se ocupam com outra conversa silenciosa
enquanto eu me concentro em comer o resto do meu café da
manhã. Bebo meu café e tento colocar tudo em ordem dentro
de mim. Meu cérebro continua girando de volta para Evelyn
caindo para trás na cama no quarto de hóspedes, um dos
travesseiros caindo por suas pernas. Cometa cutucando sob seu
queixo com o nariz. Isso está tocando repetidamente em minha
mente durante toda a manhã e me deixa com a sensação de que
fui chutado morro abaixo em um barril. Aquela coisa de fio
exposto de novo, meu cabelo em pé.
— Beck? — Stella está olhando para mim, o rosto marcado
pela preocupação e as palmas das mãos em concha
delicadamente em torno de sua caneca. Há um pinheiro
pendurado na luminária de sua mesa, e ela bate nele com o
cotovelo quando abaixa a cabeça para me ver melhor. — Você
está bem?
— Estou bem.
Eu estou. Estou bem. Evelyn no meu espaço não é algo que
eu não possa lidar. Se estar aqui vai ajudá-la a descobrir seus
próximos passos ou o que quer que ela esteja fazendo, então eu
posso aguentar. Provavelmente será como da última vez, onde
circulamos um ao outro e depois nos acomodamos.
Compartilhando um bom assado e seguindo em frente.
Isso não precisa significar nada.
Layla pega outro muffin da lata e me entrega.
— Aqui — ela diz. — Parece que você precisa disso.
Sete

EVELYN
ESTÁ TÃO quieto do outro lado do telefone que verifico várias
vezes para ver se Josie desligou acidentalmente na minha cara.
O silêncio não é o que eu esperava quando dei a notícia. Na
verdade, eu estava me preparando para o oposto. Riso
prolongado e desagradável. Uma gargalhada ou duas. Um grito
estridente.
— Josie?
— Você está ficando na casa dele? — Sua voz é baixa e, pela
primeira vez, não consigo ouvir uma única coisa ao fundo. Josie
está em constante movimento, muitas vezes soando como se
estivesse em uma estação de trem em vez de em sua casa. Agora
ela soa como se estivesse em um armário.
— Sim, eu estou ficando na casa dele. — Ele deixou uma
chave ao lado da máquina de café esta manhã. Um bilhete com
uma caligrafia surpreendentemente perfeita com o código da
porta da garagem.
— Ele… — ela solta um suspiro trêmulo. — Ele só tem uma
cama?
— O quê? — Eu dou um pequeno sorriso para a garçonete
do café, acenando em agradecimento quando ela coloca meu
latte cuidadosamente na mesa na minha frente. Ela dá um passo
para trás, mas continua olhando para mim, um sorriso
brilhante em seu rosto jovem. Eu conheço esse olhar. Já o vi mil
vezes antes. Eu dou a ela um pequeno aceno e me viro
levemente no meu assento, baixando minha voz. — O que você
está falando? Não, ele tem pelo menos duas camas que eu saiba.
Provavelmente mais. Eu não estava brincando quando disse
que ele poderia administrar uma pousada à parte. O interior de
sua cabana é enorme. Surpreendentemente confortável. Uma
coleção inteira de cobertores e travesseiros aconchegantes em
sua sala de estar.
Josie continua a respirar pesadamente ao telefone.
— O que ele usa para dormir? É calça de moletom? Elas são
cinzas?
— Você está bêbada?
— Por favor, apenas responda à pergunta, Evie.
— Eu não tenho ideia do que ele usa para dormir — eu
respondo o mais baixinho possível, consciente do fato de que
estou sentada bem no meio do café em uma cidade que adora
fofocar. Eu espio por cima do ombro para a mesa atrás de mim,
dois dos bombeiros de Inglewild no que parece ser seu terceiro
prato de pãezinhos de canela. — Eu não chutei a porta dele para
olhar, Josie.
— Talvez você devesse — ela sibila. — Ok, mas falando
sério…
Eu suspiro de alívio.
— … Eu preciso que você me diga em detalhes excruciantes.
Como está o Sr. Beckett hoje em dia? Você nunca
compartilhou uma foto e foi irritantemente vaga. Ele tem
barba?
— O que deu em você?
— Toda essa situação é uma loucura e estou tentando
capitalizar os benefícios. Você pelo menos bisbilhotou todos os
pertences dele como um ser humano razoável?
— Eu não bisbilhotei, embora eu não tenha descartado isso
para esta noite.
Eu notei algumas coisas. O que parecia um mapa celestial
colado na frente da geladeira, um círculo desenhado em
vermelho sobre um aglomerado de pequenas manchas com
uma data e hora rabiscadas acima. O canto da sala de estar com
três camas de gato enormes e de aparência macia, um cobertor
minúsculo em cada uma. Cinco tipos diferentes de café moído
no balcão da cozinha, todos meio usados e bem enrolados.
Não era o que eu esperava.
Embora para ser justa, eu não me permiti esperar nada de
Beckett. Além do meu jogo de imaginá-lo em lugares aleatórios,
perplexo por vasos de suculentas verde menta e arranjos de
frutas, eu mal me permitia considerá-lo. Lembrar é uma ladeira
escorregadia para desejar, e eu construí muita coisa para me
distrair com um homem lindo com tatuagens e mãos muito
grandes.
Acho que isso não importa muito agora, no entanto. Eu sou
uma grande bola de distração.
— Você já verificou suas contas?
Um pico de ansiedade deixa minhas palmas quentes.
— Não. Quão ruim é?
Acho que nunca fiquei mais de quatro horas sem postar,
uma compulsão de estar sempre um passo à frente. Josie
cantarola e ouço o clique de um mouse enquanto ela faz algo
em seu computador.
— Nada mal. Você está causando bastante agitação, no
entanto. Eu vi alguns blogs perguntando onde você estava.
Tem toda uma coisa de “Onde no mundo está Evelyn St. James”
acontecendo para você agora.
— Tenho certeza de que a Sway está satisfeita.
— Tanto quanto pode estar com sua queridinha da internet
em confinamento — Ela faz um som interessado baixinho,
mais alguns cliques. — Eu queria te dizer, estou vasculhando
algumas de suas caixas de entrada enquanto você está fora.
Parece que a Sway está rastreando algumas mensagens. Você
planeja postar enquanto estiver aí, ou é um apagão total?
— Ainda não decidi. — Isto deveria ser um passo atrás do
trabalho. Não tenho certeza se percorrer minhas contas e postar
conteúdo aleatório ajudará com a perspectiva que quero
encontrar. Não quero fazer nada até que me sinta bem
novamente.
Mas estou ansiosa para abrir minha câmera. É um reflexo,
um hábito formado ao longo de quase uma década de
compartilhar minha vida com milhões de estranhos. Eu queria
tirar uma foto quando abri a porta do quarto esta manhã, todos
os quatro gatos sentados em uma fila, olhando para mim com
suas cabecinhas inclinadas em consideração silenciosa. Quando
desci da varanda da frente, o sol estava em um lindo e brilhante
laranja no céu, tudo brilhando nas bordas. Quando eu
perambulava pelo beco estreito no meu caminho até aqui, as
videiras florais se cruzavam para frente e para trás entre os
prédios, um dossel de flores desabrochando e pétalas
flutuando. O cheiro de madressilva fazendo cócegas no meu
nariz.
— Você não precisa fazer nada — Josie me diz pelo telefone.
— Você está de folga por um motivo. Eu nem me lembro da
última vez que você tirou férias de verdade.
— Eu sei — eu aliso meu polegar sobre a borda do copo. —
Mas talvez ajudasse se eu tentasse apenas contar histórias
novamente. Foi assim que começamos tudo isso, não é?
Sem pressão. Sem expectativas. Só eu, conversando com as
pessoas. Ouvindo novamente.
— Eu não acho que iria doer — ela oferece. — Mas, por
favor, dê um tempo. Beba um latte — Ela faz uma pausa por
um segundo. — Descubra se o homem tem calça de moletom
cinza.
Uma risada explode de mim e metade das pessoas no café se
vira para olhar. Isso parece normal, a atenção de estranhos.
Quando eu era mais jovem, era emocionante. Lembro-me da
primeira vez que alguém me reconheceu em público. Eu estava
no supermercado examinando laranjas e uma jovem de cabelo
azul brilhante veio até mim e perguntou se eu era Evelyn St.
James. Ela viu meu vídeo sobre o Bagby Hot Springs e fez uma
viagem com seus amigos. Lembro-me de estar maravilhada.
Lisonjeada, extremamente encantada.
Agora, porém, a atenção parece um pouco com a pele
aquecida pelo sol, apenas tímida de uma queimadura. Uma
pontada quente de consciência e uma coceira que não parece
certa para coçar. Meus olhos se fixam na minha garçonete no
canto, amontoada em uma mesa cheia de adolescentes. Seus
olhares se dispersam assim que faço contato visual e mordo
meu lábio inferior contra um sorriso. Dou-lhes um pequeno
aceno e elas caem em sussurros furiosos. Uma garota corajosa
com óculos escuros grossos e seu cabelo em tranças acena de
volta.
O sino acima da porta toca e Jenny entra, uma das pétalas de
flores do lado de fora presa em seu cabelo. Eu levanto minha
mão para chamar sua atenção e começo a mover minha coleção
de pratos ao redor. Eu não conseguia decidir o que pedir, então
peguei um de cada no menu. Talvez eu tenha que me levantar
para comer outra salsicha e biscoito de cream cheese.
Eu coloco o telefone entre meu ombro e minha orelha e
passo uma garra de urso6 para o canto da mesa. Eu considero
isso brevemente, e então dou uma mordida. Nunca encontrei
um doce que não gostasse.
— Tenho que ir, Jo.
— Espero uma foto na minha caixa de entrada mais tarde.
Eu dou uma risada. Se eu lhe mandasse uma foto de Beckett,
ela estaria no próximo voo para Maryland.
— Claro, claro. Te amo.
— Também.
Jenny levanta as duas sobrancelhas enquanto desliza para o
assento à minha frente. Eu entrego a ela um prato com um
bolinho de cranberry e ela dá uma mexida feliz em sua cadeira.
— Namorado sentindo sua falta?
Meus lábios se contorcem para o modo como ela jogou
verde. Pelo menos duas cabeças se inclinam em nossa direção
que posso ver. Preciso lembrar que sempre tem alguém
ouvindo nesta cidade.
— Parceira de vida — eu explico e Jenny me olha enquanto
ela quebra seu bolinho ao meio. Eu não me incomodo em
explicar. — Você ligou por aí?
Ela acena.

6
A garra de urso é uma massa doce fermentada com fermento, um tipo de
dinamarquês, originária dos Estados Unidos em meados da década de 1910.
— Não consegui encontrar nada, mas é cedo. Tenho certeza
que algo vai aparecer hoje — Ela arrasta a ponta do dedo ao
longo da borda do prato, o cabelo loiro cobrindo metade do
rosto. Ela me lembra da minha mãe. As mesmas linhas nos
olhos, o mesmo sorriso gentil.
A mesma incapacidade de esconder suas intenções dúbias.
— Por acaso você encontrou um lugar para ficar na noite
passada? Eu me sinto tão terrível sobre o que aconteceu.
Eu sorrio e arranco um pouco de rolo de canela. O glacê
gruda no meu polegar. Tem gosto de açúcar e fofoca de cidade
pequena.
— Tenho certeza que você viu tudo atrás de sua mesa,
Jennifer Davis. Você realmente ligou para a árvore telefônica
esta manhã ou está tramando algo?
Ela pisca duas vezes, lenta e firmemente. Ela então começa a
enfiar o resto do bolinho na boca.
— Eu não sei do que você está falando.
Eu deixo cair meu queixo na minha mão.
— Mmmm.
— Eu te disse…
— …o festival de pipas, sim. — Eu não vi uma única pessoa
nesta cidade com uma pipa.
— Vou continuar verificando — ela murmura em torno de
um bocado de massa densa e cranberry seco. Eu ofereço a ela o
copo de água ao meu lado, preocupada com a forma
compulsiva que ela continua engolindo. Ela o pega com a mão
trêmula e bebe tudo em dois goles. — Você nunca sabe o que
pode acontecer.
— Claro.
— Betsey pode ter uma pista sobre um estúdio, mas acho
que é em cima da estação mecânica. Provavelmente cheira a
óleo.
— Provavelmente.
— E eu sei que os McGivens às vezes alugam um quarto
extra, mas acho que eles estão hospedando um... estudante de
intercâmbio.
— Faz sentido. — Não faz sentido.
— Mas vou mantê-la atualizada! — Ela desliza de seu
assento e dá um passo para trás, mais perto da porta. Se eu
achava que todos estavam olhando antes, não é nada
comparado à atenção intensa e ávida que estamos atraindo
agora. Dois dos funcionários espiam da cozinha dos fundos,
observando a troca. Acho que Gus, um dos bombeiros, está
gravando tudo em seu telefone. Jenny ri – uma coisa brilhante
e antinatural. — Tudo bem, tchau!
Seu rabo de cavalo mal desapareceu de vista quando uma
sombra pequena, mas robusta, aparece sobre meu ombro.
— Aquela mulher é uma mentirosa de merda — diz a Sra.
Beatrice, sua voz sempre mais suave e doce do que eu esperava
que fosse. Ouvi rumores dela pela cidade antes de conhecê-la
pela primeira vez. Coisas como:
Lembre-se de não a olhar diretamente nos olhos e:
Você acha que ela vai fazer alguém chorar hoje?
Então, quando entrei no café e vi uma mulher baixinha de
avental floral com o cabelo comprido preso em um coque
grisalho solto, fiquei surpresa.
Então, eu a vi jogar uma lata vazia de café no xerife e as coisas
fizeram um pouco mais de sentido.
— Sim, eu sei — eu suspiro. Eu penso em Beckett parado na
porta de seu quarto de hóspedes na noite passada, seu corpo
com linhas rígidas com uma carranca torcida em seus lábios. Ele
parecia a cerca de sete segundos de sair pela janela. — Acho que
vou ter que bisbilhotar eu mesma. Ver se há outro lugar para
ficar.
A última coisa que quero fazer é deixar Beckett
desconfortável em sua própria casa.
— Por quanto tempo você ficará aqui?
— Eu ainda não tenho certeza.
A Sra. Beatrice sussurra, as mãos flexionando nas costas da
cadeira. Ela não usa joias, mas tem uma pequena tatuagem de
um pássaro canoro nas costas da mão, logo acima do pulso. Eu
aceno para ela.
— Isso é bonito. — Linhas delicadas, um toque de vermelho
nas asas estendidas. Parece que está prestes a voar pelo braço
dela e descansar na dobra do cotovelo.
Ela olha para ele uma vez, um sorriso flertando em seus
lábios.
— Nova fez.
— Nova?
— A irmã mais nova de Beckett. — Eu pisco. Eu nem sabia
que ele tinha irmãs. — Eu disse a ela que queria BOSS em
ambos os dedos, mas resolvemos isso em vez daquilo.
— Bem — eu procuro as palavras certas. Ela ficaria muito
foda com tatuagens nos dedos, e o olhar em seu rosto diz que
ela sabe disso. — Talvez você possa convencê-la no futuro.
Ela acena com a cabeça, mas não se move um centímetro.
Eu levanto uma sobrancelha.
— Há algo em que eu possa ajudá-la?
Um sorriso lento rasteja em seu rosto.
— Já que você está perguntando...

A SRA. BEATRICE QUER UMA PÁGINA NO INSTAGRAM.


Ela viu um dos meus posts mostrando um café na Carolina
do Norte – filas e filas de grãos de café atrás do balcão e fita
colorida pendurada no teto. Entrar naquela lojinha foi como
entrar em um arco-íris, Bob Marley nos alto-falantes e confete
no meu latte.
— Aquela coisa teve mais de duzentos mil comentários —
diz ela do lado da minha mesa, empurrando o telefone na
minha cara. — E os grãos pareciam baratos.
Eu não sei o que constitui um grão barato, mas eu a
satisfaço. Tiramos algumas fotos dela atrás do balcão – um
olhar feroz em seu rosto em cada uma delas – e configuramos
seus detalhes. Se a loja do arco-íris tivesse um oposto, seria a da
Sra. B. Mas há um certo charme nisso, no entanto. Eu aplico
um filtro caprichoso e sorrio com o resultado – uma mulher
feroz segurando um prato de scones, uma cafeteira fumegante
em seu cotovelo. Ela parece algo saído dos Bons Companheiros.
Talvez ela devesse fazer essas tatuagens nos dedos, afinal.
— Você sabe que não pode usar esta conta para envergonhar
publicamente as pessoas, certo?
Um sorriso secreto.
— Sem promessas.
Gus e Monty me encurralam depois disso, perguntando se
posso passar pelo quartel e ajudá-los com um vídeo. Intrigada e
divertida, não posso deixar de acompanhá-los até as portas
abertas da baía, a música saindo do escritório dos fundos.
Continuo a vê-los coreografar uma dança surpreendentemente
envolvente da Jennifer Lopez. Monty explica depois com a
respiração ofegante que eles estão tentando arrecadar dinheiro
para uma nova ambulância.
— E vocês estão fazendo isso através da... dança? — Kirstyn
ficaria encantada.
Monty pisca para mim, testa molhada de suor.
— Temos que dar às pessoas o que elas querem.
Vejo Mabel na porta do quartel dos bombeiros, os braços
cruzados sobre o peito e um sorriso no canto da boca. Ela está
ocupada olhando para Gus como se ele fosse um dos lattes da
Sra. Beatrice.
— Evelyn — ela chama. Ela desvia a atenção de Gus
enxugando o suor da testa com a bainha da camiseta e pisca
para mim, um pouco atordoada. — Preciso de ajuda com meu
site. Você se importa de parar na estufa por um segundo?
O dia continua assim. Assim que termino com uma pessoa,
outra aparece com uma pergunta ou uma tarefa ou uma faixa
para o mercado do fazendeiro que precisa ser pendurada na
fonte no centro da cidade. Eu não sei se é a vida de uma cidade
pequena ou apenas a própria marca de boas-vindas de
Inglewild, mas eu sou puxada maravilhosa e perfeitamente para
fora da minha cabeça durante todo o dia. Nenhuma ansiedade
arranhando minha garganta, nenhum buraco na minha
barriga. Eu não me pergunto nem uma vez se é aqui que eu
deveria estar, se eu poderia estar fazendo algo melhor ou
diferente.
Estou aqui, debruçada sobre uma fonte de pedra com um
pedaço de barbante entre os dentes.
— Como está ficando? — Pergunto a Alex, que
aparentemente está encarregado de pendurar banners, além de
ser dono da livraria. Ele me dá um polegar para cima da beirada
da fonte, os óculos escorregando pelo nariz.
Eu desço da escada e inclino minha cabeça para trás para ler
as letras em negrito em loop desenhadas à mão na tela.
BEM-VINDA, PRIMAVERA
Logo abaixo, em uma fonte menor:
AS ESTAÇÕES MUDAM E NÓS TAMBÉM
Eu estico meus braços para o lado e mexo meus dedos para
frente e para trás.
Nós também.

EU paro na garagem de Beckett e sento no meu carro por um


momento, olhando para sua casa. Combina com ele, esta
grande cabana na beira do campo. Telhas de madeira
desbotadas deformadas pelo clima e pelo tempo. Uma árvore
de aparência antiga à esquerda, seus galhos se estendendo sobre
o telhado. Um amplo alpendre que envolve, um par de cadeiras
de balanço ao lado da porta da frente. Uma única janela larga.
Uma luz acesa no canto da sala.
Eu rio um pouco ao passar pela porta da frente, uma garrafa
de vinho enfiada debaixo do braço e uma família de gatos
aparecendo aos meus pés. Eles se entrelaçam nas minhas pernas
enquanto eu largo minha bolsa ao lado de uma mesa de madeira
gasta com tinta vermelha, um boné de beisebol velho em cima.
Esfrego meu polegar sobre a borda da aba e deixo meus olhos
percorrerem as paredes, absorvendo tudo o que não vi na noite
passada.
Estudo a coleção de fotos de família, todas de tamanhos
diferentes em molduras desencontradas. Meu olhar se fixa em
uma em particular. Beckett com três mulheres deslumbrantes
que só podem ser suas irmãs, duas compartilhando uma risada
enquanto Beckett e uma mulher com cabelo loiro mel dão à
câmera um olhar de sofrimento. Eu sorrio enquanto olho para
ele e imagino o som que ele faz quando está frustrado. O
suspiro ficou preso no fundo de sua garganta.
Meus olhos vão para a pintura em tela pendurada no meio
de todos os quadros, as mesmas cores e pinceladas amplas que
a que está acima da lareira. Um grande sol dourado, pendurado
preguiçoso e cheio no céu.
Os gatos me seguem até o quarto de hóspedes e fazem um
ninho com minhas camisetas enquanto eu coloco um suéter
enorme e leggings desgastadas, meias grossas que puxo até
abaixo dos joelhos. Se Beckett está em casa, ele está quieto sobre
isso. Não consigo ouvir nada além do tamborilar suave de patas
minúsculas, o farfalhar de algodão e flanela.
A gata encosta a cabeça na minha coxa e eu coço embaixo
do queixo dela.
— Onde está seu pai, hm?
Sua cozinha é tão arrumada quanto o resto de sua casa.
Resisto à vontade de bisbilhotar, em vez disso, absorvo tudo o
que posso ver do balcão que se estende até o centro do espaço.
Uma conta aberta, um punhado de trocos bem ao lado. Livros
empilhados na prateleira, páginas dobradas. Alguns porta-
copos fora do lugar na mesa de centro.
Pego um copo de um dos armários, um velho pote de geleia
com pedaços do rótulo ainda grudados nas bordas em pedaços.
Eu esfrego meu polegar sobre as uvas desbotadas e abro a porta
dos fundos, arrastando os pés para a varanda dos fundos, onde
há um par de cadeiras largas e confortáveis.
Os grilos começam sua música noturna quando fecho a
porta silenciosamente atrás de mim, um chamado e uma
resposta de gorjeios pelo amplo pátio. Eu não percebi ontem à
noite, mas Beckett tem uma pequena estufa bem na beirada,
logo antes das árvores começarem a se agrupar na floresta.
Posso ver a forma das folhas através das janelas embaçadas,
caixas empilhadas e um banco comprido no centro. Uma mesa
nos fundos com terracota equilibrada em pilhas. Eu me
pergunto o que ele cultiva lá, se ele gosta de passar as noites com
as flores depois de passar o dia todo com as árvores.
A luz minguante se move pela varanda e eu me sirvo de um
copo. Eu tomo um gole com cuidado e me mantenho muito
quieta, esperando o ranger da porta da frente, botas contra a
madeira. Mas depois de uma hora vendo o sol se pôr no céu,
fica claro que Beckett não voltará para casa tão cedo. Eu caio
para trás na cadeira com um suspiro, o pensamento
estranhamente decepcionante. Ele está evitando sua casa? Ou
ele está em outro lugar? Com outra pessoa?
Eu franzo a testa e enrolo minhas pernas embaixo de mim
na cadeira e vejo as cores mudarem no céu. Algodão doce rosa.
Vermelho vibrante. Um violeta profundo e indulgente. Sento-
me na varanda e espero.
Mas quando a noite começa a se aproximar do quintal e um
bocejo abre meu queixo, decido terminar a noite. Pego meu
pote de geléia e a garrafa aos meus pés e volto para dentro,
arrumando algumas coisas no balcão antes de me arrastar pelo
corredor até o quarto de hóspedes.
Fecho a porta atrás de mim. Falarei com Beckett amanhã.
Oito

EVELYN
BECKETT ESTÁ ME EVITANDO.
Três dias e eu não vi um único vislumbre dele. Eu sei que ele
está indo e vindo. Há sempre café fresco no bule e uma nota
manuscrita ao lado, listando o que sobra na geladeira. Eu não
sei como ele consegue ficar tão quieto sobre isso, mas eu não o
encontro nenhuma vez. Nem mesmo quando tento ficar
acordada até tarde na terceira noite, determinada a conversar
com ele.
Em vez disso, adormeço no sofá, dois dos gatos ronronando
no meu colo. Acordo por volta da meia-noite com um cobertor
sobre mim e um copo de água fresca na mesa de centro.
É irritante.
— Onde Beckett está se escondendo? — Eu pergunto a
Layla, minhas palmas pressionando massa de pastel na
bancada. Tenho passado meus dias com Layla e Stella,
ajudando onde posso. Nenhuma delas pareceu surpresa ao me
ver quando apareci pela primeira vez no escritório de Stella,
então, pelo menos, Beckett disse a elas que eu estava aqui.
Ou a árvore telefônica disse.
Layla cantarola e continua espalhando camadas intrincadas
de glacê em um biscoito. Ela se inclina para trás, gira uma vez e
depois se inclina para continuar.
— Você não está ficando na casa dele?
— Eu estou, mas ele não — Layla faz outro som
contemplativo baixinho. Eu pressiono meus dedos em um
pedaço teimoso de massa. — Ou ele é o homem mais quieto
vivo.
— Ele é bem quieto — Layla oferece. — Uma vez fiquei três
semanas inteiras sem ouvi-lo dizer uma única palavra. Apenas
grunhidos. — Ela se endireita, fixa o rosto em uma carranca e
resmunga de algum lugar no fundo do peito. É uma boa
imitação de Beckett. — Ele provavelmente está tentando te dar
espaço. Ele é assim.
— Eu preferiria que ele não estivesse evitando sua própria
casa.
— Você poderia tentar dizer isso a ele.
Eu poderia. Se eu o visse.
— Não o vejo há três dias.
Layla me dá uma olhada por cima de sua bandeja de
biscoitos, um traço de glacê azul brilhante em seu queixo.
— Ele trabalha aqui, não é? Encontre-o.
Meus antebraços e ombros estão doloridos quando decido
sair da padaria. Descarreguei toda a minha frustração na massa,
e acho que enrolei massa de torta suficiente para cobrir toda a
área da fazenda e mais um pouco.
Eu me arrasto pelos campos, deixando minhas palmas
passarem sobre os galhos eriçados das árvores de Natal. A
fazenda não é menos mágica agora do que era durante a
temporada de feriados, as árvores tão densas nos campos que
não consigo ver os prédios ou a estrada estreita além dela.
Somos só eu e os pinheiros, o sol alto no céu. Eu respiro fundo
pelo nariz e sorrio.
Bálsamo. Cedro. Grama fresca cortada e flores de maçã.
Não encontro Beckett com as árvores ou ao longo da cerca
que divide a terra em quadrantes, então mudo de direção e sigo
para o celeiro. Passo por alguns lavradores que reconheço da
minha última viagem e aceno para eles, um homem passando
com o que parece ser uma cesta cheia de rabanetes. Eu protejo
meus olhos contra o sol com minha mão.
— Você viu Beckett?
O homem acena com a cabeça e aponta para um celeiro
menor atrás do que eles usam para a decoração do feriado, a
porta aberta com uma roda de trator descartada. Finalmente.
Deixo todo o peso da minha frustração guiar meu caminho até
o galpão e deslizo pela porta, meio que esperando que ele saia
correndo assim que me vir. Seria poético, de certa forma,
Beckett fugir de mim desta vez.
Mas ele não corre. Ele não me ouve. Eu passo pela porta para
o pequeno espaço inundado com a luz da tarde e quase dou de
cara no carrinho de mão na minha frente.
Beckett está sem camisa no meio da sala, ambos os braços
apoiados acima dele enquanto ele enrola um grosso rolo de
corda ao redor de dois pinos paralelos também. Observo a tinta
em seus braços mudar e flexionar a cada rotação de suas mãos,
as constelações e planetas em seu braço esquerdo um belo
elogio às flores e videiras à sua direita.
A pele lisa de suas costas não tem marcas, sua coluna é uma
coluna forte ladeada por músculos magros. Seu corpo é
condicionado pelo trabalho, endurecido e cortado pelos dias
passados sob o sol e nos campos. Lembro-me de pressionar
meus dedos naquela pele quente, como seus quadris rolaram
para dentro de mim, prendendo-me debaixo dele.
Eu engulo em seco quando ele deixa cair os braços e rola os
ombros para trás com um suspiro. Ele pega uma camiseta
jogada sobre a borda de uma grande prateleira de metal e eu
limpo minha garganta – desvio meus olhos de seus ombros
firmes.
— Então é aqui que você está se escondendo.
Beckett se assusta e bate a cabeça em uma cesta baixa de
ferramentas de jardim. Eu tenho um vislumbre de estômago
tonificado quando ele se vira e puxa a camisa para baixo para se
cobrir. A lembrança de que estive na cama com esse homem é
como uma corda nos amarrando. Ele fica tenso e eu balanço
para frente, ainda mais em seu espaço.
Ele esfrega os nós dos dedos atrás da orelha, seu cabelo
úmido de suor espetado em todos os sentidos. Seu chapéu está
de volta em uma das prateleiras, um boné preto usado
desbotado com um logotipo dos Orioles nas bordas. Há uma
marca vermelha em sua testa de onde deve ter pressionado sua
pele. Eu olho para ele enquanto ele olha para mim com os cílios
abaixados, um olhar tímido deixando suas bochechas rosadas.
Aquele corpo com aquele rosto.
Eu nunca tive chance naquele bar, todos esses meses atrás.
Eu endireito minha coluna, reúno minha frustração e a
seguro firme com as duas mãos.
— Você tem dormido no celeiro? — Sai de mim rápido
como um chicote. Aparentemente, estou mais irritada com isso
do que pensava.
— Não — ele responde. Sua voz profunda é uniforme e
calma, mas ele não me olha nos olhos. — Eu tenho dormido em
casa.
— Quando? — Eu atiro de volta.
— À noite.
Eu coloquei minhas mãos em meus quadris. Seus olhos se
estreitam, estudando a pilha de pneus sobressalentes atrás de
mim como se fosse a coisa mais interessante que ele já viu.
— Beckett.
Seus olhos relutantemente rastejam de volta para os meus.
— Estou chegando tarde. Eu estive… — ele hesita, tão
claramente procurando uma desculpa que eu tenho que lutar
para não revirar os olhos. — Eu tenho um projeto.
— Um projeto.
Ele se mexe como um homem com algo a esconder.
— Sim.
— Esse projeto é ficar me evitando?
— Não — ele diz a palavra como se tivesse mil vogais no
final, olhando por cima do meu ombro para a porta aberta com
desejo nu. Aposto que ele está fantasiando sobre correr direto
para as colinas. — É... bem, é complicado.
Essa conversa é ridícula.
— Me prova.
Ele abre a boca e nada sai. Acho que nunca vi alguém tão
sem palavras.
— É um pato — ele finalmente consegue.
Um grupo de lavradores passa pela porta aberta, suas risadas
chegando ao pequeno espaço. Eu pisco para Beckett e ele olha
de volta. Ele está falando sério?
— Um o quê?
— Estou tentando descobrir onde posso colocar um pato —
ele murmura. Suas palavras estão escondidas em sua respiração
e eu tenho que me esforçar para ouvir o que ele está dizendo.
— E você só pode fazer isso no meio da noite?
— Ah, eu não… — Ele deixa seus braços caírem ao seu lado.
Eu me concentro na tatuagem de videira que se enrola em seu
pulso e em torno de seu antebraço largo, até o cotovelo. Há
pequenas flores brancas nele, uma nova adição desde a última
vez que o vi. — Achei que você preferiria assim.
— Você achou que eu preferiria que você se esgueirasse por
aí?
Ele concorda.
— Quando eu te dei essa impressão?
Ele não diz nada em resposta, apertando as mãos ao lado do
corpo. Eu suspiro e pressiono dois dedos contra a dor de cabeça
sempre presente entre meus olhos.
— Eu tenho tentado falar com você — eu explico. —
Encontrei um aluguel em Rehoboth. Posso sair de sua casa em
dois dias, assim que estiver disponível.
Vai ser chato ir e voltar da costa, mas é melhor do que... seja
lá o que for.
Seu rosto se contorce em confusão.
— Você está indo?
Eu não entendo por que ele se importa, considerando que
ele me viu por vinte e oito minutos somados desde que eu
cheguei e ele está… escondido em galpões de armazenamento,
aparentemente. Concordo com a cabeça e deslizo minhas mãos
nos bolsos traseiros, balançando para trás em meus calcanhares.
Ele me considera em silêncio. Aqui na luz fraca, seus olhos
parecem verde musgo. Escuros e profundos.
— Você achou sua felicidade, então?
— O quê?
Ele dá um passo à frente e pega uma toalha, enxugando as
mãos nela com movimentos rápidos e treinados. Todo o seu
rosto tem linhas angulosas, uma carranca distorcendo tudo.
— Na primeira noite em que você esteve aqui, você disse
algo sobre procurar sua felicidade. Você achou?
Estou surpresa que ele se lembre, mas acho que não deveria
estar. Beckett sempre foi bom com os detalhes.
— Pedaços dela — Gus e Monty dançando no quartel dos
bombeiros. Biscoito de linguiça e cream cheese. O cheiro de
jasmim fresco na estufa de Mabel.
Notas manuscritas ao lado da máquina de café.
Ele me dá um olhar crítico.
— Você não parece ter certeza disso.
— Porque eu não tenho — eu digo. Eu ainda não tenho
respostas para as perguntas zumbindo na parte de trás da minha
cabeça. Eu ainda não tenho uma solução para o meu problema
de esgotamento profissional. — Mas eu não vou deixar você se
esgueirando pela sua própria casa enquanto eu descubro
minhas coisas. — Encolho um ombro. — O lugar em Delaware
é bom.
Beckett joga sua toalha de volta na prateleira de metal e apoia
as mãos nos quadris. Eu sei que ele não está fazendo isso de
propósito, mas seus braços flexionam com o movimento, seus
bíceps tatuados esticando as mangas de sua camiseta. Eu não
tenho ideia do que ele estava fazendo que o fez suar tanto, mas
eu gostaria de escrever uma nota de agradecimento.
— Fica aqui — ele diz em sua voz rouca – sua voz mandona
– uma voz que está acostumada a conseguir o que quer aqui na
fazenda. Sua mão esfrega a mandíbula, as pontas dos dedos
espalhadas sob o olho esquerdo. Ele parece cansado. — Fica na
minha casa. Eu irei parar de…
— Me evitar? Ser estranho? — Eu penso por um segundo,
expressando uma suspeita. — Dormir na sua estufa?
— Eu não tenho dormido na minha estufa.
OK, bom. Ele tem feito essas outras coisas.
— Eu não vou ficar aqui se for assim — digo a ele baixinho,
a luta se esvaindo de mim. — Eu não vim aqui para mexer com
sua vida. Eu queria um pouco de perspectiva e este parecia ser
o melhor lugar para isso.
Agora não tenho tanta certeza. Estou de pernas para o ar
desde que coloquei os pés em Inglewild.
— Fica — ele diz novamente, e ele acena para a porta aberta.
Parte da apreensão desaparece de seus olhos. Há uma suavidade
ali, um pouco de compreensão. Por um segundo, ele é aquele
homem do Maine novamente. Aquele que enroscou seus dedos
no meu cabelo e pressionou seus lábios tão docemente nos
meus. Mas então ele pisca e o reconhecimento desaparece.
Ele pega o chapéu da prateleira.
— Eu tenho que embrulhar algumas coisas e então eu vou
até em casa. Eu não serei… — um sorriso se contorce nos cantos
de seus lábios. — Eu não serei estranho.

FIEL À SUA PALAVRA, Beckett aparece cerca de uma hora


depois. Eu ouço o rolar de cascalho na calçada e o pisar pesado
de botas nos degraus da varanda antes de ele passar pela porta
da frente, um olhar cauteloso em seu rosto quando ele me vê
sentada à sua mesa da cozinha. Eu descanso meu queixo na
minha mão e observo enquanto ele tira as botas e as coloca
cuidadosamente ao lado das minhas.
— Estou fazendo sopa — ele me diz.
Ele diz isso como se esperasse uma briga.
— Ok.
Ele dá dois passos lentos pelo corredor, mais perto da
cozinha.
— É caranguejo de Maryland.
— Isso soa bem.
Ele me olha enquanto abre a geladeira, um braço apoiado na
porta, a palma da mão contra o freezer. Eu tento não notar o
estiramento de sua camiseta.
— Você não é alérgica a mariscos, é?
É estranho que eu saiba como esse homem soa quando ele
goza e a marca que seus dedos deixam em meus quadris, mas
quando se trata de coisas simples – alergias, proporção de café
para creme, preferência de dobrar meias – nós dois estamos nos
debatendo no escuro.
Um tipo diferente de intimidade, suponho.
— Não sou alérgica a mariscos.
— Bom. — Ele enfia a cabeça na geladeira e começa a tirar
as coisas – tomates, cebolas, caldo de galinha, dois recipientes
de carne de caranguejo, um talo de aipo – e os empilha no
balcão. Ele deixa cair uma tábua de cortar, uma faca e uma
cebola na minha frente.
— Você pode cortar isso?
Concordo com a cabeça e deixo o nosso silêncio preencher
o espaço entre nós. Uma panela chia no fogão. Minha faca
estala contra a tábua de corte. Beckett murmura baixinho sobre
a má qualidade do aipo.
— Para constar — eu ofereço, entre cortes. — Você está
sendo um pouco estranho.
Um sorriso se curva em sua boca e seus olhos cortam para os
meus. Parece uma oferta de paz, como um passo na direção
certa.
— Para constar, não estou tentando ser.

ENCONTRAMOS NOSSO RITMO.


Beckett passa seus dias na fazenda e eu passo meus dias na
cidade, entrando e saindo de lojas, vendo turistas tomando
sorvete, ajudando a Sra. Beatrice a organizar conteúdo para seus
cento e trinta e sete seguidores apaixonados. Desligo meu e-
mail e todas as minhas contas sociais e me deixo respirar... pela
primeira vez em muito tempo.
Nenhum plano. Nenhum cronograma.
Apenas eu e o que me interessar durante o dia, seja ajudar a
colocar novos livros de bolso na livraria ou aprender a limpar a
máquina de café expresso no café. Não me prendo a
absolutamente nenhum padrão de produtividade. Eu me deixo
ser.
À noite, eu encontro meu caminho de volta para a cabana
de Beckett e espero por ele à sua mesa da cozinha, um livro
abandonado de palavras cruzadas que eu reivindiquei como
meu ao meu lado. Ele declara o que está fazendo assim que me
vê, e silenciosamente me entrega uma tábua de cortar ou uma
tigela ou um descascador de batatas para ajudar. Todos os dias
são exatamente iguais e há um conforto nisso. Na maneira
como seus sorrisos lentamente ficam um pouco mais amplos.
No murmúrio baixo de sua voz sobre o silvo da frigideira.
Nós nos sentamos à mesa dele e comemos nossa refeição, e
eu lavo nossos pratos depois.
É bom, se não um pouco confuso.
Esta noite, decido perturbar o ritmo.
Estou esperando na varanda dos fundos com duas tigelas
fumegantes, aninhadas na cadeira que estou começando a
reivindicar como minha quando o ouço parar na garagem. As
escadas da varanda da frente rangem, a terceira de cima fazendo
um som de protesto enquanto ele sobe. A porta se fecha atrás
dele e seus passos gaguejam para uma parada abrupta no
corredor.
Uma voz hesitante.
— Evelyn?
— Aqui fora.
Eu escuto enquanto ele se move pela casa, um conforto nos
sons dele se acomodando. Água da torneira. Sua jaqueta no
gancho. A tela traseira se abre e eu inclino minha cabeça para
trás.
Parado assim, dedos enrolados soltos ao redor do gargalo de
uma garrafa de cerveja, rosto inclinado para baixo em direção
ao meu – um pouco de sujeira na testa e nas costas da mão – ele
se parece com cada lampejo de um pensamento caloroso que eu
tive nos últimos seis meses.
Um brilho suave e constante, queimando sob minha pele.
— Você fez o jantar? — Ele se inclina um pouco para dar
uma olhada na minha tigela. Eu aceno para o assento vazio ao
meu lado e o prato que está esperando por ele na mesa no meio.
— Mmhmm — eu murmuro. — Uma das receitas da minha
mãe. Espero que goste de especiarias.
Seus olhos brilham em algo quente e afiado. Uma
lembrança, uma memória compartilhada. Sua boca abaixo da
minha orelha e sua grande palma na minha coxa. Eu observo
enquanto ele a guarda, acomodando seu rosto em algo plano.
Ele pode não estar mais naquele pequeno galpão, mas ainda
está se escondendo de mim.
— Você está no meu lugar — ele me diz.
Eu tomo um longo gole do meu copo de vinho e mantenho
contato visual. Não tenho intenção de me mover. Assim como
o livro de palavras cruzadas e a toalha extra macia que tenho
pendurada no banheiro de reposição, reivindiquei essas coisas
como minhas. Ele vai ter que lutar comigo para recuperá-los.
Ele bufa uma risada e se move ao meu redor para desabar na
cadeira à minha esquerda. Ele solta um gemido ao fazê-lo, seu
longo corpo se esticando em uma curva preguiçosa, uma perna
largada. Ele deixa cair a cabeça contra o encosto da cadeira e
pega sua tigela, olhando para mim com uma espécie de
suavidade nebulosa.
— Obrigado por isso — ele murmura. — É bom voltar para
casa para um jantar.
— Você deveria se sentir honrado — digo a ele, colocando
um pedaço de comida na minha boca. — Eu fiz este jantar para
exatamente outras duas pessoas.
Seus olhos se estreitam.
— Quem?
Eu engulo e alcanço meu copo.
— O que você quer dizer?
— Para quem você fez isso?
— Josie — eu ofereço lentamente. Eu penso por um
segundo. — A mãe de Josie.
Ele relaxa em sua cadeira e pega sua tigela, mexendo no
arroz.
— Obrigado — ele murmura novamente, mal olhando para
mim.
— Sem problemas. — Continuo a observá-lo, a maneira
como sua mandíbula funciona quando ele dá uma mordida. —
É o mínimo que posso fazer.
Eu me ofereci para pagar o aluguel na minha quinta noite
aqui. Beckett me deu um olhar tão ofendido que eu não me
incomodei em trazer isso à tona novamente.
Comemos em silêncio e me deixo pensar se é isso que ele faz
todas as noites depois de um longo dia no campo. Pôr do sol na
varanda dos fundos em suas meias. Suas mangas de flanela
arregaçadas e uma cerveja em seu cotovelo. Eu tenho o desejo
repentino e confuso de alisar o cabelo para trás de sua testa. Me
levantar desta cadeira e ir para a dele, deslizar em seu colo e
enfiar minha cabeça sob seu queixo.
Esse era o problema, eu acho, naquele quartinho no Maine.
Era muito fácil imaginar estar com Beck. Querer mais.
Limpo a garganta e decido abordar o motivo desta pequena
refeição.
— Não sei ao certo quanto tempo pretendo ficar.
Ele olha para mim, sobrancelhas levantadas.
— Ok.
— Provavelmente um par de semanas, eu acho. — Isso deve
ser tempo suficiente para eu colocar minha cabeça no lugar. Se
não for... bem. Atravessarei essa ponte quando chegar nela.
Ele vira a cabeça para trás para olhar para as árvores.
— Isso é bom.
— Tem certeza que não se importa?
Ele balança a cabeça, os dedos flexionando em seu garfo.
— Não se você continuar fazendo frango assim.
Eu hesito antes da minha próxima pergunta. Me sinto uma
idiota por perguntar, mas não quero surpresas. É algo que eu
deveria ter perguntado antes, honestamente.
— Não há ninguém que ficaria chateado por eu ficar aqui?
Ele se vira para olhar para mim novamente.
— Quem ficaria chateado com isso? Stella e Layla
obviamente sabem que você está aqui. — Ele espeta outro
pedaço de frango. — Mas não disse a elas o porquê.
Isso é bom, porque eu nem sei a resposta para isso. Eu só sei
que é bom sentar nesta cadeira confortável na varanda dos
fundos com os joelhos dobrados no peito.
— Estou perguntando se você está saindo com alguém,
Beckett. E se isso vai complicar as coisas para você.
— Oh. — Um pincel de cor dança sobre suas bochechas, o
mesmo tom exato do sol derretendo no horizonte. — Não.
Não. É isso. Isso é tudo o que ele diz. Ele leva a cerveja à boca
e engole pesadamente. Um, dois, três goles seguidos.
— Qual é o seu plano para amanhã?
Tudo bem, então.
— Eu não tenho um — eu respondo honestamente. Eu
estico minhas pernas e flexiono meus pés para frente e para trás.
Vai e volta. Eu aperto meu olho e toco meu dedo do pé no topo
da estufa. — Eu pensei que era bastante aparente que eu não
tenho nenhum tipo de plano.
— Você sempre tem um plano — ele me diz. — Mesmo
quando parece que você não sabe.
Isso é justo. Eu tenho um plano desde os dezesseis anos. O
canal do YouTube, depois a faculdade, depois um programa na
Pratt. Desviei-me um pouco quando meu sonho de trabalhar
em uma publicação de grande nome não deu certo e decidi criar
minha própria plataforma. Eu tenho perseguido isso desde
então.
Não me deixando respirar desde então.
— Novo território, eu acho — eu digo, forçando minha voz
a ser leve e ignorando o enxame de desconforto que se instala
toda vez que penso em trabalho. — Para alguém que posta
fotos fofas o dia todo.
Ele faz um som baixinho. Um bufo frustrado. Eu coloco
meu pé de volta na varanda e olho para ele.
— Pare de fazer isso — ele finalmente diz.
— O quê?
— Se fazer parecer menor do que você é. — Ele não se
preocupa em elaborar. Sua mão encontra sua garrafa de cerveja
novamente e ele bate o polegar lá uma vez. Ele solta um suspiro
raivoso. — O que você está fazendo aqui, Evelyn?
— Eu senti falta das árvores — digo a ele.
— Tente novamente.
— Você tem razão. Senti falta do chocolate quente de menta
de Layla.
— Mais crível. — Ele se vira em seu assento até poder me
fixar com um olhar que não oferece espaço para comentários
provocantes. Exigir a verdade, e tudo isso. Agora mesmo. — O
que você está fazendo aqui?
Eu alcanço a garrafa de vinho aos meus pés e me sirvo um
copo que redefine o termo encher demais.
— Não sei. Só sei que me senti presa, e este foi o primeiro
lugar que me veio à cabeça quando pensei em fazer uma pausa.
Acho que estou procurando… — Penso sobre estar pé no meio
do campo, pinheiros ao meu redor. — Acho que estou
reavaliando. Vendo se o que estou fazendo ainda é o ajuste
certo.
Observo os galhos das árvores se erguerem com a brisa,
pequenos botões verdes começando a aparecer. Tudo estará
florido em breve, os campos repletos de cores. Eu sorrio.
Aposto que se parece com as luzes de uma árvore de Natal.
— Eu queria ser jornalista, sabe? Pensei em trabalhar para a
National Geographic ou talvez para o New York Times. Algo
incrível. — A confissão sai da minha língua com bastante
facilidade, afrouxada pelo vinho e pelo cheiro de terra fresca.
Chuva de primavera e sujeira. — Queria tanto viajar. Ver todos
os lugares daquelas revistas. Entrei no programa de estudos de
mídia da Pratt e achei que tinha conseguido. Eu tinha tanta
certeza de que seria capaz de conseguir um bom emprego após
a formatura. Mas eu não consegui. Continuei indo a entrevistas
com meu portfólio e era sempre a mesma coisa. Muito
excêntrica. Muito leve — Dou de ombros e me lembro de uma
entrevista dolorosa, onde uma mulher de gola alta passou os
olhos de cima a baixo pelos meus braços e me disse que eu não
tinha o visual certo para trabalhar na câmera. — Muito
marrom.
Beckett se mexe em seu assento, a madeira rangendo sob seu
peso, mas eu não olho para ele. Não posso.
— Fui para casa para lamber minhas feridas e meus pais
estavam tendo problemas com a loja. Eles possuem uma
boutique em Portland. Eles vendem… todo tipo de coisa, na
verdade. Tudo de origem e produção local. Eu tinha um canal
no YouTube com um público decente com o qual eu brincava.
Mas eu fiz alguns vídeos para meus pais e simplesmente...
decolou. O resto é história.
Tudo virou uma bola de neve a partir daí. O tráfego
aumentou para a loja. Minhas contas começaram a atrair
atenção. Comecei a pular pelo meu antigo bairro, conversando
com as pessoas. Perguntando sobre seus negócios e o que eles
estavam fazendo. Suas paixões. Seus interesses. Apenas pessoas
comuns fazendo coisas incríveis.
Não sei quando parei. Ou o porquê.
Eu olho para Beckett com o canto do meu olho quando ele
não diz nada.
— Eu sei que você acha isso estúpido, mas a mídia social me
ajuda a me conectar. É como ter uma conversa em grande
escala. Estou realmente tentando ajudar as pessoas.
Ele parece assustado.
— O quê?
— Não estou apenas postando fotos o dia todo. Há uma
estratégia por trás disso. Planejamento. — Um ciclo
interminável de conteúdo. Um desejo esmagador de mais, mais,
mais. Opiniões e críticas não solicitadas.
— Eu sei disso. — Ele está olhando para mim como se não
entendesse as palavras que saem da minha boca. Como se eu
tivesse saltado desta cadeira e colocado uma roupa de galinha e
começado a dançar a Macarena. — Eu não acho que o que você
faz é estúpido.
Eu pisco para ele.
— Sim, você acha.
— Não, eu não.
— Sim, você acha. Você disse.
— Quando?
— Quando eu estava hospedada aqui em novembro.
Quando eu estava aqui para avaliar a fazenda. — Quando ele
descobriu quem eu realmente era e olhou para mim como se eu
não valesse o seu tempo.
Ele franze a testa.
— Eu nunca disse nada sobre seu trabalho ser estúpido.
— Sim, você disse.
— Evelyn. Não, eu não disse. — Ele arrasta a palma da mão
pelo rosto. — Como eu poderia pensar que seu trabalho é
estúpido? Veja o que fez por nós. Pela cidade.
— Oh. — Tudo bem então. Não tenho resposta para isso.
Olho para o quintal e tento me lembrar dos detalhes daquela
conversa. Beckett interrompe com uma pergunta.
— Onde você está procurando?
— Pelo quê? — Eu quero manusear entre suas sobrancelhas
até que essa linha desapareça. Ele passa muito tempo franzindo
a testa.
— Sua felicidade. Onde você acha que vai encontrá-la?
— Não sei. — Eu enrolo minha mão em volta do meu copo
até que a condensação faça cócegas na palma da minha mão.
Estou ocupada pensando na minha resposta quando ele
encontra uma para mim.
— Porque eu acho que ela ainda está lá em algum lugar. —
Ele gesticula em minha direção com sua garrafa. — Você não
brilharia assim se não estivesse.
Ele termina sua bebida e a coloca aos seus pés, e então inclina
a cabeça para olhar de volta para os campos como se o que ele
disse não tivesse me acertado no peito.
— Está tudo bem se você levar algum tempo para encontrá-
la novamente. E está tudo bem se você encontrá-la apenas para
a perder um pouco aqui e ali. Essa é a beleza disso, sim? Ela vem
e vai. Nem todo dia é feliz e não deveria ser. Está na tentativa,
eu acho.
Eu limpo as teias de aranha da minha garganta.
— Tentar ser feliz?
— Não. — Ele balança a cabeça uma vez. — Isso não
funciona. Tentar ser feliz é como dizer a uma flor para
desabrochar — Ele cruza os tornozelos e arrasta a palma da mão
contra a barba por fazer. — Você não pode se fazer feliz. Mas
você pode estar aberta a isso. Você pode confiar em si mesma o
suficiente para sentir quando tropeçar nela.
Eu o encaro. Encaro e encaro e encaro.
— Você não é o que eu esperava, Beckett Porter. — Não
agora. Não era na última vez que o vi. E não era naquela noite
nebulosa no Maine, quando ele entrou por uma porta como se
estivesse procurando por mim desde sempre.
Um dos gatos sai da casa e pula no colo de Beckett,
acomodando-se em sua coxa com um grande bocejo. Ele deixa
cair uma mão pesada sobre as costas dela e alisa suavemente
sobre a pele macia. Seu sorriso é quase tímido quando ele olha
para mim.
— Digo o mesmo para você.
Nove

BECKETT
EU acordo de bruços na minha cama, dois gatos enterrados
entre minhas escápulas e meu telefone vibrando na mesa de
cabeceira. Eu gemo e luto para não jogar a maldita coisa pela
janela. Eu estava sonhando com Evelyn e aquelas meias que ela
estava usando na varanda dos fundos – aquelas que vão até os
joelhos. No meu sonho, ela estava apenas usando aquelas
meias, um sorriso tímido em seus lábios vermelhos escuros.
Sou uma criatura de hábitos e posso me sentir criando novos
hábitos com Evelyn em meu espaço. Estou acostumado a tê-la
aqui agora, até gosto disso. Eu gosto de ouvi-la se mover do
outro lado da casa no meio da noite, um xingamento abafado
sob sua respiração quando ela esbarra em algo no escuro. Gosto
de ouvi-la falar com os gatos, discutir com Prancer sobre quem
tem direito ao grande cachecol fofo que ela amarra no pescoço.
Gosto dos sapatos dela no corredor e da bolsa em um dos
ganchos da porta. Seu batom no balcão da cozinha e seus
elásticos de cabelo esquecidos na beirada da pia.
Eu rolo na cama e Cometa e Vixen expressam seu protesto,
encontrando outro lugar nos cobertores para se enrolar. Eu
enfio as palmas das minhas mãos em meus olhos até ver
manchas.
Eu não deveria gostar de nada.
Eu certamente não gostaria de sonhar com ela. Tenho
certeza de que isso cruza algum tipo de linha na trêmula trégua
de amigos que lentamente montamos.
Mas meu cérebro não recebeu o memorando. Cada noite é
um vale-tudo de fantasias vívidas. Evelyn na banheira gigante,
bolhas deslizando pelo pescoço. Evelyn na cozinha, curvada
sobre minha bancada. Evelyn encostada na estante ao lado da
lareira, as mãos enroladas nas bordas.
Meu telefone vibra novamente e eu bato cegamente em
minha mesa de cabeceira. A luz do amanhecer flerta com as
bordas da minha janela em uma sombra cinza.

4h32
Nessa
Você é necessário na trivia esta semana.
Eu não quero ouvir uma única reclamação ou
desculpa.
Uma das categorias é botânica.

Eu franzo a testa para o meu telefone.

4h41
Beckett
O que você está fazendo acordada tão cedo?
E não.
Minha família tem um time de trivia para as competições
mensais do bar. Eles são assustadoramente competitivos sobre
isso. Harper quase jogou uma cadeira pela janela da frente
quando ela errou uma pergunta sobre Boyz II Men.

4h42
Nessa
Ensaio antes do trabalho.
Você tem 72 horas para aceitar essa realidade.
Harper não vai poder ir.

Eu quebro meu cérebro para uma desculpa apropriada.

4h43
Beckett
Eu não estou registrado.

Eu sei que todos os membros da equipe precisam estar


registrados no início da temporada de trivia. Caleb teve que
intervir em uma disputa no ano passado, quando Gus e Monty
puxaram Luka para a categoria Bruce Willis sem nenhuma
autorização.
Sento-me na cama e balanço minhas pernas sobre a borda,
as tábuas do piso frias sob meus pés. Tem sido
excepcionalmente frio em março. Eu olho para a janela, e
depois volto para o meu telefone quando ele toca novamente.

4h45
Nessa
Oh, meu doce irmão.
Registramos você todos os anos exatamente por
esse motivo.
Agora é sua hora de brilhar.
A categoria é BOTÂNICA.

4h47
Beckett
Nosso pai também é fazendeiro.

4h49
Nessa
Vejo você neste fim de semana.

Eu não me incomodo com uma resposta. Eu sei que se eu


não aparecer na trivia, Nessa vai aparecer na minha casa –
provavelmente com Harper – e me arrastar fisicamente até lá
aos chutes e gritos. Já aconteceu antes e provavelmente
acontecerá novamente.
Eu não gosto de ir para a trivia. Não gosto de passar meu
tempo em uma sala lotada que cheira a cerveja e asinhas
picantes fritas, uma televisão ligada em cada canto e um velho
toca-discos que qualquer um pode trocar quando quiser. Por
alguma razão insana, Jesse adora tocar ABBA. É esmagador, e
pelo menos sete pessoas tentam falar comigo todas as vezes.
Eu me preparo para o dia, as bordas do meu sonho agarradas
aos meus pensamentos. No meu sonho, eu estava traçando a
suave inclinação entre o ombro e o pescoço dela, meu dedo
traçando a pele marrom macia. Eu me arrasto pelo corredor
enquanto coloco minha flanela sobre meus ombros e me
entrego. Ela ainda teria gosto cítrico se eu pressionasse minha
língua em sua pele? Ela ainda soluçaria meu nome?
O tilintar da cafeteira me distrai, um brilho quente de luz
vindo da cozinha.
Evelyn está de costas para mim no balcão, Prancer
aninhando a cabeça em seu quadril. Ela cantarola e acaricia a
mão nas costas do gato, sussurrando algo com uma risada
enquanto Prancer empurra mais forte nela. Olho para a
bancada. Duas canecas de fora, fumegando com café.
Meu coração dá uma batida pesada no meu peito.
— Bom dia — eu cumprimento e Evelyn se vira para me
olhar por cima do ombro, o cabelo balançando ao redor do
rosto. Com os olhos ainda pesados e um bocejo fazendo seu
nariz torcer, ela é melhor do que qualquer sonho que eu
poderia imaginar. Suave. Sonolenta.
Perfeita.
— Bom dia — diz ela de volta, a voz um pouco áspera nas
bordas. Eu me lembro que fica assim quando ela acorda pela
primeira vez, o corpo preguiçoso sob os lençóis. Eu limpo
minha garganta e continuo abotoando minha camisa, seu olhar
preso onde minhas mãos trabalham em meus botões, a fina tira
de pele nua que está exposta. Eu sinto o toque de seus olhos
como a ponta de um dedo contra a minha pele, começando
abaixo da minha clavícula e provocando lentamente para baixo.
Um pulso de calor bate uma vez na base da minha coluna.
— O que você está fazendo acordada? — Eu me faço
perguntar. Minha voz soa como se eu tivesse engolido um saco
de pedras.
Sua língua desliza em seu lábio inferior enquanto ela vira as
costas e pega as duas canecas da bancada. Eu gostaria que ela
continuasse me encarando, gostaria que ela pressionasse as
mãos sob esta flanela e cravasse as unhas na minha pele.
Ela me entrega uma caneca, seus dedos roçando os meus
enquanto eu enrolo minha mão em torno da cerâmica quente.
— Eu vou com você hoje. — Ela leva a caneca aos lábios. —
Eu gostaria de ver o que você faz. Estaria tudo bem?
Eu concordo. Ela poderia me dizer para colocar uma
fantasia de cachorro-quente e dançar o merengue nos degraus
da frente e eu provavelmente concordaria.
— Sim, está tudo bem.

— VOCÊ TEM CERTEZA? — Pergunto pelo que parece ser a


octogésima sétima vez desde que saímos da cabana há vinte
minutos. Ela me dá uma olhada por cima da pá como se
estivesse contando também, totalmente sem graça.
— Por que você acha que eu não consigo lidar com trabalho
manual?
Eu coço a parte de trás da minha cabeça com força,
apertando os olhos sobre os campos. Os transplantes chegarão
em breve para o plantio, e estaremos todos no convés para o dia
da escavação. Prefiro cavar à mão (como um lunático, como
Layla gosta de dizer) e, claro, Stella fez disso uma coisa. Música,
lanches, um monte de gente que é francamente inútil em todo
o processo. Caleb pode ser um bom policial, mas ele cava os
buracos mais tortos que eu já vi na minha vida.
Mas isso deixa Stella feliz, então é dia de cavar.
Estamos fazendo o espaçamento hoje, marcando a distância
entre cada árvore. Será mais fácil para as pessoas cavarem se
tudo já estiver colocado onde deveria estar. Aprendi isso da
maneira mais difícil quando Charlie pensou que seria “legal”
fazer sua própria “floresta particular” no último campo que
fizemos. Agora tenho vários aglomerados de árvores crescendo
muito próximas umas das outras, desequilibrando a coisa toda.
— Apenas me diga o que você precisa que eu faça — Evelyn
ordena, e meu cérebro imediatamente oferece várias sugestões
detalhadas. Ela estala os dedos na frente do meu rosto. —
Instrução, menino da fazenda.
Eu hesito e seus olhos se estreitam em fendas. Eu esqueci o
quão exigente ela pode ser.
Esqueci o quanto gosto.
— Você não acha que uma mulher pode fazer o que um
homem faz? — Se um olhar pudesse matar, eu estaria a sete
palmos no chão.
— Não — eu respondo, divertido. — Uma mulher pode
fazer o que um homem faz e fazer parecer fácil.
Seus olhos se estreitam ainda mais.
— Não brinque comigo.
— Eu não estou — eu rio e um sorriso relutante floresce em
seus lindos lábios. — Minha irmã poderia chutar minha bunda.
Todas as minhas irmãs poderiam chutar minha bunda. Não
tenho vergonha de dizer. Elas costumavam bater nas crianças
que zombavam de mim na escola.
O pobre Brian Hargraves nunca viu Nessa chegando. Em
um segundo ele estava jogando grãos de milho na parte de trás
da minha cabeça enquanto eu caminhava em direção ao ônibus
e no próximo Nessa o tinha lançado no chão como se ela fosse
uma lutadora de MMA.
O sorriso oscila no rosto de Evelyn.
— As crianças zombavam de você na escola?
Ter problemas para falar com outras pessoas combinado
com o trabalho em uma fazenda me tornou um alvo fácil.
Nunca foi nada muito malicioso. Fácil o suficiente para
bloquear.
E todo mundo parou de falar merda quando de repente eu
cresci 15 centímetros no meu primeiro ano, meu corpo
aumentando por estar desde cedo na fazenda.
Eu limpo minha garganta e aceno para o campo de terra
esticado atrás de nós. Em breve estará pontilhada de pequenos
feixes verdes, as árvores mais jovens que já tivemos. Elas vão
crescer aqui por cinco anos antes de estarem prontas para suas
casas em frente a lareiras e grandes janelas, decoradas com
enfeites e luzes.
— Cave uma pá rasa cheia a cada seis passos. — Olho para
suas longas pernas e considero. Ela aponta o dedo do pé como
uma modelo de passarela e eu engulo outra risada. Eu juro que
nunca ri tanto na minha vida. — Cinco passos e meio.
— Viu. — Ela levanta a pá por cima do ombro. — Isso não
foi tão difícil, foi?
Ela parte para o outro lado do campo, o rabo de cavalo
balançando atrás dela. Observo enquanto ela para na beirada,
enfia a pá na terra e a joga para o lado. Cinco passos e meio para
a frente. Novamente.
Eu não sei o que estar ficando excitado por uma mulher
limpando a terra diz sobre mim. Provavelmente nada de bom.
— Oh, docinho — Jeremy de repente aparece no meu
ombro e qualquer traço de excitação puxando para mim se
dissipa imediatamente. Eu cerro os dentes. — Tem alguém
novo? Eu não tenho mais que tirar pedras. Excelente.
Ele levanta o punho para eu bater e eu o encaro.
— Você removeu as pedras por dois dias.
E só porque ele me disse que distendeu o pulso na terceira
manhã. Ele reclamou o suficiente para eu arrancar a pá de suas
mãos.
— Dois dias é demais, mano.
Entrego a ele minha pá e aponto na direção oposta de onde
Evelyn está trabalhando. A última coisa que ela precisa é de
Jeremy sendo... Jeremy perto dela. Ele aperta os olhos para ela à
distância, a coluna dela curvada sobre a pá. Ela pressiona a bota
na lâmina, gira para baixo e levanta com o ombro. Eu faço um
som de dor sob a minha respiração.
— Merda, cara. Oh meu Deus. Ohmeudeus — Jeremy
balança a ferramenta em suas mãos. — Aquela é – puta merda,
mano – é Evelyn St. James?
Eu nem sei como ele pode dizer quem ela é de tão longe. Ela
está vestindo calças atléticas grossas que se moldam às suas
curvas como uma segunda pele e uma camiseta branca enorme.
Um overtop de moletom com um contorno costurado da Half
Dome na borda inferior. Ela não poderia ser mais discreta se
tentasse.
Embora as calças certamente deixem uma impressão. Tenho
certeza que elas terão um papel de protagonista nos meus
sonhos esta noite. Quero alisar as palmas das mãos sobre o
material brilhante, puxar o cós com os dentes.
— O que diabos ela está fazendo aqui? Oh meu Deus —
Jeremy se curva na cintura e pressiona as palmas das mãos nos
joelhos. — Você acha que ela vai fazer um vídeo comigo? Oh
meu Deus.
— Que som é esse que você está fazendo? — É um ruído
sibilante, agudo e irregular. — Você precisa de água?
— Eu preciso do meu celular — ele ofega, enfiando a mão
no bolso da calça jeans e depois no casaco. Quando ele não
consegue encontrar o que está procurando, ele vira os olhos em
pânico na minha direção. — Cara, meu telefone não está aqui.
— Você normalmente traz seu telefone aqui com você?
Ele acena lentamente.
— Tenho que alimentar o Insta, sabe?
Não sei. Não faço ideia do que ele está falando.
— A iluminação da manhã é uma droga. Os docinhos estão
aparecendo nas DMs desde que comecei a trabalhar aqui. Você
talvez pode realmente estar em alguma coisa. É por isso que
todas as mulheres da cidade perdem a cabeça quando você
aparece?
— Ninguém perde a cabeça.
Se alguma coisa, eu recebo muitos olhares e alguns
sussurros, mas isso é provavelmente porque eu não me
incomodo em aparecer para nada. O convite de Nessa para
trivia parece um carrapicho preso no meu sapato.
— Claro, cara. Seja lá o que você diga — Ele me dá um tapa
nas costas e se vira para voltar para o estacionamento onde o
carro de sua mãe está estacionado. — Eu volto já. Tenho que
pegar meu telefone.
Eu o agarro pela nuca antes que ele possa ir longe demais e o
empurro na direção oposta de Evelyn.
— Comece aqui em vez disso. Você pode pegar seu telefone
depois.
Ele faz beicinho para mim.
— Seu senso de responsabilidade é super inspirador e tudo,
mas…
Eu balanço minha cabeça.
— Cave seus buracos, e então você vai passar a manhã com
Stella no escritório.
Ele se anima com isso.
— É?
É. Stella não acha que todo o trabalho manual é propício
para transformá-lo em um jovem adulto honesto. Ou alguma
coisa. Ela quer que ele passe algum tempo no escritório com ela,
veja como administramos as coisas do lado dos negócios. Você
provavelmente nem fala com ele, não é?
Não se eu puder evitar, eu disse a ela.
Eu aponto para a distância.
— Vá embora.
Ele me dá um olhar petulante.
— Eu vejo como é. Colocando a mulher e o menor de idade
para trabalhar enquanto você relaxa. Estou te vendo, chefe. —
Ele divide os dedos e aponta para os seus olhos e depois para os
meus.
Esse maldito garoto.
Jeremy se arrasta até seu canto e dou uma olhada na direção
de Evelyn. Observo enquanto ela passa a parte de trás do braço
pela testa, as mãos enrolando na borda inferior do moletom e
levantando. Eu vejo um flash de pele negra, a borda superior
daquelas calças apertadas.
Pego a outra pá descartada e viro para o canto sudeste.

— Seus pais te ensinaram a plantar?


A risada de Sal ecoa dele, suas mãos ocupadas colhendo
vagens do caule enquanto ele responde à pergunta de Evelyn.
— Não. Absolutamente não. Meu pai é mecânico e minha
mãe mata tudo que toca. Eu não a deixo perto das minhas
plantas de casa quando ela me visita.
Eu grunho e empurro uma planta com muita força, algumas
folhas vindo com os feijões verdes. Tem sido assim o dia todo.
Evelyn vem descobrindo a história de vida de todos que
conhece, encantando-os com seus sorrisos e sua risada até que
se tornem uma massa de abóbora em suas mãos. Ela viu Jeremy
do outro lado do campo durante a escavação esta manhã e
acenou. Dez minutos depois, o merdinha astuto estava rindo
com ela, nenhum dos dois cavando um único buraco. Barney
veio roncando com seu trator e depois de uma conversa de
cinco minutos onde ela apoiou o quadril contra o volante, ele
estava corando e a convidando para a noite de pôquer.
Ela é riso brilhante e sorrisos fáceis. Interesse e afeto
genuínos que fazem você se sentir como se estivesse flutuando
nas nuvens. Essa é a magia de Evelyn, eu acho. Ela brilha tanto
que lança a todos ao seu redor o mesmo brilho.
Eu quero sentir essa luz também. Mas tudo o que consegui
foram sorrisos hesitantes e um espaço cuidadosamente
mantido entre nós.
Evelyn olha para a coleção de folhas e feijões estrangulados
em minhas mãos. Ela tem sujeira até os cotovelos e na curva de
sua mandíbula, o cabelo caindo de seu rabo de cavalo liso.
Ela é linda.
— Tudo certo?
Eu cedi à tentação e estendo minha mão, manuseando uma
teimosa mancha de lama logo abaixo do queixo dela. Tudo
ficaria bem se eu pudesse parar meu cérebro por meio segundo,
me lembrar que ela não está aqui para ficar. Ela enviou essa
mensagem com clareza suficiente nas duas últimas vezes em
que desapareceu da minha vida sem dizer uma palavra. Evelyn
é como uma tempestade de primavera. Ela aparece sem avisar,
faz tudo ao seu redor florescer e depois vai embora com o vento.
Mas eu não posso evitar tocá-la. Eu abano meus dedos
contra o lado de sua mandíbula e ela balança em mim,
tropeçando mais perto. Eu quero pressionar meu polegar em
seu queixo e guiar sua boca aberta. Eu quero enrolar minha
mão em volta de seu pescoço e puxá-la para mim. Eu quero
sentir aquele calor florescer no fundo do meu peito enquanto
eu abaixo minha boca na dela.
Em vez disso, eu me conformo com isso. Toques lentos e
cuidadosos contra sua pele quente. Eu deslizo meu polegar pela
linha de sua garganta e esfrego suavemente em uma teimosa raia
de sujeira, para frente e para trás. Sua pele é tão macia, é como
tocar seda. Ela engole e eu arrasto meus olhos para os dela. Nós
nos encaramos por uma inspiração compartilhada, minha mão
contra sua garganta. Eu me pergunto se ela está pensando em
minhas mãos em sua pele naquele quarto de hotel. Se ela está se
lembrando, também.
Uma respiração profunda chocalha no meu peito e eu deixo
cair minha mão ao meu lado.
Sal joga a mão no ar, um tsch baixinho. Ele continua a descer
a linha de plantas sem olhar para cima uma vez.
— Não se importe com ele. Ele é sempre assim.
Os olhos de Evelyn se inclinam para mim, um segredo no
sorriso que se curva em seus lábios. Finalmente, um sorriso só
para mim.
— Nem sempre — ela murmura, travessura com um toque
de calor. Lembro-me de outra vez que meu polegar estava em
sua garganta, suas pernas abraçando meus quadris e suas palmas
pressionadas firmemente em meus ombros. Eu mudo em meus
pés.
— Você ainda precisa da minha ajuda? — Chamo Sal,
quebrando nosso contato visual e jogando os grãos em um
balde. Eu preciso de distância. Algum espaço para controlar...
o que quer que esteja pressionando meu peito toda vez que
olho para Evelyn. Tocá-la, sentir sua pele sob a minha. Não vai
levar a nenhum lugar bom para mim.
Eu observo a parte de cima do chapéu de Sal enquanto ele
continua a descer a linha elegante de verde brilhante, bem no
meio do campo.
— Estou bem. Não há muito o que fazer hoje.
Eu escovo minhas palmas no meu jeans, duas listras gêmeas
de sujeira. Evelyn segue Sal, mãos trabalhando nas folhas. Eu
moo o calcanhar da minha bota na terra e traço a curva de sua
coluna com meus olhos.
— Você quer ficar aqui ou voltar comigo?
Eu tiro meu chapéu e esfrego minha mão na parte de trás da
minha cabeça, fazendo uma bagunça no meu cabelo. Volta
comigo dá uma batida no meu crânio e aperta bem atrás dos
meus olhos. Se eu pudesse tirar esse pensamento da minha
cabeça e enterrá-lo sob esses grãos, eu o faria.
— Eu vou ficar. Acho que estou encontrando alguma
felicidade aqui. — Ela olha para suas mãos com um sorriso, a
sujeira endurecida sobre seus dedos. Seus olhos encontram os
meus e seu sorriso se alarga. — Aqui no mato.

TOMO O banho mais longo e frio da minha vida.


Observá-la nos campos hoje tinha sido uma tortura. Ela se
encaixa aqui, com as botas na terra e a mão protegendo os olhos
contra o sol nascente, me chamando sobre a vasta extensão de
terra. Ela se encaixa na minha varanda de trás com as pernas
dobradas sob ela, queixo no joelho, fazendo dezessete
perguntas por minuto.
Evelyn não está aqui por você, digo a mim mesmo enquanto
estou sob a corrente de água fria. Eu fecho meus olhos e ignoro
a atração do desejo – o calor crescente em meu peito que é
muito mais perigoso do que qualquer sentimento de luxúria.
Ela veio aqui por algo que não é você.
Ela provavelmente se encaixa em todos os lugares que ela vai.
Essa é a magia de Evelyn. Ela pode encontrar um recanto
confortável para si mesma em todos os cafés, barracas de
comida e buracos na parede que visita.
Eu, enquanto isso. Eu me encaixo aqui. Só aqui. Neste
pedaço de terra onde posso passar dias inteiros sem falar com
uma única pessoa.
Meu telefone começa a tocar no balcão ao lado da pia e eu
gemo, batendo minha cabeça contra a parede do chuveiro. Eu
tinha planos de desaparecer na estufa hoje à noite, me perder
em podar e plantar até que a imagem de Evelyn rindo ao lado
do trator desaparecesse da minha mente. Até que eu possa olhar
para ela e não... não querer tanto.
Eu bato minha mão na maçaneta do chuveiro e ele dá um
grunhido de protesto em resposta. Se eu não tomar cuidado,
esta casa estará em pedaços quando Evelyn decidir sair. Esse
pensamento não faz nada para aliviar meu humor sombrio e
quando eu finalmente consigo atender o telefone, estou
completamente agitado, um arrepio percorre meu corpo por
causa da água gelada.
— O quê?
Uma batida de silêncio.
— É assim que você atende o telefone para sua irmã?
Eu desligo o telefone e bato na minha cômoda. Ele
imediatamente começa a tocar novamente. Respiro fundo pelo
nariz enquanto visto minhas roupas e atendo no terceiro toque.
— Oi, Nessa. O que posso fazer para você?
Ela cantarola.
— Assim é melhor. — Ouço a melodia baixa de um piano
ao fundo. Ela deve estar no estúdio. — Você nunca respondeu
minha mensagem sobre a trivia.
Eu resmungo e continuo não respondendo a ela sobre a
trivia. Pego uma camiseta da gaveta de cima da minha cômoda,
uma velha e desbotada com um texugo bravo esticado no peito.
A mãe de Luka é chefe da PTA na escola e eu compro uma
camisa todo ano. Tenho medo do que pode acontecer se eu não
fizer isso.
— O que está acontecendo com Harper? — Eu desvio,
lutando em meu jeans. Enfio meu joelho na cômoda e xingo
baixinho.
— Nós não estamos falando sobre Harper. Estamos falando
da trivia.
Eu a ignoro.
— O que está acontecendo com Harper?
Há uma longa pausa.
— Eu não sei o que você quer dizer.
— Ela ficou quieta no jantar e agora ela não vai para a trivia.
— Ela não está se sentindo bem ultimamente — ela
responde com pressa. A música ao fundo é cortada
abruptamente. — Coisas de mulher.
— Nessa.
— O quê?
— Você não pode simplesmente dizer coisas de mulher para
me fazer parar de fazer perguntas. Quando isso funcionou? —
Fecho a gaveta da cômoda, frustrado com essa conversa.
Comigo mesmo. Com o universo. — O que está acontecendo
com Harper?
— Ok, bem — ela solta um suspiro pesado. — Você não
pode ficar bravo.
Olho para o teto e imploro por paciência. Eu já estou bravo.
Então não é mentira quando digo:
— Não vou ficar bravo.
— Você não pode fazer nada sobre isso.
— Eu não vou fazer nada sobre isso — eu ranjo entre os
dentes cerrados.
— Sério? Porque na última vez que você disse isso…
— Vanessa.
Ela faz uma pausa e eu puxo minha camisa sobre minha
cabeça.
— Ela estava vendo Carter de novo — ela diz lentamente,
arrastando cada palavra com relutância. Um flash quente de
raiva imediatamente me agarra pela garganta. — E ele terminou
com ela no fim de semana.
Eu sabia. Eu sabia, porra. Toda vez que Harper teve aquele
olhar em seu rosto, foi por causa de um homem. Um filho da
puta estúpido com mechas loiras e uma porra de um colar de
concha de puka.
— O que ele disse para ela?
Nessa suspira.
— Eu não…
Eu faço um som frustrado no telefone.
— Ele disse a ela que ela é apenas o tipo para ter um caso —
ela sussurra, como se com ela dizendo baixinho, eu não iria me
transformar em uma bola gigante de raiva. Tarde demais para
isso. — Ele disse que ela é muito divertida, mas é isso.
Eu respiro fundo. Solto lentamente. Eu toco no botão do
alto-falante e puxo minhas mensagens de texto.
— Eu já arranhei o carro dele duas vezes, mas tenho certeza
que Dane está atrás de mim — Nessa hesita. — O que você está
fazendo?
— Estou enviando mensagens de texto — eu digo.
— Pra quem você está mandando mensagem?
— Luka.
— Vocês não podem fazer aquela coisa de se esconder nos
arbustos com camuflagem e pular com tacos de beisebol. Vocês
poderiam dar a ele um ataque cardíaco, e Dane disse que iria
prendê-lo se você fizesse isso de novo. — Ela faz um som
divertido baixinho que ela faz o possível para esconder. — Eu
não tenho o dinheiro da fiança para você este mês.
Eu apoio minhas mãos na beirada da cômoda e flexiono
meus dedos duas vezes. Ela está certa. Dane ameaçou nos
prender depois da última vez.
E tenho certeza que usamos a última pintura facial de Stella.
— Ok. — Eu saio das minhas mensagens de texto. Levaria
muito tempo para Luka chegar aqui de qualquer maneira.
— Ok? É isso?
— Mmhmm — eu murmuro. Cometa e Vixen enfiam a
cabeça no meu quarto, veem o olhar no meu rosto e
rapidamente saem correndo.
— O que você está planejando?
— Nada. — Eu mantenho minha voz cuidadosamente
neutra. Estou planejando ir até o bar e bater o rosto de Carter
em uma cesta de batatas fritas quinze vezes seguidas. Depois
vou comer um hambúrguer com uma cerveja e voltar para casa.
Talvez eu pegue um daqueles sanduíches vegetarianos que
Evelyn parece gostar tanto.
— Ok — ela sopra uma respiração profunda. — Ok, eu não
acredito em você. Mas tudo bem.
— Ok — eu papagueio de volta, procurando as chaves do
meu carro. Eu poderia jurar que as deixei em cima da minha
cômoda. Eu saio do quarto, quase derrubando Evelyn no meu
caminho para a cozinha. Ela agarra meus braços para se manter
de pé, um som assustado saindo dela.
— Merda, me desculpe.
— Está tudo bem — diz ela, seu nariz contra o meu pescoço.
Eu deslizo a mão que não segura meu telefone entre suas
escápulas até a parte inferior de suas costas, a palma da mão
arrastando por sua espinha enquanto me certifico de que ela
está firme. Eu chupo uma respiração afiada quando meus
dedos roçam a pele nua. A camisa dela deve ter ficado presa
entre nós.
Ela responde com um suspiro trêmulo contra mim, as
pontas dos dedos cavando levemente na minha pele. Seu nariz
se ergue, o roçar de seus lábios logo abaixo da minha orelha.
Meu corpo inteiro fica rígido.
— Beckett Porter, você tem um MULHER AÍ? — A voz de
Vanessa grita pelo telefone diretamente no meu ouvido.
— Tenho que ir, Ness.
— Não desligue, você…
Eu desligo o telefone e coloco no meu bolso de trás, me
inclinando para trás e olhando para Evelyn colada na minha
frente. Ela limpou a sujeira do rosto e tudo o que resta é um
brilho rosado de um dia passado ao ar livre, o cabelo enrolado
nas pontas. Eu coloco uma mecha atrás de sua orelha.
É a segunda vez hoje em que eu não fui capaz de manter
minhas mãos longe dela. Eu me sinto preso entre segurá-la a
uma distância segura e puxá-la para mais perto. Um pêndulo
balançando sem parar para frente e para trás.
Eu dou um passo para trás e limpo minha garganta. Eu pego
minhas chaves do balcão da cozinha e tento pegar alguns dos
sentimentos jogando Plinko dentro do meu peito de volta para
onde eles pertencem.
— Indo para algum lugar?
— Sim. — Meus lábios estalam a última letra da palavra,
irritação deslizando através de mim quando penso em Carter.
Aquele maldito idiota. Eu franzo a testa e olho para as duas
cadeiras na varanda dos fundos, nossos planos para o jantar
nunca foram discutidos, mas um novo hábito, mesmo assim.
— Quer um sanduíche vegetariano enquanto estou fora?
— Você fica bravo com sanduíches vegetarianos, hein? —
Ela enfia o dedo na linha entre minhas sobrancelhas e eu
algemo seu pulso com a mão. Ela é tão pequena que meus dedos
se sobrepõem facilmente. — O que colocou esse olhar em seu
rosto?
— Alguém foi um idiota com minha irmã — eu explico.
Deixei nossas mãos caírem entre nós, cedendo e balançando
nossos braços para frente e para trás uma vez. A pele dela é tão
macia. — Eu vou cuidar disso.
Evelyn pisca para mim. Sem um segundo de hesitação, ela
pega o moletom descartado pendurado nas costas de uma das
cadeiras da sala de jantar. Ela o puxa pela cabeça, os braços
perfurando as mangas, as mãos levantando o longo rabo de
cavalo para puxá-lo da gola.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto, um pouco
hipnotizado e muito distraído com todo aquele cabelo.
Ela enfia os pés de volta nos sapatos que tirou no final do
corredor e gesticula em direção à porta com um aceno de
cabeça.
— Você acha que eu vou deixar você ir sozinho? — Ela
balança a cabeça decididamente. — Eu quero aquele sanduíche
vegetariano. Eu vou com você.
Dez

EVELYN
BECKETT BRAVO É… UMA experiência.
Antebraços tensos, um sulco profundo no meio da testa.
Olhos duros e sua boca em uma linha plana e severa. Ele
continua respirando fundo durante a viagem para a cidade,
deixando o ar sair devagar. Suas mãos flexionam no volante e
ele murmura algo sobre um loiro de praia filho da puta
baixinho.
Francamente, está funcionando para mim.
Não que haja muito que Beckett faça que não funcione para
mim.
Observá-lo nos campos esta manhã foi como um copo de
água fora do alcance. A flexão e extensão de seus braços
enquanto ele empurrava sua pá para baixo. A extensão de seus
ombros e a linha forte de sua mandíbula. Não ajudou que eu
soubesse como é o corpo dele sob todas aquelas roupas. A
forma como seu peito duro afunila em quadris estreitos, o
músculo empilhado em seu abdômen que eu definitivamente
afundei meus dentes durante nosso tempo juntos.
— Aonde estamos indo?
Sua caminhonete diminui quando chegamos à beira da
cidade, uma placa de madeira pintada nos dando boas-vindas
ao centro de Inglewild. Faz-me sorrir cada vez que a vejo. A
diferença entre o centro e o resto deve ser de dois quarteirões.
Beckett vira à esquerda no quartel e desce a rua, seu olhar
focado no pára-brisa dianteiro. Eu sinto que talvez eu deva
ativar alguma meditação guiada, acalmá-lo antes que ele
encontre quem quer que esteja procurando.
— Beckett — eu tento novamente. — Aonde estamos indo?
Estou começando a pensar que o plano dele é dirigir sua
caminhonete pela sala de estar de alguém.
— O bar — ele responde. Duas palavras. Nada mais. Eu vejo
sua mandíbula flexionar e estalar.
— Quem está no bar?
— Carter Dempsey.
Eu aceno como se esse nome significasse alguma coisa para
mim.
— E o que você vai fazer com Carter Dempsey?
Beckett passa a mão sobre a alavanca de câmbio e nos faz
parar. Em uma série de movimentos praticados, ele manobra
sua caminhonete gigante em uma das vagas de estacionamento
que margeiam a estrada principal. Nunca na minha vida fiquei
tão excitada com uma baliza. Beckett muda para estacionar e
nivela um olhar direto para mim.
— Eu vou matá-lo.
OK, bem. Isso provavelmente não é uma ótima ideia. Ele
chuta a porta e atravessa a rua como se estivesse feliz sobre ir
matar alguém. Eu me esforço para soltar meu cinto de
segurança e o sigo com passos rápidos, correndo para
acompanhar sua caminhada furiosa.
— Você quer tomar sorvete em vez disso?
Ele abre caminho pela larga porta de madeira, mantendo-a
aberta com a palma da mão para que eu possa entrar por baixo.
— Não.
— Eles tinham um novo sabor há alguns dias.
Casquinha de waffle de chocolate com pedacinhos de
butterfinger7 misturados. Layla e eu pegamos três casquinhas
seguidas. Ele resmunga para mim e se dirige para o longo balcão
que se estende pelo meio do espaço. Está escuro, mesmo
durante o meio-dia, e ninguém está atrás do bar, o lugar vazio,
exceto por um homem relaxado em uma mesa no canto. Ele
levanta a mão em saudação enquanto Beck caminha até um
banquinho, chutando o que está ao lado dele no que suponho
ser um convite.
— Jesse está trabalhando hoje?
— Não, é o Carter — o homem no canto responde. —
Embora eu não saiba para onde ele desapareceu.

7
É barra de chocolate com a combinação única de textura crocante e
amanteigada de amendoim e pasta de amendoim
Eu ando atrás de Beckett até o velho bar de mogno,
catalogando os detalhes de estanho ornamentados em camadas
no teto. Se Carter tiver um pingo de bom senso, ele
desaparecerá nos fundos do bar. Eu tomo o assento ao lado de
Beckett e ele me puxa para mais perto com o pé entre os degraus
inferiores do banco, me entregando um menu de papel.
Eu enrolo meus dedos em torno dele e olho para ele.
— Vamos comer antes ou depois de você cometer um
crime?
Um sorriso mal toca seus lábios.
— Depois.
— Imagino que deva ser difícil com sangue em suas mãos.
Seu lábio se curva ainda mais e ele acena em direção ao
banheiro.
— Eles têm sabão.
Tudo bem, então. Eu olho para o menu, uma borda
arrancada.
— O que você recomendaria?
Olhos verde-mar se inclinam em minha direção.
— Pensei que você gostaria da coisa da berinjela.
Eu cantarolo e inclino minha cabeça enquanto olho para a
descrição impressa abaixo.
— Você tem razão. Mas vou comer batatas fritas. —
Recuso-me a comer uma salada depois de um dia inteiro de
trabalho manual. Ou, você sabe, sempre.
— Ok.
Ele mantém sua bota embaixo do meu banco enquanto
esperamos, seu olhar não vacilando da pequena meia porta que
leva à cozinha dos fundos. Seu joelho bate na minha perna a
cada dois minutos e é bom, apesar da tensão que ele está
segurando em seus ombros. É bom dividir um espaço. Foi bom
passar o dia todo nos campos com ele. Foi bom voltar para casa
com a chaleira no fogão e os muffins da padaria em uma linda
caixa verde na ilha da cozinha. Os gatos descansando sobre os
móveis e as botas de Beckett descartadas na porta. Foi bom vê-
lo descer o corredor, o cabelo ainda molhado de um banho,
jeans baixo em seus quadris, seus olhos brilhando ao me ver. Era
bom estar pressionada contra ele, sua pele quente e sua
respiração um sopro suave contra minha orelha.
Eu sempre senti uma atração por Beck. Isso não é segredo.
Mas agora está pior. Mais profundo. Eu gosto de passar tempo
com ele, vendo os pedaços de si mesmo que ele faz o possível
para esconder. Suas rotinas e sua ordem e compromisso
relutante com uma família de gatos órfãos. Sua lealdade e seu
cuidado silencioso.
Eu gosto dele.
Quanto mais tempo estou aqui, mais fácil é ignorar todo o
resto. Ainda não sei se isso é bom ou ruim.
Depois de dez minutos sem a aparição do misterioso Carter,
Beckett suspira e se levanta de seu banco, desenrolando seu
grande corpo de sua posição curvada. Eu o ouço murmurar
algo como fodido inútil baixinho novamente. Ele contorna a
borda do bar.
— Você quer uma cerveja?
— Cidra, se eles tiverem.
Ele aperta os olhos para as torneiras. Eu sorrio enquanto ele
se inclina um pouco mais perto dos rótulos, sua cabeça
inclinada em confusão.
— Você precisa de óculos?
Ele envolve a mão em torno de uma das torneiras, colocando
um copo embaixo e enchendo-o com bolhas âmbar. Ele não me
responde.
— Porque parece que talvez você precise de óculos.
Eu penso nele em um par de armações pretas grossas,
escorregando no nariz enquanto ele se senta na grande cadeira
de couro ao lado da lareira, um dos gatos no colo e um livro no
joelho. Meu corpo inteiro fica arrepiado.
— Tenho um par que uso às vezes, mas apenas para ler —
ele murmura. Ele pega outro copo para si e serve uma cerveja.
Ele olha por cima do meu ombro para o homem no canto. —
Você precisa de alguma coisa, Pete?
— Tequila com gelo, garoto.
Beckett acena com a cabeça e pega uma garrafa da prateleira
de trás. Uma onda lenta de calor se desenrola na base da minha
coluna enquanto Beckett alinha um copo, flexionando o
antebraço. A última vez que eu bebi tequila, Beckett lambeu
uma linha de sal de dentro do meu pulso e então amarrou os
dedos no meu cabelo, empurrando minha cabeça para trás até
que ele pudesse sentir o gosto na minha língua.
Ele olha para mim enquanto serve, os olhos conhecedores.
Eu tento sorrir em torno do nó na minha garganta.
— Isso é familiar. — Minha voz sai em um sussurro arenoso.
É o mais perto que chegamos de falar sobre aquele fim de
semana. Ele balança a cabeça e desliza o copo de tequila pelo
bar.
— Eu não vou levar isso para você, Pete — ele chama por
cima do ombro.
O velho no canto ri.
— Imaginei. Parece que você está com as mãos cheias do
jeito que está.
Beckett volta ao bar com sua cerveja, seus passos lentos. Seu
peito roça meus ombros enquanto ele desliza atrás de mim. Eu
sinto cada lugar que nossos corpos tocam. Quando ele se senta,
ele está mais perto do que antes, sua bota no degrau inferior da
minha cadeira. Ele puxa uma vez, o metal rangendo enquanto
se arrasta pelo chão. Pete abafa uma risada na manga de seu
casaco enquanto pega seu copo, retornando ao seu lugar
isolado no canto do bar. Viro meu rosto para Beckett e vejo
como sua língua molha seu lábio inferior.
— Não tomo tequila desde então — ele me diz e acho que
não estamos falando de álcool. A lambida de calor faiscando ao
longo da minha pele se transforma em um inferno. Eu abro
minhas pernas ligeiramente no banco até que eu possa
pressionar meu joelho ao lado de sua coxa. Deixo-me olhar para
ele, deliciando-me com todos os detalhes que posso coletar
quando estou tão perto. Eu os coloco na palma da minha mão
como segredos. As sardas quase imperceptíveis espalhavam-se
sob seu olho esquerdo. A linha reta de seu nariz, uma pequena
depressão no centro. O cacho de cabelo atrás da sua orelha.
— Nem eu — eu digo. Um sussurro. Uma confissão.
Eu observo a linha forte de sua garganta enquanto ele
engole.
— Você…
Ele não termina sua pergunta. A porta atrás do bar se abre e
um homem um pouco mais baixo que Beckett sai. Ele está
vestindo uma camiseta do Guns N' Roses rasgada na parte
inferior e jeans de lavagem clara, uma braçada de óculos limpos
equilibrados contra o peito. Seu cabelo loiro cai em seu rosto
enquanto ele passa pela porta, uma toalha enfiada no cinto. Ele
é meio fofo de um jeito despretensioso. Ele provavelmente seria
mais bonito se eu não tivesse Beckett sentado ao meu lado, as
mãos se fechando em punhos.
Este deve ser Carter, então.
Ele hesita assim que seu olhar pousa em Beckett, seus olhos
passando para a saída e de volta para o homem corpulento
prestes a tomar dois punhados da tampa do bar.
— Beckett — ele cumprimenta, cautela em sua voz e com
razão. O calor que estava rastejando na expressão de Beckett
enquanto esperávamos se foi agora, e sua mandíbula parece
apertada o suficiente para estalar. — Vejo que você se serviu.
Ele acena para as bebidas na nossa frente. Beckett não diz
nada. Carter se mexe em seus pés. Ele realmente tem um colar
de concha de puka. Achei que talvez Beckett estivesse
exagerando.
— Você precisa de mais alguma coisa?
Beckett permanece em silêncio.
Carter suspira.
— Você só vai sentar aí?
Beckett pega sua cerveja e toma um longo gole, o olhar não
se move um centímetro. Impaciente, o rosto de Carter se
transforma em algo cruel. Ele não parece mais fofo. Ele parece
mesquinho e infantil, seu cabelo tingido se tornando um verde
desbotado nas luzes acima.
— Harper contou…
— Não diga o nome dela. — Beckett interrompe. Um
arrepio lambe minha espinha. Eu nunca ouvi aquele tom de voz
em sua boca antes, um aviso em cada sílaba.
Carter se eriça.
— Bem, se ela está falando como uma…
A mão de Beckett estala, rápida como um relâmpago. Ele
agarra a gola da camisa de Carter e o puxa por cima do bar até
que o outro homem está praticamente pendurado lá, as mãos
apoiadas na borda para evitar cair de cara na bandeja de
drenagem.
— Como o quê?
Carter gagueja.
— Vá em frente, termina a sua frase. — Quando Carter não
diz nada em resposta, Beckett o libera. Ele vai tropeçando para
o outro lado do bar, as costas batendo na beirada de uma mesa
segurando sua bandeja de copos limpos. Eles chocalham com o
impacto.
— Eu sei que faz um minuto desde a última vez que
conversamos, mas deixe-me esclarecer isso bem para você. Se eu
ouvir outra palavra da sua boca sobre minha irmã, eu quebrarei
todos os ossos do seu corpo — Beckett não quebra o contato
visual, nem por um segundo, sua voz enganosamente calma
para a ameaça viva em cada palavra. — Não fale sobre ela. Não
olhe para ela. Nem pense nela. Se eu descobrir que você entrou
em contato com ela com mais alguma besteira, farei com o que
acontecer a seguir pareça um acidente. Você me entende?
Ele pega o menu que coloquei ao lado da minha bebida. Ele
olha para ele uma vez. Carter se aproxima da porta que leva aos
fundos.
— Eu quero um hambúrguer. Ela vai querer o sanduíche de
berinjela. — Ele joga o menu sobre o bar e dá a Carter um olhar
desdenhoso. — Não se esqueça das batatas fritas.

LEVAMOS nossa comida para viagem.


Beckett está quieto, mas relaxado no caminho de volta, os
dedos tamborilando no console central. Eu giro o botão até
encontrar uma estação de rock clássico, estática explodindo
entre Fleetwood Mac. Eu abro minha janela e desfaço meu rabo
de cavalo, o vento pegando as pontas do meu cabelo até virar
um furacão ao redor do meu rosto. Posso sentir o cheiro do sol
e do suor do dia e um toque do meu xampu, o doce toque da
chuva da primavera nos campos pelos quais estamos passando.
Tudo é verde e dourado e brilhante, azul brilhante. Eu rio e
afasto meu cabelo do rosto com a palma da mão e observo
Beckett apertar o acelerador com mais força, com um sorriso
nos lábios. Ele ilumina todo o seu rosto, aquele sorriso – as
linhas de seus olhos se aprofundando, seu lábio inferior um
pouco torto.
Solto meu cabelo novamente e fecho meus olhos. Sinto que
estou flutuando, voando. Um corte suave em uma das cordas
amarradas ao redor dos meus pulmões, a risada baixa de Beckett
sussurrando através da cabine da caminhonete.
Felicidade.
A sensação se mantém enquanto nos acomodamos em
nossos assentos habituais na varanda dos fundos da casa.
Cupido se junta a nós brevemente antes de correr para a estufa.
Eu aponto para ela com uma batata frita enquanto a vejo
desaparecer lá dentro.
— O que você planta lá?
Ele dá de ombros, pernas cruzadas no tornozelo e metade de
um hambúrguer na mão.
— Flores, principalmente. O clima não é bom para elas sem
um pouco de proteção, então construí a estufa.
— Que tipo de flores?
Ele estica os ombros e pega uma das minhas batatas fritas.
Seus dedos batem contra as costas da minha mão e eu quase
derrubo o recipiente inteiro no meu colo.
— Orquídeas, principalmente. Estou experimentando
algumas poinsétias para o próximo inverno, mas veremos —
Ele mastiga uma batata frita em consideração. — Eu poderia
colocar o pato lá.
— Lá vai você com o pato de novo. Que pato?
— Eu te falei sobre o pato. — Ele falou, mas eu pensei que
ele tinha terminado com isso. — Encontramos um pato
abandonado na fazenda. O veterinário da cidade ainda não
conseguiu encontrar um lar para ele.
— É um filhote de pato?
Ele concorda. Eu afundo mais um centímetro no meu
assento e enfio uma batata frita na boca, imaginando-o sentado
naquela cadeira com um patinho no bolso da camisa.
É devastador.
— Você sempre quis ser agricultor?
Eu não consigo não perguntar. Josie me diz que tenho um
espírito curioso quando ela está se sentindo generosa.
Intrometida, quando ela está irritada com isso. Com Beckett,
sinto que só consegui migalhas. Eu quero quebrá-lo e examinar
cada pequeno detalhe.
Ele parece desconfortável com a atenção, porém, se
mexendo em sua cadeira.
— Você não precisa…
— Não, eu estou bem — Ele pega outro punhado de batatas
fritas e se recosta em sua cadeira com um suspiro, os joelhos
bem abertos, o crepúsculo começando a rastejar por entre as
árvores. Tudo é um índigo profundo esta noite, os galhos das
árvores formando um dossel azul-escuro sobre o quintal.
Parece que estamos nas páginas de um conto de fadas. Beckett
olha para mim com o canto do olho, um pincel de rosa nas
pontas de suas orelhas. Ele parece tão tímido e hesitante que
rouba o ar dos meus pulmões.
O príncipe. Ou talvez a donzela precisando ser resgatada.
Ainda não decidi.
— Não ria, ok?
— Eu não vou — eu digo enfaticamente. Eu nunca riria de
Beckett. Nunca.
Ele considera isso, rolando suas palavras em sua cabeça
enquanto ele aperta os olhos para os campos.
— Eu queria ser… — ele ri um pouco, a palma da mão
contra a parte de trás de sua cabeça. — Eu queria ser um
astronauta.
Penso no mapa do céu que ele gravou na frente de sua
geladeira, horários e datas de eventos celestes rabiscados nas
margens. Um livro das fases da lua no topo de sua estante.
— Acho que a maioria das crianças quer ser astronauta por
pelo menos metade de sua infância. Acho que estava apenas
marcando aquela caixa. Minha mãe me deu um traje espacial
no meu aniversário de oito anos e acho que não o tirei por um
ano inteiro — Eu imagino um pequeno Beckett em um traje
espacial com um capacete muito grande, seus olhos azul-
esverdeados sorrindo através do visor e meu coração aperta no
meu peito. — Achei que poderia trabalhar na NASA. Fazer
uma pesquisa, ou algo assim. Não sei. Eu só queria olhar para
as estrelas.
— Você poderia ter feito isso — Stella me disse que Beckett
construiu todos os sistemas de irrigação na fazenda, um novo
projeto que ela está tentando fazer com que ele patenteie. Ele
teria sido um excelente engenheiro se fosse isso que ele queria
fazer. — Por que você não fez?
— Meu pai trabalhava na principal fornecedora de
produtos do estado. Os Parson. É a algumas cidades adiante —
Conheço o lugar de que ele está falando. Já passei por ele ao
entrar e sair de Inglewild. É uma fazenda enorme. Fileiras e mais
fileiras de produtos, até onde você pode ver. — Ele teve um
acidente. Ele caiu de uma escada e ficou paralisado da cintura
para baixo.
Eu chupo uma respiração afiada.
— Beckett, eu sinto muito.
— Nada para você se desculpar. — Ele se acomoda ainda
mais em seu assento com um grunhido. — Minha mãe não
trabalhava na época. Ela foi para a escola de cosmetologia para
obter sua licença quando meu pai estava em uma situação
melhor. Ele levou um pouco de tempo para... para lidar com
tudo. — Ele esfrega os dedos contra a mandíbula
distraidamente, lembrando. — A família Parson foi muito boa
sobre isso, no entanto. Eles pagaram todas as contas médicas,
ajudaram nossa família como podiam. Eles me deixaram entrar
e me pagaram o mesmo salário que ao meu pai, embora eu
tenha certeza de que fui inútil nas primeiras temporadas.
Eu encaro Beckett.
— Você tomou o lugar do seu pai na fazenda?
Ele concorda.
— Sim, quando eu tinha quinze anos. Estou cultivando
desde então.
Beckett deve ver o olhar no meu rosto porque todo o seu
corpo suaviza, um olhar pensativo em seu rosto bonito.
— Nah, não olhe para mim assim. Está tudo bem.
— Você era apenas uma criança — eu digo em torno de uma
garganta que está muito apertada. Uma pressão queimando
atrás dos meus olhos. Eu penso naquele garotinho em um traje
espacial, olhando para as estrelas. — Você tinha um sonho.
— Encontrei um novo — ele responde, um sorriso
chutando o canto de sua boca. Ele se recosta na cadeira e inclina
o rosto para o céu noturno, as estrelas começando a acordar. —
E eu consegui manter as estrelas comigo.
EU DURMO DEMAIS NA MANHÃ SEGUINTE, meu corpo
dolorido dos ombros até as panturrilhas. Músculos que eu nem
sabia que existiam protestam quando me puxo para fora da
cama, arrastando-me pelo corredor até a cozinha. Cometa e
Cupido seguem atrás de mim, Vixen esperando pacientemente
ao lado de uma caneca vazia perto da cafeteira.
Há uma nota também, um pedaço de papel comum com
um mapa rabiscado. Eu o encaro, tentando entender as figuras
que Beckett desenhou. Estou supondo que o contorno a lápis
de uma casa com um gato em cima é sua cabana, um caminho
marcado em uma linha nítida em torno de vários pontos de
referência da fazenda.
O grande carvalho que se divide no tronco. O canteiro de
abóboras na casa de Stella. Os campos em que estávamos
trabalhando ontem. Tudo isso leva a um grande X no canto.
Ali está escrito UM POUCO DE FELICIDADE em pequenas
letras maiúsculas ao lado.
Eu sorrio.

— VOCÊ descobriu sobre as calças de moletom, sim ou não?


É assim que Josie atende o telefone quando começo minha
caça ao tesouro pela fazenda. Eu dou uma risada.
— Eu não.
Ela solta um suspiro longo e forte.
— O que você está fazendo aí fora?
Indo em uma caça ao tesouro por pedaços de felicidade,
aparentemente. Contorno o canteiro de abóboras e volto ao
meu mapa. Beckett desenhou uma pequena linha pontilhada
que cruza o próximo campo em ziguezague. Dou três grandes
passos para a esquerda e depois inclino para a direita. Olho para
minhas botas e percebo que este campo é mais pantanoso do
que o anterior, um trecho um tanto sólido de terreno
movendo-se em um cruzamento bem no centro dele. Eu sorrio.
— Estou descobrindo — eu respondo. Eu estou, eu acho. Se
não estou no campo com Beckett, estou em outro lugar da
cidade. Recebi um fluxo constante de pedidos de consultoria
desde que cheguei à cidade e aceitei pagamentos em forma de
lattes e livros usados. Está funcionando bem para mim.
Não sinto a mesma pressão sufocante quando estou
ajudando outra pessoa. Eu não estou presa em minha cabeça,
presa em um ciclo interminável de analisar cada detalhe. É mais
lento, mais relaxado.
Eu gosto disso.
— Percebi que você postou outro dia.
Apenas um pequeno vídeo. Um mash-up de clipes das
minhas andanças pela cidade. Um croissant meio comido em
um prato lascado. Pétalas de flores flutuando no ar. Dane
olhando para Matty sobre o balcão da pizzaria como se ele
tivesse pendurado a maldita lua. Sandra McGivens rindo na
calçada.
Pedaços de um dia normal e extraordinário. Assim como eu
costumava fazer.
— Além disso, Kirstyn ligou. Você me deve um aumento
por não terminar a conversa com uma série de palavrões. Ela
queria saber se você olhou algum de seus e-mails.
— Eu não olhei. — Quanto mais tempo fico longe da minha
caixa de entrada, mais claro fica para mim que preciso terminar
meu relacionamento com Sway. Acho que nunca mais vou
conseguir assistir a uma reunião sobre o festival de música
Okeechobee. Ja sabia disso há algum tempo. O tempo fora
tornou essa decisão mais fácil de tomar. — Acho que vamos
terminar com Sway — digo a Josie.
Seu alívio chega através do telefone.
— Graças a Deus. Posso ser aquela a terminar com isso?
Farei isso agora mesmo.
— Não — eu rio. — Eu vou marcar uma reunião para
quando eu voltar.
— Que é quando?
Paro no meio do campo lamacento pelo qual estou andando
e olho para as colinas onduladas ladeadas de árvores. Posso
apenas distinguir os sons de um trator roncando à distância, as
figuras de pessoas trabalhando no campo. Eu me pergunto se
Barney está alfinetando Beckett. Se Prancer está em seu trono
na parte de trás do trator.
Ainda não me sinto pronta para deixar este lugar. Pela
primeira vez em muito tempo, estou contente em ficar parada.
— Eu não sei — eu respondo fracamente. — Ainda não sei.
— Tudo bem — Josie me assegura. — Estou realmente feliz
que você ligou. Eu queria falar com você sobre algo que vi na
sua caixa de entrada.
Eu começo a andar novamente.
— Sim?
— Lembra como eu disse que Sway estava vendo suas
mensagens?
Não exatamente inesperado, pois esse foi um grande motivo
pelo qual me inscrevi em seus serviços. Eu queria que outra
pessoa analisasse o potencial delas. Eu também estava cansada
dos trolls e dos comentários e das críticas sem fim.
— Eu lembro.
— Estive vasculhando para ver se há algo interessante e
tenho alguns lugares novos para você conferir, quando estiver
pronta para isso. Mas o que realmente me chamou a atenção foi
um cara chamado Theo, da US Small Business Coalition. Ele já
entrou em contato com você antes?
Eu quebro meu cérebro.
— Eu acho que não.
— Ele tem sido bastante persistente. Disse que tentou ligar
pela Sway e não conseguiu deixar recado. De qualquer forma,
ele acha que você seria uma boa opção para uma nova iniciativa
que eles estão lançando. Acho que você deveria ligar para ele.
— Como uma coisa de parceria?
— Não exatamente. Eu acho que é uma posição dentro da
organização deles.
Essa seria uma nova direção. Eu nunca voltei a explorar
empregos tradicionais depois da minha série de entrevistas
horríveis logo depois da escola. Eu sempre gostei muito de ser
meu próprio patrão.
— Vou pensar sobre isso. Envie-me as informações de
contato dele.
— Claro. Assim que você me enviar uma foto do seu
senhorio gostoso.
Eu dou uma risada e continuo vagando cuidadosamente
pelo campo lamacento.
— Ele não é meu senhorio.
— Interessante parte da frase para contradizer — Josie
responde. — Eu tenho que ir. Vou encontrar minha mãe para
uma corrida.
Eu olho para o meu relógio. Não pode ser muito depois das
seis da manhã na costa oeste. Mas Josie sempre foi uma
madrugadora.
— Boa sorte.
Coloco meu telefone de volta no bolso e continuo seguindo
o mapa, rindo dos rabiscos de Beckett. Eu rio de uma coleção
de linhas onduladas rabiscadas no papel, supostamente um
aglomerado de arbustos logo antes de um mergulho na
paisagem esconder tudo da vista. Subo outra pequena colina e
então o vejo. Exatamente o que Beckett pretendia que eu
encontrasse.
Um campo de flores silvestres, estendendo-se da base da
colina em uma colcha de retalhos de cores. Azul e roxo e um
punhado de ouro rico, a visão disso tão silenciosamente linda
que eu não hesito em andar bem no meio de tudo e deitar de
costas. Elas devem ter florescido durante a última série de dias
quentes, ainda de pé apesar do frio. Resiliente. Esplêndido.
Pétalas de flores fazem cócegas na minha bochecha e eu
fecho meus olhos com um suspiro. Um milagre silencioso e
perfeito, escondido atrás das colinas.
UM POUCO DE FELICIDADE, Beckett havia escrito.
Eu enrolo meus dedos ao redor da borda do papel e o seguro
firmemente no meu peito.

FIQUEI DEITADA no campo até meu estômago começar a


roncar, um lembrete de que estive aqui a maior parte da manhã.
Sou grata pelo suéter extra que coloquei na cabeça antes de sair
de casa, a terra estava fria nas minhas costas e o vento forte o
suficiente esta manhã para que minha respiração fosse visível
em pequenas nuvens brancas acima de mim. Beckett me diz
que o tempo vai melhorar em breve e que o inverno está sendo
um pouco teimoso este ano.
Não é a única coisa teimosa, ele murmurou, um olhar
significativo lançado em minha direção.
Suspiro e vejo os caules ao meu redor dançarem na brisa.
Deitada no chão assim, é apenas eu e as flores, o céu de um azul
perfeito e sem nuvens acima de mim, sem fim em todas as
direções. Sento-me com um gemido e mergulho meu nariz em
um aglomerado de áster no meu quadril. Eles cheiram a musgo,
a grama depois da chuva. Passo as palmas das mãos sobre as
pétalas enquanto saio e decido que vou trazer Beckett comigo
na próxima vez que vier. Quero que ele se sente no canteiro de
dedaleiras e ver se elas realçam o azul de seus olhos.
Eu tomo um caminho diferente e sinuoso de volta para a
cabana, arqueando na direção oposta de onde eu vim. Beckett
tinha rabiscado uma forma de meia-lua no canto superior de
seu mapa rudimentar, e eu acho o lago que ele deve estar
referenciando com bastante facilidade. Não é muito grande,
mas tem um cais que se estende sobre a água, com um barco a
remo amarrado no final. O pequeno bote balança para cima e
para baixo suavemente enquanto a água bate nas pernas da
madeira envelhecida e eu sorrio, imaginando Beckett tentando
enfiar seu corpo na pequena coisa. A corda está desgastada nas
bordas, o barco pintado de um azul escuro, meia-noite.
As árvores se arqueiam sobre a água, um dossel de galhos
emaranhados e folhas verdes brilhantes. A luz do sol dança por
onde pode, pintando a água parada abaixo em listras douradas.
Vejo um pneu balançar do outro lado do lago, mal roçando a
água, uma corda grossa enrolada três vezes no galho robusto de
um velho carvalho. Quando eu era criança, costumava subir na
maior árvore do quintal dos meus pais, até o topo. Eu ficava
sentada ali com um livro até o sol começar a se pôr, um frio me
fazendo estremecer com as folhas. Meu pai se ofereceu para
construir uma casa na árvore um milhão de vezes, mas eu
gostava demais de escalar. Gostava do desafio, dos arranhões
que deixava nas palmas das minhas mãos. Sempre parecia que
eu estava mantendo um pedaço da natureza comigo. A prova
de que eu poderia fazer o que quisesse.
Sentindo-me nostálgica, ando até o tronco de um bordo
grosso, galhos largos se estendendo sobre a água, uma escada
natural de botões disformes e torrões na casca. Eu alcanço o
galho mais próximo e enrolo minhas mãos em torno dele,
alavancando meu corpo para cima e pressionando meu pé na
base. A memória muscular entra em ação quando coloco
minhas mãos e pés em todos os lugares certos, a dor em meus
músculos desaparecendo enquanto meu corpo aquece. Eu
pressiono e puxo até que eu possa passar minha perna sobre um
galho, mantendo meu corpo firme na metade do caminho.
Daqui a lagoa parece maior, a água parada refletindo os galhos
acima como um espelho. Olho para o meu reflexo ondulante e
descanso o queixo no joelho.
Eu não sei se é a lasca da minha infância, ou o campo de
flores, ou o mapa desenhado à mão de Beckett, ou meu tempo
longe de tudo que eu achava importante, mas eu sinto os
pedaços rebeldes de mim deslizando de volta ao lugar. Ainda
não chegou lá, não é o ajuste perfeito, mas não foi isso que
Beckett disse naquela noite na varanda dos fundos? Às vezes
vem, às vezes vai. É sobre tentar. Estabelecendo-se no feliz
quando o encontra, estando bem quando não o encontra.
Sentindo todos os pedaços deformados e onde eles se encaixam.
O delicioso e comum espaço em branco no meio.
Eu finalmente sinto que estou tentando.
Eu abaixo meu corpo cuidadosamente ao longo do galho até
meus braços e pernas ficarem livres, minha bochecha
pressionada contra a casca áspera. Vou ter marcas no rosto,
tenho certeza, mas assim, quando fecho os olhos, estou sem
peso. Nada me incomoda. Não o vento frio contorcendo as
árvores e fazendo cócegas nas minhas costas. Não a cravação de
um pedaço de pau na minha coxa. Não o zumbido
interminável de pensamentos no fundo da minha mente. Sou
apenas eu e o suave farfalhar dos galhos, a água batendo na
borda do barco abaixo e o canto dos pássaros pulando de árvore
em árvore. É um momento perfeito.
Até que eu me inclino para o lado e caio.
Onze

BECKETT
— VOCÊ ACHA QUE essa onda de frio vai acabar em breve?
Estou começando a ficar preocupado. Normalmente, não
vemos esses tipos de temperaturas no final de março. As tardes
têm sido bastante quentes, mas as manhãs e as noites são
francamente frígidas. Verifiquei a temperatura antes de sair de
casa esta manhã. Mal estava passando de um grau negativo.
— Tem que acabar — Barney responde, franzindo a testa
para suas botas, mãos nos quadris. — Porque eu me recuso a
fazer qualquer replantio dos produtos que já plantamos este
ano.
Não seria a pior coisa do mundo ter uma safra de baixo
rendimento nesta primavera. Não dependemos dela como
nossa principal fonte de renda. Mas eu odiaria ver todas essas
colheitas serem desperdiçadas depois de colocarmos tanto
esforço nesses campos e qualquer negócio é um bom negócio
para nossa nova fazenda.
Na verdade, eu estava começando a ansiar por pimentões.
— Onde está o garoto?
Eu coço minha sobrancelha.
— Com Layla esta manhã. Ela estava mostrando a ele como
estimar o estoque.
O que significa que ela está fazendo com que ele carregue os
sacos gigantes de farinha e açúcar, que ela pega no atacadista,
para dentro da padaria. Stella me repreende por forçar o
trabalho manual, mas tenho certeza de que Jeremy estará
rastejando de volta para os campos depois de uma tarde com
Layla. Ela administra suas cozinhas como uma equipe de
mecânicos, mas com glacê e granulado pastel.
Barney me dá um olhar malicioso.
— E a garota?
— O nome da garota é Evelyn — murmuro. E ela não é uma
garota. Ela é uma mulher envolta em tentação, encimada por
uma sinceridade ansiosa e honesta que faz meu peito parecer
vazio. Passar um tempo com ela, conhecendo-a, só me fez
gostar mais dela. O que é um problema, já que ela planeja partir
sem olhar para trás dentro de algumas semanas.
Esperançosamente, agora, ela está sentada em um grande
campo de flores. Imagino-a ali, com as mãos em concha
frouxamente em torno de uma Cenoura Selvagem florescendo,
as flores brancas brilhando contra sua pele escura. Eu me
imagino ali com ela, meu nariz em seu pescoço, sua pele mais
doce do que as flores ao nosso redor. Sua risada livre e quente.
Eu suspiro e enfio a palma da minha mão no meu ombro e
tento aliviar um pouco da tensão. Juro que me transformei no
homem de lata desde que ela começou a dormir na minha casa.
Um monte de latas chacoalhando, procurando para onde
diabos meu coração foi parar.
— Ela está em algum lugar por aqui, tenho certeza.
Barney se endireita de repente, sua mão protegendo seus
olhos contra o sol.
— Mais perto do que você pensa, sim?
O sorriso em seu rosto murcha e depois desaparece
completamente. Sigo seu olhar para uma figura curvada
tropeçando na colina. O chocalho no meu peito se transforma
em um rugido quando Evelyn faz uma pausa bem no topo.
Não há como confundir seu cabelo escuro ou suas longas
pernas enquanto ela balança no lugar, os braços apertados ao
redor de si mesma. Já estou avançando quando Barney
murmura um xingamento baixinho.
Algo está errado.
— Ela está bem?
— Pegue o Gator — eu chamo por cima do meu ombro,
pegando meu ritmo para uma corrida enquanto Evelyn tropeça
em seus joelhos e então cai ao seu lado. Eu a perco de vista na
grama alta e meu coração para, uma sensação de dormência
subindo pelas minhas pernas. Quando eu tinha 12 anos,
apostei com outro menino da minha classe que conseguiria
pular uma das cercas da fazenda com um único pulo. Lembro-
me de correr para a coisa torta a toda velocidade, as silvas dos
arbustos arranhando minhas pernas nuas. Lembro-me da
sensação de leveza de impulsionar meu corpo para cima e, em
seguida, do clipe do meu sapato contra a cerca. Eu bati no chão
com um baque doentio, o vento bateu em mim. Fiquei ali
deitado de costas e tentei desesperadamente sugar o ar, tudo
girando ao meu redor.
É assim agora enquanto corro para o topo da colina e
encontro Evelyn enrolada de lado na grama. Seu cabelo
molhado está grudado em seu rosto, suas roupas encharcadas e
grudadas em sua pele. Qualquer jaqueta que ela estava vestindo
foi descartada há muito tempo e seu corpo fica mais retraído,
os joelhos no peito, enquanto ela tenta conservar qualquer
calor que lhe resta.
Porra, está um pouco acima de zero aqui e ela está
encharcada.
— Evie — eu respiro, as mãos pairando sobre ela antes de eu
a virar de costas. Ela pisca para mim com os olhos atordoados,
os dentes cerrados ao redor dos arrepios que percorrem seu
corpo. Eu enrolo minha palma ao redor de sua nuca e o som
que ela faz estilhaça direto no meu peito.
— Ei — ela diz, sua voz áspera. Ela tenta sorrir, mas tudo o
que consegue é uma careta. — Eu ca-ca-caí no l-l-lago.
— Que porra você estava fazendo? — Eu pergunto, ciente
de que estou gritando sem motivo. Mas não consigo me conter,
não quando sua pele está desbotada para um cinza acastanhado
e ela mal consegue manter os olhos abertos.
Eu olho por cima do meu ombro enquanto coloco minhas
mãos acima de seus cotovelos, sua pele tão malditamente fria
que eu xingo baixinho. Eu deslizo meus dedos e me atrapalho
com minha jaqueta, arrancando-a dos meus braços e
colocando-a ao redor dela. Não que isso vá ajudar muito contra
suas roupas encharcadas. Mas ela o aperta contra o peito como
uma tábua de salvação e enterra o nariz no colarinho.
— Venha aqui — digo a ela, as mãos tremendo. Eu coloco
um sob seus ombros e o outro sob seus joelhos e a levanto
contra mim. A água escorre pelos meus braços e eu ajusto
minha jaqueta mais apertada ao redor dela. Ela geme no
segundo em que sua bochecha pressiona meu pescoço e eu sugo
uma respiração afiada por entre os dentes.
Ela está congelando.
— E-e-estava achando um po-pouco de feli-lici-licidade —
ela sussurra em meu pescoço, as mãos frouxamente sobre meus
ombros. Eu deslizo minha palma sob sua camisa molhada até
que o material se amontoe no meu pulso, esfregando com força
na parte inferior de suas costas. Eu quero arrancar o sol do céu
e instigá-lo de volta em sua pele, alisar minhas palmas sobre
cada centímetro dela até que ela esteja brilhando com ele
novamente.
— Como isso funcionou para você? — Eu respiro contra
sua testa, observando quando Barney finalmente aparece no
Gator. Ele está dirigindo a coisa como um louco, dando a volta
na cerca como um morcego fora do inferno. Eu começo a ir em
sua direção, tomando cuidado para manter Evelyn perto.
Ela bufa uma risada na minha pele que soa como um
gemido, seu nariz pressionado contra minha garganta.
— P-p-poderia ter sido me-melhor. Obrigada.
Barney bate no freio e uma nuvem de poeira sobe ao nosso
redor, os olhos arregalados em seu rosto bronzeado. Ele dá uma
olhada em Evelyn em meus braços e sua boca se achata em uma
linha fina.
— Há quanto tempo?
Eu subo no banco da frente com Evelyn e me enrolo em
volta dela. Somente sobre o meu cadáver vou a deitar no banco
de trás.
— Não sei — digo a ele. Enfio o nariz em seu cabelo
molhado e traço minha palma sobre sua barriga, tentando
derramar todo o meu calor nela. Sua mão enrola em volta do
meu pulso e ela me segura lá, apertando uma vez.
— A-andei do l-lago até a-aqui — ela responde com outro
arrepio enquanto Barney decola com um estrondo, indo em
direção a minha cabana. Eu coloco minha bota no chão do
pequeno caminhão e me agarro. O lago está facilmente a
oitocentos metros de onde estamos agora e quem sabe quanto
tempo ela demorou andando assim. — Meu te-telefone estava
no meu bo-bo-bolso.
— Você disse que estava dando um tempo, certo? Você não
precisa dele — Eu não posso acreditar que ela está pensando em
seu telefone quando ela mal consegue juntar duas palavras.
Uma chama quente de frustração bate atrás dos meus olhos,
seguida de um pânico profundo.
Ela está muito fria.
— P-p-por i-isso q-que eu n-não l-liguei para v-você — ela
explica, inclinando a cabeça para trás para estreitar os olhos
para mim. Sua mão aperta meu pulso novamente. — M-mal-
humorado.
Porra, eu estou mal-humorado. Eu também estou
apavorado. Fodidamente furioso comigo mesmo.
Barney para bruscamente na frente da minha cabana e eu
imediatamente saio, minha mão protegendo a cabeça de
Evelyn, seu rosto ainda dobrado na curva do meu pescoço.
Cada roçar de sua pele gelada contra a minha é como um
tambor de advertência, batendo dentro do meu crânio. Leve-a
para dentro. Aqueça-a.
— Sem água quente — Barney chama, seu rosto alinhado
com preocupação. — Se você a colocar no chuveiro ou na
banheira, pode aquecê-la muito rápido — Ele bate uma vez
sobre o peito. Sobre seu coração. — Cobertores. Muitos deles.
Ao meu olhar questionador, ele encolhe os ombros.
— Caí na baía em dezembro ajudando meu irmão a amarrar
potes de caranguejo. Quando a guarda costeira me pescou, foi
o que eles disseram. — Ele coloca o Gator em marcha e alivia o
freio. — Eu vou em direção ao escritório principal. Avisar Stella
e resolver tudo. Vou ligar para o Gus e pedir para ele vir assim
que puder. — Ele me dá um olhar severo. — Cuide da nossa
garota.
Nossa garota. Outro pedaço de mim se quebra, algo para
Evelyn segurar na palma de sua linda mão.
Ele volta ruidosamente para a fazenda e eu subo os degraus
de dois em dois, irrompendo pela porta da frente. Evelyn
estremece violentamente na minha frente, sua respiração em
pequenas baforadas contra meu pescoço. Os gatos correm ao
redor dos meus pés enquanto eu desço o corredor, indo direto
para a lareira. Eu a coloquei com cuidado na poltrona enorme
na frente dela, puxando-a para mais perto com minhas mãos
apoiadas em ambos os lados.
Ela franze a testa para mim enquanto eu me afasto,
tropeçando na pilha de lenha na lareira. Sinto que tenho duas
mãos esquerdas, meus movimentos descoordenados e
desajeitados. Eu acendi fogueiras desde criança, mas preciso de
três tentativas para acender o maldito fósforo, minhas mãos
tremendo o tempo todo. Eu lanço a chama atrás da grade e
expiro lentamente enquanto ela pega e se espalha, madeira
enrolando nas bordas. Eu a vejo tentar se levantar com o canto
do meu olho e meus dentes cerram em um estalo audível.
— Sente-se, porra.
— M-m-as o sofá. Estou toda molhada.
— Evie, eu juro por Deus. Eu não dou a mínima para o sofá
— Eu rasgo um dos cobertores do outro e o jogo na madeira a
seus pés, o fogo começando a estalar atrás de mim. Meu olhar
arrasta seu corpo encolhido na beirada da poltrona, de suas
botas encharcadas até seu suéter pingando.
— Tira suas roupas — eu lato, antes de pisar na cabine para
o meu quarto.
Eu gostaria de ser mais suave, mais reconfortante, mas meu
corpo parece apertado, tudo a um segundo do colapso. Não
consigo parar de relembrar o momento em que ela apareceu
sobre a colina, a forma como seu corpo balançou e depois caiu
para fora de vista. Como uma flor murchando na videira. Eu
não consigo parar de ver o jeito que ela se encolheu quando eu
a virei, as mãos agarrando o nada.
Eu enrolo o edredom da minha cama e caminho em direção
à sala de estar. Evelyn está de pé novamente, de costas para mim
enquanto se atrapalha com suas roupas na frente da lareira.
Tudo o que ela conseguiu fazer foi tirar os sapatos, as mãos
trêmulas tentando afrouxar o botão do jeans encharcado.
Ela me olha por cima do ombro, um olhar levemente
suplicante que evapora toda a minha raiva e a substitui por uma
dor terna.
— Beck, eu n-n-não consigo...
— Está tudo bem — Eu jogo o edredom com o outro
cobertor e me enrolo em suas costas, gentilmente movendo
suas mãos para os lados. Seu suéter molhado encharca minha
camisa enquanto deslizo o botão de sua calça jeans, as costas dos
meus dedos roçando a pele macia de seu estômago enquanto
trabalho no zíper. Eu puxo o material pesado sobre seus quadris
e ela faz um pequeno barulho, uma exalação fina de seu nariz.
Arrepios aparecem em sua pele enquanto eu desço o jeans
molhado e tiro suas pernas.
— Desculpe — murmuro, minha mão em volta de seu
joelho enquanto tento ajudá-la a sair dele. Meu polegar traça
distraidamente sobre a pele delicada. Ela ainda está tão fria.
Algo que soa como uma risada sai dela, suas mãos segurando
seus cotovelos e seu queixo pressionado contra o peito.
— Nada que você n-não tenha visto a-a-antes.
Eu aperto minha mandíbula.
— Não significa que é um convite aberto — digo a ela,
minha voz rouca de frustração. Estou muito focado nos
círculos sob seus olhos e no tom azul pálido de seus lábios para
notar qualquer outra coisa – o frio pegajoso que cobre sua pele,
suas roupas rígidas e inflexíveis. Eu me levanto e levanto a
bainha de sua camisa, guiando-a sobre sua cabeça. Eu tomo
cuidado para não emaranhar o cabelo dela quando todo o seu
corpo dá uma tremenda sacudida, a camisa jogada no chão com
um plop pesado. Eu aliso minhas palmas para baixo em seus
lados em uma massagem vigorosa e todo o seu corpo estremece.
Ela não é nada além de algodão fino e pele nua na minha
frente, suas escápulas curvadas como asas dobradas enquanto
ela se curva para frente. Eu alcanço o edredom e o enrolo em
sua frente, hesitando por meio segundo antes de pegar meu
moletom e puxá-lo. Eu puxo minha camiseta também,
deixando meu peito e torso nus. Evelyn olha para mim, olhos
escuros, pesados e exaustos.
— Isso é b-b-bom — ela murmura em torno de outro
tremor feroz, seu queixo e a curva de seus lábios mal visíveis
acima de seu casulo cobertor. Seria fofo se eu não estivesse tão
preocupado, seu cabelo escuro ainda um tufo molhado contra
sua testa.
Eu me afundo no edredom com ela, meus braços deslizando
ao redor de sua barriga e guiando-a contra mim até que suas
costas nuas fiquem confortáveis contra meu peito. Eu chupo
uma respiração afiada quando cada centímetro congelado dela
pressiona contra mim, suas mãos se movendo do cobertor para
agarrar meus braços em vez disso.
Preciso de mais dezessete cobertores. Uma daquelas garrafas
de água quente que minha mãe costumava colocar em nossas
camas quando éramos crianças.
— Q-quente. — Sua expiração é um suspiro de alívio. São
três passos arrastados até o sofá que não está coberto de roupas
molhadas. Quando eu caio de volta nele, eu me certifico de
manter Evelyn contra mim, guiando seu corpo acima do meu
até que ela esteja sentada de lado, suas pernas dobradas sobre
meu colo. Eu envolvo minha mão em torno de seu tornozelo e
aperto, meu polegar esfregando a saliência de seu osso.
Nós nos sentamos em silêncio, o fogo crescendo na lareira
até que a sala está brilhando com ele – o crepitar das chamas me
incitando a me acalmar. Eu posso sentir o calor lambendo
minhas canelas e inclino seu corpo até que ela esteja o mais
perto possível, dobrada contra mim.
— Você me chamou de Evie — ela diz em algum lugar no
meu pescoço, sua palma deslizando do meu pulso para o meu
cotovelo. Ela se aninha mais perto, ávida por calor.
— Esse é o seu nome, não é? — Eu cedi ao desejo de roçar
meus lábios contra a concha de sua orelha, usando meus dedos
em suas costas para pentear suavemente as pontas de seu cabelo.
Ainda está pingando e eu enrolo a ponta do edredom em volta
dele, tentando espremer um pouco da água extra. Eu deveria ter
trazido uma toalha para ela. Feito seu chá na cozinha.
— Você n-não me chama assim há algum tempo, é por isso
— ela responde, preguiçosa e lenta. Seu tremor diminuiu, sua
mandíbula finalmente relaxou com o aperto de seus dentes. Eu
olho para o que posso ver de seu rosto, seus cílios escuros em
leque contra a ascensão de sua bochecha.
— Eu g-gosto — ela me diz – uma declaração. Ela faz uma
pausa e solta um suspiro pesado e aguado. — Eu senti falta —
ela acrescenta – um segredo.
Eu movo minha mão para suas costas, diminuindo meu
toque até que minha palma descanse ao longo do centro de sua
coluna. Eu abro meus dedos e escuto o som de sua respiração.
Eu combino a minha com a dela.
— Eu também senti falta — confesso.
O frio começa a deixar sua pele enquanto eu continuo a
abraçá-la, uma luz suave da lareira enchendo a sala. Uma das
gatinhas aparece na beirada do sofá, seu rostinho franzido em
preocupação. O corpo de Evelyn relaxa contra o meu e eu
ajusto meu aperto, cutucando-a uma vez com o nariz.
— Ei. Acho que você não deveria dormir. Fale comigo por
alguns minutos.
Ela resmunga algo baixinho, se mexendo no meu colo até
que seu braço está baixo em volta das minhas costas e seu joelho
está abraçando meu lado. Ela está me usando como um
travesseiro humano e o pensamento me faz sorrir, um pouco da
tensão finalmente escorregando dos meus ombros.
— Sobre o que? — ela pergunta.
— Não sei. Sobre o que costumamos falar?
— Eu costumo fazer um monte de perguntas e você gr-
grunhe para mim. — Ela ri no buquê de margaridas no meu
ombro, as delicadas pétalas se espalhando sobre meu peito. Ela
o traça suavemente – os longos caules, a fina fita pintada entre
eles. Seu polegar trilha para o oco da minha garganta e ela o
deixa lá, o nariz na minha clavícula. Eu a ajusto no meu colo.
Não consigo pensar quando toda a sua pele está pressionada
contra a minha. Mal consigo respirar.
Quando não ofereço nada em termos de conversa, ela
suspira.
— Diga-me algo sobre o céu.
Eu inclino minha cabeça para trás contra o sofá e considero,
esticando minhas pernas sob a mesa de café.
— Haverá uma chuva de meteoros no final de abril — eu
começo. Suas pernas se movem e eu estou distraído com o peso
dela contra mim, seu lábio inferior arrastando contra a minha
pele. Eu inspiro lentamente.
— Eu sei — ela me diz. — Eu vi isso na sua g-geladeira.
Esqueci que coloquei o mapa lá. Normalmente um dos
gatos o recolhe para seu ninho e eu tenho que extraí-lo entre
camisas roubadas e uma gravata que usei duas vezes.
O peso de Evelyn se torna mais pesado contra mim, sua testa
cutucando meu queixo. Eu a empurro levemente, minha mão
deslizando por sua pele.
— Vamos, docinho. Fica acordada comigo.
Ela geme e envia um raio de calor disparando pelo meu
sangue. Eu limpo minha garganta e luto por algo para
preencher o espaço limitado entre nós.
— Li online que é considerado uma chuva de meteoros
comum. — É o que dizia o artigo. Comum. Como se um monte
de poeira, rocha e gelo que sobram da criação do sistema solar
não fosse algo incrível. Quando paramos de nos maravilhar
com o mundo ao nosso redor? Quando paramos de olhar para
as estrelas?
— Meteoros vêm de cometas? — Ela murmura no meu
pescoço, preguiçosa e lenta.
Eu concordo.
— Sim. — Deslizo minha mão até seu quadril e aperto uma
vez. — Pedaços de cometa, suponho. Quando os restos
começam a cair em nossa atmosfera, eles pegam fogo.
— Quando você c-coloca assim — ela ri, um leve toque no
som. — Parece lindo.
Eu sorrio contra sua têmpora.
— É, no entanto. É quando você pensa sobre isso. Essas
coisas estão circulando o céu por– Deus sabe quanto tempo,
realmente. E então nós cruzamos o seu caminho e eles
começam a cair, iluminando o céu à medida que avançam.
Pense em cada criança que olha para o céu e vê aquele flash de
luz. Isso é mágico, não é? — Oito anos de idade e de pé no
quintal dos meus pais, talos de milho até os joelhos e meu
pijama um tamanho maior, a barra da minha calça arrastando.
Um flash de luz e meu coração na garganta. Um desejo feito a
uma estrela. — O que diabos há de comum sobre isso?

— JÁ DISSE QUE não vou.


Eu espio para fora da cozinha para a sala de estar onde
Evelyn está enrolada em quatro cobertores no sofá, uma caneca
de chá suavemente colocada entre as mãos. Todos os gatos se
enterraram em vários pontos em seu casulo. Posso ver Vixen
pelo ombro, o rabo enrolado suavemente sobre a nuca de
Evelyn. Com um impulso puramente egoísta, trouxe para ela
uma de minhas flanelas para vestir e posso distinguir a manga
enrolada enquanto ela leva a caneca aos lábios, a gola esticada
sobre a pele nua.
Gus passou aqui não muito tempo atrás, a ambulância
entrando na minha garagem. Evelyn estava mortificada, as
mãos apertadas contra o peito, perguntando baixinho se trazer
a ambulância era realmente necessário. Gus riu e descarregou
sua bolsa, examinando-a gentilmente.
— É meu veículo de trabalho — ele disse a ela, dois dedos
pressionados na pele delicada de seu pulso enquanto ele aferia
seu pulso. — Da próxima vez vou alugar uma limusine.
Eu tinha feito um som com isso. Não haveria uma próxima
vez. Nós nunca mais voltaremos a fazer aquela pequena viagem
ao lago. Da próxima vez que Evelyn for lá, estará trinta e oito
graus e ensolarado. Vou colocá-la em uma dessas coleiras de
mochila. Agora que o medo se foi, fico com nada além de um
zumbido de frustração. Eu tenho que me segurar para não me
sentar perto dela, colocando-a contra mim. Eu quero sentir o
calor vibrando sob sua pele. Quero envolvê-la em mais sete
cobertores e trancá-la nesta casa.
Fecho a caixa de saquinhos de chá e jogo o recipiente de
metal no armário, fazendo barulho suficiente para acordar os
mortos. De alguma forma, consigo não desalojar o telefone
apoiado no meu ombro.
— Ah, agora você está me contando coisas — Nova corta do
outro lado da linha. Posso imaginar seu rosto contraído, a
forma como suas mãos se fecham em punhos como quando ela
está chateada com alguma coisa. — Você tem uma mulher –
uma estrela de mídia social de alto nível, veja bem – ficando
com você por semanas, e você não diz nada a ninguém. Mas
agora você está me dizendo. Ok.
— Não queria fazer uma tempestade em um copo d’água —
eu explico. Eu também não queria que todas as minhas irmãs
aparecessem na minha porta. Eu assisto enquanto a estrela da
mídia social se mexe no sofá, sua mão acariciando um dos gatos.
A culpa é delas se não prestaram atenção à árvore telefônica.
— Você poderia ter mencionado algo no jantar esta semana.
Evelyn estava na casa de Stella quando fui jantar em família
na noite de terça-feira. Levei para casa um pote Tupperware de
salada de batata e ela comeu no café da manhã, três dias
seguidos.
— Não havia nada a mencionar.
Nova bufa.
— Eu não tenho ideia de quanto tempo ela vai ficar e vocês
ficam... estranhas.
Elas ficam invasivas. Todos os cômodos desta casa teriam
sido subitamente ocupados pelas irmãs Porter se eu sequer
mencionasse o nome de Evelyn.
— Nós não ficamos estranhas.
Eu mantenho meus pensamentos para mim mesmo. Não
vale o argumento.
Nova circula de volta ao seu ponto original.
— Você tem que ir.
— Eu absolutamente não tenho que ir — A expressão vazia
de Evelyn se transforma em curiosidade, uma pergunta em sua
testa quando ela olha para mim. Eu reviro os olhos. — Eu
consertei a coisa do Carter. Harper pode estar em sua equipe
novamente.
— Harper não sabe nada sobre botânica.
— Ela sabe algumas coisas. — Como as plantas precisam de
luz solar e água para viver, mas provavelmente é isso.
— Você não se importa com vencermos?
— Nova. — Eu mexo um pouco de mel na minha caneca.
— Por favor, acredite em mim quando digo que não poderia
me importar menos com suas chances de ganhar.
Ela suga uma respiração profunda e faz uma pausa. Eu posso
ouvir sua mente desonesta tramando do outro lado do telefone.
— Tudo bem, bem — ela suspira, uma rajada de ar. Ela
provavelmente está sentada de pernas cruzadas em seu estúdio
de tatuagem, um bloco de desenho aberto no colo. — Tenho
certeza que vai ficar tudo bem. Mamãe ficará desapontada por
você não estar lá, mas você sempre pode visitá-la outra vez.
Eu belisco a ponte do meu nariz.
— Foi direto para o tiro mortal, não foi?
Ela ri.
— Eu jogo para ganhar o jogo, irmão mais velho.
— Estou desligando agora.
— Diga a Evelyn que eu disse oi.
Eu jogo meu telefone no balcão com um barulho e me
arrasto de volta para a sala de estar, chaleira na mão. Eu encho
a caneca de Evelyn e desabo no sofá com um suspiro, seus pés
automaticamente cavando sob minha coxa. Eles ainda estão
frios e eu considero voltar para pegar um par grosso de minhas
meias. Talvez o que ela roubou há três dias e que ela acha que
eu não sei.
Ela me observa por cima de sua caneca, soprando
suavemente no vapor. Cometa solta um ronronar satisfeito e
pula no meu colo, contraindo sua cauda no meu quadril antes
de se estabelecer em um pequeno monte peludo sobre meus
joelhos.
— O que você está evitando?
— Hum? — Não consigo pensar quando ela está assim,
minha flanela sobre um ombro e seu lábio inferior na borda da
caneca.
— Você disse que não vai. De que você não vai participar?
Baixo os olhos e me ocupo com uma ponta puída do
cobertor.
— Noite de trivia no bar.
— Carter baniu você ou algo assim?
Eu bufo. Eu gostaria de vê-lo tentar.
— Não.
— Parece divertido — ela diz enquanto toma um gole de sua
caneca, olhos castanhos fixos em mim. A voz dela está mais
rouca do que o normal, uma rouquidão que me faz me mexer
na cadeira e lembrar como era ouvir aquela voz na cama. Agora
que ela tem a cor de volta em suas bochechas e eu estou menos
frenético com a preocupação, eu me pego considerando o
trecho de pele negra suave de seu ombro. Como ela pareceu
macia com meus braços em volta dela. Seu nariz no meu
pescoço e suas mãos enroladas em volta de mim.
Ela segura meu olhar e espera. Eu empaco esses
pensamentos.
— Eu não… — Eu paro e considero não terminar minha
frase. Mas ela me cutuca com os dedos dos pés e eu suspiro. —
Eu não gosto de ir à cidade.
— Eu percebi isso. — Outro gole. — Você vai fazer compras
no meio da noite.
Não no meio da noite. Eu costumo esperar até meia hora
antes da loja fechar, quando eu sei que eles reabasteceram a
geléia de morango e os biscoitos de chocolate. A loja está quase
sempre vazia e não preciso falar com ninguém sobre latas de
sopa.
Ansiedade social. Sensibilidade ao som. Termos
extravagantes para o meu desconforto geral em torno de outras
pessoas. Meus pais me mandaram para um terapeuta quando
eu tinha dez anos, sobrecarregado com todo o barulho ao meu
redor. O pior foi na escola, quando eu não conseguia fazer o
maldito barulho... parar. Toda a conversa ao meu redor parecia
o pior tipo de zumbido sob minha pele, se estabelecendo em
uma dor profunda que batia como um metrônomo por cada
centímetro do meu corpo.
Eu não conseguia me concentrar. Eu mal conseguia falar.
Era miserável.
— Beckett?
Evelyn toca a parte superior do meu joelho levemente,
guiando minha atenção de volta da mesa para seu rosto
convidativo e ansioso. É a parte que eu mais gosto nela, eu acho,
sua curiosidade e gentileza. Seu desejo de ajudar onde pode,
como pode.
Quando ela diz algo, ela realmente quer dizer isso.
Ela franze a testa para mim e eu gostaria de poder desfazê-lo
com o polegar. Tornar tudo um pouco mais fácil para ela. Ser
metade tão bom nisso quanto ela é. Um arrepio desliza pela
linha suave de seu pescoço e me aproximo para ajustar o
cobertor mais alto. Acho que tenho um cobertor aquecido por
aqui em algum lugar. Uma colcha extra ou duas no meu quarto.
Meus dedos roçam sua garganta e ela estremece de novo, um
pequeno movimento de seus ombros e um aperto de sua
mandíbula.
— Ainda com frio?
Ela balança a cabeça, um sorriso atordoado chutando o
canto de sua boca. Eu sinto seu olhar como um toque na minha
pele, dançando pela minha bochecha e cobrindo minha
mandíbula.
— Estou bem — ela finalmente diz. Ela se mexe ainda mais
em seus cobertores. — São as pessoas?
Eu cantarolo, distraído novamente por suas mãos ao redor
da caneca. Suas unhas são de um rosa pálido. A mesma cor da
areia na praia. Um pêssego perfeitamente maduro, sentado
bonito em um galho de árvore.
— O quê?
— Você não é exatamente um falador, Beck — ela sorri para
mim. — É irrefutável.
Eu dou uma risada e coloco as bordas dos cobertores mais
apertados ao redor dela.
— Eu não sei como explicar isso — digo a ela lentamente.
— Sempre tive problemas para falar com as pessoas. Eu tento
evitar grandes grupos, se posso.
Estou mais confortável com as pessoas que conheço. Do
lado de fora, se eu puder. Algo sobre ver o céu acima de mim
solta algo no fundo do meu peito e torna tudo... mais fácil. Não
penso muito no que tenho a dizer. Eu não tropeço nos meus
próprios pensamentos.
— A primeira vez que nos encontramos — ela começa, seus
olhos semicerrados em pensamento, lembrando. — Você veio
até mim e me perguntou o que eu estava bebendo.
A primeira vez, eu acho, que abordei uma mulher em um
bar em vez de deixar alguém vir até mim. Parecia necessário que
eu falasse com ela. Um puxão, um impulso – como você queira
chamar. Eu a vi sentada lá e eu queria estar sentado ao lado dela.
— O bar em que nos encontramos estava vazio. Você se
lembra?
Ela acena.
— Havia um jogo de beisebol na TV no canto. Parei porque
senti o cheiro das batatas fritas da rua. — Ela sorri. — Aquelas
que você roubou metade.
Eu roubei metade delas, depois que eu bebi duas doses de
tequila e sua mão encontrou minha coxa debaixo da mesa.
— Escolhi aquele bar porque era o lugar menos cheio da rua.
— Então, eu vi Evelyn e não queria ir a nenhum outro lugar.
— Além disso, tudo fica quieto quando olho para você.
Ela me dá uma piscada lenta, os cílios tremulando. Seus
olhos dançam entre os meus, o lábio inferior preso por seus
dentes.
— Ajudaria?
Esfrego a borda do cobertor novamente, o material cinza
azul gasto macio sob meu toque.
— O que ajudaria?
Ela inclina a cabeça para o lado e estende a mão sobre mim
para colocar sua caneca na mesa lateral. Seu cabelo escova meu
antebraço e sou eu quem está tremendo.
— Se eu fosse com você — diz ela. Engulo em seco e fico
fascinado com as pernas da mesa de centro. — Ajudaria ter uma
amiga com você? Na trivia?
Eu não quero ser amigo dela. Eu quero ser exatamente o
oposto. Eu quero ser as pessoas que éramos quando estávamos
longe de todos os outros. Eu quase digo isso, mordendo a parte
interna da minha bochecha para manter o pensamento para
mim mesmo.
— Eu não sei — eu respondo lentamente. Provavelmente
não. Estou mais confortável com minha família e, mesmo
assim, é um desafio para mim sentar em algum lugar com tanto
som ao meu redor. A noite de trivia é um... evento. Quase
sempre termina com Dane carregando pessoas para a cela de
bêbados na delegacia. Da última vez, ele teve que colocar Becky
Gardener na parte de trás de sua viatura por lançar um prato de
peito de frango ao outro lado da sala.
— Eu vou com você — diz ela, tão lentamente. — Se você
quiser tentar.
Doze

EVELYN
EU GRUNHO quando alcanço a maçaneta da porta da padaria,
dezessete camadas de roupas grossas e quentes ao meu redor.
Beckett olhou para mim enquanto forçava um moletom sobre
minha cabeça na cozinha esta manhã – uma coisa verde velha e
desbotada com um texugo gigante no peito.
— Fique longe da água hoje — ele ordenou, os lábios
inclinados para baixo. Eu tinha ido soltar meu cabelo da gola,
mas ele chegou lá primeiro, prendendo-o em seu punho. Ele fez
uma pausa, apenas por um segundo, e depois o soltou nas
minhas costas.
Houve um punhado de memórias naquele segundo. Eu
podia ver isso no único flash de escuridão naqueles olhos
brilhantes. Ele se lembrava, assim como eu. Suas mãos no meu
cabelo, inclinando minha cabeça para trás enquanto ele me
guiava em direção a uma cama com muitos travesseiros.
Umidade pegajosa contra minha pele. Um gemido profundo e
indulgente vindo de mim. Uma exalação trêmula pressionada
bem entre meus seios.
A fita de sinos prateados acima da porta anuncia minha
chegada e interrompe com sucesso meu pequeno devaneio.
Layla e Stella olham por trás do balcão, o rosto de Stella se
contorcendo em confusão com minhas camadas de
marshmallow. Nem está frio hoje. Posso sentir uma única gota
de suor escorrendo pela minha espinha.
— Moletom fofo — Layla diz imediatamente, um sorriso
malicioso em seus lábios carnudos. Ela tem um bolo na frente
dela, creme de manteiga branco e glacê verde caçador. Um
rastro de miosótis delicados e azuis pálidos desce em cascata
pela lateral, sua mão parada acima. Ela ajusta seu aperto na
bolsa e inclina a cabeça para o lado. — Eu gosto do seu novo
visual de fazenda. Combina com você.
Também combina pra mim, quando não estou suando até
a morte. Vou até a bancada e pego um biscoito quebrado, a
pilha de descartes imperfeitos de Layla em uma bandeja para
qualquer um pegar.
Eu deveria ajudá-la com seus pedidos de fim de semana, mas
talvez eu coma todos os restos dela e encerre o dia. Sinto que
mereço isso.
— Eu vi a ambulância estacionar ontem — Stella enxuga as
mãos em uma toalha e dá a volta no balcão. — Eu ia passar lá se
não te visse hoje. Tudo certo?
A ambulância. Deus. Eu nunca me senti mais inconveniente
do que quando Gus entrou estrondoso na garagem de Beckett
com seu gigante vermelho e branco. Pelo menos ele não tinha
as luzes e as sirenes ligadas. Tenho certeza de que teria rastejado
para debaixo da cama no quarto de hóspedes e nunca mais
sairia.
— Estou bem. Beckett cuidou bem de mim. — Com os
cobertores e sua pele quente pressionada na minha, seus braços
apertados em volta de mim, seu queixo no meu ombro. Sinto
outra onda de calor que não tem nada a ver com minhas
camadas de roupa. Ele não hesitou, instantaneamente me
pegando e me segurando perto.
Layla ri de seu bolo, um movimento experiente de seu pulso
enquanto ela desenha uma pequena e perfeita folha no canto.
— Tenho certeza que sim.
Eu dou a ela um olhar ao redor de um bocado de biscoito de
aveia e chocolate.
— Muito maduro de sua parte.
Eu termino meu biscoito e coloco meus cotovelos no meu
peito, uma tentativa de puxar meus braços das mangas das
minhas duas camadas superiores. O material grosso se amontoa
ao redor do meu bíceps e eu faço um som impotente enquanto
tento me contorcer.
Stella tem misericórdia de mim e agarra a bainha.
— Estou feliz que você foi capaz de chegar a Beckett. É uma
longa caminhada do lago até os campos.
Ainda mais quando você está encharcada e tremendo tanto
que mal consegue respirar. Perdi meu casaco em algum lugar
no caminho, a coisa tão pesada com água que parecia ter 30
quilos a mais. Eu vou ter que ir pegá-lo em algum momento.
Stella puxa o moletom por cima da minha cabeça e eu solto
um suspiro de alívio. Movimento. Oxigênio. Doce, doce
liberdade. Ela coloca a confusão de algodão sobre uma cadeira.
— O que você estava fazendo no lago, afinal? Nós realmente
só o usamos no verão.
— Tentando. — Eu ofereço uma explicação que não faz
absolutamente nenhum sentido. Mas Stella sempre parece ler
nas entrelinhas. A confusão em seu rosto se transforma em uma
compreensão suave, sua mão apertando meu braço uma vez.
— Tudo certo?
Concordo com a cabeça, dou de ombros e, em seguida,
balanço a cabeça.
— Não sei. — Eu enfio minhas mãos nos punhos da minha
camisa e olho para a foto pendurada atrás do balcão – Beckett,
Layla e Stella juntos com uma tesoura gigante, cortando um
grande laço vermelho na frente da padaria. — Você já sentiu
vontade de ir devagar? Não ser responsável por tudo, o tempo
todo?
Ela quebra um pedaço do meu biscoito enquanto considera
sua resposta.
— Cerca de seis meses como dona da fazenda, comecei a ter
sonambulismo. Na maioria das vezes, eu acordava em algum
lugar da casa. Passando pelas gavetas da cozinha.
Inexplicavelmente tirando todas as minhas roupas da cômoda.
Reorganizando as plantas de casa. Outras vezes eu acordava no
meu escritório, sentada atrás da minha mesa. — Ela bufa uma
risada. — Uma vez acordei enquanto digitava um e-mail para
um fornecedor, pedindo quatro vezes o valor de tudo. Beckett
teria terra suficiente para anos.
— O escritório fica bem longe da sua casa. — Pelo menos
no meio da noite, fica. Quando alguém está presumivelmente
dormindo.
Stella assente.
— Sim. Uma noite eu caí no meio do campo. Torci meu
tornozelo. Eu tive que voltar para casa de pijama. — Ela balança
a cabeça. — Eu estava coberta de sujeira, sentada na minha
cozinha, com a perna apoiada no balcão.
Eu dou outra mordida no biscoito.
— Luka ficou bravo?
Ela acena.
— Furioso. Ele ficou chateado por eu nunca ter contado a
ele sobre o sonambulismo. Que estava acontecendo há um
tempo e eu nunca pensei em mencionar ou desacelerar.
Ela olha pela janela para as árvores além, um meio sorriso
puxando seus lábios.
— Não sou muito boa em ouvir a mim mesma. Alguns dias
eu me esforço demais. Alguns dias não conseguimos um único
cliente e eu fico em pânico de perder tudo. Alguns dias eu
invento uma história elaborada com meu melhor amigo e finjo
que estamos em um relacionamento para que uma
influenciadora de mídia social goste mais de nós. — Ela me dá
um sorriso triste. — Alguns dias estou tão cansada que mal
consigo lembrar meu nome. E isso é o que se espera, certo?
Quando você possui um negócio. Acho... acho que nos
disseram que devemos abraçar a rotina. O trabalho. Que tudo
vai valer a pena no final. Mas às vezes precisamos descansar mais
do que precisamos de outra coisa em nossa agenda. E tudo bem.
Estou aprendendo que está tudo bem.
Eu solto uma respiração ruidosa. É isso que estou
procurando, eu acho. Um pequeno descanso. Algo mais lento.
Estou tão cansada de todo o resto.
Stella me observa com atenção.
— Não há problema em querer coisas diferentes — diz ela.
— Pessoas mudam. Você tem permissão para mudar. Fazer
menos não te torna menos.
As estações mudam e nós também. Eu me pergunto se Stella
fez o banner que está pendurado no centro da cidade.
— Bela camisa — Layla chama, uma risada escondida em
sua voz. Olho para a flanela enorme amarrada com um nó na
minha cintura e puxo um dos botões.
— É confortável — eu digo.
— Mmmm.
— É muito macia.
— Tenho certeza de que é.
Não tão suave quanto o olhar no rosto de Beckett, porém,
quando ele me ajudou a deslizar o material sobre meus ombros,
seus dedos roçando o interior do meu braço e então minha
clavícula. Minha, aquele olhar dizia, com posse no trabalho
ágil de seus dedos contra os botões. Mas então ele limpou a
garganta e desviou o olhar, olhando para sua caneca de chá
como se ela tivesse o significado da vida.
Eu não tenho ideia do que ele quer de mim, se ele ainda quer
alguma coisa de mim.
Stella me estuda com um olhar conhecedor.
— Você falou com ele?
— Ele sabe que eu estou com a camisa dele.
— Não foi isso que eu quis dizer e você sabe disso.
Eu não sei. O que eu poderia dizer? Aquela noite no Maine
foi uma das melhores noites da minha vida. Eu quero continuar
sentada na sua varanda dos fundos.
A cada dia que passamos juntos, só gosto mais de você.
Não posso. Ainda há muito para descobrir. Estou confusa
sobre o trabalho e essa confusão está sangrando, atrapalhando
o resto de mim.
Especificamente meus sentimentos por um fazendeiro
muito bonito e muito estóico.
Nossa conversa é interrompida por uma batida no vidro
grosso da porta da frente. Caleb Alvarez abre a porta e enfia a
cabeça por ela, o resto de seu longo corpo permanece na
pequena varanda. Cabelo escuro, sorriso tímido. Olhos apenas
para Layla.
— Você já abriu para negócios?
Layla acena para ele de trás do balcão, a língua entre os
dentes enquanto termina de colocar suas flores.
— Sempre para você, oficial.
Caleb se endireita e desliza pela porta, um rubor satisfeito
em suas bochechas bronzeadas. Ele nos dá um aceno e um
sorriso tímido que faz com que covinhas gêmeas pisquem em
suas bochechas. Stella e eu suspiramos em uníssono.
— Disse para você me chamar de Caleb — ele fala para
Layla.
— Seu bolo estará pronto em um segundo — Layla oferece.
— Sirva-se de um café enquanto espera.
Caleb se abaixa atrás do balcão até a cafeteira e Stella se
inclina para mais perto de mim, escondendo a boca com as
costas da mão.
— Este é o terceiro bolo personalizado que ele pediu este
mês — ela sussurra. — Acho que ele ganhou quinze quilos.
Eu observo seu corpo esbelto, pernas cruzadas nos
tornozelos enquanto ele se inclina contra o balcão e olha para
Layla como se ela fosse feita de ameixas e pó de fada. Talvez
todas essas calorias estejam indo direto para seu coração
gigantesco. Eu sorrio.
— Ela notou?
O sorriso desaparece do rosto de Stella enquanto ela balança
a cabeça.
— Ela está tão acostumada com os homens que a tratam
como lixo, acho que ela não reconhece quando alguém tem um
interesse genuíno por ela. — Ela suspira e esfrega a ponta do
dedo em sua sobrancelha. — Eu tenho fé em Caleb, no entanto.
Eu também, se a risada de Layla for alguma indicação. Ela
explode com algo que ele murmura baixinho sobre a bancada,
um sorriso de resposta florescendo em seu rosto bonito.
Eu estreito meus olhos.
— Isso significa que você apostou dinheiro no Caleb?
Na última vez que estive aqui, me deparei com um bolão de
apostas em toda a cidade com chances de Stella e Luka se
tornarem oficial; um quadro branco surpreendentemente
organizado e eficiente na parte de trás do quartel com nomes e
valores rabiscados.
Stella ri.
— Luka tem.

EU COMO biscoitos de aveia e chocolate até ter que desabotoar


o fecho do meu jeans, reclinada na cozinha dos fundos em três
sacos de açúcar. Eu faço um som de gemido quando Layla passa
com uma bandeja de brownies, um pequeno quadrado caído
cuidadosamente no meu peito.
— Você vai me matar — eu gemo.
— Morte por chocolate — Layla deixa cair a bandeja na
grande ilha de metal no meio da sala e enxuga as palmas das
mãos no avental. — Há caminhos piores a seguir.
Sento-me e observo enquanto ela corta os brownies em
quadrados perfeitos de cinco centímetros, seus movimentos
graciosos e eficientes. O dia inteiro eu a vi girar em torno desta
padaria como uma dançarina, cada movimento um passo de
uma rotina elaboradamente coreografada.
— Você se mudou para Inglewild quando terminou a
faculdade, certo?
Layla sussurra e acena com a cabeça, pegando um plástico
em seu cotovelo.
— Conheci Stella em nosso primeiro ano em Salisbury. Eu
decidi me mudar para cá por um capricho, realmente. Não é
um grande plano. — Ela pressiona as costas da mão na testa, as
pontas dos dedos cobertas de chocolate amargo. — Eu morei
com Stella por um tempo. Nós dividimos um pequeno
apartamento acima da oficina mecânica. Tenho certeza de que
cheirei a óleo e graxa por seis meses seguidos. Beatrice odiou.
— Sra. Beatrice?
— Ah, sim. Trabalhei no café por um tempo. Ela me
ensinou tudo o que sei sobre assados.
Huh. Eu não fazia ideia. Eu estou supondo que a Sra.
Beatrice guardou sua receita de amanteigados para si mesma.
Os olhos de Layla se estreitam em um sorriso secreto, seus
lábios rosados curvados nas bordas.
— Eu sei que Beckett compra biscoitos ao lado. Me diverte
vê-lo se esgueirar por aí.
Seu telefone começa a vibrar na bancada e ela olha para a
tela.
— Falando do diabo — ela murmura. Ela lê qualquer
mensagem que aparece e bufa uma risada. — Beckett diz que
ele está atrasado e você deveria ir para a trivia comigo. Ele
também diz que não devemos, em hipótese alguma, passar pelo
chafariz da cidade. Você pode entrar de cabeça nele.
Eu reviro os olhos.
— Por quanto tempo eu vou ser provocada por isso?
— Ah, mais ou menos uma década. Seu telefone ainda está
no lago?
— Provavelmente — eu digo. Imagino-o sentado no fundo
com o lodo e a lama, um fluxo interminável de alertas de mídia
social pingando como bolhas. A imagem é estranhamente
satisfatória. — Qual é a probabilidade de Beckett estar evitando
essa trivia?
— Depende — Layla pendura o avental em um cabide perto
da porta e estica o pescoço. A quantidade de coisas que essa
mulher cria em um dia é impressionante. Tortas de pêssego e
croissants de manteiga quente e rosquinhas com creme de
baunilha fresco dentro. Ela deveria ter seu próprio programa
no Food Network, uma linha inteira de utensílios de cozinha.
— Para quem ele prometeu? Você ou Nova?
— Para mim.
Ela sorri.
— Então ele estará lá.

O BAR ESTÁ LOTADO quando chegamos, várias grandes mesas


dobráveis preenchendo o espaço que estava vazio há apenas
alguns dias. Há grupos agrupados ao longo de cada um,
cadeiras juntas e todos estão vestidos...
— Isso são fantasias? — Há um homem na outra
extremidade com os cotovelos apoiados na mesa, folhas no
cabelo, o peito embrulhado no que parece ser papel pardo.
Layla acena com a cabeça e acena para alguém no bar.
— Sim. Uma das regras para trivia é que você tem que se
vestir de acordo com o tema se estiver em um time.
Vejo uma bela jovem parada atrás do homem com o papel
do açougueiro todo amarelo, de cima a baixo. Ela tem videiras
falsas torcendo de seus tênis até os joelhos.
— E o tema desta noite é…
Layla se inclina sobre um casal tendo uma discussão
animada sobre palitos de mussarela e pega um folheto da mesa.
No topo, em grandes letras em negrito, lê-se FESTA NO
JARDIM. Eu olho de volta para o homem que deve ser uma
árvore, e seu parceiro que, eu acho, é um... sol?
Laila ri.
— As interpretações são sempre criativas. Ah, lá está a
família de Beckett. Podemos sentar com eles antes de começar,
mas eu quero estar fora de vista quando as perguntas
começarem.
Eu a sigo pela multidão, contornando alguém com penas de
verdade presas na maior parte de seu corpo. Um pardal? Quem
sabe.
— Fora de vista?
— Não é noite de trivia se um banquinho quase não
atravessar a janela.
— O quê? — Sua declaração me fez parar bem na beirada da
mesa para a qual estávamos caminhando, cinco cabeças com
vários graus de cabelos loiros escuros dobrados juntos e
sussurrando. Layla limpa a garganta e o homem mais próximo
de nós dispara em seu assento, o sorriso já puxando sua boca.
— Laaaaayla — ele canta, a voz se inclinando uma oitava
para baixo no final enquanto ele faz sua melhor imitação de
Eric Clapton. Layla ri e se curva para beijá-lo na bochecha. Seus
olhos se inclinam para mim e se mantêm, e seu sorriso se torna
travesso. Ele tem as mesmas características de Beckett, mas de
alguma forma são mais leves. Linhas de riso profundas em seus
olhos e ao redor de sua boca. Eu não noto a cadeira de rodas até
que ele se afasta um pouco da mesa, girando as rodas na minha
direção com uma mão segura. — Você deve ser Evelyn. Meu
filho é terrivelmente evasivo sobre você.
— Ele é evasivo sobre tudo — a mulher ao seu lado
murmura, mas ela está sorrindo também, os familiares olhos
azul-esverdeados em seu rosto gentil. Todos na mesa estão
usando uma versão diferente de uma coroa de flores, cheia de
folhas de eucalipto e magnólia, flores perfeitas de estática roxa
brilhante entremeadas. Ela dá um tapinha no espaço à sua
frente com um sorriso de gato que pegou o canário. — Venha
se sentar com a gente.
— Tente não parecer tão estranha, Ness. Cristo. — Uma
mulher pequena reclama, uma batata frita saindo de sua boca
como um cigarro. Ela me dá um pequeno aceno. — Eu sou
Nova. Eu sou a favorita dele.
— Dor de cabeça favorita, talvez.
— Pelo menos eu não coloquei meu pé no teto do quarto
de hóspedes dele.
Nessa empalidece.
— Cale-se. Ele ainda não sabe disso — Ela olha para mim.
— Ele sabe disso?
— Eu não faço ideia.
Eu faço uma nota para verificar o teto nos outros dois
quartos quando eu voltar para a casa de Beckett e deslizo para
o assento vazio. Uma mulher mais velha com mechas grisalhas
em seu cabelo loiro mel sorri para mim, empurrando uma jarra
de cerveja na minha direção.
— É bom que você tenha chegado aqui cedo — diz ela. —
Agora podemos conversar sem interrupções.

HÁ MUITAS INTERRUPÇÕES. Todas na forma da família de


Beckett ansiosamente fazendo uma pergunta sobre a outra.
— Qual das tatuagens dele é a sua favorita? — Nova
pergunta.
Só bebi um quarto da minha cerveja, mas respondi perto de
cento e sete perguntas. Aparentemente Beckett não
compartilhou nada com elas em seus jantares semanais, e elas
estão ávidas por informações. Estou feliz o suficiente para me
entregar, encantada pela maneira como eles brincam uns com
os outros, amor em cada sorriso e bebida derramada. Eles me
lembram das noites com meus pais e tias e todos os meus
primos.
Esta pergunta parece um truque, no entanto.
— Você fez alguma delas? — Lembro que a Sra. Beatrice
mencionou que ela é uma artista.
Nova acena orgulhosamente.
— Todas elas – a minha primeira quando eu tinha dezesseis
anos. — Ela bate no interior de seu pulso onde eu sei que
Beckett tem uma pequena folha. — Eu estava tendo problemas
para encontrar clientes e Beckett se ofereceu. Ele continuou se
voluntariando — ela ri.
Penso na arte que cobre cada centímetro quadrado de seus
braços, desde as costas de suas mãos até a linha forte de seus
ombros. Imagino um Beckett muito mais jovem sentado com
o braço estendido, permitindo que sua irmãzinha esculpa sua
marca em sua pele e meu coração incha no meu peito.
— A da galáxia — eu respondo a sua pergunta e esfrego meu
dedo ao longo do meu tríceps. — Aquela aqui. A coloração é
linda.
Ela se esconde sob sua camiseta na maior parte do tempo,
uma faixa azul brilhante aparecendo quando suas mangas estão
levemente enroladas ou quando ele está pegando algo acima de
sua cabeça. Um rico cobalto com listras de púrpura, a tinta tão
suave que é como se alguém pressionasse o polegar e o arrastasse
pela pele. Estrelas minúsculas e delicadas delineadas em branco
nítido.
Nova sorri, satisfeita.
— Eu lhe dei essa em seu aniversário há alguns anos. É a
minha favorita também.
— Sua favorita o quê? — A voz profunda de Beckett ressoa
contra minhas costas quando uma grande mão aparece sobre
meu ombro e levanta a cerveja do meu aperto. Eu inclino
minha cabeça para trás e vejo enquanto ele dá um longo gole, a
forte coluna de sua garganta trabalhando.
— Oi.
Eu quero inclinar minha cabeça para trás até que ela
descanse contra seu quadril. Quero dizer a ele que estive
pensando nele o dia todo.
Ele parece cansado, um pouco frustrado. Mas um pequeno
sorriso se curva em seus lábios quando ele olha para mim com
uma sobrancelha levantada.
— Ei. Minhas irmãs estão deixando você bêbada?
— Ainda não — sua mãe sorri suavemente e aceita o beijo
que ele se inclina para pressionar em sua bochecha. — Mas
temos tempo. Agora, sente-se e coloque sua coroa de flores. A
Trivia começa em três minutos.
Beckett cai no assento ao meu lado e obedientemente coloca
sua coroa de flores sem reclamar. Ela desliza sobre um olho e eu
a empurro de volta em sua cabeça até que as flores estejam
descansando em seu cabelo. Ele parece algo saído da mitologia
grega, injustamente bonito.
— Droga — Harper faz beicinho. — Eu estava esperando
que você parecesse ridículo.
Os olhos de Beckett se inclinam para ela, sentada de pernas
cruzadas na ponta da mesa com uma piña colada na frente dela.
— Fico feliz em ver que você conseguiu vir.
Ela encolhe os ombros.
— Não posso participar — ela gesticula em direção ao seu
cabelo loiro, torcido para trás em uma trança, sem adornos com
uma coroa de flores. — Não me vesti.
Beckett pega as folhas em sua cabeça.
— Você pode usar…
— Ah, oi, Jenny! Espere um segundo, eu estarei bem aí…
Ela se levanta sem terminar a frase, desaparecendo na
multidão que cerca o bar. Beckett solta um suspiro derrotado e
termina o resto da minha cerveja.
— Você está bem? — Eu pergunto.
— É alto — diz ele com uma careta. Ele pega a garrafa no
centro da mesa e quase a derruba quando Gus sobe no balcão
com um megafone, anunciando o início dos jogos. Ele balança
a cabeça levemente, um movimento curto e reacionário, como
se estivesse sacudindo uma mosca ou sacudindo a água do
ouvido. Ele segura a garrafa e se serve de outro copo. — Vai
ficar tudo bem.
Treze

EVELYN
NÃO ESTÁ BEM.
Ele mal termina sua cerveja antes que uma dramática
crescente de música comece a bombar no bar. Parece algo de
Harry Potter ou talvez... Battlestar Galactica? Eu não faço
ideia. Seja o que for, Gus lentamente sobe ao ritmo de sua
posição agachada em cima do bar, megafone na mão.
— VAMOS NOS PREPARAR PARA A TRIVIA — ele
grita em seu alto-falante, arrastando a última palavra até que ele
não consiga respirar. A multidão irrompe em aplausos
estridentes.
— Jesus Cristo — Beckett suspira ao meu lado.
— Tudo bem, todos. Vocês conhecem as regras. Cada
equipe tem um corredor. Você escreverá suas respostas e, no
final de cada rodada, seu corredor levará suas submissões para
Monty — Ele aponta para o bar onde Monty está sentado com
um chapéu de aparência oficial e um sorriso largo. — O xerife
também gostaria que eu lembrasse a todos que o termo corredor
não significa que você tenha que correr, e se alguém começar a
atacar novamente, isso é o fim imediato da noite — Gus estreita
os olhos e examina a multidão. — Você ouviu isso, Mabel,
querida? Sem violência esta noite.
— Eu nunca vi trivia como essa antes — eu digo na direção
geral da mesa.
Nova bate uma folha de papel que parece estar em relevo na
parte inferior, uma canetinha entre os dentes.
— E você nunca mais vai. Vamos matar esses filhos da puta.
Beckett arrasta a mão inteira pelo rosto.
— A primeira categoria… — Gus faz uma pausa dramática.
O bar inteiro espera com a respiração suspensa. — …é botânica.
— Não é justo! — Alguém grita lá de trás. — A família
Porter tem gerações de conhecimento agrícola em sua equipe!
Nessa dispara de seu assento ao lado de Nova.
— Ninguém questionou você no mês passado sobre como
você sabia tanto sobre as Spice Girls, Sam. Sente-se.
Há um resmungo do outro lado da sala. Ninguém mais diz
uma palavra.
— Primeira pergunta. Que tipo de planta vascular não
possui sementes nem flores?
— Samambaia — Beckett, seu pai e eu respondemos a
pergunta exatamente no mesmo momento. Beckett olha para
mim, confuso.
— Como você sabe disso?
Eu dou de ombros e bebo minha cerveja.
— Eu sei das coisas.
Ele abre a boca para dizer mais alguma coisa, mas Gus
interrompe com aquele maldito megafone.
— Segunda questão! Qual parte da planta de ruibarbo é
comestível?
— Caules — Novamente, Beckett e eu respondemos a
pergunta ao mesmo tempo. Ele estreita os olhos para mim
enquanto Nova escreve furiosamente as respostas.
— Como você sabia disso?
— Eu te disse, eu sei das coisas. — Eu traço meu dedo
indicador ao redor da borda do meu copo. O olhar de Beckett
se move para ele e seus olhos se aguçam, sua mandíbula
flexionando.
— Não importa como ela sabe porque ela não está registrada
e ela não pode participar com respostas. — Nessa fornece do
outro lado da mesa. Ela me dá um encolher de ombros e um
sorriso arrependido. — Desculpe. Mas você pode dar apoio
moral.
— Deveríamos tê-la registrado na equipe — diz Nova.
— Da próxima vez. — Nessa concorda.
Um brilho quente se instala em meu peito. Eu não percebi
o quanto eu estava esperando que elas gostassem de mim até
agora. Nessa estala os dedos na frente do rosto de Beckett. Ele
não desviou o olhar de mim.
— Cabeça no jogo.
Minha designação como apoio moral da equipe é necessária
porque duas rodadas depois, Beckett está miserável, tão tenso
ao meu lado que tenho certeza que poderia quebrar uma
garrafa na cabeça dele e ele não perceberia. Ele participa apenas
quando é solicitado, oferecendo respostas de uma palavra e
cerrando os punhos durante os intervalos. Ele engole sua
cerveja como se ela fosse desaparecer se ele não bebesse cada
copo em três goles. A certa altura, Nova se inclina para a frente
com um olhar preocupado e pergunta baixinho se ele precisa de
seus protetores de ouvido.
— Não — diz ele, quase inaudível sobre os sons do bar. Suas
bochechas coram quando ele olha para mim rapidamente antes
de piscar. — Estou bem.
Eu tento entrete-lo quando posso, mas ele está rígido e
inflexível ao meu lado, recuando cada vez mais para dentro de
si mesmo. Ele não fala a menos que falem com ele e me ignora
mais de uma vez. Suspiro e olho por cima do ombro para o
outro lado da sala onde ficam os banheiros. Eu algemo o pulso
de Beckett frouxamente com minha mão e tento chamar sua
atenção de onde ele está olhando fixamente para a mesa. Ele
inclina a cabeça ligeiramente, a coroa de flores caindo para o
lado. Uma margarida branca roça sua testa.
— Eu volto logo.
Por um segundo, parece que ele pode tentar me impedir. Ele
abre a boca e seus olhos tropeçam nos planos do meu rosto,
considerando. Mas seja o que for, ele engarrafa de volta. Sua
mandíbula se fecha. Um aceno rápido e afiado.
Eu aperto seu pulso novamente.
Abro caminho entre a multidão barulhenta, um grupo de
pessoas vestidas de pássaros tendo uma discussão acalorada
com senhoras em longos vestidos pastel e chapéus de sol. Layla
não estava brincando quando disse que a noite de trivia é um
negócio sério em Inglewild. Tanto Caleb quanto Dane estão
presentes, sentados na extremidade do bar com uma cesta de
pimenta jalapeño entre eles. Dane tem um longo olhar de
sofrimento em seu rosto sério. Caleb parece estar se segurando
para não participar.
Eu sou desviada por Jeremy e seus amigos enquanto viajo
pelas mesas, suas cabeças inclinadas sobre seus celulares e uma
jarra de refrigerante no meio da mesa. Eles pedem selfies e dicas
de iluminação e então me mostram 17 rascunhos de vídeo que
eles estão pensando em postar. É como uma versão de mídia
social do American Idol, e eu escapo com promessas de mais
amanhã, se eles vierem na padaria pela manhã.
Gus e Monty me encurralam em seguida, mostrando-me
orgulhosamente os números em seu vídeo de dança. Quando
eu pergunto a eles como eles planejam dar sequência a uma
estreia tão impressionante, Gus tem um brilho nos olhos e se
levanta de seu banco, me pegando em seus braços grandes e me
girando em torno do pequeno quadrado de espaço no chão. Eu
rio alto e me mantenho firme em seus ombros, meu coração tão
leve que parece que eu poderia flutuar para longe.
Isso é o que estava faltando. Base. Pertencimento. Pessoas e
histórias e meu nome jogado fora em saudação sobre cestas
meio comidas de batatas fritas gordurosas. Em todas as minhas
viagens, não fiquei em um lugar tempo suficiente para que
alguém me conhecesse. Eu não tive Caleb acenando para mim
do outro lado do bar com uma pimenta jalapeño entre o
polegar e o indicador. Sra. Beatrice gritando na cara de alguém
sobre o nome oficial da Sexta Avenida de Nova York enquanto
usava um chapéu de sol e segurava um taco de croquet, uma
piscadela jogada por cima do ombro. Um coro de assobios
quando aceno para as senhoras do salão.
As palavras de Stella voltam para mim. Pessoas mudam.
Talvez seja disso que eu preciso agora.
Ainda estou sorrindo, sem fôlego, quando finalmente chego
ao banheiro. Eu paro e me olho no espelho – minhas bochechas
coradas e um sorriso que deixa meu rosto quase irreconhecível.
Faz tanto tempo que não me sinto assim. Eu toco meus dedos
em minhas bochechas e tento memorizá-lo.
— Você está indo bem — digo a mim mesma baixinho. Meu
sorriso se suaviza em algo duradouro e me permito me sentir
bem com tudo o que me trouxe exatamente a este momento.
Sem culpa. Sem hesitação. Apenas um calor borbulhante bem
no centro de mim. — Você está fazendo o melhor que pode.
É o bastante.
Eu lavo minhas mãos na pia e saio pela porta, uma parede de
som batendo em mim. A música de alguma forma se juntou à
mistura, gritos e risos e alguém gritando por cima de tudo sobre
uma quesadilla. É caótico, mas adorável. Uma trilha sonora de
comunidade e amor.
Mal consigo dar dois passos pelo corredor escuro antes de
vê-lo. Seu grande corpo inclinado contra a parede, um ombro
e sua cabeça pressionados contra ela. Seus braços estão cruzados
e seu rosto está sombreado, mas eu reconheceria os ângulos de
seu corpo em qualquer lugar – no escuro, especialmente.
— Beckett?
Parece que ele está com dor. Ombros curvados. Uma
carranca profunda em seu rosto bonito quando me aproximo.
Estendo a mão para ele e minha mão paira sobre a inclinação de
seu ombro, sem ter certeza se ele quer ser tocado agora ou não.
Ele toma a decisão por mim, levantando a cabeça e piscando
para mim turva. Ele enrola a mão em volta do meu pulso e
puxa, um silencioso oof escorregando dos meus lábios
enquanto eu tropeço nele.
Seu cheiro habitual está escondido sob camadas de álcool e
frituras, mas sua pele está quente onde meu nariz encontra seu
pescoço. Ele envolve seus braços em volta das minhas costas e
segura firme, agarrando-se a mim no corredor estreito na parte
de trás do bar. Minhas mãos deslizam sobre seus ombros e eu o
seguro firme, confusa e preocupada.
— Você está bem?
Sinto um calafrio percorrer sua espinha, um tremor fino em
suas mãos. Ele balança a testa contra o meu ombro e resmunga,
murmurando algo baixinho. Ele balança um pouco e eu firmo
meu aperto.
— Está alto — ele finalmente murmura, baixo e áspero no
meu ouvido. — Precisava de uma pausa.
Eu arrasto minhas mãos para cima e para baixo em suas
costas em um ritmo suave. Ele dá um suspiro agradecido contra
mim.
— Tudo bem. O que eu posso fazer?
— Isso está bom — diz ele com outro aperto. — Só quero
ouvir você respirar por um segundo.
Eu me certifico de tomar uma respiração barulhenta e
desagradável na minha próxima inspiração e ele suaviza ainda
mais, o aperto de seus braços relaxando um pouco, mas seu
corpo se tornando mais pesado contra o meu. Eu me arrasto
para trás até que estou encostada na parede, Beckett
pressionado contra mim.
Está alto aqui. Eu ouço Gus subir de volta no bar com seu
megafone, um gemido curto de sirene que faz Beckett se
encolher contra mim. Eu aliso meus dedos por seu cabelo e ele
solta um suspiro profundo e ruidoso. Gus anuncia a última
chamada e a última rodada, e a multidão dá um gemido
beligerante em resposta.
— Por que você veio? — Eu pergunto a ele baixinho, unhas
arranhando levemente. Ele se inclina mais forte contra mim. —
Você poderia ter dito não.
— Nova pediu — Beckett fornece calmamente. — Não
queria decepcionar ninguém.
Eu pedi também. Eu me pergunto quanta pressão Beckett
coloca em si mesmo para ser o que todo mundo precisa, o
tempo todo.
— Não foi logo — Beckett resmunga em minha camisa.
— O quê?
— Você disse que voltaria logo — ele acusa, inclinando-se
para trás até que eu possa ver as linhas de seu rosto na luz do
bar. Ele franze a testa para mim. — Você não voltou logo.
— Eu me empolguei. Todo mundo queria…
— Você estava rindo — ele corta abruptamente. —
Dançando. — Ele engole em seco. — Você não é assim comigo.
Suas mãos flexionam em meus quadris e ele dá um passo
para trás, deixando-me encostada na parede. Sinto os cinco
centímetros de espaço entre nós como um empurrão no peito.
— Eu sorrio — eu começo a dizer. — Beckett, eu rio com
você o tempo todo…
Ele balança a cabeça.
— Não é o mesmo. Não como quando estávamos no Maine.
Ele deve ter bebido mais do que eu pensava. Olho para o bar
lotado e mal consigo distinguir a mesa em que estávamos
sentados – uma grande coleção de copos empilhados ao lado de
cestas de comida vazias.
— Desculpe — ele corta, não parecendo nem um pouco
arrependido. Sua voz é areia e cascalho e tons de posse, olhos
aquecidos para combinar. Ele dá um passo à frente e coloca a
mão ao meu lado. Estou contra a parede novamente, com
Beckett em todos os lugares ao meu redor. — Eu esqueci que
não falamos sobre isso. Esqueci que devo fingir que não sei
exatamente qual é o seu gosto.
A imagem que vem à tona é imediata. Beckett de joelhos na
beirada da cama, a mão estendida contra minha barriga para me
segurar. Seu nariz no meu quadril e minhas coxas pressionando
suas orelhas, meu pé tamborilando entre suas escápulas.
Meu corpo inteiro treme, um pulso forte batendo uma vez
na base da minha garganta.
— Beckett — eu digo, um pouco atordoada. Seu nome
permanece no espaço entre nós. Não falamos sobre isso, ele tem
razão, mas achei que era isso que ele queria. — Quanto você
bebeu?
— Não o suficiente — diz ele, com os olhos fixos no meu
rosto. — Porque eu ainda penso em te beijar o tempo todo.
Eu deixei essa confissão ser pressionada contra mim, as
palavras soando em meus ouvidos, apesar do barulho alto do
bar. Eu seguro seu olhar e pisco enquanto ele olha de volta. Ele
empurra a parede com um suspiro, a mão pelo seu cabelo.
— Eu preciso de uma cerveja — ele me diz.
Eu enrolo meus dedos em torno de seu pulso.
— Eu acho que você já teve o suficiente. — Olho para o final
do corredor e para a porta com SAÍDA marcada em letras
vermelhas piscantes acima. — Eu vou nos levar para casa. Você
quer dizer adeus à sua família?
Ele balança a cabeça, murmurando algo sobre mandar uma
mensagem para eles mais tarde. Ele torce o braço do meu aperto
e se endireita com um tropeço. Eu deslizo meu braço ao redor
de sua cintura e sua mão encontra meu ombro, a cabeça
inclinando até que sua coroa de flores roça minha testa.
— Desculpe — diz ele, seu lábio inferior contra a concha da
minha orelha. Sua voz ainda é aquele arranhão áspero que eu
gosto demais. — Eu sei que estou sendo um idiota.
Eu acaricio suas costas através do material grosso de sua
flanela.
— Vamos para casa.
Assim que saímos da porta para a quietude e o silêncio de
uma rua quase totalmente abandonada, Beckett solta um
suspiro ofegante. Ele soa como se tivesse acabado de correr, os
pulmões queimando e as pernas se contraindo. Alívio doloroso
e feliz.
Eu mantenho meu braço em volta de sua cintura, guiando-
nos para sua caminhonete estacionada a dois quarteirões, logo
atrás do café. Ele já tem sua caixa de biscoitos amanteigados no
banco do passageiro e toma o cuidado de colocá-los no colo
quando entra no carro.
Levo um segundo para me orientar no banco do motorista,
tudo parecendo um pouco grande demais. Beckett ri enquanto
minhas mãos pairam sobre o volante, tentando encontrar uma
posição no assento que não pareça que eu estou operando um
carro alegórico no desfile do Dia de Ação de Graças da Macy's.
— O quê? — Eu pergunto. Eu gosto dele assim. Cabelo
bagunçado. Coroa de flores. Um sorriso que curva seu lábio
inferior lindamente.
— Você faz uma cara fofa quando está frustrada — ele me
diz, deixando sua cabeça cair para trás contra o assento. —
Torce o nariz.
Eu olho para ele no banco do passageiro, esparramado o
máximo que ele pode estar na cabine da caminhonete. Seu
joelho está dobrado contra a janela e seus braços estão soltos, o
rosto relaxado. Coloco a caminhonete em movimento e nos
afasto do espaço, roncando pela estrada que nos levará de volta
à fazenda.
Não é nada além do ronco do motor e do vento lambendo
as janelas enquanto voltamos, a respiração suave e fácil de
Beckett. Não sei o que dizer a ele, não sei como responder às
coisas que ele me disse no bar.
Porque eu ainda penso em te beijar o tempo todo.
Eu não fazia ideia. Dou outra olhada para ele com o canto
do olho, minhas mãos flexionando no volante.
— Eu não gosto de barulho — Beckett anuncia enquanto
manobramos nosso caminho para fora da cidade. — Estava alto
esta noite. No bar.
— Eu sei.
Beckett não tem televisão em sua casa, não ouve música
enquanto arruma sua estufa. Ele se encolhe quando entra em
uma sala e as pessoas estão falando muito alto, sua cabeça
ligeiramente inclinada para o lado. É como se ele estivesse
tentando abafar o som sem ser óbvio sobre isso. Ele se mexe no
assento até que seu ombro é pressionado contra a parte de trás,
o cotovelo no console central e o queixo na mão.
— Eu tenho protetores de ouvido — ele me diz, uma
expressão séria no rosto. Olho para ele e depois volto para a
estrada. Eu quero essa versão dele na minha memória para
sempre. Campos de milho brilhando nas janelas, folhas de
magnólia em seu cabelo. Olhos encobertos, mas brilhantes, os
nós dos dedos descansando sob o queixo.
Entregando-me seus segredos como se quisesse que eu os
guardasse para ele.
A pergunta de Nova na mesa faz sentido agora.
— Ok.
Entramos em silêncio novamente. Ele se reorganiza até estar
olhando pela janela.
— Você não está me fazendo perguntas — ele murmura
depois de alguns minutos, um pouco petulante, o punho no
joelho.
— Achei que você não gostasse das minhas perguntas. — Eu
ligo a seta com o lado da minha mão, mesmo que não haja outra
alma por quilômetros. — Além disso, você andou bebendo.
Essa é uma vantagem injusta.
Ele bufa, um resmungo baixinho que eu não entendo. A
pausa se arrasta e então ele diz baixinho:
— Eu gosto das suas perguntas.
Eu mordo meu lábio contra o meu sorriso.
— Ok.
— Eu sei que você sabe mais palavras do que essa.
Eu sei. Eu sei mais palavras do que essa. Mas a verdade é que
estou lutando para me conter. Essa adorável e aberta versão que
ele está me mostrando agora é... é muita coisa para eu lidar.
Quero parar no acostamento da estrada e estacionar a
caminhonete. Eu quero subir no console e escorregar para o
colo dele. Eu quero fechar minhas mãos em sua flanela e guiar
sua boca para a minha, beijá-lo até que ele esteja sem fôlego e
então levá-lo para casa e colocá-lo na cama.
Todo esse tempo em que ele estava me querendo, eu
também o queria.
— Nós vamos conversar amanhã de manhã, uma vez que
você expelir o álcool durante o sono.
— Sobre o que eu disse no bar?
Eu concordo.
— Sim, sobre o que você disse no bar.
Porque eu ainda penso em te beijar o tempo todo.
Se ele ainda se sentir assim pela manhã, teremos algumas
outras coisas para conversar. Sigo as lanternas que levam à sua
cabana.
— Eu quis dizer aquilo — diz ele.
Eu tomo uma respiração fortificante enquanto paro a
caminhonete, puxando com o que parece ser o peso do meu
corpo inteiro para jogá-la no estacionamento. Eu desligo a
ignição e o estrondo é interrompido, a cabine da caminhonete
se enche com os sons abafados da noite que perduram do lado
de fora da janela. O chilrear dos grilos que se escondem em suas
sarjetas. O rangido do cata-vento no topo de seu telhado. Uma
veneziana solta, batendo levemente no tapume.
Beckett não desvia o olhar de mim, a luz da lua lançando seu
rosto na sombra. Assim, ele é apenas ângulos fortes e linhas
suaves. O nariz dele. Sua mandíbula. A inclinação de sua
sobrancelha séria. Sua mão se move contra o topo do console,
as pontas dos seus dedos mal roçando meus dedos.
— Evie — ele respira, sua voz profunda ainda mais
profunda do que o habitual. Acho que nunca gostei tanto do
som do meu nome. — Eu realmente quis dizer aquilo.
— Eu sei que você quis — eu sussurro. Beckett não é capaz
de dizer algo que não queira dizer. É uma das coisas que mais
gosto nele. Eu sei que ele está sempre me dizendo a verdade.
— Eu gosto de você — ele sussurra. Seu olhar desliza para os
meus lábios e segura. — Eu gosto tanto de você.
Eu preciso sair dessa caminhonete.
Ele me segue enquanto eu tropeço para fora da
caminhonete, meu joelho batendo no corrimão na beirada de
sua varanda enquanto eu subo. De repente, parece que fui eu
quem bebeu cerveja no bar esta noite, minhas mãos desajeitadas
enquanto eu tateio para encontrar a chave certa.
— Eu pensei em você o tempo todo — Beckett diz bem atrás
de mim, seu peito roçando minhas costas. A ponta de um único
dedo traça a borda superior da minha camisa, onde fica contra
o meu pescoço. Eu deixo cair as chaves na varanda.
— Eu penso em você o tempo todo — ele continua. Quando
eu inclino minha cabeça para trás para olhar para ele, suas mãos
estão cerradas em punhos ao seu lado. Aquela coroa de flores
ridícula ainda está em seu cabelo. — Você pensa em mim?
— Beckett.
— Você pensa?
Pego as chaves das tábuas de madeira desgastadas e passo
pela porta da frente, Beckett me seguindo com passos lentos e
cuidadosos – um suspiro que ele faz o possível para esconder
enquanto tira os sapatos e desliza a coroa de sua cabeça.
Observo enquanto ele a coloca cuidadosamente em um
gancho, seu dedo traçando uma pétala púrpura pálida. Ele é um
bêbado introspectivo, digo a mim mesma. Isso é tudo. Nossa
melhor aposta é encerrar a noite e nos retirar para os dois
extremos opostos da casa. Talvez possamos... talvez possamos
tentar essa conversa novamente pela manhã.
Duvido muito que ele vá dizer alguma coisa sobre isso. Ele
provavelmente vai servir seu café e resmungar sobre fazer um
ovo mexido para o café da manhã. Reclamar da qualidade do
espinafre comprada na loja e raspar a colher de pau no fundo
da panela com movimentos rápidos e agitados.
Eu só... não podemos ter essa conversa agora. Não quando
o álcool o tornou honesto. Eu quero que ele queira ser honesto.
Eu despejo um copo de água e coloco no balcão, pressiono
na ponta dos pés para vasculhar o armário acima da geladeira.
Um braço forte aparece acima de mim, a pele lisa no interior do
braço de Beckett perto o suficiente para eu arrastar meu nariz
contra. Eu vejo a borda de um azul brilhante – uma galáxia
espreitando por baixo da manga de sua camisa.
— O que você está fazendo? — Sua voz é baixa atrás de mim,
seu hálito quente esvoaçando meu cabelo.
— Pegando um pouco de ibuprofeno para você — eu digo
para o desenho de linha fina de Orion acima de seu cotovelo,
um escudo solto em seu punho. Em vez de um porrete acima
de sua cabeça, ele está segurando um buquê de flores –
papoulas e ramalhetes e um grande e deslumbrante girassol. É
tão lindamente Beckett, faz meu peito doer.
— Evelyn.
— Claro que eu penso em você — eu digo com pressa.
Alguma parte secreta de mim desbloqueada, desvendada,
desenrolada. Tenho pensado em Beckett Porter desde que o
deixei em uma pequena cidade litorânea, meses atrás. Eu
engulo e enrolo meus dedos ao redor do pequeno frasco de
pílulas, puxo-o para baixo e o seguro perto do meu peito.
Quando me viro, ele está perto, ambas as mãos ancoradas na
bancada ao meu lado. Estou dobrada entre seus braços, perto o
suficiente para roçar meus lábios contra o cacho de flores em
seu bíceps. Meus joelhos batem nos dele e levanto meu queixo.
Seus olhos se movem para frente e para trás entre os meus,
os dedos pastando no meu quadril, onde suas mãos flexionam
e seguram.
— Eu gosto de ter você aqui — diz ele asperamente. Outra
confissão.
Eu tento aliviar a tensão que nos faz tropeçar mais juntos.
— Você ainda não está cansado de mim?
— Se você está esperando que eu esteja cansado de você,
Evie — ele levanta a mão e pega uma mecha do meu cabelo,
enrola em volta do dedo e puxa uma vez. Há um pulso de
resposta baixo na minha barriga. — Você vai esperar por muito
tempo.
Eu procuro seus olhos para medir o quão sério ele é.
— Você é muito bom em esconder tudo isso.
— Sério? — Ele parece surpreso. — Não parece. Eu me sinto
rachado ao seu redor.
Eu conheço o sentimento. Soltei um suspiro trêmulo.
— Nós deveríamos ir para a cama.
— Deveríamos.
Beckett não se move um centímetro. Seu tom sugere que
devemos ir para a cama, mas talvez devêssemos fazer isso juntos.
Eu aperto o frasco em minhas mãos como se fosse a única coisa
que me mantém pressionada contra este balcão. Tão perto, eu
posso sentir o cheiro do lado de fora em sua pele. Vento de
primavera, uma pitada limpa e crocante. Seria tão fácil me
inclinar e prová-lo em sua clavícula. Eu já sei o som que ele faria.
A maneira como suas mãos se moldariam aos meus quadris, seu
dedo mindinho deslizando para baixo na cintura do meu jeans.
— Nós podemos… — Fecho meus olhos para resistir à
tentação. Infantil? Provavelmente. Mas estou muito perto de
tirar vantagem de um Beckett bêbado em sua cozinha. —
Podemos conversar sobre isso pela manhã.
Eu sinto seu nariz contra a minha têmpora logo antes dele
empurrar o balcão e dar um passo para trás. Eu mantenho meus
olhos fechados e empurro o frasco de remédio. Dedos ásperos
roçam as costas da minha mão antes que ele o pegue.
— Boa noite, Evie — Parece que ele está sorrindo, mas eu
me recuso a olhar.
— Boa noite, Beckett.
Ouço passos no corredor e o clique silencioso de uma porta.
Eu expiro lentamente.
— Eu gosto de você também — eu sussurro para a cozinha
escura. — Muito.
Quatorze

BECKETT
OLHO para a porta fechada do quarto no final do corredor pela
décima quinta vez desde que saí do meu, uma dor de cabeça
latejando na base do meu crânio. Menos pela bebida, eu acho,
e mais pelo desejo.
Eu estive tão perto de beijar Evelyn na noite passada. No
bar, com seu sorriso ensolarado enquanto Gus a girava na pista
de dança. Na caminhonete, com a mão enrolada no câmbio e o
cabelo caindo no rosto. Na cozinha, com meus quadris a um
centímetro dos dela, rosa iluminando suas bochechas.
Eu queria fazer mais do que beijá-la na cozinha.
— Merda. — Eu puxo minha mão para longe da frigideira e
coloco meu polegar em minha boca, um vergão vermelho
raivoso florescendo na ponta. Eu desligo a boca do fogão e olho
para a porta dela como se eu pudesse derrubar a maldita coisa
com a força dos meus pensamentos.
Precisamos conversar sobre a noite passada.
Ela disse que pensava em mim também. Mas isso pode
significar um milhão de coisas diferentes. Tudo o que sei é que
não consigo lidar com esse sentimento que fica como uma
pedra no meu peito toda vez que ela entra em uma sala. Eu não
posso vê-la em minha camisa de flanela – os dois botões de
baixo desabotoados e a bainha amarrada em seu quadril – e não
sentir nada sobre isso. Vamos falar sobre isso, e vamos limpar o
ar.
Talvez então eu possa respirar sem desejá-la tanto.
Vejo o arrastar de pés na fresta abaixo da porta.
— Evie! — Eu lato, impaciente. Estou fazendo ovos
mexidos, porra. Ela não precisa se esconder em seu quarto a
manhã toda. Nós já fizemos essa merda de estranheza juntos.
Não precisamos fazer isso de novo. — Eu fiz o café da manhã!
A porta se abre e ela aparece, uma carranca franzindo o
nariz. Meu olhar varre de seus ombros para suas pernas longas
e longas e meu corpo inteiro contrai. Ela está usando as
malditas meias até o joelho novamente, um branco cremoso
contra sua pele escura.
— Você não precisa gritar sobre isso!
E ela não precisa ser a tentação encarnada, mas nós estamos
onde estamos.
Eu me viro com um grunhido e empurro os ovos na panela
em um esforço para manter minhas mãos ocupadas. Ela me faz
sentir coisas que eu não deveria sentir. Fora de controle, metade
do tempo. Fora da minha mente, a outra metade. Quero fazer
mil coisas diferentes, começando com minhas mãos em seu
cabelo e minha boca em seu pescoço – tudo o que pensei em
fazer ontem à noite, quando éramos apenas nós e o luar.
Estou agarrado à corda da minha restrição e posso sentir as
pontas começando a se desgastar. Cada olhar, cada toque, cada
sorriso que ela me dá, desvenda um pouco mais.
— Quer café da manhã? — Eu tento novamente, um
esforço consciente para suavizar minha voz em algo gentil.
Ainda soa como uma demanda em vez de uma oferta, e Evelyn
bufa uma risada.
— Você quis dizer o que você disse ontem à noite? — Direto
ao ponto, então.
Continuo a cutucar os ovos com indiferença. As bordas
estão começando a dourar. Eu desligo o fogão e descanso a
colher de pau na panela.
Eu gosto tanto de você.
— Eu quis.
Tenho pensado nela todos os dias desde aquela manhã em
que acordei sozinho, uma tempestade trovejando do leste,
grossas nuvens cinzentas pairando sobre a água. Eu pensei
sobre o som exato que ela faz quando meu corpo está sobre o
dela, a forma como sua respiração trava e depois solta, um
suspiro ofegante em torno do meu nome. Eu pensei sobre sua
risada e seu sorriso – mais bonito do que todas as flores
silvestres no prado e cada estrela no céu.
Sinto uma expiração profunda contra o algodão da minha
camiseta, Evelyn de pé às minhas costas.
— Você ainda está bêbado?
Eu dou uma risada e balanço a cabeça.
— Não.
Eu não estava tão bêbado para começar. Apenas solto o
suficiente para um pouco do desejo que chacoalhava dentro de
mim escapar. De pé nesta cozinha na noite passada, eu balancei
direto para o seu espaço como eu queria. Meus braços em cada
lado de seus quadris, meu nariz em seu pescoço. Eu queria
beijá-la mais do que tudo. Quase a beijei, também.
— Foi o álcool?
— Não é assim que essa merda funciona. — O álcool não
inventa as coisas, apenas as solta.
Eu olho para ela por cima do meu braço. Ela está de pé perto,
seus pés cutucando as minhas costas. Eu poderia abaixar minha
cabeça e dar um beijo em sua têmpora se eu quisesse, apoiá-la
na bancada e fazer o resto deste café da manhã com ela em volta
de mim. É um pensamento tentador.
Ela me considera com olhos curiosos. Tenho a impressão de
que ela está olhando para bem dentro de mim.
— Você estava me provocando?
— Provocando você sobre o quê? — Eu observo sua mão
enquanto ela pega a borda inferior da minha camiseta com dois
dedos. Ela esfrega o material, considerando.
— Eu também gosto de você, Beckett — Ela puxa minha
camisa até que estou de frente para ela, com as mãos ao meu
lado. Ela bate os nós dos dedos contra minhas costelas e todo o
meu corpo estremece. — Você não notou?
— Muito ocupado gostando de você de volta para notar, eu
acho — eu respondo fracamente, observando a forma de seu
lábio inferior se curvar em um sorriso. Todas as versões de
Evelyn que conheci passam pela minha mente como os
quadros de uma tira de filme. Sentada no bar com a mão na
minha coxa. Enrolada na cama, pele nua e olhos escuros. Rindo
do outro lado da padaria com um prato entre nós. Enrolada na
cadeira na minha varanda de trás, o queixo no joelho. Nos
campos, fazendo todos ao seu redor brilharem.
De pé aqui assim, com o rosto virado para o meu.
Gosto um pouco mais de cada versão.
Suas mãos encontram meus braços, dedos traçando sobre a
tinta. Ela se demora sobre uma única flor branca, um ponto
sensível na parte interna do meu cotovelo.
— Ok — diz ela com um aceno decisivo.
— Ok, o que?
Ela ignora minha pergunta. Em vez disso, ela enrola a mão
em volta do meu pescoço, me puxa para baixo e me beija.
A primeira vez que beijei Evie foi sob uma luz quebrada em
um bar escuro, o brilho alaranjado apagado piscando e
apagando e acendendo novamente. Eu podia ver por trás dos
meus olhos enquanto nossas bocas se moviam juntas, uma
batida de desejo que eu acompanhava. Sinto que descompactei
a memória daquele beijo o suficiente nos últimos dois meses
para que as bordas fiquem lisas, como pedras no fundo do leito
de um rio. Não é nada além de flashes nebulosos de sensação.
Pontas dos dedos sob minha orelha. Sua bochecha roçando a
minha. O deslizamento lento e úmido de calor enquanto eu
empurrava seu queixo para baixo e a beijava mais
profundamente.
Agora, aqui – na luz brilhante da minha cozinha com a
janela rachada meio centímetro e café na cafeteira – eu sinto
essa memória quebrar bem no meio.
Não há nada nebuloso sobre este beijo.
Nenhuma introdução doce. Nada de reaprendizagem suave.
Evie coça as unhas no meu cabelo e puxa, uma exigência na
forma como sua boca trabalha na minha. Ela me beija como se
estivesse faminta por isso, como se estivesse sonhando comigo
da mesma forma que eu tenho sonhado com ela. Eu aliso
minhas duas mãos sobre seus quadris e aperto firme.
— Aí está você — ela respira em minha boca. Eu aperto
novamente e ela solta uma risada rouca.
— Estou bem aqui — digo a ela. Eu sempre estive aqui.
Esperando, parece, Evie aparecer e me beijar no meio da minha
cozinha. Nosso beijo se inclina para algo mais quente – mais
úmido, mais lento – no espaço de um único batimento
cardíaco gaguejante. As mãos de Evie se tornam exigentes
enquanto agarram a frente da minha camisa, punhados fortes
de material macio entre seus dedos enquanto ela me empurra
contra a geladeira. A máquina nas minhas costas estremece com
o impacto, mas estou muito ocupado com o deslizar de sua
língua contra a minha, muito focado em sentir a pele macia de
suas costas sob minhas palmas.
Eu cavo meu polegar em uma das covinhas logo acima de
sua bunda enquanto lambo em sua boca e ela faz meu som
favorito – um gemido gutural. Eu pressiono com mais força e
ela puxa sua boca da minha, deixa cair sua cabeça contra minha
clavícula e pressiona aquele som na minha pele.
Eu movo minhas mãos pelas costas dela, impaciente
enquanto mapeio o arco de sua coluna. Eu arrasto minha mão
para frente e para trás sobre a faixa de seu sutiã e deslizo meus
dedos por baixo, estalando uma vez quando libero o elástico
contra sua pele. Ela belisca minha mandíbula em retribuição.
— Seja gentil — ela me diz.
— Eu posso ser gentil. — Na verdade, posso pensar em
várias coisas boas que quero fazer neste exato momento. Sua
camisa se junta contra meus pulsos enquanto eu coloco meus
dedos sob as alças de seu sutiã novamente, seguindo a linha
sobre seus ombros. Eu enrolo minhas mãos lá e puxo,
observando-a balançar ainda mais em mim.
— Oh? — Os olhos de Evie estão escuros de desejo, sua boca
mordida pelo beijo. — Você gostaria de me mostrar?
É como se nossos corpos estivessem frenéticos para
compensar o tempo perdido, nossas bocas mergulhando de
volta enquanto eu arrasto meus dedos em suas clavículas, para
baixo sobre seus seios. Eu demoro lá no espaço acima, seu peito
arfando, meus polegares traçando onde a pele encontra o
tecido.
— Ainda um provocador — diz ela com um beliscão no
meu lábio inferior. Suas unhas cavam meias luas em meu peito
sobre minha camisa.
— Ainda impaciente — eu respondo, preso entre querer rir
e cair de joelhos. Reapresentar-me com cada centímetro
quadrado dela.
— Juro por Deus, se você não me tocar, eu vou…
Ela não termina a frase. Eu a seguro em minhas mãos e
aperto, meus polegares arrastando lenta e seguramente contra
o algodão de seu sutiã. Eu sinto quando sua respiração gagueja,
uma rápida subida e descida sob meu toque. Eu quero sua pele
nua. Eu quero mais desses sons. Eu agarro o centro de seu sutiã
e puxo o material para baixo até que esteja torcido sob seus
seios, observando minhas mãos agarrarem e alisarem e puxarem
por baixo de sua camisa.
— Você vai o quê? — Eu pergunto.
— Eu vou… — seus cílios tremem, um meio sorriso
curvando seus lábios. — Eu vou ficar tão brava.
— Hum.
Ela vira o rosto e pega minha boca novamente, minhas mãos
trabalhando sob sua camisa. Eu esfrego meus polegares em seus
mamilos até que ela faça o som ofegante que eu mais gosto, suas
mãos agarrando minha mandíbula em uma demanda
silenciosa. Eu envolvo um braço em volta de sua cintura e a
puxo para mais perto. Eu quero seu corpo contra o meu, sua
suavidade em todos os lugares em que sou duro. Suas unhas
arranham minha barba e eu tropeço para frente, apoiando-a na
mesa. Percebo vagamente que minha caneca de café tomba na
borda e cai no tapete com um baque surdo. Vou olhar para
aquela mancha todos os dias e me lembrar exatamente disso.
Evelyn ofegante contra meus lábios, seu joelho engatando alto
contra meu quadril.
Eu deixo cair minha testa em seu ombro e dou um beijo lá,
minha mão deslizando de seu seio para seu quadril. Eu aperto
uma vez e tento me controlar.
— Deveríamos parar — murmuro. — Conversar.
Esta sempre foi a parte fácil – deixar as faíscas entre nós
pegar e queimar. É tudo o mais que precisamos resolver. Gosto
do corpo dela, mas gosto mais de todo o resto. E eu não quero
que ela pense que isso é tudo que eu quero.
Ela acena com a cabeça, as mãos deslizando por baixo da
minha camisa para coçar minhas costas. Eu arqueio para ela e
prendo seus quadris com os meus, achatando-a na mesa.
— Sim.
Eu cheiro a gola de sua camisa até que eu possa alcançar a
pele onde seu ombro encontra seu pescoço e chupar um beijo
demorado lá. Ela é doce com um toque de sal que eu sei que vai
ficar na minha língua por dias. Eu arrasto meu rosto em seu
peito até que eu possa pegar seu mamilo entre meus dentes
através do tecido de sua camisa.
Eu não consigo parar de tocá-la, saboreá-la.
— Excelente conversa — Evelyn respira em torno de uma
risada, sua mão na parte de trás da minha cabeça me segurando
para ela. — Melhor conversa que já tive.
Eu deixo cair minha testa entre seus seios e pressiono um
beijo lá.
— Eu quero te levar pra sair.
— Ok — ela ofega, puxando a bainha da minha camisa até
que eu ceda e puxe pela minha cabeça. Eu imediatamente pego
seus lábios em um beijo novamente, minhas mãos em suas
coxas. Eu a encorajo até que ela esteja sentada na mesa, com as
pernas abertas, o pé enrolado na parte de trás do meu joelho.
Meus dedos encontram as pontas daquelas malditas meias e eu
traço o algodão grosso, um gemido no fundo da minha
garganta.
— Nós vamos jantar — eu digo contra sua boca. Suas mãos
apertam minha bunda e eu empurro contra ela uma vez. Sua
cabeça cai para trás, cabelos escuros e compridos deslizando
sobre a mesa como tinta derramada. Cristo, mas ela me deixa
louco. Embaralha todos os meus planos até eu ficar sem mente
com ela. Eu rolo meus quadris contra ela e abaixo minha cabeça
para observar a maneira como nos movemos juntos. — Vou te
trazer flores.
— Flores, hein?
Ela persegue meu toque, seus quadris circulando apenas do
modo certo. Eu murmuro e aceno.
— Bonitas. Vai ser um encontro.
Suas mãos soltam o meu corpo e ela cai de volta na mesa com
um suspiro feliz. O calor entre nós muda e se instala em algo
mais suave. Deixo meus dedos brincarem na parte externa de
suas coxas, traçando a fina cicatriz branca que não esqueci. Ela
chuta os pés para frente e para trás e inclina a cabeça para o lado,
olhando para mim com os olhos semicerrados. Ela sorri algo
doce com seus lábios vermelho-rubi – um pouco vermelho em
seu queixo e pescoço por causa da minha barba.
— Eu gosto de você, Evie — eu ajeito sua camisa e dou um
beijo único e casto na ponta de seu nariz. Meu coração começa
a galopar no meu peito. — Eu gosto muito de você.
Seu sorriso ilumina cada maldito canto desta sala. As partes
sombrias de mim também, e todas as peças que guardo para
mim.
— Eu também gosto de você — ela me diz. Ela me chuta
levemente e morde o lábio inferior. — Agora coloque sua
camisa ou vamos fazer sexo nesta mesa.
Eu desabo em cima dela com um gemido. Ela passa os dedos
pelo meu cabelo com uma risada, puxando uma vez nas pontas.
— Você diz isso como se fosse uma coisa ruim — eu
resmungo. Já consigo imaginar. A forma como as pernas da
mesa estalavam e gemiam. Nossas roupas se moviam apenas o
suficiente para fricção e calor e alívio feliz. Eu tento me ajustar
o mais delicadamente possível, mas ainda ouço sua risadinha.
— Eu quero esse encontro — ela me diz, a voz suave. Um
pouco sonhadora. — Talvez este seja o nosso recomeço. Uma
chance de fazer as coisas de forma diferente.
Há honestidade simples lá, um fio fino de esperança do
coração dela para o meu. Eu alcanço sua mão e enrosco nossos
dedos juntos. Tenho certeza de que faria as coisas de qualquer
maneira com Evelyn, contanto que acabássemos assim. Meu
queixo descansando em seu peito e um sorriso em seu lindo
rosto.
— Sim?
Ela acena.
— Sim.
Quinze

EVELYN
NÃO MUDA MUITO depois do nosso amasso selvagem na
cozinha.
Apesar de bater seu corpo contra um utensílio de cozinha e
beijá-lo como se eu não estivesse pensando em mais nada,
continuamos a agir como se nada tivesse mudado. Jantamos
juntos na varanda todas as noites. Ele me deixa bilhetes no
balcão da cozinha. Eu roubo as meias dele. Trocamos olhares
longos e acalorados sobre as bordas de nossas canecas de café
pela manhã, uma distância perfeitamente educada de um metro
entre nós.
É maravilhoso e extremamente irritante ao mesmo tempo.
Eu gosto de Beckett. Gosto de seus meio sorrisos e do modo
como sua voz se aprofunda e arranha no início da manhã, o
suave roçar de seus dedos em meu ombro enquanto passo por
ele na cozinha. Eu gosto do calendário que ele mantém colado
ao lado de sua geladeira, as datas importantes de sua família
rabiscadas em vermelho. Eu gosto que ele esteja sempre
cuidando de todos ao seu redor, desde os gatos até suas irmãs e
os doces que Barney pede em cima do trator.
Eu gosto do jeito que ele olha para mim quando ele pensa
que eu não estou prestando atenção. A suavidade que ele tenta
esconder.
Estou ansiosa pelo nosso encontro, sempre que ele decidir
cumprir essa promessa em particular.
Também estou ansiosa para jogá-lo na superfície plana mais
próxima e fazer o meu caminho com ele.
Eu o peguei olhando para a mesa da cozinha algumas vezes
desde aquela manhã, o polegar no lábio inferior e um olhar de
profunda concentração em seu rosto sério. Eu me peguei
olhando para ela também.
Minha contenção está por um fio, reforçada apenas pelo
tempo prolongado de Beckett na estufa. Ele desaparece lá a
cada momento livre que tem, murmurando algo sobre abrir
espaço e limpar a desordem. Limpeza de primavera, diz ele.
Nada a ver com um pato.
Mas vi quatro pacotes chegarem esta semana e sei que o
homem não está comprando comida de pato para si mesmo. A
caixa menor continha um pequeno chapéu de golfista com um
pompom vermelho brilhante em cima que Beckett arrancou
assim que me viu com ele, suas bochechas em um furioso tom
de rosa.
Na quarta-feira, sou um emaranhado de tensão. Sento-me à
mesa da cozinha com as pernas dobradas embaixo de mim, meu
laptop aberto, mas meu olhar fixo firmemente na janela de trás.
Eu pego um vislumbre dele de vez em quando através do vidro
embaçado da estufa, sua forma alta curvada sobre alguma coisa,
sua mão apoiada contra a janela, dedos abertos. Eu tenho que
me virar e me ocupar com e-mails, me perder no trabalho em
um esforço para esquecer a sensação daquela mão contra a
minha pele. Como o sol iluminava cada linha e cume de seu
corpo, sua camisa jogada em algum canto da cozinha. O corte
de seus quadris e a trilha de cabelo abaixo de seu umbigo, a
pressão grossa dele contra a frente de sua calça de flanela.
Eu coloco minha cabeça brevemente sobre meu
computador e bato nele duas vezes.
Beckett é uma complicação no meu plano. Meu plano
insosso que não tem uma linha do tempo ou um ponto final
claro. Seria mais fácil se tudo que eu quisesse fosse o corpo dele
– cair na cama com ele e enterrar minha confusão com as coisas
que ele me faz sentir. Mas eu não quero. Quero noites em sua
varanda dos fundos e histórias sobre as estrelas. Eu quero
sujeira em minhas mãos e aquele sorriso em seu rosto, aquele
quieto que avança em frações.
Ontem à noite ele me encontrou na varanda dos fundos,
enfiada na minha cadeira com um cobertor enrolado em meus
ombros. Eu estava de mau humor, irritada comigo mesma e
minha incapacidade de apenas – descobrir isso. Me recompor.
Ser melhor. Ele me observou em silêncio com o ombro apoiado
na porta e perguntou:
— Você achou a sua felicidade hoje?
Eu cerrei os dentes e balancei a cabeça. Um empurrão
rápido.
— Não.
Ele cantarolou uma vez, a cabeça inclinada para olhar os
campos.
— Você quer um abraço?
E isso tinha sido seu próprio tipo de magia, não tinha? Ele
não tentou consertar isso. Apenas... perguntou se ele poderia
me segurar.
Eu balancei a cabeça e ele, sem palavras, desabou no assento
ao meu lado, dando um tapinha em sua coxa uma vez. Eu me
arrastei até ele e me enrolei em seus braços, minha cabeça
aninhada sob seu queixo, sua palma um peso pesado contra
minhas costas, varrendo dos meus ombros até o meu quadril.
Uma pressão suave. Uma afirmação silenciosa.
Meu trabalho significa que eu viajo o tempo todo. Esta
viagem a Inglewild é a mais longa que fiquei em um lugar desde
que fiz vinte anos. Eu sempre tive uma coceira sob minha pele
para explorar. Ela ainda ganha vida de vez em quando, mas hoje
em dia está tingida de exaustão. Mais memória muscular do que
qualquer tipo de compulsão me impulsionando para frente. Eu
não quero ir.
Eu quero ficar.
Eu dirijo minha atenção de volta ao meu laptop e procuro
no meu e-mail a nota de Josie. Ela enviou as informações para
Theo ontem, o cara do grupo de pequenas empresas que está
entrando em contato. Eu mando uma mensagem rápida para
ele sobre entrarmos em contato e clico em enviar, a porta dos
fundos se abrindo quando termino.
Eu olho para Beckett, sujeira cobrindo suas mãos e uma
mancha acima de sua sobrancelha esquerda.
— Como estão as plantas hoje?
— Elas estão bem. — Ele olha para as mãos sujas e depois
volta para mim. Há consideração lá, como a única coisa que o
impede de me jogar contra a mesa em que estou sentada é a terra
nas palmas das mãos. Eu enrolo as minhas em punhos. — Você
pode estar pronta para sair em uma hora?
— Pronta para sair?
Ele concorda.
— Sim. Pronta para sair.
Eu olho para ele e espero por uma explicação. Ele não me dá
uma.
— Para onde, Beckett?
— O nosso encontro — ele me diz. Um sorriso começa em
seus olhos. — Você ainda quer?
Eu concordo. Eu absolutamente quero. Eu estava
começando a pensar que ele tinha se esquecido disso. Que
talvez fosse apenas algo que ele disse no calor do momento.
Eu me afasto da mesa da cozinha e me levanto.
— Aonde estamos indo?
Seu sorriso se espalha até que ele está mordendo o lábio
inferior com força.
— Não muito longe.

— VOCÊ ESTÁ QUENTE O SUFICIENTE?


Eu bufo e suspiro meu caminho até a colina, o segundo
moletom que Beckett colocou sobre minha cabeça antes de
sairmos de casa tornando difícil me mover. Eu dou a sua
camiseta um olhar pontudo, meus lábios pressionados em uma
linha fina.
— Sim, estou quente o suficiente. — Estou muito quente,
mas toda vez que tento tirar este maldito moletom, parece que
Beckett quer lutar comigo de volta para ele. O que poderia ser
divertido, mas eu prefiro que ele me livre disso.
Ele apareceu na porta do meu quarto às seis em ponto com
um grande saco de papel gorduroso na mão e uma mochila
pendurada no ombro. Uma única e perfeita peônia branca
segurada entre o polegar e o indicador.
— Eu disse que traria flores para você — disse ele.
Eu brinco com o caule agora enquanto vagamos pelos
campos, os galhos dos pinheiros pegando nas minhas mangas.
Está mais quente esta noite, a primeira verdadeira noite de
primavera que tivemos desde que cheguei. O céu escuro pisca
para a vida acima de nós, a lua começando a surgir sobre as
árvores. Eu posso ver o brilho dele, estrelas espalhadas atrás.
— Não muito mais longe — Beckett me diz.
É melhor não ser. Estou sendo torturada pelo jeito que ele
fica nesses jeans. O branco nítido de sua camiseta contra sua
pele bronzeada.
Eu bato seu ombro com o meu.
— Você leva todas as garotas bonitas para os campos tarde
da noite?
— Nah — ele balança a cabeça e me bate de volta. — Só
você.
Um lampejo de calor acende em meu peito enquanto ele
desacelera até parar na beira de um campo. Uma clareira se
estende por baixo de nossas botas até a borda da floresta. Ele me
olha pelo canto do olho e tira a mochila do ombro.
— Você sabe onde estamos?
Eu giro nos calcanhares lentamente, tentando me lembrar.
Dois carvalhos gigantes dominam os dois lados da entrada da
clareira, elevando-se como guardas para a floresta além. Tenho
uma vaga lembrança de estar entre elas no outono passado com
os braços estendidos, tentando tocar as duas ao mesmo tempo.
Grandes folhas alaranjadas enferrujadas – quase do tamanho da
minha mão – flutuando ao meu redor.
— As árvores — eu digo. — Eu me lembro delas.
Ele balança a cabeça e puxa um cobertor de sua mochila,
deixando as bordas voarem com um movimento de seu pulso.
Ele se acomoda contra a grama com um swish quieto. Uma
garrafa de vinho vem em seguida, ancorando o canto. Dois
copos, um deles é meu pote de geléia. O outro, uma caneca de
café lascada.
— Isso é muito impressionante — eu digo. Ele me dá um
olhar cético, mas eu falo sério. O último encontro em que estive
foi há quase um ano e o cara me levou a um campo de tiro onde
sua ex ainda trabalhava. Desnecessário dizer que não houve um
segundo encontro.
— Você ainda nem viu a melhor parte.
— Eu já vi seu pau, Beckett.
Ele solta uma risada surpresa, balançando a cabeça. À luz da
lua, mal consigo distinguir as pequenas linhas que aparecem ao
lado de seus olhos com seu sorriso. Ele pega o saco gorduroso
pelos pés e o estende para mim, deixando-me espiar dentro.
Cheeseburgers do café, duas xícaras transbordando de batatas
fritas crocantes que ainda estão quentes. Eu gemo e pego uma,
mas ele fecha a bolsa antes que eu possa, colocando-a aos seus
pés.
— Espere um segundo.
— Mas... batatas fritas.
— Elas ainda estarão lá quando voltarmos — Ele começa a
andar para trás, mais perto da borda da floresta onde estão as
árvores gêmeas. — Vem cá.
Eu rio.
— Vem cá, o quê? — Mas mesmo assim eu o sigo. A lua
ilumina as constelações tatuadas em sua pele, o céu
mergulhando para girar em torno de seus braços.
— Você não teve sua felicidade hoje — ele me diz, as mãos
já alcançando, estrelas em sua pele e em seus olhos e no céu
acima.
Meu coração salta no meu peito.
— E você vai me dar, hein?
— Sim — ele sorri, tão cheio e brilhante como aquela
maldita lua. — Eu vou dar a você.
Ele está errado embora. Eu tive minha felicidade hoje. Estou
praticamente me afogando nela – em uma felicidade simples e
silenciosa. O conforto caloroso de um momento perfeito com
um bom homem.
Eu paro bem na frente dele e ele olha para mim. Eu traço as
linhas de seu rosto e me sinto como um daqueles meteoros que
ele tanto ama. Rasgando pela atmosfera, uma gigantesca bola
de luz.
— A última vez que você esteve aqui… — Ele segura meu
rosto com ambas as mãos e dá um beijo suave na ponta do meu
nariz, no espaço entre meus olhos. Tudo em mim estremece e
derrete, e minhas mãos agarram seus cotovelos. — A última vez
que você esteve aqui, eu queria te beijar debaixo desta árvore.
— Você escondeu bem — murmuro enquanto sigo-o,
silenciosamente implorando por mais.
— Nah — diz ele, sua voz áspera. — Você simplesmente não
estava olhando de perto o suficiente.
E então ele me beija.
E ele me mostra tudo o que eu perdi.
— E AQUELA?
Aponto para um aglomerado brilhante de estrelas com
minha batata frita, minha bota batendo contra a dele no
cobertor. Eu coloco minha cabeça em seu ombro e ele segue a
direção da minha mão, o nariz roçando brevemente no meu
cabelo enquanto ele se inclina para dar uma olhada.
— Cetus — diz ele com a boca cheia de hambúrguer. Ele
engole e joga o embrulho em direção a sua bolsa, acomodando-
se nos cotovelos com um suspiro feliz. Eu o sigo quando ele
puxa uma vez no meu cinto, minhas costas contra seu peito. —
O Monstro Marinho. Poseidon o enviou para devastar alguma
cidade costeira quando Cassiopeia disse que ela era mais bonita
que as ninfas do mar.
— Isso soa mesquinho.
Ele cantarola em concordância e enrola a mão em volta do
meu pulso. Ele guia minha mão ligeiramente para a direita,
então nós dois estamos apontando para outro aglomerado de
estrelas.
— Áries está bem ali.
Seu polegar arrasta um semicírculo prolongado contra o
meu ponto de pulsação e eu sinto isso como um toque entre as
minhas pernas. Eu me mexo no cobertor e me aproximo, minha
cabeça sob seu queixo.
— E aquela?
— Aquilo é um avião, querida.
Uma risada escapa de mim e eu olho para ele. Relaxado, seu
rosto inclinado para o céu, um sorriso curvando-se nas bordas
de sua boca. Ele está solto aqui nos campos de uma forma que
não está em nenhum outro lugar.
— Este é um bom encontro — digo a ele calmamente. O
melhor que já tive. — Obrigada por me trazer aqui.
— Obrigado por vir aqui — Ele olha para mim e puxa o
punho do meu moletom. — Devidamente vestida.
Eu olho para o material dobrado esticado desajeitadamente
no meu peito.
— Excessivamente vestida, eu acho.
Ele faz um som contra mim, um estrondo profundo em seu
peito que eu sinto contra minhas costas. Sua mão desliza do
meu pulso para o meu cotovelo, por cima do meu ombro. Dois
dedos enfiam na gola e traçam ao longo da minha clavícula nua.
Meu corpo inteiro estremece.
— É?
Ele pega a ponta da minha orelha entre os dentes e eu sorrio.
Sua primeira concessão ao calor acumulado entre nós. Eu me
lembro o quanto ele gostou disso na última vez que estivemos
juntos – seus dentes contra a minha pele, elogios sussurrados a
cada arranhão áspero.
Eu concordo.
— Mmmm.
Eu me mexo e tremo até que eu possa enfiar meus braços
pelas mangas, o movimento desajeitado. Eu rio quando o
material fica preso na minha cabeça, duas grandes mãos
agarrando e puxando até que eu possa ver o campo e o céu e as
árvores novamente. Beckett olhando para mim como se eu
mesma tivesse pendurado a maldita lua.
É tão diferente da última vez que estivemos juntos.
Diferente, mas exatamente igual. Ele ainda me olha com um
calor feroz – olhos cuidadosos mapeando exatamente o que ele
quer fazer e onde. Que toque me dar primeiro. Mas há
maravilha, também. Como se ele não pudesse acreditar que
estou aqui com ele, neste lugar. Afeição e diversão e um calor
borbulhante, no fundo do meu peito.
Ele solta um suspiro e esfrega a palma da mão contra a parte
de trás de sua cabeça, observando enquanto eu me inclino para
trás e me apoio em ambas as mãos. Eu não acho que ele quis
fazer isso como uma grande sedução, mas parece agora, aqueles
moletons sentados em um amontoado em seu quadril. Eu não
tenho nada além da camiseta surrada que vesti antes de sairmos
de casa, a gola larga deslizando sobre um ombro. Ele cataloga a
pele nua que revela com olhos pesados, sua língua varrendo seu
lábio inferior quando eu me mexo um pouco e ele cai um
pouco mais.
— Eu quero você — eu digo a ele, finalmente expressando
o pensamento que tem andado em círculos na minha cabeça
desde a primeira vez que o vi sair do meio-fio no meio da cidade.
Desde que o vi passar pela porta de um bar. Acho que nunca
deixei de querer Beckett, não realmente. Eu passo meus dedos
na delicada tinta em seu pulso e enrolo minha mão em torno de
seu antebraço. Puxo uma vez. — E acho que você também me
quer.
Seus olhos se erguem de onde estavam queimando um
caminho pela alça do meu sutiã e ele me dá aquele meio sorriso
de novo, de alguma forma melhor do que o sorriso cheio que se
derrama dele como a luz das estrelas. Esse sorriso parece meu e
só meu. Ele cede ao meu puxão e se ajoelha.
— Claro que sim — ele diz, seguro e direto,
impossivelmente Beckett. Ele diz isso como se fosse algo que ele
está pensando também. Talvez desde que ele me viu de pé com
meu quadril contra um carro alugado. Talvez desde que ele me
viu sentada em um bar com um copo de tequila na minha
frente. — Querer você nunca foi uma questão.
Ele manobra na minha frente até que ele pode agarrar meu
tornozelo, acariciando-o uma vez com o polegar enquanto ele
abre minha perna, abrindo espaço suficiente para ele se mover
no meio delas. Estamos apenas nos tocando naquele lugar, sua
mão contra minha perna, e já sinto isso em todos os lugares.
Nas minhas costas e nas pontas dos meus seios, no arco do meu
pescoço e no espaço entre as minhas pernas.
Sua mão me aperta suavemente e sua palma se move para
cima. Os calos em suas mãos pegam no material áspero do meu
jeans, um movimento afetado que é melhor em sua
honestidade. Outro aperto na minha coxa, o polegar arrastando
ao longo da costura acima do meu joelho. Ele hesita ali
brevemente, considerando, e então alcança meu quadril.
— Se fizermos isso de novo, Evie, não há como fugir — Seus
olhos estão sérios, seu corpo perfeitamente imóvel entre
minhas pernas abertas. — Não quero acordar sozinho.
Eu agarro sua camisa em meus punhos, arrependimento
cortando meu peito. Pela maneira como o deixei todos esses
meses atrás e pelas maneiras que o deixei desde então. Eu me
inclino e dou um beijo em seu lábio inferior. Um pedido de
desculpas, mas também uma promessa.
— Você não vai.
— Tudo bem — diz ele, e seus olhos piscam mais escuros,
sua língua aparecendo brevemente no canto da boca. Suas
mãos flexionam ao meu lado, as pontas dos dedos pressionando
e guiando. — Deite-se então.
Dezesseis

EVELYN
EU BALANÇO minha cabeça e o empurro para trás até que ele
caia com um grunhido, meus joelhos subindo e abraçando seus
quadris. Eu seguro seu queixo em minhas mãos enquanto ele
olha para mim e traço uma vez sobre a aspereza de sua barba.
— Eu quero que você veja as estrelas — digo a ele. Algo atrás
de seus olhos brilha e queima intensamente. Mais brilhante do
que qualquer coisa no céu. Minha própria supernova
particular.
Ele me guia mais para dentro dele com a mão na parte
inferior das minhas costas e trilha pequenos beijos mordazes até
a linha do meu pescoço. Ele suga com força em um ponto logo
abaixo do meu queixo e depois se inclina para trás, demorando-
se lá com seus lábios mal roçando os meus.
— Eu só estarei olhando para você.
Sua boca na minha envia arrepios em cascata pelos meus
braços, ambos entrelaçados em seu pescoço enquanto nossos
lábios se encontram e pressionam. Nós nos inclinamos para trás
na mesma respiração e nos reajustamos. Algo mais profundo,
mais quente. Ele me beija como se estivesse me contando mil
segredos, cada um diferente. Senti sua falta, seu primeiro beijo
diz – suave e demorado contra meu lábio inferior. Você é tão
bonita, diz o seguinte – um pincel doce e provocante. Eu quero
você, diz o último – uma coisa faminta e ávida enquanto ele
lambe minha boca e segura meu rosto contra o dele. Para
caralho – seus dedos afundando no meu cabelo.
Sua mão aperta e puxa, um leve toque de aspereza que ganha
um som desesperado na minha garganta. Acho que nunca quis
tanto alguém. Nem mesmo no bar naquela primeira vez. Eu
rolo meus quadris para baixo sobre os dele e ele puxa a boca
para longe para chupar uma lufada de ar. Eu gosto que ele não
tenha me parado – que ele não tenha perguntado se isso é algo
que eu quero. Ele pode sentir isso vibrando através de mim,
assim como dele. Perfeitamente em sintonia. Eu circulo meus
quadris novamente e ele exala uma risada trêmula.
— Você parece melhor do que eu me lembro — diz ele.
Eu sorrio.
— Você ainda nem viu a melhor parte.
Ele sorri para mim, seu sorriso um pouco selvagem. Retiro
o que pensei sobre seus meio sorrisos. Este é o que eu quero
manter.
— Eu já vi seus peitos, Evie.
Uma risada explode de mim, abafada por um beijo áspero
contra meus lábios. É desajeitado, nós dois sorrindo nele. Eu
quero que ele me pergunte aqui, assim. Aquela mesma
pergunta que ele faz todas as noites enquanto nos sentamos na
varanda dos fundos, o sol se pondo à nossa frente.
Você encontrou sua felicidade hoje?
Sim, eu diria a ele. Achei aqui mesmo. Com você. Assim.
Eu alcanço a barra da minha camisa e a puxo sobre a minha
cabeça. Suas mãos imediatamente deslizam pela minha barriga,
os polegares esfregando em um movimento firme abaixo dos
meus seios. Eu deixei minha cabeça cair, meu cabelo fazendo
cócegas na parte inferior das minhas costas. É tão bom em
todos os lugares que ele toca. Eu só quero mais.
— Você está com frio?
Eu balanço minha cabeça e alcanço o fecho do meu sutiã.
— Não com suas mãos em mim.
Seus olhos brilham. Ele gosta dessa resposta. O material do
meu sutiã cai e estou com a pele nua ao luar. Eu sinto a
expiração profunda de Beckett roçar o vale dos meus seios, a
ponta de seu nariz seguindo atrás. Mãos grandes seguram meus
quadris e deslizam pelas minhas costas – uma pressão deliciosa
em ambos os lados da minha coluna. Ele enrola as mãos em
volta das minhas costelas e me puxa para mais perto.
— E a minha boca?
Eu passo meus dedos por seu cabelo e torço, empurrando-o
para frente. Ele ri da minha resposta sem palavras e se aninha
em mim, pressionando profundamente, sugando beijos abaixo
da minha clavícula e no topo das minhas costelas. Suas mãos
apertam e ele me empurra mais para trás, me segurando
suspensa exatamente no ângulo certo para seus beijos. Ele mal
roça meu peito e, em vez disso, pula para o meu ombro, a linha
do meu pescoço. Em todos os lugares, menos onde eu mais os
quero. Eu arqueio minhas costas, puxando seu cabelo com
impaciência.
— Beckett — eu digo em um suspiro, sua barba
perfeitamente áspera contra meu peito. Ele arrasta sua
mandíbula contra mim e eu movo meus quadris para baixo.
Uma mão deixa minhas costas para segurar meu seio, dedos
apertando meu mamilo. Faço um som incoerente e puxo seu
cabelo novamente, exigindo alívio.
— Só queria que você ficasse mandona de novo — ele
brinca, a boca ocupada na minha garganta. Ele mergulha a
língua lá enquanto seus dedos apertam novamente e todo o
meu corpo estremece.
— Você poderia simplesmente ter pedido.
— Isto é melhor.
Ele finalmente coloca a boca no meu peito e eu suspiro seu
nome, minhas mãos apertadas na parte de trás de sua cabeça. A
sensação é tão boa. Quente e molhado e apenas a quantidade
certa de áspero. Ele morde com os dentes e as estrelas tremem
no céu.
Eu odeio que eu tenha decidido usar jeans esta noite. Eu
posso senti-lo grosso e duro contra mim, mas a fricção é
entorpecida por nossas camadas, cada rolo de nossos corpos um
contra o outro aumentando minha frustração. Eu quero sentir
sua pele nua debaixo de mim, satisfazer a dor na minha barriga.
Sinto coceira com a necessidade, vibrando com ela.
Ele alisa a palma da mão nas minhas costas nuas.
— Relaxe — ele sussurra debaixo do meu ouvido. — Eu vou
cuidar de você.
— Você relaxa — eu resmungo de volta, frustrada por seus
meio-toques. Estou muito tensa para uma provocação
prolongada. Sinto que foram semanas de preliminares entre
nós. Sinto cada olhar demorado, cada toque contido. Eu o
quero duro e rápido e preenchendo cada centímetro de mim
até que eu mal possa respirar com a pressão disso. Ele
gentilmente me coloca de volta contra o cobertor e meu cabelo
se espalha ao meu redor, meus joelhos ainda abraçando seus
quadris enquanto eu caio. Eu puxo seu cinto com uma
carranca. Ele manuseia a borda dos meus lábios com um
sorriso.
— Por que é essa cara?
— Você está me provocando.
— Eu não estou — ele balança a cabeça e rola seus quadris
contra mim, um moer profundo e sujo que faz seus cílios
tremularem contra suas bochechas. Uma mecha de cabelo cai
sobre sua testa e eu a pressiono para trás com a palma da minha
mão. Um homem perdendo o controle, finalmente. — Estou
tentando ir devagar — ele deixa sair.
— Também conhecido como provocação.
Ele bufa uma risada e se inclina até poder lamber uma faixa
quente entre meus seios. Ele move a cabeça para a esquerda e
pega a ponta entre os dentes, segue-a com um puxão de sucção
profundo que me faz arquear o cobertor.
— Eu só estou tentando me controlar — ele diz na minha
pele, suas mãos batendo nas minhas para longe de seu jeans. Ele
rapidamente encontra o meu botão, soltando-o e puxando o
zíper, seus movimentos rápidos e agitados. Ele empurra o
material teimoso pelas minhas pernas com um grunhido –
apenas metade do caminho para baixo antes de desistir
completamente, distraído pela visão do algodão branco liso. Ele
geme e firma seu aperto em minhas coxas.
— Eu tinha um plano — diz ele, os olhos ainda fixos na linha
de algodão inexpressivo em meus quadris. Eu me mexo sob seu
olhar.
— Oh? Sinta-se à vontade para compartilhá-lo.
— Eu ia fazer você gozar e depois a levaria para casa — diz
ele em voz baixa, seus olhos brilhando um caminho pelo meu
corpo. Ele me fixa com um olhar faminto e flexiona as mãos
novamente. — Mas acho que não consigo.
— Você não consegue me fazer gozar?
Ele libera minha coxa para bater levemente na minha bunda.
Arrepios irrompem em cada centímetro quadrado do meu
corpo.
— Você sabe que eu consigo, amor.
Eu sinto um puxão forte na minha barriga – uma corda
entre suas palavras e o desejo correndo quente pelo meu
sangue.
— Você tem um novo plano?
Ele considera, o olhar se demorando nos cinco centímetros
de pele macia e lisa entre meu umbigo e a borda da minha
calcinha. Eu tive a boca dele lá antes, enquanto eu estava
encostada na beirada de uma cômoda com minhas mãos em seu
cabelo. Eu quero isso de novo. Eu quero um milhão de outras
coisas também.
— Levanta — ele ordena, batendo uma vez no meu quadril
nu. Quando eu levanto meu corpo, ele enrola as mãos no meu
jeans e puxa, tirando-o com três puxões ásperos. Estou em nada
além de uma sensata calcinha de algodão branca enquanto ele
ainda está completamente vestido, no meio de um bosque de
árvores na escuridão da noite. Isso me faz tremer embaixo dele,
mãos apertadas em sua camisa.
Eu me agarro a isso.
— Tira.
Ele alcança entre as escápulas com uma mão e a puxa sobre
a cabeça, flexionando os bíceps enquanto a joga no cobertor.
Ele cai de volta em cima de mim, sua boca na minha, seu corpo
uma pressão deliciosa e quente me puxando para baixo, para
baixo, para baixo no chão. Eu enrolo minhas pernas em torno
de seus quadris e tranco meus tornozelos na parte inferior de
suas costas, jeans áspero contra o interior das minhas coxas. Seu
zíper morde minha pele e eu flexiono minhas pernas mais alto,
seu peito pressionado contra meus seios e seus braços tatuados
me segurando firme. Eu me concentro inteiramente nele – o
calor de seu corpo e a dor oca entre minhas pernas.
— Diga-me que você trouxe uma camisinha — eu imploro
em sua boca, seu polegar puxando meu mamilo. Ele balança a
cabeça com um som abafado de frustração, empurrando seus
braços para encontrar meu olhar. Ele se esforça por um
segundo, distraído, antes de mergulhar de volta para escovar
um beijo contra meus lábios. Ele demora e geme, outro beijo
roubado quando aperto seus quadris com mais força.
— Não — diz ele, arrependimento gravado em cada linha de
seu rosto. Deixei minhas mãos mapearem a linha forte de seus
ombros, seu peito largo, os músculos empilhados em seu
abdômen. Seu corpo é formado pelo trabalho, colorido pelo sol
e pela terra. Já vi cada pedaço dele, mas encontro coisas novas
para descobrir. O conjunto de sardas no topo de suas costelas.
A fina linha de contraste onde a pele bronzeada encontra o
branco pálido e cremoso. A trilha de cabelo que desce pelo
estômago, sob a barra da calça jeans em direção aos seus
quadris.
— Ok, tudo bem — eu balbucio. Não precisamos de
preservativo. Há muitas outras coisas que podemos fazer.
Minha mente desenrola uma lista de um quilômetro e meio de
comprimento, e a dor dentro de mim se aprofunda. Mais
nítida.
Eu coço minhas unhas contra seus quadris e alcanço o botão
de sua calça jeans, deslizando minha mão por baixo quando ela
cede. Meus dedos roçam contra a pele quente e eu envolvo
minha mão ao redor do comprimento duro dele. Ele fecha os
olhos, os dentes cerrados.
— Eu não acho… — Ele olha para mim, confuso e extasiado.
Despenteado e encantado. Todas as minhas coisas favoritas. —
Eu não esperava isso.
— Você literalmente acabou de me dizer que tinha um
plano. — Eu aperto minha mão uma vez e ele faz um som de
gemido estrangulado. Eu imediatamente quero ouvi-lo
novamente. — Você não estava me esperando nua neste
cobertor?
Ele balança a cabeça e rola seus quadris no meu toque.
— Você se lembra da noite em que nos conhecemos?
Eu o acaricio novamente e ele empurra em meu aperto mais
forte, fodendo em minha mão com outro som doloroso e
desesperado entre seus dentes. Gosto tanto desse som que faço
de novo. E então, novamente, meu polegar passando pelo que
posso alcançar.
— Você quase me fodeu no corredor dos fundos do bar,
Beckett. — Eu queria que ele o fizesse. Praticamente implorei
por exatamente isso, se bem me lembro.
Sua mão pega meu pulso e ele me mantém imóvel, olhos em
chamas.
— Você primeiro — diz ele. Seus dedos roçam a curva do
meu quadril, deslizam sob o cós da minha calcinha e apertam a
pele nua da minha bunda.
Eu balanço minha cabeça e sorrio para ele, minha mão ainda
presa em suas calças. Eu preciso tanto dele que quase me
machuco com isso. Todas as minhas ideias se dispersam e eu sei
o que quero. Eu quero nós, juntos.
— Eu sou testada regularmente — digo a ele. — No
controle de natalidade. Se você quisesse…
Sua boca cai na minha em um beijo, mais suave do que
deveria ser com meu corpo nu debaixo dele e um convite na
mesa. Ele agarra meu queixo e lambe minha boca com uma
carícia suave, seu polegar traçando minha mandíbula até a pele
macia abaixo da minha orelha. Ele esfrega lá uma vez, um golpe
lento.
— Fui testado no mês passado — ele consegue dizer quando
se afasta, a palma da mão contra o meu pescoço. Ele desliza um
pouco para baixo até que está pressionado bem no centro do
meu peito. Eu envolvo minha mão ao redor de seu pulso e
aperto. — Não houve ninguém desde você.
Meu coração tem em uma batida irregular sob a palma de
sua mão.
— O mesmo para mim — eu confesso. Eu ofereço a ele um
pouco mais. — Eu não queria mais ninguém.
Nem mesmo perto. Nem mesmo estive tentada. Apenas a
memória de Beckett tinha sido mais que suficiente. O fantasma
de suas mãos na minha pele.
— Está tudo bem? — Eu pergunto, meus dedos traçando
para frente e para trás em sua pele.
Ele balança a cabeça, olhos brilhantes, e sua mão desliza pelo
meu corpo para se juntar à outra, brincando com os lados da
minha calcinha. Ele desliza os polegares por baixo e estala o
tecido uma vez, o suficiente para fazer meus quadris pularem
embaixo dele. Ele solta uma risada, e eu aperto com minha mão
ainda em suas calças.
Ele para de rir bem rápido.
Mãos agarram e puxam, uma corrida para obter o alívio que
ambos desejamos. Ele se atrapalha com seu jeans enquanto eu
tento ajudar, uma tentativa de chutá-lo sem sair de cima de
mim.
— Se você apenas… — Eu puxo com força o material.
— Se eu o que? — Ele balança os quadris e pressiona seu pau
bem contra mim. Eu suspiro e deixo minhas pernas mais
abertas. — Você não está ajudando. Você está tornando isso
mais difícil.
Eu ri.
— Estou tornando algo mais duro.
— Evie — ele resmunga, ainda tentando puxar o jeans sobre
os quadris, distraído enquanto rolo o meu debaixo dele. Ele me
prende no cobertor com a mão no meu quadril, a palma
apertando com força. — Seja boa.
Eu solto uma respiração lenta, um sorriso ainda em meus
lábios. Estou tendo problemas para ficar quieta. Eu pressiono
meus dedos sobre sua mandíbula e esfrego minha palma em seu
pescoço. Sua pele está quente sob o meu toque, rosada na luz
fraca.
— Eu sinto como se estivesse esperando por você desde
sempre — eu confesso.
Seu rosto suaviza.
— Eu sei, amor.
Ignorando o jeans ainda preso em torno de suas coxas, sua
mão desliza para baixo, dois dedos deslizando exatamente onde
eu mais preciso dele. Depois de todas as provocações, seu toque
firme já me deixou no meio do caminho. Ele os circula uma vez
e eu sufoco seu nome. Ele move a mão, pressiona novamente, e
minhas unhas cravam meias-luas em suas costas.
— Porra, você é tão boa — ele resmunga. Esqueci o quão
profunda sua voz fica quando estamos fazendo isso. Como ele
soa desesperado.
Concordo com a cabeça e agarro seus braços, palmas das
mãos batendo levemente na tinta em sua pele, tentando
aproximá-lo. Seu polegar desliza sob o algodão e nós dois
gememos quando ele sente como eu estou molhada.
— Agora — eu exijo. — Agora mesmo, por favor.
Ele não se incomoda em deslizar minha calcinha dos meus
quadris, apenas torce o polegar no material e o puxa para o lado,
alinhando-se com a outra mão e empurrando fundo. Um
impulso pesado, por todo o caminho. Minhas pernas se
debatem em seus quadris e ele deixa cair a testa no meu pescoço,
um gemido deslizando de seu peito para o meu. Sinto-me
deliciosamente cheia, sobrecarregada da melhor maneira
possível.
Minha memória não é nada comparada com a realidade dele
em mim. Mãos flexionando em minhas coxas, testa balançando
contra meu pescoço, barba por fazer raspando minha pele. Ele
puxa para trás, rola os quadris e empurra para dentro. Um
ritmo suave e fácil que eu combino. Ele empurra seu corpo
contra mim, de novo e de novo, me empurrando para cima do
cobertor com cada impulso até que minhas escápulas roçam a
grama fria.
— Evelyn — ele diz em meu pescoço. — Evie. Porra.
— É bom — eu dou uma risada, bolhas de champanhe no
meu peito. Ele se ajoelha e coloca a palma da mão na parte
inferior das minhas costas, guiando meus quadris mais justo
contra ele. Tudo funciona perfeitamente e eu já estou bem no
limite, oscilando.
— Eu pensei sobre isso — diz ele, uma confissão sem fôlego.
Suas mãos enrolam em volta dos meus quadris e seguram firme,
me levantando mais um centímetro contra ele. Ele fica lindo
assim. Um pouco selvagem, uma gota de suor descendo por seu
pescoço. Seu olhar roça todos os lugares que estamos tocando
e alguns dos lugares que não estamos – minhas coxas, meus
quadris, o salto dos meus seios nus e a curva da minha
bochecha. — Todos os dias, eu pensei sobre isso. Sobre você.
Meu coração palpita e sinto que tenho a luz das estrelas
deslizando sob minha pele, ouvindo que ele pensou em mim
tanto quanto eu pensei nele.
— Vamos — diz ele, os olhos travando nos meus. Eu
observo seu rosto enquanto ele arrasta a mão sobre a curva do
meu quadril e abre os dedos. Seu polegar traça a minha barriga
e, em seguida, ele o pressiona entre as minhas pernas. Ele a
mantém ali – uma pressão simples e pesada. Tudo em mim fica
mais apertado. Uma respiração ofegante escapa de mim e um
sorriso arrogante aparece no canto de sua boca. — Me dê isso.
Eu sorrio de volta para ele e persigo seu toque, colocando
minha mão sobre a dele para movê-lo do jeito que eu gosto.
— Conquiste.
Sua risada é uma coisa áspera, sem fôlego com o jeito que ele
ainda está se movendo contra mim. Ele cai em um braço e
emaranha a mão livre no meu cabelo. Ele rola seus quadris com
mais força, mantendo-se profundamente.
— Vou pegar o que você tiver — ele me diz. Seus dedos se
enrolam em um punho no meu cabelo e ele me beija como se
não quisesse fazer mais nada, nunca mais.
Só isso.
Eu e ele.
Ele se aproxima de mim, a explosão brilhante de prazer
rolante. Ele lambe minha espinha e eu arqueio embaixo dele,
uma risada presa no fundo da minha garganta. Eu nunca me
senti assim. Nunca. Poeira estelar, parece, bem no centro do
meu peito.
Ele continua se movendo através dela – frenético e sem seu
controle suave – e estou muito ocupada com a leveza difusa em
meus membros para fazer qualquer coisa além de me segurar
enquanto ele persegue seu prazer. Ele estremece e congela
contra mim, as mãos agarrando, a boca trabalhando
silenciosamente contra o meu pescoço. Tudo se acomoda em
ondas suaves de calor pulsante, meu corpo perfeitamente,
deliciosamente desgastado.
Eu pisco para o céu acima de mim, os galhos das árvores
dançando na brisa leve. Eu aliso minha palma em suas costas.
Beckett deixa cair sua testa contra a minha e sussurra meu
nome.
— Espero que seu plano inclua me levar de volta para casa
— eu bocejo, as costas da minha mão pressionadas contra
minha boca. Cada pedaço de mim se sente esticado e saciado.
Preguiçoso. — Porque eu não pretendo me mover.
Ele pressiona os cotovelos. Seus olhos são suaves, seu toque
ainda mais suave. Ele escova um beijo na ponta do meu nariz.
— Não estou carregando nada. — Ele desaba ao meu lado,
olhos pesados e sorriso solto. — Vamos apenas deitar aqui.
Mais um minuto.
— Tudo bem — eu bocejo novamente, um arrepio
correndo pelos meus braços. Ele a afugenta com a palma da
mão contra a minha pele, me puxando para mais perto. — Mais
um minuto.

FICAMOS ALI MUITO MAIS DE UM MINUTO.


Eventualmente, Beckett me envolve em meu moletom e me
carrega nas costas em nossa caminhada de volta para casa, suas
mãos enganchadas sob meus joelhos e suas palmas esfregando
em minhas coxas. Com meus braços sobre seus ombros, ele faz
um trabalho rápido, apontando diferentes constelações à
medida que avançamos. Andrômeda e suas correntes. Touro e
seus poderosos chifres. Um milhão de estrelas e um milhão de
histórias. Eu enterro meu nariz em seu pescoço e deslizo ao som
de sua voz retumbante.
Minha calmaria é assustada pelas suas botas contra os
degraus da varanda, suas mãos ajustando seu aperto para
procurar as chaves no bolso. Começo a escorregar para o lado e
ele solta um xingamento abafado, colocando-me
cuidadosamente em pé. Eu bocejo e cavo meus punhos em
meus olhos enquanto ele destranca a porta, arrastando meus
dedos pelo meu cabelo. Eu bufo quando vários galhos e
algumas folhas de grama caem na varanda, resquícios de nosso
tempo no campo.
Talvez seja isso que feliz signifique. Uma pessoa, um lugar.
Um único momento no tempo. Beckett no corredor me
ajudando a desembaraçar os moletons dos meus ombros. Uma
família de gatos brigando por nossa atenção enquanto
tropeçamos na cozinha. Chá na chaleira no fogão e duas
canecas lado a lado ao lado.
Eu desabo em um dos bancos alinhados contra a bancada e
o observo se mover pela cozinha, acomodando-se no calor que
se expande em meu peito.
— No que você está pensando? — ele pergunta, as mãos
ocupadas com uma lata de chá. Ele me entrega o mel antes que
eu possa pedir e lá está ela de novo, aquela vibração bem abaixo
das minhas costelas.
Eu balanço minha cabeça e pego uma colher.
— Nada — eu digo. — Apenas observando você.
Ele cantarola como se não acreditasse em mim, um sorriso
escondido atrás da boca de sua caneca. Sentamos lá no balcão e
bebemos no silêncio calmo da casa. Observamos os gatos
rebatendo em torno de uma bola de barbante e eu descanso
minha testa em seu ombro, sua mão encontrando minha coxa,
os dedos tamborilando.
Um bocejo estala minha mandíbula e Beckett cheira meu
cabelo, enrolando seus dedos ao redor da minha caneca antes
que eu possa soltá-la. Ele a coloca na pia e volta para mim,
apoiando-se com os braços na bancada. Encontro a galáxia no
interior de seu bíceps e traço a cor.
— Venha para a cama comigo — diz ele, sua voz um
sussurro áspero. Eu me inclino para ele até que meu queixo
esteja em seu ombro e toda a metade superior do meu corpo
esteja apoiada no dele. Eu poderia adormecer, assim.
Provavelmente seria o melhor sono da minha vida.
— Eu não acho que tenha outra rodada para mim.
Beckett balança a cabeça e me guia para fora do banco, me
dirigindo para seu quarto com um tapinha suave na minha
bunda.
— Nem eu — ele concorda. Ele dá um beijo na parte de trás
da minha cabeça e nos leva para a frente, os joelhos batendo
contra as minhas costas. — Quero sentir você perto de mim.
Apenas dormir.
Estou muito cansada para fingir que não é exatamente o que
eu quero também. Eu torço meus dedos nos dele e aceno.
— Só dormir parece muito bom.
Dezessete

BECKETT
EU ACORDO com Evelyn esparramada sobre mim, sua coxa
jogada sobre meus quadris e seu nariz no meu ombro. Eu aliso
minha mão por suas costas nuas e observo enquanto ela se
aproxima, um único raio de luz da manhã dançando por sua
pele. Eu persigo a luz com o meu toque, meu polegar relaxando
sobre a pele negra e seu nariz torce, um bufo em seu sono
enquanto ela rola e se acomoda novamente.
Eu amo como ela fica debaixo dos meus lençóis – a curva
suave de seu quadril e a curva em sua cintura. A linha graciosa
de seu braço sobre seus seios nus. Ela parece uma obra de arte.
Pintada com óleo e prensada em tela com as pontas dos dedos
ásperos. Traços arrojados de ouro polido e ameixa rica e
profundo, verde floresta.
Apesar da minha insistência de que tudo o que faríamos era
dormir, acordei antes do amanhecer com dedos macios
roçando meu estômago, procurando beijos no escuro. Eu a
puxei sobre mim e a toquei até ela ficar sem fôlego, as mãos
puxando minhas roupas. Uma lambida de calor se enrola
contra a base da minha espinha quando me lembro do som que
ela fez quando afundei nela pela segunda vez. Um gemido
baixo. Alívio puro e não adulterado.
O desejo pulsa quente e eu cavo as palmas das minhas mãos
contra meus olhos até ver manchas. Eu preciso sair desta cama
se eu tiver alguma esperança de fazer alguma coisa hoje. Ainda
me sinto desesperado por ela, carente de seus sons, toques e
corpo.
Pelo jeito que ela me olha. Por sua risada e sorriso e atenção
cuidadosa.
Eu afasto os cobertores e saio da cama, Evie imediatamente
rolando no meu espaço. Eu dou um beijo entre suas escápulas.
Sua mão se emaranha brevemente no meu cabelo, um puxão
suave e, em seguida, uma massagem calmante com as pontas
dos dedos no meu couro cabeludo. Um som profundo e
satisfeito ressoa baixo no meu peito. Evie sorri no travesseiro.
— Como um gato — ela murmura.
Eu empurro minha cabeça ainda mais em sua mão de
brincadeira e ela me empurra.
— Panquecas — diz ela com um suspiro. — Bacon — Ela
ainda não se incomodou em abrir os olhos.
— Tudo bem — eu traço o inchaço de sua bochecha com
meu polegar. Eu quero encapsular este momento, seu corpo
macio e doce sob meus lençóis, os sons da casa se instalando ao
nosso redor. Galhos de árvores arranhando as janelas e tábuas
do assoalho se abrindo no corredor. — Vamos começar com o
café e partir daí.
Eu faria panquecas e bacon para ela e um bufê à vontade,
qualquer coisa que ela quisesse se ela me dissesse que queria
ficar. Mas eu afasto esse pensamento tão rápido quanto ele
entra em minha mente. Enterre-o profundamente. É uma
ilusão da pior das maneiras. Evie é grande demais para ser
contida por um lugar como Lovelight. Muito brilhante para ser
escondida em uma fazenda de cidade pequena. Não quero que
ela perca o brilho porque... porque não suporto vê-la partir.
Eu olho para seu sorriso enfiado no meu travesseiro, seus
dedos traçando linhas sem sentido contra minhas tatuagens.
— Encontro você na cozinha — ela me diz, já a meio
caminho de volta a dormir, o pé se contorcendo sob os
cobertores de flanela. Eu fecho as cortinas no meu caminho
para fora da porta e pego minhas calças descartadas do chão,
pisando nelas enquanto ando pelo corredor. Os gatos me
ignoram completamente, satisfeitos com seu lugar ao sol sob a
janela.
— Bom ver vocês também.
Cometa rola de costas, sua pequena pata acenando
brevemente no ar.
Eu me ocupo começando o café e colocando os ingredientes
para as panquecas, uma dor profunda entre minhas escápulas e
na parte de trás das minhas coxas. Eu tenho duas marcas de
arranhões gêmeos na curva das minhas costelas – uma
lembrança da segunda vez, quando eu pressionei meu polegar
entre suas pernas e suas mãos se fecharam em punhos contra os
meus lados.
Dormir com Evelyn na noite passada provavelmente não foi
a melhor ideia. Só estou me aprofundando nessa coisa entre
nós. Tenho medo de que, quando ela for embora desta vez, ela
leve todas as minhas partes importantes com ela.
Mas estou cansado de me segurar. Cansado de fingir que
não a quero de todas as maneiras possíveis. Na minha varanda
e na minha mesa e na minha cama. Eu nunca fui tão ganancioso
por uma mulher em toda a minha vida.
É Evie.
Eu nunca tive chance.
Eu quero falar com ela sobre seu dia e depois fodê-la sem
sentido contra a parede. Eu quero fazer queijo grelhado e sopa
de tomate e depois espalhá-la na minha mesa.
Um toque leve e musical interrompe meus pensamentos e
olho por cima do ombro para a mesa. O laptop de Evelyn está
aberto no canto, um caderno espiral logo abaixo. Meus olhos
se movem pelo corredor e voltam novamente, o toque parando
abruptamente.
Começa novamente um momento depois.
Eu sei que ela não tem o telefone dela. Ainda está no fundo
da lagoa, provavelmente fazendo um bom lar com um dos
remos de barco que Luka deixou cair há dois verões. Dou um
passo mais perto e olho para a tela. Uma pequena caixa no
canto me diz que Josie está ligando. Eu ouvi o nome dela antes
de Evelyn, uma afeição amigável em sua voz.
Minha mão paira sobre o trackpad e eu toco em responder
antes que eu possa me convencer a desistir. Vou anotar uma
mensagem, desligar e fazer umas malditas panquecas.
O rosto de uma mulher aparece instantaneamente na tela.
Cabelo preto curto. Um moletom do Metallica. Olhos
castanhos arregalados que piscam e depois se arregalam.
— Puta merda — diz uma voz metálica do alto-falante.
Meu reflexo aparece no canto superior esquerdo da tela, o
braço apoiado na borda da mesa e a mão ainda pairando sobre
o teclado. Eu... não estou vestindo uma camisa. Tenho certeza
que você pode ver as marcas de arranhões de Evie em meu peito.
Eu me levanto da mesa e fico ali como uma idiota,
hesitantemente acenando com a espátula em saudação.
Não sabia que era uma videochamada.
— Hum, olá.
Pés com meias arrastam-se pelo corredor. Evie aparece na
entrada da cozinha vestindo uma das minhas flanelas, meio
abotoada e mal roçando as coxas. Ela está de tricô – eu exalo
uma respiração trêmula e agarro as costas da cadeira – ela está
com suas meias de tricô puxadas até os joelhos. Estou dividido
entre o desejo de queimar essas malditas coisas e tê-la vestindo
nada além disso, seus joelhos abraçando minhas orelhas e suas
mãos no meu cabelo.
— Ei — ela murmura, se aproximando de mim e dando um
breve beijo na parte de baixo do meu queixo. Seus braços
enrolam em volta da minha cintura e ela me abraça forte. É o
tipo de afeição fácil que eu ansiava dela, e não posso apreciá-la
porque estou congelado na frente da câmera, parecendo como
um cervo aos faróis sobre a cabeça de Evie. Se o chão da cozinha
pudesse me engolir inteiro, seria ótimo.
Eu sabia que não deveria ter atendido a porra da ligação.
— Ora, ora, ora. Olha o que temos aqui.
Evie salta, o rosto se virando para o computador. Minhas
mãos agarram seus quadris em um pedido de desculpas
silencioso.
— Eu não sabia que era uma chamada de vídeo — eu
sussurro, só para ela.
Evelyn pisca. A mulher na tela olha para nós dois sem
palavras e então junta os dedos. Ela bate neles levemente,
parecendo uma vilã de filme. Um sorriso lento começa na
borda de sua boca até que todo o seu rosto parece pronto para
explodir com alegria desenfreada.
É assustador.
— Tantas coisas estão começando a fazer sentido — diz ela
com um sotaque aristocrático estranho. Evie suspira e dá um
tapinha no meu peito, inclinando a cabeça para trás para olhar
para mim. Ela tem um leve rubor nas bochechas, mas também
tem um sorriso. Seus olhos percorrem meu torso e pousam nos
arranhões finos do meu lado. O rubor em suas bochechas fica
um tom mais escuro.
— Por que você não vai colocar uma camisa?
— Por mim não é necessário — vem a voz da tela.
— Eu vou colocar uma camisa — eu concordo. Coloco a
espátula na mesa e saio rapidamente, recuando para a segurança
do meu quarto.
Uma vez que a porta se fecha atrás de mim, eu puxo uma
flanela da gaveta de cima sem me incomodar em olhar para ela,
tomando meu tempo para fechar os botões. É melhor que eu
não esteja desajeitadamente atrás de Evie durante um
telefonema com sua amiga. Não estou tentando dificultar nada
para ela. Eu não quero que ela sinta qualquer pressão, de mim
ou de qualquer outra pessoa. Ela coloca o suficiente em si
mesma.
Esfrego a palma da minha mão na nuca, frustrado. Com a
situação, mas principalmente comigo mesmo, com minha
incapacidade de apenas dizer o que eu quero.
Eu sei o que quero.
Olho para a cama – os lençóis retorcidos e o tênue entalhe
no travesseiro ao lado do meu.
Mas eu sei que é egoísmo querer isso.
A porta se abre e Evie enfia a cabeça na porta, o cabelo
emaranhado e caindo sobre os ombros. Ela sorri gentilmente
para mim quando me vê de pé no meio do quarto e abre mais a
porta. Ela coloca uma caneca de café na ponta da cômoda como
se fizéssemos isso todos os dias.
Eu gostaria que tivéssemos feito.
Eu limpo minha garganta.
— Tudo certo?
Ela balança a cabeça e cruza os braços sobre o peito
enquanto se inclina contra o batente da porta, um sorriso fácil
no rosto. Tudo o que posso fazer é olhar para os botões da
camisa que ela roubou, os lados mal cobrindo o volume de seus
seios. Seria tão fácil prender meu dedo ali, puxá-la para mim e
esquecer a bagunça na minha cabeça.
Quanto tempo ela vai ficar? O que vai acontecer quando ela
se for?
Quão longe eu estaria e eu me importo?
Tudo desapareceria com a minha boca na dela.
Metade de mim espera que ela empurre a conversa, exija que
falemos sobre tudo o que abrimos na noite passada. Mas ela
mantém os olhos em mim, um olhar caloroso, honesto e gentil.
Há uma linha desbotada pressionada do canto do olho até a
curva de sua mandíbula, um vinco do meu travesseiro impresso
em sua bochecha.
Eu a quero assim todas as manhãs.
— Você deixou seu telefone no balcão — ela me diz,
descruzando os braços e avançando mais no quarto. — Mabel
ligou e disse que você está atrasado.
Eu gemo. Esqueci que me ofereci para ajudá-la hoje. A
temporada de casamentos na primavera é caótica no espaço
verde, e ela é muito baixa para fazer os arcos sozinha. Olho para
a longa linha do corpo de Evie encostada na cômoda e gemo
novamente.
Eu tinha planos para esta manhã. Panquecas e calda com as
portas da varanda escancaradas. O sol em sua pele e a linha
tentadora de sua garganta. Esfrego meu peito e ignoro o
lampejo baixo de decepção.
Ela sorri e se vira, dobrando a cintura para a terceira gaveta
para baixo. Eu faço um som de impotência quando a curva de
seus quadris e a curva de sua bunda são exibidas e ela me dá uma
pequena sacudida, as pernas balançando para frente e para trás.
— Eu vou com você — ela me diz por cima do ombro,
puxando um par de jeans e jogando na minha direção. — Eu
tenho que deixar coisas do site para ela de qualquer maneira.
— Você ainda está fazendo essas coisas pela cidade? —
Redes sociais, a maioria. Mas ajudar Alex a estocar livros nas
prateleiras de trás também. Dar uma volta na caixa registradora
na loja de ferragens. Christopher estava fora de si, contando a
quem quisesse ouvir sobre a celebridade que queria trabalhar
em sua loja.
Ela está compartilhando seu sol com qualquer um que
precise de um pouco de luz, mesmo enquanto ela luta. Ela é
aberta, calorosa e gentil e é tão fácil imaginá-la aqui. Querer que
ela fique.
Ela cantarola em afirmação, um par de meias enrolado
voando pelo ar e quase errando minha cabeça. Eu alcanço para
trás e as agarro da cama.
Ela se levanta rapidamente e coloca as mãos nos quadris.
Mandona, em cada linha de seu corpo. Linda, também.
— Mas se vamos pular o café da manhã aqui, vou querer
bacon no caminho.
Eu facilito e me acomodo. Vamos descobrir tudo a tempo,
para melhor ou para pior. Me preocupar com isso não vai me
levar a lugar nenhum.
— Nós podemos fazer isso.

O ESTACIONAMENTO de trás do espaço verde está cheio


quando chegamos, um pico de ansiedade me deixando
inquieto no meu lugar. Não era assim que eu queria passar
minha manhã com Evelyn. Na verdade, não é assim que quero
passar nenhuma manhã – nunca. Quero voltar no tempo e me
dar um soco na cara por ser voluntário.
Eu posso sentir os olhos de Evie em mim, me observando
cuidadosamente enquanto eu manobro a caminhonete em um
dos becos. Eu relutantemente coloco no estacionamento e ela
tira um pedaço de bacon do recipiente de isopor em seu colo,
me oferecendo metade.
— Eles gostam de ver você, você sabe.
Eu mordo o bacon, mantendo meu olhar firmemente
travado na grande guirlanda floral sobre a porta. Geralmente
levo entre cinco e sete minutos para me convencer a sair do
carro.
— Quem?
— Todos. A cidade.
Eu grunhi.
— Eu só… — Eu me viro para olhar para ela, a luz brilhante
da manhã fazendo sua pele brilhar. Ela tem rosa no pescoço de
onde minha barba roçou contra ela, a ponta de um chupão
aparecendo por baixo de sua camisa. Eu caio na tentação e me
aproximo, manuseando uma vez na marca antes de puxar a gola
sobre ela. Ela vira a cabeça e dá um beijo na constelação nas
costas da minha mão. Argo Navis. O poderoso navio.
— Eu não quero que você fique sozinho — ela confessa. —
Sentado sozinho naquela casa grande. Odeio pensar em você
sozinho.
Ela quer dizer quando ela for embora. Eu deslizo minha mão
de seu aperto e esfrego minha palma contra minha coxa. Ela
está ocupada planejando sua partida enquanto eu ainda estou
no campo com ela, minhas mãos em sua pele nua e meu coração
na garganta.
A decepção me dá um soco no estômago, um tiro barato que
rouba o ar dos meus pulmões. Durante toda a manhã eu estive
tentando pensar nas palavras certas para dizer a ela que eu a
quero por perto e ela está pensando sobre aonde ela irá em
seguida. Deixo escapar um suspiro lento e alcanço a maçaneta
da porta.
— Tudo bem — eu coço meu nariz e empurro tudo de volta
no lugar. Ombros para trás, queixo para cima, paredes em
ruínas sustentadas por palitos de dente. — Vamos entrar então.
Ela me para com a mão no meu pulso, as caixas de isopor
colocadas ordenadamente no banco de trás. Seu polegar esfrega
uma vez contra a minha pele e ela sorri gentilmente para mim.
Há um segredo lá, no conjunto de sua boca. Conforto e um
pouco de coerção também. Todas as melhores coisas sobre
Evie.
Ela remexe em sua bolsa e sai com a mão apertada em torno
de algo, arrastando os joelhos para se inclinar sobre o console
central. Ela segura meu queixo com uma mão e alcança minha
têmpora com a outra, um pequeno tampão de espuma
segurado cuidadosamente entre o polegar e o indicador. Ela
gentilmente o encaixa no meu ouvido, o polegar alisando
minha mandíbula enquanto o som é abafado ao meu redor. É
como escorregar debaixo d'água no banho, água morna
correndo sobre a cabeça.
Ela guia minha cabeça para a esquerda e encaixa o outro no
lugar. Ela segura meu rosto quando termina, os polegares
roçando sob meus olhos. Ela se inclina para frente e arrasta um
beijo suave em minha boca. Deixe-me cuidar de você, diz o beijo
dela.
Eu quero que ela o faça. Mais do que tudo, eu quero que ela
o faça.
— Para o som — ela explica, sua voz abafada, mas ainda lá.
— Para facilitar.
Eu engulo em torno das palavras que queimam
desconhecidas no fundo da minha garganta e me contento em
apertar sua mão na minha. Mas eu me pergunto se ela sabe. Se
ela pode ler isso no meu rosto.
Eu não sabia que se apaixonar poderia ser tão simples. Bacon
em um recipiente para viagem e tampões de ouvido no fundo
de uma bolsa.
Eu tomo uma decisão sentado no banco da frente da minha
caminhonete, meu polegar em seus dedos. Não sei o que
estamos fazendo, quanto tempo vai durar, quando ela vai
embora de novo. Mas vou pegar todos os pedaços dela
enquanto a tenho.
Vou aceitar o que ela puder me dar, enquanto ela puder.

OS TAMPÕES DE OUVIDO AJUDAM, mas Evelyn ajuda mais.


Ela mantém seus toques leves e reconfortantes contra a
parte de trás do meu braço enquanto torcemos flores e videiras
ao redor das pernas robustas de um arco. Metade da cidade
inteira está espremida no espaço da estufa de Mabel, feixes de
flores frescas e rolos de tela de arame e espuma verde densa em
cada superfície plana. Conversa alta e corpos roçando perto. Vi
vislumbres de Mabel, correndo entre as estações, um turbilhão
de atividades enquanto ela organiza e reorganiza e manda as
pessoas para fora.
— Estas são lindas — Evelyn afofa a respiração de um bebê
perto do topo do arco e arrasta a ponta do dedo sobre a pétala
de uma peônia rosa pálido, a flor ainda agrupada. De pé no
banquinho, sua bunda está bem acima do meu rosto. Eu
poderia morder o topo de sua coxa se eu quisesse. Ela se vira e
olha para mim, um sorriso malicioso curvando seus lábios. Eu
não me incomodo em desviar o olhar de sua bunda.
Estendo a mão e a ajudo a descer.
— Elas são.
Mabel é incrível no que faz. Seu negócio floral tem se
expandido lentamente nos últimos dois anos e este pode ser seu
maior casamento até agora. Olho para todos os arranjos
espalhados pela estufa, Gus parado na porta com o que
parecem ser cinco buquês equilibrados em suas mãos enormes,
um olhar paciente em seu rosto gentil enquanto Mabel fala
animadamente na frente dele. Ele acena com a cabeça e sacode
a cabeça para onde a ambulância está esperando, as portas
traseiras abertas.
— Acho que Gus está tentando deixar flores de um
casamento em uma ambulância.
Evelyn pula do último degrau do banco, mas não solta
minha mão. Eu aperto seus dedos com os meus, uma pequena
flor branca grudada em seu dedo mindinho.
— Ele pode precisar da ambulância em um segundo.
Eu rio e Evelyn olha para mim, um sorriso largo em seu rosto
bonito. Eu esqueço que estamos no meio da cidade em uma
estufa lotada. Esqueço que Cindy Croswell está um metro atrás
de nós, espiando um punhado de eucalipto.
Tudo o que sei é que quero beijar Evelyn enquanto ela tem
jasmim preso em seu cabelo e tenho essa sensação no meu peito.
Como se alguém me expulsasse de um avião. Queda livre total.
Sem paraquedas.
Então, eu faço.
Eu coloco minha mão em volta de seu pescoço e a puxo para
mim, um suave oh pressionado contra minha boca e suas mãos
espalmadas contra meu peito. Eu o mantenho casto e fácil, um
roçar suave para frente e para trás. Uma mordiscada rápida em
seu lábio inferior. Suas mãos se fecham em punhos enquanto
ela balança em mim, uma leve advertência com o golpe de seus
dedos contra minha clavícula.
— Todo mundo pode ver — ela sussurra contra minha
boca, sem se mover um centímetro. O som é abafado pela
espuma em meus ouvidos, mas posso ouvi-la mesmo assim. Eu
também posso ouvir Cindy Croswell largar tudo o que ela está
segurando bem atrás de nós e ir correndo em direção ao armário
de suprimentos onde Becky Gardener desapareceu dez minutos
atrás.
Eu bato meu nariz contra o dela.
— Eu não me importo.
Seu sorriso se alarga em um sorriso ainda maior, seus olhos
castanhos brilhando. De tão perto, posso ver manchas de
dourado neles. Ela manuseia meu queixo.
— Esses tampões de ouvido o deixaram ousado, garoto da
fazenda.
Eu dou de ombros e me inclino para trás, passando minha
mão pelo comprimento de seu cabelo. Pela primeira vez, eu não
me importo com a atenção. Não vou perder um momento com
Evelyn só porque alguém pode estar assistindo. Embora haja
muitos sussurros acontecendo de repente, olhares furtivos
entre vasos de cerâmica e luzes cintilantes de ouro rosa.
— Ah — eu vejo seu ponto agora. Gus e Mabel
abandonaram a discussão na calçada e estão parados com os
rostos colados à janela. Eu estremeço. Tudo na estufa parou de
forma cômica. Os sussurros começam como um ninho de
vespas um segundo depois. — Tudo bem, bem. Não posso
voltar atrás agora.
— Você quer? — Eu olho de volta para ela, o jeito que seu
sorriso está escorregando de seus lábios. — Voltar atrás?
Eu balanço minha cabeça. Eu realmente não quero. Quero
que todos nesta cidade intrometida saibam. Estou meio
tentado a pegar meu celular do bolso de trás e ligar para a árvore
telefônica.
Aliviada, Evie pega minha mão e aperta.
— Bom. Porque acho que acabamos de virar a versão viral
de Inglewild.
Dezoito

EVELYN
MEU telefone novinho toca no braço da cadeira enquanto me
sento na varanda dos fundos da cabana de Beckett, uma caneca
de chá em minhas mãos e meus pés apoiados no corrimão. É
um número desconhecido, mas reconheço o código de área.
Eu bato em resposta enquanto vejo Beckett cruzar para
frente e para trás através das grossas janelas de vidro de sua
pequena estufa, curvando-se na cintura com um regador preso
frouxamente em seu punho. Não sei como alguém conseguiu
esse número. Pedi a Josie um novo quando ela me encomendou
um telefone substituto.
— Alô?
— A árvore telefônica do Inglewild está chamando — uma
voz vagamente familiar soa do outro lado do telefone. —
Beckett e Evelyn foram vistos se agarrando no canto da casa de
Mabel hoje. Tenho certeza de que ele a teria jogado no chão se
ninguém estivesse por perto.
Afasto o telefone do ouvido e olho para a tela. Essa é uma
interpretação criativa do beijo doce, mas demorado, que
Beckett me deu sob o arco de flores.
— Kelly? Essa é você?
Tenho certeza que Kelly nem estava na estufa hoje cedo. Há
uma pausa e então sua risada alta e ruidosa dança sobre a linha.
Eu sempre posso dizer quando a porta do salão está aberta
quando estou andando pela cidade. Eu posso ouvir a risada de
Kelly a uma milha de distância.
— Oh, meu Deus. Quais são as chances? — Sua risada
diminui. — Eu acho que você é oficialmente uma local agora...
se você foi adicionada à árvore telefônica.
— Eu acho. — O pensamento me faz sorrir. Eu ainda tenho
dúvidas sobre como eles conseguiram esse número, no entanto.
Meu pai ainda não o tem. — Nós não estávamos nos agarrando.
— Oh, querida. Isso é uma vergonha. — Ela zomba uma
vez. — Você deveria estar sempre dando uns amassos com
aquele homem.
Eu desligo o telefone e chuto as pernas enquanto olho para
as colinas ondulantes. Deixo-me imaginar como seria. Manhãs
passadas na cidade e tardes na fazenda, cores brilhantes se
espalhando por trás da casa enquanto as flores começam a
desabrochar. Ligações da árvore telefônica e biscoitos da Sra.
Beatrice na calada da noite. A boca de Beckett contra a minha.
Eu ainda não tinha essa coceira de ir para outro lugar. O
pulso que bate no meu peito para ir a algum lugar novo –
perseguir, descobrir, encontrar – está mais fraco agora.
Tranquilo. Eu não acho que acabou. Está apenas... satisfeito,
eu acho.
Eu olho para o meu telefone e em vez de sentir uma onda de
ansiedade subindo como uma maré, eu apenas sinto... nada.
Não me preocupei em reconectar nenhuma das minhas contas
sociais quando configurei este novo telefone. Também não
conectei meu e-mail.
Estou começando a deixar algumas coisas irem.
Eu assisto Beckett cruzar atrás das janelas novamente – uma
coisa que eu não quero deixar de lado.
Com Beckett, estou tentando descobrir muito por conta
própria quando há outra metade da equação atualmente
escondida na estufa, cuidando de suas plantas. Ele ainda quer
que eu fique? Eu me levanto do meu assento e desço a varanda
dos fundos, seguindo o caminho aberto por pedras enormes e
planas. Cometa e Vixen correm na minha frente, pulando de
pedra em pedra para passar pela fresta da porta.
Beckett está de costas para mim, sua camiseta esticada sobre
seus ombros enquanto ele trabalha na mesa pressionada contra
o comprimento da parede dos fundos. Quase todo o espaço é
ocupado por vários vasos e floreiras, uma longa prateleira
contra cada janela do chão ao teto cheia de orquídeas e petúnias
e poinsétias vermelhas brilhantes, suas pétalas sedosas abertas
para o sol poente. Eu enfio meu nariz em um aglomerado de
rosa que não reconheço, seu cheiro como a primeira mordida
de uma maçã crocante. Forte e afiada.
Eu me inclino para trás e encontro Beckett me observando.
— A árvore telefônica ligou — digo a ele. — Somos oficiais.
Eu me arrependo da minha escolha de palavras quase que
imediatamente. A única coisa oficial sobre o que estamos
fazendo é evitar oficialmente a conversa. Oficialmente
estúpidos sobre isso. Reviro os olhos para os painéis de vidro
do teto e desço novamente.
— Você sabe o que eu quero dizer.
Ele enxuga as mãos em uma toalha, seus movimentos
praticados e suaves.
— Nós estamos oficialmente no radar de todo mundo? —
Ele joga a toalha para o lado. — Oficialmente, nós vamos ter
que começar a verificar os arbustos da frente em busca de
vizinhos?
Eu gosto tanto dessa palavra. Nós.
— Eu não acho que você vai encontrar Luka e Stella
escondidos em seus arbustos — eu digo enquanto inclino meu
quadril contra a mesa em que ele está trabalhando. Três potes
pequenos e um pacote de sementes. Um regador azul brilhante
e algumas tesouras de poda. Eu inclino minha cabeça e olho
para sua caligrafia elegante no lábio inferior de terracota.
Lavanda.
— Vamos falar sobre o que está acontecendo, ou você vai
ficar bisbilhotando silenciosamente na minha estufa até eu
perder a cabeça?
Eu pisco para ele e sinto um sorriso puxando minha boca.
Eu mordo o interior da minha bochecha em uma
demonstração de contenção.
— A segunda opção parece legal, obrigada.
Ele balança a cabeça e esfrega os nós dos dedos contra o
pescoço, exasperado. Este pobre homem. Eu realmente o
coloquei no ringue esta semana. A lagoa, um beijo... sexo em
um campo. Eu me sentiria mal se não soubesse de fato que ele
adora. Ele adora o desafio, a luta, a grande provocação de tudo.
Ele deixa cair as mãos e alcança debaixo da mesa, apertando
algum interruptor escondido. Uma série baixa de luzes
entrelaçadas nos painéis do teto pisca para a vida e todo o
espaço brilha com uma luz quente e nebulosa. Vejo um reflexo
nosso no vidro à minha direita, a noite rastejando pelos campos
do lado de fora e cobrindo tudo com sombras.
Estou cativada pelo nosso olhar refletido de volta em uma
distorção ondulada. Eu de pé na frente de Beckett, seu corpo
forte onde ele está apoiado contra a mesa. Seus braços tatuados
se abriram. Meu rabo de cavalo enrolado sobre meu ombro.
— Há outras opções para explorar, eu acho. — Ele dá um
passo à frente e me prende contra a mesa nas minhas costas,
suas mãos encontram meus quadris e me levantam
cuidadosamente em cima. Ele arrasta minhas pernas e dá um
tapinha na parte externa das minhas coxas, pisando entre elas.
Todos os seus movimentos são tão fáceis, tão sem esforço.
Como se ele estivesse aqui planejando exatamente o que ele
quer fazer comigo.
— Até agora, tudo bem — eu digo.
Um sorriso flerta com os cantos de sua boca. Ele coloca a
palma da mão no meu pescoço e traça abaixo da minha orelha.
— Eu gosto de você, Evie — ele respira, e o ar úmido na
estufa fica mais espesso, mais quente. Seu olhar suaviza no meu
e tudo em seus olhos parece muito mais do que gostar. Meu
coração bate no meu peito e eu sei o que ele sente, eu sinto
também. — Eu gosto muito de você. Quero ver onde isso vai
dar.
— Ver onde isso vai dar — eu repito de volta para ele
lentamente, focada nos dedos de sua outra mão brincando com
a bainha do meu vestido. Ele poderia estar recitando o Star-
Spangled Banner8 e eu provavelmente ainda teria o mesmo
olhar estupefato no meu rosto. Ele acaricia minhas pernas
novamente, o polegar curvando sob a borda da minha saia.
Coloquei um vestido antes de sairmos de casa esta manhã. Eu
gostei do jeito que Beckett engoliu em seco quando eu entrei
na cozinha, como seus olhos se demoraram onde a bainha
roçava minhas coxas.
Ele junta o tecido em seu punho e enrola o material uma vez.
Eu tremo.
— Sim — ele diz baixinho. — Isso funciona para você?
— É um bom começo. — Eu quero mais dele do que isso.
Ver onde isso vai dar soa um pouco ambivalente para os grandes
sentimentos que estouram nas costuras do meu peito, mas vai

8
Hino nacional dos Estados Unidos
servir por enquanto. Ele levanta a saia do meu vestido
novamente, mais um centímetro de pele visível. — Eu também
gosto de você, só para constar.
Eu gosto mais dele.
— Estou feliz por termos conversado sobre isso — diz ele no
topo dos meus joelhos, um gole pesado na coluna forte de sua
garganta. Ele se inclina para frente e cutuca sob minha
mandíbula. Eu obedientemente levanto meu queixo e ele dá
um beijo suave bem no meu ponto de pulsação. Ele gosta dessa
pequena concessão, uma respiração áspera exalada sobre minha
pele, dedos arrastando ao longo da parte externa das minhas
coxas. Eu paro suas mãos no lugar onde minha calcinha sobe
sobre meus quadris, minhas mãos enrolando em torno de seus
pulsos.
— Vou querer falar mais sobre isso.
— Tudo bem.
— Muitas conversas.
Suas mãos flexionam na minha cintura, dedos deslizando
sob a faixa da minha calcinha. Ele torce o material e puxa.
— Quantas você quiser, querida.
— Beckett — eu arrasto meus lábios em sua testa. Eu sou
mais alta que ele assim, apoiada na mesa, seu corpo grande
ocupando todo o espaço entre minhas pernas abertas. — As
paredes são feitas de vidro.
Ele balança a cabeça e coloca outro beijo debaixo da minha
orelha. Arrasta os dentes pela minha garganta e me dá um beijo
afiado e mordaz logo acima da minha clavícula.
— Elas são.
— Alguém pode… — Eu me interrompo com um suspiro
quando seu caminho sinuoso faz uma curva acentuada, sua
boca molhada e quente sobre o meu seio através do tecido do
meu vestido. Ele morde uma vez no meu mamilo e minhas
mãos soltam seus pulsos para encontrar seu cabelo, enfiando-se
nos fios grossos. Eu empurro sua cabeça para trás e ele faz um
som suave de súplica na parte de trás de sua garganta.
Oh, garoto.
— Alguém pode ver — eu consigo dizer. — Devemos
entrar.
Já sei como o quero quando chegarmos lá. Rápido. Duro.
Contra a cômoda em seu quarto. Curvada na beirada de sua
cama. Talvez o sofá também. Eu coloco minha mão em seu
cabelo e o guio até que eu possa pegar seus lábios com os meus.
Eu o deixo saber tudo o que estou pensando com minha boca
contra a dele e ele geme algo desesperado em meu lábio inferior.
Quando ele se afasta, suas mãos estão apertando minhas pernas,
a cabeça já balançando.
— Ninguém vai ver — ele me diz, a voz enferrujada com a
necessidade. — Somos apenas nós aqui – você e eu. Eu quero
você assim.
Seu olhar se inclina para o lado e ele enrola a mão sob minha
mandíbula, guiando meu rosto para seguir até que eu esteja
olhando para nossos reflexos novamente.
— Posso ter você assim?
Eu vejo então, exatamente o que ele quer. Beckett me
pressionando contra a mesa com meu vestido dobrado em volta
dos meus quadris, a longa linha das minhas pernas um traço de
cobre na janela. Não consigo ver nada além do vidro agora.
Apenas nós dois, as luzes do globo brilhando acima de nossas
cabeças como vaga-lumes. A do canto acende, apaga e acende
novamente.
— Eu quero que você assista — ele me diz.
E então ele cai de joelhos.
É estranho, observá-lo no vidro. Tudo está um pouco fora.
Sinto sua respiração contra meu joelho antes de vê-lo dar um
beijo lá. Sinta as pontas calejadas de seus dedos antes de vê-lo
arrastar minha calcinha pelas minhas pernas, envolvê-la em seu
punho e colocá-la no bolso. Eu me vejo abrir mais minhas
pernas antes mesmo de perceber que fiz isso, sua cabeça
desaparecendo entre minhas coxas, apenas o topo de seu cabelo
visível em nosso reflexo.
— Eu gosto disso — eu respiro, surpresa com o calor
subindo pelas minhas veias. Ele faz um som contra a parte
interna da minha coxa e suas mãos apertam com força,
flexionando os dedos tatuados. Uma palma guia minha perna
para cima e sobre seu ombro, minha coxa pressionada contra
sua orelha.
Ele observa meu rosto enquanto coloca sua boca contra
mim, seus olhos se fechando em alívio agonizante com seu
primeiro beijo lento. Eu o observo em nosso reflexo enquanto
ele rola sua língua contra mim, uma pulsação constante que me
faz lutar contra a mesa. Uma longa e completa arrastada. Um
suave zumbido de satisfação.
O regador cai ruidosamente no chão. Sua tesoura de jardim
também. A lavanda é poupada, mas apenas porque minhas
mãos encontram a prateleira baixa nas minhas costas, o aperto
de Beckett firmando meus quadris. Eu desvio o olhar do nosso
reflexo, mais interessada na realidade disso. Sua cabeça se
inclinou sobre mim, um braço baixou sobre meu estômago
para me segurar no lugar. O outro desaparecendo abaixo de
nós, o tilintar de seu cinto contra o chão de cimento me
deixando saber exatamente o que ele está fazendo.
Ele puxa e puxa e puxa – essa sensação – na minha barriga,
onde seu antebraço descansa contra mim, meus quadris
rolando desesperadamente para cima e para ele. Perseguindo
aquele sentimento lindo que eu só tenho com Beckett. Suas
mãos e seus lábios e seu profundo gemido de alívio contra mim
quando eu suspiro seu nome e arqueio, minha liberação
roubando o ar dos meus pulmões.
Ele arrasta sua boca para frente e para trás contra o interior
da minha coxa, a ponta de sua barba fazendo minhas pernas
pularem. Ele descansa a testa lá brevemente.
— Mais? — Sua mão desliza sobre minha barriga e seu
polegar se curva para baixo, onde estou molhada e sensível.
Outro salto em meus quadris que o faz sorrir para minha perna.
Ele bate lá uma vez e eu quase escorrego da mesa para o chão.
Ele vai ter que recolher meus pedaços em uma cesta e me levar
de volta para casa.
Enquanto a ideia de Beckett me dando outro orgasmo nesta
mesa com suas mãos e sua boca é tentadora, eu quero algo
melhor. Eu balanço minha cabeça e uso a mão ainda em seu
cabelo para instigá-lo a se levantar. É uma maravilha que ele
tenha algum fio sobrando neste momento. Eu esfrego meus
dedos contra seu couro cabeludo e ele faz aquele som
estrondoso novamente, no fundo de seu peito. Como um gato
ao sol.
— Posso ter você assim? — Eu pergunto, curvando minhas
pernas em seus quadris, o calcanhar do meu pé na parte inferior
de suas costas. Eu quero olhar para ele, ver como todo o seu
rosto relaxa enquanto ele desliza dentro de mim. Alívio e desejo
e... algo mais também. Algo que bate no meu peito na mesma
batida que a dele. Ele apalpa minha coxa, flexionando a mão, e
engole em seco enquanto olha para mim.
— Você pode me ter como quiser, amor — Sua mão cobre
o lado do meu rosto, embalando minha bochecha. — Você
sabe disso.
Ele arrasta o polegar sobre meu lábio inferior e eu o puxo em
minha boca. Ele faz outro som profundo, uma expiração
pesada de ar.
Eu deslizo minhas mãos sob sua camisa e arranco minhas
unhas em seu peito, de volta para baixo novamente quando seu
corpo cai mais fundo no meu. Eu enrolo minhas mãos no
material de sua calça jeans e as empurro para baixo sobre seus
quadris, o botão e a braguilha já desfeitos, a faixa de sua cueca
puxada para baixo. O pensamento dele se tocando enquanto
me tocava e me provava, envia calor que inunda o meu corpo.
Um toque de excitação em todos os lugares certos.
— Bom — eu digo com meus dentes na base de sua
garganta, raspando até que ele estremece e seus quadris saltam
para frente, duro onde eu sou macia. O metal da mesa morde a
parte de trás das minhas coxas, a superfície fria contra minha
pele nua. — Porque desta vez eu quero que você assista.
A mão na minha bochecha desliza no meu cabelo,
inclinando minha cabeça para trás enquanto sua boca encontra
a minha. É um beijo áspero, possessivo, e eu seguro as laterais
de seu torso enquanto ele me inclina para trás sobre a mesa.
Uma curva perfeita, suas mãos me segurando. Ele se afasta e
arrasta o nariz contra o meu queixo, mergulha e dá um único e
demorado beijo no meu ombro.
Ele não diz nada enquanto pressiona em mim, um
deslizamento espesso de calor que me faz mover meu corpo
contra a mesa – tentando tomar mais. Tentando levar tudo. Ele
observa com a cabeça inclinada entre nós, um gemido baixo
que soa como meu nome. Eu fecho meus olhos e o sinto em
todos os lugares que ele está dobrado contra mim. Uma mão no
meu cabelo. A outra na minha coxa, guiando minha perna mais
aberta. Suas respirações profundas e ofegantes contra a pele
sensível atrás da minha orelha. O pequeno movimento
inquieto de seu corpo contra o meu quando nossos quadris se
juntam, como se ele quisesse se mover, mas ainda não pudesse.
Como se ele precisasse de um momento para se recompor.
Ele puxa um pouco para fora e empurra de volta, um
movimento curto e afetado que ainda, de alguma forma,
consegue roubar minha respiração. Ele xinga e faz isso de novo,
uma bagunça bagunçada em sua retirada que esfrega contra
mim em todos os lugares certos. Minha mão desliza para sua
mandíbula, dedos se curvando contra sua barba áspera. Eu guio
seu rosto até que ele esteja olhando para nós na parede de vidro
à nossa esquerda.
— Assista — digo a ele.
Parecemos algo saído de um sonho. Um sonho imundo que
tive um milhão de vezes em que acordo ainda enrolada nos
lençóis. Meu coração na garganta e um brilho fino de suor na
minha pele, uma batida de desejo entre minhas coxas.
Minhas pernas estão enroladas em torno de seus quadris,
minhas costas arqueadas em uma curva delicada contra o
tampo da mesa, ancorado com a mão torcida pelo meu cabelo.
Seu corpo, forte e alto acima de mim. Seu jeans ficou preso na
metade de suas pernas. Eu olho para ele em nosso reflexo e a
tempestade furiosa naqueles olhos verdes. Desejo intenso. Uma
promessa sem palavras.
Ele sai devagar. Empurra de volta com tanta força que a
mesa inteira treme. Um vaso cai no chão e eu me agarro a ele.
E não escondo nada dele enquanto desmorono.

— EVIE.
Eu resmungo e bato com a pressão quente nas minhas
costas, uma mão pesada na minha cintura sobre a colcha grossa.
Beckett bufa uma risada e sua mão aperta, esfregando o flanco
da minha coxa e volta novamente. Eu tenho marcas nas minhas
pernas do metal da mesa ontem à noite, hematomas leves de
quando Beckett me puxou da borda, me virou e me dobrou na
cintura. Pronto, ele disse com a boca no meu ouvido, a mão
entre as minhas pernas. Agora nós dois podemos assistir.
Eu estremeço quando me lembro, e Beckett dá uma risada
sábia acima de mim.
— Por que você me acordou? — Eu gemo no travesseiro,
puxando os cobertores ainda mais sobre meu ombro e me
aconchegando. Sua cama está perfeitamente quente, seu corpo
é meu próprio aquecedor pessoal.
Exceto que seu corpo está totalmente vestido e acima das
cobertas, um boné de beisebol puxado para trás sobre seu
cabelo loiro bagunçado. Eu pisco para ele por cima do ombro,
confusa.
— Por que você está vestido? Está tudo bem?
Seu polegar traça sobre meu lábio inferior, um meio sorriso
em seu rosto bonito.
— Tudo está bem. Mais ou menos. Entregaram nossas
mudas na fazenda errada. Barney e eu temos que ir até o interior
de Nova York e pegá-las.
— Nova York?
Ele cantarola afirmativamente.
Eu pisco um pouco mais.
— Agora mesmo?
Ele concorda.
— Se esperarmos que elas sobrevivam, será na próxima
semana. Não quero que as árvores sequem.
— Não podemos deixar isso acontecer — murmuro, ainda
meio adormecida. Seu sorriso se alarga.
— Não, não podemos.
— Quanto tempo você vai ficar fora?
— Não muito. Devemos estar de volta amanhã à noite.
Sento-me na cama e esfrego as mãos nos olhos. Prancer solta
um miado lamentoso de seu lugar na beira da cama, chateada
com a interrupção. Eu deixo cair minhas mãos e bocejo na
direção direta de Beckett.
— Eu vou com você.
Ele balança a cabeça e se move para a frente para roçar um
beijo contra meus lábios. Suave. Perfeito.
— Fica aqui — diz ele. Ele hesita por um segundo e, em
seguida, enrola a mão em volta do meu pescoço, a palma da
mão varrendo a pele quente do sono. — Durma na minha cama
enquanto eu estiver fora, sim? Vejo você quando voltar.
Eu desabo de volta para os travesseiros e cobertores com um
suspiro de gratidão e enterro meu rosto em flanela.
— Você tem certeza?
— Sim, tenho certeza — O colchão afunda na minha
cintura e lábios quentes deslizam pela minha testa. — Descansa
um pouco.
— Divirta-se com as árvores — murmuro.
A última coisa que ouço antes de voltar a dormir é sua risada
áspera, as pontas dos dedos passando pelo meu cabelo.

QUANDO ACORDO DE NOVO, estou enrolada no lado de


Beckett da cama, agarrada à manga de uma flanela pendurada
na cabeceira da cama. Eu rio de mim mesma e me dou a um
alongamento indulgente sob o edredom. Não houve uma
discussão na noite passada sobre onde eu iria dormir. Nós
tropeçamos da estufa com nossas roupas amarrotadas e eu segui
Beckett até seu quarto. Enrolei meu corpo sobre o dele, dei um
beijo sonolento em sua boca e adormeci com seu braço
pendurado no meu quadril.
Ele resmungou sobre mim monopolizando os cobertores,
mas eu acordei no meio da noite com Beckett segurando a
maioria deles perto de seu peito, seu rosto enterrado no meu
cabelo.
Eu alcanço cegamente meu telefone na mesa de cabeceira,
apertando os olhos para a tela. A casa parece muito quieta sem
Beckett aqui. Sinto falta do som de gavetas se abrindo na
cozinha, colheres de metal e o tilintar de sua caneca de café.

10h37
Josie
Envie-me uma mensagem quando tiver um
segundo. Tenho novidades.

Eu toco o nome dela e deixo meu telefone descansar contra


o meu peito quando ele começa a tocar. Eu estico minhas
pernas com outro gemido.
— Você não precisa soar tão presunçosa — Josie diz quando
ela responde, pegando o final dos meus sons de alongamento.
Eu deixei meu corpo cair de volta na cama, meus braços acima
da minha cabeça. Minha mão roça algo macio e frio e eu
envolvo meus dedos ao redor dele.
Um longo caule verde. Um aglomerado de pequenas flores
azuis. Sálvia dos Prados, acho que se chama.
Eu a seguro debaixo do meu nariz com um sorriso.
— Quais são as suas novidades?
— Nuh-uh — Josie adverte. — Você foi muito curta em
nossa videochamada. Tenho coisas que quero discutir
primeiro.
Eu disse talvez duas palavras para Josie na outra manhã na
cozinha antes de fechar o laptop. Felizmente ela estava muito
chocada com a aparência do torso nu de Beckett para fazer
qualquer coisa além de ficar boquiaberta como um peixe.
Eu acho que ela se recompôs.
— Eu gostaria de começar com a tatuagem ao longo da
clavícula dele e ir descendo.
Eu rio.
— Não.
— Eu tirei uma captura de tela rápida, mas ele se moveu.
Está meio embaçada.
— Você o quê?
— Vou emoldurar e colocar na minha parede.
— Não, você não vai.
— Ele tem flores em um braço e estrelas no outro? Porque
isso é muito devastador.
É devastador. Adorável e sentimental e sexy como o inferno,
também. Eu tinha enrolado minha mão em torno da
constelação em seu antebraço na noite passada quando ele
apoiou a palma da mão na mesa ao meu lado. Um touro com
os chifres abaixados. Coroas de vegetação espessa e vibrante se
contorciam ao redor de sua cabeça.
— Eu não vou objetificá-lo.
— Apreciação não é objetificação.
Coloco a flor que estou girando entre o polegar e o
indicador na mesinha de cabeceira e vejo um post-it preso à sua
pilha de livros. Homem sorrateiro. Eu o pego e olho para sua
caligrafia elegante. Muffins em cima do forno, diz. Volto em
breve.
Um rabisco embaixo, algo que parece um... gato
cochilando? Seus rabiscos são horríveis.
Mas eu gosto mais do que qualquer coisa açucarada que ele
poderia ter escrito. Cem por cento Beckett. Prático e doce –
cuidado através da ação. Café da manhã esperando no balcão e
café no bule.
Coloco seu bilhete ao lado da flor.
— Quais são as suas novidades?
— Vamos voltar a isso.
Eu rio, uma risadinha silenciosa que faz uma das gatas enfiar
a cabeça debaixo de uma montanha de lençóis para olhar para
mim. Ela cai de volta e me cutuca uma vez com a pata pelo
inconveniente.
— Eu não tenho dúvidas.
— Tudo bem, então. Suas notícias. — Ouço a papelada ao
fundo e a imagino no escritório na frente de sua casa. A grande
janela de sacada que dá para a densa floresta verde, uma fina
camada de neblina nas manhãs que rola contra o vidro. — Theo
me ligou quando não conseguiu falar com você.
Isso mesmo. O chefe da coalizão de pequenas empresas.
Conversamos brevemente por e-mail sobre a posição e o que
isso implicaria. Consultoria para pequenas empresas, mais ou
menos. Ajudando pessoas como a Sra. Beatrice e Stella a se
levantarem em seus pés digitais. Eu tinha dado a ele o número
de Josie no meu e-mail de volta, deixando-o saber que meu
telefone estava temporariamente fora de serviço. Eu não
mencionei que estava no fundo de uma lagoa.
— Tudo certo?
— Sim, ele ficou emocionado ao ouvir de você. Ele disse que
você pode esperar um e-mail hoje, mas ele queria fazer o
acompanhamento por telefone também. Ele quer que você
venha para uma entrevista.
Meu coração bate um pouco mais rápido no meu peito.
Animado, eu acho. Esperançoso, também. Nervoso como o
inferno, surpreendentemente.
— Sim? Isso é bom, certo?
— Tenho certeza de que ele teria me oferecido o emprego
em seu nome. — Eu posso ouvir o sorriso em sua voz. — É
assim que ele está animado para você entrar.
Estou nervosa, sorrindo tanto que minhas bochechas doem
com isso.
— Você acha… você acha que eu sou qualificada para algo
assim?
— Claro que você é. — A resposta de Josie é rápida. Sem
hesitação. — Você criou seus próprios seguidores sociais do
nada. Um fluxo de conteúdo inteiro que atrai centenas de
milhares em receita de anúncios. Você ajudou inúmeras
empresas a prosperar. Desenvolveu sua própria bolsa que
literalmente tornou os sonhos das pessoas realidade.
Francamente, acho que você é super qualificada. — Ela faz uma
pausa por um segundo e eu ouço o toque de seu teclado. —
Talvez esse tal de Theo devesse trabalhar para você — ela pensa
como uma reflexão tardia.
Sento-me na cama e olho para os gatos aconchegados ao
meu redor, uma pilha de suéteres cuidadosamente dobrados de
Beckett em uma cadeira no canto. O trabalho é meio escritório
remoto, meio viajar para pequenas empresas em todo o país.
Não muito diferente do que estou fazendo agora. Significaria –
que eu teria alguma flexibilidade quanto onde ficar. Eu teria
opções.
Opções em forma de Inglewild.
Opções em forma de Beckett.
— Jo Jo — eu sussurro. — Estou louca por pensar nisso?
— O trabalho?
— O trabalho, sim. Além disso... — Reúno um pouco da
minha coragem. — Esse lugar. Inglewild. Acho que quero ficar.
É o segredo que tenho guardado em meu coração nas
últimas semanas. Em nenhum lugar jamais pareceu um ajuste
tão perfeito. Não é apenas Beckett. É a chamada amigável do
meu nome enquanto ando pela rua. É o mesmo pedido toda
quarta-feira da pizza do Matty. É saber os passos exatos para
descer a rua lateral e atravessar o parque para chegar ao café
antes da correria da manhã.
Conforto.
Familiaridade.
Um lar.
Ela suspira longa e lentamente. Estou grata por ela estar
pensando sobre isso e não deixando escapar garantias
irracionais. Mas, novamente, essa é Josie.
— Você está lutando por um tempo agora. O que você tem
feito não está mais funcionando para você, e tudo bem. — Eu
não toquei nas minhas contas sociais desde o meu último vídeo,
ignorando todos os comentários, tags e posts. Estou... mais do
que bem com isso. — Então, eu acho que se esse novo caminho
é bom, então é bom. Não há nada de errado em querer ficar.
Quando foi a última vez que você quis ficar em algum lugar?
Eu quebro meu cérebro pela última vez que senti contente
dessa forma. Resolvida dessa forma. Não consigo pensar em
uma única vez.
Pego minha flor na mesa de cabeceira e a giro entre os dedos.
— Teremos muito o que fazer para amarrar as pontas soltas.
— Minha lista mental de tarefas aparece, reunindo itens como
gotas de chuva em um balde. Eu franzo a testa, um pensamento
ocorrendo. — Nós não trabalharíamos mais juntas.
— Como se você pudesse se livrar de mim — ela diz
baixinho. Com carinho. — Além disso, gostaria de lembrá-la
que o homem tem uma tatuagem logo abaixo da clavícula. Eu
teria perguntas se você não quisesse ficar.
Dezenove

BECKETT
— PARE DE SORRIR ASSIM — Barney fala abruptamente do
lado do passageiro do caminhão, seus braços cruzados sobre o
peito e uma sacola cheia de lanches do último posto de gasolina
descansando em seu joelho. O homem consumiu mais pães de
mel em 48 horas do que qualquer um tem direito. — Você
parece um maníaco.
— Eu nem estou sorrindo — digo a ele.
Barney afunda ainda mais em seu assento, sua cabeça contra
a janela. Sua mão alcança seu ataque cardíaco embrulhado em
plástico.
— Poderia muito bem estar.
A caçamba do caminhão está cheia de cento e oitenta e três
mudas de Abeto de Douglas. Eu sei disso porque Barney
insistiu em contá-las duas vezes, em voz alta e na frente das
pessoas que receberam nosso carregamento por engano.
— Ainda acho que aquele pessoal da Lovebright estava
tramando alguma coisa — Barney resmunga com a boca cheia
de açúcar processado. — Não confio em fazendeiros de xarope
de bordo.
Eu bato meus dedos no volante. Foi pura coincidência que
nossos nomes fossem tão parecidos, embora eu tenha
perguntas para nosso fornecedor. Dei a ele nosso endereço três
vezes, e está impresso na fatura que já pagamos.
— Eles não colhiam apenas xarope de bordo. Eles também
tinham maçãs.
— Meu ponto permanece. Assisti a um documentário sobre
o comércio clandestino de xarope. Aparentemente, há todo um
mercado ilegal. Atividade de gangue.
Eu olho para ele com o canto do meu olho.
— O que deu em você?
Ele murmura alguma coisa.
— O quê?
Ele se mexe no assento e me dá um olhar, debatendo. Eu
levanto ambas as sobrancelhas em encorajamento. Ainda temos
mais três horas de viagem, e não estou empolgado com a
perspectiva de ouvir Barney resmungar como se ele estivesse
sentado em um assento feito de pregos de metal.
— Eu gosto mais de você quando você é um idiota mal-
humorado — ele finalmente diz com pressa.
Não era isso que eu esperava.
— O quê?
— Você está cantarolando há seis horas — Barney ferve,
mordendo outro bocado gigante. — Você está ciente disso?
Eu não estava ciente disso. Eu não fazia ideia, na verdade.
— O rádio nesta coisa está quebrado, e você está
cantarolando há seis. Horas. Seguidas — Ele se abaixa de volta
em seu assento. — Me fazendo subir pela maldita parede.
Esfrego a palma da mão no queixo e fico quieto. Eu tenho
uma velha música de Tom Petty presa na minha cabeça desde
que deixei Evie enfiada debaixo dos meus cobertores, os
gatinhos amontoados em volta dela e uma flor da estufa
trançada em seu cabelo. Eu não percebi que estava
cantarolando.
— Seu pai faz a mesma merda — Barney reclama,
vasculhando sua sacola de lanches. Ele pega alguns pretzels e
gomas de melancia azedas, oferecendo-me o último. Eu
balanço minha cabeça. Essas coisas fazem minha língua parecer
um suéter de lã. — Sempre cantarolando alguma coisa.
— É?
— Mmmm. Certa vez, ele fez toda a trilha sonora de Grease
por uma semana seguida, em um loop. Ele disse que era minha
punição por ter uma opinião.
— Qual foi a sua opinião?
— Que ele não deveria cantar, porra.
Consigo me conter por vinte e sete segundos. Meu
compasso de abertura para Summer Lovin' é um pouco
instável, mas Barney reconhece mesmo assim. Ele solta uma
gargalhada alta e me dá um soco forte, bem na coxa. Eu firmo
meu aperto no volante.
— Não enquanto estou dirigindo, velho.
— Velho — ele repete para mim. — Eu ainda chutaria sua
bunda.
Eu dou uma risada. Ele provavelmente poderia. Ele ensinou
a Nova tudo o que ela sabe sobre autodefesa. Certa vez, ele a
pegou cedo na escola e a levou para a Wrestlemania em
Baltimore. Ela tentou me suplexar do alto de seu beliche por
quase três meses.
Nós nos acomodamos em silêncio, a rajada de vento nas
janelas e o rangido do caminhão abaixo de nós. A dobra de
plástico quando Barney pesca outro pão de mel. Se eu me
lembrasse do meu maldito celular, pelo menos teríamos algo
para conectar na entrada AV. Mas eu o deixei no centro da
mesa da minha cozinha, junto com a garrafa térmica de café que
eu deveria trazer e toda a nossa papelada.
Ainda bem que Barney mantém duplicatas enfiadas em uma
pasta manchada de café embaixo do assento. Algo sobre Evie
emaranhada em flanela desgastada, a curva de seu ombro nu à
luz do sol embaralhou meu cérebro antes mesmo de eu sair de
casa.
— Você sabe quando as inclinações musicais dele estavam
no seu pior?
Eu resmungo e entro em uma pista, minha mente ainda fixa
na maneira como ela se espreguiçou e rolou em mim, nem
mesmo totalmente acordada. Um sorriso em seu rosto e suas
mãos me alcançando como se ela não pudesse suportar me
deixar ir.
— Dezembro de 1994. Quando você perdeu sete jogos de
pôquer seguidos e devia ao meu pai US$ 10.000 e um barco que
não é seu?
— Eu não posso acreditar que ele ainda conta essa história
— Barney bufa. — Não, espertinho. A semana em que ele
conheceu sua mãe. Ele tinha olhos de lua, trabalhando nos
campos e berrando Springsteen a plenos pulmões.
Eu me mexo no assento. Limpo minha garganta duas vezes.
— Parece que você está tentando fazer um ponto.
Barney dá outra mordida no Pão de Mel.
— Imagina isso.

NO MOMENTO EM que descarregamos as árvores e devolvo o


caminhão à grande garagem para veículos de serviço, estou
cansado até os ossos. Tenho dores nos músculos que nem sabia
que existiam e meus ouvidos estão zumbindo com o barulho
alto do caminhão. Quero um sanduíche do tamanho da minha
cabeça, uma cerveja gelada e Evelyn.
Quero beijar a pele entre o ombro e o pescoço, aquele
pontinho embaixo da orelha que a faz cantarolar. Quero saber
sobre o dia dela e se ela achou alguma felicidade. Cair na cama
com ela e dormir pelos próximos seis dias sob sete camadas de
cobertores. Eu quero pele nua e risada rouca. Mais sanduíches.
Minhas botas rangem contra o cascalho enquanto ando pela
passarela até a cabana, uma reviravolta no estômago quando
não vejo nenhuma luz saindo das janelas. Eu geralmente posso
ver Evelyn andando pela cozinha do caminho, descansando no
sofá com um livro e os gatos. Eu gosto de ver os restos dela
espalhados pelo meu corredor quando entro pela primeira vez
pela porta. Seu cachecol estava pendurado no gancho na
parede. Sua bota batendo ao lado da minha.
Mas a casa está às escuras esta noite, tudo ensombrado além
da janela. Paro no último degrau da varanda e respiro fundo
pelo nariz. Os narcisos no jardim começaram a espreitar através
da cobertura, um vislumbre de verde brilhante que parece cinza
na escuridão. Eles estarão em plena floração em breve, as outras
flores não muito atrás. Margaridas amarelas e tulipas. Rosa e
dourado e amarelo tão pálido que quase parece branco, caindo
dos canteiros de flores da frente.
Eu continuo subindo as escadas e ignoro a ansiedade
afundando como uma pedra no meu estômago. Eu já tive essa
sensação antes. Essa coisa retorcida e dolorosa que aperta
minha garganta e aperta. Talvez ela esteja na varanda dos
fundos ou talvez esteja com Layla na padaria. Ela está ajudando
Stella a digitalizar alguns de seus registros. Talvez ela ainda
esteja no escritório.
Mas eu sei assim que abro a porta. Olho para o corredor
escuro e o gancho vazio ao lado do meu, onde ela geralmente
guarda sua jaqueta. A casa está quieta, quieta.
Ela não está aqui.
Não tenho certeza para onde ela foi.
E não tenho certeza se ela vai se incomodar em voltar.
Eu sabia que isso poderia acontecer. É por isso que eu disse a
ela que queria ver onde essa coisa vai quando eu realmente
queria dizer: “fica aqui comigo”. “Segure minha mão na
varanda dos fundos”. “Eu vou segurar a sua também”.
Eu estive esperando a ficha cair desde que ela ficou na ponta
dos pés na minha cozinha e me agarrou pela parte de trás do
meu pescoço e me beijou como se ela realmente quisesse dizer
isso.
Fecho a porta atrás de mim. Eu engulo e deixo cair minhas
chaves na mesa. Eu tiro minha jaqueta e penduro no gancho.
Eu faço os movimentos de voltar para casa enquanto uma
tensão fina e trêmula continua a torcer em meu peito, girando
e girando. Como um piano sendo afinado, as cordas vibrando
com a pressão.
— Evelyn?
Nenhuma resposta. Um dos gatos aparece em cima do sofá,
uma meia descartada nas costas. Esfrego sua testa minúscula
com os nós dos dedos e a pego, um par verde desbotado que
Evie havia roubado de mim.
— Ela não está aqui, está?
Vixen me oferece um miado e depois sai correndo, de volta
ao amontoado de gatinhos na beira da lareira. Vejo que Prancer
cresceu seu pequeno ninho, uma gravata velha entre as patas,
onde ela descansa com o resto delas. Um pedaço de papel e uma
toalha de cozinha.
Eu esfrego as duas mãos pelo meu cabelo e olho para o
corredor escuro, de volta para a mesa onde meu celular e minha
caneca de café estão intocados no meio.
Eu poderia ir pelo corredor e checar o quarto dela, ver se a
mala dela sumiu. Seu laptop e a pilha de papéis que ela
mantinha na mesa de cabeceira sob um livro. Foi o que fiz na
primeira vez que ela foi embora. Andei por aquele quartinho e
procurei por qualquer pista que ela pudesse ter deixado para
trás. Uma nota, talvez. Um papel com o número do telefone
dela rabiscado. Tudo o que encontrei foi uma pilha de moedas
e um recibo do barzinho em que estávamos. Um botão e uma
tampa de caneta.
Na segunda vez, eu estava na padaria. Sentei-me à mesa do
canto com duas xícaras de café e um pãozinho de canela que
não tinha intenção de comer. Esperei enquanto dizia a mim
mesmo que não estava esperando nada. Eu peguei na borda
daquele maldito rolo de canela até a coisa toda ter acabado.
Se Layla achou estranho que eu estivesse sentado no banco
da janela durante sua corrida matinal com duas canecas de café,
ela nunca disse uma palavra sobre isso. Acontece que Evelyn foi
embora naquela manhã. Eu nem tinha garantido um adeus
casual em sua lista. Nenhuma mensagem. Nada.
A solução, desta vez, é simples.
Eu não vou descer o corredor para verificar. Eu não vou
procurar por sinais ou significados ou qualquer outra merda.
Eu preciso perceber que às vezes uma estrela cadente não é
mágica. Às vezes, é apenas um monte de poeira espacial
queimando na atmosfera.
Às vezes, você não consegue um desejo.
Evie sempre vai embora. E eu sempre estarei aqui de pé,
imaginando para onde ela foi.
A porra da terceira vez é autoexplicativa, eu acho.
— Estúpido — eu murmuro. Meus músculos vibram com
o desejo de jogar, quebrar, destruir. Eu quero virar a mesa.
Esmagar o vaso de vidro segurando um buquê de flores
silvestres contra a parede. Esfrego as palmas das mãos sobre o
rosto até ver manchas.
E então vou até a geladeira e faço um sanduíche.

— BECKETT?
Ignoro a chamada do outro lado do campo e continuo
cavando.
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
Estou nos campos há uma hora e o sol ainda não apareceu
no horizonte. O céu está preenchido com a luz cinzenta opaca
que vem pouco antes do amanhecer, o céu decidindo como
quer acordar para o dia. Nuvens grossas escondem as estrelas e
parece que elas podem esconder o sol também.
Bom.
— Que diabos você está fazendo? — Luka exige do meio do
campo.
O que diabos você está fazendo, eu quero atirar de volta. Estes
são meus campos, afinal. Mas eu não estou mais na sexta série e
Luka é malditamente persistente quando quer, caminhando
em minha direção com uma caneca de café em cada mão. Eu o
ignoro e desço a pá novamente.
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
— Estou cavando.
Estou cavando porque no segundo em que me sentei na
beirada da cama e peguei minha calça de moletom, lembrei-me
de seus dedos contra minhas escápulas, seu corpo torcido em
flanela desgastada e seu rosto no meu travesseiro. Levantei-me
para ir para a cozinha e ouvi sua risada batendo contra as
bancadas. Imaginei ela cortando tomates com o cabelo preso
atrás da orelha.
Estou vendo Evie em cada espaço vazio e plantar essas
mudas parecia a coisa lógica a fazer. Eu tenho um furacão
dentro do meu peito e o puxão e o estiramento dos meus
músculos são a única coisa que o mantém contido. Eu mordo
meus dentes em torno dele – aperto minha mandíbula com
tanta força que dói.
— Eu posso ver isso — Luka murmura, os olhos firmemente
no buraco aos meus pés. — Mas por que você está cavando às
quatro da manhã?
Eu não digo nada.
Empurrar. Escavar. Jogar fora.
— Beck, o que está acontecendo? — Ele suspira.
Eu grunho.
— Estou cavando um buraco…
— Eu posso ver isso.
— ...para o seu corpo.
Ele bufa uma risada em sua caneca de café.
— Muito legal.
Eu dirijo a pá em um pedaço de terra fresco e descanso meu
cotovelo contra ele, meu polegar esfregando minha
sobrancelha.
— Como você sabia que eu estava aqui?
— As câmeras — Luka oferece. Stella instalou câmeras
durante o inverno quando alguém estava vandalizando a
fazenda. Acontece que o bibliotecário da cidade, Will Hewett,
realmente queria uma fazenda de alpaca e decidiu que destruir
a nossa era a melhor maneira de atingir esse objetivo em
particular.
Idiota.
— Stella recebeu uma notificação sobre um louco
carregando mudas em seu caminhão e as levando para o campo
— Ele toma um gole alto e desagradável de café. — O que é
estranho porque o dia da escavação é daqui a alguns dias.
Também não está programado para às quatro da manhã.
— Decidi sair na frente — digo, tão casualmente quanto
consigo, espiando por cima do cabo da minha pá para o buraco
em que estive trabalhando. É muito profundo para uma muda,
mas estou comprometido agora. Coloco a pá de lado e pego um
dos pacotes do carrinho de mão. Eu o solto do recipiente seguro
para viagem em que eles chegaram e o transfiro
cuidadosamente para sua nova casa.
Ele cai para o fundo, os galhos superiores nem mesmo
visíveis.
Eu suspiro.
— Esse é um buraco grande — diz Luka.
Eu belisco a ponte do meu nariz.
— Será que… — ele inclina a cabeça para o lado e toma outro
gole de café. — Vai crescer do chão, você acha? — Ele imita
algum gesto complicado com a mão, como o lançamento de
um foguete. — Como uma planta de abacaxi. Você já viu uma
dessas?
Eu vi. Eu sinceramente duvido que isso vai se parecer com
aquilo.
Eu alcanço o buraco e puxo a árvore para fora, colocando
um pouco da terra de volta com meu braço. Luka bate no meu
ombro e segura uma xícara de café na frente do meu rosto.
— Espere um segundo. Eu trouxe café para você.
— Eu não quero café — eu digo, me contradizendo e
imediatamente pegando a caneca de suas mãos. A mãe de Luka
sempre garante que Stella tenha as coisas boas estocadas para
quando ela e todas as tias de Luka aparecerem aleatoriamente
em sua casa. Da última vez trouxeram biscoitos também.
Eu caio de bunda no chão e tomo um gole da caneca. Tem
uma pequena raposa nela, um chip na alça. Luka me encara
com uma mão no quadril. Pela primeira vez, noto que ele está
vestindo uma das velhas blusas de moletom de Stella, as mangas
muito curtas em seus longos braços.
— O que está acontecendo com você? — ele pergunta.
— O que você quer dizer?
Ele faz um som exasperado no fundo de sua garganta, o
cabelo do lado esquerdo de sua cabeça espetado em uma
profusão de cachos. Stella deve tê-lo expulsado da cama para vir
aqui me checar. O pensamento levanta meu ânimo, por incrível
que pareça.
— Oh, culpa minha. Você tem razão. Isso é totalmente
normal. Nós sempre conversamos antes do sol nascer — Ele
revira os olhos e chuta minha bota com a dele. — Por que você
está aqui plantando árvores? Onde está Evelyn?
Provavelmente em algum hotel boutique em uma cidade
brilhante e reluzente, encantando todos que conhece.
Brilhando como a porra do sol.
Ela não está aqui. Essa é a única parte que importa.
— Não sei.
Eu odeio não saber.
As sobrancelhas de Luka se abaixam em uma linha de
confusão.
— Ela não está com você?
— Ela estava — eu digo. — Agora ela não está.
Desvio os olhos para a linha de árvores que consegui plantar
esta manhã – uma fileira um tanto caótica de pequenos feixes
verdes. Em cinco a sete anos, todo este campo estará cheio de
galhos sussurrantes e pinheiros espessos.
Eu me pergunto se ainda estarei sentado aqui.
— O que você quer dizer com ela não está?
— Quero dizer que o carro alugado dela não está na garagem
e as coisas dela não estão na minha casa — Talvez. Eu acho. Há
uma parte de mim que está revirando os olhos com minhas
suposições, mas a parte muito maior de mim está apenas
tentando proteger o que posso. — Ela se foi.
Eu não sei se Luka quer que eu desenhe um mapa para ele
ou o que, mas parece bem direto. Eu posso ver o raciocínio dela.
Ela estava ficando comigo enquanto ela descobria suas coisas.
Ela descobriu. Ela se foi.
É isso.
Luka faz outro pequeno som baixinho, seus olhos
semicerrados em concentração. Quero rolar para o buraco que
cavei até que ele decida me deixar em paz.
— Você sabe como eu conheci Stella, certo?
Reviro os olhos para o céu e coloco os braços sobre os
joelhos. Acho que ele vai ficar.
— Eu sei como você conheceu Stella. — Eu ouvi a história
o suficiente nos últimos dois anos. Ela caiu dos degraus de uma
loja de ferragens e bateu direto em Luka. Eles então passaram a
fingir que não estavam perdidamente apaixonados um pelo
outro por quase uma década. Fixo meu olhar nas árvores
balançando à distância e aperto minha mandíbula. — Você
pode pular essa coisa toda.
— Pular o quê?
— Quaisquer banalidades esperançosas que estão prestes a
sair de sua boca — Luka adora um bom discurso motivacional.
— Não quero ouvir.
Luka bufa uma risada e fica quieto. Outra rajada de vento
rola sobre o campo e todos os galhos se levantam e dançam. Vai
ser mais difícil não pensar em Evie desta vez, mas vai passar.
Talvez em um mês ou dois eu não a veja em cada maldito canto
deste lugar. Eu só preciso... preciso me lembrar de como ficar
sozinho, eu acho. Eu e os gatos.
E aquele maldito pato que eu disse que não ia adotar.
— Eu quase disse a ela — Luka considera o chão com uma
carranca, cedendo depois de uma longa pausa e sentando na
terra à minha frente. Ele vasculha o bolso do moletom e sai com
o punho cerrado em torno de um pacote de biscoitos. Ele abre
com os dentes e me oferece um. — Naquela época — ele
explica. — No começo. Eu quase disse a ela como me sentia.
Eu relutantemente aceito um biscoito. Outro quando
percebo que são chocolate e avelã e Luka pretende lançar seu
melhor discurso encorajador, apesar do meu protesto.
— Poderia ter se poupado cerca de sete anos, aposto.
— Poderia — Luka concorda. — Ela estava saindo de um
táxi na cidade. Eu estava esperando por ela no meio-fio e ela
meio que... ficou presa, eu acho. Saindo do carro. Sua bolsa ou
algo assim estava enrolada no cinto de segurança. Ela tentou
sair do táxi e sua bolsa a puxou de volta. Ela riu tanto que
bufou. — Ele sorri com a memória, seus olhos um pouco
vidrados. — Ela era tão linda que eu não aguentei. Meu coração
parecia estar bem aqui. — Ele bate na garganta e depois entre
os olhos. Tira um biscoito e o enfia na boca.
— Por que você não fez isso? Disse qualquer coisa? — Estou
irritado comigo mesmo por perguntar.
Ele dá de ombros.
— Porque tínhamos algo bom e eu não queria agitar o barco
com uma conversa difícil. — Seus olhos castanhos se estreitam
em mim e ele morde um biscoito com tanta força que se parte
em dois. — Isso soa familiar? — ele pergunta com a boca cheia.
Sim. Não vou discutir com ele sobre os detalhes. Tenho
evitado ativamente ter uma conversa com Evelyn.
Absolutamente. Claro, parte disso foi medo. Mas uma grande
parte – a maior parte – foi…
— Eu não quero amarrá-la aqui — confesso com um
suspiro profundo e ofegante. — Eu não quero que ela se sinta
obrigada… — Aos meus sentimentos. A mim.
— Você acha que ela iria? — Uma pequena linha aparece
entre as sobrancelhas de Luka.
Talvez. Eu suspiro e esfrego a palma da minha mão na
minha testa.
— Qual é o sentido de ser honesto com ela se ela vai embora
de qualquer maneira? — Esse é o coração disso. Tudo se resume
a mim tateando em torno de uma pequena cama e café da
manhã no calor do final do verão, procurando por pedaços de
sua afeição. Por que diabos eu iria me abrir só para ela olhar
tudo por dentro e decidir que não é suficiente? Para que eu
possa sentir essa mesma reviravolta no estômago toda vez que
ela sai sem dizer uma palavra? Continuar a perder pedaços de
mim mesmo até me tornar uma coleção de arestas irregulares?
Não, obrigado. — Ela já foi embora. Ela foi embora três vezes
agora.
— Telefones existem, você sabe. Você poderia ligar para ela.
Tomo outro longo gole da minha caneca de café. Se Stella
está nos assistindo nas câmeras agora, ela provavelmente está se
perguntando por que diabos seu namorado e seu principal
fazendeiro estão fazendo um piquenique em um campo cheio
de buracos.
Às 4h18 da manhã.
— Eu tentei ligar para ela — eu explico. Enquanto estava
sentado na beira da minha cama com uma flor azul murcha na
palma da minha mão. Disquei o número dela três vezes e escutei
uma mensagem genérica de correio de voz. Digitei sete
mensagens de texto diferentes antes de decidir por uma simples.
Aonde você foi? Eu queria enviar outra. Por que você foi? — Ela
não respondeu.
— É isso? Você vai desistir? O relacionamento acabou? —
Ele estala os dedos. — Bem desse jeito.
— O que mais eu devo fazer?
Eu sou um homem realista. Eu sei onde pertenço e onde não
pertenço. Eu defino minhas expectativas e ajo de acordo. Andar
por aí com ideias fantasiosas na cabeça sobre coisas que não
posso ter nunca me serviu bem.
Essa coisa com Evie não é diferente.
Minha casa vazia é prova disso.
— Ouça, cara — eu solto um suspiro e um pouco do café da
minha caneca se derrama sobre a borda e pinga sobre meus
dedos. Eu ignoro. — Eu aprecio o que você está tentando fazer
e eu… eu sei que eu disse que não precisava da conversa
estimulante, mas foi… — Eu inclino minha cabeça para frente
e para trás. — Foi bom.
Luka solta uma risada e eu fico de pé, uma dor nas costas e
no centro do meu peito. Esfrego a palma da mão e entrego a
Luka minha caneca vazia, pego o cabo da minha pá e olho para
os campos. Tenho mais de cem árvores para plantar, e parece
que vai chover. A antecipação disso paira pesadamente no céu,
nuvens espessas sobre um manto de estrelas. Ocorre-me que
chove toda vez que Evelyn vai embora, e isso quase me faz rir.
Até o céu está triste ao vê-la partir. Tempo para combinar
com o meu humor.
Luka se levanta com um resmungo e joga as duas canecas no
carrinho de mão com um tinido. Seu pacote de biscoitos
também. Ele pega a pá extra que eu trouxe e me encara com as
duas sobrancelhas levantadas, um aperto determinado em sua
mandíbula.
— Tenho mais uma coisa para te dizer.
— Tudo bem — Olho ansiosamente para o buraco muito
fundo e me pergunto se caberei lá dentro.
Luka endireita os ombros.
— Eu não acho que você deveria desistir. Ainda não. Eu não
sei onde ela está, mas eu vi vocês dois juntos. Eu vi o jeito que
ela olha para você. E Beckett... Quando você já desistiu de
alguma coisa? Você construiu pequenas barracas sobre mudas
para protegê-las da chuva no inverno passado. Você monitorou
os níveis de saturação do solo no meio de um furacão. Você
apareceu para Stella quando ela teve a ideia deste lugar. — Sua
voz falha nas bordas. — Você abandonou um emprego seguro
com um bom salário para ajudá-la a se levantar aqui, sem
garantia. Você adotou um pato…
— … Eu não adotei o pato…
— … você adotou um pato que encontrou no celeiro.
Quatro gatos também. Você contrabandeia biscoitos porque
tem medo de ferir os sentimentos de Layla. E eu sei que foi você
quem dirigiu dois estados até a costa para conseguir a manteiga
chique que ela queria quando todos os fornecedores locais
estavam dando a ela um gelo. Você não é um cara que desiste, e
você não é um cara que não se importa. Então, por favor, pare
de fingir que você é uma dessas coisas.
Eu encaro Luka. Ele me encara. Eu limpo minha garganta.
— Isso foi, uh. Isso foi mais do que uma coisa.
— Foi — diz ele, sem fôlego e agitado. Suas bochechas estão
vermelhas, sua boca em uma linha firme. Ele se mexe e aponta
para os pontos marcados no campo com a lâmina da pá. Ele
apunhala o ar com aquilo uma vez. — Eu vou cavar alguns
buracos agora.
— Isso é bom.
Acho que ele esperava que eu brigasse com ele. Ainda estou
um pouco chocado com o discurso dele. Aquelas cordas de
piano em meu peito vibram sob a tensão, todas as minhas notas
desafinadas.
— Você se lembra do que me disse quando apareci em sua
casa? Depois daquela briga com Stella?
Logo antes de eles se resolverem, Luka apareceu na minha
porta, seu moletom do avesso e um olhar em seu rosto como se
alguém tivesse roubado todos os seus biscoitos e sua última
fatia de pizza também. Ele se sentou no meu sofá enrolado em
três cobertores e olhou fixamente para a minha lareira por
quase cinco horas. Só preciso de um segundo, disse ele. Apenas
alguns minutos.
— Eu disse para você parar de ser um idiota — eu digo,
relutante. — Conta a ela como você se sente.
Luka levanta as duas sobrancelhas.
— Para de ser um idiota — ele me diz. Um sorriso torce sua
boca para o lado. — Conta a ela como você se sente.
STELLA APARECE NÃO MUITO TEMPO DEPOIS, um moletom
até os joelhos e uma pá arrastando-se apática atrás dela. Parece
que ela acabou de lutar sete rodadas com seu colchão e perdeu
todas. Ela dá um beijo na bochecha de Luka, envolve seus
braços ao redor da minha cintura em um abraço, e então reboca
seu caminho até o outro lado do campo e começa a cavar os
buracos mais lentos e desleixados conhecidos pela humanidade.
Luka dura três minutos antes de ir até lá para ajudar.
Layla chega no momento em que algumas gotas de chuva
gordas decidem cair do céu, botas de borracha e um gorro de
tricô azul brilhante. Ela caminha até mim e me aperta com
força, sua cabeça sob meu queixo. Eu fico com a boca cheia de
pompons.
— Não tive tempo de fazer pão de abobrinha — diz ela. Ela
aperta mais forte e eu solto um chiado. — Eu sinto muito.
Eu pisco para sua cabeça e lhe dou um aperto suave de volta.
Realmente, estou tentando encorajá-la a me deixar ir. Abrir
todas aquelas crostas de torta a tornou assustadoramente forte.
— Tudo bem.
— Vou fazer alguns esta tarde.
— Ok.
Ela levanta a pá que eu não a vi trazer por cima do ombro e
se junta a Luka e Stella, seu chapéu balançando o caminho
todo. Vejo faróis piscarem à distância e franzo a testa.
— O que está acontecendo? — Eu grito para o meu trio de
assistentes inesperados. Uma gota de chuva cai no meu nariz e
desliza para baixo.
Stella está encostada no peito de Luka, com a cabeça apoiada
no ombro dele. Seus olhos mal estão abertos e por um segundo,
acho que ela está dormindo.
— A árvore telefônica — ela grita de volta, sua voz ecoando
pelo campo vazio. — Nós mudamos o dia de escavação.
Outro par de faróis aparece de longe, dois feixes de luz
lançados pela estrada de terra que leva à fazenda. Eu os observo
por um segundo e engulo em seco. As cordas do piano relaxam
um pouco.
— Por quê?
Eu posso ver o olhar que Stella está me dando de todo o
caminho até aqui. Uma sobrancelha delicadamente levantada,
seus lábios em uma linha plana. Layla zomba e Luka balança a
cabeça.
— Se você está cavando, estamos todos cavando — ela grita.
O calor em sua declaração é ligeiramente diminuído por um
bocejo gigante, bem no meio. Ela estremece e Luka dá um beijo
na parte de trás de sua cabeça, seu antebraço ancorado em sua
clavícula. — Isso é o que os parceiros fazem.
Vinte

EVELYN
EU ODEIO ESTE LUGAR.
Eu odeio este lugar. Eu odeio esse carro. E eu odeio essa
estrada estúpida que meu GPS me disse que seria a rota mais
cênica. Eu odeio ter pensado que uma rota mais cênica parecia
legal, e eu não peguei apenas a estrada. Eu poderia estar de volta
agora.
Ou, pelo menos, eu poderia estar bebendo um milk-shake
no caminho de volta.
Na estrada.
Olho para um campo de grama morta e chuto meu pneu
furado. Não há uma única coisa cênica sobre este trecho de
estrada mal conservada e o posto de gasolina abandonado a dez
metros de distância, uma família de corvos olhando fixamente
para mim de seu poleiro em uma loja fechada com tábuas.
Estou recebendo vibrações fracas de Hitchcock, e pressiono
dois dedos entre minhas sobrancelhas, silenciosamente
desejando algumas vibrações positivas. Parece que tive uma
série de azar cósmico desde que deixei os escritórios da US Small
Business Coalition em Durham. Eu tento não ler isso.
Café derramado. Perdi o retorno. Mais uma volta perdida.
Sinal perdido. E agora isso. Um pneu furado.
Pelo menos o carro de aluguel tem um reserva. Eu só
preciso... lembrar como trocar isso.
Minha mãe tinha sido grande com essas coisas no ensino
médio. Substituindo canos velhos e enferrujados embaixo da
pia e trocando o óleo do carro. Ela disse que era importante
para mim aprender a ser meu próprio herói.
Você nunca vai precisar perguntar a um menino, ela me
disse, graxa até os cotovelos e na testa, um sorriso no rosto
quando ela soltou o macaco. Sua risada tinha sido orgulhosa e
brilhante em nossa pequena garagem, rugas na pele escura ao
redor de seus olhos. Seu braço quente em volta do meu ombro
enquanto nossa minivan balançava no lugar.
Ela estaria carrancuda para mim agora, porém, se ela pudesse
me ver olhando para o pneu apoiado contra a roda.
Coloco a mão sobre os olhos e olho para a longa estrada
sinuosa que parei ao lado. Não consigo ouvir um único motor
roncando à distância. Verifico meu telefone novamente e noto
a falta de barras no canto superior direito.
— Tudo bem, bem. — Talvez volte para mim através da
memória muscular. Certamente não tenho nada melhor para
fazer no momento.
Eu puxo o macaco pesado para fora do porta-malas do carro
e o coloco no meu pneu traseiro e começo a trabalhar. Isso, pelo
menos, eu me lembro. Eu despejo toda a minha frustração em
girar os parafusos teimosos, um som de gemido vindo de cada
um enquanto eu seguro o metal firme na palma da minha mão
e dou a manivela.
Apesar da minha sequência de azar desde que deixei seus
escritórios, minha entrevista com a Small Business Coalition
correu bem. Muito bem. Theo tinha sido caloroso e acolhedor
– um pouco estranho – me oferecendo café e uma bandeja
cheia de pequenos danishes9 assim que cheguei, o prato coberto
equilibrado precariamente na borda de uma mesa superlotada.
— Muito do seu conteúdo apresenta comida — ele disse,
ajustando os óculos com os nós dos dedos. — Eu estava
esperando cortejar você para o nosso lado com açúcar.
Ele não precisava me cortejar com açúcar ou café ou
qualquer outra coisa. Ele começou a falar imediatamente, sua
voz calma ganhando vida com entusiasmo na lista de pequenas
empresas em sua lista. Seu escritório estava desordenado,
abafado, uma pequena janela acima de sua mesa que dava para
um beco estreito e uma parede de tijolos. Quase não havia luz
natural ou espaço extra, apenas uma cadeira em frente à sua
mesa, um telefone ultrapassado com um fio emaranhado preso
ao lado da bandeja dinamarquesa.

9
É um doce de pastelaria típico da culinária da Dinamarca. É comum
encontrá-lo em diversos pontos do mundo industrializado, apesar da forma variar
significativamente de país para país. Os seus ingredientes incluem farinha,
fermento, leite, ovos e uma quantidade abundante de manteiga.
Eu adorei imediatamente. Tudo aquilo. A caneca meio vazia
na estante perto da porta e a pilha de papéis que se agitavam
toda vez que ele se movia em sua cadeira barulhenta. Seu espaço
parecia trabalho árduo e entusiasmo, ideias saindo de todos os
cantos. Eu me peguei examinando as fotos penduradas na
parede enquanto ele falava, uma linha do tempo descombinada
de pessoas e lugares em tecnicolor. Uma barraca de comida em
um pequeno parque. Uma vitrine com um toldo vermelho e
azul, grandes letras em loop na vitrine. Uma foto menor, logo
abaixo, dele e de um homem bonito, as mãos entrelaçadas e
uma garotinha agarrada aos joelhos.
— Você receberá ofertas mais sofisticadas, tenho certeza —
ele me disse. Não pude deixar de pensar em Sway – a arte da
fruta na água e todas as quinquilharias extravagantes que não
importam nem um pouco. — Mas eu não acho que você vai
encontrar um trabalho que te faça mais feliz do que isso.
Mais feliz. De todas as palavras que ele poderia ter escolhido.
Ele não precisava dizer mais do que isso.
Os detalhes sobre a posição foram como a cereja do meu
bolo de satisfação. Trabalhando com pequenas empresas,
ajudando-as a estabelecer seus canais digitais – essa nova
posição é exatamente o que tenho feito, mas melhor. Mais
tempo construindo relacionamentos. Recursos mais fortes
para apoiar as iniciativas. E um Rolodex10 inteiro de donos de

10
Uma espécie de portfólio/fichário.
pequenas empresas em todo o país apenas tentando descobrir
tudo.
Inúmeras histórias para contar.
E suporte para mim. Descanso, quando eu quiser.
Eu estava cantarolando de excitação quando saí da
entrevista, estourando pelas costuras com uma sensação que
pensei ter desaparecido para sempre. Caminhei até meu carro e
disquei o número de Beckett, imaginando-o sentado na
varanda dos fundos, um dos gatos em seu joelho e sua mão
enrolada em torno de uma cerveja, pés com meias cruzados nos
tornozelos e suas longas pernas esticadas. Imaginei como ficaria
seu rosto quando eu lhe contasse as novidades, como suas
sobrancelhas se ergueriam. Aquele sorriso tranquilo nas linhas
de seus olhos e o buraco em sua bochecha.
Mas ele não respondeu.
Eu giro a chave com um grunhido e afrouxo o último
parafuso, uma gota de suor escorrendo entre minhas escápulas.
Eu deixo cair a chave no cimento e um dos corvos se lança do
topo do posto de gasolina em uma enxurrada de penas eriçadas.
Eu franzo a testa para seus amigos e depois para o meu pneu
furado.
— Até agora tudo bem — eu murmuro.
Ela volta para mim em pedaços enquanto eu trabalho. A voz
da minha mãe no meu ouvido, me instruindo como acionar o
macaco, como me manter longe do carro, como puxar o pneu
e gentilmente colocar o novo. Um arrepio de satisfação me
percorre enquanto passo a cada passo, seguro a nova roda e
aperto o último dos parafusos. Eu enrolo o pneu estourado no
porta-malas e abaixo o macaco novamente, e o carro solta um
gemido, um suspiro ofegante.
Talvez eu devesse ter trocado um pneu mais cedo. O
orgulho queimando em meu peito me deixa sem fôlego, uma
explosão feroz de energia que percorre todo o meu corpo. Eu
fico lá com minhas mãos cobertas de graxa e meus braços
queimando com o esforço.
Eu me sinto fantástica.
Eu quase rio quando ouço o ronco de um motor de carro
atrás de mim, um caminhão vermelho brilhante descendo a
estrada. Ele desacelera até parar ao meu lado e um velho com
um boné de beisebol desbotado enfia a cabeça para fora da
janela, seu braço bronzeado pendurado sobre a porta. Ele olha
para todas as ferramentas espalhadas pelo chão e me dá um
olhar interrogativo.
— Você precisa de ajuda?
Eu balanço minha cabeça. Eu não preciso. Pela primeira vez
em muito tempo, não me falta nada. Estou firmemente aqui,
neste momento. Sem planejar o que vem a seguir, sem pensar
em todas as coisas que estou perdendo por ficar parada. Tudo
está exatamente onde deveria estar.
Eu dou a ele um sorriso que ele espelha com uma contração
desnorteada de seus lábios. Uma mulher estranha parada do
lado de fora de um posto de gasolina fechado com graxa no
rosto, sorrindo para o nada.
— Estou bem, obrigada.

EU LIGO PARA Josie de uma locadora exatamente no meio do


caminho entre Durham e Inglewild, uma xícara de café de
isopor na mão e uma rosquinha velha no braço.
— Ele te ofereceu o emprego?
Olho pela janela de vidro no centro de serviço, meu
pequeno carro azul recebendo uma substituição adequada dos
pneus. Estou impaciente para voltar à estrada, faltam mais
algumas horas de condução antes de voltar a Lovelight. Beckett
ainda não atendeu seu telefone, e eu não sei o que fazer quanto
a isso.
Deixei um bilhete na mesa da cozinha quando saí, minha
própria tentativa de rabiscar na parte inferior. Eu tive que sair
em cima da hora, eu escrevi. Uma entrevista, três pontos de
exclamação depois. Podemos comemorar com hambúrgueres
quando eu voltar.
Eu hesitei embaixo disso, minha mão pairando sobre o
pedaço de papel. “Conversaremos em breve” parecia
incompleta. “Sinto sua falta” pareceu bobo. Olhei para aquele
pedaço de papel e mordi meu lábio inferior, sem saber como
assinar a maldita coisa.
No final, optei por um coração minúsculo com bordas
tortas, um círculo de tulipas enrolando na parte inferior.
— Informalmente — eu respondo a Josie, mordiscando a
borda do meu donut de creme de Boston11. Empalidece em
comparação com a massa folhada e amanteigada de Layla e um
soco de saudade me atinge bem no peito. O que eu não daria
para estar sentada em seu café agora, minhas botas apoiadas no
banco à minha frente e Beckett inclinando-se pesadamente ao
meu lado, sua barba roçando no meu cabelo e seus dedos
brincando com a manga da minha camisa. Eu suspiro. — Ele
disse que me enviaria uma carta de oferta nos próximos dias.
— Isso é bom, certo?
Eu concordo.
— Sim. Sim, é bom.
— Então, por que você parece estranha?
— Muito a fazer — murmuro, espiando pela janela
novamente para verificar o meu carro. Tem um cara de
macacão meio dobrado embaixo dele, outro mecânico se
aproximando. Eu gostaria de ter aceitado a substituição que
eles ofereceram. É ridículo sentir camaradagem com um carro.
— Muitos detalhes para resolver.
Josie cantarola.
— Como se você vai ficar em Inglewild ou não?

11
É um donut redondo, sólido e fermentado com cobertura de chocolate e
recheio de creme, resultando em um donut que lembra uma torta de creme de
Boston em miniatura.
— Espero que esse não seja um dos detalhes que precisem
ser resolvidos — Assim que eu falar com Beckett. Assim que ele
atender seu maldito telefone.
Eu gostaria de ficar. Não na casa dele, é claro. Um novo
lugar, talvez em algum lugar da cidade. Em algum lugar eu
possa sair da varanda e pressionar os dedos dos pés na grama
molhada. Flores no jardim. Muitas janelas.
— Eu vou ter que voar para a Califórnia — digo a ela. —
Preciso acabar com o contrato com a Sway. Separar alguns
outros projetos — Recolher o resto das minhas coisas do meu
apartamento mal usado. Provavelmente visitar aquela loja de
empanadas.
— Vou também e te encontro.
— Você não precisa fazer isso.
— E perder seu rompimento com a Sway? Eu acho que não.
— Ela ri do outro lado do telefone e ouço o ranger de uma porta
de tela se abrindo.
— Estou orgulhosa de você, sabe — Sua voz é calma, um
sorriso em cada sílaba. — Eu sei que você não tem se sentido
como você mesma, mas você... você está voltando para lá. E
estou orgulhosa de você.
Eu pisco com a pressão atrás dos meus olhos. Estou
orgulhosa de mim também.
Uma conversa sussurra de volta para mim. Flanela
desgastada em volta dos meus ombros e aquela velha cadeira da
varanda áspera sob minhas mãos. Meias emprestadas nos meus
pés e Beckett na cadeira ao meu lado.
— Estou tentando.

QUANDO chego de volta a Inglewild e à única estrada de terra


que leva a Lovelight, o sol está se pondo sobre a fazenda, o
grande celeiro vermelho ao lado da estrada virando uma
ferrugem desbotada na luz minguante. Alívio floresce em meu
peito, um calor irradiando até onde minhas mãos seguram o
volante. Dois dias e eu senti falta deste lugar. Senti falta do
amplo espaço aberto e Beckett no local ao meu lado. Os gatos e
as árvores e a leveza que sinto quando a estrada muda de terra
para cascalho, meu carro roncando.
É como voltar para casa.
A casa está escura quando entro na garagem, mas a
caminhonete de Beckett está em seu lugar de sempre, um brilho
opaco da estufa no quintal me informando onde ele está. Sorrio
enquanto deslizo do meu carro e deixo minhas coisas para mais
tarde. Estou ansiosa para ver Beckett, para envolver meus
braços ao redor de sua cintura e apertar.
Salto de pedra em pedra pelo caminho de pedra que abraça
a lateral da casa, contando as placas de madeira no jardim
enquanto ando. Mais ervas do que flores deste lado da casa.
Manjericão. Tomilho. Hortelã e alecrim. Eu me pergunto se ele
vai fazer aquela canja de galinha novamente. Se ele vai ter gosto
de sálvia quando eu sentar de lado em seu colo e pressionar
minha boca na dele.
Eu o vejo assim que viro a esquina, sua cabeça curvada sobre
uma prateleira de plantas perto da frente. Cabelo bagunçado.
Braços fortes. Mangas enroladas até os cotovelos. Ele se parece
com uma daquelas estátuas antigas – aquelas que ficam
solitárias no meio de praças movimentadas da cidade, suas
bordas nítidas desgastadas pelo tempo. Meu sorriso vacila e eu
tropeço na borda de uma raiz de árvore, saindo na beira do
caminho. As que parecem tão tristes.
Estou quieta enquanto me inclino contra a moldura da
porta de vidro, meus dedos coçando com a necessidade de alisar
as palmas das mãos sobre os ombros contraídos. Pressionar
meu rosto no espaço até que ele solte uma respiração profunda
e aliviada. Eu quero fazer isso ir embora, seja o que for.
— Ei — eu inclino minha cabeça contra a porta e vejo como
seu corpo inteiro fica rígido, meio curvado sobre um pote de
poinsétias incipientes. Ele está congelado onde está, minha
chegada é claramente inesperada. Indesejável, ao que parece.
Uma cascata de nervos vibra na minha barriga e eu paro. — O
que você está fazendo?
É tão bom ver você, eu quero dizer. Dois dias e eu senti sua
falta como uma louca.
Ele se endireita de sua posição agachada e coloca seu regador
de lado, seus movimentos lentos e hesitantes. É como se ele
tivesse esquecido onde está, o que deveria estar fazendo. Ele
olha para mim lentamente, um tremor fino de confusão
torcendo em seus lábios.
— Estou terminando algumas coisas — ele me diz, a voz
áspera. Ele limpa as palmas das mãos na frente do jeans, fecha
os punhos e os enfia nos bolsos. — O que você está fazendo
aqui?
— Estou ficando aqui, não estou? — Eu rio. Ele não. O
sorriso escorrega direto do meu rosto. Meu coração salta para a
minha garganta e tudo no meu corpo aperta. — Está tudo bem?
— Ele permanece quieto. O espaço entre nós parece um
abismo. — Aconteceu alguma coisa com as árvores?
— Não — ele balança a cabeça e olha para fora de uma das
grandes janelas. O céu brilha atrás dele, um laranja brilhante e
feroz. Uma última explosão de cores brilhantes. — Não, nada
aconteceu com as árvores.
— Sua família está bem?
Ele concorda.
— Tudo bem, bom — Olho por cima do ombro para a
varanda dos fundos, as duas cadeiras que parecem estar um
pouco mais afastadas do que da última vez que nos sentamos
nelas. — Por que você está aqui tão tarde?
Por que a casa está escura?
Por que você não olha para mim?
Por que você ainda não me beijou?
— Evelyn — ele suspira, exausto. Ele arrasta seu olhar do
chão para piscar para mim lentamente. — O que estamos
fazendo?
Evelyn. Eu sinto isso como um beliscão. Uma pequena
picada no meu coração. Ele não me chama pelo meu nome
completo há semanas.
— Bem — eu esfrego meus dedos contra o meu coração e
me empurro para me acalmar. — Neste momento, parece que
você tem algo a me dizer.
— Isso não foi o que eu quis dizer.
— Eu sei que não é isso que você quis dizer — eu suspiro.
Talvez eu devesse voltar para o carro, dar uma volta pela
fazenda, e então podemos tentar de novo. Eu estava tão
animada para vê-lo, tão aliviada por estar de volta a este lugar. E
ele está me tratando como se minha chegada fosse a pior coisa
que poderia ter acontecido. — O que está acontecendo? Por
que você está chateado?
— Eu não estou chateado.
— Beckett. Você mal consegue olhar para mim. — Sua
mandíbula aperta e a impaciência me agarra pela garganta. —
Se você tem algo a dizer, eu gostaria que você apenas…
— O que você está fazendo aqui, Evie? — Ele pergunta com
pressa. Dou meio passo para frente e ele dá dois passos para trás,
suas mãos agarrando a armação de metal da prateleira em que
ele está apoiado como se precisasse da âncora para se manter no
chão. Em todo esse movimento frenético, ele com certeza
manterá seu corpo longe do meu. Não nos tocamos em lugar
nenhum, e sinto essa ausência como uma mão no peito,
exigindo distância. Seus olhos procuram os meus, desesperados
e um pouco magoados. — Qual é o seu plano? Você está vindo
ou indo?
— O que você está falando? Eu pensei que estava voltando
para casa. — Seu rosto se contorce e eu não tenho ideia do que
está acontecendo. — Você quer que eu vá embora? Não
entendo.
Ele se empurra para fora da prateleira, mas eu estendo a mão
e agarro sua camiseta com as duas mãos, puxando-o para perto.
— Não. Não, você explica do que diabos está falando.
Agora mesmo, Beckett.
— Você se foi.
— Sim. — Saí por dois dias. Eu voltei logo. Comprei-lhe
uma estúpida camiseta de posto de gasolina e um porta-latas
para a sua cerveja.
Ele enrola as mãos em volta dos meus pulsos e aperta
suavemente, me pedindo para soltar sua camisa. Eu faço, e ele
dá três passos pelo pequeno espaço, suas costas contra a mesma
mesa que ele me apoiou duas noites atrás. Mal consigo
distinguir a forma do homem que deu um beijo no meu
pescoço e emaranhou uma flor no meu cabelo.
— Você não se incomodou em me dizer — diz ele. — Achei
que você tinha ido embora de vez.
— Deixei um bilhete. — Bem no meio da mesa. Ao lado de
uma garrafa térmica de café e uma pilha de correspondência.
— Não havia bilhete
— Mas eu deixei um. — Eu penso nos rabiscos na parte
inferior da página, como eu agonizava sobre o que escrever.
Acho que isso não importava. — Eu desenhei flores nele.
Tulipas.
Ele não se move um centímetro, nem mesmo uma flexão de
seus dedos ao seu lado.
— Não havia um bilhete na mesa quando cheguei em casa.
Não havia nada.
Um peso de chumbo afunda no meu peito.
— Deixei todas as minhas coisas no quarto de hóspedes.
— Eu não verifiquei.
— Bem, talvez você devesse — eu estalo. Tudo o que ele
tinha que fazer era abrir a porta para ver minhas roupas jogadas
por todo o lugar.
— Eu não queria ver um quarto vazio. — Sua resposta
troveja dele, um punho contra a mesa. — Eu não queria olhar
para o lugar em que você estava e descobrir que você se foi.
— Você acha que eu poderia simplesmente ir embora?
Ele dá de ombros e eu sei exatamente o que ele vai dizer um
momento antes de dizer.
— Você nunca teve problemas com ir embora — ele acusa,
e eu sinto as palavras como um corte na minha pele.
Isso foi antes, eu quero dizer a ele. Antes de eu ficar na sua
cozinha e ver você fazer panquecas. Antes de me sentar na sua
varanda dos fundos e ouvir você falar sobre as estrelas. Antes de
você confiar em mim com todos os seus sorrisos. Antes de me
deixar conhecer você.
Antes de me apaixonar por você.
— Você vai embora de novo — acrescenta ele como uma
reflexão tardia, seus ombros se curvando. Ele parece exausto,
completamente exausto. Círculos escuros sob seus olhos e uma
tensão nas linhas de seu corpo que eu não via desde aquela noite
no bar, quando tudo estava muito alto ao redor dele.
— Você vai continuar indo embora, Evie. — Seu rosto se
contorce em desejo nu. — Por que você não faria isso?
Ah, eu penso calmamente. Aí está.
— Então me peça para ficar. — As palavras saem da minha
boca antes que eu possa considerá-las. Elas se mantêm no
espaço entre nós, impacientes. Suplicantes.
Seus olhos encontram os meus e ele balança a cabeça uma
vez.
— Não posso.
— Por que não?
Ele engole em seco, um aperto na linha forte de sua garganta.
Ele me encara por um longo tempo. Tanto tempo, acho que ele
não vai responder a pergunta.
— Eu sonhei com você — diz ele, sua voz áspera. Ele parece
envergonhado de dizer uma coisa tão adorável. — Depois
daquelas duas noites no Maine, sonhei com você o tempo todo.
Quando nos encontramos novamente naquela noite na rua,
por um segundo pensei que tinha adormecido. Você estava tão
linda. — Ele engole novamente e olha para suas botas, se
recompondo. Ele olha de volta para mim, os olhos brilhantes.
— Ter você aqui foi assim. Um sonho. Mas acho que nós dois
sabemos que tem que acabar, certo? Você tem uma grande vida
fora desta pequena cidade e tudo bem. Essa é a melhor coisa,
realmente. Você brilha como… você brilha como a porra do sol
e você não deveria engarrafar isso aqui. Você não deve
desperdiçar sua luz. Eu pensei que poderia ser feliz com
qualquer pedaço seu que eu conseguisse. Achei que seria o
suficiente. Mas então você foi embora e eu percebi que não vai
ser. Você vai levar um pedaço meu toda vez que você for até
que eu não tenha mais nada. Não posso ficar aqui parado
vendo você se afastar de mim.
Mas trarei seus pedaços de volta, quero dizer. Vou trazê-los
de volta e te dar alguns dos meus também.
O silêncio ressoa entre nós, um zumbido fraco em meus
ouvidos.
— Há quanto tempo você está pensando sobre isso?
Ele parece tão cansado, apoiado contra a mesa. Ele arrasta a
palma da mão sobre o rosto.
— O quê?
— Há quanto tempo você está esperando que eu vá
embora? Depois do nosso encontro? — Eu engulo em seco e
desejo que o zumbido no meu sangue se acalme. — Depois que
fizemos sexo? — Ele está muito quieto, perto das janelas, as
sombras girando em torno de seus tornozelos e o cobrindo na
escuridão. — Você realmente pensou que eu iria embora, sem
dizer uma palavra? Você acha que eu poderia fazer isso?
Ele dá de ombros e desvia os olhos para o chão.
— Eu não sei o que você quer que eu diga aqui, Evie. — Ele
esfrega a palma da mão na nuca. — Eu só... estou apenas
tentando segurar o que posso. Você entende?
Eu balanço minha cabeça, uma pressão atrás dos meus
olhos.
— Não entendo.
Suas mãos caem frouxamente ao seu lado.
— Eu não conheço uma maneira melhor de explicar isso
para você.
Eu dou um passo mais perto.
— Se eu tivesse esperado você voltar... se você visse meu
bilhete... você teria acreditado em mim quando eu disse que
estava voltando?
Ele não diz uma palavra. Ele suspira e fecha os olhos com
força e então encontra meu olhar. Eu vejo a resposta nas linhas
de seu rosto. No triste, triste azul-esverdeado de seus olhos.
— Por que você não pode acreditar em mim? — Eu
pergunto, minha voz falhando nas bordas — Eu quero estar
aqui.
Com você. Com todos os outros. Onde eu posso respirar e
descansar e pensar. Onde eu posso ser quem eu quiser.
Sua boca abre e fecha. Espero que ele diga alguma coisa,
qualquer coisa. Mas ele não diz. Ele fecha a boca e olha para um
ponto por cima do meu ombro.
— É isso então?
Ele olha para o pote vazio na mesa, os pacotes de sementes
ao lado. Para todos os lugares, parece, menos para mim. Ele
suspira e esfrega a mão na nuca. Um pequeno encolher de
ombros.
— Você pode... você pode ficar o tempo que quiser. Você é
sempre bem-vinda aqui. Eu só acho... acho que talvez
devêssemos voltar a ser como as coisas eram antes. Eu
compliquei e sinto muito por isso.
Como se fosse tão simples desembaraçar todos os
sentimentos no meu peito. Como se eu pudesse sentar ao lado
dele naquela varanda e não amá-lo com todo o meu coração.
— Você sente muito.
Eu não me incomodo em formular isso como uma
pergunta. Ele está arrependido de como ele complicou as
coisas. Meu peito se abre. Ele hesita, e então:
— Sim.
Toda a luta é drenada para fora de mim. Ele acha que vou
abrir mão de algo ficando, não conseguindo tudo o que sempre
quis. A chama da esperança que estava queimando forte em
meu peito enquanto eu dirigia de volta de Durham pisca.
Brasas, na verdade – esfriando no círculo de cinzas que se
instalou no espaço aberto entre meus pulmões. Cada respiração
queima.
— Beckett Porter — eu suspiro seu nome e pisco rápido
demais. Eu não quero chorar. Aqui não. Não agora. — Você
está me decepcionando suavemente?
Eu odeio o jeito que minha voz vacila nas bordas. Ele
percebe e seus olhos saltam para os meus. Eu vejo seus dedos
flexionarem, a pequena folha de carvalho no interior de seu
pulso dançando enquanto seu braço gira.
Ele bufa uma risada, mas não soa nada engraçado. Parece
triste, mil coisas não ditas em um único som.
— Não, amor. — Ele me observa com aqueles olhos sérios,
olhando para todo o mundo como se estivesse tentando
memorizar as curvas do meu rosto. Sua boca se contorce para o
lado. Não exatamente um sorriso, não exatamente uma
carranca. Algo resignado, bem no meio. — Estou me
decepcionando com força.

EU PODERIA CONTAR a ele sobre minha oferta de emprego.


Eu poderia contar a ele sobre a mesa bagunçada de Theo e
as fotos na parede. A agenda que ele me deu antes de eu partir,
todas as minhas viagens planejadas para o próximo ano. Eu
poderia contar a ele sobre meu telefonema com Josie e como
tenho uma passagem de avião em meu nome para daqui a dois
dias, uma passagem só de ida e volta.
Eu poderia dizer a ele que pretendo ficar.
Mas estou cansada e meu coração está machucado.
Então, eu pressiono os dedos dos pés e escovo um beijo
gentil em seus lábios. Digo a ele que o verei em breve e aperto
sua mão na minha. Eu me viro e o deixo ali na estufa, com as
flores e as ervas e a terra derramada sobre a mesa.
Meu corpo se move sem que minha mente precise checar.
Vou para o quarto de hóspedes e arrumo minhas coisas. Eu luto
com a porta do meu carro e jogo minha mala no porta-malas.
Eu subo as escadas e deixo a camiseta estúpida do posto de
gasolina e o porta-latas sentados à sua porta.
Eu reúno todas as partes de mim que estão se desenrolando
e as seguro com força em meu punho trêmulo, duas respirações
profundas e minhas mãos no volante. Olho para a casa e expiro
lentamente.
Saio da garagem e desço a estradinha que leva de volta à
cidade.
Amanhã.
Vou fazer um plano amanhã.
Vinte e um

BECKETT
EU ENCARO O PATO.
O pato me encara.
Um dos gatinhos mia atrás da cerca improvisada que fiz na
cozinha. Não que isso os detivesse se eles realmente quisessem
sair. Ainda não tenho ideia de como Prancer consegue sair de
casa todas as manhãs para seus passeios de trator. Examinei cada
centímetro quadrado do perímetro e não consigo descobrir
como ela está saindo, a não ser abrindo a porta da frente
sozinha.
Suspiro e olho para a família de gatos esperando
pacientemente atrás de uma tela de galinheiro. Eles vieram
correndo assim que eu acotovelei meu caminho pela porta da
frente com nossa nova adição. É a primeira vez que reconhecem
minha existência desde que Evelyn partiu, duas noites atrás.
Eles ainda não me perdoaram por afastá-la.
Também não me perdoei.
Encontrei o bilhete dela amassado e meio rasgado na cama
da Prancer ao lado do sofá, ao lado de um prendedor de cabelo
e um tubo vazio de batom. Fiquei olhando para aquele
pequeno pedaço de papel por um longo tempo, as flores
rabiscadas ao longo da borda inferior, os três pontos de
exclamação.
Não importa que ela tenha deixado um bilhete. Não
importa que ela tinha toda a intenção de voltar. Manter toda a
luz dela para mim ainda parece o pior tipo de egoísmo. Eu não
vou fazer isso.
Digo isso a mim mesmo, de qualquer maneira. E coloquei o
bilhete na gaveta ao lado da minha cama. Ao lado da maldita
flor azul seca e um recibo amassado.
Suspiro e pego o patinho em minhas mãos, já maior do que
da última vez que o vi. O Dr. Colson ligou esta manhã e me
avisou que não havia lugar para ele no centro de vida selvagem
local. Provavelmente teria sido muito tempo, de qualquer
maneira, para o carinha fazer uma transição bem-sucedida de
volta à natureza.
Ele não precisava dizer muito mais do que isso.
Não queria que o patinho ficasse sozinho.
— Tudo bem, todo mundo — eu lanço um olhar severo
para os gatos alinhados atrás da parede improvisada. — Nós
vamos estar em nosso melhor comportamento, sim? Sem
mordidelas ou qualquer coisa com dentes adjacentes. — Juro
que Prancer franze a testa para mim, um beicinho em seu
rostinho peludo.
Sento-me no chão e cuidadosamente – lentamente –
estendo minhas mãos. Com a recomendação do Dr. Colson em
mente, mantenho uma mão pairando sobre a bola de penugem
amarela na palma da minha mão, pronto para protegê-lo se
precisar. Mas todos os quatro gatos parecem calmos o
suficiente para conhecer seu novo companheiro de casa, rostos
voltados para o interesse.
O pato enfia a cabeça entre meus dedos estendidos, um
pequeno chilrear de saudação.
Prancer olha com ávida concentração e então mia em
resposta. Ela se levanta de sua posição de bruços no chão e
cutuca suavemente minha mão, seu nariz de veludo rosa
roçando meu polegar e depois o patinho. Ela mia novamente e
os três gatinhos ecoam na mesma sinfonia. O patinho oferece o
início de um quack.
Tudo bem. Isso parece... bom.
Pato e gatos continuam investigando um ao outro e ouço
minha porta da frente se abrir. Por uma fração de segundo, uma
chama de esperança toma conta do meu peito. Mas então eu
ouço Stella e Layla discutindo sobre pãezinhos de canela e meu
coração rola, a decepção batendo em uma batida lenta.
Olhei para Evelyn e disse a ela que não me contentaria com
os pedaços dela. É como me sinto, mas gostaria de ter dito isso
de uma maneira melhor. Mais suave, talvez. Eu ainda posso ver
o rosto dela enquanto as palavras tropeçavam na minha língua.
A forma como seu corpo inteiro se encolheu, suas mãos
apertadas juntas. Seus cílios contra sua bochecha. Uma única e
aguda inspiração.
Arrependimento é uma coisa engraçada. Autopreservação
também. Eu estive balançando descontroladamente entre os
dois e peguei meu telefone mais vezes do que posso contar. Mas
não consigo me obrigar a discar o número dela, meu polegar
pairando sobre a tela.
Stella e Layla tropeçam e param na beira da minha cozinha.
Eu não me incomodo em olhar para cima.
— Cristo — Layla respira. — É pior do que eu pensava.
Observo Cometa cutucando o pato com a cabeça, um
ronronar feliz entre eles. O pato bate suas asinhas contra minha
mão. Vou ter que nomeá-lo agora. Está feito.
— Achei que tinha trancado a porta.
— Eu tenho uma chave — Layla diz suavemente.
— Eu peguei sua chave três meses atrás quando você invadiu
e roubou todas as minhas tortas.
— Como se eu fosse comer tortinhas compradas em lojas —
Layla fica ofendida. — Não foi eu.
Stella levanta a mão.
— Isso foi Charlie. Ele vai comprar uma caixa nova para
você. — Ela faz uma pausa por um segundo e cai de joelhos ao
meu lado, estendendo a mão para os gatinhos. — Beckett, por
que você está sentado no chão?
Pergunta interessante de uma mulher que acabou de me
dizer que seu meio-irmão invadiu minha casa e comeu todo o
meu açúcar processado. Eu ignoro. Estou muito cansado para
os detalhes.
— Estou os apresentando um ao outro.
— Tudo bem — Ela pisca para mim. — Há quanto tempo
você vem fazendo isso?
— Sentado no chão?
— Sim.
Layla se ocupa com algo no balcão. Eu ouço o som de papel
alumínio amassando, minhas gavetas se abrindo enquanto ela
procura por talheres. Vixen está mais interessada no que ela
trouxe do que no novo membro da família e sai trotando,
enrolando-se entre os tornozelos de Layla.
Olho para o relógio.
— Eu só estou sentado aqui há dez minutos. Por quê?
Stella parece aliviada.
— OK, bom.
— Por quê?
— Porque Sal nos disse que viu você de costas no meio do
celeiro do Papai Noel ontem por três horas — Layla
interrompe. Ela estende um prato com um único muffin de
mirtilo – um crumble amanteigado perfeito por cima.
Eu franzo a testa. Eu não tinha percebido que estava lá há
tanto tempo.
— Eu estava verificando se havia buracos no telhado.
Alguns dos lavradores notaram vazamentos.
E então adormeci, deitado de costas no meio do celeiro do
Papai Noel. Acordei cansado e desorientado, uma dor oca na
boca do estômago.
Sentir falta de Evelyn é como perder o último degrau de uma
escada. Eu continuo esperando que ela esteja onde ela não está.
É essa expectativa, eu acho, que é o pior de tudo. Entro na
cozinha e espero vê-la sentada no balcão fazendo suas palavras
cruzadas. Passo pela porta dos fundos e espio pela janela,
procurando suas longas pernas curvadas embaixo dela na
varanda dos fundos. Eu procuro o casaco dela no cabide ao lado
do meu. Suas botas jogadas sob a mesa da entrada. Deixo um
espaço na geladeira para onde ela gosta de colocar o café, bem
ao lado do chá gelado.
Estou perdendo todos os pedaços dela.
Eu os quero de volta.
Layla se senta do meu outro lado com seu próprio prato de
muffins e estende um para Stella. Aproximo o pato do meu
peito – atrás da proteção da cerca – e o coloco cuidadosamente
no meu colo. Ele dá um grasnado feliz, anda em círculos e
depois cai em um pequeno tufo de pelo amarelo contra minha
coxa.
— Evelyn nos mandou uma mensagem — Layla oferece,
como se essa única frase não roubasse todo o ar dos meus
pulmões. Eu dou uma mordida no muffin para me impedir de
dizer algo estúpido. Quando, eu quero perguntar. Ela parecia
tão triste quanto eu? — Ela queria que nós chegássemos a você.
Isso é algo, eu acho. Eu arranco um mirtilo seco do topo do
muffin. Eu verifiquei seus perfis de mídia social outro dia,
desesperado por um vislumbre. Ela não postou nada em
semanas. Nada desde uma foto dela deitada de costas no campo
de flores silvestres, a foto angulada para obter apenas o topo de
sua cabeça. Olhos sorridentes iluminados pelo sol, seus longos
cabelos espalhados ao redor de sua cabeça como uma auréola,
pétalas de flores torcidas entre os fios.
Fiquei olhando para aquela foto por um longo tempo.
— Eu estou bem — eu digo. Quero perguntar mais sobre
Evelyn, mas não consigo dizer o nome dela.
Stella suspira.
— Você não pode ficar aqui o dia todo. — Parece que ela
quer sair pelos fundos, pegar o carrinho de mão e me jogar nele.
— Venha até a casa. Luka vai fazer nhoque para você.
Ele também provavelmente suspirará durante a refeição,
murmurando baixinho o tempo todo.
— Não, obrigado. — Eu dou outra mordida no muffin e
ignoro a conversa silenciosa acontecendo de cada lado de mim.
Posso sentir seus olhos como pequenos lasers. — Eu vou para a
casa dos meus pais mais tarde. Estou consertando a varanda.
O que estou fazendo é evitar meus problemas. Sair desta casa
que ainda tem o fantasma de sua risada e seu sorriso e seus
grandes olhos castanhos em todos os lugares que olho.
— Bem — Layla estica as pernas no chão da minha cozinha
e franze a testa para seus pés com meias. Ela deve ter tirado as
botas na porta. Ela deixa cair a cabeça no meu ombro no
momento em que Stella enrola a mão em volta do meu braço,
logo acima do meu cotovelo. Ela aperta carinhosamente. —
Vamos sentar com você até que você tenha que ir.
Solto um suspiro trêmulo e observo os gatos baterem em
volta de uma velha caixa de papelão, algo que devem ter tirado
da reciclagem. Stella cruza os tornozelos e Layla solta um
bocejo. Nós três ficamos sentados em silêncio, amontoados no
chão.
Parceiros, das melhores maneiras.
— O pato tem nome?
— Hum?
— O pato. Ele precisa de um nome.
Ele precisa. Nós três consideramos isso.
— Que tal Picles? — Layla oferece. Ela espia por cima do
meu ombro para o pato adormecido contra o meu joelho. —
Ele meio que parece um Picles.
— De que maneira ele se parece com um Picles?
— A pequena marca na cabeça dele parece uma, você não
acha? — Ela olha para mim e seus olhos se arregalam com o
olhar no meu rosto. — Tudo bem. Picles não.
— Ovoberto?
Eu faço um barulho baixo na minha garganta. Não esqueci
que Stella queria nomear Prancer – Guaxinim.
— James Pond12?

12
Referência a um jogo de plataforma que foi desenvolvido pelas empresas
britânicas de videogames Vectordean Ltd e Millennium Interactive, e publicado
— Squeak?
Eu ignoro as duas.
— Eu gosto de Otis.
Meu pai costumava tocar Otis Redding de manhã enquanto
estávamos nos preparando para a escola. Ele tocava nos alto-
falantes da sala de estar. Aumentava o volume alto o suficiente
para ouvirmos tudo em nossos quartos. Foi a primeira artista
que Nessa dançou. Ele ainda toca These Arms of Mine para
minha mãe toda quarta-feira à noite, depois que ele acha que
todos nós fomos embora. Ela se senta em seu colo e ele
cantarola em seu ouvido, uma curva lenta ao redor da garagem
com nada além das luzes da varanda acesas.
— Eu gosto desse nome — diz Stella.
Layla acena em meu ombro.
— Sim, eu também.
Eu esfrego meu dedo sobre a cabeça do carinha.
— É Otis, então.

TRAGO Otis comigo para a casa dos meus pais e o coloco em


uma pequena caixa na varanda da frente enquanto começo a
descarregar a madeira da traseira da minha caminhonete. A casa
e os jardins atrás dela estão quietos e silenciosos, as janelas
estreitas de cada lado da porta da frente refletem o sol da tarde.

pela Millennium Interactive e Electronic Arts para vários computadores


domésticos e consoles em 1990.
Um único feixe de luz cai em cascata, partículas de poeira
dançando em ondas douradas.
É estranho estar aqui quando ninguém mais está. Estou
acostumado com a porta da frente entreaberta, minhas irmãs se
espalhando pelo jardim da frente. Risadas altas e o cheiro de
algo no fogão. Meu pai implorando a Nova por uma tatuagem
nas costas.
Mas eu planejei isso especificamente para o silêncio. Vou
consertar a rampa, prender o corrimão e seguir meu caminho
sem ter que falar com ninguém. É o plano perfeito.
— Você está me construindo um novo deck?
Deixo cair toda a madeira reunida em meus braços
enquanto meu pai gira ao redor da casa, com um sorriso no
rosto. Eu pressiono um punho fechado no meu coração
acelerado e franzo a testa para meus suprimentos espalhados
aos meus pés.
— Que diabos, pai?
Ele ri.
— Quando você vai perceber que eu estou sempre por
perto, garoto?
— Nunca, aparentemente — eu resmungo. Ele me encontra
na parte de trás da caminhonete e se inclina para frente em sua
cadeira, alavancando um pedaço de madeira que deixei cair em
seus braços. Ele o empilha cuidadosamente ao lado da minha
caixa de ferramentas e me dá um olhar divertido.
Eu estreito meus olhos para ele.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu moro aqui — ele responde com uma risada.
Reviro os olhos para o céu.
— Por que você está em casa? Achei que você estivesse
trabalhando.
Cerca de sete anos atrás, meu pai assumiu um trabalho
diferente na fazenda. Agora ele trabalha no front office,
ajudando a gerenciar remessas e acordos com mercados locais e
redes de supermercados. Ele também ocasionalmente rouba o
trator quando Roger Parson deixa as chaves por aí.
— Eu tirei folga hoje.
— Para quê?
— Você é meu guardião agora? — Outra risada áspera e
divertida sai de seu peito de barril. — O que você está fazendo
na minha casa no meio do dia? Com suprimentos suficientes
para construir seu próprio covil Unabomber, diga-me.
Olho para a pilha aleatória de madeira. O serrote que peguei
emprestado da fazenda.
— Não é muito — eu me esquivo.
— É o suficiente — Ele olha para mim daquele jeito que ele
faz. Olhos semicerrados, uma sobrancelha ligeiramente mais
alta que a outra, os lábios em uma linha fina, mas inclinados nas
bordas, como se ele tivesse alguma piada particular. Toda vez
que ele me olha assim, sinto que tenho sete anos de novo –
mentindo para ele sobre o que aconteceu com a janela do
galpão dos fundos, meu taco de beisebol escondido em um dos
arbustos. Sua mão alcança meu braço e ele aperta lá uma vez,
exatamente no mesmo lugar que Stella fez nem duas horas
atrás. — Você está bem?
— Eu estou bem — eu digo, não estou mentindo.
Porque eu estou. Estou bem. Está tudo... está tudo bem. Eu
gostaria que todos parassem de me perguntar isso. Eu só preciso
de algumas horas para não pensar em Evie. Para não repetir
aquela última conversa e ver seus braços enrolados em volta de
si mesma, seus olhos piscando rápido demais.
Estou cansado de vê-la toda vez que fecho meus olhos. Estou
cansado de sentir falta dela quando ela mal se foi.
Eu solto um suspiro e escovo minhas mãos contra meus
joelhos.
— Eu só quero consertar sua rampa.
Meu pai procura meu rosto.
— Você quer ajuda?
É uma luta não cerrar os dentes. Eu realmente não quero.
Eu educo meus recursos em algo agradável e neutro,
organizando algumas das ferramentas pelos meus pés. Começo
a juntar um pouco da madeira, meu corpo agradecido pela
tarefa.
— Se você quiser.
— O que você quer?
Faço uma pausa com meus braços cheios de madeira dois
por quatro.
— O quê?
— O que você quer? — Ele esfrega a ponta dos dedos contra
o lábio inferior em pensamento. — Se alguém apontasse uma
arma para sua cabeça agora e perguntasse o que você quer, o
que você diria?
— Uh — eu olho por cima do meu ombro para me certificar
de que uma das minhas irmãs não está por perto com um
telefone na mão. Ele parece sério demais para uma pergunta
sobre assistência na varanda. — Eu quero que alguém não esteja
segurando uma arma contra minha cabeça sobre uma grade da
varanda.
Meu pai não está se divertindo.
— Beckett.
— O quê? Isso é... — uma conversa estranha. — O que você
está me perguntando?
— Você está sempre nos deixando fazer o que queremos —
meu pai diz depois de uma longa pausa. — Quando você já fez
o que você quis?
— Como o quê?
— Trivia — diz ele imediatamente. Ele levanta o dedo. —
Todos nós sabemos que você não queria ir e foi mesmo assim.
— Porque Nova e Nessa me pediram. — E às vezes preciso
ser arrastado para fora de casa ou nunca mais sairei. Eu posso
reconhecer isso sobre mim.
Ele levanta outro dedo e tira o telefone do bolso, batendo e
lendo na tela.
— 16 de janeiro. Todos nós pedimos pizza e você comeu
aquela com cogumelos, embora você não goste de cogumelos.
Era a única opção e eu estava com fome.
— Você tem uma lista no seu telefone?
Ele me ignora e rola para baixo.
— 28 de dezembro. Você levou sua irmã a três mercearias
diferentes para que ela pudesse encontrar Nutella.
Eu chuto um pedaço de madeira.
— Ela disse que queria.
Ele deixa o telefone cair no colo e olha para mim.
— Você estava prestes a me deixar ajudá-lo com a maldita
rampa mesmo que você não queira.
— Não é grande coisa — eu contrario. Eu posso ver o ponto
que ele está tentando formar. Ele é tão sutil quanto um tijolo
através de uma janela. — Não há nada de errado em eu fazer
coisas para ajudar outras pessoas. Cogumelos não são tão ruins.
O rosto do meu pai se transforma em uma nuvem de
tempestade.
— Eles são terríveis se não forem o que você quer.
Eu dou de ombros.
— Na verdade, não.
— Tudo bem. — A palavra sai de sua boca como um tiro.
— Tenho mais dois para você.
Eu suspiro e rolo meus ombros.
— Vamos ouvi-los, então. — Provavelmente será algo sobre
o galinheiro que fiz no quintal de Harper que ainda não tem
galinhas, ou a vez em que fui o parceiro de dança substituto de
Nessa por uma semana. Aguentei dois dias.
— Você deixou sua irmã adolescente colocar tatuagens em
seus braços, só para ajudá-la. — Ele engole em seco. — Você
abandonou o ensino médio para sustentar esta família. Você
trabalhou até a exaustão.
E eu faria de novo. Tudo isso. Sem hesitação.
Eu amo as tatuagens nos meus braços. Cada uma é um
pedaço da minha família – um pedaço de mim. Parece uma
armadura quando mais preciso e conforto quando preciso
disso também. Adoro olhar para a folha no meu pulso e traçar
as bordas trêmulas, lembrando como todo o rosto de Nova se
iluminou quando concordei em deixá-la tentar.
E a coisa da agricultura. Isso nem foi uma escolha. Claro que
eu ia em frente. Foi a decisão mais fácil que já tomei, naquele
dia na cozinha. Os Parsons vieram visitar meu pai assim que ele
voltou do hospital e a ideia me ocorreu como um raio em uma
tempestade de verão. Eu estava ansioso por algo para fazer –
alguma forma de ajudar – e tomar o lugar do meu pai era a
melhor maneira de fazê-lo. A única maneira de fazê-lo.
— Porque eu te amo — eu digo, teimoso. Não vejo nada de
errado com as coisas que ele listou. — Porque eu amo todos
vocês.
— Estou começando a pensar que cometi um erro, então —
meu pai diz baixinho, seu rosto inteiro alinhado com
arrependimento. Ele pisca rapidamente e limpa a garganta,
nunca olhando para qualquer lugar além de mim. — Quando
eu te ensinei a amar.
Alguma coisa no meu peito fraturou. Pior do que quando
Evelyn saiu pela porta da minha estufa.
— O quê?
— Se você acha que o amor significa ter que sacrificar
pedaços de si mesmo para fazer outra pessoa feliz — explica ele.
— Se você tem medo de pedir o que quer. Talvez eu tenha feito
algo errado.
— Eu não estou… — minha voz é cortada, minha garganta
fechando em torno das palavras. Olho para o chão, para a ponta
das minhas botas. A lama respingou do meu tempo nos
campos. Eu cerro os dois punhos. — Não é isso que estou
fazendo.
Não é. Adoro ajudar minha família. Ajudar as pessoas é
minha… Cristo… Nessa diria que ajudar as pessoas é a minha
linguagem do amor. É como eu mostro a elas que me importo.
Ações sempre foram mais fáceis para mim do que palavras.
— Você pediu a Evelyn para ficar?
Eu balanço minha cabeça.
— Isso não tem nada a ver com isso.
— Você pediu?
Eu gostaria de já ter começado na varanda. Seria útil ter um
martelo em minhas mãos. Despejar toda a energia inquieta
torcendo pelo meu peito no levantamento e na batida do
trabalho.
— Eu não pedi — eu gritei. — Porque ela não seria feliz
aqui. Porque ela iria embora de novo.
Porque eu não posso ser a razão dela de desistir de qualquer
coisa. Ela me odiaria e eu me odiaria.
— Essas não são decisões que ela deve tomar? — Quando
abro a boca para responder, meu pai fala mais alto, passando
por cima de mim. — Como diabos ela vai saber que você a quer
aqui se você nunca pediu para ela ficar?
Eu fecho minha boca.
Pisco.
Pisco novamente.
— Às vezes, o amor é ganancioso, garoto. — Meu pai define
sua boca em uma linha firme. — Às vezes, é um pouco egoísta
também. Você acha que nunca passou pela minha cabeça que
sua mãe merece algo melhor do que a vida que construímos
para nós mesmos aqui? Pois, já. Um milhão de vezes. Um
milhão e um. Mas estou a segurando com as duas mãos. Estou
confiando nela para fazer suas próprias escolhas. Para me
escolher.
Ele olha diretamente para mim, um sorriso enganchado ao
lado de sua boca. Ele se curva na cintura e pega um pedaço de
madeira. Ele o vira por cima do ombro e começa a se dirigir para
a rampa.
— Seja egoísta, Beckett. Só desta vez.
Vinte e dois

EVELYN
— O QUE ELE DISSE?
Eu olho para Josie da minha coleção de leggings dobradas –
uma quantidade francamente alarmante de roupas
confortáveis que se eleva ao lado de uma das minhas caixas de
mudança.
— Quando?
— Quando você foi embora.
Ele não tinha dito nada. Ele ficou parado na entrada da
estufa com o braço apoiado na porta e me observou
silenciosamente me mover pela casa. Eu só me permiti um
único olhar para trás, logo antes de sair pela porta da frente. Ele
estava de costas para mim então, ambas as mãos ancoradas em
seu cabelo.
Não posso ficar aqui parado vendo você se afastar de mim.
Eu derrubo toda a pilha na caixa.
— Ele não disse nada.
— Ele disse alguma coisa desde então?
Eu olho para o meu telefone e, em seguida, balanço a cabeça.
Tem sido um silêncio total.
Não que eu esperasse algo diferente.
Já se passaram dois dias e a única atualização que recebi
sobre Beckett é uma mensagem banal de Stella. Um simples “ele
está bem” que ela não escolheu elaborar, junto com uma foto
de um patinho com um biscoito em seus pés palmados. Otis
escrito em glacê no topo.
Embora eu suponha que foi uma atualização em si.
— Eu preciso que vocês dois se comuniquem — Josie
oferece do outro lado da sala, segurando um copo de... eu não
tenho ideia, honestamente. Ela vasculha o meu micro-ondas e
encontra uma garrafa de uísque tão velha que acumulou uma
camada de poeira. Acho que a tampa está fundida com a
garrafa. — A falha de comunicação aqui é..
Ela para, resmungando baixinho.
— O quê?
— É extremamente frustrante para mim, como espectadora
neste seu relacionamento.
Ela se arrasta de volta para mim em torno de um campo
minado de caixas de mudança e... mais leggings... a garrafa presa
debaixo do braço. Ela cai na minha frente e me entrega o copo,
trabalhando na tampa com os dentes. Ela cospe para as janelas
quando está destampado.
— Não é uma falha de comunicação — eu respondo. É
Beckett pensando que não há nenhuma maneira possível de eu
encontrar minha felicidade em sua fazenda. É ele tomando uma
decisão por nós dois por causa de uma sensação equivocada
de... algo. — Eu simplesmente não posso acreditar que ele
pensou que eu iria embora assim — eu suspiro.
Eu vejo isso toda vez que fecho meus olhos. Beckett e a
forma como seu corpo inteiro ficou rígido quando entrei em
seu espaço. A resignação em seu rosto, como se fosse o que ele
esperava o tempo todo.
Ele realmente pensou que eu ia embora.
Josie brinca com a garrafa.
— Bem, você já disse a ele que queria ficar?
— O quê?
— Você sabe: “Beckett. Eu quero seu coração gigantesco e
seu corpo quente e fumegante. Vou ficar.”
Abro a boca e depois a fecho.
Josie continua.
— Você foi muito comunicativa comigo sobre seus planos.
— Ela cheira a garrafa aberta e faz uma careta. — Qual foi a
reação dele quando você lhe contou sobre o novo emprego?
— Ele não sabe sobre ele — murmuro.
Josie faz um som, exasperada. A garrafa em sua mão quase
sai voando pela sala.
— Então é uma coisa de falha de comunicação.
— Não é — Eu esfrego meus dedos contra minha testa. Eu
penso em nossas noites na varanda, conversando sobre tudo
sob o sol. Tudo, aparentemente, exceto nossos planos para o
futuro. As coisas pelas quais eu estava trabalhando e as coisas
das quais ele tinha medo.
Ver onde essa coisa vai.
Deus, nós dois fomos tão estúpidos.
Mas eu mostrei a ele, não mostrei? Trivia com sua família e
meu nome escrito na ficha de inscrição para a próxima. Tardes
passadas na cidade e noites passadas com ele. Eu tenho criado
raízes esse tempo todo, cultivando cuidadosamente cada uma
para ser algo duradouro e verdadeiro. Ele não viu isso? Ele não
percebeu?
Josie despeja o líquido âmbar no copo e eu franzo a testa.
— O que você quer que eu faça com isso?
Ela levanta as duas sobrancelhas.
— Beba.
— Eu não tenho mais vinte e dois. — Tomar uma dose me
machuca fisicamente nos dias de hoje.
— Precisamos comemorar este novo capítulo de sua vida e
resolver a bagunça gigante que vocês dois fizeram. — Ela pega
a dose da minha mão, bebe metade e quase cospe na minha cara.
Ela engole com esforço, as pontas dos dedos nos lábios. — Oh
meu Deus.
— Eu te disse.
— Você não me disse.
— Achei que minha recusa poderia dizer o suficiente.
— Tudo bem, mudança de planos. — Ela pega seu telefone
e rola e toca – e toca um pouco mais. — Pedi para nós duas
garrafas de vinho e uma pizza.
— Isso foi muito eficiente.
— Tecnologia moderna, querida. Não podemos conduzi-la
ao grande desconhecido sem gordura, queijo frito e
carboidratos — Ela balança o telefone e o coloca de lado. —
Tudo bem. Vamos conversar sobre seu plano com o
fazendeiro.
É um plano solto, na melhor das hipóteses. Quero que ele
veja que não é só por ele que vou voltar, mas por todo o resto
também. Acho que ele precisa ver que estou falando sério.
— Bem, eu vou voltar. — Sempre planejei voltar.
Josie assente.
— E eu tenho aquela casinha que estou alugando. É
estranho que de repente tenha se tornado disponível, mas tanto
faz.
Não é estranho. Eu sei que está vazia desde antes de eu vir
para a cidade. Gus me disse isso quando liguei para ele para
fazer meu depósito pelo telefone. Aparentemente, ele queria
tentar sua mão em casas de fliperama – além da noite de trivia
e da dança do corpo de bombeiros. Um homem de muitos
talentos estranhos. Infelizmente para ele, não havia outras casas
para reformar nos limites da cidade de Inglewild e esse sonho
foi interrompido abruptamente.
— E eu vou… — é aqui que o plano fica obscuro. — … Eu
vou para a fazenda. Vou mostrar a ele que, embora eu tenha
ido, sempre planejei voltar. — Vou levar hambúrgueres e
batatas fritas em um saco de papel pardo. Talvez eu espere até
o sol se pôr para que as estrelas fiquem brilhantes no céu. — Se
ele não quiser me ver, tudo bem.
Vai ser de partir o coração, mas eu não vou embora.
— Vou ficar na casa e vou visitá-lo se ele me aceitar. Vou lhe
levar os biscoitos que ele gosta. Eu vou continuar aparecendo.
Eu vou ficar. — Eu respiro uma respiração trêmula pelo nariz.
— Vou dizer a ele que o amo. Que eu também amo a cidade.
Que eu fui lá à procura de uma coisa e encontrei um monte de
outras coisas em vez disso. As melhores coisas.
Felicidade e liberdade e pertencimento e comunidade e –
biscoitos amanteigados na calada da noite. Trivias estranhas. A
cobertura de creme de manteiga da Layla.
— Eu acho que você poderia ter se poupado de alguns
problemas e contado a ele tudo isso mais cedo, mas… — ela
pega minha mão com a dela. — É um bom plano.
— Sim?
— Quero dizer, você pode mandar uma mensagem para ele
e dizer que vai voltar, mas eu gosto do drama por trás disso.
— Eu disse a ele que o veria em breve. Quando eu saí.
— Você disse?
— Sim. Eu disse a ele que estava voltando.
Eu não disse? Eu juro que sim. Pressionei meu polegar na
constelação no interior de seu antebraço e tracei as linhas com
tinta até a palma da mão. Eu bati lá duas vezes e disse a ele que
voltaria.
— Não é uma falha de comunicação — eu explico.
Nós apenas continuamos perdendo um do outro. Toda vez
que colidimos, algo está um pouco errado. Nós batemos um no
outro e voltamos ricocheteando para o espaço, um milhão de
quilômetros entre nós. Um desses meteoros.
Um desalinhamento, talvez?
Uma oportunidade perdida, certamente.
Espero que eu possa consertar isso.
Josie bate os dedos na garrafa aberta de licor e mantém o
olhar em mim. Ela parece estar considerando outra prova, a
experiência anterior que se dane.
— De qualquer forma — ela me diz. — Estou aqui para isso.

— VOU TERMINAR qualquer contrato de trabalho que eu


tenha programado, mas depois disso estarei explorando outras
oportunidades.
Olho para uma sala de conferências cheia de rostos vazios.
Por alguma razão inexplicável, eles chamaram toda a
organização aqui para esta reunião. Vejo Kirstyn no canto,
chorando abertamente com o rosto escondido em um lenço
estampado. Ela tem um pequeno copo de café expresso em seu
cotovelo e um sanduíche de pepino em miniatura. Não há
baixo vindo do alto-falante no centro da sala desta vez, graças a
Deus.
Embora eu aposte que Josie está morrendo de vontade de
pegar um violino minúsculo.
— Estou tão agradecida por tudo que sua equipe fez por
mim — eu acrescento desajeitadamente quando não recebo
resposta. — Eu, uh, eu realmente gostei de trabalhar com todos
vocês.
Josie bufa e eu coloco o salto da minha bota em seu
Converse debaixo da mesa.
Eu me pergunto o que Beckett está fazendo agora. Se ele está
no campo ou na padaria, roubando lanches da vitrine quando
acha que Layla não está olhando. Ele não sabe, mas ela coloca
os biscoitos de aveia e chocolate no canto inferior direito só
para ele, meio escondidos atrás das barras de limão para que ele
tenha a chance de pegar um depois que sua lista matinal estiver
pronta.
Eu o imagino ali, encostado no balcão. Flanela até os
cotovelos e o boné virado para trás. O menor cacho até as
pontas de seu cabelo atrás das orelhas.
Desta vez, Josie tem que pisar no meu pé.
Eu olho para ela e ela levanta ambas as sobrancelhas com
expectativa.
Isso mesmo. Uma sala cheia de gente.
Olho timidamente para Leon, sentado na cabeceira da mesa
com as palmas das mãos apoiadas na madeira. Ele parece
perdido e um pouco desesperado, seus olhos castanhos escuros
resignados por trás dos óculos de aro de tartaruga.
— O que é que você disse?
— Perguntei se há algo que possamos fazer para convencê-
la a ficar?
— A menos que você cresça um pouco, adote cem gatos,
cubra os braços completamente de tatuagem e desenvolva um
tanquinho — Josie murmura baixinho. Eu mordo o interior da
minha bochecha para me impedir de rir.
— Eu acho que não. — Recolho a pequena pilha de papéis
dispostos na minha frente. Notas de Josie com pequenos
rabiscos escritos à mão na parte inferior me dizendo para
FICAR FORTE e FAZER A MALDITA COISA.
Estranhamente motivacional, quando se trata disso. —
Obrigada mais uma vez, por tudo.
Agora só quero empanadas.
E uma viagem de avião de volta para Maryland.
Todos nós saímos da sala em um trabalho lento, impedidos
por duas pessoas na frente ocupadas demais em seus telefones
para ver para onde estão indo. Estou cercada por pessoas com
ombros curvados e rostos desenhados, evitando ativamente o
contato visual. Um cara limpa as bochechas com as costas da
mão. Alguém entra na cozinha e desliga a luz de néon rosa
acima da geladeira. Não há lugar como Sway gagueja e depois
pisca, a cozinha estranhamente fria sem a luz fluorescente e
brilhante.
Tudo parece um pouco demais.
Josie se inclina para mim enquanto caminhamos em direção
ao elevador.
— Isso foi bem feito.
Olho por cima do ombro para Kirstyn, sentada na beirada
da longa mesa no centro da sala, a testa encostada na superfície.
Eu franzo a testa.
— Não me senti muito bem.
Josie dá de ombros e aperta o botão do elevador. Ela faz isso
de novo quando não acende imediatamente. Eles vão ter que
substituir a maldita coisa quando ela terminar com isso.
— Às vezes, a coisa certa para uma pessoa não é a coisa boa
para outra. — Ela se vira para mim e me dá um sorriso. — Ei,
temos alguma pizza que sobrou da noite passada?
Temos. Por muito pouco. Prefiro atravessar a rua e devorar
todo o cardápio de empanadas. O elevador finalmente chega e
Josie invade as portas, murmurando algo sobre pizza com
croquetas em cima enquanto procura seu telefone em sua
bolsa. Eu sigo atrás dela e giro no meu pé, traço meus olhos
sobre as samambaias no papel de parede. Beckett odiaria isso.
Verde demais, ele diria. A coloração está toda errada. Eu posso
praticamente ouvir sua voz no meu ouvido, me dizendo a
diferença entre plantas vasculares e... plantas não vasculares.
Que tipo de luz solar elas precisam. A consistência perfeita do
solo.
Estou tão perdida na minha pequena bolha de Beckett que
quase não percebo.
Algumas coisas acontecem ao mesmo tempo.
Meu telefone começa a ficar selvagem no meu bolso. Josie
sussurra um baixinho oh meu deus que ganha volume enquanto
ela o repete várias vezes. Várias pessoas se levantam na longa
mesa de coworking e – o mais chocante – vejo o rosto de
Beckett aparecer de repente na sala de conferência, dez vezes
maior que o normal na tela que caiu do teto.
Eu bato minha mão contra a porta do elevador para mantê-
la aberta, um mergulho na minha barriga. Parece que este
elevador acabou de descer até o porão e eu estava junta para o
passeio.
Josie pega meu braço e aperta.
— Evie.
Eu dou um passo para fora e depois outro. Observo a boca
de Beckett se mover silenciosamente pela janela de vidro
industrial. Ele parece – Deus – ele parece bem. Dois dias e sinto
que alguns dos detalhes já estão esmaecidos. Como eu fui
embora semanas antes? Como eu fui embora por meses?
Como eu saí de sua cama para começar?
— O que é…
Josie segue atrás de mim, seu olhar preso em seu telefone.
— Suas mentions estão ficando absolutamente insanas —
diz ela.
Eu vejo os olhos de Beckett se enrugarem levemente nos
cantos através da janela, um sorriso quase imperceptível em seu
rosto bonito. Posso ouvir o murmúrio abafado de sua voz, os
tons baixos dele falando na câmera, mas não consigo ouvir
nenhuma das palavras que ele está dizendo.
— Por que há um vídeo de Beckett tocando na sala de
conferências?
A cabeça de Josie se levanta e seus olhos se estreitam.
— Acho que já atingiu os blogs. Ele deve ter postado
enquanto estávamos naquela reunião.
Assistimos juntas enquanto o vídeo termina e depois
recomeça. Parece que é um vídeo do TikTok, aberto no
navegador. É difícil dizer com as pessoas em pé na frente da tela
assistindo. Nada disso faz algum sentido. E até onde eu sei,
Beckett não tem uma conta online. Sua cafeteira tem um único
interruptor na parte inferior. Acho difícil acreditar que ele
tenha uma conta no TikTok.
Josie passa o braço pelo meu e me arrasta pelo espaço do
escritório, de volta à sala de conferências. Ela para
abruptamente do lado de fora da porta, observa a tela e parece
cronometrar sua entrada com o que quer que Beckett esteja
dizendo no vídeo.
Quando o vídeo se repete novamente, ela me empurra uma
vez – com força – entre minhas escápulas. Eu me pego na
beirada da mesa e observo.
É uma gravação estranha. O ângulo da câmera está um
pouco fora de eixo, deixando-o torto no centro da tela. Um de
seus dedos está cobrindo levemente a câmera, um halo de
obstrução no canto superior. Mas isso só torna melhor, a
imperfeição disso.
— Ei — ele começa, uma carranca feroz em seu rosto. Uma
risada imediatamente explode em mim. Somente Beckett para
fazer essa sílaba soar tão relutante. Extremidades afiadas. Um
resmungo. Sua voz é tão profunda através dos alto-falantes nos
cantos da sala que quase posso senti-la, bem na parte de trás do
meu pescoço. A maneira como ele rola para fora dela, o
formigamento contra a minha pele quando ele está pressionado
todo o caminho contra mim. — Eu sei que isso é... bem. Acho
que esse é o jeito covarde de fazer isso. Dizendo o que vou dizer
a você através de uma tela. Mas parecia... parecia apropriado
fazer assim. Para ser desconfortável.
Eu assisto enquanto ele engole e olha para cima, por cima da
câmera. Posso ver as árvores atrás dele e o imagino lá fora nos
campos, terra nas palmas das mãos.
— Eu não tenho feito isso com você, tenho? Saindo da
minha zona de conforto — Seus olhos voltam para a tela. —
Estamos sentados na minha varanda dos fundos há semanas,
Evie. Apenas observando o movimento do sol. Estamos
fazendo as coisas como eu queria fazê-las.
Eu também, quero dizer a ele. Eu não queria estar em
nenhum outro lugar a não ser naquela varanda com você.
Ele solta um suspiro profundo e tempestuoso e sua boca se
curva na borda, apenas um toque. Arrependimento, parece.
— Então eu pensei– eu não sei. Acho que pensei que fazer
de você uma dessas coisas que eu quero seria um começo para
pedir desculpas, pelo jeito que deixei as coisas. A última vez que
estivemos juntos, eu disse que não podia continuar vendo você
ir embora. Você me disse para pedir para ficar, e eu não pedi.
Eu estava tendo problemas com a possibilidade de você querer.
Eu pensei: “como alguém como Evie poderia querer estar aqui?
Comigo?” — Ele faz uma pausa e passa a mão sobre o coração.
Meu próprio palpita em resposta. — Eu escondi tanto de você.
A esperança ilumina cada centímetro de mim, meu coração
na garganta. Eu ignoro todos os outros na sala e dou um passo
para mais perto da tela, olhando para aqueles olhos azul-
esverdeados, de alguma forma da mesma cor do céu acima dele
e das árvores atrás dele.
— Então, isso é… eu estou pedindo para você ficar desta vez
— ele murmura. — Estou tentando fazer o certo. Venha para
casa, amor. Fica comigo um pouco. Farei os muffins que você
gosta e não direi nada sobre você roubar minhas meias. Vamos
sentar na varanda e eu vou falar sobre as estrelas. Trarei flores
todos os dias. — Ele coça atrás da orelha e move o telefone, um
farfalhar de tecido contra o alto-falante inferior.
— Me desculpe que eu não disse essa próxima parte — Ele
dá à câmera um sorriso, os dedos contra sua mandíbula. —
Quero que fique comigo. Você pode ir embora quando
precisar. Desde que você volte quando terminar.
Agarro o encosto da cadeira à minha frente, minhas mãos
agarrando a borda superior até meus dedos ficarem brancos. Eu
gostaria de estar na frente dele. Eu gostaria de poder traçar essas
linhas por seus olhos e pisar entre seus pés, pressionar minha
palma em seu pescoço e guiar sua boca para a minha.
Ele pisca e seu olhar tropeça em outro lugar, outra pausa
prolongada. Seus olhos se voltam para o telefone com uma
pincelada de cor em suas bochechas, um sorriso tímido que se
curva lentamente sob minhas costelas.
— Tudo bem, bem. É isso, eu acho. — Ele dá de ombros,
um pouco inseguro. — Eu sei que você voltou aqui porque
estava procurando a sua felicidade. Mas, Evie, você me deu a
minha enquanto procurava a sua e acho que é justo se eu tentar
retribuir o favor. Eu estarei, uh… — ele engole em torno de suas
palavras – procurando, eu sei, as corretas. — Estarei aqui. Você
sabe onde me encontrar — Ele olha para o telefone como se
desejasse que fosse eu. — Tchau.
O vídeo é interrompido com uma confusão, seus
movimentos sem prática, seu rosto carrancudo é a última coisa
que vejo antes do vídeo se repetir – de volta para ele de pé sob
o sol.
Fico ali naquela pequena sala de conferências e assisto de
novo. De novo e de novo e de novo. Sinto os olhos das outras
pessoas na sala enquanto me observam para uma reação. Tenho
certeza de que alguns deles estão com suas câmeras.
Mas eu não me importo.
Eu só vejo Beckett e as sombras escuras sob seus olhos que
me dizem que ele não tem dormido muito, o jeito que a luz do
sol pega em seu cabelo e o faz parecer mais claro – uma auréola
de ouro ao redor dele. Eu catalogo as linhas de seu rosto e a
forma como as linhas de seus olhos se aprofundam quando ele
diz: venha para casa, amor.
Sinto essas palavras derreterem contra mim.
Eu firmo meu aperto na minha bolsa quando um sorriso
começa a florescer em meus lábios. Como as flores silvestres
naquele campo na beira da fazenda, meu rosto se inclinou para
o sol.
Estou a caminho.
— Para que conste — Josie aparece ao meu lado com o
telefone frouxamente preso na palma da mão. Ele fica
pendurado ao lado dela zumbindo enquanto seu queixo
encontra meu ombro. Ela o ignora e, em vez disso, suspira feliz
quando Beckett de três metros coça uma vez sob sua
mandíbula. — Eu gosto mais do plano dele.
Vinte e três

BECKETT
ESTOU TENDO ARREPENDIMENTOS.
Não pelo que eu disse, mas pelo...
— Cara, você me fez chorar.
Eu grunho e ignoro Gus, jogando uma caixa de macarrão no
meu carrinho. Por alguma razão, decidi que hoje é o dia de
quebrar minha regra tácita de fazer compras na calada da noite.
Uma tentativa, provavelmente, de me integrar à cidade como
Evie sempre me encorajava a fazer.
Evie, de quem não ouvi uma palavra desde que postei aquele
vídeo há quase doze horas.
Eu ouvi do resto dos Estados Unidos continentais, no
entanto. Um monte de outros países também. Meu telefone
está tocando sem parar desde que decidi me destacar no meio
dos campos com meu telefone como um idiota.
Eu queria fazer algo fora da minha zona de conforto. Eu
queria que Evelyn visse aquele vídeo e percebesse que eu... vou
tentar. Vaguei até o lugar com os carvalhos imponentes só
porque isso me fez sentir melhor – ficar ali entre eles e lembrar
do jeito que Evie parecia ao luar. Com o cabelo emaranhado
sobre o cobertor e estrelas nos olhos.
Levei algumas tentativas para acertar. Eu tive que parar de
pensar tanto nisso, fechar os olhos e fingir que ela estava bem
na minha frente. Vento em seu cabelo, lábios vermelho-rubi, o
sol fazendo sua pele marrom brilhar. Foi fácil quando eu falei
sobre isso assim.
Eu não me incomodei em assistir de volta antes de postar e
não reuni coragem para assistir novamente. Tive de perguntar
a Stella se fiz algo estranho. Ela balançou a cabeça sem palavras
com os olhos cheios de lágrimas. Não exatamente um impulso
de confiança. Não tenho explicação para os milhares de novos
seguidores na minha conta apresentando exatamente um vídeo.
Ou às centenas de milhares de comentários que são ao mesmo
tempo confusos e aterrorizantes em sua paixão e entusiasmo
abjetos.
Eu jogo outra caixa de macarrão no meu carrinho. Gus me
segue pelo corredor.
— Foi poético. Só... — ele faz algum tipo de gesto com a
mão que não consigo interpretar. Seu dedo e o polegar se
apertaram e... não tenho ideia. Eu não quero saber,
francamente. — Quem diria que você era tão eloquente sob
todos aqueles grunhidos?
Eu luto contra a vontade de grunhir em resposta e dirijo
meu carrinho pela beirada do corredor. Gus me deixa por doces
e cerveja enquanto eu debato a geléia de morango na tampa.
Evelyn gostou e eu fiquei sem três dias antes de ela ir embora.
Pego um pote e o coloco delicadamente ao lado de uma caixa
de suco de laranja e três pacotes de biscoitos de chocolate. Eu a
encaro lá no meu carrinho como o saco triste em que me
transformei.
Um pouco de esperança nunca fez mal a ninguém,
raciocino.
Embora essa esperança esteja rapidamente circulando pelo
ralo enquanto o silêncio se estende entre nós.
Talvez ela não tenha visto o vídeo? Acho isso difícil de
acreditar, considerando sua profissão e o fato de que todas as
outras pessoas vivas no universo assistiram pelo menos três
vezes.
Talvez ela tenha visto e deixado cair o telefone em outro
corpo de água estagnado. Ou talvez ela viu e comentou no post.
Eu não descobri como ver se ela o fez ou não, e estou muito
envergonhado para pedir ajuda a Nova.
Talvez ela tenha assistido ao meu vídeo e pulou no próximo
avião que pudesse.
Ou talvez ela viu e riu, guardou o telefone no bolso e foi
cuidar de seus negócios.
— Tudo certo?
Eu pisco para longe dos cremes de café que eu parei na frente
e olho para o xerife Jones parado ao meu lado. É estranho vê-lo
sem uniforme, quase irreconhecível em uma camiseta velha dos
Orioles e jeans escuros.
— O quê?
— Você está olhando para a seção de laticínios como se ela
tivesse feito mal a você por cerca de sete minutos — Ele mastiga
um palito de dente. — Você gostaria de registrar uma
reclamação formal?
— Não. Eu estou… — Cansado. Perdendo a esperança.
Desconfortável que uma mulher em Cincinnati me chamasse
de seu pai gato do jardim de infância himbo13 na seção de
comentários de um vídeo destinado a exatamente uma mulher.
Não faço ideia do que isso significa, mas não soa bem. — …
bem.
Dane faz um som ofegante.
— Você já pareceu melhor.
Pego uma garrafa de creme de mocha de menta e olho para
ela. Não tenho certeza se isso ainda deveria estar nas prateleiras
em abril. Eu coloco de volta e pego uma caixa de meio a meio
em vez disso.
— Obrigado?
É realmente uma maravilha que eu prefira fazer compras no
meio da noite.
Dane pega minha garrafa descartada de mocha de menta e a
coloca em sua cesta. Quando eu olho para ele um pouco demais
por causa disso, ele levanta as duas sobrancelhas para mim.
— Você tem algo contra creme sazonal?
Eu dou de ombros.

13
Uma gíria para um homem atraente, mas pouco inteligente.
— Quando é a estação errada... sim.
Dane pega a garrafa e verifica a data de validade no fundo.
Seja lá o que ele vê deve ser reconfortante, porque ele coloca de
volta em sua coleção.
— Matty gosta — ele me diz.
Maravilhoso. Eu não poderia me importar menos.
Passo pelo xerife Jones até a fila do caixa e o silêncio feliz
além. Eu não quero ficar aqui e ter que jogar conversa fora por
nenhum segundo a mais. Estou cansado de pessoas falando
comigo. Estou cansado de pessoas me perguntando se estou
bem. Estou cansado de conselhos não solicitados. Neste ponto,
estou cansado de Layla deixando suas cestas de assados na
minha varanda todas as manhãs. Os montes de bolinhos de
pena na mesa da minha cozinha estão começando a me fazer
sentir um pouco patético.
— Ouvi dizer que Gus alugou sua casa — Dane oferece sem
olhar para cima, mexendo na seção de manteiga. Atrás dele,
vejo uma das crianças da pré-escola tentar escalar uma tela de
balão. Roma, acho que é o nome dela. — A amarela, logo atrás
da de Matty.
Um suspiro sai de mim de algum lugar no fundo do meu
peito. Eu conheço o lugar.
— Você quer dizer aquela com o telhado da varanda em que
ele caiu?
Dane bufa.
— Essa mesma.
Houve muita confusão naquele dia, imaginando quem
deveria dirigir a ambulância quando o paramédico da cidade
estava deitado em um monte de madeira quebrada no jardim
da frente.
— Toda a papelada foi assinada há alguns dias — acrescenta
Dane. — Isso é o que eu ouvi de qualquer maneira.
— Da árvore telefônica?
— Da árvore telefônica.
Dou mais um passo para mais perto da saída.
— Isso é bom.
— Ouvi dizer que a nova inquilina estava se mudando hoje,
na verdade.
Eu não me importo. Faço minha melhor aproximação de
um som vagamente interessado e continuo andando.
— Talvez você devesse parar por ali. — A voz de Dane
percorre o corredor. Quando me viro para olhar para ele, ele
está examinando um recipiente de cream cheese. Sua carranca
se aprofunda e suas sobrancelhas caem em uma linha reta em
sua testa. — Qual você acha que é o gosto de cream cheese batido
ao estilo de búfala?
Estou mais interessado em saber por que ele quer que eu
pare na casinha com margaridas no quintal.
— Alguém novo na cidade, hein?
Eu sou a última pessoa que alguém gostaria no comitê de
boas-vindas. Um lampejo de esperança ganha vida em meu
peito junto com uma dose saudável de suspeita. Dane joga o
cream cheese em sua cesta, bem ao lado do creme da estação não
apropriadamente temperado.
— Sim. — Ele estala a última letra da palavra.
— E eu deveria passar por ali?
Dane me dá um olhar.
— Você está tendo problemas para ouvir, Beckett? — Mas
seus olhos estão sorrindo, uma contração em sua boca que é o
mais próximo de um sorriso que o xerife Dane Jones consegue.
— Sim, eu acho que você deveria parar por ali.

EXCETO QUE NÃO HÁ ninguém na casa.


Nenhum carro na garagem, nenhum caminhão em
movimento no meio-fio. Ninguém atende a porta quando eu
bato. Eu me sinto ridículo aqui, ouvindo as cigarras
cantarolando nas árvores às minhas costas, minhas botas
arrastando-se pela nova varanda da frente que é... realmente
muito legal. Fico feliz que Gus não tenha destruído esta parte
da casa em sua busca para se tornar um especialista em reforma
de casas.
Eu cavo a base da minha mão na base do meu pescoço até
que eu sou o idiota de pé na varanda da frente de uma casa
aleatória no sol do início da tarde. Suspiro e volto para minha
caminhonete, me perguntando o que diabos Dane estava
falando no supermercado. Eu dirijo de volta para a fazenda com
um aperto na garganta e um pacote aberto de biscoitos de
chocolate no meu colo, as janelas totalmente abaixadas e o
fantasma da risada de Evie deslizando pelos assentos. Ela estava
tão bonita naquele dia, com o vento em seu cabelo, queixo
inclinado para cima e para trás. Eu queria beijar cada marca em
sua pele. Cada cicatriz, cada calcinha, cada linha que aparecia
com seu sorriso.
Aperfeiçoei um ritmo nos últimos dias. Eu acordo. Não me
permito ficar na cama por mais de alguns minutos. Entro na
cozinha para tomar café sem olhar para uma única coisa e então
me arrasto para os campos e deixo meu corpo assumir o
controle da minha mente. É o único lugar que posso suportar
sentir falta dela – onde há espaço suficiente para que ela saia do
meu peito. Dentro de casa, sinto-me preso. Olho para a cadeira
vazia ao meu lado e a saudade me rouba o fôlego.
Plantei mais na semana passada do que acho que plantei
durante todo o meu tempo na Lovelight Farms. Teremos
pimentões pelos próximos 750 anos.
Pego minhas compras e subo as escadas, ignorando a
bandeja de alumínio de... algo no degrau mais alto. Acho que
Layla está convencida de que uma alta de glicose vai me ajudar
a passar por esse momento difícil. Hesito com a chave na porta
e depois me inclino para trás para pegá-la, equilibrando-a em
cima de todo o resto. Sinto um cheiro de canela, o fundo da
bandeja ainda quente.
Ela pode não estar errada.
Quatro gatos me cumprimentam na porta, um coro de
grasnados da pequena área cercada da cozinha. Otis e os
gatinhos se deram bem um com o outro, Prancer adotando o
carinha como um dos seus. Minhas noites são passadas
assistindo quatro gatos tentarem ensinar um pato a miar,
cutucando seus ratinhos de feltro em seus pés palmados e
depois esfregando suas cabeças contra sua penugem felpuda.
Talvez eu devesse colocar isso no aplicativo de vídeo estúpido.
Eu guardei minhas compras em uma névoa. Leva apenas
alguns minutos para o silêncio parecer opressivo em vez de
reconfortante, pressionando meus ombros até que seja um
zumbido nos meus ouvidos. Nunca tive problemas com o
silêncio, mas agora sinto meu maxilar apertar na quietude da
casa. Eu me acostumei demais com os sons dela aqui comigo –
brigas sussurradas com Prancer sobre a posse do cachecol, o
tilintar de sua caneca contra a bancada.
Toda esta casa está banhada em memórias dela e não consigo
respirar por causa disso.
Então eu calço minhas botas e saio pela porta da frente,
metade das minhas compras ainda deixadas em desordem na
bancada. Meu peito afrouxa assim que meus pés estão no chão,
o aperto desaparecendo com o ar fresco e a luz do sol. Abro
caminho pela grama alta e observo as árvores balançando com
a brisa. A primavera chegou para valer depois de um longo
atraso, as flores e seu desabrochar com ela. Margaridas com suas
pétalas amarelas se abrindo para o sol. Acônito roxo brilhante
em cachos grossos na base dos carvalhos. Monarda escarlate e
violetas azuis precoces.
Estou ocupado pisando cuidadosamente em torno de
pequenas papoulas laranja brilhantes que brotam do chão em
lambidas de cores que quase não noto no início. Eu classifico
isso como ruído de fundo – um hábito da vida em uma fazenda
onde sempre há alguém fazendo alguma coisa.
Exceto que todo mundo já está em casa para o dia, e
terminamos o trabalho de campo horas atrás.
Eu inclino minha cabeça para cima e sombreio meu rosto
com minha mão. Eu pego uma figura na borda do campo. Alta.
Pernas longas por quilômetros. A parte de trás de seu pulso
pressionada contra sua testa.
Meu coração faz algo complicado no meu peito. Um
mergulho de nariz ou uma– uma queda livre. Eu realmente não
consigo me concentrar em nada além de…
Evelyn. De pé no meio do meu campo com uma pá,
vestindo um par de jeans desbotados e soltos e seu cabelo preso
em um rabo de cavalo. Por um segundo, acho que estou
alucinando. Uma fantasia induzida pelo açúcar. Sonhando de
novo, talvez. Mas então ela se endireita, joga a pá por cima do
ombro e grita comigo.
— Você sabe há quanto tempo eu estou aqui cavando
pedras?
Estou congelado com minhas botas plantadas no chão, um
pé na frente do outro, pego no meio do passo. Há uma sensação
no meu peito que é esmagadora, desconcertante, a explosão
mais brilhante do que as flores aos meus pés e o sol às minhas
costas. Eu mordo o canto da minha boca contra o meu sorriso.
Ela está olhando para mim como se eu a mantivesse
esperando. Uma inclinação de sobrancelha como se ela estivesse
chateada com isso também.
— Por que você está cavando pedras? — Eu grito de volta.
Eu mantenho meus pés se movendo para frente, impotente
para não fazê-lo. Paro a um braço de distância dela, meus olhos
sem saber o que focar primeiro. Seu cabelo bagunçado, um
brilho de suor em sua testa. Sujeira até os cotovelos e em uma
linha em sua camiseta branca. Parece que foi pessoalmente
beijada pelo sol, toda aquela pele simplesmente... brilhando.
Eu senti tanto a falta dela.
— O novato faz o dever da pedra, certo?
Eu limpo minha garganta e ignoro a implicação do que ela
está dizendo.
— Você tem falado com Jeremy?
— Jeremy tem falado comigo — ela corrige, sua voz rouca
que eu amo. — Todo mundo tem muitas ideias.
— Ideias sobre o quê?
— Sobre eu te dizer como eu te amo — ela diz
simplesmente, como se ela não estivesse dirigindo aquela pá no
centro do meu peito e abrindo minhas costelas para que toda a
sua luz do sol entrasse. Um sorriso começa em seus olhos,
cutucando seu lábio inferior até que ela está lá e sorrindo para
mim, parecendo todos os pensamentos felizes que eu já tive.
Dou um passo mais perto e ela inclina a cabeça para trás para
manter os olhos nos meus. — A sugestão de Josie envolve fogos
de artifício.
— Não precisa de fogos de artifício — eu deixo sair, minha
voz áspera e apertada. Minhas mãos doem para segurá-la. — Só
preciso de você.
— Eu disse que ia voltar — diz ela. Há um espaço perfeito
de sete centímetros entre nós e eu quero puxá-la para mais
perto, senti-la apoiada contra meu peito. Ela inclina a cabeça e
me considera. — Mas eu não disse o suficiente, e eu sei que você
aprecia ação sobre palavras. Eu vou provar isso para você. Estou
aqui. Eu vou ficar aqui. Você não precisava pedir.
— Eu pedi, no entanto — Cedo à tentação e arrasto meu
dedo mindinho contra o lado de sua mão. Todos os dedos dela
se contorcem no cabo da pá. — Eu precisava pedir. Porque as
palavras também são importantes. Você merece isso de mim.
Eu estou trabalhando nisso.
Ela sorri para mim, gentil e tímida e insuportavelmente
linda.
— Ok.
Eu concordo.
— Tudo bem.
— Adorei seu vídeo — ela me diz. Um sussurro – um
segredo – um rubor em suas bochechas que se aprofunda
enquanto eu desenrolo seus dedos um por um. — Quem diria
que você seria a sensação do TikTok entre nós, garoto da
fazenda?
Eu enrosco nossos dedos e seguro sua mão na minha.
— Eu senti sua falta — eu digo. — Eu senti tanto sua falta.
Eu sinto como se estivesse sentindo sua falta o tempo todo
desde que eu te conheço — Eu engulo em seco. — Também te
amo.
— Bem, você não precisa mais sentir minha falta — ela diz,
sua voz suave. Uma rajada de vento vem para pegar as palavras
de seus lábios e torcê-las para longe. Ela aperta minha mão e eu
reduzo pela metade o espaço entre nós, minhas botas contra as
dela. — Vamos ter que trabalhar nisso — Com a confusão
torcendo minha boca, ela esclarece. — Quando eu disse que
estava voltando. Você não acreditou em mim.
— Eu não acreditei.
Não me lembro de ter ouvido essa promessa, para ser
honesto. Eu estava muito focado no olhar em seu rosto quando
disse a ela que não me contentaria com pedaços. Que o que ela
estava disposta a me dar não era suficiente.
— Se isso for funcionar, você precisa confiar no que eu sinto
por você, ok? Eu nunca vou mentir para você.
Seus olhos castanhos procuram os meus e eu aceno.
— Estou trabalhando nisso também. Eu prometo.
— Bom — Ela inclina a cabeça para o lado, me
considerando. O sol brilha em sua pele e seu cabelo gruda em
seu pescoço. — Eu tenho um novo emprego, você sabe. Lá em
Durham.
A mudança de assunto me deixa agarrado. Eu pisco para ela,
confuso.
— Durham?
Eu não me importo se for na Antártida. Vou comprar uma
parka e aprender a falar pinguim.
Sua mão aperta novamente, uma pressão profunda de seu
polegar no centro da minha mão. Da mesma forma que faço
quando tudo ao meu redor está muito barulhento e preciso me
acalmar.
— Foi para lá que eu fui. Os escritórios estão sediados em
Durham, mas o trabalho é remoto. Eu preciso de uma mudança
e isso parece… isso parece certo. Finalmente.
— É?
— É — Ela coloca um pouco de cabelo atrás da orelha. —
Sabe, quando cheguei aqui, não tinha ideia de por que escolhi
este lugar. Mas acho que em algum lugar da minha cabeça ou
do meu coração, eu sabia que era onde eu precisava estar. Eu
preciso de algo mais lento, Beckett. Algo mais profundo. Um
lugar onde eu possa recuperar o fôlego e encontrar meu
equilíbrio — Ela segura minha mão com força. — Eu preciso
estar aqui. Eu quero estar aqui.
— Bom — Eu preciso dela aqui também. Quero-a aqui
tanto quanto.
— Tenho outra coisa para te dizer.
— Vamos ouvir, amor.
Não consigo imaginar nada melhor do que as palavras que
ela já me deu.
— É um pedido, na verdade — Seu sorriso é tímido, aquele
rubor mais profundo, seu corpo se movendo mais para o meu.
Ela enrola a mão livre em volta da minha nuca, as pontas dos
dedos vasculhando meu cabelo.
— Qualquer coisa que você quiser.
Ela fica na ponta dos pés até que seu nariz roça o meu. Até
que tudo, menos ela, esteja um pouco embaçado nas bordas.
Sua boca paira ali, a menos de um centímetro de distância. Eu
quero tanto beijá-la que minhas mãos tremem com isso. Ela
roça sua boca contra a minha e eu saboreio seu sorriso.
— Me pergunta — ela sussurra.
Não preciso que ela diga mais nada. Parece que estamos
caminhando lentamente para este exato ponto desde que entrei
pela porta de um bar, todos esses meses atrás.
— Amor — eu seguro seu rosto em minhas mãos e aliso
meus polegares em suas bochechas. Dou um beijo na ponta de
seu nariz, na pequena saliência no canto de sua boca. Fecho os
olhos e expiro. — Você achou sua felicidade hoje?
Eu sinto seu sorriso quando ela me beija.
— Sim — ela sussurra em minha boca. — Eu achei.
Epílogo

EVELYN
UM ANO DEPOIS

ABRIL

— EVIE — Ele murmura meu nome entre minhas escápulas


nuas, um sorriso dobrado em minha pele. — Acorde.
Eu gemo e me afundo ainda mais no travesseiro debaixo da
minha cabeça, ignorando o belo idiota em cima de mim. Meu
vôo de El Paso atrasou duas vezes e eu não parei em nossa
garagem até depois da meia-noite, Beckett dormindo na cadeira
perto da lareira. Ele tinha um livro aberto em seu peito e um
buquê de flores frescas em seu cotovelo, sua própria tradição
para quando eu chego em casa das viagens. Ele me diz que gosta
de me ver entrar pela porta. Que sua coisa favorita é envolver os
braços em volta da minha cintura e enfiar o nariz debaixo da
minha orelha, um silencioso senti sua falta pressionado contra
minha pele.
Palavras e ações, juntas.
Eu o venci desta vez, deslizando em seu colo e roçando as
palavras contra seus lábios. Ele tinha acordado aos poucos, seus
olhos sonolentos e turvos, mas suas mãos seguras em meus
quadris.
Agora, porém. Agora ele não está me deixando dormir.
— É hora de acordar — diz ele novamente com um leve
toque de seu nariz atrás da minha orelha. Eu soltei outro
gemido, mais alto desta vez, e me movi para a frente sob minha
montanha de cobertores para beliscar seu pulso com meus
dentes.
— Não.
Um grunhido sai dele de algum lugar no fundo de seu peito,
seu corpo ficando relaxado e flexível contra o meu. Estou
pressionada ainda mais no colchão, seus quadris me prendendo
através do edredom e dois cobertores com os quais ele insiste
em dormir.
— Isso provavelmente teve o efeito oposto que você queria,
amor — ele me diz, sua voz uma promessa áspera. Ele raspa os
dentes contra o meu pescoço com intenção, outra pressão e
rolo de seu corpo por cima do meu.
Eu sorrio no travesseiro.
— Não se meu objetivo é ficar nesta cama com você.
O pobre Gus só teve um inquilino naquela casinha
bonitinha por dois meses antes de eu quebrar meu contrato e
mudar todos os meus pertences para a cabana de Beckett. Eu
estava cansada de fingir que queria estar em qualquer outro
lugar, exceto em sua varanda dos fundos – pote de geleia na
mão e meus pés dobrados sob sua perna.
Nossas cadeiras estão muito mais próximas hoje em dia.
A mão de Beckett puxa o cobertor sobre meus ombros
enquanto ele deixa beijos demorados e indulgentes contra meu
pescoço. Sua palma pressiona debaixo de mim até encontrar
meu seio nu, apertando suavemente. Eu suspiro em meu
travesseiro e me viro debaixo dele.
Cabelo bagunçado. Peito nu. Um sorriso suave que é mais
bonito do que o luar entrando pela janela.
— Ei — ele me diz, sua mão ainda em concha ao meu redor.
Seus dedos puxam meu mamilo e minhas costas arqueiam.
Estico os braços acima da cabeça e ele observa sua jornada
com interesse. Eu torço minhas mãos em torno das ripas na
cabeceira da cama e ele faz um som de dor, baixo em seu peito.
Eu sorrio.
— Oi.
— Você deveria colocar algumas roupas — diz ele, a outra
mão no meu quadril, apertando e acariciando e contradizendo
sua declaração.
— É?
Ele acena com a cabeça, mas não move as mãos. Ele traça a
pele macia entre meus seios e seus olhos tropeçam para ver a
resposta em minha respiração.
— É — ele responde.
— Tem certeza disso?
Sua cabeça se inclina para o lado e sua língua aparece no
canto da boca, entregando-se a outra carícia da minha pele
macia. Eu traço meus dedos sobre o inchaço cheio de seu lábio
inferior e nós dois estremecemos com um gemido quando ele
pega meu polegar em sua boca, morde uma vez. Ele se levanta
de joelhos, um tecido esticado na frente de sua calça de
moletom.
Ele tira as mãos de mim e dá um tapinha no meu quadril.
— Você é perigosa.
Sento-me para segui-lo e roço um beijo contra a pele quente
de seu ombro.
— Você começou isso.
Ele pega meu queixo em sua mão e guia meu rosto para o
dele. Ele me beija lenta e profundamente até que eu estou
inclinada para ele, minha pele nua dobrada contra a dele.
— Eu vou terminar também — diz ele contra a minha boca.
— Depois de observarmos o céu um pouco.
Isso mesmo. Sua chuva de meteoros. Está colada na frente
da geladeira há meses, circulado em vermelho brilhante.
Eu deixo cair minha testa em sua clavícula e ele passa os
dedos pelo meu cabelo.
— Nós não precisamos — ele diz baixinho depois de um
segundo de mim esfregando meus dedos contra meus olhos. Ele
dá um beijo na minha testa. — Se você estiver cansada.
— Não, eu quero. — Ele tem estado tão animado. Outro
bocejo torce pelo meu corpo e eu estremeço nele. — Mas eu
estou vestindo seu moletom.
Ele cantarola.
— Tudo bem, amor.
Eu sou desajeitada enquanto me visto, meias incompatíveis
e um velho par de calças de moletom, um dos moletons de
Beckett diminuindo meu corpo enquanto eu o puxo sobre
minha cabeça. Eu empurro o capuz do meu rosto e o pego
olhando, inclinando-se contra a porta.
— O quê? — Eu empurro meu cabelo para fora do meu
rosto. Ele está olhando para mim como se eu fosse tudo o que
ele sempre quis. Tudo o que ele sempre vai querer.
Eu conheço o sentimento.
— Nada — Ele estende a mão e inclina a cabeça em direção
à porta. — Vem cá.
— Vem cá, o quê? — Eu rio, mas minha mão já está na dele.
Lembro-me de outra noite, nós dois sob as mesmas estrelas.
Juntos, deslizamos pelo corredor escuro e pela porta da frente,
nossas botas silenciosas contra a grama molhada. É uma noite
clara, as estrelas tão brilhantes que é como se eu pudesse
alcançá-las e tocá-las – uma coleção de diamantes em um mar
negro. Eu inclino meu rosto para o céu noturno e observo
enquanto caminhamos, esperando por um clarão de luz.
A mão de Beckett segura minha bochecha e ele guia meu
rosto para baixo até que eu esteja olhando para ele ao invés das
estrelas. Ele balança a cabeça uma vez.
— Ainda não.
Eu franzo a testa para ele.
— Não deveríamos estar assistindo a uma chuva de
meteoros?
Seu polegar esfrega atrás da minha orelha enquanto ele me
puxa para frente, me chamando para andar um pouco mais.
Faço um som descontente baixinho e ele faz o possível para
esconder o sorriso.
— Ainda não.
— Eu posso ver o céu muito bem aqui.
— Não muito mais longe.
Eu sei para onde estamos indo assim que chegamos ao topo
da segunda colina, o caminho para este trecho de campo uma
rota bem desgastada em minha mente. Não passamos uma
semana desde que me mudei sem visitar. Almoços de
piquenique e bebidas tarde da noite em um cobertor puído.
Pele nua ao luar, a boca de Beckett quente contra a minha.
Eu tremo novamente e Beckett me dá um olhar por cima do
ombro, uma sobrancelha saltando de interesse.
— Olhos na estrada — digo a ele e ele ri na minha frente, os
dedos enfiando os meus. Andamos e andamos e andamos até
que finalmente chegamos à clareira com as duas árvores
gigantes, seus galhos curvados para cima e para fora como se
estivessem dando as boas-vindas ao céu em seus braços enormes
e oscilantes.
Beckett me puxa para frente e me coloca na frente dele. Ele
enrola os dois braços sobre meus ombros e descansa a palma da
mão sobre o meu coração.
— Olha — ele instrui, e nós inclinamos nossas cabeças
juntos, os olhos fixos nas estrelas.
O céu permanece parado enquanto estamos ali juntos, o
farfalhar das árvores e nossa respiração suave são os únicos sons
da noite. Eu sinto que meus olhos estão tão arregalados quanto
possível, não querendo perder uma única coisa. A mão de
Beckett aperta meu pulso, a outra mergulha na gola de seu
moletom para pressionar contra a pele quente.
— Olha — ele diz novamente, um sussurro. Eu sinto seu
sorriso contra minha orelha e assim mesmo – mágica.
Vejo algo riscar o céu, tão rápido que quase perco. Uma
explosão de luz e um clarão brilhante de dourado seguido de
verde, como uma faísca pegando fogo. Minha respiração falha
e o aperto de Beckett em mim aumenta.
Eu assisto enquanto outra aparece. E depois outra. Outra –
uma cascata de luz dançando no céu acima de nós.
— Me pergunta — Beckett diz de repente, sua voz baixa em
meu ouvido.
Eu inclino minha cabeça para trás até que eu possa ver seu
rosto, um pano de fundo de um bilhão de estrelas em forma de
auréola atrás de sua cabeça. Outro meteoro brilha no céu
noturno acima dele e eu faço meu desejo para aquele,
exatamente assim, embrulhada em Beckett com minhas mãos
agarradas com força.
Eu olho para ele olhando para mim, aqui no campo onde ele
me beijou como se fosse a primeira vez. Eu balancei minha
cabeça, meu cabelo emaranhando e puxando contra sua
camisa.
— Eu não preciso.
Porque eu sinto isso toda vez que ele me traz uma caneca de
chá na varanda, ou desliza um par grosso de suas meias sobre
meus pés frios. Em cada nota manuscrita e bule de café e toque
na minha pele nua na quietude da noite. Nos passeios descendo
a estrada de terra que leva à fazenda, todas as janelas abaixadas
e meu cabelo ao vento. Em cada rosto familiar que passamos no
caminho para a cidade, uma chamada do meu nome e um
aceno feliz, a mão de Beckett quente e reconfortante na minha.
Na pequena tatuagem de um limão na parte interna do meu
antebraço – no mesmo lugar em que ele lambeu uma linha de
sal da minha pele na primeira noite em que nos conhecemos.
Um presente de aniversário que o fez rir tanto que ele caiu da
cadeira.
Na tatuagem de algumas tulipas mal desenhadas, logo acima
do coração.
Eu não pergunto, porque eu não preciso.
Ele encontrou sua felicidade em mim.
Como eu encontrei a minha nele.
Em nós.
Nisso.

FIM
Obrigada

Meu primeiro agradecimento, como sempre, vai para você.


Fiquei impressionada com a bondade e generosidade de
completos estranhos. Não há palavras para explicar o que
significa isso para mim. Obrigada por dar ao meu livro um
pouco do seu tempo. Como autora independente, significa o
mundo. Eu leio todos os comentários, todas as tags, todas as
legendas e todas as resenhas. Do fundo do meu coração muito
cheio, obrigada. Espero que este livro tenha sido o abraço que
você precisava.

Gostaria de agradecer a todos os meus amigos e familiares pelo


apoio cego que deram ao meu primeiro livro, sem perceber que
era um romance. Em particular, todos os meus colegas de
trabalho, os professores da escola em que minha irmã trabalha
e os amigos do meu marido. Espero que tenham gostado dos
capítulos doze, dezesseis e vinte.

Sam. Obrigada por pegar cada palavra vomitada do e-mail que


te enviei e por transformá-las em algo bonito. Você fez meus
sonhos de capa se tornarem realidade, apesar de provavelmente
ter me odiado por alguns dias em dezembro.

Annie. Todo livro começa e termina com você. Obrigada por


me fazer melhor, por responder a todas as minhas doze mil
mensagens de texto em pânico e por me distrair com coisas que
eu não deveria estar olhando enquanto escrevia um livro.
Vamos fazer isso para sempre. Eu te amo muito.

Sarah. Conseguir compartilhar isso com você foi a melhor


coisa. Obrigada por gritar comigo em suas edições enquanto
simultaneamente corrigia minha gramática. Falar com você
sobre personagens e livros e headcanons sempre será minha
coisa favorita. Te amo para sempre.

Eliza. Você é a melhor mulher de hype que uma garota poderia


pedir. Tenho sorte de ser sua irmã.

E. Você me dá minha felicidade todos os dias. A última página


deste livro é para você. Eu te amo.

Ro. Você tornou isso difícil, garoto. obrigada por voltar a tirar
sonecas enquanto eu escrevia a segunda metade deste livro.
Estou tão orgulhosa de ser sua mãe, mas também talvez durma
mais.

Eu não poderia fazer nada disso sem todos vocês.

Você também pode gostar