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Tabela de Conteúdos

Dedicatória
Epígrafe
Aviso — bwc
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Epílogo
Obrigada
Dedicatória

Para E, minha história de amor favorita.


E para Ro, o melhor felizes para sempre.
Epígrafe

“A véspera de Natal irá me encontrar


Onde a luz do amor brilha.
Eu estarei em casa para o Natal
Mesmo que apenas nos meus sonhos.”
Aviso — bwc

Essa presente tradução é de autoria pelo grupo Bookworm’s Cafe. Nosso grupo
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sabem ler em inglês.
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construtiva e sem desrespeitar o trabalho da nossa equipe.
Um

— Luka, escuta — eu me inclino para trás na minha cadeira e vasculho pela


pilha de papéis no armário de arquivos atrás de mim, xingando baixinho quando
as pontas dos meus dedos mal encostam a beirada e os papéis caem em cascata no
chão em uma enxurrada de cor branca. — Escuta, eu preciso que você pare de
falar sobre pizza por um segundo.
Há uma pausa do outro lado da linha.
— Eu estava chegando à parte boa.
O que significa que ele estava chegando à parte em que fala
interminavelmente sobre queijo caseiro, e eu acho que não consigo lidar com ele
falando sobre muçarela tão detalhadamente nesse momento. Como um Analista
de Dados, Luka é ridiculamente meticuloso com tudo. Especialmente com
queijo. Esfrego a dor entre minhas sobrancelhas.
— Eu sei que você estava chegando, me desculpa, mas eu tenho outra coisa
para falar com você.
— Tudo bem? — Há uma buzina ao fundo, um xingamento abafado vindo
de Luka e o som constante da sua seta enquanto ele entra em outra faixa.
— Está tudo… bem. — Eu olho para as planilhas de orçamento espalhadas
pelo meu chão e estremeço. — Está bem. Tudo ok, na verdade. Eu só... — A
breve confiança com que entrei nessa conversa me abandona e eu afundo na
minha cadeira. Todas as vezes que liguei para Luka esta semana ou as vezes em
que Luka me ligou, eu amarelei. Acho que desta vez não vai ser diferente. — Na
verdade, eu preciso ir. Um dos meus fornecedores está me ligando. — Eu franzo
a testa para mim mesma pelo reflexo na tela do meu computador. Tenho olheiras
abaixo dos meus olhos, todo o meu lábio inferior está vermelho brilhante de
mastigá-lo de nervosismo, e minha massa de cabelo preto está torcida em um
coque que parece mais adequado para uma boneca assombrada da era vitoriana.
Eu pareço tão instável quanto as nossas folhas de orçamento.
— Nenhum dos seus fornecedores está ligando para você, mas vou entrar na
onda por enquanto. — Luka parece entretido. — Me liga quando terminar de
trabalhar, ok? Podemos conversar sobre o que quer que você esteja enrolando a
semana toda.
Minha imagem no reflexo franze a testa mais profundamente.
— Pode ser.
Ele ri.
— Fala logo.
Eu desligo o meu telefone e resisto a vontade de arremessá-lo do outro lado
da sala. Luka tem um talento especial para me desvendar, e eu não quero isso
agora. Eu não quero isso nunca, sendo sincera, com medo do que ele irá
encontrar quando começar a conectar todos os pontinhos de informações.
Meu celular vibra na palma da minha mão com uma mensagem recebida e eu
o viro para baixo em cima de uma pilha de faturas. Ele vibra de novo e eu aperto
a ponte do meu nariz.
Com as nossas finanças do jeito que estão, estou ficando sem opções
rapidamente. Eu pensei… eu acho que pensei que ser dona de uma fazenda de
árvores de Natal seria romântico.
Eu tinha grandes sonhos com feriados cheios de magia. Crianças correndo
através das árvores. Pais roubando beijos por cima de suas canecas de chocolate
quente. Todas as coisas sobre as quais as canções de Natal são escritas. Casais
jovens sendo pegos sob o visco. Luzes penduradas no teto e meias grandes.
Grades de madeira pintadas de vermelho e branco. Biscoitos de gengibre. Palitos
de hortelã.
E no começo, foi ótimo. Nossa temporada de abertura foi tão mágica quanto
possível.
Mas desde então, tem sido uma coisa atrás da outra.
Estou cheia de dívidas com um fornecedor de fertilizantes que,
convenientemente, esquece minha remessa a cada dois meses. Eu tenho um pasto
inteiro de árvores que parecem ter saído de um filme do Tim Burton, e há uma
família de guaxinins orquestrando uma invasão ao meu celeiro de Papai Noel.
Resumidamente: não é um conto de fadas de inverno.
É um cenário infernal apático do qual ninguém pode escapar, decorado com
um lindo laço vermelho.
Eu me sinto enganada. Não apenas por todos os filmes da Hallmark que eu
já assisti, mas também pelo antigo proprietário desse terreno. Hank não
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mencionou que parou de pagar as suas contas meses atrás, e que como a nova
proprietária, eu herdaria suas dívidas. Na época, pensei que eu tinha feito um
bom negócio. O terreno estava a um bom preço e eu tinha ideias interessantes
para expansões e marketing. Com um pouco de amor, essa pequena fazenda
poderia causar um grande impacto. Agora, entretanto, eu apenas me sinto uma
idiota. Sinto que ignorei várias bandeiras vermelhas no meu desejo de criar algo
especial.
Fiquei cega pelo Abeto de Douglas1.
Mas eu tenho uma solução. Eu só não tenho certeza se o e-mail na parte de
cima da minha caixa de entrada é algo que estou disposta a explorar.
Sinceramente, neste momento, colecionar os meus próprios órgãos parece
menos assustador.
— Estelle.
Eu pulo quando Beckett acotovela seu caminho até o meu escritório, meu
braço derrubando o meu café, uma samambaia meio morta e uma pilha de
purificadores de ar com cheiro de pinheiro. Tudo cai no chão em cima dos meus
arquivos destruídos. Eu franzo a testa para meu fazendeiro líder por causa da
bagunça.
— Beckett — eu suspiro, e a dor de cabeça pressionando a parte de trás dos
meus olhos se espalha, enrolando-se até a base do meu crânio. O homem é
fisicamente incapaz de entrar em uma sala de uma forma normal e discreta. Seus
joelhos estão cobertos de lama e minha carranca se aprofunda. Ele
provavelmente estava no pasto sul. — O que foi agora?
Ele passa por cima da pilha de plantas, papéis e café e espreme o seu corpo
grande na cadeira em frente à minha mesa, uma coisa de couro horrível e muito
pequena que encontrei na beira da estrada. Eu queria estofá-la novamente com
um rico veludo verde, mas então os guaxinins vieram. E então a cerca da estrada
desabou aleatoriamente duas vezes.
Então ali ficou. Couro rachado marrom horrível, com pedaços de estofado
derramando no chão. Parecia uma metáfora.
Beckett espia as samambaias desbotadas decorando o tapete, os papéis
enrolando nas bordas. Uma sobrancelha dispara para cima de sua testa.
— Se importa de explicar por que você tem 75 purificadores de ar de postos
de gasolina em seu escritório?
Confie em Beckett para esquecer um pedido de desculpas e, ao invés disso,
começe a vasculhar algo pessoal. Meu telefone vibra novamente. Três staccatos2
seguidos um do outro. Ou é a dissertação de Luka sobre a consistência da massa
de pizza ou é outro fornecedor cobrando um atraso no pagamento.
A sobrancelha de Beckett sobe mais alto.
— Ou talvez a opção número dois. Importa-se de explicar o porquê de você
estar ignorando Luka?
Eu odeio quando Beckett está se sentindo espertinho. Quase sempre acaba
mal para mim. Ele é muito astuto para seu próprio bem, apesar do papel de
fazendeiro idiota que desempenha o tempo todo. Eu me abaixo e pego um
purificador, jogando-o na gaveta de baixo da minha mesa com o restante. Uma
grande confusão de cordas emaranhadas, pinho velho e sentimentos não
correspondidos. Um pinheiro para cada vez que Luka esteve em casa, começando
quando tínhamos vinte e um anos e éramos idiotas. Normalmente os encontro
uma ou duas semanas depois de ele partir, enfiados em algum esconderijo.
Debaixo do meu globo de neve, debaixo do meu teclado.
Enfiados no meu filtro de café.
— Eu não estou e não vou explicar — murmuro. Um “não” em ambas as
opções, obrigada. — Importa-se de explicar o que você descobriu lá esta manhã?
Beckett tira o chapéu e passa os dedos pelo cabelo loiro escuro, esfregando
uma ou duas manchas de sujeira ali. Sua pele é bronzeada pelo sol e por passar os
dias no campo, a flanela enrolada até os cotovelos exibindo uma cacofonia de
cores e tinta em seus antebraços. Todas as mulheres da cidade são loucas por ele,
e é provavelmente por isso que ele não vai à cidade.
Provavelmente também porque ele franziu a testa para mim quando sugeri
um calendário do Fazendeiro Gostosão para aumentar os lucros.
Juro, eu não teria preocupações financeiras se ele me deixasse colocar isso à
venda.
— Eu não entendo — ele murmura, um polegar esfregando em sua
mandíbula. Se Cindy Croswell estivesse aqui agora, cairia morta na hora. Ela
trabalha na farmácia e às vezes finge que tem problemas de audição quando Beck
entra, só para que ele tenha que se inclinar em seu espaço pessoal e gritar direto
em seu ouvido. Eu até vi aquela morcegona fingir tropeçar em uma prateleira
para que Beckett a ajudasse a ficar em pé. Sem sucesso.
— Essas árvores são provavelmente as de manutenção mais baixa que já tive
que manter. — Há uma piada em algum lugar, mas eu francamente não tenho
forças para isso. Meus lábios se inclinam para baixo até minha carranca espelhar a
dele. Dois palhaços tristes. — Não consigo pensar em um único motivo para as
árvores no pasto sul se parecerem que nem… que nem…
Penso em como as árvores que crescem na base das colinas se curvam e
dobram, a textura quebradiça da casca. As agulhas moles e tristes.
— Como uma versão mais sombria da árvore de Natal de Charlie Brown?
— Sim, é isso aí.
Por incrível que pareça, há um mercado para árvores de Natal de aparência
solitária. Mas estas não se encaixam nessa categoria. Estas são irrecuperáveis. Saí
outro dia e juro que uma delas se desfez quando olhei para ela. Não consigo
imaginar uma dessas coisas na casa de ninguém, ironicamente ou não. Eu puxo
meu lábio inferior com o polegar e faço alguns cálculos rápidos na minha cabeça.
Há dezenas de árvores naquele lote.
— Nós ficaremos bem sem elas? — Beckett parece preocupado e ele tem
todos os motivos para estar. É outro golpe que não podemos suportar. Como a
Chefe de Operações da fazenda, sei que lhe devo a verdade. Que estamos
pendurados por um fio. Mas não consigo forçar as palavras a saírem. Ele deu um
voto de fé quando largou seu emprego na fazenda para trabalhar aqui comigo.
Eu sei que está contando com isso ser um sucesso. Contando com o
cumprimento de todas as promessas que fiz para ele.
E até agora elas têm se cumprido, graças às minhas economias. Eu tive que
pechinchar e economizar e comer lámen mais noites do que não comi, mas
ninguém que trabalha aqui viu uma queda no salário. Não estou disposta a
sacrificar isso.
Mas isso não vai durar para sempre. Algo tem que acontecer em breve.
Eu olho de volta para a tela do meu computador, o e-mail no topo da minha
caixa de entrada.
— Bom — eu mastigo meu lábio inferior. Por um centavo, por uma libra, e
tudo mais. Se Beckett quiser que passemos pela próxima temporada com a
fazenda inteira, há algo que ele pode fazer. Respiro fundo e convoco os restinhos
de coragem que não me abandonaram durante minha ligação com Luka. —
Quer ser meu namorado?
Eu daria risada da expressão em seu rosto se não fosse tão sério. Parece que
lhe pedi para ir aos pomares e enterrar um cadáver.
— Isso é… — Ele se mexe na cadeira, o couro rangendo sob suas pernas. —
Stella, eu não estou… eu realmente não vejo você… você é como minha...
Quando foi a última vez que ouvi esse homem gaguejar? Eu sinceramente
não consigo pensar nisso. Talvez quando Betsey Johnson tentou se dar bem na
frente de um grupo de crianças da escola durante sua apresentação do Dia da
Árvore no ensino médio.
— Relaxa — eu pressiono a ponta da minha bota em outro purificador de ar
e o arrasto para mim. — Não estou me referindo a um namorado, na verdade.
Estou lutando para arrastar o pedaço de papel em minha direção, então não
vejo a maneira como o corpo de Beckett fica reto na cadeira. Tudo o que vejo é a
perna dele, pulando para cima e para baixo a um quilômetro por minuto. Eu
bufo. Quando olho para cima, seus olhos estão arregalados e parece que eu
coloquei uma arma em sua cabeça. É a mesma apreensão e mortificação veladas
que ele usa no rosto toda vez que pisa na cidade.
— Stella — ele engole. — Isso é… você está me pedindo em casamento?
— O quê? Ai, meu Deus, Beck… — Não posso evitar o estremecimento do
meu corpo inteiro. Eu amo Beckett, mas… Deus. — Não! Jesus, é isso que você
pensa de mim?!
— O que eu penso?! O que você pensa? — Sua voz atingiu uma nota que eu
nunca ouvi vindo dele antes. Ele gesticula descontroladamente com a mão,
claramente sem saber o que fazer consigo mesmo. — Isso tudo está um pouco
fora de controle, Stella!
— Eu quis dizer tipo uma coisa de namorado de mentira! — Eu grito, como
se isso fosse óbvio. Como se isso fosse uma coisa normal que as pessoas pedem a
seus amigos muito platônicos. Como se minha imaginação hiperativa e meia
garrafa de sauvignon blanc não tivessem me colocado nessa confusão para
começo de conversa. Eu clico para abrir o e-mail e olho para ele com tristeza,
ignorando os confetes animados que explodem na minha tela. Eu assisto três
vezes seguidas e finjo que os olhos de Beckett não estão perfurando um buraco
na lateral da minha cabeça no momento. — Eu fiz uma coisa — eu ofereço, e
deixo por isso mesmo.
— Uma coisa — ele repete.
Eu cantarolo em resposta.
— Você quer compartilhar o que é essa coisa?
Não.
— Eu…
Como se convocada por pura força de vontade, Layla entra na ponta dos pés
em meu escritório, uma bandeja de algo a precedendo na beirada da minha
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porta. Sinto cheiro de canela, airelas secas e uma pitada de baunilha.
Pão de abobrinha.
Como um anjo descendo dos céus, ela trouxe pão de abobrinha. A única
coisa que sempre, sempre distrai Beckett.
Beckett faz um barulho que é quase obsceno e eu vagamente considero gravá-
lo e colocá-lo no OnlyFans. Isso pode render alguns dólares: Fazendeiro Gostosão
Come Abobrinha. Eu rio para mim mesma. Ele avança na bandeja com mãos
gananciosas, mas Layla bate nos dedos dele com uma colher de pau que ela tira
do bolso de trás, acho? Ela equilibra a bandeja cuidadosamente na borda da
minha mesa. Eu olho para o pão e quase choro. Ela adicionou gotas de chocolate.
— Fiz algo para você, patroa.
Ela empurra a bandeja para frente com a ponta da colher e descansa o queixo
lindamente em uma mão.
Enquanto Beckett incorpora o papel de recluso robusto com todo o charme
de um saco de papel, Layla Dupree ilumina qualquer cômodo em que entra com
a sua doce hospitalidade sulista e suas maluquices. Ela é atraente com seus olhos
castanhos cristalinos e cabelos escuros curtos. Ela é gentil até com erros e faz o
melhor chocolate quente da área dos três estados. Eu a contratei para gerenciar as
opções de jantar na minha pequena fazenda de árvores assim que provei um de
seus biscoitos de chocolate na venda de bolos do quartel. Ela é a terceira
integrante do nosso humilde trio, e se está me trazendo doces, ela quer alguma
coisa.
Algo que eu provavelmente não posso pagar.
Enfio uma fatia de pão na boca antes que ela possa pedir, comprometida e
determinada a desfrutar de pelo menos uma coisinha antes de ter que dizer não a
ela.
Meu telefone também se aproveita, vibrando alegremente em minha mesa.
Layla pisca para ele, troca um olhar com Beckett, e então olha para mim.
— Por que você está ignorando o Luka?
— Eu não estou… — Um jato de migalhas douradas, escamosas e deliciosas
acompanham a minha negação. — Eu não estou ignorando Luka.
Soa mais como eum naum sto figuinorano ukeah.
Layla cantarola e rodopia.
— Então, eu estava pensando — ela começa. Bingo. — Se eu adicionar mais
um fogão no canto de trás da cozinha, podemos quase dobrar nossa produção.
Talvez até começar a fazer algumas coisas pré-embaladas se as pessoas quiserem
levar uma cestinha com elas para os pastos de árvores.
Beckett cruza os braços enquanto eu continuo mastigando minha mordida
enorme. Ignoro Layla por enquanto e o encaro nos olhos.
— Ainda está quente — digo a ele.
Ele geme.
Layla cede e revira os olhos, arrancando uma fatia de cima e oferecendo a ele.
— Se as pessoas começarem a deixar lixo nos pastos, eu vou ter um problema
com isso — Beckett resmunga. Ele enfia a fatia inteira de pão na boca e, em
seguida, desaba contra o encosto da cadeira em êxtase, o couro mais uma vez
soltando um guincho sinistro de derrota. Assim como estou prestes a fazer.
— Adorei a ideia, mas talvez precisemos suspender qualquer grande compra
agora. — Penso no triste número na minha conta poupança. Como mal
consegui cobrir as despesas operacionais no último trimestre.
O rosto de Layla entristece, sua mão se estendendo em direção à minha. Ela
toca meus dedos uma vez. É uma gentileza que não mereço, já que não fui
completamente sincera sobre como as coisas estão ruins agora.
— Estamos indo bem?
— Nós estamos indo… — Eu procuro uma palavra para categorizar
pendurados por um fio — … bem.
Beckett finalmente engole sua ridícula mordida de comida e chuta uma
perna.
— Na verdade, nós estávamos falando sobre isso. Stella me pediu em
casamento.
— Oh? Isso é interessante. Mas não entendo como isso afeta nosso status
operacional.
— Sim, eu também. Mas isso foi tudo o que eu consegui quando fiz a mesma
pergunta a ela.
— Eu posso ser pedida em casamento também?
Reviro os olhos e escolho não dignificar isso com uma resposta. Ao invés
disso, viro a tela do meu computador para que ambos possam ver os confetes
animados em toda a sua glória. Beckett nem pisca, mas Layla joga os dois braços
no ar com um grito agudo que me faz estremecer.
— Isso é de verdade? — Ela agarra as laterais da minha mesa e se aproxima, o
nariz praticamente pressionado contra a tela. — Você é finalista naquele negócio
de Evelyn St. James?
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Beckett olha o pão de abobrinha enquanto ele se equilibra precariamente na
beirada da minha mesa, olhos vidrados como se tivesse sido drogado.
— St. Aspirina o quê?
Layla bate na mão dele novamente sem nem mesmo olhar para ele.
— Ela é uma influenciadora.
Beckett faz uma careta.
— Isso é tipo uma coisa política?
— Como você existe neste século? Ela é grandona nas redes sociais. Ela fala
sobre destinos. Uma espécie de mini canal de viagens.
Sinto uma pequena explosão de orgulho. Ela é a influencer para falar sobre a
hospitalidade do destino. Conseguir uma publicidade na conta dela equivale a
milhares em gastos com anúncios, milhares para os quais nunca tivemos
orçamento. Isso transformaria nossa fazenda em um lugar que as pessoas querem
visitar, não apenas um ponto de parada para os moradores locais. E o prêmio em
dinheiro de US$ 100.000 para o vencedor de seus sorteios para pequenas
empresas nos manteria à tona por mais um ano, se não mais.
Pena que eu menti na minha inscrição.
— E onde o pedido de casamento se encaixa?
— Eu não… eu não pedi Beckett em casamento. — Viro a tela do meu
computador de volta e minimizo o e-mail. Eu bato meus dedos contra meus
lábios e me lembro da noite que me colocou nessa bagunça. Eu estava no
telefone com Luka, um pouco tonta com o vinho branco e a forma como seus
olhos se enrugavam nos cantos. Ele estava fazendo uma piada estúpida sobre
sanduíches de presunto e não conseguia parar de rir por tempo suficiente para
falar a coisa toda. Ainda não sei o lance. — Eu disse na inscrição que sou dona da
fazenda com meu namorado — murmuro. A cor aquece minhas bochechas.
Aposto que pareço tão vermelha quanto uma das portas do meu celeiro. —
Achei que seria mais romântico do que uma mulher triste e solitária que não vai
em um encontro há 17 meses.
— Espero por Deus que você esteja fazendo sexo sem sentido com alguém.
— Por que você precisa de um namorado para ser bem-sucedida?
Layla e Beckett falam um sobre o outro, embora, para ser justa, Layla faça um
esforço muito mais agressivo enquanto se impulsiona para frente na cadeira e
grita sua declaração sobre minha vida sexual. Ela cai para trás, mandíbula aberta,
com a mão pressionada dramaticamente sob o peito.
— Santo Cannoli, não é à toa que você é… — ela gesticula para mim com a
mão que segura a colher e eu luto para não corar em um tom mais profundo de
vermelho. Provavelmente estamos atingindo o território carmesim agora — … do
jeito que você é.
Eu me remexo na cadeira e prossigo. Eu não tenho que dizer a Layla que
namorar em uma cidade pequena tem suas complicações, muito menos começar
uma situação sem compromisso.
— Ela virá por cinco dias para uma entrevista presencial e nos divulgará em
suas contas sociais. A coisa do namorado, eu não sei. Acho que eu pensei que ter
um namorado faria este lugar parecer mais romântico. Ela adora coisas
românticas.
Beckett rouba outro pedaço de pão de abobrinha. Ele está se aproveitando do
choque interminável de Layla e da sua admiração pelo meu celibato.
— Bem, isso é idiota pra caralho.
Eu dou uma olhada nele.
— Obrigada, Beckett. Sua contribuição é útil.
— Sério — ele quebra sua fatia de pão de abobrinha em duas. — Você
tornou esse lugar incrível. Você. Por conta própria. Você deveria se orgulhar
disso. Adicionar um namorado não torna sua história mais ou menos
importante.
Eu pisco para ele.
— Às vezes eu esqueço que você tem três irmãs.
Ele dá de ombros.
— Apenas meus dois centavos.
— Tem certeza que não quer fingir que me acha irresistível por apenas uma
semana?
Layla balança a cabeça, finalmente voltando do seu estado de transe.
— Péssima ideia. Você já o viu tentar mentir para alguém? É horrível. Ele se
transforma em um bobo monossilábico toda vez que precisa ir à cidade fazer
compras.
É verdade. Eu tive que pegar o pedido dele no açougue mais de uma vez.
Estou convencida de que ele se tornou um agricultor apenas para ter que fazer
menos paradas no Save More. Beckett não gosta de pessoas, e ele especialmente
não gosta dos flertes descarados de metade da cidade sempre que ele visita. Às
vezes eu sinto que Layla e eu somos as únicas imunes à sua considerável falta de
charme, mas eu suponho que é isso que acontece quando você vê um homem
murmurando obscenidades para as árvores por metade do dia, todos os dias.
E quando seu coração está desesperadamente ansiando pela mesma pessoa há
quase dez anos.
Pego outra fatia de pão de abobrinha e começo a mordiscar, considerando
minhas opções. Minhas opções que-não-são-Luka. Eu poderia pedir para Jesse, o
dono do único bar da nossa cidade. Mas ele provavelmente pensaria que significa
mais do que realmente significa, e eu não tenho tempo ou energia para um falso
término no meu relacionamento falso. Eu poderia procurar serviços de
acompanhantes, talvez. Isso é uma coisa, né? Tipo, é para isso que os serviços de
acompanhantes existem? Para as pessoas… eu não sei, acompanharem outras
pessoas?
Eu pressiono meus dedos sob meus olhos, esquecendo que uma mão ainda
está segurando um pedaço de pão de abobrinha. Há uma resposta óbvia aqui. Ela
só… me assusta até a morte.
— Aí está — Beckett murmura, e é preciso cada fibra do meu ser para não
jogar este pão na cara dele. — Ela acabou de perceber.
— Eu não sei por que você está surtando. É uma solução simples. Ele faria
isso em um instante.
Olho para Layla por entre os dedos. Ela está ostentando um sorriso
presunçoso. Ela parece que deveria estar usando um monóculo e acariciando um
gato sem pelos, no estilo James Bond. O porquê eu sempre achei que ela era toda
doce, está além de mim. Ela é uma coisinha picante.
— Peça para o Luka.
Dois

Há esse bar que Luka e eu gostamos de ir na cidade. A cerveja é barata, o chão é


gosmento, e quando eu chuto a jukebox no canto inferior direito, ela toca Ella
Fitzgerald exatamente treze vezes seguidas. É perfeito.
Mas às vezes em um sábado à noite, quando o bar fica lotado e os corpos se
aproximam, eu tenho dificuldade em manter meu espaço pessoal. Encorajados
pelo uísque, é sempre inevitável que uma mão pouse na minha bunda ou que
alguma coisinha bonitinha e burra ache que é um presente de Deus e se deleite
olhando por baixo da minha blusa. E toda vez, Luka desliza a mão sobre meu
ombro, debaixo do meu cabelo, e a pressiona na minha nuca. Ele me puxa para
perto e descansa o queixo no topo da minha cabeça. Eu me encaixo
perfeitamente ali, dobrada perto de seu corpo. Eu encontro meu espaço.
Pensei nisso uma ou duas vezes na calada da noite. Como a sua mão se parece
pressionada na minha pele, sua palma gentilmente segurando a parte de trás da
minha cabeça, o movimento tanto possessivo quanto apreciador. Eu pensei em
como seria a sensação de seus dedos se apertando, se enfiando no meu cabelo, me
puxando e me inclinando até que sua boca encontrasse a minha.
Eu pensei em muitas coisas quando se trata de Luka. Coisas que você não
deveria pensar sobre o seu melhor amigo.
Nós nos conhecemos quando eu tinha vinte e um anos. Esbarrei com ele
quando estava saindo da loja de ferramentas, perdida em uma sombra de luto
que eu não conseguia me livrar. O luto se agarrou em mim como um cobertor
desconfortável e inflexível desde o falecimento de minha mãe, apenas três meses
antes. Lembro-me de estar em um dos corredores, segurando um conjunto de
porcas e parafusos que não combinavam, determinada a fazer algo com toda a
minha energia apática. Construir uma casinha para pássaros. Uma nova
prateleira para o corredor. Eu esbarrei em Luka nos degraus da frente quando eu
estava saindo e ele colocou as mãos ao redor dos meus cotovelos para me manter
firme. Lembro-me de olhar para o seu cabelo castanho cor de caramelo, que
estava apenas começando a encaracolar por baixo de seu boné de beisebol, a
forma como seu sorriso começava de um lado da boca antes do outro. Pareceu a
primeira vez em muito tempo que notei alguma coisa. Luka havia limpado a
garganta, estabilizado meus braços e perguntado se eu queria queijo grelhado.
Sem “oi”. Sem “como você está?”. Apenas um “quer ir comer um queijo
grelhado?”.
Não sei o que me fez dizer sim. Naquela época, eu mal estava falando com
pessoas que eu conhecia há anos. Eu estava apenas existindo, na melhor das
hipóteses. Enlouquecendo, na pior das hipóteses. Mas eu fui com Luka e comi
queijo grelhado no pequeno café da cidade. Acontece que sua mãe tinha acabado
de se mudar para Inglewild e ele a estava ajudando a se acomodar. Eu ofereci a ele
o conjunto de ferramentas que comprei e ele gaguejou uma risada surpresa.
Ainda consigo me lembrar do raspar de seus dedos contra minha palma
enquanto ele pegava a estúpida maçaneta de asa que eu havia comprado às cegas
Luka chamou isso de destino. Ele estava a caminho da loja para pegar aquela
exata ferramenta.
A partir desse momento, criamos uma rotina. Sempre que ele estava na
cidade, ele conseguia me encontrar e comíamos queijo grelhado. Queijo grelhado
se transformou em passeios à tarde pelo parque e mercados de fazendeiros logo
cedo pela manhã. Happy hours à tarde e noites de trivias. Suas viagens a
Inglewild tornaram-se mais frequentes e ele me convidou para visitá-lo se eu
estivesse em Nova Iorque. Tomei coragem e tentei, reservando uma passagem de
ônibus por impulso.
Luka preencheu os lugares vazios da minha vida devagarinho, com cuidado,
com o seu sorriso fácil e suas piadas idiotas. Ele me trouxe de volta à vida.
E tem sido assim desde então.
Frustrante e perfeitamente platônico.
Não seria diferente, tento dizer a mim mesma. Pedir a Luka para fingir por
cinco dias seria apenas… um amigo ajudando outro amigo. Eu faria o mesmo por
ele ou Beckett ou Layla. Não precisa… não precisa significar o que quer que a
minha mente pareça obcecada com o que isso significa.
Quando Layla fez a insinuação, não fora a primeira que pensei sobre isso.
Claro que eu já pensei nisso. Estou a semana toda tentando pedir para ele. Ele é o
motivo pelo qual eu escrevi isso para começo de conversa. Pode chamar isso de
desejo ou viver em uma fantasia, mas eu sei em quem eu estava pensando
quando digitei essas palavras.
Porém soa um pouquinho como cruzar uma linha que nós dois tivemos o
cuidado de manter. Uma linha que tenho sido absolutamente meticulosa em
meu desejo de manter. Luka é a primeira pessoa na minha vida que não
desapareceu. Ele é mais do que meu melhor amigo, ele é tradição e familiaridade.
Ele é tipo Pop Tarts caseiros no primeiro sábado do mês. Ele é tipo assistir a Duro
de Matar tarde da noite no calor pegajoso do verão, ambos os nossos celulares
apoiados em nossas respectivas mesas de centro. Ele é tipo pizza com cogumelos
extras e molho leve, uma crosta que tem que ser perfeita.
A relação que tenho com ele é a coisa mais próxima que tenho de uma
família. Eu não posso… eu não… arriscaria isso por uma chance de ver o que
poderíamos nos tornar.
Mesmo que eu fantasie. Mesmo que a razão pela qual eu não tenha estado
com ninguém em dezessete meses seja porque eu sempre inevitavelmente
comparo todos os homens com Luka, e sempre fico desapontada.
Mas talvez esta ideia, essa de fingirmos estar juntos, talvez essa seja a solução.
Depois de uma semana fingindo, eu finalmente posso tirar isso do meu sistema.
Tirar ele do meu sistema. Eu posso parar as fantasias e as comparações e
simplesmente seguir em frente.
Afinal, se fosse para algo ter acontecido com Luka, já não teria acontecido?
O pensamento dói como um hematoma antigo, um que eu pressiono no
meu polegar de vez em quando só para sentir a dor ensurdecedora dele. Porque a
verdade é que houve momentos em que eu pensei que ele também poderia
querer algo a mais. Às vezes, depois de uma noite de bebedeira, pego seu olhar se
demorando. Na curva do meu ombro ou na curva do meu lábio inferior. Seus
toques tornam-se mais livres. Uma mão no meu quadril enquanto ele me
balança ao redor da pequena pista de dança. Sua testa pressionada contra a
minha. Momentos congelados no tempo ao longo dos anos, sempre só por um
segundo ou dois. Mas sempre foi o suficiente para me fazer sentir que talvez ele
pudesse me querer do mesmo jeito que eu sempre o quis. Como mais que um
amigo.
Mais do que qualquer coisa.
Mas então eu pressiono aquele hematoma e digo para mim mesma que é
melhor assim.
Porque esse é o único jeito que eu consigo mantê-lo.
q j q g
— Eu não sei se ele estará na cidade nessa semana — eu respondo a Layla
depois de uma longa viagem pelas memórias, muito ciente de que é uma
desculpinha no máximo.
Ela me dá um olhar não impressionado.
— Ele mora a três horas de distância. Aliás, eu já não o vi duas vezes este mês?
Beckett decide que este é um bom momento para entrar na conversa.
— E você não pediu a ele para vir para cá para o cozimento de geleia de
morango em abril?
Eu afundo ainda mais na minha cadeira.
— Ele adora geleia de morango.
Beckett se levanta da pequena cadeira de couro e limpa as palmas das mãos
nas coxas. Ele se retirou oficialmente desta conversa. Mentalmente, ele está em
algum lugar no meio dos bálsamos, cantarolando uma melodia alegre, um pão
fresco de abobrinha embalado suavemente em suas mãos.
— Estou indo — ele anuncia e se vira. Layla pula para se juntar a ele e enrola
a mão em torno de seu cotovelo antes que ele possa ir muito longe. Ela aponta
um dedo ameaçador em minha direção.
— Peça para Luka, ou eu vou pedir por você.
Eu nem quero saber o que isso envolveria. Uma apresentação no PowerPoint,
provavelmente. Minha total e absoluta humilhação, provavelmente.
Como se fosse uma deixa, meu telefone vibra pela minha mesa. Dá um
vibração longa e violenta e depois para. Eu o viro com cuidado e olho para
minhas notificações, uma tempestade perfeita de ansiedade puxando as minhas
entranhas e rastejando sobre meus ombros.
7 mensagens
Luka Peters
3 mensagens
Charlie
1 mensagem
Charlie, Brian Milford, Elle Milford
Ah, merda. Poucas pessoas têm o pai nos contatos salvo com nome e
sobrenome completos, mas isso resume meu relacionamento com meu pai. Eu
decido lidar com isso primeiro.
16h32
Brian Milford: Teremos nosso jantar de Ação de Graças no primeiro fim de
semana de novembro. Estelle, você pode trazer uma torta de abóbora.
p
Eu posso trazer uma torta de abóbora. Incrível. Aposto que se eu fosse o tipo
de pessoa que guarda mensagens de texto, teria exatamente a mesma mensagem
neste exato dia, exatamente na mesma hora em que o ano passado. Na verdade,
não tenho certeza se meu pai já me enviou uma mensagem de texto além dessa
pequena pepita. Isso explica as três mensagens de texto de Charlie, então. Eu
apago o bate-papo em grupo com meu pai, sua esposa e meu meio-irmão e vou
direto para o próximo.
16h37
Charlie: Ele com certeza leva jeito com as palavras, né?
16h47
Charlie: Não deixe ele te atingir.
Charlie: Desafio você a trazer nozes-pecã.
Eu dou uma risada e mando um gif idiota, um com um cachorro e fogo que
resume os meus sentimentos gerais por ser convidada como uma criança
petulante. Meu pai e sua família não comemoram o Dia de Ação de Graças no
primeiro fim de semana de novembro, mas é para essa comemoração que sou
convidada, para que meu pai possa marcar sua caixinha de feriado anual. Talvez
isso alivie sua culpa pelo jeito que ele deixou a mim e a minha mãe sozinhas, ou
talvez Elle o obrigue fazer isso. Seja qual for o motivo, é sempre um jantar
dolorosamente estranho, interrompido apenas pelas tentativas bem-
intencionadas de Charlie de conversar e pelos resmungos mal-humorados do
meu pai.
Estarei definitivamente levando torta de nozes.
Eu abro as mensagens de Luka em seguida, o estresse do dia me alcançando.
Acho que esta noite será uma noite de vinho encaixotado, Sintonia de Amor, e
pizza na cama.
16h15
Luka: Como foi a ligação com o seu fornecedor?
Luka: A propósito, você fica fofa quando está mentindo para mim.
Luka: Além disso, por que há três episódios de Largados e Pelados baixados na
minha TV? Eu ainda sequer te conheço?
Às vezes esqueço que compartilhamos serviços de streaming. Graças a Deus
eu assisti aqueles filmes pornôs da Netflix na casa de Layla.
16h59
Luka: Charlie está me mandando mensagem sobre torta de nozes.
Luka: Querido Deus.
Q
Luka: Layla está fazendo tortas agora?
Eu não deveria sentir uma pontada de ciúme pela torta de nozes, mas aí está,
de qualquer forma. É a isso que Luka me reduz.
17h02
Luka: Sintonia de Amor está na HBO novamente.
Eu fecho meus olhos e pressiono meu telefone contra minha testa. Eu o bato
lá duas vezes e tomo uma decisão. Eu vou fazer isso. Eu vou pedir para ele. Vou
pedir para ele e vai ficar tudo bem.
17h31
Stella: Podemos fazer um FaceTime hoje à noite? Eu preciso de um favor.
Meu telefone toca quase que imediatamente, uma foto do Luka de cinco
anos atrás expandida na tela. É de quando eu o fiz experimentar sete pizzarias
diferentes em um dia porque não conseguia encontrar um molho que eu
gostasse. Na foto, ele está usando um chapéu idiota que parece uma fatia gigante
de pizza. Ele parece ridículo.
Eu amo.
Deixo tocar mais algumas vezes e tento incorporar uma versão mais forte de
mim mesma. Uma versão de mim que talvez ainda não tenha em sua camisa o
xarope de bordo dos waffles de estresse dessa manhã.
Eu consigo fazer isso. Consigo pedir a Luka essa coisa simples e nada precisa
mudar.
— E aí!
É excessivamente alegre e forçado, e imediatamente me deparo com um
silêncio ensurdecedor. Há um barulho abafado, uma porta se fechando e, em
seguida, um bufo.
— Você pode, por favor, me contar o que está acontecendo?
Eu mexo com um dos purificadores de ar de pinheiro que não joguei na
minha gaveta de baixo, torcendo o barbante para frente e para trás sobre meu
polegar.
— Como assim?
Sou oficialmente uma mentirosa patológica.
— Você tem agido estranho a semana toda.
— Eu não tenho.
— Você está sendo estranha agora — ele diz. Ele suspira novamente e eu
ouço um puff como se ele tivesse acabado de jogar seu corpo na cama. Imagino a
forma como suas longas pernas se esticam como uma estrela do mar, seus
g p
tornozelos pendurados na borda. — Vamos, La La. O que está acontecendo com
você? Não me lembro da última vez que você me pediu um favor.
Eu franzo a testa e me viro na cadeira, espiando pela grande janela que tem
vista para as árvores. Estamos bem isolados aqui. Mas se você percorrer a estreita
estrada de terra que leva à nossa fazenda, você encontrará a pequena cidade de
Inglewild. Cerca de vinte anos atrás, alguém tentou nomear Inglewild como
Pequena Florença, comparando-nos à cidade belíssima na Itália. Foi um esforço
para atrair mais turistas que passavam por D.C. ou por Baltimore, eu acho.
Infelizmente para essa campanha de marketing, não há exatamente semelhanças
entre Inglewild e Florença. Não rolou.
— Cerca de um mês e meio atrás — eu digo a ele. — Eu fiz você me trazer
três litros de sorvete de chocolate daquela loja na esquina do seu apartamento.
Você teve que comprar um cooler especial e tal.
Sua risada ressoa sobre a linha e se enfia bem entre minhas costelas.
— Ok, verdade. Mas você ainda está sendo estranha. E aí?
Meu estômago ronca e dou uma olhada no relógio. Há um lámen esperando
por mim na minha despensa. E não quero comer isso aqui, onde qualquer um
pode entrar. Prefiro ter uma taça de vinho na mão.
— Posso te ligar de volta quando chegar em casa? — Eu ganho tempo,
jogando o purificador na minha mesa. Eu tenho uma marca vermelha brilhante
no meu polegar por causa da cordinha. Aparentemente, eu quero tirar essa
ansiedade um pouco mais. — Estou prestes a partir.
— Bem, história engraçada — ele diz. — Na verdade, estou aqui na cidade
visitando a minha mãe. Posso passar na sua casa em vinte minutos?
Bosta.
— Sim, claro — eu digo fracamente, em pânico. Confie em Luka para fazer
isso. Lembro-me que ele é meu melhor amigo, e eu fiz coisas muito mais
embaraçosas em nosso longo relacionamento do que pedir a ele para ser meu
namorado falso. Como na vez em que vomitei em seu tapete de boas-vindas
depois de apostar com alguém que poderia consumir uma jarra inteira de um
vinho de procedência duvidosa. Ou quando cortei franja e usei um chapéu de
balde em todos os lugares em que fomos juntos por dezoito semanas. Eu engulo
os nervos. — Tudo bem.
Três

Mesmo que minha casa fique a uma curta distância do meu escritório, ainda
assim levo 45 minutos para me livrar dos e-mails, pegar minhas coisas e começar
minha caminhada para casa. Eu deixo uma nota para lembrar de falar com Hank
e ver se ele notou algum problema com as árvores no pasto sul. Ou se ele notou a
família de guaxinins destruindo o celeiro. Ou se teve problemas com o
distribuidor de fertilizantes.
E se sim, por que ele não me disse nada?
Porque ele sabia que este lugar era um poço de dinheiro e ele queria se mudar
para a Costa Rica com sua esposa. Minha mente relembra os pôsteres que tive
que retirar das paredes do escritório. Selvas verdes brilhantes e cachoeiras
exuberantes, praticamente desbotadas de branco pelo tempo em que ficaram
penduradas.
Eu não estava sendo exatamente sensata quando comprei este lugar. Cega
pela positividade, provavelmente. Focada demais na cabana bonitinha que fica
no canto da propriedade, visões de me aconchegar em frente à lareira de pedra
com uma caneca de chá dançando na minha cabeça. Imaginando a primeira neve
do ano, caminhando por fileiras e mais fileiras de árvores. Um lugar só meu. Um
lugar ao qual pertencer, finalmente.
Enquanto crescia, minha mãe e eu estávamos sempre em movimento,
perseguindo a próxima oportunidade. Eu tive dificuldades para encontrar
estabilidade quando aparecemos em uma nova cidade para um emprego de
garçonete ou para um emprego temporário durante a temporada. Não foi por
falta de tentativa da parte da minha mãe. Ela sempre fez o seu melhor para tornar
as coisas especiais e conectadas. Ela nos manteve em um lugar pelo tempo que
conseguiu, meticulosamente empacotando nossa pequena quantidade de coisas
enquanto nos arrastamos de um lugar para outro. Ela pendurou a plaquinha de
boas-vindas em ponto cruz no mesmo lugar todas as vezes, usou os mesmos
panos de prato pontilhados com limões e limas bordados. Mas sempre tive medo
de me enraizar, imaginando se seria à toa. Se no mês seguinte teria que
desenraizar e começar tudo do zero.
Uma rajada de vento sussurra através das árvores e levanta meu cabelo,
roçando minhas bochechas enquanto minhas botas esmagam as folhas dos
grandes Bordos que beiram a propriedade. Há uma trilha que serpenteia por um
pequeno campo e a borda externa do canteiro de abóboras que liga a casa ao
escritório. É uma caminhada de cinco minutos quando o tempo está bom, mas
me vejo andando mais devagar essa noite, observando a forma como o sol dança
mais baixo no céu, a luz refletindo nas folhas. Vermelhos, laranjas e amarelos
dançam em um caleidoscópio de cores ao meu redor.
Provavelmente não é coincidência eu ter comprado o lugar em Outubro. Há
um tipo especial de magia em noites como essa, um certo tipo de nostalgia
quando o passado se mistura com o presente e flerta com o futuro. Eu posso
sentir o cheiro da fumaça vinda da madeira usada na lareira que Beckett tem em
sua casa, situada na base das colinas, e ver a nuvem de fumaça que se ergue de sua
chaminé. Os galhos farfalham acima de mim e algumas corujas chirriam, um som
solene quando o sol se põe mais baixo. Por um único momento perfeito, sinto
que estou naquela foto que minha mãe costumava colar na parede de qualquer
apartamento que chamávamos de lar.
Uma fazenda. Um único trator vermelho. Uma garotinha com sujeira nos
joelhos e uma coleção perfeita de árvores de Natal atrás dela.
Tem sido um sonho antes mesmo de eu ter coragem de realizar sonhos.
Uma luz ao longe chama minha atenção, um brilho quente se projetando sob
a pedra na minha calçada. Enquanto dou a volta na última árvore que delimita a
borda da minha propriedade pessoal, minha porta da frente se abre e Luka sai,
descansando o ombro contra o corrimão. Ele parece quase comicamente grande
na pequena varanda na frente da minha pequena casa com minha pequena
toalha de cozinha entre as mãos. Ele a joga sob o ombro e cruza os pés nos
tornozelos, usando apenas meias. Sorrio quando percebo que ele está usando as
meias que comprei para ele no último Natal, aquelas com as garrafinhas de
sriracha3. Sua boca se ergue em um pequeno sorriso, aquele que puxa seu lábio
inferior um pouco mais para baixo e para a esquerda, o vento de outubro
despenteando seu cabelo infinitamente bagunçado. Seus calorosos olhos
castanhos refletem o sol se pondo, fazendo-os parecer quase âmbar na luz fraca.
— Agora estamos arrombando e entrando? — Acelero o passo, sentindo um
cheiro de tomate e manjericão. Se ele fez as almôndegas de sua avó, talvez eu
nunca o deixe ir embora.
— Não é arrombamento se você tiver uma chave — ele diz de volta. Eu rio e
seu sorriso se transforma em algo bonito. É um momento que quero gravar em
minha alma para as noites em que me sinto um pouco solitária e muito triste.
Respiro fundo e me agarro ao momento. Os rosas e roxos que sombreiam o seu
rosto, o esticamento de seu moletom no seu peito, seus pés com meias fazendo a
madeira envelhecida da minha varanda ranger. A magia está nos detalhes, minha
mãe sempre dizia. E esses detalhes são perfeitos.
Meus pés encontram o último degrau, e ele me encontra no meio do
caminho, dois braços fortes envolvendo meus ombros em um abraço de urso. Ele
cheira a marinara e ao sabonete de baunilha que mantenho ao lado da pia da
cozinha, e de repente, sem explicação, quero chorar.
— E aí, La La — ele descansa o queixo em cima da minha cabeça, os braços
apertando com força. — Muito tempo sem te ver.
Enrolo meus braços em suas costas e pressiono minhas mãos em suas
omoplatas. Eu expiro lentamente pelo nariz e nos balanço para frente e para trás.
— Você me viu duas semanas atrás — murmuro em algum lugar em seu
peito. — Nós sentamos no sofá e assistimos a Independence Day duas vezes
seguidas porque você tem uma obsessão por Jeff Goldblum.
— Algo sobre aquele traje de voo, não estou certo? — Ele se afasta, mas
mantém as mãos no topo dos meus ombros. Seus olhos castanhos vagueiam pelo
meu rosto. Tão perto assim, consigo ver as sardas que cobrem o seu nariz e se
espalham como constelações sob seus olhos. Eu reprimo um suspiro, e ele franze
a testa. — O que está acontecendo, Stella?
O pânico ainda está lá. E aí eu adio. Dou um tapinha em seus lados e fico na
ponta dos pés, tentando ver por cima do ombro.
— Alimente-me primeiro?
Ele franze a testa, mas concorda com a cabeça, deslizando as mãos pelos meus
braços em uma série de apertos. Ele tem feito isso desde o primeiro dia, quando
eu tropecei direto para ele, um um-dois-três de suas mãos movendo-se pelos
meus bíceps, cotovelos, mãos. Assim que entramos, ele retorna para a cozinha e
eu tiro meus sapatos perto da porta, notando suas botas já cuidadosamente
enfiadas abaixo da mesinha de entrada. Jogo minhas chaves em cima das dele no
prato azul de cerâmica que fiz como um projeto da aula de arte no ensino médio
e prendo meu cachecol no gancho ao lado de sua jaqueta jeans preta.
E não é bobagem amar como as coisas de alguém se parecem do lado das
suas? Pequenos pedaços de uma vida vivida em paralelo.
Encaro sua jaqueta por um minuto muito longo antes que ele grite da
cozinha, pedindo uma garrafa de tinto que guardo no armário do corredor. Eu
ficaria impressionada com sua memória se ele não fosse o único a trazer este
vermelho e escondê-lo sob meus suéteres alguns meses atrás.
Entro na cozinha com a garrafa de vinho na mão, outra debaixo do braço.
Essa conversa provavelmente tomará um rumo melhor se eu tiver um pouco de
coragem líquida. Ele olha por cima do ombro quando eu coloco as duas para
baixo, uma mecha de seu cabelo caindo na frente de seu olho, aquele maldito
pano de prato com os gnomos de jardim enfiados no bolso de trás. Ele parece
absolutamente ridículo e deliciosamente perfeito, jeans desgastados e moletom
desbotado, mangas arregaçadas até os cotovelos.
— É uma noite daquelas?
— Um ano daqueles — murmuro em resposta, vasculhando minha gaveta
atrás do abridor de garrafas. Luka observa meu esforço por aproximadamente 26
segundos antes de abandonar o que quer que esteja mexendo no fogão e ocupar
o meu espaço pessoal, seu peito pressionando meu lado enquanto ele estende a
mão por cima das nossas cabeças. É repentino, seu corpo contra o meu, e eu
inclino minha cabeça para trás para observar seu rosto. Desse jeito eu poderia
morder seu bíceps se quisesse, a curvatura dele a apenas dois centímetros do meu
nariz.
Seus olhos vasculham meu rosto, um sorriso curvando seus lábios para cima.
— Em que diabos você está pensando?
— Coisas diabólicas. — Um rubor sobe pelas minhas bochechas e eu belisco
seu lado. Ele estremece, mas continua batendo em cima dos armários. — O que
você está fazendo aí em cima?
Ele ergue um abridor de vinho em resposta, e eu estico meu pescoço para
olhar acima dos meus armários com uma carranca.
— O que mais você está escondendo lá em cima?
— O que quer que eu não queira em suas mãozinhas.
Faço uma nota mental para pegar o banquinho mais tarde e investigar. Ele
pega a garrafa de vinho da minha mão e, com uma série de movimentos suaves
que sinceramente não deveriam parecer tão atraentes, ele a abre. Ele estende a
q p
mão por cima do meu ombro e nos serve uma taça para cada, comigo ainda
colada em sua frente. O topo da minha cabeça mal alcança seus ombros e eu
posso ver a saliência de suas clavículas saindo de seu moletom. Eu as encaro com
foco a laser.
— O jantar estará pronto em alguns minutos — ele murmura, suas palavras
um sopro quente contra a minha pele.
Eu pisco e alcanço meu vinho, agarrando-me a ele como uma tábua de
salvação. Eu notei essas coisas antes, claro, mas agora parece que tudo sobre Luka
está sob uma lupa. Enxergando novas cores, eu acho.
— Obrigada — eu olho ao redor da minha cozinha como se eu nunca tivesse
a visto antes, atordoada e confusa. — Você precisa de ajuda com alguma coisa?
Minha voz soa estranhamente formal, como se eu devesse adicionar um
“bem, senhor” ao final da frase. Luka estreita os olhos para mim mais uma vez e só
aponta para a mesa em resposta. Sigo a direção em que ele aponta sem comentar
e me acomodo na trêmula cadeira de jantar de meados do século passado, que
absolutamente não combina com a mesa da minha casa de fazenda. Eu encaro e
encaro o tampo da mesa e faço o meu melhor para não surtar, mas é difícil
manter a calma quando o que estou prestes a pedir para o meu melhor amigo
pode fazê-lo rir na minha cara, sair correndo pela porta, ou ambos.
No momento em que Luka desliza um prato cheio de espaguete e
almôndegas na minha frente, eu esvaziei minha taça de vinho e me transformei
em um foguete emocional, pronto para explodir.
— Beck disse que as árvores estão bonitas — Luka desliza na minha frente,
aconchegando-se na cadeira. — Bom, além daquelas do pasto no portão sul.
Não preciso do lembrete. Meus olhos vagam do meu prato cheio de
espaguete para o punho de seu moletom esticado ao redor de seu antebraço. Eu
rapidamente redireciono meu olhar para a garrafa de vinho no balcão da cozinha
e o queijo parmesão ao lado dela. Espero que não tenha vindo da minha
geladeira.
Eu aponto para ele com meu garfo, a minha perna dançando debaixo da
mesa.
— De onde veio isso?
Luka me encara como se eu fosse louca.
— Da mercearia.
— Legal. Bacana, maneiro.
— Stella — Luka coloca o garfo na borda do prato e se inclina para frente,
me alcançando como se quisesse pegar minhas mãos nas dele. Não tenho certeza
se isso ajudaria, sendo bem sincera. Ele se afasta, suspira e esfrega os nós dos
dedos contra a mandíbula. Ele pega o garfo. — O que está acontecendo com
você?
— Por que a pergunta?
Ele arqueia uma sobrancelha.
— Acho que você moveu esta mesa para o outro lado da cozinha, por
exemplo.
— Eu só… eu preciso te pedir uma coisa.
— Você precisa de um rim?
— O quê? Não. — Embora um transplante de órgão pareça preferível agora.
— Você está agindo como se precisasse de um rim.
— Eu preciso que você namore comigo — eu deixo escapar. Minhas palmas
estão suando, meu coração está em algum lugar na minha garganta e meu
estômago se afastou completamente da conversa. Luka, ao contrário de mim,
nem se mexe. Ele apenas gira calmamente o garfo ao redor e ao redor, pegando o
fio de espaguete mais longo do mundo.
— Ok. — Ele enfia o garfo na boca.
— É de mentirinha — eu praticamente grito para ele. Não sei por que estou
falando tão alto. Faço um esforço consciente para diminuir o volume. — Eu não
iria… eu queria perguntar se você fingiria namorar comigo. A parte de “fingir” é
importante.
Ele dá de ombros.
— Claro.
Claro. Claro. Estou à beira de um completo colapso mental, mas Luka diz
claro. Eu vejo outra almôndega elegantemente cortada desaparecer por trás de
seus lábios. Eu apunhalo agressivamente uma das minhas e ela voa até a metade
da mesa. Eu a ignoro, espeto outra e a enfio inteira na minha boca.
— Fé fá fefeifa fa fua fó?
Luka calmamente toma um gole de seu vinho, ignorando o agravamento da
minha loucura.
— Perdão?
Eu engulo e gentilmente acaricio os cantos da minha boca com o guardanapo
que repousa no meu colo. Sou uma dama.
— É a receita da sua vó?
— É sim
— Você acha que ela me adotaria?
— Ela me jogaria na rua e adotaria você em um segundo. — Luka bufa uma
risada. — Nós dois sabemos disso. Aliás, obrigado por trazer o jantar para ela na
semana passada. Ela me ligou setenta e cinco vezes para se gabar disso e perguntar
o que você usa em seus Snickerdoodles.
Eu não assei aqueles Snickerdoodles. Mas nem morta que eu vou contar isso
para a avó de Luka, que faz sua massa do zero. Uma vez ela veio até minha casa,
viu um pote meio usado de marinara industrializada na minha geladeira e olhou
no fundo dos meus olhos enquanto o jogava no lixo.
Eu gostaria que ele não me agradecesse por passar tempo com sua família.
Não é um sofrimento. Ir visitar a sua avó e a sua mãe e, às vezes, a sua tia Gianna,
que mora a duas cidades, é uma boa distração do fato de que minha única família
decide comemorar o Dia de Ação de Graças três semanas antes do normal, só
para não ter que explicar minha existência.
Além disso, a avó dele é fodona.
— Eles eram os Snickerdoodles de Layla, então você teria que perguntar a
ela.
— Estou mais interessado em saber por que você precisa fingir um namoro
comigo, na verdade — ele faz uma pausa com outro gole dramático de vinho.
Olho tristemente para o meu copo vazio. — Você não está namorando Wyatt?
Eu o encaro. Encaro e encaro e encaro. Como é possível alguém estar tão
complexamente entrelaçado em minha vida e ainda não perceber que não falei
sobre Wyatt em uma curta eternidade?
— Luka — eu pisco para ele. — Nós terminamos há mais de um ano.
Luka é uma paródia do comicamente chocado. Sobrancelhas franzidas, garfo
congelado a meio caminho de sua boca. Seria engraçado se não fosse tão
chocante.
— O quê?
— Sim, depois do festival da colheita do ano passado. Ele me mandou uma
mensagem.
— Ele… espera aí, ele terminou com você por mensagem?
Wyatt tinha sido gentil e doce, se não um pouco imaturo. De muitas
maneiras, foi como voltar ao meu eu adolescente e namorar o capitão bonitinho
do time de futebol. Muitas preliminares pesadas, um rótulo inútil e zero apego
emocional. Ele me mandou uma mensagem depois do festival do ano passado
g p p
com um simples: Você é super legal, mas acho que queremos coisas diferentes.
Amigos? :)
Super legal.
O emoji sorridente fechou o acordo para mim. Qualquer um que continue a
usar emoticons para transmitir emoções provavelmente está em algum lugar no
espectro do assassino em série. Eu tinha concordado e isso era… bem, era isso.
— Eu te contei isso.
Ele me encara.
— Você não me contou isso.
Eu abaixo meu garfo e me inclino para a esquerda, pegando a garrafa de
vinho.
— Luka, como diabos eu teria todo esse tempo para gastar com você se eu
estivesse namorando alguém?
Ele pisca, seu olhar distante como se estivesse revivendo mentalmente o
último ano de sua vida. Sua boca se move silenciosamente, e então ele pega sua
taça de vinho, esvaziando-a de uma vez.
— Ok, então sem Wyatt.
— Sem Wyatt. Sem.
— Então eu sou sua única opção?
Eu não sei por que ele parece tão chateado com isso.
— Se isso faz você se sentir melhor, eu pedi para o Beckett primeiro. Ele disse
não. — Sua carranca se aprofunda, aquele pequeno buraco entre as sobrancelhas
aparecendo. — Eu ia pedir para o Jesse, mas…
— Você ia pedir para o Jesse antes de pedir para mim? Cristo, Stella. —
Agora é a vez dele esfaquear uma almôndega como se ela tivesse o ofendido
pessoalmente. — Você deveria ter me pedido primeiro. Agora sinto que sou sua
última opção.
Não digo a ele que ele é, de fato, minha última opção. Bem, tirando o serviço
de acompanhantes.
— Desculpe, Luka. — Eu aperto minhas mãos na minha frente em cima da
mesa, satisfeita quando soo apenas um pouco sarcástica. — Você queria que eu
me esforçasse mais para te pedir para ser meu namorado falso?
— Não teria te matado — ele murmura. Ele passa as duas mãos pelo cabelo,
para frente e para trás e para trás novamente, um tufo do lado esquerdo se
destacando. É um gesto tão familiar que envia uma pontada de melancolia direto
no meu peito.
p
— Luka, me escuta — eu engulo duas vezes, hesitante. Isso parece
importante, a reação dele. Se ele já está agonizando, eu não quero...
Não quero estragar o que Luka e eu temos.
Eu enrolo minhas mãos em volta dos meus talheres.
— Essa foi uma ideia idiota. Se você não quer fazer isso...
— Não, não é isso. Desculpa, eu só... — Ele se interrompe ao engolir de volta
as palavras, os olhos castanhos fixos no prato. Ele pega o garfo de volta, enrola,
enrola, enrola um pouco de macarrão. — Continuo mudando o assunto. Por
que você precisa de um namorado falso?
É um redirecionamento, mas eu permito da mesma forma que ele permitiu
minha procrastinação mais cedo. Eu explico o sorteio das redes sociais para ele,
tomando cuidado para deixar de fora as partes sobre o quanto nossa fazenda
precisa desesperadamente do prêmio em dinheiro. Ao invés disso, concentro-me
na exposição nacional, na aquisição de novos clientes e, esperançosamente, em
uma presença online que possamos canalizar. No final, parece que estou fazendo
uma apresentação para um conselho, e considerando o olhar vidrado de Luka,
ele provavelmente concorda.
Ele é um cara de dados. Eu provavelmente deveria ter mostrado a ele um
monte de números.
Ele balança a cabeça ligeiramente quando eu termino.
— Acho que é a primeira vez que ouço as palavras ingresso e egresso saindo
da sua boca.
— Sim, provavelmente. — Eu penso por um segundo. — Embora eu sinta
que provavelmente falei isso quando estava reclamando da feira estadual.
Ele ri disso. Ele está muito familiarizado com minhas opiniões sobre a feira
estadual.
Ficamos em silêncio por um momento, com apenas o som de galhos das
árvores arranhando as minhas janelas preenchendo o espaço entre nós. O vento
assobia pelas frestas ao redor da porta, e penso em acender a lareira. Vinho em
frente a lareira soa excelente.
Luka se recosta em sua cadeira e pondera. Estou contente em deixá-lo com
seus pensamentos enquanto trabalho para desembaraçar os meus.
— Você acha que isso vai ajudar? O fingimento?
— Sim — eu respondo sem hesitação, a resposta surgindo de dentro de mim.
Não sei como sei que Luka é a chave para tudo isso, mas eu sei. Esse
relacionamento falso idiota e bobo e clichê seja como for, é a faísca que
j q
precisamos. É a faísca que eu preciso. Eu limpo minha garganta. — Eu realmente
acho.
Ele me conhece bem o suficiente para entender que há algo que eu não estou
contando a ele, mas ele também me conhece bem o suficiente para não me
pressionar. Parece que corremos maratonas verbais consecutivas desde que entrei
pela porta, e acho que estamos bem em deixar a conversa onde está durante a
noite.
Luka acena com a cabeça, uma decisão tomada.
— Então é isso que faremos.
Eu imito a sua posição e descanso no encosto da minha cadeira, agarrando-
me a algo que me deixará com os pés no chão. Algo que fará eu me sentir como
se não estivesse cometendo um erro gigante.
Exceto que nada vem à mente.
Quatro

Eu acordo na manhã seguinte com uma dor de cabeça no fundo dos olhos e um
aperto no estômago que é o resultado de muitas balinhas Fini, e provavelmente
uma decisão precipitada de forçar meu melhor amigo em um relacionamento de
mentira. Você pode ter uma ressaca de más decisões?
Parece ser possível.
À luz do dia, a decisão parece um erro evitável. Um namorado não vai
aumentar ou diminuir as minhas chances de ganhar esse prêmio em dinheiro. Eu
nem sei se Evelyn St. James leu a minha inscrição toda, muito menos o único
trecho na minha parte pessoal em que eu disse que era dona e administrava a
fazenda com o meu namorado.
A menos que ela tenha lido, e você esteja automaticamente eliminada por
mentir.
Eu pesquisei. Assim que soube sobre o concurso, vasculhei o feed de Evelyn.
Procurei por trends em seu conteúdo, o tipo de negócios que ela gostava de
divulgar. Ela sempre tem uma história para contar e ela ama romance. Suas
últimas três publis foram todas histórias de amor. O casal no Maine com sua
cama e café da manhã. Os melhores amigos durante a vida inteira que
administram cruzeiros históricos de seu pequeno cais na Carolina do Sul. Os
noivos que se conheceram em um encontro às cegas e decidiram fundar sua
própria vinícola. Talvez desta vez, pela primeira vez, eu queira que minha história
seja algo a mais do que uma história triste. Eu enfio as minhas palmas em meus
olhos e chuto as minhas pernas para fora dos meus cobertores bagunçados. Estou
cansada de ser a triste.
Eu penso em Beckett e Layla. A pilha de contas que estão ficando cada vez
mais difíceis de pagar. Penso no portão de ferro forjado que dá as boas-vindas à
fazenda, nos dois laços vermelhos gigantes que coloquei nele no ano passado.
Lembro-me do dia que recebi as chaves, como o som das correntes enferrujadas
caindo da grade quase me fez chorar. Penso em fechar aquele portão e colocar as
correntes de volta nas grades e quase tenho vontade de chorar por um motivo
totalmente diferente.
Eu tenho que tentar. Essa é a minha melhor chance. Mesmo que… mesmo
que pareça bobo, é a história que quero contar para esse lugar.
Quero que Evelyn St. James veja todas as coisas que fizeram eu me apaixonar
por esta fazenda no primeiro inverno que a visitei com minha mãe. Quando eu
tinha dezesseis anos e estava programada para odiar a maioria das coisas, mas me
apaixonei pelo espaço aberto que cheirava a bálsamo e fatias de laranja e apenas
uma pitada de canela. Eu quero que ela caminhe pelas fileiras e mais fileiras de
árvores, assim que o sol começa a se pôr, onde tudo está quieto o suficiente para
ouvir a forma que as suas botas rangem no chão congelado. Onde agulhas de
pinheiro se enredam no seu cabelo e você sente como se fosse a única pessoa no
mundo. Eu quero que ela pegue um chocolate quente da padaria de Layla, vá
patinar no gelo no ringue que Beckett montou no inverno passado, e veja as
crianças se perseguirem no celeiro.
Eu quero que ela veja a magia.
— Eu meio que esperava que você não estivesse sozinha.
É uma prova de quão imersa estou em meus pensamentos o fato de que eu
nem sequer recuo quando Layla aparece na porta do meu quarto, um gorro azul
marinho puxado para baixo em sua cabeça. Além disso, um sinal de que devo
repensar quem tem a chave da minha casa.
Eu franzo a testa para ela, minha cabeça meio debaixo do meu travesseiro,
minhas pernas perdidas entre os lençóis. Parece que lutei dez rounds nessa cama.
— Quem que estaria aqui comigo?
Ela revira os olhos e tira os seus sapatos, subindo na cama sem hesitar. Há um
rearranjo de membros, uma cotovelada no meu plexo solar, e então Layla está
enrolada ao meu lado, seus joelhos pressionados contra meu quadril. Eu amo
que ela exija toque para a maioria das conversas, que ela nunca hesite em
reafirmar com um abraço rápido. Ela puxa meu edredom fofo bem abaixo do
queixo e me dá uma olhada.
— Você sabe quem.
Eu pisco para ela. Eu não faço ideia.
— Quem?
— Acho que é óbvio que estou falando do Luka — ela passa a ponta dos
dedos pelo meu braço e desce novamente. — Passei pela casa da mãe dele no
p ç p
caminho para cá e vi o carro dele na garagem.
— Você viu o carro dele na casa da mãe dele, mas presumiu que ele estava
aqui comigo?
— Eu pensei que ele tivesse ido e dado meia volta — ela encolhe os ombros,
se afundando ainda mais nas cobertas, até que eu possa ver apenas os seus olhos.
Eles estão verdes hoje, refletindo a cor das árvores do lado de fora da janela do
meu quarto. Sua voz surge abafada debaixo dos meus cobertores. — Eu não sei,
ele poderia ter saído às escondidas.
— Ele é um homem adulto. Por que ele teria que sair escondido?
Ela suspira.
— Eu não sei, Stella, deixe eu mergulhar nessa fantasia. Estou torcendo por
vocês dois desde que os conheci.
Isso certamente explica todos os gestos ligeiramente vulgares que ela faz pelas
costas de Luka toda vez que ele nos visita na fazenda.
Eu franzo a testa. Layla percebe e pressiona o dedo indicador diretamente na
covinha no canto da minha boca. Ela puxa, tentando forçar um sorriso por conta
própria, e bufa quando eu faço uma cara grotesca. Sua frustração persistente
derrete, e uma suavidade em seu olhar surge no lugar.
— Você pediu para ele?
Concordo com a cabeça e pego um fio solto no meu edredom.
— E?
— Ele disse que faria isso — murmuro dentre o algodão, tendo lentamente
puxado o travesseiro sob todo o meu rosto. Ontem à noite, quando pedi a Luka,
eu estava tão obcecada com a ideia de ele dizer “não” que nem considerei as
implicações de ele dizer sim. Fingir um namoro. Teremos que fingir outras coisas
também. Fingir romance. Fingir carinho.
Será que Luka entende? Nós realmente não conversamos muito ontem à
noite depois da nossa conversa no jantar. Eu fui bastante agressiva com não
discutir qualquer detalhe, mortificada comigo mesma por pedir. Eu estava com
muito medo de falar mais sobre isso. Fazer com que ele mudasse de ideia. Ou
pior, ter que explicar a situação em detalhes.
Colocamos Sintonia de Amor e nos emaranhamos no sofá. Eu dormi com
meus pés enfiados embaixo da sua coxa e a minha cabeça no apoio de braço.
Layla puxa uma mecha do meu cabelo.
— Então por que você está tão triste, querida?
Vergonha, provavelmente. Um pouco de solidão. Medo da mudança, terror
absoluto com a ideia de estragar tudo. Luka descobrir a verdade sobre meus
sentimentos por ele.
Escolha uma opção, Layla. Pode ser qualquer uma.
Em vez disso, expiro longa e lentamente no travesseiro e deixo esse gesto
responder por mim. Layla gentilmente ergue o travesseiro do meu rosto e o
coloca sob sua bochecha.
— Acho que é hora de conversarmos sobre isso.
— Não, obrigada.
— Stella.
Eu nego com a cabeça.
— Eu não quero. Que tal falarmos sobre você e Jacob ao invés disso?
Seus olhos se estreitam em fendas. O histórico de Layla com romance é
interessante, para dizer o mínimo. Ela tem uma tendência a escolher o pior tipo
de cara.
— Nós não estamos falando sobre mim agora. Estamos falando sobre você.
— Poderíamos estar falando sobre você.
— Você tem sentimentos por ele, Stella.
Eu sei. Claro que eu sei disso. Só não estou disposta a fazer algo com esses
sentimentos.
— Eu estou…
— Você tem grandes sentimentos por Luka, e ele tem grandes sentimentos
por você, e eu não entendo por que nenhum de vocês nunca fez nada com isso.
É fácil para Layla. Ela sempre foi extremamente confiante sobre quem ela é e
o que ela sente. Apesar de tudo que ela passou, ela sempre conseguiu sacudir a
poeira e seguir em frente com um otimismo ensolarado. Ela é graciosa até em
suas decepções. Eu não sou.
E as coisas com Luka são ótimas, até mesmo incríveis, do jeito que são.
— Querida — seus olhos vão e voltam entre os meus, um sorriso triste
puxando o canto de seus lábios. — Só porque você se permite amar alguém, não
significa que eles irão embora.
Mas com certeza não significa que eles vão ficar.
— Eu acho… — Eu engulo em torno do aperto na minha garganta e tento
canalizar um pouco da confiança de Layla. Eu me enrolo de lado e imito a sua
posição, as mãos cruzadas embaixo do meu queixo. Parece que estamos em uma
nuvem, debaixo do meu edredom do jeito que estamos. Sem peso. Aqui, desse
j q p q
jeito, confesso meus maiores segredos. — Acho que se fosse para algo acontecer
entre Luka e eu, já teria acontecido.
Layla não gosta dessa resposta. Eu posso ver isso no jeito que seus lábios se
torcem.
— Talvez ele esteja esperando você dizer alguma coisa.
Eu nego com a cabeça tristemente. Uma vez, vi Luka caminhar até uma
garota em um bar, apoiar a mão no encosto da cadeira e dizer algo a ela que fez
seu queixo cair para trás com uma risada. Ele estava confiante, charmoso. Eles
saíram juntos nem meia hora depois. Luka nunca hesitou em verbalizar o que ele
quer. Se eu fosse o que ele queria, acho que eu já saberia.
— Eu acho que é isso o que devemos ser — eu me aninho ainda mais em
meus cobertores, piscando contra a sensação de formigamento nos cantos dos
meus olhos. — Nós devemos ser amigos. Apenas amigos.
— Então por que você mentiu em sua inscrição? — É uma acusação gentil,
mas eu sinto a dor disso, entretanto. — Beckett estava certo. Você não precisava
fazer isso.
— Eu não planejei tudo isso, se é isso que você quer dizer. Eu não o
enganaria para fingir ser meu namorado. Eu não... — Eu esfrego as duas mãos
pelo meu rosto. — Não estou tão desesperada.
Eu não estou. A mentira na inscrição… eu só queria que esse lugar parecesse
romântico. Caseiro. Quando entreguei a parte da descrição pessoal, nem pensei
que teríamos uma chance. Parecia um detalhe tão pequeno e inofensivo. Eu só
queria… eu queria que tivéssemos a melhor chance possível.
Dedos frios se entrelaçam nos meus, a pressão de seus anéis contra a minha
pele deixando pequenas marcas.
— Querida, não. Não foi isso que eu quis dizer.
— Então o que você quis dizer?
Seus olhos são gentis enquanto ela coloca meu cabelo atrás da minha orelha.
— Só estou dizendo que acho que isso pode ser algo que vocês dois estavam
esperando.

As palavras de Layla brincam de ping pong pela minha cabeça enquanto


eu me arrasto até o escritório. Se ontem à noite foi sobre todas as razões pelas
quais eu comprei este lugar, essa manhã é sobre todas as razões pelas quais eu
provavelmente não deveria ter comprado. Caminhando nessa direção, posso ver
o contorno irregular de árvores mortas e moribundas. Definitivamente não há
um caminhão de suprimentos na entrada do celeiro como eu havia programado,
e uma das abóboras que ladeavam a escada para o escritório agora está quebrada
em pedacinhos no chão.
É a última coisa, porém, que me faz xingar baixinho. Se um dos gêmeos
McAllister pensou que seria engraçado destruir os campos novamente, tenho
certeza que Beckett poderia cometer um assassinato.
No outono passado, a população do ensino médio de Inglewild decidiu que
nossa fazenda era o local ideal para atividades ilícitas. Eu vi mais pele branca e
sem graça de garotos de dezesseis anos do que qualquer um deveria ver. Beckett e
Luka lidaram com isso da maneira que qualquer homem adulto faria.
Eles se camuflaram, se esconderam no milharal e assustaram todos os garotos
se engolindo em seus carros.
Tem estado mais calmo desde então, e eu ri sozinha mais de uma vez andando
pela cidade, ouvindo os adolescentes falarem sobre as criaturas loucas que vivem
nos campos da fazenda da Sra. Stella. Eu penso em Luka e Beckett usando o meu
banheiro minúsculo para passarem sua tinta de camuflagem. A quantidade
absolutamente ridícula de verde que eu tinha em todas as minhas lindas toalhas
de banheiro.
Eu sempre quis ser uma lenda urbana.
Estou pegando os pedaços da abóbora quando a porta de um carro bate,
duas botas pesadas aparecendo no meu campo de visão. Luka se agacha e pega o
maior pedaço da carcaça da abóbora, um copo extra grande embalado em sua
outra mão.
Eu cheiro uma pitada de avelã e imediatamente largo toda a gosma de
abóbora que estou segurando. Eu o alcanço com as duas mãos, um pequeno
gemido ganancioso preso no fundo da minha garganta. Ele nem sequer briga
comigo quando eu enrolo uma mão em seu pulso e a outra em torno do copo.
Ele apenas deixa rolar.
Avelã quente e cremosa me dá as boas-vindas ao nirvana enquanto tomo um
gole profundo. Faço um som ligeiramente desumano e bebo novamente. E de
novo.
— O que você disse a ela?
A Sra. Beatrice faz o melhor café com leite de avelã de todo o universo,
provavelmente, mas apenas quando ela quer, e apenas quando você dá a ela o
elogio estranhamente específico que ela está esperando. Nunca é o mesmo elogio
g p q p g
duas vezes, nunca há uma pista, e Deus não permite que você o faça sem a exata
entonação de sinceridade que é necessária.
Ela ainda só me serve descafeinado.
Luka bufa uma risada pelo nariz, um pequeno vapor branco na fria manhã
de outubro. Ele entrega o copo com um pequeno aceno de cabeça.
— Eu disse a ela que o cabelo roxo combinava muito bem com ela — ele
sorri, tímido. — Acho que inventei um sotaque sulista? Não tenho certeza. Senti
o cheiro de avelã e é tudo um borrão a partir daí.
Eu olho para ele, enrolando minhas mãos ao redor do copo e segurando-o
perto do meu peito para que ele não tenha nenhuma ideia de pegá-lo de volta.
Deus me ajude, ele está usando um gorro preto com uma bolinha verde floresta
no topo. Eu apostaria as economias escassas da minha poupança que sua mãe fez
para ele. A Sra. Beatrice provavelmente deu uma olhada nele e corou até às meias
de compressão.
Eu tomo outro gole de café com leite.
— As coisas que nós fazemos por um bom café.
— Sim, claro, nós — ele ri. Ele arqueia uma sobrancelha e estende a mão,
dedos enluvados não tão educadamente pedindo sua bebida de volta. — Eu
também trouxe um café para você — pela primeira vez, percebo um copo extra
para viagem descansando em cima de seu carro. — Mas tenho certeza de que
ainda é descafeinado. — Eu xingo. — Vamos, vamos entrar e eu vou dividir e
compartilhar.
Juntos, marchamos para o meu escritório, os pedaços de abóbora espalhados
pelos degraus. Vou pegar uma vassoura mais tarde, ou talvez eu deixe para os
guaxinins. Um tipo de oferta de paz. Luka desaba na poltrona de couro
desbotada, suas pernas esparramadas e os cotovelos jogados nos braços. Ele
sempre tem problemas para ajustar seu corpo, todo pernas longas e braços
tonificados. Talvez eu faça ele e Beckett fazerem aquele calendário juntos.
Ele se move para frente e para trás, uma admirável tentativa de ficar
confortável. Eu ainda não soltei o seu café com leite, e olhos castanhos aquecidos
saltam do copo para os meus e para o copo novamente. Seu olhar começa a ficar
um pouco desamparado. Em algum lugar em seu belo cérebro, ele está
percebendo que cometeu um erro terrível.
— Espero que você tenha um pouco disso no carro. — Eu tomo um longo
gole.
Ele se mexe, a cadeira range e ele franze a testa.
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— Estava muito quente para beber no carro — ele murmura. — Você vai
devolver?
— Provavelmente não.
Ele grunhe e se mexe na cadeira novamente.
— La La, escuta.
— Estou escutando.
— Eu tenho sido um bom amigo para você. Não tenho?
Eu me sento pomposamente na minha cadeira. Minha cadeira estofada de
tamanho ideal.
— Você tem.
Ele se inclina para frente, as mãos em concha frouxamente entre as pernas.
— Você se lembra do verão de 2012? Eu te dei meu waffle na festa da
Primeira Sexta-Feira.
Não me lembro de Luka alguma vez me dando um waffle. Eu dou um gole
alto.
— Stella. Qual é. Eu te levei para a exibição do Senhor dos Anéis à meia-noite
quando eu nem sequer sabia o que era um hobbit. Eu te trouxe uma capa.
Isso é verdade. Ele fez isso. E então começou a perguntar por sete semanas
consecutivas se ele deveria deixar o cabelo crescer que nem Aragorn. Como se o
universo precisasse que Luka fosse mais atraente.
Ele continua.
— Eu não contei para minha avó que seus Snickerdoodles foram feitos por
Layla.
Eu ergo as minhas sobrancelhas e tomo outro gole. Eu não tenho medo dela.
Não de verdade.
Talvez um pouco.
Ele se inclina mais perto, a língua pressionando o interior de sua bochecha.
Seus olhos castanhos piscam um tom mais escuro e sua voz cai.
— Eu concordei em ser seu namorado falso por uma semana.
De repente, parece que ele não está me provocando. Toda a minha bravura e
bom humor desaparecem com esse pequeno comentário, uma onda de calor
pressionando minhas bochechas. É um nó apertado em meu estômago que eu
odeio e desvio o meu olhar para o topo da minha mesa. É assim que vai ser
agora? Luka usando isso como objeto de permuta pelo resto da nossa amizade?
Uma historinha engraçada para contar em churrascos e festas? Ah, lembra
daquela vez que você estava tão desesperada que me pediu para fingir estar
namorando você?
Entendi. Fui eu quem pediu isso como um favor. Mas, ainda assim, isso
parecia... estranho. Não é bom.
Depois de uma quantidade indeterminada de tempo olhando para a
bugiganga na minha mesa já que no passado eu fiquei muito agressiva com meu
grampeador, eu limpo minha garganta e olho de volta para ele, fixando meu
olhar em algum lugar sobre seu ombro esquerdo. Entrego o café e me parabenizo
quando minha mão não treme.
— Aqui.
Seus dedos cobrem os meus, mas ele não deixa eu soltar o copo. Ele tem uma
pegada enganosamente forte, e isso envia meus pensamentos para um caminho
diferente, embora mais vulgar.
— Stella.
Ele consegue transmitir muitas coisas nesses dois stacattos do meu nome. É
um dom. Eu pisco meu olhar para longe do calendário na parede e de volta para
ele, suspirando quando vejo a forma como seus lábios estão em uma linha fina.
Luka preocupado. Caramba.
— Por que você está chateada agora?
Eu tento puxar minha mão, mas ele apenas aumenta o seu aperto. Estou
preocupada com o copo de papel. O café com leite de avelã não merece ser
tratado assim.
— Eu não estou chateada.
Ele emite um som no fundo da garganta.
— Conheço você há quase uma década. Por que você está chateada?
— Eu não quero… — Seus dedos se curvam ao redor dos meus. Não quero
que ele faça isso porque eu o obriguei. Eu não quero que ele odeie cada segundo
disso. Não quero ser um incômodo, um aborrecimento, uma obrigação. — Não
quero que isso estrague nada.
— Não vai. Stella, olha para mim, por favor. — Quando consigo encontrar
seu olhar, aqueles olhos castanhos dele estão tão sérios como sempre estiveram.
Com o sol entrando pela janela e aquele gorro estúpido na cabeça, consigo ver as
manchas douradas neles. O anel marrom claro ao redor de sua íris que me
lembra café com muito leite. Café com leite de avelã. — Isso não vai estragar
nada, ok? Somos eu e você.
Eu aceno, e sua mão aperta a minha no copo mais uma vez. Meu braço está
começando a formigar por mantê-lo estendido. Ele abre a boca para dizer mais
alguma coisa, sua mão puxando, a metade superior do meu corpo começando a
se inclinar em direção a ele, mas a porta do meu escritório se abre, um Beckett
muito mal-humorado parado lá com as mãos cheias de abóboras esmagadas.
— Nós temos um problema.
Vinte minutos depois, estou de pé no campo de abóboras, olhando para as
carcaças de centenas de abóboras esmagadas. Parece um campo de batalha,
porém com mais… laranja. Lá se vai a minha oferta de paz para os guaxinins com
uma única abóbora lá no escritório. Eles podem ter um buffet self-service aqui.
Faço uma anotação mental para pesquisar no Google se guaxinins podem
comer abóbora.
— Bem — eu estico meu pescoço para frente e para trás. Está tudo bem.
Está… está absolutamente bem. Ao meu lado, Luka me entrega o seu café com
leite de avelã sem dizer uma única palavra. — O Halloween é daqui a dois dias.
Nós íamos colher isso para Layla de qualquer maneira. Talvez pudéssemos… não
sei. Transformar isso em um campo mal-assombrado?
Beckett faz algum tipo de ruído resmungado baixinho. Ele provavelmente
está apreensivo que eu irei fazê-lo usar uma fantasia de zumbi.
— Vou matar esses merdas dos McAllister.
Ele soa como um homem de 80 anos parado no jardim da frente. Parece um
pouco como se eu tivesse invocado isso.
Olho em volta para a enorme variedade de prejuízo. Cada abóbora deixada
na videira foi destroçada. Parece trabalho demais para dois adolescentes. É muito
organizado, muito metódico.
— Não sabemos se foram eles.
Acho que terei que instalar câmeras.
Luka e Beckett me lançam olhares de descrença, apesar de que Beck consiga
transmitir uma camada de frustração hostil no dele. É difícil levar Luka a sério
quando ele está usando aquele gorro.
— Ok, bem… — Eu canalizo meu otimismo interior. — É hora de
mudarmos para o Natal de qualquer forma. Vamos deixar as grandes decorações
para a próxima semana, mas podemos começar a deixar o Halloween de lado.
Vou pedir a Layla para fazer guloseimas extras para a padaria, e se alguém
aparecer para comprar abóboras, podemos vender com desconto o que já
havíamos tirado da videira.
— O que faremos com quem fez isso? — Beckett soa como se tivesse algumas
ideias.
Eu dou de ombros.
— Eu realmente não sei. O que podemos fazer? — Eu considero brevemente
pôr em prática o que aprendi nas maratonas de exibição de Lei & Ordem:
Unidade de Vítimas Especiais, procurando marcas de sapatos na sujeira e fibras
de roupas em galhos de árvores. O que eu não faria para ter o detetive Stabler
agora. — Vou instalar algumas câmeras nos pontos principais, mas não podemos
cobrir toda a fazenda.
Não posso me dar ao luxo de cobrir toda a fazenda.
Nós três caímos em silêncio. É uma coisa boa que isso tenha acontecido no
final da temporada de outono. Não consigo afastar a sensação de que isso, o
fertilizante, as árvores… está tudo conectado. Ninguém é tão azarado, certo?
— Você acha que isso tem alguma coisa a ver com seus problemas de
fornecimento?
Eu franzo a testa para Luka e pressiono meus dedos na parte de trás do meu
pescoço. Ele me ouviu reclamar de remessas perdidas e incidentes aleatórios
desde que comprei esse lugar. Meus ombros ficam tensos com mais uma coisa
caindo sobre eles.
— Não sei. Provavelmente — eu deixo cair minhas mãos ao meu lado e olho
ao redor. — Talvez.
O que quer que esteja acontecendo, precisamos descobrir. De preferência
antes que a fazenda seja apresentada a milhões de pessoas.
Cinco

Beckett nos segue de volta ao escritório, o café de avelã de alguma forma


acabando em suas mãos. Eu não sei o porquê. Não é como se ele tivesse algum
problema em fazer pedidos com a Sra. Beatrice.
— O quê você está fazendo aqui embaixo? — ele pergunta a Luka. É algo
sobre o qual eu me perguntei também, mas ainda não tive a chance de perguntar
a ele. A aparição repentina de Luka é incomum. Eu geralmente sei os fins de
semana que ele vem para ficar com sua mãe. Nova York fica a apenas algumas
horas de nós, e ele é conhecido por fazer visitas impulsivas, mas geralmente
recebo uma mensagem quando ele decide vir para casa para o fim de semana. —
Eu pensei que você não viria para casa até o Dia de Ação de Graças.
— Decidi descer mais cedo — Luka me lança um olhar que não tenho ideia
de como interpretar. — Passar um tempo com a Stella.
Eu franzo a testa para ele, confusa. Ah, ele quer... praticar? Trabalhar em
nossa história? Provavelmente é uma boa ideia. Eu limpo minha garganta.
— Sim, nós estamos namorando agora — minha voz é alta no silêncio da
fazenda, uma árvore aos redores cheia de pássaros voando. Eu diminuo um
pouco. — Nós somos… ahn, pessoas que namoram. Ele veio passar um tempo
comigo, sua… hm, sua namorada.
Beckett para de andar e olha para mim, ambas as sobrancelhas do topo de sua
testa. Eu me remexo sob seu escrutínio, alcançando a mão de Luka tarde demais.
Luka ri, mas tenta disfarçar com uma tosse. Eu aperto seus dedos com força o
suficiente para quebrar.
— Sim — Beckett gira nos calcanhares e se dirige para o celeiro, o café de leite
de avelã indo junto com ele. — Isso vai precisar de algumas melhorias.
Solto a mão de Luka.
— Somos pessoas que namoram — o olhar de Luka está fixo na linha das
árvores, um sorrisinho fazendo seus olhos enrugarem nos cantos. Ele se vira e
olha para mim. — Sabe, acho que é assim que devemos nos apresentar quando a
Sra. Instagram chegar aqui.
Estreito meus olhos e decido não responder. Eu me viro e continuo
caminhando para o meu escritório. Ele solta uma risada alta e corre para me
alcançar, correndo um pouco à minha frente só para poder andar de ré e me
provocar mais um pouco. Seu casaco se abre com a brisa, um moletom idiota
com o mascote do Colégio Inglewild. Ele provavelmente o comprou na última
arrecadação de fundos, ansioso para apoiar sua mãe, que é professora e chefe da
Associação de Pais e Professores.
Eu nunca soube que um homem poderia ficar tão bem com um texugo
estampado no peito.
— Isso nos traz um bom ponto, entretanto.
— Qual?
— Se agora somos pessoas que namoram, isso significa que já fomos pessoas
que não namoram?
Eu o ignoro, e propositalmente não o lembro sobre a antiga árvore Bordo
que ele está prestes a colidir com. Mas porque o universo me odeia, Luka se
esquiva suavemente sem perder o ritmo. Enfio as mãos mais fundo nos bolsos e
enfio o rosto no cachecol.
— Não sei. Eu estava sendo idiota. Obviamente.
— Mas é algo que devemos conversar sobre. Stella, espere um segundo. —
Mãos fortes seguram meus ombros, me fazendo parar. Seu rosto ainda está cheio
de diversão, mas há uma seriedade lá também. Como na vez em que ele disse que
queria aprender todas as letras de A Night at the Ophera do Queen e ele estava
meio brincando, mas também principalmente sério.
— Ela acha que estamos namorando, né? Essa influencer?
Eu concordo.
— E ela acha que compramos este lugar juntos?
Eu concordo novamente.
— Ok, bem — ele me chacoalha um pouco. — Ela também deve ficar aqui,
em Inglewild. E isso vai ser novidade para uma cidade cheia de intrometidos.
Meu estômago despenca em algum lugar até os dedos dos pés. Eu não tinha
pensado nisso. Em uma cidade tão pequena como a nossa, Luka e eu de repente
anunciarmos que estamos namorando há anos, é notícia de primeira página. A
única vez que Beckett tirou a camisa enquanto arava os pastos no calor seco do
verão, enquanto Becky Gardener estava passando em sua minivan, ele teve o
q y p
direito imobiliário da coluna da direita no Gazeta de Inglewild por três semanas
seguidas.
— Eu não pensei nisso — eu consigo dizer. Engulo sem jeito, um gole
minúsculo, quase cômico ao nosso redor. — Ela ficará hospedada na pensão.
Luka aperta meus braços. O familiar um-dois-três.
— Eu tenho um plano.

Uma hora depois, estou de pé na fonte de pedra que marca a entrada do nosso
centro da cidade. Não tenho certeza se você pode levar em consideração como
centro da cidade um pequeno conjunto de prédios consistindo em uma padaria,
uma pizzaria e uma livraria, mas é assim que se chama desde que moro aqui.
Luka gosta de rir disso quando estamos juntos em Nova York e falar sobre como
ele sente saudade das luzes brilhantes do centro de Inglewild, enquanto
caminhamos pelas ruas movimentadas cheias de homens e suas pastas, carros
ambulantes de comida e casais rindo saindo de bares.
Vale a pena lembrar que a última vez que Luka Peters me disse que ele tinha
um plano, acabei bêbada de tequila, vestindo uma saia hula e cantando karaokê
pop dos anos 90 em um restaurante 24 horas. Luka sorri com a memória quando
eu o lembro disso, sua mão encontrando a minha e entrelaçando os nossos
dedos.
— Mas você se divertiu, né?
Claro. Eu também tive uma ressaca por quase cinco dias depois disso. Eu tive
que me deitar em um milharal no dia seguinte, apenas para evitar que o
horizonte rodasse.
— Pense nisso como um teste — ele balança nossas mãos para frente e para
trás, nossos passos em sincronia enquanto caminhamos para a Main Street. —
Vamos aparecer em algumas lojas. Dizer oi e começar a partir daí.
Eu luto contra a vontade de tirar minha mão de seu aperto e voltar correndo
para a fazenda. Isso parece repentino. E idiota.
— Não deveríamos ter nos preparado para isso ou algo assim?
Ele murmura algo baixinho que não consigo entender e solta minha mão
para jogar seu braço sobre meu ombro ao invés disso. Eu resmungo, mas me
aninho facilmente ao seu lado. Sempre fomos carinhosos um com o outro. Essa
intimidade física entre nós não é novidade. O resultado, eu acho, de duas pessoas
que confiam fortemente no toque físico como método de conforto e
comunicação.
Mas com a história que estamos tentando vender, parece diferente. Um zíper
de consciência ilumina a minha espinha e se instala onde seu braço repousa
pesadamente nas minhas costas. Formiga onde seus dedos brincam
preguiçosamente com o cabelo espreitando para fora do meu chapéu.
— O que você teria feito?
Eu balbucio, distraída. Estou ocupada devolvendo a encarada do Sr. Hewett,
o bibliotecário da cidade. Ele parou na metade dos degraus da biblioteca,
vassoura na mão enquanto limpa as folhas que se amontoam na passagem de
pedra. Mas ele está nos encarando como se estivéssemos fazendo algo indecente.
Eu aceno e continuamos andando.
— Para se preparar — Luka continua, sem perceber a estranha interação. —
Como você teria se preparado para isso?
— Não sei. Provavelmente entender a nossa história, por exemplo. — Olho
por cima do ombro, meu nariz pressionando o braço de Luka. O Sr. Hewett
ainda está nos assistindo andar pela rua, seus óculos de tartaruga praticamente
embaçando.
— Já temos uma história.
— Ah, é? — Paro de me preocupar com os olhos arregalados do bibliotecário
velho e olho para Luka. Sua mandíbula está cerrada. Ah, cara, eu já vi esse nível
de determinação antes.
2009. A feira de verão. Mais de 75 dólares em ingressos de joguinhos para
liberar o maior número possível de peixinhos dourados.
2016. Jogos Olímpicos do Rio. Quando ele se convenceu de que poderia
correr um quilômetro e meio em quatro minutos.
2018. O pequeno apartamento-estudio que eu tinha, em cima da garagem de
troca de óleo. Sua súbita necessidade de colocar fechaduras em todas as janelas e
duas na porta.
— Sim — diz ele. Viramos à esquerda na rua principal. — Menino conhece
menina. É uma história bem simples.
Eu estou desconfiada.
— Tudo bem.
— Veja, a mãe do menino decide que quer se mudar para uma cidade
pequena na costa leste. Ela quer alguma coisa diferente, alguma coisa nova, e
continua falando sobre Pequena Florença. O menino realmente não entende,
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mas ele vai com ela. Ajuda-a a se estabelecer. Quando eles estão fazendo sua
mudança, menino conhece uma menina. Esbarra direto nela. E ela é... — ele
tosse, seu braço apertando meu ombro. — Ela é incrível. Inteligente, engraçada,
bonita para cacete. Mas ela também está triste. Então ele compra uma cerveja e
um queijo grelhado para ela e depois disso… bem, depois disso ele continua
esbarrando nela. Compra-lhe mais queijo grelhado. E é isso.
É isso. Eu engulo em seco. É a nossa história, mas... diferente. Ele me
comprou um queijo grelhado e uma cerveja. Ele me disse que era um pedido de
desculpas por praticamente me derrubar. Todos aqueles meses, tudo parecia
como nadar debaixo d'água, e então Luka estava lá e minha cabeça subiu na
superfície.
Eu olho para ele, presa em uma parte específica dessa história.
— Você me acha bonita?
Ele franze a testa para mim enquanto continuamos andando.
— Claro que eu acho. Eu já te disse isso antes.
Eu balanço minha cabeça, um pouco atordoada. Olho para o passado e tento
me lembrar daquele dia e do que aconteceu depois. Criar uma amizade com
Luka foi fácil. Na metade do tempo não me lembro como era antes dele. Parece
que ele sempre fez parte da minha vida. E não é à toa, depois de quase uma
década.
E embora estejamos confortáveis um com o outro como todos os melhores
amigos estão, eu não acho que ele já me chamou de bonita. Luka sempre
pareceu… alheio não é a palavra certa. Acho que só pensei que ele não pensava
em mim dessa maneira. Amigos não pensam em amigos desse jeito.
Mas você com certeza nota as clavículas dele, meu cérebro fornece, útil. Nunca
perde uma olhadinha para esses bíceps.
— Você não disse.
— Ah. — Sua carranca se aprofunda. — Você é bonita, La La.
Ele diz isso quase como se estivesse bravo por causa disso. E acrescentado
àquela carranca, bem... É provavelmente o elogio mais estranho que já recebi.
No entanto, uma vez um homem me disse que eu tenho dentes bonitos. E a
senhora do supermercado duas cidades acima que me disse que tenho
panturrilhas fortes.
— Mas se você quer uma história angustiante sobre como eu salvei você de
uma lata de lixo barulhenta rolando em sua direção no meio da rua enquanto sua
bota estava presa em um bueiro… à vontade.
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— Isso me parece familiar — murmuro.
Ele sorri, mas eu mal percebo. Meu cérebro ainda está preso no “bonita”.
Bonita, bonita, bonita. Estou me remoendo enquanto continuamos
andando, então não percebo quando ele nos conduz para a estufa que fica
lindamente na esquina da rua. É enorme, as paredes curvas cobertas de vidro,
uma cúpula ornamentada pintada de cores no topo. As silhuetas de vasos
pendurados e folhas largas roçam as janelas, a névoa dos aquecedores
obscurecendo os detalhes de qualquer coisa específica. Quando eu era criança, os
garotos do ensino médio costumavam entrar aqui e desenhar paus nas janelas.
Acompanho Luka cegamente, entrando em uma das grossas portas de vidro.
Duas coisas acontecem imediatamente. A umidade espessa da estufa me dá as
boas-vindas ao armar o meu cabelo instantaneamente, e Mabel Brewster grita a
plenos pulmões.
Luka e eu nos sacudimos.
— Ai, meu Deus — eu gemo. — Você achou que começar por aqui era uma
boa ideia?
Mabel está acenando pelas prateleiras de suculentas na parte de trás com um
olhar quase maníaco em seus olhos. Seu longo cabelo preto está em tranças,
amarrado cuidadosamente para trás com um lenço no alto da cabeça, o laranja e
o vermelho um contraste marcante com sua pele negra. Enquanto eu consigo
sentir o suor começando a se acumular na base das minhas costas e na cavidade
da minha garganta, sua pele está injustamente brilhando na umidade da estufa,
um brilho leve em suas maçãs do rosto salientes. Ela parece uma Barbie de estufa,
e eu digo isso à ela toda vez que ela visita a fazenda com ervas frescas.
Mas nesse momento, ela parece uma pequena barra de dinamite
determinada.
Eu gemo de novo, só para garantir. Luka troca de pé, aparentemente
começando a se arrepender de sua decisão quando ela esbarra em duas palmeiras
dentro de vasos e não diminui a velocidade.
— Por que ela está assim?
Eu sei exatamente o que ele quer dizer, eu só quero ouvi-lo dizer isso.
— Assim como?
Ele me enrola mais perto de seu corpo como se pudesse me proteger dela,
verdadeiramente aterrorizado, um único pensamento em sua cabeça. Conheço
Mabel desde o ensino médio. A última vez que a vi desse jeito foi quando ela
pegou Billy Walters desenhando os pênis nas janelas da estufa de seu pai.
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— Como se ela quisesse esquartejar nossos corpos em pedacinhos, mas
também dar uns amassos com nossos rostos.
Eu bufo uma risada. Mabel tem um metro e meio de altura, provavelmente
pesando 56 quilos quando está encharcada. Mas o que lhe falta em estatura, ela
mais do que compensa em energia. Ela marcha até nós, olhando
penetrantemente para onde a mão de Luka está enrolada ao redor do meu braço.
Ele me puxa um pouco mais perto e exala uma respiração trêmula contra a parte
de trás da minha cabeça. Quero gargalhar de prazer, mas tenho um pouco de
medo do que Mabel possa fazer.
— Vocês dois parecem confortáveis.
Nós continuamos em silêncio. Ela estreita os olhos.
— Não vejo você por aí há um tempo, Luka.
— Você me viu há duas semanas, Mabel. No supermercado.
Ela cantarola, mas não reconhece sua declaração.
— E você. Sra. Fazendeira Chique. Tem algo que você queira compartilhar
com a classe? — Ela praticamente queima um buraco no lugar onde a minha
mão está agarrando a jaqueta de Luka.
— Não muito — eu me faço de boba. — Ah, na verdade — eu digo e ela se
anima. — Eu terei algumas aparas fresquinhas para você a partir da terceira
semana de novembro. Para confeccionar guirlandas, se quiser.
Ela parece que ela gostaria de torcer meu pescoço.
— Confeccionar guirlandas.
— Sim.
— Tudo bem.
Há uma batida de silêncio enquanto todos nós nos consideramos. Estou
lutando contra um sorriso, e posso sentir o estrondo de uma risada presa no
peito de Luka. Ele me puxa para que eu fique totalmente na frente dele e cruza
os dois braços sobre meus ombros, me puxando contra ele. É um ajuste perfeito,
o arranhão de sua barba por fazer pegando na bagunça caótica que é meu cabelo
nesse calor. Os olhos de Mabel se iluminam e um sorriso começa a se formar em
seus lábios.
— Estávamos torcendo que você fizesse uma guirlanda para a nossa porta da
frente — Luka oferece, seu queixo descansando no topo da minha cabeça.
Homem esperto. Ele poderia ter contado direto para ela. Ao invés disso, ele
fez parecer que é algo que ela já deveria saber. Uma conclusão inevitável. Ele
alcançou direto o coração da fábrica de fofocas desta cidade.
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Mabel entrelaça os dedos, apertando as mãos sobre o coração. Ela sorri
enquanto ela balança para trás em seus calcanhares.
— Está acontecendo — ela canta.
E assim, nosso plano começa.

Aparentemente, há um telefone sem fio em Inglewild.


Nós descobrimos isso assim que saímos da estufa de Mabel e atravessamos a
calçada que sai do quartel para a estrada principal. As portas da garagem de
caminhões estão fechadas, e Clint e Montogomery estão recostados nas cadeiras
de plástico desbotadas que usam quando o tempo está bom. Ambos começam a
aplaudir assim que estamos ao alcance da voz, um assobio forte vindo de algum
lugar lá no fundo. Gus, sem dúvida. Ele provavelmente deve estar preso embaixo
do da van do paramédico, consertando-a.
— Porra, finalmente! — grita Clint, levantando sua bebida energética em um
brinde. Monty lhe dá um tapa e gesticula para o parquinho completamente
abandonado do outro lado da rua, como se os seus palavrões pudessem perdurar
e influenciar as crianças atualmente inexistentes a começarem a falar como
marinheiros. Clint o espanta com a mão. — Mabel ligou com as boas notícias!
— Nós estávamos lá há doze segundos — murmuro.
— Intrometidos. Eu te disse. — Luka inclina o queixo para Clint. — Cathy
sabe que você está bebendo isso?
Clint olha para a bebida em sua mão e então lança a Luka um sorriso
atrevido.
— É claro que ela sabe que estou bebendo esta bebida hidratante cheia de
eletrólitos. — Ele inclina o queixo para baixo e olha para nós dois por cima do
aro de seus óculos, uma ponta fina de advertência em seus olhos sorridentes. Sua
esposa Cathy iria arrastá-lo para cima e para baixo pelo quarteirão se soubesse
que ele ainda estava bebendo isso depois do último susto no seu coração. — E vai
continuar assim.
Alex na livraria nos faz uma pequena saudação com sua caneca de camomila
enquanto passamos pelas grandes vitrines de sua loja. Sra. Beatrice, do contra
como ela é, só oferece uma carranca quando Luka coloca a cabeça para dentro,
minha mão na dele, pedindo um café com leite para viagem. E Bailey McGivens e
sua esposa Sandra quase começam a chorar quando Luka e eu esbarramos neles
na calçada.
— Estamos tão felizes por vocês dois — ela consegue falar, agarrando o braço
de Sandra. — Estávamos esperando que isso pudesse acontecer.
Eu não sei se ela está falando comigo ou com Luka, mas eu coro e gaguejo e
faço o meu melhor para não me isolar completamente dentro de mim mesma. Eu
não fazia ideia de que todos estavam tão investidos. Olho para Luka com o canto
do meu olho procurando sinais de qualquer constrangimento, mas ele está
apenas sorrindo gentilmente, ouvindo todos os parabéns com calma, sem uma
pitada de ansiedade em seu rosto bonito. Eu? Eu sou um nó bem apertado de
apreensão.
— Você está bem?
Ele acaricia a pergunta no meu ouvido, os dedos encontrando a presilha do
meu cinto na minha cintura. Eu quase pulo para fora da minha pele.
— Estou bem!
É a mesma coisa conforme andamos pela cidade. Pessoas que conheço desde
sempre e pessoas que não conheço nos dando tapinhas nos ombros, acenando e
torcendo. Parece um pouco como se estivéssemos em um desfile de duas pessoas,
e estou infinitamente feliz por Luka ter sugerido que fizéssemos isso agora e não
quando Evelyn estivesse na cidade. Todos estão agindo como se fôssemos os
escolhidos e nossa união determinasse o destino do universo.
Quando chegamos à delegacia do xerife, que marca o final da rua principal,
estou exausta. Acho que não falei com tantas pessoas desde a última vez que a
Sra. Beatrice ofereceu “pague um, leve outro de graça” por seus mochaccinos de
Nutella e toda a cidade apareceu a céu aberto para esperar na fila.
Luka esfrega as minhas costas antes de peneirar os dedos pelo meu cabelo,
cavando com o polegar na base do meu pescoço. Eu experimento o que só pode
ser descrito como um arrepio de corpo inteiro, um som absolutamente obsceno
saindo da minha boca. Luka faz um zumbido interessado em resposta.
— Pizza quando voltarmos?
Concordo com a cabeça, ainda focada em cada centímetro quadrado de pele
onde seu polegar está pressionando pequenos círculos. Metade de mim quer cair
de cara na calçada, a outra metade quer tirar todas as minhas roupas.
Luka arqueia uma sobrancelha, seus olhos castanhos ficando um tom mais
escuro. Seu polegar pressiona novamente com segundas intenções, testando, e
meus ombros rolam para trás com um pequeno arrepio. Sinto aquela pressão na
barriga, no final da minha espinha.
Eu sempre fui atraída por Luka. Ele é bonito de todas as maneiras que eu
mais gosto; alto, cabelo perpetuamente bagunçado, mandíbula forte e um
punhado de sardas na ponta do nariz. Mas sempre foi fácil ignorá-lo. Convencer
a mim mesma de que não o vejo desse jeito.
Estou vendo agora.
Um sorriso diabólico puxa o canto de sua boca, interesse claro nas linhas de
seu rosto.
— Eu não… — Ele limpa a aspereza em sua voz, dedos avançando pela minha
pele até que ele tem a minha nuca totalmente em concha na palma da mão. Sua
mão é grande, quente. Ele aperta uma vez enquanto seu olhar vagueia pelo meu
rosto. — Eu não percebi…
Eu não sei o que ele não percebeu, porque somos interrompidos pelo clique
muito claro e a introdução de uma espingarda sendo carregada.
Seis

Luka usa a mão no meu pescoço para me puxar para trás, posicionando metade
do seu corpo na minha frente. Espio por cima do ombro para ver o xerife Jones
sentado na varanda da frente da antiga delegacia de polícia, uma espingarda
descansando casualmente em cima dos seus joelhos.
— Esses são bons instintos, filho — ele aponta o chapéu para Luka, mas
mantém uma mão firme ao redor de sua arma. — Isso será um ponto ao seu
favor.
Luka ri, seus ombros relaxando com uma expiração pesada. Sua mão desliza
do meu pescoço, aliviada.
— Ah, isso é um teste?
O xerife Jones não ri.
— Com certeza é.
Dane Jones, xerife da cidade, foi a primeira pessoa que minha mãe e eu
conhecemos quando nos mudamos para Inglewild. Ele nos viu desembalando
nosso hatchback4 superlotado e se ofereceu para nos ajudar, colocando uma das
malas de mão que não combinava com nada da minha mãe no ombro largo e
equilibrando uma caixa com os meus livros em seu outro braço. Ele pediu duas
pizzas para a gente, deu seu cartão de contato para minha mãe e disse para ela
ligar se precisasse de alguma coisa.
Eu pressiono um sorriso na lã do casaco de Luka e depois fico na ponta dos
pés, acenando para o bom xerife.
— O que está acontecendo, Dane?
Dane desvia seu olhar de Luka para sorrir para mim. Está longe de ser um
sorriso de acordo com os padrões, mas depois de quase vinte anos, eu sei o que
significa aquela inclinação dos lábios.
— Ouvi dizer que vocês dois estavam namorando.
— Oh?
— Pensei em parabenizar vocês dois. — Luka faz um som abafado de
protesto, sem dúvidas curioso para saber como a espingarda se traduz em
“felicidades”. Os olhos de Dane deslizam de volta para ele e seguram. — E dar
um aviso ao garotão aqui.
Ah, ok.
Meu sorriso se alarga, um calor se instalando em meu peito. Estranhamente,
sinto Luka relaxar na minha frente.
— Isso é tudo que você tem? — Ele acena para a arma. — Uma arma
descarregada e um aviso vago?
— Não há nada de vago em eu dizer a você que vou quebrar todos os ossos
do seu corpo bem construído se eu ver até mesmo a sugestão de uma lágrima no
rosto daquela garota. E terei um grande prazer em esmagá-lo fisicamente,
mentalmente e emocionalmente. — Ele balança para trás em sua cadeira e chuta
os pés no corrimão. Ele dá um tapinha na arma. — E quem disse que essa arma
não está carregada?
— Ah — Luka engole. — Anotado.
Há um silêncio enquanto nós três nos consideramos. Eu olho para Dane.
Dane olha para Luka. Luka, para seu crédito, não desvia seu olhar de Dane.
— Sabe — eu ofereço, a voz cuidadosamente uniforme. — Eu namorei com
Wyatt e você nunca apareceu com uma espingarda.
Os olhos de Dane voltam preguiçosamente para mim e ele me dá um olhar.
— Acho que nós dois sabíamos que aquilo não ia dar em nada, Canela.
Reviro os olhos para o apelido que ele me deu quando eu tinha treze anos, e
confessei em lágrimas o meu grande crime de esquecer de pagar por um pirulito
de canela no Pare e Guarde na esquina da Terceira com a Monroe. Sentei-me na
frente de sua mesa e chorei estupidamente, mostrando os meus pulsos no ar para
as algemas que eu tinha tanta certeza que ele seria forçado a usar.
Surpreendentemente, ele não sentiu a necessidade de me colocar sob
custódia.
— Você vai para a casa do seu pai no próximo fim de semana?
Eu faço uma careta. Eu quase tinha esquecido.
— Sim, o de sempre.
Luka se vira e franze a testa para mim.
— Ele ainda está fazendo isso? A coisa do Dia de Ação de Graças antecipado?
Sim, meu pai ainda me faz ir em um Dia de Ação de Graças antecipado em
sua casa para evitar o horror de ter que entreter sua filha bastarda no feriado de
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verdade. E sim, meu pai ainda é a pior combinação de egocêntrico e egoísta, sua
falsa humildade como uma cereja azeda no topo.
Mas ele é a única família que me resta. E isso deve contar para alguma coisa.
Mesmo que ele não queira que conte.
— Sim — eu digo simplesmente. — Vou levar a torta.
Eu posso sentir os olhares fixos de ambos os homens em mim. Luka parece
ter alguns pensamentos sobre o assunto. Acho que o vi franzir mais a testa nos
últimos dois dias do que em todo o nosso relacionamento. Dane voltou a correr
os dedos em sua espingarda, parecendo pensativo.
— Deixe-o saber que eu disse oi — ele oferece. — E que eu ainda acho que
ele não está apto para lamber o piche da bunda de Satanás.
Eu estouro de rir. Eu adoraria ver o olhar no rosto de Brian Milford se eu
entregasse essa mensagem. Vou ter que mandar uma mensagem para Charlie
mais tarde.
— Tudo bem — engancho meu braço no de Luka e começo a nos arrastar de
volta para a cidade. Se tivermos sorte, Matty ainda pode ter um pouco de
calabresa e podemos pegar uma torta para viagem. — Sempre um prazer, xerife.
— Igualmente, Canela. Estou de olho em você, Peters.
Eu meio que espero que ele aponte para os olhos e depois aponte para Luka
antes de arrastar o dedo pela garganta. Mas, aparentemente, isso é demais para o
homem sentado em frente à delegacia com uma arma no colo.
Luka fica quieto enquanto andamos de volta. Eu olho para ele, reparando
que sua carranca não se desfez nem um centímetro. Limpo minha garganta. O
que eu não daria para voltar à leveza de seus dedos torcendo meu cinto.
— Isso te incomodou?
— Hm?
— O xerife? Acho que ele estava basicamente brincando. Você sabe que ele é
protetor.
Luka levanta a mão para passar os dedos pelo cabelo, mas lembra no último
segundo que ainda está usando a touca com a bolinha. Ao invés disso, ele passa a
mão sobre ela, empurrando a touca para cima até que um tufo de cabelo espesso
se solte na frente. Com suas bochechas rosadas e cabelos escuros e bagunçados,
ele parece algo que deveria estar em um globo de neve. Eu suspiro.
— Não, isso foi tranquilo — diz ele. Um sorriso se abre, um pouco de sua
melancolia desaparecendo. — Na verdade, isso foi fantástico. Eu gosto que você
tenha pessoas cuidando de você.
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— Ele verifica a fazenda a cada duas semanas. Acho que ele até mandou
alguns dos deputados limparem a rua no trecho da estrada que leva até nós.
E ele sempre compra três árvores. Todo ano. Ele pega abóboras o suficiente
para colocar em cada corrimão de sua varanda. Ele faz questão de pegar um
chocolate quente de Layla e produtos frescos de Beckett. Ele é um bom homem.
— Por que você ainda está indo para a casa do seu pai, La La? Você fica
sempre tão... — Ele considera suas palavras cuidadosamente, me avaliando pelo
canto do olho. — Você fica retraída depois. Isso te deixa triste.
Eu dou de ombros e me concentro no jeito como nossos pés marcham na
mesma batida pela calçada. As pernas de Luka são muito mais longas, mas ele
desacelera para acompanhar o meu passo, dois pares de botas em perfeita
harmonia.
— Eu não fico triste, fico só… cansada, eu acho. É sempre exaustivo.
— Então por que você ainda vai?
— Eu gosto de ver o Charlie. E a Elle é legal.
— E? Você pode ver qualquer um deles sempre que quiser. Você não precisa
alimentar esse não-feriado estranho que seu pai insiste em fazer todos os anos.
Eu não tenho certeza se foi ideia do meu pai. Eu acho que ele vai na onda,
claro. E com certeza é mais conveniente para ele se eu comparecer a essa versão do
Dia de Ação de Graças e não à grande festa que ele dá no verdadeiro feriado para
o Conselho de Administração que supervisiona a sua empresa de cobertura de
gestão de fundos. Mas inicialmente o convite veio diretamente de Elle.
Suspiro e decido optar pela honestidade.
— É bom ter um lugar para estar — eu digo baixinho. — É bom ter uma
família para visitar.
Mesmo que todo o jantar seja uns desajeitados noventa minutos de conversa
fiada, é uma tradição por si só.
— O que isso quer dizer? Você está me dizendo… — Estou surpresa ao ouvir
que Luka parece zangado. Furioso, até. — Stella. Eu te convidei para todos os
Dias de Ação de Graças.
Eu sei disso. E eu recusei todas as vezes. Ao invés disso, passo meu dia em um
abrigo nos arredores de Baltimore, servindo purê de batatas e sanduíches de peru
até parecer que meus braços vão cair. E no caminho para casa, paro no Sheetz e
como o equivalente ao meu peso em tater tots e mac and cheese frito.
E tá tudo bem. Perfeito, até. É exatamente como eu quero passar meu
feriado. Minha mãe costumava montar um banquete parecido para nós todo Dia
q p p
de Ação de Graças. Nunca podíamos comprar peru e batata-doce e caçarolas de
feijão verde, então ela improvisava. Fizemos jantares na frente da TV e
arrumamos a mesa com nossos utensílios de plástico mais extravagantes e rimos
alegremente brindando uma com a outra com Dr. Pepper.
É a minha própria tradiçãozinha.
— Eu te vejo no dia seguinte — eu me defendo. — Você sabe que eu não
gosto de perder a oferta de Black Friday na livraria.
Ele para de andar e envolve as duas mãos nos meus ombros. Eu olho para ele
e vejo aquela bolinha novamente. É realmente irritante. Eu franzo a testa para
ele.
— Por que você não tem passado o Dia de Ação de Graças comigo e com a
minha mãe?
Porque a mãe de Luka ainda belisca suas bochechas quando ele entra pela
porta. Porque sua avó e todas as suas tias fazem o jantar enquanto gritam umas
com as outras em italiano, batendo em seus pulsos com colheres de pau quando
você chega muito perto da panela. Porque é acolhedor, e barulhento, e caótico, e
perfeito. Porque se parece muito com todas as coisas que estou perdendo.
Eu dou de ombros. Ele murmura baixinho.
— Bem, se eu não posso impedi-la de passar voluntariamente o seu dia com
aquele idiota, eu não vou deixar você fazer isso sozinha. — Ele olha para mim, e
eu posso ver que ele está falando sério. Ele parece como se devesse estar me dando
essa proclamação do topo de uma montanha, diante de um campo amplo e
verde. Uma espada ou algo na mão. Talvez um kilt. — Eu vou com você.
Eu me esforço para tirar da minha mente a imagem mental de Luka em um
kilt.
— O quê?
— Vou com você para o Dia de Ação de Graças forçado e falso.
— Uh, não, você não vai.
— Por quê?
— Bom, em primeiro lugar: porque você não está convidado.
— Tudo bem, ok. Charlie me ama. Vou mandar uma mensagem para o
Charlie.
É verdade. Charlie o ama. Charlie o convidaria em um milissegundo.
— O que é o “em segundo lugar”?
— O quê? — Eu me assusto e olho ansiosamente para a placa néon da
pizzaria a dois quarteirões de distância. Se eles ficarem sem pizza de massa grossa
p q p g
enquanto estamos tendo essa discussão, talvez eu nunca perdoe Luka.
— Você disse “em primeiro lugar”. O que é o “em segundo lugar”?
— Em segundo lugar — eu procuro uma resposta apropriada. — Em
segundo lugar…
— Viu — ele está presunçoso. Reviro os olhos e começo a andar rapidamente
até a pizzaria. Vou pegar uma pizza de massa grossa para mim, e Luka ficará
apenas com a especial de vegetais sem glúten e de massa fina. — Não tem
segundo lugar.
— Há um “em segundo lugar” — eu estalo. Não quero que ele ouça a
maneira como meu pai fala comigo. Como às vezes ele nem sequer reconhece a
minha existência. Como se eu fosse uma sombra inconveniente na mesa. Não
quero que Luka veja como o meu Dia de Ação de Graças é quando o dele é tão
maravilhoso. — Eu não quero que você vá.
Isso faz Luka parar, e sinto que os seus passos vacilam ao lado dos meus. Eu
luto contra o instinto imediato de retirar o que disse.
— Isso não é verdade — ele diz baixinho, e meu peito aperta quando ouço a
dor em sua voz. — Você não quer dizer isso, Stella.
Merda. Eu paro na calçada com um último olhar ansioso para o Pizza do
Matty e então me viro para Luka, agarrando logo acima de seus cotovelos como
ele costuma fazer comigo. Eu o sacudo uma vez.
— Luka — Seu rosto está quase comicamente triste. Não faço ideia de como
sua mãe conseguiu educá-lo na infância. — Luka, você já está fazendo muito por
mim. Não quero que você venha para… — Tento lembrar de como ele se referiu.
— Eu não quero que você vá para o Dia de Ação de Graças forçado e falso.
Ele se anima um pouco.
— É por isso? Porque você acha que eu já estou fazendo muito?
Eu concordo, hesitante. Ele sopra uma lufada de ar e balança para trás em
seus calcanhares.
— Ok, bem, isso é fácil.
— Isso é fácil?
— Sim, eu vou com você. Somos amigos há quase dez anos, La La. Pare de
anotar o placar.

Felizmente para Luka, ainda há pizza de pepperoni com massa grossa


quando finalmente chegamos ao Pizza do Matty. Como de costume, Luka espera
no meio-fio enquanto eu corro e pego nossa comida. Matty me dá uma piscadela
e um sorriso da cozinha dos fundos e me avisa que é por conta da casa para os
pombinhos. Ele até organiza os pepperonis em um coração. Isso ajuda bastante a
aliviar minhas frustrações relacionadas a Luka.
Ele diz para não anotar o placar, mas não posso evitar. Sempre tive problemas
em aceitar ajuda e isso parece ser tudo o que tenho pedido ultimamente. Não sei
como vou recompensá-lo por tudo isso.
Nós ficamos quietos no caminho de volta para a fazenda, o murmúrio do
rádio preenchendo o silêncio entre nós. De vez em quando, há o rangido da caixa
de papelão quando enfio a mão para pegar um pepperoni ou dois. Eu tento ser
furtiva, mas no meu terceiro, Luka estende a mão e a enrola em volta do meu
pulso, guiando um pepperoni perfeito e gorduroso para a sua boca.
As bordas de seus dentes mordem os meus dedos, seu lábio inferior pega e
arrasta na ponta do meu polegar. Há uma pitadinha de língua, e meu estômago
cai até os dedos dos pés.
Ele faz um gemido exagerado enquanto mastiga, e eu tenho que abrir a janela
meio centímetro.
Eu mantenho a caixa de pizza fechada depois disso.
Quando entramos na estrada estreita que leva à fazenda, vejo Beckett
acenando para nós, cotovelos apoiados no poste da cerca que circunda a terra
que usamos para produção. Luka diminui a velocidade do carro e eu abro a
janela. Eu tiro uma foto rápida com o meu celular para postar no Instagram da
fazenda, e Beckett faz uma careta. É culpa dele por ficar em pé assim. Luka ri em
algum lugar atrás de mim.
— Por que recebi quatro ligações sobre vocês dois?
— Quatro ligações?
— Minhas irmãs e depois o telefone sem fio.
Minhas sobrancelhas disparam na minha testa.
— Você faz parte do telefone sem fio?
Beckett franze a testa.
— Todo mundo faz parte do telefone sem fio.
— Eu não faço — Luka diz por cima do meu ombro. — Nem a La La.
— Ah, bom — Beckett dá de ombros, totalmente despreocupado.
Sinceramente, eu nem sabia que o homem tem um telefone celular. Quando
preciso dele, simplesmente saio do meu escritório e grito seu nome nos campos.
— Vocês espalharam a notícia, se é isso que vocês estavam querendo fazer.
p q q
Eu franzo a testa, algo sobre isso enrugando no fundo da minha mente. Com
toda a empolgação, sinto que esquecemos algo importante. Beckett acena para
nós e volta a fazer o que quer que ele faça quando está sozinho com as batatas, e
Luka nos guia pelas estradas secundárias.
Lembro-me da minha antiga hesitação no dia, sobre como estamos
mergulhando nisso sem um plano. Tinha dado certo dessa vez, mas o que vem
em seguida? Estou presa nisso enquanto desço do carro de Luka e vasculho
minha bolsa em busca das minhas chaves, abrindo a porta com o ombro e
permitindo a nossa entrada no corredor bagunçado. Eu tiro as minhas botas e
ignoro a forma que Luka quase imediatamente as endireita, jogando meu
cachecol em uma mesa. Eu ando pela cozinha sem pensar e encontro os pratos
em forma de gnomo que combinam com o pano de prato, deixados pelo dono
anterior e sinceramente estranhos demais para se livrar deles. Pego uma fatia de
pepperoni e olho pela janelinha acima da pia.
Dei duas mordidas quando percebo o problema.
— Luka.
Ele ignorou meu humor introspectivo e montou acampamento no meu sofá,
um jogo de futebol americano universitário na televisão e uma cerveja na mão.
Ele se vira para olhar para mim, o longo braço esticado sobre a parte de trás do
meu sofá.
— Você descobriu?
Eu aceno e me aproximo um passo. Eu dou uma mordida extra na pizza para
ter força e coragem.
— Todo mundo pensa que estamos namorando — eu começo. Ele me dá um
olhar que diz claramente que esse não é o objetivo de hoje. Eu olho para ele de volta
e me lembro que ele não pode ler minha mente. — É só que… se eles acham que
estamos namorando, o que eles vão pensar quando nós… não estivermos
namorando?
Todos que encontramos hoje ficaram muito felizes por nós. Investidos.
Bailey McGivens chorou. Mabel quase levou Luka ao chão quando ele insinuou
que estávamos morando juntos. Eu sei que deveria ter pensado nisso antes, mas
essa coisa toda está começando a parecer confusa. E Evelyn ainda nem chegou.
Ele toma um longo gole de sua cerveja, uma pequena linha se formando
entre suas sobrancelhas.
— Eu não estou te acompanhando.
Eu circulo o sofá e me empoleiro na borda.
p
— Não temos um plano de saída.
— Precisamos de um plano de saída?
Tipo, namorar de mentira para sempre? Andar pela cidade aos sábados de
braços dados, só para ir para casa em duas casas separadas? Isso parece... uma
escolha estranha. Meu rosto deve trair minha confusão porque Luka ri,
levantando ambas as mãos.
— Espere, me escuta. — Ele move seu corpo até que ele esteja totalmente de
frente para mim, descansando sua garrafa de cerveja no meu joelho. Eu estreito
meus olhos para ele e a alcanço, tomando um gole rápido. Os lúpulos5
deliciosamente amargos explodem na minha boca e eu me acalmo um pouco. —
Eu entendo que hoje foi um espetáculo, mas quando tudo isso acabar, depois de
encantarmos Evelyn Stackhouse...
— St. James — eu o corrijo.
— … ou o que quer que seja, e você ganhar esse concurso, o que realmente
tem que mudar? Hoje nós não agimos de forma diferente do que normalmente
fazemos. Eu só fiz algumas insinuações para Mabel entender.
Eu penso na maneira como ele enrolou a mão em volta do meu pescoço,
como eu podia sentir a batida do seu coração contra minhas costas quando ele
me puxou contra seu peito. Penso em como ele cheirou embaixo da minha
orelha quando passamos pela livraria, apontando a nova coletânea de assassinos
em série de não-ficção. É verdade que às vezes agimos assim. Mas eu dificilmente
chamaria isso de normal.
Luka continua, alheio ao meu olhar duvidoso.
— Quero dizer, o que você estava pensando? Você queria enviar um
comunicado ou algo do tipo? Que tal nós apenas... continuarmos.
Eu pisco para ele. Ele dá uma mordida gigantesca na pizza, satisfeito consigo
mesmo. Não faço ideia do que ele está falando. Continuar o que, Luka? Eu
quero agarrar seus ombros e sacudi-lo. Continuar o quê?
— Nós vamos… — Eu quase nem quero dizer isso. Pego sua cerveja e a tomo
em quatro goles e depois estremeço. Cervejas não são para virar. Eu entrego a ele
a garrafa vazia e, em seguida, entrelaço meus dedos no meu colo. Uso minha voz
paciente, aquela que uso quando as crianças do jardim de infância visitam a
fazenda em sua excursão anual e mostro como plantar suas sementes. — Luka, o
que você quer dizer quando usa a palavra continuar?
Ele olha para mim como se soubesse exatamente que tipo de voz estou
usando.
— Dizer que estávamos namorando de verdade — seu olhar suaviza,
enevoado na luz da TV, olhos castanhos quentes e reconfortantes. Um meio
sorriso surge no canto de sua boca, como se o pensamento o agradasse. Como se
ele não pudesse imaginar nada melhor. — Isso não mudaria essa parte, certo?
— Pizza no sofá? Absolutamente não. — Porém provavelmente seria com o
opcional de usar calças. A ideia disso envia uma pontada de consciência através
de mim.
— Não, quero dizer — ele procura as palavras certas, inclinando o queixo
para olhar para o teto como se pudesse encontrar a resposta em algum lugar lá
em cima entre as vigas de suporte. Seu rosto livre de preocupações na luz do sol
poente. O ângulo afiado de sua mandíbula. O tom escuro de suas sobrancelhas.
Seu nariz reto e as sardas que dançam sobre ele. Ele tirou o gorro assim que
entramos e seu cabelo ainda não descobriu o que fazer, selvagem e despenteado e
espetado em todas as direções. — Quero dizer, se estivéssemos namorando de
verdade, gostaria de pensar que não importa o que acontecesse, ainda agiríamos
exatamente como fazemos agora. Que mesmo no caso de um término, que nem
você está preocupada, ainda seríamos amigos e ainda faríamos isso. Nós
continuaríamos.
— Então você acha — eu tento seguir sua lógica. — Ah, você acha que
porque temos uma amizade, não importa se nos separarmos ou não.
Ele concorda.
— Sim, exatamente. Não precisamos dizer nada a ninguém. Vamos
continuar fazendo o que sempre fizemos e se alguém perguntar, podemos contar
a eles, eu acho. Mas não é provável.
— Isso não vai… eu não sei… não vai impactar suas atividades quando você
estiver de volta na cidade? Depois disso?
Ele parece confuso enquanto passa a mão de um lado para o outro pelo
cabelo, de alguma forma conseguindo bagunça-lo ainda mais.
— Atividades?
— Você sabe — eu faço um gesto vago com as mãos. — Tipo se você quiser
sair e pegar uma amiguinha ou algo assim. — Parece que tenho cento e sete anos.
Ele pisca para mim.
— Quem eu vou pegar? Sra. Beatrice?
— Luka.
— Eu nunca fiz isso aqui.
Eu faço uma careta, lembrando de uma noite no bar quando ele visitou
durante as suas férias da faculdade, a sua mão na coxa de uma turista sob o bar,
seu nariz roçando o ombro dela enquanto ele se aproximava.
Eu limpo minha garganta.
— Você já fez isso uma ou duas vezes aqui.
Ele franze a testa como se não tivesse ideia do que estou falando. Como se a
ideia disso fosse absurda.
— Eu não fiz.
Não estou disposta a continuar essa conversa, nem explicar o porquê cada,
ah, encontro dele está gravado em meu cérebro.
— O meu ponto permanece — eu digo com uma determinação de ferro para
ficar relaxada sobre isso. — Que se continuarmos e as pessoas pensarem que
estamos namorando, você pode ter algum… hm… problema. Fazendo isso.
— Que é um ponto irrelevante — ele responde, parecendo confuso e um
pouco magoado. — Porque isso não é algo que eu fiz em... cinco anos, Stella. E
especialmente não aqui.
— Tudo bem. — Ele está errado, mas tudo bem.
— Ok.
— Bom.
Uma risada frustrada o deixa e ele chuta as pernas para fora, esparramado no
sofá. Ainda tenho minhas reservas, mas é um pouco tarde para voltar atrás depois
dessa tarde. Na pior das hipóteses, podemos dizer a todos que decidimos que
funcionamos melhor como amigos.
Ou eu poderia fingir minha morte e me mudar para o México. Aposto que
uma fazenda de árvores para feriados daria muito certo lá. Eu poderia vender
pequenas palmeiras com cascas de coco em uma praia em algum lugar.
Depois de alguns minutos de nós dois encarando um wide receiver, jogador
importante em pontuações de jogos americanos, de faculdade voando pelo
campo sem realmente enxergar, seu pé com meia cutuca o meu.
— Vai ficar tudo bem, La La. Não importa o que aconteça, eu não vou
desaparecer para você. Ok?
Como de costume, Luka alcança o meu medo mais profundo enquanto eu
tenho gordura de pepperoni grudada no meu queixo. Meu pai foi embora antes
de eu nascer e isso destruiu a minha mãe. Ela morreu antes de eu completar vinte
anos. Nós nos mudávamos muito para que eu pudesse fazer amigos para a vida
toda. Eu nunca consegui manter ninguém.
g g
— Promete?
Não tenho vergonha de como minha voz treme nas bordas, o aperto na
minha garganta. Ele precisa saber o quanto isso é importante. Não estou
disposta a fazer nada disso se isso significa perdê-lo no processo.
Ele entrelaça nossos dedos e aperta. Seus olhos são sinceros, e é fácil acreditar
nele.
— Prometo.
Sete

A semana anterior à versão do Dia de Ação de Graças do meu pai passa voando.
Luka passa esse tempo em Nova York, cuidando de algum projeto misterioso no
trabalho, que ele explica usando apenas adjetivos vagos, e eu passo o meu tempo
organizando as coisas para a mudança de feriados na fazenda.
Eu encontro um purificador de ar de pinheiro no vão da porta da minha casa
depois que ele volta para a cidade, suspenso ordenadamente no meio como um
raminho de visco. Eu o puxo para baixo com um sorriso e coloco com os outros,
me perguntando se ele sempre para no pequeno posto de gasolina nos limites da
cidade.
Limpamos o canteiro de abóboras danificado e instalo algumas câmeras ao
redor da propriedade. Eu tive que dirigir por quase 20 minutos para encontrar
uma loja de eletrônicos com qualquer tipo de estoque. Barry, da Eletrônicos do
Barry, me informou que, embora as câmeras não sejam tão de ponta quanto
algumas das outras coisas do mercado, elas me avisarão se alguém estiver
entrando na fazenda sem meu conhecimento.
Ou se os guaxinins desenvolveram uma sede por destruição de abóboras.
Em um golpe de mestre, Beckett transforma as árvores retorcidas no pasto
sul em uma floresta mal-assombrada na noite de Halloween. A melhor parte é
que ele não precisa fazer absolutamente nada para a floresta parecer algo do
Labirinto do Fauno. Susie Brighthouse dá uma olhada na floresta enquanto ela e
sua mãe pegam o bufê de Layla, declara que é totalmente distorcido e a próxima
coisa que eu sei, toda a turma do segundo ano está correndo pelo terreno como
uma horda de zumbis bêbados.
É o maior número de convidados que tivemos desde a última temporada, e
apesar de ser um grupo de pré-adolescentes empolgados, é o suficiente para me
dar uma bóia de esperança. Beckett, Layla e eu comemoramos de acordo e
sentamos na beira dos pastos com uma garrafa térmica de cidra com cravo,
ouvindo enquanto eles gritavam um para o outro.
— O que você colocou lá para assustá-los?
— Nada.
— Nada?
— Talvez eles tenham medo da sua própria idiotice.
Enfim, é uma boa semana. Acordo na manhã do Dia de Ação de Graças
forçado e falso e espero pelo pior, mas estou agradavelmente surpresa. Nada na
fazenda é destruído, todas as remessas chegam a tempo e ninguém aparece no
meu escritório para me dizer que algo está pegando fogo. Metade de mim espera
que uma cratera se abra e me engula nas profundezas do inferno enquanto
caminho pelos pastos até o grande celeiro vermelho. Mas não vejo nada além de
caixas de jardim bem cuidadas à beira da estrada e árvores ao longe, alguns cestos
vazios na trilha que alguns colecionadores de produtos devem ter esquecido.
Pego as cestas vazias e as coloco no meu braço, empilhando-as perto da porta
enquanto entro no celeiro e começo a puxar as caixas com enfeites de Natal. É a
minha parte favorita do ano, a transição entre o outono e o inverno. Quando eu
desempacoto todas as coisas que tornam esse lugar mágico.
Hank fez o seu melhor para tornar este lugar festivo, mas ele estava mais
focado nas árvores do que na experiência. Ele havia deixado para trás algumas
renas de madeira de aparência triste, um trenó feito de velhas caixas de transporte
e uma fantasia de Papai Noel comida por traças. Todos os pisca-pisca
pendurados nos prédios haviam queimado há anos atrás, e o letreiro do pólo
norte estava desbotado e desgastado. Layla apelidou de Natal do deserto nuclear
na nossa primeira semana na fazenda.
A maior parte do meu orçamento no ano passado foi para a reforma. Eu
queria que as pessoas dirigissem pela estrada de terra estreita e fossem recebidas
com um túnel de grandes lâmpadas bulbo, exatamente como as que seus avós
tinham. Eu queria que elas passassem pelos portões da frente enfeitados com
dois grandes laços vermelho-cereja, placas de sinalização pintadas com espirais de
vermelho e branco. Eu queria que as famílias saíssem de seus carros e olhassem
para fileiras e mais fileiras de árvores no sopé das colinas, crianças correndo na
frente para conseguir um lugar na fila para a pista de patinação no gelo.
Eu queria que parecesse entrar em um especial de Natal de Dolly Parton.
Eu agarro a escada e começo a puxar as caixas para baixo, puxando as tampas
e cutucando o papel de embalagem cuidadosamente embrulhado. Corro minhas
mãos sobre a placa do Pólo Norte que passei horas estampando, com tinta
vermelha nas pontas dos dedos por semanas. Uma parte da tensão em meus
ombros é liberada na quinta caixa. Parece que tudo está aqui e contabilizado. Até
a pequena rena de lata feita com latas de cerveja por Beckett, seu presente de
elefante branco6 para mim no ano passado.
Eu seguro um dos laços vermelhos gigantes e corro meu dedo ao longo da
borda inferior. É tolice se emocionar com uma fita, entre todas as coisas, mas
aqui estou eu. Eu tinha imaginado… com tudo, eu tinha imaginado que os laços
estariam em frangalhos ou roubados ou manchados ou qualquer outra coisa
ridícula. Mas eles estão aqui, perfeitos e imaculados e prontos para ficarem
perfeitos em nossos portões de ferro forjado. Estou grata. Envio um desejo aos
fantasmas dos feriados passados, presentes e futuros. Eu só preciso que esse
pouco de mágica continue até o final do mês.
— Por favor — eu sussurro, desejando ter um ramo de visco para agitar por
aí. Talvez algum incenso de hortelã.
— É isso que você está vestindo essa noite? — Quando me viro, Luka está
recostado na porta aberta do celeiro, com um donut na mão. Ele está com os
membros soltos e os ombros relaxados, seus olhos viajando no mesmo padrão
um-dois-três que suas mãos sempre pressionam na minha pele. Tenho uma
desculpa pronta na ponta da língua, ansiosa para dar para trás, para explicar, mas
ele não dá nenhum sinal de que ouviu o meu pedido nas vigas do celeiro. Ele dá
uma mordida e acena para o laço muito grande em minhas mãos, obscurecendo
metade do meu corpo de vista. — Ousado, mas festivo. Deve causar uma
impressão.
Sentindo-me boba, eu o seguro perto do meu peito e o coloco sobre mim,
esticando minha perna por baixo e arqueando meu pescoço para trás. Eu sou
Jessica Rabbit em um lindo laço vermelho. Há um som de asfixia e eu me
endireito para encontrar Luka dobrado ao meio, lutando para engolir sua
rosquinha.
Preocupada, eu jogo o laço em cima das caixas de enfeites e corro, batendo a
palma da minha mão entre suas omoplatas várias vezes. Tento me lembrar do
que eles nos ensinaram em nossa aula de Reanimação Cardiorrespiratória no
ensino médio. Bater no ritmo de uma música? Eu murmuro baixinho antes que
Luka me afaste, sua risada um pouco rouca.
— Por que você está cantarolando Earth, Wind, & Fire enquanto eu quase
engasgo até a morte?
Ah, essa... não era a música correta.
Luka tosse mais uma vez e se endireita, um sorriso devastador puxando sua
boca. É fácil assim pensar nele como sendo meu. Esse Luka, com esse sorriso,
nesse lugar. Botas marrons com cadarços e um suéter sob sua roupa. A onda de
possessividade é tão feroz que me tira o fôlego, e esfrego meu peito em um
esforço para me livrar do sentimento. Sinto que nosso showzinho de ontem na
cidade abriu a pequena caixa de aço em que guardo enterrados todos os meus
sentimentos por Luka.
Eu preciso lembrar que Luka não é meu. Nem mesmo quando estamos
fingindo.
Ele inclina a cabeça para mim e pondera, algo apertando as linhas de seus
olhos. O que eu não daria para saber o que está passando pela cabeça dele. O
momento passa, e eu luto para encontrar meu equilíbrio.
— Você está pronta para ir?
Não, eu não estou. Eu quero ficar aqui neste celeiro com ele e meus lindos
laços vermelhos para sempre. Eu quero esquecer que todo o resto existe. Quero
que Layla deixe rosquinhas de cidra de maçã na porta para nos sustentar. Talvez
uma pizza ou duas.
Em vez disso, eu suspiro e olho para onde seu carro está estacionado no
cascalho do lado de fora do celeiro. Eu me entrego à uma fantasia passageira de
cortar todos os pneus, então teremos que ficar aqui.
— Acho que tenho que estar.

— É difícil para você? Essa coisa de Ação de Graças esquisita?


Eu descanso a minha testa na janela e observo as fazendas e pastagens do lado
de fora da minha janela lentamente se transformarem em shoppings. Um
subúrbio movimentado com drive-thru Starbucks e Burlingtons. Casas que
parecem ter sido decoradas por pessoas sem personalidade, com suas cercas
brancas impecáveis e um apenas um carvalho gigante no jardim da frente.
Perfeito para um balanço de pneu. Eu sonhava com casas assim quando eu era
criança.
É difícil para mim ter que ir à casa do meu pai, mas não pelas razões que
Luka pensa. Ele provavelmente acha que é difícil ver a casa e o quintal e a adega
de vinhos e a garagem para quatro carros quando na maioria das vezes, minha
mãe e eu dividíamos um apartamento de apenas um quarto. Ele provavelmente
pensa que é difícil ver o lar que ele construiu com Elle e Charlie que ele escolheu
não construir comigo e com a minha mãe. Isso é verdade, mais ou menos, mas
para mim é mais difícil sentar naquela mesa em um dia destinado à família e
perceber o quanto eu e meu pai nos parecemos.
Temos o mesmo rosto arredondado, os mesmos olhos grandes e azuis. Nós
dois temos cabelos escuros e cacheados. A primeira vez que conheci Charlie, foi
chocante. Era como se olhar no espelho. Minha mãe costumava brincar e dizer
que a única coisa que herdei dela foram suas tendências extravagantes e seu
gancho de direita arrasador. Ela gostava de fingir que estava bem, que ficar
sozinha era uma escolha dela. Mas à medida que envelheci, vi como ela era
solitária. Ela nunca namorou, pelo menos é o que eu me lembro. Meu pai a
destruiu quando ele partiu.
É por isso que é difícil para mim. Eu sento naquela mesa e o tempo todo, eu
me questiono. Eu me questiono se toda vez que ela olhava para mim, ela o via.
Eu me questiono se isso a deixou triste.
Eu desenho um rosto feliz na janela embaçada com o meu dedo mindinho.
— Sim — eu respondo simplesmente, e deixo por isso mesmo. Eu posso ver
Luka me lançando olhares preocupados com o canto do olho, mas eu ignoro.
Essa noite vai ser... boa. Vai tudo ficar bem. Sempre fica.
Qualquer hesitação que eu tinha a respeito de Luka vir comigo desapareceu
diante de uma profunda apreciação de que, na pior das hipóteses, eu posso ficar
incrivelmente bêbada com o vinho absurdamente caro do meu pai e Luka pode
me levar para casa e me deitar na cama.
Eu limpo o rosto feliz com o polegar e me inclino para trás no banco,
empurrando a minha cabeça contra o encosto para olhar para Luka. Há duas
tortas medianas no meu colo. Eu não pedi à Layla para assar nada. Meu pai não
merece uma torta Layla.
— Passamos pelo menos três drive-thrus da Wendy. Quer pular o jantar e eu
te dou uma raspadinha?
— Não — eu suspiro. Mesmo que a oferta seja tentadora. Talvez no caminho
de volta. — Será bom ver Charlie.
Luka cantarola.
— Será bom ver Charlie. Eu não o vejo desde… — ele analisa, sua boca se
movendo silenciosamente enquanto pensa. — Quatro de julho? Eu acho?
De todos os casos isolados e estranhos que aconteceram depois da morte da
minha mãe, Charlie é o único ponto positivo. Eu procurei meu pai e estendi a
p p p p
mão em uma tentativa equivocada de oferecer um encerramento. Eu tinha
imaginado que ele poderia querer saber… bem, eu achei que ele poderia querer
saber que a mulher com quem ele teve uma filha havia falecido. Ainda me
lembro do vestido que estava usando quando parei na entrada de sua garagem
naquele dia quente de primavera. Como eu estava com raiva de todas as flores
desabrochando no jardim. Como as flores ainda podiam desabrochar quando
minha mãe estava morta? Como o sol ainda podia brilhar tanto? Por que as
pessoas estavam rindo em suas varandas, bebendo limonada como se nada
estivesse errado?
Um vestido azul claro e sapatilhas vermelhas brilhantes. Eu queria parecer
legal. Bati na porta e esperei, com o coração na garganta, uma pilha de cartas que
minha mãe havia escrito para ele apertada na minha mão. Charlie atendeu a
porta, sua saudação falhando às pressas no segundo em que seu olhar pousou em
mim. Seus grandes olhos azuis, como os meus olhos, piscando em choque.
Charlie nasceu exatamente oito meses depois de mim. Muitas coisas ficaram
claras depois disso.
E apesar do constrangimento causado pelo aparecimento da filha de seu pai
na sua varanda em um dia aleatório durante a primavera, Charlie e eu nos
tornamos amigos rapidamente. Acho que nós dois queríamos um irmão.
— Foi no quatro de julho que ele insistiu em beber de um barril com as
pernas para o ar e o projetou vômito na lateral da casa de Beckett?
Luka ri baixinho.
— Foi sim. Eu disse a ele para não fazer isso.
— Você não disse. Na verdade, acho que você o encorajou. Você estava
cantando.
— Ah, inferno. Sim, eu estava. Os shots de gelatina de Layla me fizeram
sentir uma brisa. Ela os torna sorrateiramente saborosos. Você nem percebe que
já bebeu metade de uma garrafa até que você esteja usando um chapéu do Tio
Sam, e exigindo que um homem adulto beba de um barril.
— Estamos muito velhos para shots de gelatina e barris.
— Claramente, estamos muito velhos para shots de gelatina e barris — ele ri.
— Acho que é um bom momento para fazer a transição para o vinho em caixa e
dormir cedo.
— Eu concordaria.
Estou agradecida pela distração. Eu nem percebo que chegamos até que Luka
estaciona o carro na rua na beira da garagem. Ele me diz que é para facilitar a
g g q p
fuga com uma piscadela atrevida que me faz rir até a porta da frente. É uma boa
mudança da caminhada lenta e derrotada que costumo fazer.
Eu bato e encaro a pintura azul marinho perfeita na porta. Nem um único
arranhão. Endireito meus ombros centímetro por centímetro até ficar
fortalecida, imóvel. Eu quase pulo quando sinto dedos se enroscando aos meus.
Luka aperta minha mão.
— Raspadinha — ele murmura e me dá uma piscadela.
Oito

Estar nessa casa é sempre uma experiência estranha. Uma tradição de seu
próprio jeito, eu imagino. Elle nos recebe em sua casa, calorosa e amigável como
sempre, nem um único fio de cabelo loiro fora do lugar. Sua blusa branca está
cuidadosamente enfiada em uma linda saia azul royal, reta e sem amassados. Eu
me pergunto como ela consegue se sentar nela e continuar assim. Eu a imagino
encostada na parede. Deitada no sofá.
Entramos no hall de entrada, o sol refletindo desde o chão de mármore até o
lustre ornamentado que fica no meio da sala de recepção, como Elle a chama. É
impossível não eternamente comparar a vida aqui com a que minha mãe e eu
tínhamos. O tipo de mulher que minha mãe era e o tipo de mulher que Elle é.
Minha mãe teria atendido a porta com geléia no rosto e uma caneta enfiada no
cabelo, pés descalços e esmalte descascado. Sem sala de recepção para nós.
— Você chegou bem? Sem trânsito, tomara?
Abençoada seja ela por agir como se realmente fosse Dia de Ação de Graças, e
não um sábado aleatório em novembro. Eu a sigo até a cozinha e obedientemente
coloco as tortas na bancada.
— Foi tudo tranquilo.
— Fico feliz em ouvir isso — diz ela. Ela olha para Luka e junta as suas mãos
embaixo do queixo. Parece que ela deveria estar posando em um catálogo da J.
Crew, a edição de férias. — E eu estou tão feliz que você trouxe um amigo.
— Estou feliz por estar aqui. Obrigado por me receber tão em cima da hora
— Luka lhe entrega um buquê de flores, colhidas a dedo da fazenda. Ela enterra
o nariz nas flores, bochechas corando. Eu sorrio contra a minha mão. É bom
saber que não sou a única afetada por Luka.
— Eu ouvi tanto sobre você através de Charlie e Stella. É bom finalmente
conhecê-lo pessoalmente.
Seus olhos dançam para frente e para trás entre nós com o que eu suponho
ser um pesado significado. Às vezes eu esqueço que, apesar de todas as formas em
que eu Charlie nos aceitamos em nossas vidas, minhas interações com Elle ainda
são muito restritas.
— Eu posso apenas imaginar as histórias de horror que você ouviu, então.
— Bobagem — Elle coloca as flores em um vaso que ela tira de cima da
geladeira e, em seguida, click-clack até o forno e verifica o interior. Acho que
nunca andei pela minha casa de salto alto. Acho que meus sapatos nunca
passaram pela soleira da minha porta. — Meus filhos não têm nada além de
coisas boas a dizer sobre você.
É um rápido deslize da língua. Duas palavras na verdade, um pronome
possessivo. Parece que a cozinha inteira teve todo o ar sugado para fora dela
instantaneamente. Talvez eu faça um som, ou talvez o meu corpo esteja falando
alto o suficiente para que isso não seja necessário, mas me sinto eletrocutada com
isso. Rígida e rangente, como um dos espantalhos que ficam nos campos de
milho.
Elle se levanta rapidamente, o rosto contraído. Pela primeira vez desde que a
conheci, ela parece nervosa.
— Eu só quis dizer… — ela enfia o cabelo compulsivamente atrás das orelhas.
— Eu só quis dizer…
— Está tudo bem — dou a ela um pequeno sorriso e limpo minha garganta.
— Eu sei que eu não sou… eu sei o que você quis dizer.
— Stella. — Ela parece abatida. — Eu…
O que quer que ela iria dizer é felizmente perdido em uma comoção na porta
da frente. Este jantar já é o suficiente sem o lembrete adicional de que sou a filha
que seu marido teve com outra mulher. Eu ouço vários sacos caindo no chão,
um xingamento abafado, e então o som muito claro de vidro se quebrando
contra mármore. Elle deixa cair a cabeça para trás e olha para o teto com um
sorrisinho pesaroso.
— Isso seria Charlie.
Eu dou uma risada e a tensão desaparece da sala junto com Elle, que sai para
buscar Charlie no hall de entrada. Suspiro e me livro da estranheza da conversa,
da confusa mistura de surpresa e arrependimento. Surpresa faz sentido. Não sei o
que fazer com o arrependimento. Luka se aproxima, aqueles olhos castanhos dele
são calorosos enquanto ele suavemente aperta o meu braço. Seus dedos roçam
gentilmente sob meu queixo.
g q
— Tudo bem? — ele pergunta baixinho.
— Estou bem — eu digo, e estou surpresa ao descobrir que estou. Ou, pelo
menos, bem o suficiente para não querer pegar uma garrafa de vinho e começar a
beber. Essa é uma mudança positiva de como eu normalmente me sinto nesse
momento da noite. Dou-lhe um sorriso e inclino a cabeça em direção às
elegantes taças de vinho de cristal colocadas no balcão. Estamos debatendo qual
garrafa extremamente cara abrir primeiro quando a porta da cozinha se abre,
com força suficiente para bater direto na parede e voltar novamente.
— Você trouxe um parceiro? — Charlie grita no lugar de uma saudação, os
braços cheios dos restos estilhaçados do que ele trouxe para o jantar. Grandes
pedaços rasgados de um saco de papel, o barbante que eu suponho que já foi
uma alça. A crosta de uma torta de nozes e o que parece ser a borda do vaso de
cerâmica ornamentado que estava na entrada. Os olhos de Charlie viajam dos
ombros de Luka até mim e voltam novamente, se apertando em confusão. Eu
não sei o que é mais divertido: que Charlie não reconheça Luka imediatamente,
ou que ele consiga incorporar a agressividade de irmão protetor equivalente à
uma vida inteira em uma única pergunta.
Luka olha para Charlie por cima de seu ombro, longe de onde ele não parou
de abrir um cabernet sauvignon. Seus antebraços flexionam e soltam, flexionam e
soltam enquanto ele gira o saca-rolhas. Estou hipnotizada.
— E aí, cara. Quanto tempo.
Charlie quase derruba a coleção de itens em suas mãos novamente, uma
grande parte deles voltando ao chão.
— Ai, meu Deus, está acontecendo.
Eu coro em um tom escarlate. Charlie deveria estar no telefone sem fio de
Inglewild. Pego a garrafa de vinho de Luka e me sirvo de uma taça generosa. E lá
se vai não querer beber para apagar o desconforto.
— Nada está acontecendo, Charlie. Luka só veio jantar.
— Com você — Luka acrescenta com um sorriso malicioso e uma piscadela.
Eu bufo. — Juntos.
Há uma troca silenciosa entre Luka e Charlie, uma sobrancelha erguida, duas
em troca, que faz Charlie praticamente balançar de prazer. Honestamente. Luka
pega a taça de vinho da minha mão e toma um gole, um ponto de exclamação
pontiagudo e silencioso sobre o que quer que aquela conversa tenha sido.
— Quer dizer, claro, tecnicamente chegamos no mesmo carro — balbucio.
Eu não dou um tapa nele, mas é uma coisa próxima. Eu o deixo pegar meu copo
p p pg p
e busco um novo. — Então, sim, estamos aqui juntos. Juntos, como amigos, em
harmonia.
— Certeza que parece harmonioso — Charlie brinca, revirando os lábios
entre os dentes. Reviro os olhos para ele e ele retribui o gesto. É estranho ver as
minhas expressões espelhadas em seu rosto. Os mesmos grandes olhos azuis,
cobalto escuro quando a luz os atinge bem. Nós poderíamos ser gêmeos se não
fosse pela enorme largura e extensão de seus ombros. Ele se eleva sobre minha
pequena forma, e eu sinto cada centímetro da nossa diferença de altura quando
ele dá três passos pela cozinha e me pega em seus braços. Meus pés balançam
inutilmente enquanto eu enrolo meus braços ao redor de seus ombros, os dedos
dos meus sapatos batendo contra suas canelas.
— Bom te ver, tampinha.
Eu belisco entre suas omoplatas, e ele ri calorosamente em algum lugar acima
da minha cabeça.
— Bom te ver também.
Ele me solta e vai até Luka, dando-lhe o mesmo tratamento, tirando-o do
chão. Sorrio na minha taça de vinho enquanto os vejo se abraçando, um pedaço
de massa de torta ainda grudado no braço de Charlie. Luka murmura algo em
voz baixa e Charlie solta uma risada, seus olhos brilhando quando encontram os
meus novamente.
— Vamos comer ou o quê?
No momento em que todos os pratos do jantar estão postos na mesa, meu
pai ainda não chegou, sua ausência pairando ameaçadoramente sobre todas as
nossas cabeças. É como as espessas nuvens escuras que surgem antes de uma
tempestade, relâmpagos piscando à distância. Você sabe que algo ruim está
vindo, mas não pode fugir da natureza. Elle nos leva à sala de jantar formal, que
não deve ser confundida com a aconchegante sala de jantar da família ou a copa
ao lado da cozinha.
A mesa parece uma pintura de Norman Rockwell. Uma impecável toalha de
mesa branca e pratos prateados brilhantes. Está muito distante dos copos
descartáveis e pratos de papel com os quais cresci. O único detalhe que sugere
que humanos reais pretendem comer essa refeição são os cartões minúsculos em
forma de perus marcando os lugares onde as pessoas devem se sentar. Eles são
famosos e desbotados, os nomes escritos com uma mão inexperiente. Me faz
sorrir imaginar um Charlie muito menor colocando meticulosamente pompons
em rolos de papel higiênico para deixá-los parecidos com pequenos perus. Eu
pp g p p pq p
posso imaginá-lo colocando-os juntos quando criança, os mesmos cachos
selvagens que eu tenho caoticamente no topo de sua cabeça, a língua para fora
em estado de concentração.
Meu nome está marcado com um cartão de identificação muito mais recente
e muito mais profissional. Um simples Stella impresso em um pedacinho de
cartolina, mantido por um maciço peso de papel que parece uma folha. As
bordas apenas roçam a curva inferior do a. Esse não é um que é guardado de ano
para ano. Provavelmente foi impresso essa manhã. Encomendado de um
fornecedor chique, estampado em cartolina pesada com bordas entalhadas.
Encontro meu assento e vejo um novo cartão fazendo companhia ao meu.
Luka com uma folha de laranja queimada. Eu o encaro por um longo tempo, até
que todos os outros estejam acomodados e sentados.
— O papai vai se juntar a nós? — Charlie olha fixamente para a cadeira vazia
na cabeceira da mesa. Eu sei que eles têm suas brigas, meu pai e Charlie. Charlie
muitas vezes carrega o peso de expectativas injustas. Ele trabalha na mesma
empresa que o meu pai, preparado para um dia ocupar seu lugar. Isso é um peso
em seus ombros, uma submissão maçante se instalando sobre ele toda vez que
eles estão no mesmo cômodo. Eu odeio isso. Eu odeio vê-lo desabar
internamente, escondendo todas as partes de si mesmo que o tornam tão
maravilhoso.
— Se tivermos sorte, não. — Elle calmamente enche sua taça de vinho até a
borda. Um despeje pesado, se eu já vi um. Charlie e eu a encaramos. Luka faz um
som como se estivesse tentando não rir. Eu nunca ouvi Elle dizer nada negativo
sobre ninguém, muito menos Brian. Nem mesmo quando apareci na porta da
frente dela, o pior tipo de surpresa, tenho certeza. Ela deu uma olhada em mim,
emitiu um zumbido baixinho, e me ofereceu uma limonada.
Charlie se recupera primeiro.
— Está se sentindo bem, mãe?
— Maravilhosa, docinho. Você quer um pouco de vinho?
— Sobrou algum?
Ela inclina a garrafa para frente e para trás.
— Apenas um pouco.
Charlie estende a mão e bebe diretamente da garrafa. Sentado ao lado de Elle,
vejo as semelhanças sutis entre eles. A mesma curva em seus lábios. Uma covinha
que pestaneja na luz bruxuleante das velas. Travessura que se esconde no canto
dos olhos de Elle, mas domina corajosamente os olhos de Charlie. O tipo que
aumenta agora quando ele termina a garrafa.
— Este pode ser o meu Dia de Ação de Graças favorito até agora.
Estou prestes a concordar quando ouço a porta da frente se abrir, passos
desajeitados e pesados se movendo na direção da sala de jantar. Charlie xinga
baixinho.
— Falei cedo demais.
Todos nós ouvimos em silêncio enquanto meu pai serpenteava pelo primeiro
andar da casa, sem sentido em sua direção. Ele dá dois passos para frente, e então
volta. Esbarra, tropeça e depois se apressa até a cozinha. Parece que ele escorrega
em um ponto e se segura com o ombro contra a parede.
Luka se aproxima de mim.
— Ele está…?
— Bêbado? — Elle toma um longo gole de sua taça de vinho muito cheia. —
Provavelmente.
Esse é um novo desenrolar. Acho que nunca vi o meu pai bêbado. Ele
geralmente chega atrasado, soltando uma desculpa sobre o escritório, um cliente,
um novo negócio, algo sobre quão importante e necessário ele é na empresa. Mas
acho que nunca o vi com um fio de cabelo fora do lugar. Ele está sempre
abotoado, impecável. Frio e intocável.
Ele finalmente abre caminho para a sala de jantar, seus movimentos
descoordenados e confusos. Seu braço pega um dos castiçais de prata enquanto
ele caminha lentamente ao redor da mesa, derrubando-o e quase incendiando a
toalha. Charlie o pega antes que qualquer coisa possa pegar fogo, a manteigueira
se moveu ordenadamente em cima do pequeno anel preto de queimadura. Sua
série de movimentos é fácil, antecipatória. Como se ele tivesse prática em limpar
bagunça exatamente assim.
Sempre pensei que era eu quem tinha tirado o menor palito. Brian Milford
abandonou minha mãe assim que o teste de gravidez deu positivo. Mas aqui,
observando isso, assistindo a Charlie cautelosamente observar seu pai enquanto
ele afunda em seu assento na cabeceira da mesa, não posso deixar de sentir que
tive sorte.
— Feliz Dia de Ação de Graças — ele murmura, olhando diretamente para
seu prato, sem se preocupar em olhar nos olhos de ninguém. Ele estende a mão e
pega purê de batatas direto da tigela de servir... com a mão.
E não posso evitar. Não sei se é a tensão de vir aqui, a contínua decepção de
meu pai e todas as suas falhas, ou o estresse da iminente visita de Evelyn, mas
enquanto observo o autodeclarado deus corporativo beliscando purê de batatas
na palma de sua mão como uma criança, eu… eu me descontrolo. Meus ombros
tremem enquanto tento manter a histeria sob controle. Eu engulo
compulsivamente, mais e mais. Mas é uma batalha perdida e assim que a mão de
Luka encontra a minha coxa por baixo da mesa, verificando meu estado mental,
tenho certeza, uma risada alta sai da minha boca.
Ah, como eu gostaria que uma pintura de Norman Rockwell fosse assim. Eu
poderia encomendar algo.
Meu pai franze a testa para mim. É a primeira vez que ele olha diretamente
para mim em quase um ano, eu acho, e ele tem um pouco de molho grudado no
canto da boca.
— Estelle — meu nome está arrastado no final. — Controle-se.
Minhas risadas continuam, embora mais moderadas.
— Tudo bem — eu concordo com um pequeno aceno de cabeça, disposta
como sempre, mas com uma dose saudável de sarcasmo que eu nunca tive
coragem de usar com meu pai. Eu não consigo evitar. Não quando ele está me
repreendendo com uma mão cheia de batatas. — Claro, farei o meu melhor.
A risada de Charlie escapa com isso, um estrondo de uma risada que faz meu
pai sacudir em sua cadeira. Olho para Luka e o vejo sorrindo para um pedaço de
caçarola de feijão verde. Com a mão dele ainda na minha coxa, os dedos mal
roçando a parte interna do meu joelho, estou de repente, absurdamente feliz por
ele estar aqui comigo. Que eu não vou ter que contar a ele sobre isso mais tarde
por FaceTime, enrolada sozinha no sofá. Tê-lo aqui é uma dose de conforto e
confiança. Eu encontro sua mão debaixo da mesa e aperto, seus olhos quentes
disparando de sua comida para mim e segurando meu olhar.
Charlie estava certo.
Melhor Dia de Ação de Graças de todos os tempos.

Elle não concorda com esse sentimento geral. Isso fica claro assim que meu
pai desmaia de cara com a testa quase encostando o molho de cranberry. É o
material de primeira também. Nenhuma massa trêmula de cranberry que ainda
se parece com a lata aqui. Há frutas e fatias de laranja de verdade, e estou
estranhamente decepcionada por não ter a visão do rosto do meu pai manchado
de rosa para mencionar na próxima vez que ele for um idiota.
Embora eu ache que a coisa do purê de batata vá funcionar tão bem quanto.
Decidimos tratá-lo como um acessório na mesa, tão inanimado quanto os
perus de papelão. Eu me pergunto se Elle vai gentilmente convencê-lo a ir para a
cama, mas ela se levanta e desaparece na cozinha, voltando com minhas duas
tortas e uma nova garrafa de vinho. Charlie tira várias fotos em seu telefone com
um suspiro melancólico.
— Eu sei que estávamos todos preocupados com o tipo de merda que esse
cara faria hoje à noite — diz ele. Elle faz uma careta para a sequência de palavrões
de Charlie. Ela tem uma regra sobre maneiras à mesa de jantar. — Desculpe,
mãe. Mas, no geral, acho que tudo acabou bem.
Meu pai bufa, seu corpo inteiro se empurrando uma vez. Ele se firma, e uma
de suas mãos pousa na tigela de molho.
— Quero dizer, olhe para essa decoração de mesa. — Charlie tira outra foto.
— Perfeição.
A mão de Luka ainda está na minha coxa por baixo da mesa, sua palma
levemente curvada, dedos quase dobrados no vinco entre o meu joelho e a minha
perna. Essa mão parece pesar cinco mil quilos, cada ponto de contato da sua pele
na minha se ilumina como uma placa de circuito. Ele aperta de vez em quando, e
quando seu dedo mindinho acaricia levemente a parte interna da minha perna,
eu pulo com tanta força que derrubo uma cesta de pãezinhos. Ele esconde o
sorriso no guardanapo e deixa a mão onde está.
— Essas são as tortas da Layla? — As mãos de Charlie já estão alcançando a
torta de abóbora mais próxima a ele, garfo preso entre os dentes. Eu balanço
minha cabeça.
— Não, são uma receita sem açúcar que fiz em casa. — Com o olhar
horrorizado de Charlie, eu arrisco um olhar para Elle. Embora essa noite tenha
sido diferente de todas as outras com a sua óbvia dispensa ao meu pai, eu ainda
não tenho certeza do que posso dizer na frente dela. Não quero que ela pense
que sou ingrata. Eu não quero que ela suspenda um convite no futuro. Estou
faminta por família, por conexão e raízes, não importa como elas venham.
Mas quando deslizo meu olhar para ela, ela está sorrindo serenamente em sua
taça de vinho, um olhar secreto em seus olhos que me diz que ela já sabe o que
vou dizer. Eu dou de ombros, envergonhada.
— Eu queria que a torta tivesse um gosto ruim.
q q g
Charlie cai de volta em sua cadeira.
— Deus, Stel. Você poderia ter comprado nozes-pecã como eu disse! Isso já
seria bastante do contra.
Eu poderia.
— Apenas guarde esta torta para Brian pela manhã.
Elle levanta o copo com um soluço.
— Um brinde a isso.

— Isso não foi o que eu esperava.


Estamos na metade do caminho de volta para a fazenda, uma raspadinha
extra grande de chocolate presa entre as minhas mãos. Luka tem uma caixa de
nuggets picantes presa entre as coxas, metade de um nugget entre os seus dentes
enquanto ele nos manobra para estrada. Respiro um pouco mais fácil à medida
que avançamos, as estrelas começam a aparecer à medida que nos afastamos dos
subúrbios.
— Normalmente não é assim.
— Você quer dizer que normalmente o seu pai não come de pratos com as
mãos antes de desmaiar? — Luka me oferece um nugget e eu balanço minha
cabeça.
— Sim, essa foi a primeira vez — eu deixei minha cabeça balançar contra a
parte de trás do assento e assisti enquanto as luzes da rua dançavam em sua pele.
Amarelo, laranja, vermelho profundo. Um padrão calmante que aterrissa nas
maçãs do rosto e na ponta do nariz. Ele flexiona as mãos no volante. — Eu sei
que fiz você passar por maus bocados, mas estou feliz por ter ido.
Luka parece satisfeito, seu corpo inteiro se endireitando um centímetro. Ele
me lança um rápido olhar antes que seus olhos encontrem a estrada novamente.
— É?
— É, só assim você iria acreditar que isso aconteceu.
Ele ri.
— Sim, eu não tenho certeza se eu teria acreditado se eu não tivesse visto com
os meus próprios olhos.
— E pelo apoio moral — acrescento um pouco mais seriamente, me
sentindo corajosa. Eu me recordo do que Layla disse no meu quarto na outra
manhã, que só porque você diz a alguém como você realmente se sente, não
significa que essa pessoa vá embora. Eu não acho que era isso o que ela tinha em
mente, mas é um passo nessa direção. O maior passo que eu consigo dar agora,
enfim.
— Você não precisa me agradecer por isso, La La.
— Eu sei. Eu não estou. Eu só… — penso na mão dele no meu joelho, no
jeito que ele abraçou Charlie na cozinha. Como Elle deu um beijo na bochecha
dele quando nos viu na porta. Suas mãos em meus ombros enquanto ele me
ajudava a vestir meu casaco, seus dedos deslizando sob a minha gola para soltar o
meu cabelo. — Estou feliz, é isso.
Minha caixa de Luka está chacoalhando no meu peito, todo tipo de coisa
ameaçando transbordar.
Eu verifico as redes sociais da fazenda enquanto viajamos, um reboladinho
satisfeito no assento aquecido de Luka quando vejo que Evelyn comentou na
foto de Beckett que postei no outro dia. Você não pode ver seu rosto na foto,
apenas a silhueta de um homem alto na luz dourada do sol poente, quilômetros e
quilômetros de campos se estendendo atrás dele. Evelyn comentou “Mal posso
esperar para estar aí em duas semanas” com uma série complicada de emojis que
sensação de entusiasmo e abre um poço de pavor exatamente ao mesmo
momento. Entusiasmo, porque nosso número de seguidores já está subindo com
apenas um comentário e pavor porque, bem, agora tenho que colher o que
plantei.
Eu bloqueio meu celular e o descanso contra meu peito, mordendo meu
lábio inferior.
— Nós provavelmente deveríamos praticar. — É algo em que tenho pensado
desde a nossa caminhada pela cidade. Dada a minha reação à sua mão no meu
pescoço e sua palma na minha coxa, acho que preciso de um pouco mais de
exposição antes que Evelyn esteja aqui. Eu não confio em mim mesma para não
gritar cada vez que Luka beije a minha bochecha.
— Praticar o quê? — Luka está despreocupado, as mãos relaxadas no volante,
o polegar curvado ao longo da curva inferior.
— Ser um casal.
Um casal que se toca. Que se beija.
— Ah? — Ele aperta o sinal da seta, mesmo que não haja outra alma por
quilômetros, os faróis iluminando os campos de milho enquanto ele faz a curva
pela estrada longa e sinuosa que leva de volta à fazenda. — Hoje à noite não foi
uma boa tentativa?
Levo um momento para absorver o que ele disse, mas quando isso acontece
eu tenho que manter meu corpo imóvel. Não quero revelar nada com a curva
dos meus ombros, o conjunto do meu maxilar. Não que ele pudesse ver de
qualquer maneira. Estamos longe das luzes da rua agora, nas estradas de terra que
só se iluminam com a lua cheia.
Expiro lentamente pelo nariz. Eu não achei que essa noite era parte do nosso
plano. Pensei que esta noite era só… nós. O nós de verdade.
— É para isso que você veio? Fingir?
Nove

Eu luto para não soar sem fôlego quando faço a pergunta, embora eu me sinta
um pouco como se tivesse levado um soco. Claro. Claro, foi isso. Os toques, os
olhares, os sorrisos fáceis. Foi tudo uma oportunidade de praticar na frente de
um público desconhecido. Assim como o nosso passeio pela cidade. Eu balanço
minha cabeça. Eu preciso me lembrar. Não posso continuar me confundindo
com Luka.
A vergonha se instala no meu estômago como uma pedra de chumbo quanto
mais tempo o silêncio permanece entre nós. É por isso que eu deveria ter
escolhido o serviço de acompanhantes. Aposto que não ficaria tão perturbada
assim com um encontro alugado.
Eu tento mudar de assunto.
— Acho que amanhã vou começar a arrumação para o feriado — murmuro,
agachando-me no meu assento. Eu trago meus joelhos para o meu peito,
consciente da forma como minha saia se abre em torno das minhas coxas. Os
laços. Vou colocar os laços amanhã e fingir que essa conversa nunca aconteceu.
Foi uma coisa idiota de se sugerir, de qualquer maneira. O que vamos fazer:
praticar o beijo? Não estamos no ensino médio. Somos capazes de nos beijar sem
praticar. — Eu gostaria de resolver tudo antes que Evelyn chegue.
Como minha sanidade.
— Ok — Luka diz a palavra, o carro começa a roncar abaixo de nós enquanto
a sujeira se transforma em cascalho. — Mas vamos rebobinar. Você acha que eu
vim com você hoje à noite para, o que, adquirir um pouco mais de prática?
Descobrir como segurar sua mão? — Eu observo enquanto ele se mexe em seu
assento, o cotovelo pousando no parapeito de sua janela. Ele esfrega acima de sua
sobrancelha, frustrado. — Eu não preciso praticar como segurar a sua mão — ele
murmura.
Eu me afundo ainda mais, meus joelhos batendo no painel, e envolvo meus
braços em volta de mim.
— Foi só um pensamento.
— Bem, foi um idiota.
Uma risada sai de mim.
— Obrigada.
Minha risada deve acalmar o que quer que o agite porque seus ombros se
desencostam de suas orelhas. Ele olha para mim uma vez do lado do motorista, a
luz das estrelas em torno de sua cabeça.
— Mas acho que você tem razão quanto ao resto.
— Que resto?
— A coisa da prática.
Eu pisco para ele.
— Você acabou de me dizer que não precisa praticar.
— Eu disse que não vim hoje à noite para praticar. Há uma diferença. — Seu
polegar traça a curva inferior do volante. — Acho que seria bom.
Isso me surpreende.
— Você acha?
— Sim, eu acho… — É a vez dele se revirar em seu assento. — Bem, com nós
dois sendo um casal. Addison…
— Evelyn — eu corrijo. Não entendo por que ele não consegue se lembrar o
nome dela.
— Ela provavelmente ficará confusa se formos um casal que não se toca.
Eu sei que foi minha sugestão, mas minha mente vai instantaneamente para a
sarjeta. Penso na mão dele na parte interna do meu joelho. Como estava quente,
quanto espaço ele cobria com a palma da mão, seus dedos levemente enrolados
ao longo da parte de dentro da minha coxa. Penso nele deslizando a mão mais
para cima, sob a saia do meu vestido. Mais alto ainda, seu nariz contra minha
garganta, minhas pernas bem abertas sob seus quadris.
Ele ainda está falando do seu lado do carro, explicando sobre uma coisa ou
outra, mas eu não ouvi nada disso. Eu limpo minha garganta.
— O que é que foi isso?
Ele engole em seco, um mergulho forte na estrada fazendo o carro balançar
abaixo de nós.
— Estou apenas dizendo. Não seria estranho se não nos beijássemos?
— Seria estranho se não nos beijássemos — eu concordo. Eu pareço sem
fôlego, como se tivesse levado um tiro no pé.
— Não há necessidade de soar tão empolgada com isso, La La.
Quando eu não digo nada em resposta, ainda presa pensando em suas mãos
nas minhas pernas, ele suspira, os nós dos dedos esticando o volante com a flexão
de suas mãos.
— Tenho certeza de que podemos evitar isso.
— Espera — eu me viro no meu assento, o cinto ficando preso no meu
ombro. — Por que você está chateado agora?
— Porque você está agindo como se eu tivesse lhe dado uma sentença de
morte — ele resmunga.
— O que você está falando?
Eu só consigo ver o canto de sua mandíbula na luz fraca do console, a ponte
de seu nariz. Mas é o suficiente para ver que ele está deliberadamente se
mantendo sob controle. Há uma rigidez em seu corpo que significa que ele está
chateado. Eu alcanço seu antebraço e aperto. Estamos quase chegando ao chalé
agora, a escuridão se enrolando em nós como um cobertor. As estrelas estão
escondidas por uma espessa camada de nuvens e tudo parece mais próximo,
silencioso e parado. Ele nos puxa para uma vaga na minha garagem, mas deixa o
carro ligado, um suspiro pesado saindo de algum lugar profundo em seu peito.
— Não sei. Essa conversa saiu do controle. — Ele passa a mão pelo rosto. —
Acho que você tem razão nisso de praticar — diz ele, numa tentativa de
recomeçar. A tensão que o esmagava começa a deixar seu corpo. — Aí, na
primeira vez que tentarmos na frente de uma platéia, você não será uma droga
nisso.
— Uma droga nisso? — Estou ofendida. — Eu não sou uma droga nisso.
Você provavelmente é uma droga nisso.
— Posso garantir que não sou uma droga nisso.
— O que, você tem uma pesquisa para enviar? Avalie o seu nível de satisfação
de 1 a 10?
Ele dá uma risada.
— Isso não é uma má ideia, na verdade. Vou adicioná-lo à minha cesta de
presentes pós-coito. Um pequeno código QR que elas podem digitalizar.
Reviro os olhos e saio do carro. É bom saber que podemos rapidamente
voltar ao nosso normal.
— Eu nunca mais quero ouvir a expressão pós-coito sair da sua boca.
q p p
Duas portas batem, botas ecoando pela passarela de pedra.
— Por quê? — Luka está me seguindo, caminhando devagar, com as mãos
nos bolsos.
Porque não quero pensar em Luka com ninguém. Porque sua mão na minha
coxa no jantar irá me assombrar por décadas. Eu limpo minha garganta
enquanto tento achar as minhas chaves na minha bolsa, Luka invadindo meu
espaço.
— Acho que coito é uma palavra estranha — digo para o interior da minha
bolsa. Um dia, talvez eu seja uma pessoa mais organizada e não precise caçar as
chaves da minha casa toda vez que precisar entrar. Mas não será no dia de hoje.
Sua risada sussurra na minha nuca. Eu tremo e espero que ele não perceba.
— Qual palavra você prefere então?
— Hm? — Eu finalmente consigo colocar minha chave na fechadura e
praticamente caio pela porta. Minhas bochechas estão quentes apesar do frio no
ar, minha respiração muito rápida. Eu desenrolo meu cachecol e o deixo cair
sobre a mesa.
— Se você não gosta de coito — Luka faz o seu melhor para conter seu
sorriso, mas ele luta para aparecer. — O que você prefere?
Prefiro não ter essa conversa.
— Eu não sei se eu já pensei sobre isso — eu consigo dizer. Eu tiro meus
sapatos e vou até a cozinha, Luka seguindo depois da sua necessária
reorganização do meu espaço. Estou feliz por ter tido a premeditação de preparar
o bom uísque essa manhã, sabendo que ia querer um hot toddy imediatamente
após a minha chegada. Está tudo bem organizado na bancada: uísque, limão,
chá, mel. E também restos de um pão de abóbora, cortesia de Layla.
Eu seguro a garrafa de uísque em uma pergunta silenciosa e Luka acena com
a cabeça. Ele encontra um assento na velha cadeira de balanço que fica na
cabeceira da mesa, incombinável e horrível, mas surpreendentemente
confortável. Eu pego o limão e a tábua de cortar.
— Cidade da sacanagem? Meter fofo? — Eu por pouco não corto o meu
dedo enquanto Luka lista as opções. — A dança sem calças?
— Eu não posso dizer que alguém já me pediu para ir à cidade da sacanagem.
— Algo mais direto, então — ele descansa o queixo na mão e me encara com
um olhar que sinto na barriga, na parte de trás dos joelhos. — Foder, né?
Eu engulo em seco com isso, uma enorme quantidade de fantasias atingindo
a minha mente como dominós sujos. Eu posso honestamente dizer que não
j p q
tenho mais ideia do que estamos discutindo. Ouço essa palavra, saindo de sua
boca, e perco o fio da conversa. Tudo que eu sei é o pulso de calor que está afiado
entre nós, seus olhos castanhos escuros na quietude da minha cozinha. Esse é um
território novo e... não é indesejável. Com a boca seca de repente, umedeço o
lábio inferior com a língua.
— Eu, hm… — Eu balanço minha cabeça e pego o uísque. — O quê?
— Foder.
Luka e eu discutimos sexo exatamente duas vezes, e apenas em termos vagos e
gestos sugestivos com a mão. Uma vez, quando mencionei a completa falta de
compromisso de toda a população masculina com as preliminares, e outra vez,
depois de assistir à uma peça de época com uma cena de amor muito confusa,
onde discutimos sobre boquetes por sete minutos.
Então eu estou... confusa. Confusa e corada da cabeça aos pés.
— Eu não… — balanço minha cabeça e corto os limões, ligo a boca do fogão
para o chá. O fato de eu conseguir até mesmo realizar essas tarefas básicas
quando parece que estou tendo uma experiência extracorpórea é surpreendente
para mim. Vou ouvir Luka falando foder pelo resto da eternidade. — O que está
acontecendo aqui?
Luka equilibra o tornozelo no joelho e balança para trás uma vez.
— Não sei. Eu me empolguei, eu acho. — Um leve rubor pincela as suas
bochechas, seu olhar permanece em meus ombros, deslizando pela curva das
minhas costas. Eu nunca o vi olhar para mim assim antes. Eu o sinto como uma
carícia. — É fácil se perder no momento — ele acrescenta como uma reflexão
tardia, a voz um sussurro na quietude da cozinha.
Eu o estudo, sem saber se ele está brincando comigo ou falando sério. Eu não
consigo dizer. Quase parece que ele está… meio que flertando comigo. Não sei o
que fazer com isso. Balanço minha cabeça levemente e luto para colocar essa
conversa de volta nos trilhos.
— Não era isso que eu tinha em mente.
— Não?
— Acho que ninguém vai perguntar como me refiro ao sexo.
— Esse é um ponto válido.
— Obrigada.
Nós nos encaramos em silêncio, o ar carregado. Meus olhos não sabem onde
pousar. As pontas de seus dedos, traçando para frente e para trás ao longo do
braço da cadeira. Suas longas pernas se abriram só um pouco. O rubor rosado
ç g p p
nas pontas de suas orelhas. Minha leitura corporal é interrompida quando a
chaleira começa a assobiar no fogão. Viro as costas para ele e pesco duas canecas
no armário superior, pressionando os dedos dos pés.
Normalmente, tenho canecas espalhadas pela cozinha. Não que eu seja
bagunceira, apenas prefiro a conveniência. Eu bebo muito café. E chá. E uísque.
E chá com uísque. Às vezes, vinho quente. E ocasionalmente, bolo de tigela. As
canecas são a minha escolha e, como tal, normalmente são deixadas em vários
lugares pela minha casa.
Mas tenho tentado ser mais arrumada, mais organizada, e a chegada de Luka
marcou a sua habitual mania quinzenal de limpeza. O que infelizmente significa
que estou colocando minhas canecas de volta no lugar mais inacessível da
cozinha. Ouço o ranger da cadeira de balanço, passos fáceis na madeira, e então
sinto Luka atrás de mim, perto o suficiente para que seus joelhos rocem a parte
de trás das minhas coxas. Minha respiração sai apressada quando uma de suas
mãos encontra o meu quadril, a outra indo para cima de nossas cabeças em
direção às canecas.
— Aqui estamos de novo — murmuro. Eu nunca peguei o banquinho para
olhar o que ele tem escondido lá em cima. Sentindo-me um pouco permissiva, eu
pressiono minha cabeça ligeiramente para trás para que eu possa sentir a pegada
de sua barba no meu cabelo. Sua risada ressoa nas minhas costas, uma caneca e
depois duas sendo colocadas ordenadamente na minha frente.
— Como Charlie te chama? Tampinha? — Luka não recua enquanto eu
pego a chaleira e sirvo, me passando o uísque por cima do ombro com uma mão,
a outra ainda no meu quadril. Ele aperta uma vez.
— Sim, ele está testando apelidos. Tentando encontrar um que role.
— Talvez ele devesse experimentar Canela. Não é assim que o xerife Jones te
chama?
Eu cantarolo, toda a minha existência focada em onde o polegar dele se
arrasta contra o osso do meu quadril. Ele me pressiona ainda mais, apenas por
um segundo, seu peso corporal uma pressão deliciosa e intensa contra mim. Seu
nariz se arrasta pelo meu cabelo, e se aninha uma vez abaixo da minha orelha.
— Você cheira a canela — diz ele, a voz calma, séria, insuportavelmente doce.
Viro a cabeça ligeiramente, minha têmpora contra sua mandíbula.
— Ossos do ofício.
— Todos os donos de fazendas de árvores cheiram à canela então?
— E às Fadas dos Doces.
Luka ri disso, a estranha tensão entre nós se estilhaçando. Ele dá um passo
para trás, mas sua mão continua contra meu quadril, dedos escorregando com
relutância. Olho para ele na luz fraca da minha cozinha e, por um único fôlego,
vejo uma fome selvagem, feroz. Mas ele pisca e se foi. Ele é meu Luka novamente,
a mudança tão rápida que acho que imaginei. Olhos castanhos suaves, sorriso
torto, cabelo uma bagunça selvagem.
Ele deixa cair uma fatia de limão na minha bebida.
— Tintim.
— Obrigada — eu entrego a ele a sua caneca, uma coisa velha e lascada que
tem uma raposa e diz oh, pelo amor da raposa7. Ele toma um gole e eu inclino
minha cabeça para ele. — E obrigada por ir comigo mais cedo. Significa muito.
— Você não tem que ficar me agradecendo — ele murmura, uma ponta
afiada de frustração em sua voz. Ele parece querer dizer mais, mas engole em seco,
os olhos vasculhando o meu rosto. Eu o sinto como a ponta de um dedo no meu
maxilar, na cavidade da minha garganta, no canto dos meus lábios. — Eu não
estou fazendo isso pela sua gratidão, ok?
Ele estende a mão por cima do meu ombro e pega um pedaço de pão de
abóbora do balcão, segurando-o entre os dentes enquanto me puxa uma vez em
direção ao sofá.
— Nós vamos assistir a Duro de Matar e você vai fazer sua imitação de Hans
Grueber.
Enquanto nos acomodamos no sofá, um cobertor de flanela jogado sobre
nossos colos, nem penso em questionar. Se ele não está fazendo isso pela minha
gratidão, então por que ele está fazendo isso?

Inicio a minha manhã no grande celeiro vermelho à beira da estrada, armada


com uma bengala de plástico gigante e um recorte de madeira de um soldado
quebra-nozes. Pareço uma cavaleira festiva vingativa. A única coisa que falta é
um arco-e-flecha feito de pão de gengibre. Mas ouvi um ruído no canto próximo
à porta quando entrei e eu não tenho a intenção de contrair raiva antes da
chegada de Evelyn. Espumar pela boca realmente não combina com a estética
que estou tentando alcançar.
Eu ouço de novo, um pouco mais alto dessa vez, um dos arcos gigantes de
metal que usamos sobre a estrada para segurar as luzes balançando para frente e
para trás.
— Merda — eu amaldiçoo, e procuro no chão. Talvez eu devesse chamar um
dos bombeiros aqui para dar uma olhada. Eles saberiam o que fazer com uma
família de guaxinins, né? O arco dá outra sacudida e eu abandono minha bengala
de doces e sigo para a porta.
Não estou disposta a provocar o destino hoje. Amanhã é um novo dia.
A porta do celeiro está pesada sob minhas mãos quando tento abri-la. Ela
não se mexe nas duas primeiras puxadas e eu dou uma risada baixinha. É claro
que eu ficaria presa aqui com pilhas infinitas de enfeites e qualquer que seja a
criatura que decidiu se mudar para cá. Parece uma dose de carma instantâneo.
Eu puxo novamente, e pressiono a ponta da minha bota na parte inferior
para ajudar a madeira desgastada a ficar em seus trilhos, toda a minha
concentração focada em abri-la sem quebrar a maldita coisa. Ela finalmente cede,
um som agudo agourento acompanhando seu movimento gradual, espaço
suficiente para eu deslizar para fora. Só assim que eu começo a sair do celeiro,
outra pessoa decide entrar.
Eu bato meus joelhos contra Luka, minha mão perdendo o aperto na porta.
Ela começa a se fechar e Luka murmura uma série de obscenidades baixinho,
enrolando meu corpo perto do dele e tirando nós dois do caminho. Ainda estou
pressionada contra ele quando a porta se fecha.
— Ei — eu digo, olhando melancolicamente para a porta. Não tenho ideia de
como vou abrir essa coisa de novo. Luka talvez tenha que fazer pézinho para mim
nas janelas estreitas do lado sul. Vou ter que me espremer para sair. Felizmente,
Beckett e Layla estão em outro lugar na fazenda e ninguém tem uma câmera. Já
fui tão burra antes e tenho um cartão de Natal cortesia da câmera do celular de
Layla para provar isso. Eu pisco de volta para Luka. — Eu não estava esperando
você.
— Sim, eu também não estava me esperando. — Ele esfrega uma mão
enluvada no rosto, olhos castanhos olhando para mim através do leque de seus
dedos. Ele deixa sua mão cair com um suspiro pesado, frustração apertando suas
feições.
— Tudo bem?
— Stella, eu tenho que voltar para a cidade. — Ele diz isso com a mesma
seriedade com que alguém anunciaria tenho câncer ou descobri um fantasma da
Guerra Civil no sótão.
— Ok — eu tento passar por ele, mas ele balança a cabeça e nos leva mais
para fundo no celeiro, suas mãos enroladas em meus braços. É desorientador
p ç
andar de ré, e dou uma olhada para os arcos. Sem movimentos agora. Espero que
qualquer bicho que estava por lá já tenha ido.
— Eu não pensei que eu teria que voltar antes que Evelyn chegasse aqui.
Dou um tapinha em seu peito através da abertura de sua jaqueta. Eu
definitivamente não esperava que ele passasse novembro inteiro em Inglewild.
Ele trabalha remotamente de vez em quando, mas mesmo assim, eu tinha
presumido que ele estaria indo e vindo de seu escritório. Eu sei que dependem
dele para apresentações aos clientes, e ele não pode fazer isso atrás do
computador.
— Tudo bem. Você não vai perder nada aqui. Estaremos apenas nos
preparando para o Natal. E possivelmente conseguindo uma nova porta para o
celeiro. — Eu gesticulo por cima do ombro e dou outra olhada na porta. Parece
ainda estar em seu de pé, pelo menos. — Quando você estará de volta?
— Uma semana, eu acho. E então eu estarei aqui... — Ele engole em seco,
não concluindo o seu pensamento. — Estarei aqui.
— Ok? — Eu ainda não entendo por que ele está tão nervoso. Ele está se
segurando, apesar de suas mãos enroladas em meus braços, um espaço perfeito de
cinco centímetros entre nossos corpos. Ele flexiona os dedos uma, duas vezes, e
então me nivela com um olhar determinado, sua língua cutucando o interior de
sua bochecha.
— Acho que devemos treinar agora, antes de eu partir.
— Hm, ok? — Juro que sei outra palavra, mas a minha mente é como um
disco arranhado com a memória dele na minha cozinha. Segurando aquela
caneca estúpida, cheirando a limão e uísque. A maneira como sua voz
enrouquecera e as coisas que ele disse. Como seu corpo pressionou o meu contra
o balcão da cozinha, seu peito contra as minhas costas, a bancada cavando meus
quadris.
Depois que ele saiu ontem à noite, eu me revirei na cama, os lençóis
enrolados em volta das minhas pernas nuas, minha mão baixa na minha barriga
sob o algodão macio da minha camiseta. Fiquei ali, dedos se arrastando para
frente e para trás logo abaixo do meu umbigo, uma dor que eu não sentia há
anos.
— Porque o negócio é o seguinte, La La — ele diz. Eu respiro fundo pelo
nariz e espero que o que eu estava pensando não esteja escrito em todo o meu
rosto. — Se não treinarmos hoje, você vai pensar nisso a semana toda.
Ele tem razão. Com certeza vou pensar nisso a semana toda. Vou me obcecar,
enlouquecer e provavelmente começar a me estressar comendo os brownies de
menta de Layla até que não haja mais nenhum para os clientes. Ela acabou de
começar a fazê-los.
— Ok? — Eu limpo minha garganta e procuro outras palavras. — Ok.
Ótimo.
Luka não está incomodado.
— Eu vou te beijar e vamos lidar com isso como dois adultos maduros e
consentidos. E quando eu voltar, e quando Evelyn estiver aqui, você não ficará
nervosa com isso. E vai ficar tudo bem.
Exceto que eu não sou uma adulta madura, e decido que vou beijá-lo
primeiro. Como arrancar um band-aid. Agarro a gola de seu casaco com as duas
mãos e uso o embalo para me pressionar para cima e para ele. A força disso faz
nossas bocas se encontrarem desajeitadamente, meu lábio inferior levemente em
seu queixo, nossos narizes pressionados em um ângulo estranho. Eu não tento
corrigir, não me demoro, e caio de volta para os meus pés, as mãos ainda
enroladas em torno dele.
— Pronto — eu digo, satisfeita comigo mesma. Sinto que finalmente ganhei
a vantagem. Eu o beijei primeiro. Eu o beijei e estava tudo bem. — Feito.
Ele pisca para mim, sua mão subindo para pressionar contra sua boca.
— O que é que foi isso? — ele sussurra.
Eu dou de ombros.
— Você queria um beijo. Eu te dei um beijo.
— O que você me deu foi uma concussão. É assim que você beija? — Ele
parece genuinamente preocupado.
Eu reviro os olhos.
— Para.
— Provavelmente vou precisar de algum trabalho dentário. — Ele puxa a
mão como se estivesse verificando se há sangue.
— O que aconteceu com lidarmos com isso como adultos maduros e
consentidos?
Ele esconde o sorriso atrás da palma da mão.
— Ok, você está certa. Vamos tentar isso de novo.
— De novo? Acho que esse foi bom.
— Não foi bom — ele contra-ataca, o olhar permanecendo na minha boca.
Ele é uma dose saudável de teimosia, o âmbar que geralmente ilumina seus olhos
q g
esmaecidos para um castanho chocolate quente. — Se alguém ver a gente se
beijar assim, saberá em meio segundo que estamos mentindo.
É um ponto válido.
— Ok, então você tenta.
— Estou tentando tentar — ele murmura, exasperado. Ele respira fundo
pelo nariz e me considera, os olhos escuros. Há um único feixe de luz que entra
pelas janelas do topo do celeiro, o sol da manhã começando a vagar pelo chão. A
luz mal atinge uma velha caixa de guirlanda, uma chuva de ouro explodindo
como um caleidoscópio enquanto o sol brilha através dos fios.
Luka não diz nada. Eu vejo enquanto ele vasculha o meu rosto na luz
bruxuleante, o ouro refletido em seu olhar. Ele está procurando algo em minha
expressão e quando encontra, o lado direito de sua boca se curva em um sorriso,
um puxão suave de seus lábios. É o meu sorriso… esse daí. Eu o guardo como
todos os outros, embrulho-os e coloco-os na mesma gaveta que meus
purificadores de pinheiros.
Em um movimento dolorosamente lento, ele se inclina para frente e roça seu
nariz no meu. Eu mantenho meus olhos abertos mesmo que isso deixe tudo um
pouco desfocado, brilhos dourados cintilando nas bordas. Perto desse jeito, com
seu lábio inferior só roçando o meu, posso contar cada sarda em seu nariz. Uma
explosão delas na ponte, diminuindo à medida que se espalham abaixo de seus
olhos. Uma vez, quando éramos mais jovens, ficamos bêbados de tequila e
desenhei constelações em sua pele, pairando sobre ele com meu cabelo em
cortina ao nosso redor. Eu me lembro do peso de seu olhar em mim,
esparramado no chão da minha sala, como ele enrolou os dedos em volta do meu
tornozelo como se estivesse se mantendo firme.
Ele captura a minha boca em um beijo no mesmo momento em que suas
mãos enluvadas encontram as minhas, dedos suavemente deslizando até nossas
palmas se apertarem. Estou frustrada com o material grosso cobrindo a sua pele,
incapaz de sentir o calor dele, os calos nas palmas das mãos. Ele aperta uma vez
enquanto eu me arrasto mais para perto dele, uma recompensa pelo bom
comportamento. Quando eu suspiro, seus lábios sorriem contra os meus, uma
curva de sua boca que eu quero que ele imprima em todos os lugares. Na minha
bochecha, meu pescoço, a pele macia das minhas coxas. Parece o começo de todas
as brigas que já tivemos. Eu, impaciente. Luka, provocando. É uma garantia de
que, apesar de subir a escala do nosso relacionamento, ainda somos nós.
Luka me segura ali, nossas mãos entrelaçadas, seus lábios macios e
penetrantes. Desse jeito, ele diz com a boca contra a minha. Devagar. É a delícia
de um beijo que não pretende se tornar algo a mais. Paciente. Casto.
Isso me deixa louca.
Ele cantarola baixinho quando eu deslizo minha mão da dele para encontrar
a sua nuca, um pequeno som de surpresa que me faz pegar seu lábio inferior
entre os meus. Quero puxá-lo com os dentes, ver se aquele som se aprofunda, se
afina. Eu quero mover minha mão para cima e emaranhar meus dedos em seu
cabelo, usá-lo para inclinar sua boca contra a minha. Eu quero destrinçar toda
sua calma gentil até que ele esteja tão impaciente quanto eu.
Ele se afasta ao invés disso. Olhos fechados, ele paira com o nariz contra a
minha bochecha, a testa apoiada na minha têmpora. Eu não consigo dizer se são
as minhas mãos estão tremendo ou as dele.
— Hm — eu limpo a minha garganta. Umedeço o lábio inferior com a
língua e sinto o gosto do café de avelã. É, honestamente, muita coisa para lidar.
Limpo minha garganta pela segunda vez. — Eu acho que vai dar certo.
Ele se afasta completamente e eu mantenho meus olhos na caixa de
guirlandas no canto. O sol já passou por ela agora, deixando-a meio na
penumbra. Ele solta a minha mão e eu fecho meus dedos em punhos.
— Sim, isso foi bom. — Reúno minha coragem e olho para ele, observando
enquanto ele passa as mãos pelos cabelos, de frente para trás e de trás para frente.
Ele parece como se tivesse acabado de chegar do supermercado. Como se ele
tivesse que parar no caminho para encher o tanque de gasolina. Calmo.
Indiferente.
Negócios habituais.
Digo a mim mesma para me recompor.
— Te vejo em uma semana?
Luka acena com a cabeça e caminha até a porta, agachando-se e mexendo em
algo perto do chão.
— Eu te ligo quando estiver saindo da cidade.
— Ótimo.
Ele se levanta e puxa a maçaneta. A porta desliza para trás suavemente. Uma
explosão de sol inunda o cômodo e eu enrolo meus braços em volta de mim.
— Quer que eu te acompanhe de volta?
— Não — eu gesticulo para a pilha de decorações, as cinquenta mil luzes que
estão emaranhadas. — Vou trabalhar um pouco aqui.
p q
Eu não me importo se há uma família inteira de aves de rapina escondida
nesse celeiro. Eu preciso de algum tempo para me desfazer daquele beijo e, em
seguida, embalá-lo de volta novamente.
Ele hesita na porta.
— Te vejo em breve.
Eu aceno para ele e me ocupo em desempacotar as coisas. É o tipo exato de
movimento irracional que eu preciso, muito concentrada em luzes e bastões de
doces e placas de sinalização para pensar naquele beijo e qualquer tipo de
detalhe. Foi um bom beijo, sim, mas só porque nós dois estávamos determinados
a fazer isso funcionar. Porque nós dois estamos comprometidos em fazer esse
relacionamento falso parecer o mais real possível. Só porque senti isso até os
dedos dos pés… isso não precisa significar nada.
No momento em que todas as caixas estão empilhadas e classificadas, eu me
convenci com sucesso de que estou tão indiferente quanto Luka.
Eu encerro a manhã quando meu estômago começa a roncar. Na minha
caminhada de volta ao escritório, enfio as mãos nos bolsos do casaco. Está
começando a ficar mais frio, os ventos descem do sopé e açoitam os pastos. Se
tivermos sorte, teremos neve quando Evelyn estiver aqui. Imagino como os
pastos ficam quando aquela primeira camada de branco beija os galhos das
árvores. A quietude fria, a expectativa pesada no céu. A vibração suave dos flocos
de neve que pousam em minhas bochechas, meus cílios, as pontas das minhas
orelhas. Se eu pudesse morar nos pastos durante a nevasca, eu moraria.
Flexiono os dedos nos bolsos e sinto a ponta afiada do papel firme, um
pedaço de barbante preso no meu dedo mindinho. Eu o puxo para fora e sorrio.
Um purificador de pinheiro em formato de árvore, do posto de gasolina logo
no final da estrada.
Dez

— Vocês se beijaram?
Eu cuidadosamente mantenho a minha atenção na bandeja de chocolate com
hortelã e não em Layla. Eu não tinha a intenção de começar nossa conversa com
aquela bomba, mas eu estava guardando isso há dias e eu precisava contar para
alguém. E lá se vai não ficar obcecada.
Luka me mandou várias mensagens desde que saiu. Uma selfie dele com um
cannoli de abóbora da delicatessen italiana em sua rua, um olhar de horror
puxando os cantos daqueles olhos dourados, o corte reto e afiado de sua
mandíbula. Uma afronta sobre como nada é sagrado e os cannolis merecem ser
consumidos como Deus pretendia que fossem, com massa frita, ricota e lascas de
chocolate.
Vinte minutos depois, outra selfie depois de seus olhos fechados em absoluta
felicidade, a embalagem de cannoli vazia, um toque de abóbora grudado no
canto da boca. Mudei sua foto de contato imediatamente.
Uma mensagem perguntando se alterei a senha da HBO Max, e opa, não, ele
só usou a quantidade incorreta de pontos de exclamação. Eu vi que eles
acabaram de adicionar a coleção completa de filmes de Harry Potter? Uma nota
rápida de que ele deixou pipoca enfiada no armário perto do fogão quando
trouxe o jantar na outra noite. Manteiga de cinema, nada dessa porcaria de
pipoca doce.
Uma foto dele e Charlie saindo para almoçar, os dois rostos retorcidos em
carrancas exageradas e cômicas. Queria que você estivesse conosco, dizia.
E uma mensagem de voz lembrando a ele mesmo de pegar tomates frescos e
caldo de galinha, a voz sem fôlego, o som intenso de pesos ao fundo. Essa me fez
imaginar Luka suado e ruborizado, o cabelo úmido logo atrás das orelhas. Braços
flexionando e soltando. Ouvi aquela mensagem de voz duas vezes antes de excluí-
la completamente do meu celular, preocupada comigo mesma.
Uma mensagem de texto dezessete minutos depois com um pedido de
desculpas, ele pretendia enviar para si mesmo e eu estava no topo de suas
mensagens. Mas enquanto ele está pensando nisso… eu preciso que ele pegue
alguma coisa na mercearia no caminho de volta para a cidade?
Todas as mensagens completamente normais. Nem um único sinal de que ele
estava pensando no nosso beijo.
— Sim — eu pego um martelo e bato no chocolate de hortelã uma vez no
meio. Ele racha e eu bato nele mais duas vezes. Agora eu sei por que Layla está
sempre fazendo chocolates de hortelã sazonais. É muito catártico. — Mas foi um
beijo de mentira.
— Ah, ok. Um beijo de mentira. — Layla se arrasta pela cozinha enquanto
continuo batendo no chocolate.
Convertemos um antigo galpão para tratores em um espaço de cozinha e
padaria para Layla, os tetos baixos na parte de trás sendo onde ela cozinha tudo, a
frente substituída quase inteiramente por vidro. Árvores perenes e bálsamos se
pressionam por todos os lados, roçando contra as janelas. Quando está frio
especialmente, as janelas congelam na parte inferior e você mal consegue ver
Layla se movimentando atrás do balcão, bandejas de biscoitos e brownies e tortas
em pequenas fileiras em cada vitrine. Canecas recheadas com bengalas doces e
uma lousa com o especial do dia. O espaço de jantar está cheio de pequenas
mesas vermelhas com cadeiras de nogueira, aconchegantes cabines verdes ao
longo das paredes. Há mesas de piquenique com aquecedores bem na frente e
elas se espalham pelos pastos. Eu amo que esse lugar esteja escondido como uma
casinha de gengibre para os nossos visitantes descobrirem.
Eu vim aqui esta manhã com uma caixa de reposição de lâmpadas para os
cordões de luz que Beckett pendurou no final de semana e rapidamente fui pega
no trabalho do chocolate de hortelã.
Ela enrola os dedos em volta da minha mão que segura o martelo.
— Precisamos que isso seja chocolate de hortelã, querida. Não pó de hortelã.
Eu solto o martelo e franzo a testa para a bancada, pegando uma pequena
pilha de hortelã e chocolate com meus dedos. Layla pega uma das peças maiores
que deixei para trás e me oferece.
— Me explica o que envolve um beijo de mentira.
— Não sei. Exatamente o que parece ser, eu acho. — Eu dou de ombros e
penso no som que ele fez quando coloquei minhas mãos em seu cabelo. Aquele
zumbido baixo. Eu mordisco meu chocolate de hortelã. — Pensamos que seria
uma boa ideia treinar o beijo antes que tivéssemos uma audiência.
Layla me dá um olhar.
— Tudo bem. E então vocês o quê? Só se beijaram?
— Sim.
Layla suspira e se aproxima de mim. Ela dá outra pancada forte no chocolate
de hortelã.
— Você não está me dando nada para elaborar aqui.
— Não sei o que te dizer.
— Eu preciso de detalhes, obviamente.
— Como o quê?
Layla me encara como se quisesse usar o martelo em meus dedos.
— Como o quê — ela murmura. Ela abaixa o martelo e coloca a mão no
quadril, peneirando os cacos de hortelã até encontrar um que lhe agrade. —
Vocês conversaram sobre isso antes? Quanto tempo durou? Houve língua?
Vamos lá, agora. Não seja tímida.
Não é que eu seja tímida. Eu sou apenas um pouco... protetora, eu acho.
Agora parece meu… bem, meu e de Luka, e guardá-lo para mim parece ser o
certo.
— Foi... bom.
Com o olhar ligeiramente assassino de Layla, sinto um pouco da tensão ser
liberada dos meus ombros. Eu dou uma risada pelo nariz e alcanço os sacos em
que deveríamos estar colocando esse chocolate. Não nos esbaldando com.
— Foi um beijo gostoso — ofereço baixinho, pensando na forma como o
ouro dançou em sua pele, como sua palma pressionou a minha enquanto ele me
puxava para mais perto, na curva de seu corpo. Eu suspiro. — Foi um beijo
realmente muito gostoso.
— Um beijo gostoso.
— Sim.
Layla cantarola baixinho, seu interrogatório desaparecendo, um brilho
pensativo entrando em seu olhar enquanto ela inclina a cabeça para o lado. Ela
pega uma tesoura e arrasta a lâmina ao longo de um fio vermelho cereja, a fita
enrolada sob seus dedos.
— Sabe, você tem permissão para aproveitar o tempo com Luka.
— Eu sei. Eu sempre aproveito o tempo com Luka.
— Eu quis dizer — ela amarra a fita em um laço e repete a ação, as unhas
verde floresta se movendo perfeitamente durante a manobra. — Eu quis dizer
algo como você tem permissão para gostar de beijá-lo. Divertir-se fingindo.
E é só isso, né? Eu gosto do fingimento. Demais, provavelmente. É o fim do
fingimento que será o problema. O que vem depois. Não consigo parar de pensar
nisso, apesar do plano de Luka de continuar.
Caímos no silêncio, o som das sacolas e o enrolar da fita os únicos sons entre
nós. Estou mais uma vez grata pelo trabalho que mantém as minhas mãos e o
meu cérebro ocupados.
— Faz um tempo desde que eu tive um beijo gostoso — ela diz, um pouco
nostálgica. Penso nela e em Jacob, seu namorado atual. O jeito que os olhos dele
ficam colados no seu celular ao invés de em qualquer lugar ao redor dela quando
eles estão juntos. Eu franzo a testa e alcanço a sua mão, apertando-a uma vez. Ela
me dá um sorriso forçado e aperta de volta.
Um cronômetro emite um bipe ao fundo. Mais uma bandeja de guloseimas
prontas para sair do forno. Layla ainda está olhando para mim pensativa após a
interrupção, esfregando o polegar para frente e para trás sobre o lábio inferior.
— O quê?
Ela pisca, um sorriso malicioso curvando seus lábios.
— Eu teria pagado muito dinheiro para ver a cena.
Eu gaguejo uma risada, bochechas ficando vermelhas. Às vezes, a tímida e
doce Layla me surpreende. Eu belisco a pele logo acima de seu cotovelo.
— Não torne isso estranho.
— Tarde demais — ela canta, indo em direção aos fornos.

Estou na farmácia procurando esmaltes que absolutamente não preciso


quando Gus aparece na minha frente, uma sacola de doces de manteiga de
amendoim na mão e um sorriso bobo esticado em seu rosto. Ele é um cara
bonito, especialmente quando sorri, duas covinhas gêmeas aparecendo em suas
bochechas cobertas de barba. Há um boato na cidade de que está rolando algo
entre ele e Mabel, e eu acho que os dois são adoráveis juntos. Ele enfia a mão no
bolso da frente do uniforme do Serviços Médicos de Emergência e tira uma pilha
de notas dobradas desordenadamente, estendendo-as para mim com dois dedos.
Pego a pilha de notas gordurosas depois de um momento de hesitação. Ele
deve ter ido almoçar no Pizza do Matty.
— O que é isso?
Gus se recosta na prateleira dos corretivos, um cotovelo apoiado em vários
tons de base. Ele desembrulha um único doce de manteiga de amendoim com
cuidado e depois me oferece o saco. Eu balanço minha cabeça, minha mão ainda
ocupada com a pilha de notas entre o polegar e o indicador.
— Gus, por que você me deu um maço de dinheiro?
Ele sorri para mim em torno de uma boca de chocolate.
— É a sua parte.
Eu gemo.
— Por favor, não me diga que você está plantando algo na fazenda sem o meu
conhecimento.
Ele ri, derrubando uma fileira inteira de pequenas garrafas de vidro.
— Não é isso. Credo, Stella.
— Então, o que é?
— O quadro de apostas.
— Ok — eu espero que ele prossiga, mas ele continua sorrindo para mim,
outro doce de manteiga de amendoim em sua pata gigante em forma de uma
mão.
— Olha, eu tinha uma teoria infalível — ele levanta uma mão entre nós
como se estivesse apresentando para uma sala de aula, os dedos bem abertos
enquanto ele expõe suas palavras. — Distância, tempo e boa e velha tensão.
Aquela foto que você postou no Instagram de você no pasto também ajudou.
Mas isso foi mais um golpe de sorte. Não posso levar nenhum crédito por isso.
Eu me esforço para acompanhar a conversa, minha mente agarrada à última
parte. Eu tinha postado uma foto minha no pasto na conta da fazenda sim, mas
isso foi há mais de um mês. Normalmente eu não me exponho, mas foi um dia
perfeito trabalhando silenciosamente entre as árvores e eu tinha sujeira por todas
as minhas mãos e bochechas. Foi bobo, impulsivo. Dois olhos azuis brilhantes
rindo através de uma máscara de sujeira. Mais barato que uma máscara de lama
da Sephora, eu havia escrito.
— Gus. — De repente, eu entendo por que Layla queria me matar com uma
espátula ontem. — O que você está falando?
Ele abre a boca para responder, mas somos interrompidos por Dane andando
pelo corredor em seu traje completo de xerife, chapéu debaixo do braço. Ele dá
uma olhada em mim e franze a testa, sobrancelhas inclinadas para baixo.
— Uma palavrinha, Stella. Se você não se importar.
p p
Sua voz range ao longo das bordas, um sinal claro de que estou prestes a levar
um grito.
— Ih. Alguém está em apuros.
Eu dou uma olhada em Gus. Ele dá de ombros e gira nos calcanhares, indo
em direção aos balcões e deixando para trás a bagunça com as maquiagens.
Covarde. Espero que ele pague por aqueles doces de manteiga de amendoim que
está destruindo. Eu quase digo a Dane que Gus está prestes a furtar para que
possamos adiar o que quer que seja essa conversa.
Enfio o maço de dinheiro no bolso de trás e dou total atenção ao xerife,
observando seus dedos batucando na aba do chapéu.
— Eu não sei nada sobre o quadro de apostas, se é com isso que você está
preocupado — eu cruzo os braços sobre o peito e vejo como o bigode de Dane se
contrai. — Então, se você está aqui para me questionar sobre clandestinidade…
— Por que estou descobrindo sobre os danos materiais na fazenda através de
Luka?
Eu pisco.
— Ele parou na delegacia há alguns dias, disse que você está tendo
problemas. Uma cerca desabou e agora as abóboras estão sendo esmagadas?
Droga, ele deve ter parado na volta para Nova York. Eu coço minha
sobrancelha e luto para não ficar inquieta sob o olhar fixo de Dane.
— Eu ia descer para a fazenda, mas vi você aqui. O que está acontecendo,
Stella? Por que você não me procurou?
— Eu não… eu não acho que foi grande coisa. — E não é. Ou não era.
Separadamente, são todas coisas pequenas. A cerca, as abóboras, a placa de
sinalização roubada na estrada principal. As entregas perdidas e a porta do celeiro
escancarada em agosto, deixando metade dos nossos suprimentos encharcados
por uma tempestade de verão.
Minha testa franze em pensamento e esfrego minhas palmas contra minhas
coxas.
— Você não tem o destaque em uma revista chegando? — Eu não o corrijo e
explico que é uma parceria de rede social, não uma revista. Eu não tenho energia
para explicar o TikTok para ele agora. Tentei mostrar a ele o Instagram uma vez e
ele franziu a testa tão ferozmente que pensei que seu rosto poderia congelar
daquele jeito. Ele resmungou baixinho sobre filtros de gato por quase um mês.
— Ainda mais motivos para ter certeza de que está tudo em ordem.
— Você acha que tem conexão?
q
Luka havia insinuado algo parecido, e não posso dizer que não pensei nisso.
Parece uma quantidade terrível de azar, mas qual seria a explicação? Não posso
imaginar que um bando de estudantes do ensino médio seria tão metódico. E
não tenho certeza de quem mais faria. Não tenho inimigos nessa cidade.
Ele esfrega a palma da mão no queixo e espia por cima da minha cabeça,
olhos cinzentos examinando a farmácia. Está vazio, pelo que posso dizer, Cindy
em algum lugar nos fundos trabalhando no estoque.
— Eu não sei — diz ele calmamente. — Mas acho que vale a pena dar uma
olhada.
Ele coloca o chapéu de volta na cabeça, levantando a aba com o dedo
indicador para que eu ainda possa ver seu rosto.
— Vou passar na fazenda hoje à tarde e dar uma olhada. — Ele faz uma pausa
e arrasta os pés. — Você acha que Layla estará lá?
Eu estreito meus olhos.
— Por quê?
Um leve rubor sobe por suas bochechas.
— Eu não diria não a uma de suas garras de urso8, se é isso que você está
perguntando.
Eu dou uma risada.
— Sim, ela estará lá. Vou avisá-la que você irá passar por lá e ela vai arrumar
algo legal para você.
— Não há necessidade de passar por nenhum problema — ele murmura.
— Sem problemas — eu sorrio e enrolo minha mão em seu cotovelo,
rebocando-o para a frente da loja e garantindo que ele não possa fugir. Tem algo
que eu gostaria de discutir com ele e agora é o momento perfeito. — Agora,
enquanto estamos no assunto das coisas que escondemos um do outro, notei
que você tem passado muito tempo na pizzaria.
O rubor de Dane vai de um rosa claro a um vermelho intenso e ardente em
questão de segundos. Eu gargalho e puxo seu braço, quase pulando para cima e
para baixo de alegria. Eu sabia.
— Eu sabia — eu cutuco seu peito, logo acima de seu distintivo. — Eu sabia,
eu sabia, eu sabia.
— Você não sabe de nada, Canela. — Ele me empurra para longe, mas
consigo ver que ele está lutando contra um sorriso. Sua mão encontra a aba do
chapéu novamente e ele o puxa para baixo antes de empurrá-lo para cima, sem
saber o que fazer consigo mesmo. Ele limpa a garganta e me olha com o canto do
olho. — Gosto da pizza.
— Claro — eu murmuro. — E não tem nada a ver com um certo dono
bonitão de pizzaria, hein?
Eu peguei Dane vagando do lado de fora da Pizza do Matty algumas vezes.
Eu não pensei nada até que eu o vi parado do lado de fora da janela, olhando
ansiosamente para o belo pizzaiolo atrás do balcão. Eu o segui e o ouvi gaguejar o
seu pedido de pizza de pepperoni e alguns pães de alho e eu sabia.
— Eles têm um bom especial às terças-feiras.
— Isso certamente explica por que você também está lá de sábado, segunda e
quinta-feira.
— Acalme-se. Ou eu vou ser aquele a esmagar suas abóboras.
Eu engulo minha risada e nos guio pela rua, de volta para a delegacia e,
coincidentemente, à pizzaria. Eu tenho algumas pendências para resolver
enquanto estou na cidade, mas dar um empurrãozinho em Dane na direção certa
é um desvio que estou feliz em fazer. Ele resmunga baixinho quando percebe
onde estamos andando, mas mantém minha mão enfiada na dobra de seu braço,
acariciando-a distraidamente.
— Quando a moça do concurso chega? Aquela que vai fazer a história para a
fazenda. — Ele desativou oficialmente o modo xerife e está perguntando como
um amigo.
— Em cerca de uma semana e meia. Na segunda-feira após o Dia de Ação de
Graças. Ela vai ficar até o final de semana e partir no domingo.
— Preparada?
Eu estou, surpreendentemente. A maioria das decorações e luzes estão acesas.
A única coisa que ainda preciso fazer é substituir as lâmpadas queimadas das
cordas que cruzam os pastos e colocar os laços nos portões. Tomamos a decisão
no ano passado de acender as luzes na estrada e posicioná-las até o limite da nossa
propriedade. À noite, cada centímetro da nossa fazenda brilha. Beckett, Layla e
eu fizemos um teste ontem à noite, iluminando tudo assim que o sol se pôs o
suficiente para deixar tudo em um leve brilho roxo. No segundo em que as luzes
ganharam vida, senti minha respiração travar na garganta. Layla sorriu de orelha
a orelha e até Beckett deu um aceno de aprovação. Tudo estava se encaixando.
— Eu me sinto preparada. A fazenda está ótima. Isso me deixa no espírito de
feriado.
Dane bufa com isso.
— Eu acho que você está em clima de feriado vinte e quatro horas por dia,
sete dias por semana. Trezentos e sessenta e cinco dias do ano.
É verdade. Eu sempre amei o Natal e tudo que vem com ele. É a única época
do ano em que tudo parece mágico. Promissor. Sincero e gentil. O mundo
inteiro desacelera e... acredita uma vez.
Mamãe e eu fazíamos a mesma coisa todo Natal, não importava onde
estivéssemos. Os grandes e coloridos pisca-pisca na árvore perto da lareira. Meias
grossas e vermelhas no corredor. Torta no café da manhã na manhã de Natal e
patinação no gelo à tarde. Eu ainda mantenho essas tradições, mesmo que ela
não esteja aqui. É como segurar um pedaço dela por perto, a doce dor disso
sempre mais aguda no centro do meu peito.
— Eu acho que você tem que estar se você tem uma fazenda de árvores de
Natal. — Eu balanço minha cabeça para limpar as teias do passado e me
equilibro com uma respiração profunda. Faz quase... Deus, faz quase dez anos
desde que minha mãe faleceu. Gosto de pensar que tudo acontece por um
motivo, mas ainda estou... ainda não entendo por que ela teve que partir tão
cedo.
Nós estamos do lado de fora da pizzaria agora, a luz de suas janelas nebulosas
e úmidas brilhando forte e brilhante. Eu olho para Dane com o canto do meu
olho. Duvido que ele perceba que foi ele quem nos parou aqui, focado no
homem trabalhando nos fornos atrás do balcão. O ar ao nosso redor cheira a
orégano e molho de tomate, o canto de uma sereia se espalhando pela calçada.
Eu cutuco Dane com o meu ombro uma vez.
— Você vai entrar?
Ele dá de ombros, um pouco indefeso, e eu aperto seu braço. Eu só desejo as
melhores coisas para esse homem. Esse homem que escolheu ser um pai para
mim quando o meu se recusou. Ele coça o queixo e depois mexe na gola da
camisa.
— Como você… — Ele limpa a garganta. — Como você, você sabe, com
Luka?
Por um segundo humilhante, acho que Dane está perguntando sobre o
nosso beijo no celeiro.
— O quê?
Ele limpa a garganta novamente, um pouco mais alto desta vez.
— Como você disse a ele como você se sente? Como você pediu a ele para…
para te dar uma chance?
p
Algo no meu peito muda com isso, um pequeno puxão que sinto reverberar
até a sola dos meus pés. Eu aperto seu braço com mais força até que ele olha para
mim.
— Você não é uma chance, Dane — eu quero sacudir seus ombros, pegar o
megafone que ele mantém no banco do passageiro de sua viatura e gritar na cara
dele. Ao invés disso, me contento com um sussurro que oscila nas beiradas e com
o melhor sorriso que posso conseguir quando minha garganta está tão apertada.
— Você é uma certeza.

Eu me enfio atrás de um poste de luz do outro lado da rua e observo Dane


entrar na pizzaria, fingindo olhar para cannolis na vitrine de vidro na frente antes
de se arrastar até os fornos. Ombros perto das orelhas, ele se remexe, o chapéu
enfiado debaixo do braço. Matty se vira, prestes a perguntar qual é o seu pedido,
tenho certeza, e seus olhos se encontram. O sorriso de Matty se divide em algo
extenso e bonito, e os ombros de Dane rolam para trás, seus antebraços
encontram o balcão. Finalmente relaxado.
Uma certeza.
Eu escondo meu sorriso atrás da ponta dos dedos e caminho de volta pela rua
principal, mandando uma mensagem para Layla para que ela saiba que Dane
passará pela fazenda mais tarde para dar uma olhada. O vento sopra em torno
dos meus tornozelos e torce ao redor das minhas panturrilhas até levantar as
pontas da minha jaqueta, enrolando-se sob meu suéter e pincelando um olá na
parte inferior das minhas costas. É a minha época favorita do ano, entre o outono
e o inverno. Parece que o mundo inteiro está segurando a respiração.
Tranquilidade e doçura, tudo em um.
Eu não estou olhando para onde estou indo, muito presa em rastrear minhas
botas contra o pavimento, o preto afiado contra os marrons e cremes das folhas
caídas. Quase todas já se foram, os únicos galhos cheios de vida sendo os da
fazenda. Pequenos e robustos rastros verdes pontilhavam os campos e a encosta.
Um toque de vermelho aqui e ali das árvores Azevinho que Beckett plantou
simplesmente porque elas pareciam bonitas.
Meu telefone vibra com uma mensagem. Eu verifico e vejo uma série de
mensagens de Charlie.
Charlie: Não pense que eu vou me esquecer que você trouxe Luka para jantar.
Charlie: Nós discutimos sobre você durante bastante tempo no almoço no outro
dia.
Isso é interessante. Eu me pergunto sobre o que eles conversaram. Estou
digitando uma resposta quando outra mensagem aparece.
Charlie: Mas não vou beijar e contar9.
Eu reviro os olhos.
Charlie: Além disso, isso não é incrível?
Uma foto do meu pai de bruços na mesa de Ação de Graças aparece, exceto
que Charlie colocou perus dançantes por todo o seu corpo. Eu salvei
imediatamente a foto no meu celular.
Estou apenas digitando minha resposta quando bato em um corpo, a força
disso quase me derrubando no chão. Eu tropeço e me seguro em um poste de
luz. Infelizmente, a pessoa que encontrei não tem tanta sorte.
Estendo a mão para ajudar o Sr. Hewett a se levantar, as bochechas
queimando de vergonha. Não é do meu feitio ser tão descuidada, embora
suponha que eu tenho muito na cabeça.
— Sr. Hewett, sinto muito. — Ele está ocupado arrumando os óculos no
rosto, limpando as folhas marrons da borda do casaco. — Eu não te vi. Eu não
estava olhando para onde estava indo.
Ele faz uma careta para mim por trás das lentes ligeiramente ampliadas de
seus óculos de tartaruga, olhos cinzas estreitados em desdém. Sua jaqueta está
desbotada nos cotovelos, muito amada e usada com frequência, a gola desigual
de um lado. Seu cabelo grisalho irregular está um pouco bagunçado,
despenteado pelo vento agora chicoteando para valer. Ele é um homem
pequeno, mas ele se mantém alto, queixo inclinado para cima em desafio.
É o olhar em seu rosto que me faz dar meio passo para trás, a agressividade
fora do normal nessa pequena rua lateral. Parece mais raiva do que qualquer
esbarrada na calçada merece. De repente, me lembro do passeio que Luka e eu
fizemos pelo centro da cidade na semana passada, com o Sr. Hewett nos
observando dos degraus da biblioteca, aquele mesmo olhar furioso em seu rosto.
Eu pensei que tinha algo a ver com Luka e eu juntos, mas parece que eu poderia
ser o denominador comum.
— Eu realmente sinto muito — eu digo novamente. Não vou à biblioteca há
séculos, e parece que perdi algumas coisas. Como o que quer que eu tenha feito
para irritar Will Hewett. — Eu posso…
— “É melhor ter a cabeça nas nuvens e saber onde você está…” — ele recita, a
voz estranhamente formal, um pouco fanha — “... do que respirar a atmosfera
mais clara abaixo delas e pensar que está no paraíso”.
Eu pisco para ele, confusa.
— Hm.
Isso é um insulto? Um aviso?
— Isso é Henry David Thoreau.
Aparentemente, é Henry David Thoreau.
Eu ia me oferecer para comprar um chocolate quente para o Sr. Hewett para
me desculpar por tê-lo atropelado, mas agora só quero me afastar rapidamente
dessa conversa estranha. Eu faço o meu melhor para ser gentil com todos nessa
cidade, agradecida por seus papéis em me ajudar a me recompor após a morte de
minha mãe. Mas não tenho certeza se posso tolerar uma conversa pomposa sobre
o transcendentalismo da Nova Inglaterra. Nem mesmo por um chocolate quente
de menta com chantilly extra.
— Isso é... legal, eu acho? — Quando o Sr. Hewett oferece apenas desprezo
silencioso como resposta, enfio as mãos nos bolsos da jaqueta e procuro uma
rota de fuga. O purificador de pinheiro do outro dia ainda está lá, e eu o agarro
como uma tábua de salvação, as bordas cravadas na palma da minha mão. —
Certo, bem. Tenho algumas coisas para fazer na cidade. Eu vou passar por… —
Eu não vou mentir para esse homem. — Te vejo pela cidade, com certeza.
Desço a rua com pressa, tomando cuidado dessa vez para observar para onde
estou indo e se há mais alguém na calçada. Que homenzinho estranho. Procuro
meu celular em meus bolsos enormes, com a intenção de finalmente responder
Charlie, quando de repente ele ganha vida, vibrando na minha mão. Sorrio
quando vejo a foto de Luka e o cannoli de abóbora na minha tela e deslizo para
atender.
— Oi, eu estava prestes a enviar uma mensagem para você.
— Ah, Deus, ela já está lá?
Eu franzo a testa pela forma como sua voz soa um pouco sem fôlego. Como
se ele estivesse correndo ou, ouço o tilintar de uma xícara de café ao fundo, os
sons desbotados de algum programa esportivo, andando de um lado para o outro
em seu apartamento.
Olho ao meu redor para a rua lateral quase completamente abandonada.
Apenas eu e alguns pardais, pegando migalhas de um velho bagel meio comido.
— O quê? Não, Evelyn não estará aqui em menos de uma semana. O sábado
depois do Dia de Ação de Graças.
— Não Evelyn — ele respira, e eu o imagino coçando a parte de trás de sua
cabeça, exatamente onde seu cabelo começa a enrolar. — Minha mãe.
Eu engulo uma risada em seu tom profundamente negativo. Principalmente
porque eu sei o quanto Luka ama sua mãe. Seu relacionamento com ela é como
um cartão da Hallmark. Ele não passa um dia sem ligar para ela às cinco e meia
em ponto para que ela não tenha que jantar sozinha. Uma vez ele ficou preso em
uma reunião, mas ainda conseguiu ligar para ela do corredor do lado de fora da
sala de reuniões, me adicionando à ligação em grupo para que ela tivesse alguém
com quem conversar. Ele traz flores para ela quando a visita e veste a fantasia do
mascote da escola quando não conseguem encontrar mais ninguém. Porque ela
pediu para ele uma vez e ele não quer que ela tenha que pedir de novo. Ele é o
filho perfeito e a idolatra constantemente com afeição genuína.
— O que está acontecendo com sua mãe?
— Eu não quero que você entre em pânico, Stella.
Desconforto arranha a parte de trás da minha garganta e eu engulo em torno
dele até que eu consiga controlar minha voz. Se alguma coisa aconteceu com a
mãe de Luka… as memórias sobem como uma onda crescente. Visitas ao
hospital, frascos de prescrição, quão pequena e frágil minha mãe parecia no final,
ainda tentando tanto sorrir para mim.
— Luka — eu não consigo recuperar o fôlego. Eu pressiono dedos trêmulos
no meu peito. — Sua mãe está bem?
— Ah, merda. Sim, Stella. Ela está bem. — Todo o ar sai de mim. Sinto que
preciso me dobrar na altura da cintura e descansar as mãos nos joelhos. — Ela
está bem. Eu sinto muito. Isso... não foi uma boa introdução.
— Acho que você me conhece há tempo o suficiente para entender que me
dizer para não entrar em pânico só me fará entrar em pânico.
Eu juro que consigo ouvir o seu sorriso pelo telefone. Fecho os olhos para
imaginar. Um pouco arrependido, puxando fortemente o lado esquerdo de seu
lábio inferior.
— Você tem razão. Eu sinto muito.
— Tudo bem, então — eu vou em direção à livraria, minha última parada
antes de ir para casa. Alex me ligou ontem para me avisar que acabou de receber
uma remessa de Uma Canção de Natal, encadernada em tecido com gravuras em
folha de ouro. Quero comprar alguns para o escritório e um para o quarto de
p g p p q
Evelyn na pensão. Vou adicionar alguns biscoitos de Layla e um saco de café
fresco da Sra. Beatrice. Talvez uma das mini-árvores que Beckett cultiva na estufa
atrás de sua casa. Mas Luka está me distraindo com... seja lá o que for. — O que
houve?
— Minha mãe sabe — ele oferece como explicação. Eu ouço a TV ao fundo
desligar, e a forte lufada de um suspiro quando ele cai em seu sofá. — Eu
subestimei o poder do telefone sem fio. De Betsey Johnson também.
Minhas botas esmagam as folhas ao longo do caminho, pássaros se
espalhando enquanto ando.
— Mas isso não é um problema, né? Ela sabe que é... — Olho ao meu redor
para a calçada vazia. Eu abaixo minha voz. — Ela sabe que não é real.
Luka está em silêncio do outro lado do telefone, e eu sinto aquela sensação
desconfortável novamente.
— Luka.
Mentir para Evelyn é uma coisa. Para a cidade, outra. Mas mentir para sua
mãe, entre todas as pessoas. Isso se parece com ir longe demais. Eu nunca planejei
mentir para a sua família. Eu não posso acreditar que ele está sequer pensando
nisso. O homem que compra um moletom com um texugo bravo todo ano e o
usa não ironicamente aos finais de semana porque isso deixa a sua mãe feliz.
— Luka — eu digo novamente, desta vez com uma pitada de súplica. — Me
diz que você não fez isso.
— Se por “não” você quer dizer que eu não disse nada quando ela me ligou
em um italiano apressado para me dizer que ela estava levando manicotti e
lasanha para você, então sim, você estaria certa. — Ouço o tilintar de uma xícara
de café novamente e luto para não mudar de direção e ir ao bar. — Ela estava…
ela estava muito animada, Stella. Eu não poderia dizer a ela que estamos apenas
fingindo.
— É exatamente por isso que você deveria ter contado! Se ela descobrir que
estamos mentindo para ela, ela ficará furiosa. — Pior ainda, ela ficará magoada.
Eu não suporto decepcionar a mãe dele. Eu não posso tê-la olhando para mim de
um jeito diferente depois disso tudo. — Luka, isso é uma bagunça.
— Tenta ver desse modo. Se dissermos a ela que isso é falso, ela contará para
as irmãs dela, sim? — Isso é verdade. As tias de Luka estão sempre por perto e
não escondem absolutamente nada uma da outra. Uma certa vez, ouvi sua tia
Gianna contar à mãe sobre seu creme para hemorróidas. — E a minha tia Sofia
com certeza vai contar para Cindy Croswell. Elas jogam bridge juntas todo
domingo.
Coço a minha sobrancelha e luto para não gritar em direção ao céu. Nunca
na minha vida tive mais impulsos infantis no espaço de um único mês.
— Eu não sei, isso é…
— Vai ficar tudo bem, La La.
Eu tento me tranquilizar com a calma confiança em sua voz, mas é difícil. Na
verdade, isso só me deixa mais irritada. Vai ficar tudo bem. Vamos apenas
continuar. Não é grande coisa. Sua indiferença sobre cada detalhe é frustrante.
Ele não é o único com tudo a perder aqui.
Eu tento explicar.
— Eu só não quero que ela pense de mim de forma diferente, é isso. No final
disso tudo.
— O que você quer dizer?
— Quando nós… — Olho ao redor da rua novamente para ter certeza de que
estou sozinha. — No final disso tudo, quando não estivermos mais em um
namoro falso. Não quero que ela se machuque.
Ele suspira, frustrado nas beiradas, sua voz profunda roncando um pouco.
Imagino-o em seu apartamento com os pés sobre a mesa de centro, a xícara de
café apoiada no joelho.
— Já conversamos sobre isso, Stella. Não temos que dizer nada a ninguém.
Ele é inacreditável.
— Nós com certeza precisaremos dizer algo para sua mãe quando ela estiver
convidando a namorada do seu filho para jantares em família.
— Ou talvez eu me aproveite do fato de que você está sendo persuadida a ir
consistentemente aos jantares em família. Finalmente.
Esta não é a conversa que eu quero ter. Eu tenho o suficiente na minha
cabeça sem a atitude “deixa rolar” de Luka em relação ao relacionamento mais
importante da minha vida. É como se ele nem sequer se importasse com o que
acontece depois disso tudo, não se importasse com o que as pessoas pensam
sobre nós… pensam sobre mim. Com raiva e um pouco magoada, acelero o passo
na calçada e pisco com lágrimas frustradas queimando nos cantos dos meus
olhos. Eu sempre fui uma chorona quando estou com raiva, não importa o
quanto eu tente me conter. E isso me deixa ainda mais chateada enquanto ando
pela calçada. Eu sei que tudo isso foi ideia minha e consequência das minhas
ações, mas Luka não está… ele não está levando as consequências a sério.
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— Certo, bem, eu estou na livraria, então eu tenho que ir — eu menti. A
livraria fica a pelo menos mais três quarteirões da rua. — Você sabe que Alex não
gosta de pessoas falando no telefone nas prateleiras.
— Stella, espera.
— Eu te ligo mais tarde.
Não espero ele responder, encerro a ligação e jogo meu telefone no bolso
para não ficar tentada a ler qualquer série de mensagens de texto que ele decida
enviar. Luka nunca foi o tipo de pessoa que deixa as coisas de lado. Infelizmente
para nós dois, provavelmente, eu com certeza sou.
Bem na hora, meu telefone vibra. Eu ignoro e continuo andando.
Onze

Há um carro esperando na minha garagem quando finalmente chego em casa,


uma pilha de livros novos e uma pizza de pepperoni de consolo no banco do
passageiro. Matty estava nas nuvens quando passei por lá antes de ir para casa,
cantarolando baixinho enquanto tirava a pizza do forno. Foi o suficiente para
afastar temporariamente a pequena nuvem de tempestade que caiu sobre meus
ombros após a ligação de Luka.
Agora, porém, sinto trovões à distância enquanto vejo a mãe de Luka sair de
seu Kia vermelho brilhante, um monte de Tupperware em seus braços e um
sorriso no rosto. É uma coisa estranha sentir tanto uma culpa incapacitante e
uma lisonja comovente no mesmo fôlego. Mas eu dou conta mesmo assim,
levantando minha mão em um aceno enquanto suspiro.
A mãe de Luka é incrivelmente linda com um rico cabelo castanho chocolate
que cai pelas suas costas. Ela tem mechas grisalhas logo atrás das orelhas com
olhos cinza claros para combinar. Eu ouvi as crianças na cidade falando sobre
seus “olhos assustadores” e como ela não deixa passar absolutamente nada. O
boato é que a bonequinha italiana que fica na beirada da sua mesa na sua sala de
aula da oitava série é um objeto espiritual. Ela permite que ela observe a sua classe
enquanto ela estiver de costas para a lousa. É insano e histérico e Luka comprou
mais três para a sua mãe depois que ele descobriu.
Ela é intimidante como todos os bons professores são: quietos, sábios e
seguros. Ela vai te avisar quando você não estiver atingindo todo o seu potencial
e, em seguida, abraçá-lo durante isso. Tudo é uma lição, todo momento é uma
oportunidade de aprender. Luka gosta de reclamar sobre como ela o fez escrever
reportagens sobre especiais de TV durante as férias de Natal. Praticar frações
com seus aspargos no jantar em família.
Eu saio do meu carro, meus braços carregados de livros e pizza. Ela dá uma
olhada na caixa de papelão manchada de graxa na minha mão e estreita os olhos
em fendas, a mudança em seu comportamento tão comicamente rápida que eu
tenho que engolir minha risada.
— Oi, Sra. Peters.
— Stella, você faz eu me sentir uma velha quando me chama assim — ela
levanta sua torre de Tupperware em um braço para que ela possa apontar para
minha pizza. — O que é aquilo?
Eu olho para a caixa. Temos apenas uma pizzaria na cidade, e as caixas de
Matty têm um logotipo azul e branco bastante óbvio impresso na parte superior.
Diz MATTY em uma grande fonte em negrito nas laterais.
— É uma pizza.
— Do Matty.
Eu olho para a caixa só para ter certeza. Eu só consigo ver a borda das letras
azuis manuscritas. Ainda assim, eu hesito, porque parece que Carina Peters está a
um passo de usar seu Tupperware como arma contra o jantar em minhas mãos, e
estou realmente desejando pepperoni. Eu agarro a caixa um pouco mais forte e
aceno para a casa.
— Quer entrar? Parece que suas mãos estão cheias.
Ela aperta com mais força os recipientes empilhados ordenadamente em seus
braços. Brancos com tampas azuis, um padrão de triângulos impresso na borda
superior. Luka tem a mesma pilha de Tupperware em sua geladeira na cidade,
sobras de risoto e manicotti e tiramisu que eu sempre roubo quando fico lá. Ela
tem duas bandejas e outras três latas menores, todas com etiquetas coladas com
fita adesiva nas laterais. Parece comida suficiente para me alimentar por semanas.
— Entre — eu digo novamente. — Acho que tenho sobras de biscoito do
Luka. Você pode até comer uma pizza se quiser.
Ela me segue escada acima até a minha varanda, olhando de relance para a
caixa em minhas mãos.
— Eu não comeria essa pizza nem se fosse a última coisa nesse planeta.
Tenho certeza que ela não comeria a pizza do Matty nem se alguém estivesse
apontando uma arma para sua cabeça. Eu já a ouvi se referir a ela como um
insulto ao povo da Itália, uma bastardização da cultura.
Comer lá com Luka é sempre uma aula de fraude. Ele nunca jantou no local,
e me faz entrar sozinha quando pegamos comida. Sua mãe quase o flagrou uma
vez, me esperando no meio-fio para que eu voltasse com o nosso jantar. Ele fugiu
tão rápido que o limpador de rua teve que limpar suas marcas de pneu. Saí com a
nossa comida e dei de cara com uma rua vazia, e tive que andar quatro
q q
quarteirões até o beco atrás do café para finalmente pegar uma carona para casa.
Suas mãos estavam tremendo quando eu deslizei para o banco do passageiro,
olhos arregalados de terror em seu rosto bonito. Ele dormiu no meu sofá naquela
noite, com muito medo de ir para casa e enfrentar sua mãe caso ela tivesse o visto.
— Nenhum italiano em sã consciência colocaria queijo na borda de uma
pizza — ela balança a cabeça como se nunca tivesse ouvido falar de uma coisa
mais ridícula em sua vida. — E o stromboli. Você sabia que não existe stromboli
na Itália? É um crime criar uma coisa dessas.
Eu sei disso. Ela já me disse. E Luka me diz toda vez que pede um stromboli.
— Mas é muito gostoso.
Ela corta a mão no ar com um gesto brusco, cortando minhas palavras.
— Eu tenho pedido que a escola pare de usar a comida dele para arrecadar
fundos, mas as crianças são loucas por isso. Eu dei aos meus alunos do oitavo ano
uma aula de jantar italiano… — não faço ideia de como ela conseguiu isso sendo
uma professora de matemática — … jantar italiano de verdade, veja bem, e eles
tiveram a audácia de perguntar se os palitos de mussarela eram considerados
antepasto. — Ela coloca a mão no peito, os dedos cobertos de anéis de ouro rosé.
Um de seu falecido marido, outro de sua irmã Cecilia e outro de Luka. Eles
brilham à luz do sol quando eu pego a lata de biscoitos que Luka escondeu no
meu armário. — O prejuízo que esse homem está causando aos nossos jovens.
Ela balança a cabeça tristemente e se vira, indo direto para a geladeira. Ela
consegue abri-la sem que uma única louça caia de seus braços e começa a
vasculhar o interior. Observo enquanto ela pega um saco de verduras murchas e
o joga na direção do lixo, arrumando e reorganizando para caber sua coleção de
Tupperware.
— Você sabia que ele é de Boston? — Ela joga uma garrafa vencida de
mostarda após o saco de verduras. — Aposto que ele não tem nem uma gota de
sangue italiano em seu corpo. Uma vez perguntei a ele de que parte da Itália sua
família é e ele disse que do litoral norte. O litoral norte, Stella! Não acho que isso
seja verdade.
— Por que não seria verdade?
Ela se vira para me olhar por cima do ombro, uma mecha de cabelo escuro e
grosso caindo em cascata sobre seu olho direito. Uma única sobrancelha se
arqueia e agora sei como é ser uma de suas alunas pegas com o celular no fundo
da sala.
— Porque o litoral norte é conhecido por seu Risotto al Neri di Seppi — as
palavras saem de sua língua com o leve sotaque que ela não conseguiu se livrar
apesar de trinta anos morando nos Estados Unidos. — E eu nunca vi o homem
sequer olhar para tinta de lula.
Faço uma careta e seus lábios se curvam nos cantos, um pouco mais
aparentes do lado esquerdo, o olhar tão parecido com o de Luka que sinto um
puxão em resposta no meu peito.
— É melhor do que você pensa.
— Eu vou confiar na sua palavra — digo a ela. Eu entrego a ela um prato
cheio de biscoitos. — Tudo bem, aqui está. Lamento não ter nenhum café para
te oferecer. Luka também reclama.
— Meu filho está te dando muito trabalho?
Penso em Luka parado no fogão a apenas meio metro de onde ela está agora,
minha toalha de mão no bolso de trás. Como ele me fez jantar e embalou as
sobras, escondeu mantimentos pela minha cozinha. Eu penso em seu ombro
pressionado ao meu no sofá, meu cabelo preso na barba ao longo de sua
mandíbula enquanto eu adormecia e acordava. Como eu acordei na minha cama
com um cobertor grosso enrolado ao meu redor, um copo de água na minha
mesa de cabeceira.
Penso nele no celeiro, mãos enluvadas segurando as minhas com força. O
sabor do chocolate com hortelã e café com leite de avelã.
— Não — eu sorrio para ela, o calor corando as minhas bochechas apesar dos
meus melhores esforços. — Ele não está. Você criou um homem realmente
maravilhoso.
Mesmo quando eu não quero que ele seja. Mesmo quando estou chateada
com ele.
Ela se empolga com isso, um olhar orgulhoso em seu rosto.
— Eu criei, não é? — Ela dá uma mordida em seu biscoito e se acomoda em
uma das cadeiras da cozinha, dando um tapinha na cadeira em diagonal à dela
como um convite. — Embora eu suponha que parte disso seja parte do pai dele
também.
— Ele não… — Eu hesito, sem saber se devo contar que Luka raramente fala
sobre o seu pai. É errado eu compartilhar essas coisas com ela? É desonesto com
Luka e com o relacionamento que temos se eu falar com a mãe dele sobre isso?
Eu não sei onde estou com esse relacionamento falso e como ele borra as linhas
dos meus reais.
Ela me dá um olhar conhecedor enquanto eu deslizo no assento em frente a
ela.
— Ele não fala sobre seu pai?
— Não, nem tanto.
Ele deixa as coisas escaparem, às vezes. Uma menção inconsciente de algo que
seu pai fez ou disse uma vez. Mas assim que ele percebe, ele engarrafa de volta.
Afasta as memórias uma por uma até que não doa tanto. Eu faço a mesma coisa
com minha mãe, de uma certa forma. Às vezes, elas se aproximam de você,
quando essa dor constante se transforma em uma dor tão aguda que rouba sua
respiração.
Ela acena.
— Ele também não fala sobre ele comigo — um dedo traça a borda de seu
prato, para frente e para trás, seu olhar vagando pela janela. — Isso me deixa
triste. Devemos nos lembrar com carinho daqueles que nos deixaram. Falar deles
mantém sua lembrança viva.
— Minha mãe me disse algo parecido logo antes de ela, hm, logo antes de ela
falecer. — Ainda me lembro do cheiro de antisséptico, tão forte e tão químico,
queimando meu nariz. Como meus sapatos rangeram no chão enquanto eu me
curvava e tentava encontrar uma tomada elétrica gratuita para os aromatizadores
que eu trouxe. Lavanda, sua fragrância favorita. — Ela disse que só queria que eu
tivesse lembranças felizes.
Eu me esforço. Eu tento me lembrar dela quando ela era saudável e feliz e
girava pela nossa cozinha ao som do velho rádio surrado que ela mantinha em
cima da geladeira. Mas alguns dias são mais fáceis do que outros e, embora seja
principalmente carinho agora, como diz a mãe de Luka, também é uma dose
saudável de saudade.
A mão de Carina alcança a minha.
— Às vezes eu esqueço que você perdeu a sua mãe. Ela faleceu logo antes de
eu me mudar para cá, né?
Em uma terça-feira, às 15h13. Tinha acabado de chover e havia um arco-íris
arqueando sob uma árvore no estacionamento onde eu estava sentada no meio-
fio, minhas duas pernas abertas na minha frente, meu cabelo grudado na minha
testa. Eu estava fumando um cigarro que ganhei de um dos seguranças e eu
nunca havia tocado em um antes em toda a minha vida. Eu assinto.
— Ela ficou doente por um tempo. Câncer.
— O câncer é uma coisa terrível — diz ela. Ela faz um som curto sob sua
respiração, um tsch rápido. — Não sei se existe um jeito fácil de perder alguém,
mas com o Leo foi tão rápido. Ele saiu para trabalhar como sempre fazia. Ele me
beijou duas vezes, beijou Luka duas vezes, e a última vez que o vi, ele estava
saindo pela porta da frente, gritando por cima do ombro que queria flores de
abobrinha para o jantar. — Ela passa as pontas dos dedos rapidamente sob os
olhos. — Ele era um homem mandão.
Reconheço a tristeza em suas palavras, a solidão de relembrar alguém
sozinha.
— Você deveria tentar falar sobre ele com Luka — eu ofereço gentilmente. —
Acho que seria bom para vocês dois.
Ela balança a cabeça e enxuga o rosto novamente antes de acenar com a mão
entre nós, um dedo apontado para mim em falsa acusação.
— Não é por isso que eu vim aqui, para chorar na sua mesa — ela puxa a
mão do meu aperto e pressiona ambas as palmas contra o tampo da mesa,
situando seu corpo na cadeira até que ela me prende com seu olhar. — Vim aqui
para um interrogatório.
— Ah? — No momento as suas perguntas parecem uma pausa bem-vinda ao
peso de nossa conversa. Isso era o que eu estava esperando quando vi o carro dela
na minha garagem. Eu me inclino para trás na minha cadeira e pego um biscoito
da lata. — Espero que você coloque um pouco de tiramisu na geladeira então.
Ela ri, uma explosão brilhante que ilumina a minha pequena cozinha.
— Ah, aí está você. Fiquei preocupada por um segundo que você seria tímida
comigo agora que está namorando meu filho. — Ela se acomoda em sua cadeira.
— Agora me conte. Como você e Luka passaram de melhores amigos para algo
mais?

Eu tento manter a história o mais próxima o possível da realidade. Eu


digo a ela que depois de tantos anos de amizade, nós meio que começamos a
namorar. Que no final, namorar não era tão diferente de... ser melhores amigos.
Ela arqueou uma sobrancelha com isso, um zumbido interessado sob sua
respiração.
Falamos sobre as crianças em sua sala de aula, a aventura de sua irmã Eva na
dança de salão e a ridícula da Sra. Beatrice e seu sistema de pedidos baseado no
mérito. Parece que a única maneira de a Sra. Peters conseguir um é contando
com a ajuda de Luka também.
É bom tê-la na minha cozinha. É aconchegante e quente e ela enche o espaço
com sua risada alta, seus anéis tilintando ao longo da borda da mesa. Ela devora o
resto de seus biscoitos e declara que precisa incomodar Giana com os
preparativos para o Dia de Ação de Graças, afastando-se abruptamente da mesa e
entregando-me um pedaço de papel dobrado do bolso de trás com instruções de
reaquecimento. Ela parte com um beijo em minhas bochechas e um convite
levemente ameaçador para o Dia de Ação de Graças da família proferido por
cima de seu ombro.
Desaparecendo em uma nuvem de poeira, seu pequeno Kia ronca pela
estrada na volta à cidade. Eu a vejo partir com meu ombro apoiado contra o
corrimão da minha varanda da frente, as luzes nos pastos começando a acender
enquanto o sol se põe no horizonte. Ouço meu telefone na cozinha, mas escolho
ignorá-lo por enquanto, observando a Mãe Natureza colorir o céu em tons de
roxo. Talos de milho sopram suavemente na brisa, o único resquício do período
de outono. Vamos cortá-los em breve e preencher o espaço com árvores pré-
cortadas, prontas para as famílias que não querem fazer a caminhada até a colina.
Layla cuida dessa parte do nosso negócio, serrando árvores e carregando-as no
pequeno trator que Beckett usa para fazer viagens de ida e volta. Ela diz que é
bom para sua raiva reprimida. Beckett diz que é bom para as costas.
Quando o céu finalmente desbota para um azul escuro profundo, volto para
dentro, olhando para o telefone no meu balcão. Eu não gosto de brigar com
Luka. Eu nunca gostei. Nossos desentendimentos nunca duram muito, mas
sempre me deixam com a sensação de que vesti um suéter que coça,
desconfortável na minha própria pele. Eu clico no número dele.
— Stella, escuta — ele soa um pouco sem fôlego, desuniforme. — Eu sinto
muito.
Eu desabo no meu sofá e levanto os meus pés na mesa de café. Eu arrasto a
manta de tricô que ele estava usando na outra noite sob o meu colo. Ainda tem
seu cheiro.
— Eu também sinto muito.
Ele exala lentamente e eu o imagino caindo de volta em seu sofá macio, seu
braço bem aberto contra as costas do sofá.
— Ela estava… minha mãe passou por aí?
— Ela passou — eu olho por cima do ombro em direção a geladeira. Eu
gostaria de ter pegado aquele tiramisu no caminho para cá. — Ela me trouxe
comida.
Luka geme alto e alto e isso dá um nó na minha barriga. Ouvir esses sons
vindos dele nunca foi fácil, mas agora que sei qual é o seu gosto, é insuportável.
Eu me mexo debaixo do meu cobertor.
— Isso significa que ela também trouxe a inquisição.
— Ela chamou de interrogatório.
— Stella, eu sinto muito. — Sua voz fica mais baixa, um pouco abafada como
se ele estivesse falando com o rosto pressionado em um travesseiro ou
pressionado contra a superfície plana mais próxima. — Eu deveria estar aí.
— E o que você teria feito? Você não consegue mentir para a sua mãe.
— Eu com certeza consigo. Eu faço isso o tempo todo. Como você acha que
sobrevivi à minha mãe e a todas as irmãs dela? Você tem que ser simpático. Você
tem que falar para elas que o molho de macarrão delas é a melhor coisa que você
já experimentou. Você tem que dizer que gosta de trutas salmonadas.
Eu franzo a testa e me aconchego ainda mais no sofá, puxando o cobertor até
o nariz.
— Eu quero saber o que é uma truta salmonada?
— Não. Você não quer.
— Ela me convidou para o Dia de Ação de Graças — murmuro. — Então eu
provavelmente vou descobrir de qualquer forma.
— Você realmente irá? — Ele parece surpreso.
— Claro que eu vou. Sua mãe me convidou.
Ele zomba.
— Eu te convidei. Durante anos. E você sempre inventa desculpinhas.
— Não é desculpinha se eu já tenho planos.
— E de repente você não tem esses planos esse ano?
Eu ainda irei ao abrigo de manhã e ajudarei a servir as refeições, mas posso
voltar a tempo de ir à casa dos Peters no Dia de Ação de Graças. É fácil dizer a
mim mesma que é pelo nosso segredo, então ninguém irá suspeitar que não
estamos sendo honestos. Mas sinceramente, seria bom não ficar tão sozinha no
feriado. Eu penso sobre o que a Sra. Peters e eu conversamos, sobre lembranças e
memórias felizes. Eu acho que minha mãe não gostaria que eu ficasse sozinha no
meu sofá no Dia de Ação de Graças comendo comida de posto de gasolina.
— Acho que sim — começo devagar, cuidadosa com minhas palavras. Layla
me disse que posso aproveitar esse tempo e acho… acho que ela está certa. Não
há mal nenhum em passar o feriado com o meu melhor amigo e a sua família. —
Acho que gostaria de experimentar algo diferente.
Luka emite um pequeno som feliz. Eu ouço o arrastar de tecido contra
couro, o tilintar de um copo contra sua mesa de centro.
— Estou muito feliz em ouvir isso.
— Eu também. — Mexo os dedos dos meus pés em minhas meias grossas e
pego um fio solto no cobertor descansando sobre meu peito, hesitante em trazer
à tona o que sua mãe e eu discutimos. Eu quero falar com ele sobre isso, mas não
tenho certeza de como ele vai reagir.
— O que foi?
Eu mastigo o meu lábio inferior.
— O que foi o quê?
— O que quer que você não esteja dizendo.
— Sua mãe e eu conversamos sobre algumas outras coisas também — eu
digo. Quando ele não diz nada em troca, eu continuo. — Conversamos um
pouco sobre o seu pai. Eu acho… eu acho que ela fica triste que você não
converse sobre ele com ela.
Luka tinha doze anos quando seu pai faleceu. Nunca há um bom momento
para perder um parente, mas Luka teve que se tornar um homem sem o pai. A
mãe dele tem uma foto no corredor da casa dela, pendurada assim que você
começa a subir as escadas para o segundo andar. É uma Spirit Night10 do ensino
médio ou algo parecido, o corpo desengonçado de Luka como a maioria dos
adolescentes, seu cabelo desgrenhado e despenteado. É uma foto de todos os
meninos e seus pais, com Luka de pé orgulhoso com o braço em volta de sua
mãe. Toda vez que estou na casa deles e a vejo, sinto uma onda avassaladora de
tristeza. Porque eu posso ver isso na tensão em seus braços, nas bordas fracas de
seu sorriso. Ele sentia saudades do pai.
Ele sente saudades do pai.
Luka limpa a garganta.
— Ela disse sobre o que queria conversar?
— Não, só que ela quer falar sobre ele. Ela disse que falar ajuda a manter a
memória viva.
Ele fica quieto por um longo tempo depois disso. Tão quieto, que verifico o
celular várias vezes para ter certeza de que ele não desligou na minha cara.
— Luka.
— Ele me fazia queijo grelhado — diz ele suavemente, uma pausa pesada
após sua declaração. Eu posso ouvir o clique em sua garganta quando ele engole
em seco. Ele respira fundo estremecendo, prende o fôlego e depois o solta.
Agarro o meu celular com mais força, os botões de metal pressionando a palma
da minha mão. Eu queria estar com ele, meu joelho pressionado em seu quadril
no meu sofá.
— Ele era… ele era um cozinheiro de merda, na verdade. Sempre culpava a
minha mãe e a chamava de mandona na cozinha. — Eu dou uma risada,
pensando em Carina dizendo a mesma coisa a apenas uma hora atrás. — Mas ele
me faria um queijo grelhado. Sempre que eu estava triste.
Naquele dia na loja de ferragens, quando Luka me pegou antes de cair de
cara no cimento, ele deu uma olhada em mim e me perguntou se eu queria
queijo grelhado. Ele sabia que eu estava triste? Ele poderia dizer?
Eu esfrego meu nariz, a onda de carinho por esse homem bobo e estúpido é
esmagadora. Eu estabilizo minha voz, deixando o mais firme possível.
— Você pode… sempre que quiser falar sobre ele, Luka. Você pode.
Ele ainda está quieto, uma quietude que eu sinto mesmo através do telefone.
— Eu queria que você estivesse aqui agora — ele confessa.
Algo aperta em meu peito. Concordo com a cabeça e puxo o cobertor no
meu colo.
— Sim. Sim, eu também.
Outra longa pausa. Sua voz, mais baixa dessa vez.
— Obrigado, La La.
Doze

— Tudo bem, pessoal. Isso tem sido divertido e tudo mais — eu descanso as
minhas mãos em meus quadris, encarando o fundo do celeiro. Alguma coisa
conseguiu desenredar metade da guirlanda que eu enrolei nos postes de
sustentação e duas fitinhas estão faltando nas guirlandas da porta. — Mas é hora
de limpar.
Estou bem ciente de que os guaxinins são criaturas noturnas, mas minha
coragem está passando. Eu tentei vir aqui ontem à noite com uma lanterna e
uma raquete de tênis, mas isso pareceu uma má ideia assim que dei dois passos
para o pasto e ouvi um barulho inexplicável no escuro. A lanterna caiu e eu fui
correndo de volta para minha casa. O que planejei fazer com uma raquete de
tênis, nunca saberei. Agora, à luz do dia, com certeza é menos assustador. E eu
deveria ser capaz de pelo menos descobrir onde essas criaturas estão fazendo
ninho.
Novamente, não tenho ideia do que farei com essa informação. Mas
precisamos desse celeiro para o Papai Noel e, a menos que possamos convencer
esses guaxinins a colocar chifres de rena, eles precisam encontrar um novo lar.
Algo farfalha no canto mais distante e eu me preparo. Eu posso fazer isso. Já
fiz coisas mais assustadoras do que isso. Encontrei aquela pequena família de
baratas quando estávamos esvaziando o galpão do trator. Eu tive pesadelos com
perninhas minúsculas rastejando pelo meu cabelo por semanas. Isso não é nada
comparado a aquilo.
Eu dou um passo mais perto. Há outro movimento aleatório e então um...
miau? Um pouco mais corajosa, atravesso o celeiro e enfio a cabeça por cima da
nossa velha caixa de correio de metal. Aninhada logo atrás dela com algumas das
guirlandas que desapareceram e uma fita vermelha de veludo enrolada em um
pequeno ninho, está uma mamãe gata e seus três gatinhos. Todos brancos com
manchas pretas ao redor dos olhos.
— Bem — Mamãe Gata olha para mim com desconfiança, enrolando seu
corpo mais perto das três bolinhas de pelo enroladas ao redor dela. — Isso não é
o que eu esperava.
Meia hora e alguns telefonemas depois, Beckett, Layla e eu estamos olhando
para a pequena família em meu escritório, aninhada em um cesto de roupa suja
com o pedaço da guirlanda que a Mamãe se recusou a soltar. Ela não tinha saído
da sua casa sem reclamar, mas assim que me viu colocar seus bebês
delicadamente na cesta e convencê-la a se juntar, ela foi bastante agradável. Agora
todos os quatro estão cochilando, roncos doces de seus narizes rosados.
— Isso é adorável para caralho — Beckett murmura, quase com raiva. Ele
gira o seu boné de beisebol para trás e cruza os braços sobre o peito. — O que
devemos fazer com eles?
— Levá-los para o abrigo?
Beckett desdobra os braços e apoia as mãos nos quadris, me lançando um
olhar. Eu levanto as duas mãos.
— Ok, talvez não. Eu só… eu não sei o que fazer com quatro gatos.
— Acho que devemos levá-los ao Dr. Colson e começar daí. — Layla se
agacha, pressionando o rosto contra as barrinhas do cesto de roupa suja. Uma
pequena pata toca seu nariz, e ela praticamente se derrete no chão em uma poça.
Ela suspira sonhadora. — Eles realmente meio que se parecem com guaxinins.
Com sua coloração e as manchas ao redor de seus olhos, não é de admirar
que eu os tenha confundido com guaxinins durante todo esse tempo.
Francamente, eu tinha aberto a porta do celeiro uma vez, vi um flash de preto e
branco, e encerrei o dia. Eu sempre pensei que um guaxinim muito emotivo
estava deixando aquelas marcas de arranhões em todos os postes.
— Talvez devêssemos chamar a mamãe de Guaxinim — eu penso em voz
alta, e tanto Beckett quanto Layla me dão uma encarada. — O quê?
— Se estamos dando nomes aos gatos, é provável que estejamos ficando com
os gatos. — Layla se levanta, limpando as mãos na parte de trás de seu jeans.
Olho de volta para as pequenas bolas de pelo e sinto uma pontada aguda de
saudade. Eu sempre quis um animalzinho de estimação enquanto crescia, mas
nunca tivemos tempo ou espaço. E com nossa época movimentada chegando e
com Evelyn chegando em uma semana, com certeza não temos tempo agora.
Mas talvez, com nós três, pudéssemos...
— Nós não vamos chamá-la de Guaxinim — Beckett bufa. — É um insulto.
Acho que é óbvio como devemos nomeá-los.
q
Layla e eu trocamos um olhar, seu sorriso escondido atrás das pontas dos
dedos. Beckett não desviou o olhar dos gatos nem uma vez.
— Ah, é?
Ele aponta para o menor pacote de pelo, bem apertado com o rosto dela
escondido no peito de sua mãe.
— Cometa. — Ele aponta para os outros dois, enrolados juntos. — Cúpido,
Vixen. — Ele aponta para a mãe, que virou o rosto para olhá-lo com o que eu
juro por Deus ser a versão felina de olhos apaixonados. Beckett segura seu rosto
minúsculo com a mão grande e ela ronrona, aninhando-se na palma da mão dele.
— Ela é Prancer.
— Bem — Layla suspira. — Acho que agora temos gatos.

Depois de um banho profundo e uma examinação pelo veterinário da


cidade, Dr. Colson declara Prancer e seus bebês prontos para ir para casa. Ele
prescreve um xampu medicamentoso apenas por precaução, e alguns alimentos
carregados de suplementos para ajudar Prancer a ficar um pouco mais fortinha.
Quando ele pergunta se eu tenho todos os itens necessários para abrigar uma
família de gatos, eu o encaro em silêncio. Eu mal tenho os itens necessários para
me abrigar. Eu nem sei onde fica o pet shop mais próximo.
Mas Beckett se aproxima com uma carranca e puxa o cesto de roupa suja
contra o peito, murmurando algo sobre listas de compras da Amazon e uma
velha cama de cachorro em sua casa. Alguns restos de comida de quando sua
irmã tentou criar dois buldogues franceses. Sentindo que ela está de volta nos
braços de seu verdadeiro amor, Prancer se levanta graciosamente da cesta, pula
no ombro de Beckett, e se enrola em seu pescoço com um ronronar. O Dr.
Colson e eu assistimos com diversão enquanto Beckett abre a porta da sala de
exames e vagueia pela sala de espera, uma gata em seu ombro e uma cesta de
gatinhos em seus braços. Ele provavelmente destruirá toda a população feminina
de Inglewild se for longe demais assim.
Aparentemente eu não era a única que queria animais de estimação na
infância.
Quando voltamos para a fazenda, o sol está se pondo no céu e ainda há muito
que preciso fazer. Mas pela primeira vez, não sinto o peso da incrível quantidade
de pressão que coloco em mim mesma. Em vez disso, não sinto nada além de
uma bolha de alegria quando descemos a rua. Arcos gigantes enfeitados com
luzes. Postes listrados com vermelho e branco. Uma placa enorme com tinta
branca, dando as boas-vindas ao Pólo Norte. Realmente parece perfeito.
— Eu não tive a chance de falar com você essa semana com o quão ocupados
estivemos, mas isso parece incrível. Ainda melhor do que no ano passado —
Beckett diz do banco do passageiro, Prancer ainda pendurada em seu ombro, a
pequena Cometa cochilando no bolso da frente de sua jaqueta. — Esse lugar é o
que é graças a você.
Viro à esquerda e sigo em direção à sua cabana no sopé das colinas. Hank
disse que as pessoas que possuíam a terra antes dele tentaram usar esse lugar
como uma loja de caça ou algo semelhante. Mas a caça nunca foi muito boa na
costa leste, e eles fecharam a loja rapidamente. Eu tenho um chalé, Beckett tem
outro, e o terceiro nós transformamos em nosso escritório administrativo e casa
de boas-vindas. Eu ofereci a ele o chalé como parte de seu trabalho aqui. É mais
fácil para ele morar na propriedade com suas manhãs que começam cedo, e antes
disso, ele dividia uma casa com seus pais e duas irmãs mais novas, com suas
outras duas irmãs visitando com frequência. Ele sempre foi o primeiro a cuidar
dos outros, quase a ponto de ser um defeito.
— Graças a você e a Layla também.
Eu me sinto terrível toda vez que recebo um elogio de qualquer um deles. Eu
ainda não fui completamente honesta sobre nossas finanças. Tenho muito medo
da reação deles, da decepção deles. Juro que deceparia o meu braço antes de
decepcioná-los.
— Escuta, Beck. Essa coisa com Evelyn. Não é só uma boa oportunidade.
— O que você quer dizer? — Ele está ocupado tentando mover uma
confortável Prancer de seu poleiro sobre ele para o cesto de roupa suja. Ela mia
baixinho e ele a silencia com um sussurro, os dedos roçando sob seu queixo. É
insuportável.
— A publicidade é ótima e espero que possa trazer mais clientes. Mas estou
mais interessada no prêmio em dinheiro. Isso nos ajudaria muito.
Ele pisca para mim, rosto ilegível no sol poente.
— Estamos em apuros?
Eu dou de ombros, meu coração na garganta e tensão na minha barriga.
— Um milagre de feriado ajudaria.
Ele me encara, considerando as minhas palavras. É o mais perto que eu já
cheguei de dizer a verdade a ele. Ainda é menos do que ele merece, mas o resto da
explicação fica presa na minha garganta. Depois de um momento, ele levanta o
p ç p g g p
cesto de roupa suja em seus braços e sai do meu carro. Ele abaixa a cabeça com
um braço apoiado na porta, o rosto sério.
— Então vamos fazer mágica para caralho.

Eu acordo de manhã enterrada em uma pilha de cobertores, o cheiro de café


fazendo cócegas no meu nariz, o som de copos tilintando na cozinha me
puxando das garras do sono. Eu pisco carregadamente para a luz fraca do sol que
entra pela janela acima da cômoda e estico as pernas, os dedos dos pés descalços
espreitando do final do meu cobertor enquanto tento me lembrar se deveria
haver alguém na minha cozinha. Se for um ladrão, eles estão sendo muito
educados ao colocar o café.
Ouço movimento no corredor, pés com meias contra a madeira. Não faço
ideia de como sei que é ele, eu só que sei, um conforto ao ouvir seus movimentos
pela minha casa. Quando eu era criança, eu odiava o silêncio do nosso
apartamento quando minha mãe trabalhava até tarde. Sempre me sentia melhor
quando a ouvia chegar em casa e ligar a chaleira, reaquecer as sobras no micro-
ondas.
Luka aparece na minha porta no meio de um bocejo feroz, olhos fechados,
moletom do avesso. Seu cabelo está liso de um lado como se ele estivesse usando
um chapéu quando entrou e só agora se lembrou de tirá-lo. Eu lanço um rápido
olhar para os dedos dos pés dele. Ele está usando sua meia de abraços e nuggeijos,
aquela com nuggets de frango dançando de mãos dadas.
— Que horas são? — Eu murmuro, serpenteando minha mão pelo meu
ninho de cobertores para pegar a caneca de café na mão dele. É a única parte do
meu corpo que estou disposta a mexer. Ele se senta na beirada da minha cama e
dá um tapinha no meu pé, me entregando a caneca e certificando-se de que eu
esteja segurando com força antes de se afastar.
— Sete. Desculpa, é muito cedo.
Eu olho para ele.
— Você saiu às três da manhã?
Ele dá de ombros, esquivo, evitando os meus olhos para olhar algo na minha
cabeceira. Eu não sei se a costura no meu estofamento comprado com desconto é
tão interessante. Há algo que ele não está me contando, mas é muito cedo para
tentar descobrir. Vou deixá-lo guardar os seus segredos por enquanto.
Eu tomo um gole da sua caneca. Seja o que for, certamente não é o café que
guardo no meu armário. É rico e delicioso e eu tomo outro longo gole, gemendo
quando sinto uma pitada de mocha. O olhar de Luka fica um pouco mais escuro
e eu escorrego um pouco mais na minha cama. É diferente agora, ciente de que
seus olhos ficam da exata mesma cor quando sua boca está na minha.
Eu limpo a minha garganta.
— Eu achei que você tinha ficado de me ligar da estrada.
— Eu queria — diz ele e deixa por isso mesmo. Sua voz está áspera de sono,
uma suavidade adoravelmente perturbada para ele em sua exaustão.
— Fico feliz que você não tenha saído às três da manhã. — Eu olho para as
bolsas sob seus olhos, para o jeito que ele está se inclinando um pouco para o
lado, como se não conseguisse se manter ereto. Eu me enrolo em um lado da
cama. — Luka.
Ele cantarola, olhos fechados, caneca levantada até a boca, mas não bebendo
ativamente dela. É como se ele tivesse esquecido o que fazer com ela a meio
caminho de sua boca. Eu mordo meu lábio para evitar um sorriso e afasto meus
cobertores.
— Luka, deita. Volte a dormir um pouco.
Ele olha para mim, pálpebras caídas com piscadas pesadas e lentas.
— Eu posso dormir no sofá.
Pego a caneca de suas mãos e a coloco na mesa de cabeceira.
— Não seja ridículo. Já dividimos uma cama antes.
— Eu ia dormir no sofá — ele murmura novamente, deixando-me puxá-lo
para baixo e desmoronando na minha cama com um gemido quase pornográfico.
— Isso é viscoelástico?
Tudo o que posso ver dele pelo monte de travesseiros e cobertores é um tufo
de cabelo castanho e a curva de sua orelha. O colchão balança um pouco
enquanto ele se move sob os cobertores, seus pés deslizando sob minha
panturrilha, sua mão no meu quadril um segundo depois. Ele aperta uma vez
enquanto eu me afundo de volta no meu travesseiro.
— Descansa, Luka.
Tudo o que recebo em resposta é um leve ronco, seu pé se contorcendo
contra minha perna.
Eu acordo aos poucos, a luz do sol esquentando a minha bochecha e a
saliência do meu tornozelo onde meu pé está torcido para fora dos lençóis.
Ainda cheira a café, mas o cheiro está abafado agora, os pássaros totalmente
acordados nas árvores que ficam na beira do meu quintal. Posso ouvi-los
chamando uns aos outros, pulando de galho em galho. Abro um olho e a luz do
sol dourada e cintilante enche o quarto, dançando no globo de neve que tenho
em cima da minha cômoda e o velho espelho de chão vintage que encontrei em
um brechó na cidade e obriguei Luka a amarrar no topo de seu carro.
Eu quase esqueci que havia alguém na cama comigo até que dedos se
flexionaram na minha barriga por cima da minha camisa de pijama, uma palma
pesada deslizando para baixo contra a minha pele nua. Ainda presa na névoa do
sono, parece as bordas de um sonho delicioso. Eu enfio o meu corpo mais perto
do homem enrolado atrás de mim, seus joelhos cutucando as minhas costas.
Duas colheres em uma gaveta.
— Pele macia — ele murmura em algum lugar no meu cabelo, a voz áspera,
farejando até encontrar meu ombro. Sua mão se flexiona novamente, o polegar
arrastando para cima uma vez e depois de volta para baixo, memorizando.
Arrepios sobem pelos meus braços, um puxão pesado na minha barriga. O calor
se instala e se espalha e eu empurro contra ele, balançando, tentando chegar mais
perto. Ele grunhe e sua mão se move da minha barriga para o meu quadril, me
segurando lá. Por um segundo, acho que ele pode me afastar, rolar de costas e
adormecer com o antebraço sobre os olhos, mas não faz.
Ele aperta a mão no meu quadril assim que seu joelho esquerdo empurra
para a frente, cutucando o meu até que eu esteja fora de equilíbrio, cercada por
seu calor. Nossos corpos se tocam em todos os lugares: seu peito nivelado com
meus ombros, sua barriga na parte inferior das minhas costas. Eu posso sentir
cada inspiração que ele dá, o algodão macio de sua calça de moletom macio
contra as minhas coxas nuas. Eu arqueio minhas costas e me mexo novamente,
inquieta, e sinto uma dureza pressionar a curva da minha bunda. Luka se afasta
de mim com o movimento, inclinando seus quadris levemente até que não
estejamos mais nos tocando. E talvez seja a lentidão pegajosa de uma manhã
preguiçosa ou talvez eu esteja cansada de fingir o tempo todo, mas eu persigo seu
toque e balanço de volta para ele outra vez, sua inspiração afiada respondendo
contra a concha do meu ouvido.
Ainda está entre nós, nada além do canto dos pássaros e as batidas do meu
coração. Ele não se move, exceto pelos dedos segurando e soltando o meu
ç p g
quadril, seu dedo mindinho deslizando um centímetro para baixo sob a bainha
do meu short de dormir. É um toque inocente, considerando todas as coisas,
apenas o dedo dele roçando a pele nua do meu quadril, mas parece mais um
passo à frente nessa dança estranha que estamos coreografando juntos. Sinto
aquele toque na cavidade da minha garganta, nas pontas dos meus seios. Uma
conversa silenciosa, seu corpo perguntando está tudo bem? Eu inclino minha
cabeça para trás em seu ombro. Ele aperta seu aperto e usa a alavanca para puxar
meus quadris de volta para o dele, mais insistente dessa vez. O que dizer disso?
É um ritmo lento, seu corpo balançando para frente, o meu se curvando para
trás. É um pouco como estar no cais em um daqueles barcos pequenos que às
vezes alugamos durante o verão, um sobe e desce a cada suspiro sussurrado. É
suave, penetrante, e o calor na minha barriga cresce e se espalha até minha
respiração se tornar superficial, uma única gota de suor rolando entre meus seios.
Ele cutuca com mais força, quadris rolando, e eu seguro seu pulso, incito sua
palma para cima até que sua mão esteja pressionada logo abaixo da curva do meu
seio. Eu quero que ele mesmo dê esse último passo, me segure em suas mãos até
que não seja nada além de pele nua. É uma provocação deliciosa, tudo sobre
movimento e sem atrito, e está criando uma umidade dolorosa entre minhas
coxas. Seu polegar suaviza, traçando uma vez ao longo da curva inferior do meu
seio. Nós dois gememos.
— Luka — eu gaguejo. Quero perguntar o que estamos fazendo. Quero
pedir mais. Ele faz um barulho profundo em sua garganta ao som de seu nome,
meio gemido e meio rosnado. Ele empurra com mais força por um momento
perfeito, o corpo pesado contra o meu. — Luka, você poderia…
Minhas palavras quebram o feitiço entre nós, um arrepio de consciência
rolando de seu corpo para o meu enquanto nosso ritmo vacila e diminui. Juro
que posso sentir o sangue correndo sob minha pele, pulsando quente nos lugares
que mais o quero.
— Eu vou fazer o que você quiser, Stella — diz ele, a voz presa na respiração
áspera, sua testa contra a parte de trás do meu pescoço. Sua pele está quente,
levemente pegajosa de suor. De repente, meu quarto é um inferno. Eu o ouço
engolir. — Nós não… nós não temos que falar sobre isso se você não quiser.
Algo sobre o modo como sua voz se estilhaça nas bordas, o tremor em sua
mão que ele tenta esconder… não parece certo. Eu torço em seus braços e me
distraio com a visão dele. Bochechas rosadas, olhos escuros, uma única mecha de
cabelo grudada na testa, lábio inferior vermelho de onde seus dentes o
g
seguravam. Parece que ele foi jogado na máquina de lavar e colocado em uma
secagem pesada.
Eu escovo meus dedos para o topo de seu pé sob os cobertores.
— O que você quer dizer?
Ele acha que eu quero parar?
Ah, Deus.
Ele quer parar?
Suas mãos lutam para me segurar perto enquanto eu tento me empurrar para
o lado oposto da cama, sua mão segurando meu quadril, ainda debaixo da minha
camisa.
— Para, não. — Ele puxa meu pulso para sua boca e dá um beijo rápido no
meu ponto de pulsação. Ele envia outra lambida de calor descendo pela minha
espinha e eu estremeço. Se ele repara, ele tem a decência de não dizer nada sobre
isso. — Não, eu só quis dizer… se você quisesse parar. Poderíamos parar e… —
Ele engole. — Não precisamos falar sobre isso.
Eu com certeza não quero parar. Ele está me observando tão cuidadosamente
que é como se eu tivesse falado as palavras em voz alta. Todo o seu corpo suaviza,
os dedos ao redor do meu pulso se espalhando, o polegar acariciando o centro da
minha palma. Uma sobrancelha escura se arqueia alto em sua testa. Ele parece
açúcar e especiarias e tudo que não é tão bom, amarrotado de sono e corado na
minha cama.
Eu tive sonhos que começaram e terminaram exatamente assim.
— Ou — diz ele, e deixa por isso mesmo.
Eu me aproximo.
— Ou o quê?
A mão que está traçando padrões na pele nua do meu quadril desliza por
baixo da minha camisa e encontra meu queixo. Seu polegar arrasta levemente sob
meu lábio inferior, para frente e para trás.
— Ou podemos tentar alguma coisa.
— Que coisa?
Eu gostaria que minha voz não soasse tão ofegante, que não fosse tão óbvio
que eu quero o seu toque em todos os lugares.
Ele lambe o lábio inferior, os olhos traçando a curva da minha mandíbula, o
emaranhado do meu cabelo como uma auréola torta no meu travesseiro.
Qualquer hesitação que ele teve se foi agora, uma intenção cuidadosa na maneira
como ele enrola uma mecha do meu cabelo ao redor do dedo.
— Eu poderia ver o quanto é necessário. Os sons que você faz — ele diz, a voz
baixa e íntima, uma coragem que eu nunca ouvi antes. Sua voz na cama, penso
fracamente. Metade da sua boca se curva em um sorriso malicioso. Seus olhos
castanhos são polidos com ouro, fundidos e quentes. — Se você é quieta ou
barulhenta.
Eu engulo em seco e aperto minhas pernas juntas. Eu quero isso. Eu quero
muito isso.
— Por quê? — Eu pergunto. A resposta dele é importante.
— Porque eu realmente quero para caralho — ele libera em uma respiração.
Suas palavras caem como flocos de neve contra pele quente. Um único
choque de frio e depois quente, calor derretendo. Uma confissão. Eu pisco duas
vezes, mas não me dou um segundo para pensar sobre isso, para agonizar com as
consequências. Eu permaneço no momento.
— Ok.
Luka torce a mão até que nossas palmas estejam pressionadas, como naquele
dia no celeiro. Eu fecho meus olhos em antecipação e ouço seu corpo se mover
sob meus lençóis. Ele sussurra um ok silencioso em resposta e arrasta o nariz ao
longo da minha bochecha, batendo levemente contra o meu. Eu inclino meu
queixo para ele, o mais leve roçar dos nossos lábios… quando uma buzina soa na
minha garagem.
Luka cai contra mim com um gemido, sua testa na minha clavícula. Passo
meus dedos pelo cabelo dele uma vez, puxando levemente até que ele faça aquele
som novamente, um pouco mais estrangulado. Qualquer que seja o
constrangimento que eu deveria sentir decorrente de transar com o meu melhor
amigo é estranhamente inexistente. Não sinto nada além de uma leveza feliz
borbulhando em meu peito, estourando como champanhe toda vez que sinto a
vibração de seus cílios contra minha pele.
Talvez eu vá me acomodar em uma espiral de ansiedade mais tarde, mas
agora, estou me divertindo. Estou flutuando em uma nuvem de endorfinas
liberadas. Aposto que poderia correr vinte e sete quilômetros em dois minutos.
Outra rodada de sons de buzina do jardim da frente, dessa vez ao som geral
de Jingle Bells. Luka se eleva acima de mim com um braço, levantando a ponta
da minha cortina para olhar para fora. Uma de suas cordas de moletom se arrasta
ao longo da minha clavícula e se acumula no oco da minha garganta. Eu posso
senti-lo duro contra minha coxa. Eu engulo em seco.
— Por que Beckett está no trator dele com uma família de gatos em cima
dele?
Eu esmago as palmas das minhas mãos em meus olhos e tento ignorar a
forma como os quadris de Luka estão me prendendo na cama. Minha bolha feliz
da manhã nebulosa foi oficialmente estourada.
— Eu deveria cuidar deles hoje. — Eu tinha esquecido que concordamos
com isso quando deixamos o veterinário ontem à noite.
Luka olha para mim de sua posição equilibrada acima de mim, seus braços
abraçando a minha cabeça. Se eu virar minha cabeça ligeiramente para a
esquerda, eu poderia pegar a pele delicada em seu pulso com meus dentes. Seus
olhos passam de âmbar dourado para chocolate rico e derretido como se ele
soubesse o que estou pensando. Nós nos encaramos, considerando.
Outra rodada de buzinas, dessa vez algo da Orquestra Transiberiana. Eu não
sabia que alguém poderia ser tão musical com um utilitário compacto.
Luka balança a cabeça com um sorriso triste e olha para trás pela janela. Eu
consigo ver isso em seus olhos. Ele quer arrancar aquele chifre do trator de
Beckett e fazer algo criativo com ele.
— Desde quando você tem gatos?
Eu não tenho. Beckett tem. Ou talvez seja uma coisa de guarda
compartilhada, não sei. Os detalhes não são muito claros.
— Eles são guaxinins — murmuro enquanto Luka se levanta de mim,
escorregando da minha cama e se arrastando pelo corredor. Ele se ajusta
enquanto se move em direção à porta e eu fico quente, olhando para a parte de
trás de seu cabelo bagunçado pelo sono. Eu espero o inevitável aumento de
arrependimento. Eu me mantenho quieta e fecho os meus olhos, respiro fundo
pelo nariz como aprendi em um daqueles vídeos de ioga que Layla está sempre
me mandando links.
Mas o aumento nunca vem. Há uma excitação fervilhando, um calor líquido
que arranca minha pele. Uma batida de desejo. E uma consciência vertiginosa,
uma pequena chama de esperança.
Isso não parecia fingimento.
Treze

Eu rastejo para fora da cama com um gemido e agarro o suéter enorme


pendurado na beirada da minha porta. É um milagre que Luka tenha
conseguido ignorá-lo assim que entrou no quarto e deixado de dobrar e enfiá-lo
na gaveta da cômoda. Ele teria um ataque cardíaco se olhasse meu armário e visse
a grande quantidade de coisas jogadas lá.
Eu deslizo o cardigã pelos meus ombros no meu caminho para a varanda da
frente, acotovelando meu caminho para fora da porta de entrada, as tábuas do
piso congelando abaixo dos meus pés descalços. Eu pulo para cima e para baixo
no lugar até que Luka cutuca um velho par de botas de chuva na minha direção,
o interior forrado com flanela grossa. Eu deslizo dentro delas com gratidão. As
botas de Luka estão desamarradas, um bocejo feroz abrindo sua boca largamente
enquanto nós dois olhamos densamente para o sol da manhã. Olho brevemente
para a frente de sua calça de moletom. Ele percebe e me dá um olhar pesaroso.
— Como se eu fosse andar pela sua varanda da frente com uma ereção — ele
resmunga.
— Dia.
Eu pulo com a voz excessivamente alegre de Beckett no limite da varanda. Eu
não sei como ele adiciona tanta insinuação em uma única palavra, mas ele
consegue, de pé na frente de seu trator com os gatos empoleirados em cima dele
como se ele fosse o rei deles. Prancer reivindicou seu lugar habitual na curva
entre o pescoço e o ombro, os três gatinhos brigando pelo bolso da frente de sua
flanela.
Aperto os olhos e enrolo meu suéter mais apertado ao meu redor, cruzando
os braços sobre o peito. Eu gostaria de ter pegado um par de calças também. O
vento está frio contra a parte de trás dos meus joelhos.
— Por que você está me fazendo uma serenata com sua buzina de trator essa
manhã?
Beckett sorri para mim, sobe meus degraus e entrega um gatinho a Luka.
— Não quis interromper nada.
Cometa olha para Luka de forma curiosa, sua cabecinha inclinada para o
lado, provavelmente tentando descobrir se ele pode ser confiável ou não. Eles se
encaram, olhos castanhos em dourado, piscando em consideração. O cabelo de
Luka está selvagem de sono, grudado em todas as direções. Eu gostaria de ter a
oportunidade de passar meus dedos por ele, enfiar e puxar e esticar. Cometa
parece ter a mesma forma de pensar, porque depois de um momento de
consideração, ela solta um miado lamentoso e sobe pelo braço dele para se
enrolar em cima de sua cabeça, aninhando o rosto em seus cachos.
Eu entendo o impulso.
— Você não queria interromper nada, mas começou a trabalhar em um
catálogo de sucessos de Natal dos anos 90 através de sua buzina.
Beckett dá de ombros e olha incisivamente para minhas pernas nuas.
— Eu não queria ver nada.
Eu resmungo.
— Nada para ver. — Teria tido, talvez, se ele tivesse chegado vinte minutos
depois.
Eu estremeço quando pego um Cúpido adormecido na camisa de Beckett na
palma da minha mão.
Apenas os olhos de Luka se movem enquanto ele tenta chamar minha
atenção, o resto de seu corpo imóvel devido ao gatinho usando seu cabelo como
ninho.
— Ainda não entendo de onde esses gatos vieram.
Eu estendo meus braços para Beckett pelo resto da pequena família. Prancer
me dá o mesmo olhar desconfiado de ontem, puxando sua boca para trás em um
silvo. Eu resisto ativamente a fazer o mesmo. Ao invés disso, eu a calo
gentilmente e tento livrá-la do aperto de Beckett, suas garras segurando sua
camisa para salvar sua vida.
— Está tudo bem.
Pelo menos um dos bebês decidiu que vale a pena confiar. Vixen sai do bolso
de Beckett e sobe pelo meu braço, e senta-se em meu ombro, o rabo fazendo
cócegas na minha orelha. Cúpido ronrona na minha mão, ainda adormecido e
despreocupado com toda a comoção. Prancer, enquanto isso, está rasgando a
frente da camisa de Beckett com sua ansiedade. Eu enrolo minha mão ao redor
dela e tento puxar.
p
— Calma, você estará de volta com seu amor verdadeiro em breve.
— Eles são os guaxinins do celeiro — Beckett explica para Luka, suavizando
meu aperto em Prancer e enrolando suas mãos grandes ao redor dela. Ele a puxa
para cima e acaricia seu nariz uma vez com o dele, o aperto dela liberando sua
camisa com um pequeno miado de despedida. É doentiamente doce e estou
absurdamente desapontada pelo fato de meu telefone ainda estar na minha mesa
de cabeceira.
Acabei de ver Beckett dar um beijo de despedida em um gato. Acho que
deveríamos colocar uma placa na varanda da frente. Ele me observa enquanto eu
coloco Prancer na dobra do meu cotovelo, o desejo claro em seu rosto. É cômico
e cativante ao mesmo tempo. Ele arrasta os pés, balançando-se em seus
calcanhares uma vez com as mãos nos bolsos.
— Eu posso buscá-los hoje à noite, se você quiser?
Digo a mim mesma para parecer formal, para não tirar sarro do homem pela
sua ansiedade de separação felina.
— Você quer?
— É bom ter a companhia.
Eu amoleço com isso. É difícil pensar em Beckett como algo além de
inabalável, mas reconheço os traços de solidão nele da mesma forma que eu e
Luka. É outro motivo pelo qual sou grata por essa fazenda e pela pequena família
estranha que formamos. Estamos todos um pouco menos sozinhos.
— Busque-os quando quiser. Estarei no escritório.
Ele concorda com a cabeça e volta para seu trator, ainda roncando na minha
garagem atrás do carro de Luka. Nós o observamos ir, Prancer declarando o seu
descontentamento com suas garras no meu cabelo.
— Ok, mas eles não são guaxinins, certo? São gatos.
— Correto.
— Ainda tão confuso.
Luka alcança acima de sua cabeça para a gatinha cochilando e a embala em
seus braços, me seguindo para dentro da casa. Eu me afundo em meus
pensamentos enquanto trabalho para colocar os gatinhos em uma pilha de
cobertores velhos no canto e Luka reaquece o café, puxando duas canecas com
rostos de Papai Noel piscando. Cometa passeia por aí depois que ela salta dos
braços de Luka, acomodando-se em sua nova casa com a sua família. Eles se
aconchegam em uma pilha feliz de miados contentes, cochilando à luz do sol que
está pintando padrões em minha madeira.
p p
Eu acredito que deveria estar mais confusa sobre o que aconteceu essa
manhã, mas a verdade é bastante simples. Eu quero Luka. Eu sempre quis Luka.
E essa manhã parecia exatamente o tipo de indulgência que todos estão sempre
me dizendo que eu preciso.
Layla não me disse que eu deveria aproveitar o meu tempo com ele? Eu não
fiz exatamente isso?
Eu olho para ele de pé na pia com a mão enrolada em torno de uma caneca de
café. Ele está mexendo a mesma colher por quase um minuto agora, o metal
tilintando contra a cerâmica a cada volta ao redor da xícara. Eu vejo como seus
lábios se curvam nos cantos e ele balança a cabeça levemente, apenas uma vez,
como se estivesse tendo uma discussão que só ele pode ouvir.
— Nós devemos… — Eu engulo em torno da minha hesitação e vejo Luka
voltar para si mesmo. Um solavanco em seus ombros quando ele se endireita. —
Você quer falar sobre essa manhã?
Ele faz uma pausa e, em seguida, coloca a colher na pia, a fração de segundo
de indecisão morando em meu coração firmemente na minha garganta. Eu não
quero que ele hesite comigo. Eu nunca quero perder a tranquilidade entre nós.
Ele me encontra na sala de estar, estendendo a mão para me ajudar a sair da
minha posição agachada no chão. Não há choque de eletricidade quando nossas
peles se tocam, somente o doce e reconfortante calor que eu sempre sinto. Como
a primeira mordida em uma torta depois de esperá-la esfriar nas grades ao lado
do forno, amarga e deliciosa. Ou roupas recém-saídas da secadora durante o
inverno. Firme e seguro. Um conforto familiar.
Ele puxa a mão e a enfia na frente de seu moletom, virado de volta para a
direção correta em algum momento nessa manhã. Seu joelho balança para cima e
para baixo, e ele tira a mão e passa pelo cabelo. Ele olha para mim por baixo dos
seus cílios, relutante, e coloca a mão na nuca.
— Ah, você quer?
— Acho que deveríamos — digo baixinho, caindo na almofada ao lado dele.
Outra hesitação e coloco meus pés sob sua coxa. Seu corpo inteiro colapsa com o
movimento, ombros curvados em alívio, um suspiro escapando de algum lugar
no fundo de seu peito. Sua mão encontra o meu tornozelo e o envolve
levemente, o polegar sobre o dedo anelar. É da mesma maneira que sempre
caímos juntos neste sofá, e há uma reafirmação nisso. Ele me dá um sorriso
tímido.
— Eu não… — Ele aperta a minha perna uma vez. — Eu não deixei você
desconfortável, né? — Quando eu não respondo de imediato, sua mão aperta
com mais força a nuca, os dedos ficando brancos. — Eu não esperava que isso…
— Não, eu não estava desconfortável. — O contrário, na verdade. — Eu só…
— Penso em como ele se moveu contra mim, a forma como seu lábio inferior se
arrastou contra a pele na parte de trás do meu pescoço. Eu limpo a minha
garganta e enrolo meu suéter mais apertado em volta do meu torso. — Nós não
fizemos isso antes.
Nós nos abraçamos. Nós nos aconchegamos. Nós nos enrolamos um no
outro no sofá assistindo filmes. Mas nós nunca ofegamos na pele um do outro.
Nos movemos juntos para perseguir a fricção e o calor e o desejo.
— Não, não fizemos — ele diz, um pouco tímido. Ele finalmente libera a sua
nuca e sorri em seu café. Eu gosto dessa versão dele, quase tanto quanto gosto da
versão dele que fica com as pernas abertas na minha cadeira de balanço, dizendo a
palavra foder. — Foi estranho?
Eu esperei a manhã toda para sentir o constrangimento, o pânico. Para me
sentir estranha por ter o meu melhor amigo sussurrando no meu ouvido sobre os
sons que eu faço. Mas eu senti apenas o mesmo sentimento borbulhante de
contentamento que tenho sentido desde que ele me beijou no celeiro. Eu não sei,
talvez eu tenha um colapso por isso mais tarde, mas agora, eu me sinto… eu me
sinto bem. Ótima.
— É estranho que não tenha sido estranho, eu acho. Isso faz sentido?
Ele se endireita um pouco com isso.
— Isso faz sentido — ele oferece. — Nós somos amigos desde sempre, e isso
foi… — Um sorriso conhecedor paira em seus lábios e eu praticamente sinto o
arrastar de seu olhar sobre o oco da minha garganta. — Eu estava sonhando com
você, e quando acordei você estava quente e macia e… acho que não consegui
resistir. — Um dedo acaricia meu osso do tornozelo. — A verdade, La La, é que
isso tem sido uma tentação há um tempo.
Eu pisco para ele.
— O que tem sido?
— Bem, quero dizer, não especificamente me esfregar em você na cama — ele
diz rapidamente, e então faz uma pausa, inclinando a cabeça para frente e para
trás em consideração. — Na verdade, acho que sim. Especificamente me esfregar
em você na cama. — Ele me dá um sorriso atrevido, cor subindo em suas
bochechas. Eu belisco em suas costelas.
— Fala sério, por favor.
— Estou falando sério — ele ri, afastando-se dos meus beliscões. Mas ele
volta para mim quando me acomodo no sofá e alcanço os gatinhos, acariciando
suas cabecinhas com os nós dos dedos.
— Eu acho… — Ele se revira em seu assento, coloca seu café na mesa e agarra
meus tornozelos, manobrando minhas pernas para que fiquem dobradas ao seu
lado. — Essa digital influencer chega na segunda-feira, né? E ela estará aqui por
uma semana? — Ele apoia o queixo nos meus joelhos.
Eu concordo.
— Então recapitulando. Nós não nos sentimos estranhos essa manhã. E é
estranho não se sentir estranho. Mas é um estranho bom? — Concordo com a
cabeça novamente e ele sorri, um banho de luz do sol pegando em seu cabelo. Eu
o encaro, meio que esperando que uma família de pássaros azuis voe pela fresta
da janela e se acomode em seus ombros. — Ok, então que tal isso. Nós vamos ter
que fingir de qualquer jeito. E se usarmos esta semana como um período de
teste? Para mim e para você. Ver como é.
— Um período de teste?
— Sim.
— Ver como é?
— Você vai apenas repetir o que eu te disse?
Eu esfrego meu polegar em minha têmpora.
— Acho que preciso que você explique.
— Ok, então — ele estreita os olhos e inclina a cabeça. — O jeito que
estamos agindo em público. E se tentássemos isso quando estivermos sozinhos
também? Veja essa manhã como um exemplo. Queríamos experimentar, então
experimentamos. E ainda estamos bem. Eu acho… eu acho que se parece certo,
devemos continuar.
— O que significa…?
— O que significa que se estamos aqui e eu quero te pressionar na bancada e
ver qual é o seu gosto, então eu posso tentar isso. — Meu estômago afunda. Ele
acaricia meu joelho. — Se você quiser.
— É o que você quer?
— Obviamente.
Não está óbvio para mim.
— Como um tipo de amigos com benefícios? — Eu não gosto da ideia disso.
Ele balança a cabeça, fazendo uma cara azeda. Isso me tranquiliza.
ç ç q
— Não. Eu acho… eu acho que nós dois sentimos a tensão entre nós, sim? —
Eu concordo. Não posso acreditar que estou admitindo que pensei nele assim,
em nós dois assim. — Então isso só acontecerá, eu não sei. Uma semana de
namoro real e tudo o que isso envolve. Não precisamos parar quando estamos
sozinhos.
Eu penso sobre isso. Não tenho certeza de como me sinto sobre um prazo de
garantia de 7 dias para o relacionamento mais importante da minha vida.
— E ainda continuaremos amigos? Aconteça o que acontecer?
Ele acena com firmeza.
— Aconteça o que acontecer.
— Você me promete?
Eu preciso de uma promessa. Na verdade, eu preferiria um documento
juridicamente vinculativo com nossos nomes assinados em sangue na parte
inferior. Eu sei que Alex da livraria autentica documentos de tempos em tempos.
Eu me pergunto se ele estaria disposto a pressionar um selo para algo escrito na
parte de trás de um menu para viagem. Isso parece uma simplificação exagerada
de uma adição complicada a um relacionamento insubstituível. Eu já assisti a
comédias românticas o suficiente para saber que isso provavelmente vai acabar
mal para um de nós, e eu voto em mim.
Luka puxa meu lábio inferior com o polegar até que eu o solte, traçando as
marcas deixadas pelos meus dentes. Ele é sincero, aberto, e sou grata por ele
parecer estar levando isso tão a sério quanto eu.
— Eu te prometo, Stella. Pela minha vida — ele gesticula um pequeno “X”
em cima do peito. — Sem pressão. Sem expectativas. Não temos que fazer nada
que não quisermos fazer
Esse é o problema. Não consigo pensar em muitas coisas que eu não queira
fazer com Luka, e não tenho certeza se ceder uma semana antes de me cortar para
sempre soa como um bom plano. Uma vez eu tentei desistir da cafeína
abruptamente. Layla me encontrou tremendo em meu escritório no meio do
verão, mascando chicletes freneticamente. Eu não sei se eles fazem chicletes
fortes o suficiente para a abstinência de Luka.
— Porém, nesse momento, você sabe o que parece certo? — Ele se inclina
para frente até que a ponta de seu nariz se arraste contra minha bochecha e meu
coração salte para minha garganta, aquela mesma tensão deliciosa de mais cedo
puxando a minha barriga para baixo quando suas mãos se arrastam pelas minhas
canelas, sobre a parte externa das minhas coxas. Ele continua com as palmas das
p p
mãos lá, cobrindo a minha pele nua, as pontas dos dedos mal roçando a barra do
meu short. Eu posso pensar em muitas coisas que seriam boas agora, começando
comigo pressionada contra esse sofá.
Luka sorri para mim, um lado de sua boca se erguendo, depois o outro. Olho
para o padrão de sardas logo abaixo de seu olho esquerdo.
— Omeletes com bacon.

Comemos nossos omeletes à mesa como seres humanos civilizados, uma


respeitável mesa de madeira maciça de 60 centímetros entre nós. Apesar da nossa
decisão sobre esse novo aspecto do nosso relacionamento, não há mais invasão ao
espaço um do outro. Não há beijos, nem toques, nem olhares aquecidos. Há
apenas eu e Luka, uma caixa meio vazia de suco de laranja quase vencido, uma
pilha de bacon crocante e seu garfo no meu prato a cada duas mordidas,
tentando roubar meu queijo.
— Eu não entendo por que você não coloca queijo na sua omelete. — Eu
puxo meu prato de seu alcance novamente e pego uma fatia de seu bacon para
igualar. Ele está me deixando louca.
— Eu não gosto de queijo no meu omelete.
Seu garfo errante diz algo diferente. Ele pega o suco de laranja e dá uma boa
agitada antes de encher o meu copo e o dele. Ele parece mais descansado agora, as
bolsas fracas sob seus olhos desapareceram. As propriedades restauradoras do
sexo à seco, eu acho. Ele me pega olhando para ele.
— O quê?
— Por que você deixou a cidade tão cedo? — Eu coloco outra porção de ovo
na minha boca. Não sei como ele consegue deixar o bacon tão crocante quando
está dentro da omelete. Bruxaria, provavelmente.
Ele dá de ombros, mas desvia o olhar, franzindo a testa para suas claras de
ovo e espinafre. Olhos cheios de desejo deslizam para o meu prato. Ovos com
cheddar e bacon e tempero Old Bay. Eu o puxo mais para perto do meu lado da
mesa. Se ele quisesse um omelete delicioso, deveria ter feito um para si mesmo ao
invés da receita saudável que ele colocou na frente dele.
— Eu queria — ele murmura. Rosa toca as pontas de suas orelhas. — Eu
senti… eu senti saudade de casa e não consegui dormir, então voltei.
Não gosto da ideia de Luka não conseguir dormir. Eu franzo a testa.
— Sua mãe sabe que você voltou?
Ele acena para a máquina de café.
— De onde você acha que eu tirei isso?
— Você roubou o café da sua mãe?
— Não, ela o deixou do lado de fora com uma nota adesiva azul brilhante
que dizia “Para Stella” junto com algumas ameaças criativas em italiano se eu
tomasse alguma liberdade com o seu café. — Ele se inclina para trás na cadeira e
engancha o braço em volta dela, com os pés afastados. Não deveria parecer tão
indecente. Tudo o que ele está fazendo é se sentar na cadeira da minha cozinha.
Mas a enorme quantidade de espaço que ele ocupa com o seu corpo e lembrar o
quanto espaço ele ocupou na minha cama… faz eu me remexer na cadeira. — Eu
vi e percebi que eu só tinha que vir. Desmaiar no seu sofá.
— Estou feliz que você não desmaiou.
Uma sobrancelha escura salta em sua testa.
— Desmaiar no seu sofá?
Eu aceno e ele sorri. Ele olha para a mesa e depois de volta para mim, tímido
com um toque de calor.
— Sim, eu também.
Nós nos acomodamos em um silêncio enquanto penso na minha lista do que
precisa ser feito hoje. Um dos gatinhos está investigando o suco de laranja, outro
vagando entre os saleiros e os pimenteiros. Prancer e Vixen não se moveram de
seu lugar aconchegante perto da janela, banhados por uma auréola de sol. Vou
devolvê-los a Beck essa noite, e é provável que ele nunca mais se ofereça para
trazê-los de volta. Acho que o nosso acordo de guarda compartilhada está
oficialmente encerrado.
Amanhã é o Dia de Ação de Graças, e no dia seguinte está aberta a nossa
temporada oficial de feriados. Tivemos alguns clientes aqui e ali, principalmente
pessoas da cidade visitando Layla para uma dose de açúcar. Mas algumas pessoas
também vieram atrás de árvores. Uma família em particular, com um pai de
aparência sinistra e dois pré-adolescentes super animados, pulando para cima e
para baixo em seus casacos de inverno combinando. Eles declararam que era
Natal no início de novembro, aparentemente, e estavam cansados de esperar pela
árvore.
— Acho que não vou ficar em Nova York por muito mais tempo — diz
Luka. Ele combina essa revelação bombástica com um gole de seu suco de laranja
e uma mordida crocante de bacon. Cometa desliza para longe dos condimentos e
corre de volta para sua pilha de cobertores e sol. Ele dá de ombros um pouco. —
Não estou muito feliz lá.
Eu pisco para ele e penso em algumas de nossas conversas recentes. Ele não
gastou quarenta e cinco minutos no outro dia explicando a superioridade de um
bom transporte público? Tenho certeza que ele compôs um poema sobre aquele
carrinho de frango halal em frente ao seu apartamento.
Estupidamente, é nisso que eu me apego.
— Achei que você gostasse do seu frango de rua.
Ele me ignora.
— Há uma start-up em Delaware que está tentando me recrutar. Eles são
pequenos e é muito diferente do que estou fazendo agora. Menos coisas voltadas
para o cliente, mas eu estaria mais perto. E eu poderia… eu poderia trabalhar mais
remotamente.
Luka em Delaware. Isso é apenas… eu posso dirigir até a fronteira de
Delaware em vinte minutos. Há até uma barraca de taco de peixe no caminho se
eu for em direção ao litoral e pegar a estrada turística. Poderíamos nos encontrar
na praia nas manhãs de verão e tomar café com os pés na areia. Eu excluo a onda
de empolgação e tento canalizar a parte de mim que deveria ser uma melhor
amiga imparcial, uma boa ouvinte para grandes decisões como essa.
— É isso que você quer fazer?
Até onde eu sei, Nova York sempre foi seu plano. Trabalhar em uma grande
agência de marketing, liderar a equipe de dados, sempre pareceu algo que ele
estava feliz em fazer. Ele coça a nuca e meticulosamente tira um pedaço de
espinafre de seu omelete com a ponta do garfo. Ele dá a ele um olhar como se
tivesse xingado a sua mãe.
— Eu ficaria feliz estando mais perto. Não sei, acho que a cidade não é mais
para mim. Parece muito grande. E minha mãe diz que está cansada de pegar
ônibus para ir me visitar.
Ela nunca pegou ônibus. Luka sempre reserva uma passagem para ela no
elegante trem Acela que sobe e desce o literal e ela é deixada em Nova York em
menos de duas horas, bêbada com garrafas baratas de mini vinho. Ela diz que o
trem a lembra da Itália, mas ao invés das colinas douradas dos vinhedos da
Toscana do lado de fora de sua janela, ela é obrigada a olhar para um deserto do
capitalismo.
— Mas você estaria feliz? Em Delaware?
A tensão escapa de seus ombros e sua mão afrouxa o aperto em seu cabelo.
Ele me dá um olhar, um meio sorriso curvado em seus lábios. Há um segredo lá,
escondido nas linhas de seu rosto.
— Acho que sim, claro.
Eu não posso evitar meu sorriso. Ele derrama de mim como a luz do sol que
está fazendo a minha cozinha brilhar. Deixo-me mergulhar na fantasia por um
momento, na possibilidade de ter Luka por perto.
— Você sabe que tem uma…
— Barraca de taco de peixe, sim — seu garfo encontra meu omelete
novamente, mas dessa vez eu permito. Estou me sentindo generosa. — Não é
frango de rua, mas acho que vou me virar.
Eu empurro meu prato na frente dele e o deixo-o ficar com tudo. Tudo o
que eu queria era o bacon, de qualquer forma. Eu arranco o resto do seu prato
abandonado.
— Já que estamos no assunto de arranjos de vida, provavelmente deveríamos
planejar essa semana.
Ele não ergue os olhos de onde está enfiando comida em sua cara.
— Eu deveria levá-la para o Dia de Ação de Graças amanhã a qualquer custo
— diz ele com a boca cheia de batata. — Minha mãe disse especificamente que
ela não se importa se você estiver inconsciente à mesa, desde que você acorde na
hora da torta.
— Isso é... violento, mas não é o que eu estava falando.
— Ah — ele se senta e arrasta o polegar pelo lábio inferior, pegando um
pouco de ketchup antes de colocar na boca e lamber. Estou distraída o bastante.
— Do que estamos falando então?
— Evelyn acha que somos donos desse lugar juntos. Se você ficar na casa da
sua mãe enquanto estiver aqui, ela provavelmente vai achar estranho.
Luka acena com a cabeça e espeta uma batata que sobrou do café da manhã.
— Então estou feliz por ter trazido o café de qualidade, colega de quarto.
Quatorze

O Dia de Ação de Graças na casa de Luka é um pandemônio. Entramos


pela porta da frente ao som de um coro de gritos e risos vindos da cozinha,
armados com garrafas de vinho tinto o suficiente para derrubar uma pequena
milícia. Eu tenho uma garrafa em cada uma das minhas mãos e outra debaixo do
meu braço, um quarta na minha bolsa ao lado do frasco de uísque que Luka
enfiou pouco antes de sairmos. Luka está carregado de buquês para sua mãe, sua
avó e cada uma de suas tias, uma verdadeira estufa ambulante. Ele para no
corredor, italiano e inglês e David Bowie vindo da cozinha. Eu ouço sua Tia
Gianna gritar algo sobre recheio sem ostras e Luka estremece.
— Estou reconsiderando — ele murmura assim que todas as mulheres
começam a rir, sua mãe gritando algo em italiano. As orelhas de Luka ficam
vermelhas brilhantes. — Rápido, acho que podemos fugir antes que alguém nos
perceba.
Vou esfregar o ombro dele com a mão, mas ainda estou segurando a garrafa
de vinho. Eu a bato contra ele no que espero ser um gesto reconfortante. Ele
franze a testa para mim.
— Vai ficar tudo bem. Essa não é a primeira vez que estou perto da sua
família.
Mas é a primeira vez que estou perto delas quando pensam que estou
namorando com Luka. Qualquer reputação que eu construí ao longo dos anos
desaparece assim que entro na cozinha, cinco pares de olhos cinza
surpreendentes se estreitando em mim. Essa deve ser a sensação de estar preso
atrás das linhas inimigas. Aceno com uma garrafa de vinho e Tia Eva se
aproxima.
— Vocês estão atrasados porque estavam fazendo sexo? — Ela pega a garrafa
de vinho da minha mão e assente para o rótulo. Ouço Luka murmurar uma
sequência criativa de palavrões atrás de mim. — Só porque vocês dois estão
transando como coelhinhos agora, não significa que vocês podem simplesmente
chegar atrasados às coisas.
Um buquê de crisântemos é colocado entre nós, as sobrancelhas de Luka
inclinadas para baixo.
— Estamos vinte minutos adiantados, Tia Eva.
Ela estende a mão e belisca as duas bochechas dele, dando beijos em seguida.
— Eu serei a juíza disso, Cucciolo. Você — ela aponta para mim e então
aponta para um lugar vazio no balcão onde parece haver cerca de 76 quilos de
batatas. — Descasca.
— Ela é uma convidada, Tia Eva.
— Ela não é uma convidada. Ela é da família e ela descasca batatas.
Vou descascar as batatas. Depois que ele faz sua rodada de cumprimentos,
com as bochechas em um vermelho brilhante de ser beliscado incessantemente,
ele é colocado para trabalhar também, arrumando e reorganizando a mesa sob a
direção cuidadosa de sua mãe. A avó de Luka vem até mim na pia, descascador
em mãos. Ela pega uma batata e faz um trabalho rápido, acenando na direção da
sala de jantar enquanto Luka move a molheira meia polegada para a esquerda,
mandíbula apertada.
— É uma tradição deixá-lo nervoso — ela pisca para mim. Pobre Luka, o
filho único para todas essas mulheres atormentarem. Suas tias são
intencionalmente e notoriamente solteiras. Ele diz que enquanto crescia, a
pequena cidade italiana em que moravam as chamava de lupi che ululano. As
lobas que uivam. — Gostamos de adivinhar quanto tempo levará para ele
começar a implorar por misericórdia a San Pietro.
Demora mais 20 minutos e uma discussão metade em inglês e metade em
italiano sobre o que deve ir por cima das batatas-doces. Ele joga o saco de
marshmallows em sua mão na despensa em exasperação e segue para o porão,
sibilando algo sobre cadeiras dobráveis. Eu reparo que ele faz uma parada na
minha bolsa primeiro, um flash de prata em sua mão. Assim que ele se retira,
todas as mulheres começam a rir. Há uma troca de dinheiro e, em seguida,
Carina está deslizando até mim com malícia em seus olhos, um beijo pressionado
em ambas as minhas bochechas.
— Estamos muito felizes em tê-la aqui, Stella.
— Estou feliz por estar aqui — eu sorrio.
Na verdade, à medida que a noite avança e Luka surge das profundezas do
porão com duas cadeiras dobráveis embaixo do braço e cheiro de uísque no
p ç q
hálito, estou muito chateada comigo mesma por ter dito não a isso por anos. Tia
Sofia pega um álbum de fotos do bebê Luka durante os aperitivos, seu rosto
positivamente iluminado de alegria. Eu o pego dela com mãos gananciosas e
tenho um vislumbre de um terno de marinheiro antes de Luka fechá-lo
novamente, pegando-o e jogando-o em cima da geladeira. É engraçado que ele
pense que eu não consigo subir lá.
Ele nem se incomoda em esconder o seu frasco depois disso.
É aconchegante e bobo e doce e um feriado perfeito com a família. Luka pega
minha mão no meio do jantar e entrelaça os nossos dedos, seu polegar roçando
os meus dedos. Eu não sei se é para o interesse de suas tias, ou se isso é uma
daquelas coisas que parecem certas, mas eu me inclino em direção a isso,
descansando o meu ombro contra o dele e pegando um pedaço de torta de seu
prato. Quando partimos, estou cheia até a borda com boa comida e companhia
ainda melhor, meu peito leve pela primeira vez em meses. Aparentemente, um
jantar com toda a família Peters-Russo é uma distração ideal para um medo
dominante de fracasso e abandono.
Eu fico perto da porta, mais uma vez olhando para uma torre de sobras que
parece se estender do chão ao teto. Esse Tupperware é diferente, mais moderno, e
me pergunto se a mãe do Luka o pegou depois de ver o estado da minha
geladeira na semana passada. Eu ainda não consegui trabalhar nos pratos que ela
trouxe. Estou sem tiramisu, no entanto. Isso acabou rápido depois que Luka
encontrou o seu esconderijo atrás do espinafre.
Ela adiciona outro pequeno pote no topo enquanto Luka puxa o seu casaco
de perto da porta. Não tenho ideia do que vou fazer com toda essa comida.
— Ele gosta de cranberry com croissants de manhã — ela me diz com uma
piscadela.
Luka fica rosado pela centésima vez essa noite, provavelmente. Estou
encantada.
— Grazie, Mama. — Ele beija as duas bochechas dela e, em seguida, a puxa
com força contra o seu peito. Ele sussurra algo em seu ouvido, algo que não
consigo ouvir, e ela fecha os olhos com força, balançando-se nele. Quando seus
olhos se abrem novamente, eles estão brilhando com lágrimas, mas sorrindo, e eu
desvio o meu olhar para os rodapés.
— Quando vocês virão visitar de novo? — Ela exige quando ele abre a porta,
uma rajada de ar frio varrendo o corredor.
— Posso sair antes que você pergunte?
q p g
Ela fecha a boca e observa incisivamente enquanto ele dá um passo para a
varanda. Ele estende a mão para mim, tirando metade dos Tupperware dos meus
braços. Assim que passamos do limiar, ela pergunta novamente.
— E quando será isso, Luka?
Eu ri.
— Que tal você vir para a fazenda essa semana? Teremos uma convidada e
tenho certeza que ela adoraria conhecê-la.
Luka olha para mim com um rosto comicamente perturbado. Resposta
errada, dizem seus olhos, mesmo quando sua mãe bate palmas e pula no lugar.
Ele apenas revira os olhos e segura um sorriso.
Tudo bem. Estou sorrindo o suficiente por nós dois.
— Ah, isso mesmo! Você está naquele concurso. As crianças têm falado sobre
isso a semana toda. Havia algum tipo de ficha de inscrição circulando. Eles têm
atribuído turnos. O Sr. Holloway confiscou pensando que era para as drogas...
— Luka fala sem som as drogas pelas costas dela — … mas entregou a Associação
de Pais e Professores quando percebeu o que era. Os adultos decidiram se
inscrever também.
Estou confusa.
— Se inscrever para o quê?
— Para visitar — diz ela. Ela se inclina na porta aberta com os braços
cruzados sobre o peito. — Não podemos ter uma fazenda vazia enquanto a sua
elegante senhora Tok Tok estiver na cidade. Acho que você terá um fluxo
constante de visitantes durante a temporada de feriados, de acordo com a última
vez que vi a lista. Mabel está até pendurando as decorações de Natal, então todos
nós parecemos no nosso melhor por você.
Eu pisco rapidamente contra a pressão quente das lágrimas, a mão de Luka
gentil nas minhas costas.
— Todo mundo… — Eu limpo a minha garganta. — Eles estão fazendo tudo
isso por mim?
— Tenho minhas suspeitas de que Cindy Croswell se inscreveu para uma
visita todos os dias, é claro, mas sim. — Ela enrola os dedos ao redor do batente
da porta, luz, calor e risos se espalhando pela varanda. — Você ainda não sabe,
Stella? Esse é o seu lar. O que é… eu sei em italiano, mas… chi si volta, e chi si gira,
sempre a casa va finire.
A mão de Luka desliza pela minha espinha e se curva sobre meu ombro.
— Não importa aonde você vá, você sempre vai acabar no seu lar.
p p
— Sim — ela estala os dedos para o filho. — E com o lar, vem a família.

— Como você consegue comer agora?


Luka está esticado no meu sofá, o suéter grosso amontoado levemente em
torno de sua cintura, a metade inferior da sua camisa de botão exposta. Eu tive
um vislumbre mais cedo da gola de sua camisa, mas agora posso ver melhor a
estampa. Ele tem coxinhas de peru dançando por toda a camisa, enfiadas por
baixo de uma confortável malha verde. Ele pega outro bocado de torta direto do
pote.
— Eu não sei — ele resmunga. — Eu não tenho auto controle.
Eu sinto que sou a que não tem autocontrole enquanto observo a forma
como a luz do fogo dança na sua pele. Sua boca se curva ao redor do garfo, um
pouco de chantilly grudado em seu lábio superior. Eu quero rastejar em cima
dele, dobrar minhas coxas contra seus quadris e lamber.
Ele aponta para mim com o garfo.
— Seus pensamentos estão escritos em todo o seu rosto.
Afundo ainda mais na poltrona aconchegante perto da janela.
— Não estão.
— Você está desejando uma torta.
Eu dou uma risada. Eu me sinto pesada de vinho e desejo.
— Não estou.
Luka me nivela com um olhar e, em seguida, cuidadosamente coloca o pote
de torta na mesinha de centro, relaxando contra o sofá, os traços de seu corpo
soltos.
— La La — ele engole em seco uma vez, meu nome tão doce em sua língua
quanto aquela torta de abóbora. — Você não pode dizer coisas assim.
— Por que não?
— Porque. — Seu olhar está escuro na luz bruxuleante da lareira. — Porque
me faz querer te beijar, e você está muito longe.
Ele rola a cabeça contra a almofada do sofá para olhar para mim, sua mão
descansando em sua barriga. Eu gostaria de estar descansando bem ali. A
consciência estala entre nós, um fio fino de desejo puxando com força.
— Eu sei que dissemos que seguiríamos o que é certo — diz ele em voz baixa.
Seus olhos permanecem em meus lábios, cativados. Os meus derivam sob a linha
reta de sua mandíbula, o comprimento de sua garganta, a saliência de suas
clavículas através do colarinho torto de sua camisa ridícula. Acho que nunca
senti tanta antecipação antes, a onda pesada no meu peito. — Mas você tem que
agir primeiro, La La. Eu não quero sentir que estou te pressionando por algo.
— Isso não é justo. — Eu deslizo minhas pernas para fora de onde elas estão
dobradas debaixo de mim e coloco minha caneca de chá na mesa de canto. Luka
me observa, as mãos se movendo para abrir os braços contra o encosto do sofá.
Eu me levanto e dou um passo mais perto e seus joelhos se abrem em convite. —
Eu também não quero te pressionar.
— Que tal isso — ele range, impaciente, suas mãos se estendendo em minha
direção assim que os meus pés pisam entre as suas coxas abertas, os dedos
envolvendo os meus quadris. Ele puxa uma vez, meu joelho esquerdo caindo no
couro gasto ao seu lado. Ele puxa mais uma vez, não satisfeito até que eu esteja
equilibrada acima dele. Ele cantarola baixinho, contentamento no desleixo
preguiçoso de seu corpo, minhas coxas perfeitamente encaixando os seus
quadris. Exatamente como eu queria. — Que tal pressionarmos um ao outro?
Eu sorrio e descanso minhas mãos em seus ombros.
— Isso soa como uma cantada.
Seu nariz franze, um adorável sulco entre as sobrancelhas.
— Se for, é uma ruim.
— Não sei, parece que funcionou para você.
Eu ignoro o breve flash de aviso no fundo da minha mente, o sinal néon
brilhante que está piscando espere, diminua a velocidade. É difícil pensar em
consequências quando a palma de sua mão está quente nas minhas costas,
subindo pela minha espinha. Ele emaranha a mão levemente no meu cabelo e
puxa suavemente, apenas uma vez, um flash de algo decadente em olhos âmbar
quando faço um pequeno ruído na parte de trás da minha garganta. Ele gosta
desse som, eu posso perceber. Ele quer ouvir de novo.
Eu ajeito a gola de sua camisa até que ela esteja reta, meu polegar roçando a
pele nua na cavidade de sua garganta. Ele tem sardas aqui também, mais claras do
que as do rosto. Eu deslizo meus dedos por um grupo delas em sua clavícula,
traçando uma linha até o centro de seu peito. Ele estremece contra mim.
— Ainda estranho que não seja estranho — eu digo e ele cantarola baixo em
seu peito, seu corpo relaxando ainda mais no sofá enquanto eu me acomodo
mais completamente em cima dele. É uma delícia tocá-lo desse jeito. Eu o
observo me observando, a mão no meu cabelo se desenrolando do punho para
um cafuné suave, mechas escorregando por entre os dedos. Ele segura a parte de
g p g p
trás da minha cabeça e, em seguida, levanta novamente, dessa vez meus cachos
em cascata ao redor dos meus ombros e nos cercando em uma grossa cortina
preta. Um sorriso ilumina seu rosto.
— Seu cabelo também é macio — ele sussurra.
Eu me sinto macia. Suave e relaxada e liquefeita em seu aperto, nossos peitos
roçando juntos a cada inspiração. Eu vesti um suéter largo e um par de calças
velhas de moletom assim que chegamos em casa e quero que ele aproveite.
Mergulhe a mão sob a bainha e descubra se sou macia em todos os lugares.
Mas ele não faz isso. Uma mão fica no meu cabelo e a outra fica no meu
quadril enquanto ele levanta o queixo, cutucando meu nariz com o dele até eu
deslizar a minha mão para a parte de trás de seu pescoço e roçar nossos lábios.
— Eu fiquei pensando em te beijar a semana inteira — eu o sinto dizer
contra os meus lábios.
Muito legal. Tenho pensado em beijá-lo desde os vinte e três anos.
A primeira vez que nos beijamos, foi gentil. Cuidadoso. Ele segurou a minha
mão na sua e se enrolou em volta do meu corpo e me beijou como se eu fosse
feita de vidro.
Eu não estendo a mesma cortesia.
Eu me inclino para frente e pego a sua boca com a minha, meus dentes
roçando seu lábio inferior. Eu movo a minha mão da parte de trás de seu pescoço
para sua mandíbula, guiando sua boca aberta na minha. Ele resmunga como se
tivesse levado um golpe, o vento lhe arrancando os pulmões. Eu posso sentir a
pergunta na linha tensa de seu corpo, o eu deveria que eu lambo da ponta de sua
língua. Ele faz outro barulho de dor e então o seu corpo se derrete, suas mãos
agarram, e Luka me mostra o quanto ele estava se segurando quando me beijou
no celeiro.
Ele é insistente, impaciente, um pouco ganancioso. É como se quisesse tudo
que eu tenho para dar, tudo de uma vez. Ele persegue meu beijo, seu polegar no
meu queixo abrindo a minha boca até que tudo diminui a um deslizamento
úmido de calor. Ele tem gosto de canela e do uísque que roubou a noite toda e
eu me deixei afundar na lânguida atração disso. Porque agora parece que fui eu
quem levou um soco no peito, meus batimentos altos em meus ouvidos. Eu
posso sentir meu pulso em todos os lugares. Nos meus pulsos pequenos, na base
da minha coluna, no lugar entre minhas coxas de onde estou espalhada acima
dele. A mão no meu quadril traça uma curva sobre minha bunda, me
pressionando para frente, me aconchegando. É como aquela manhã no meu
p p g q
quarto, só que melhor, porque eu posso senti-lo agora, duro e pronto. O botão
de sua calça jeans cava na minha barriga enquanto eu me aproximo e moo um
pouco, e ele geme ao redor da minha língua, meu gosto favorito até agora.
Ele se afasta da minha boca e arrasta beijos e mordidas desde a minha
mandíbula até o buraco atrás da minha orelha. Eu tremo e enfio meus dedos em
seu cabelo, moendo em seu colo. Ele bufa uma risada e eu o puxo pelo cabelo até
que eu consiga ver o seu rosto, as chamas dançantes da lareira lançando-o metade
na sombra, metade na luz. Ele sorri para mim e dá um beijo onde meu suéter
caiu sobre um ombro. Ele considera o trecho de pele nua e, em seguida, puxa o
suéter um pouco mais para baixo, beijando a pele macia logo acima do meu sutiã.
Ele suspira e inclina a testa ali, sua maldição murmurada uma bênção.
— Acho que eu devo dormir no sofá hoje à noite.
Eu cantarolo e arrasto as minhas unhas em seu couro cabeludo. Seu corpo
inteiro praticamente vibra e ele belisca o meu peito no lugar em que a sua boca
descansa. Eu espero que deixe uma marca.
— Vai ser um ajuste apertado, mas acho que podemos fazer isso funcionar.
Ele geme e balança a cabeça, os quadris empurrando um pouquinho embaixo
de mim. Eu quero perseguir o atrito até que a pressão sinuosa dentro de mim
cresça e cresça e exploda. Eu quero respirações ofegantes e tensão no limite como
um puxa-puxa até eu me desfazer. Eu quero isso nesse sofá. Quero no corredor.
Quero estar espalhada na minha mesa de jantar.
— Eu quero tomar meu tempo — diz ele, com o rosto em algum lugar no
meu suéter. — Eu quero fazer isso direito.
Ele inclina a cabeça para trás para descansar o queixo contra mim, olhos
castanhos escuros calorosos nos meus.
— Quando você ficou tão sedutor?
Seus braços me envolvem completamente, me segurando perto, mas também
me impedindo de me mover contra ele. Reconheço que o momento passou.
“Lento” é provavelmente uma coisa boa quando se trata de nós, mas agora parece
que o meu coração está pronto para sair do meu peito.
— Eu costumava ter controle sobre mim mesmo — ele murmura, os braços
flexionando ao meu redor.
Eu entendo o sentimento.
Quinze

Eu acordo no meio da noite com um corpo me prendendo na cama, a


respiração de Luka firme e uniforme contra meu pescoço. Ele sempre foi um
abraçador, mudando e rolando e se movendo em seu sono até que ele esteja ao
meu redor. A primeira vez que dividimos um espaço para dormir, estávamos
acampando juntos na praia, as pontas da barraca balançando com os ventos
fortes da água, nossos sacos de dormir em paralelo, uma lanterna pendurada no
canto. Ele tentou timidamente fazer uma pequena parede entre nós com
moletons e um saco de batatas fritas, murmurando algo sobre conchinha
crônica. Eu pensei que ele estava brincando até acordar com a coxa de Luka em
meus quadris, seus braços trançados ao redor do meu torso, e o saco de batatas
fritas preso nas minhas costas.
Arrasto minhas unhas levemente em seu antebraço e sorrio quando ele se
aninha mais perto. É bom tê-lo aqui. É bom acordar com ele do meu lado.
Ou em cima de mim.
Eu me mexo e bocejo e olho para o relógio no canto da minha cômoda, o
braço esquerdo de Luka envolvendo mais apertado ao redor da minha cintura
com o meu movimento. Levo um segundo para entender por que estou
acordada e então ouço novamente, um ping metálico em meu telefone. Eu o
alcanço e Luka resmunga, virando de lado e se enfiando embaixo de um dos sete
mil travesseiros na minha cabeceira estofada.
Todos os homens com quem já namorei reclamaram do número de
travesseiros que deixo na minha cama. Mas não Luka. Essa noite, antes de
desmoronar em uma pilha de exaustidão, ele murmurou um porra, é isso aí bem
baixinho antes de se sufocar em felpa aconchegante. Ele estava dormindo em
menos de trinta segundos.
Eu estremeço com a tela brilhante do meu telefone no meu quarto escuro,
procurando o aplicativo da câmera. O sistema de alarme disparou algumas vezes
no meio da noite desde que o instalei. Uma vez era uma família de veados
pastando entre os talos de milho secos empilhados pelos tratores. Outra vez foi
Beckett, fazendo o que quer que ele faça nos pastos antes de o sol nascer. A
última vez foi um pintarroxo curioso, nada além de um flash de suas penas
enquanto ela bicava a parte superior da câmera, a coisa toda tremendo.
Então, não sei o que estou esperando quando deslizo para abrir a notificação
sobre movimento na câmera três, mas certamente não é uma figura encapuzada
jogando pedras.
A consciência me faz sacudir na cama, observando enquanto a pessoa
abandona as pedras e olha para o chão a seus pés em busca de outra coisa. Eu
assisto com meu coração martelando enquanto ela encontra algo longo e fino,
um ancinho, ao que parece, deixado fora do celeiro, e atinge a câmera. A imagem
sacode, mergulha e depois escurece.
— Luka. — Eu jogo meu telefone longe e praticamente caio da cama,
procurando a minha calça de moletom. Elas estão dobradas ordenadamente na
minha cadeira. Eu tento pular dentro delas, as minhas mãos tremendo demais
para eu conseguir segurar bem o cós. — Luka, acorda.
Ele geme e desliza ainda mais para baixo na minha montanha de travesseiros.
— Eu não posso te levar para comer tacos agora, La. Tô dormindo.
Encontro minha bota esquerda, meio escondida debaixo da cama, e pulo em
um pé só enquanto tento colocá-la.
— Tem alguém lá fora.
Isso faz Luka se sentar, piscando nebulosamente para mim, o cabelo espetado
em uma bagunça selvagem.
— O quê?
— As câmeras — eu explico. — Alguém acabou de bater em uma com um
ancinho.
Ele joga meu edredom para trás, os pés encontrando a madeira.
— Agora mesmo?
— Sim — eu alcanço meu celular, escuro na minha colcha. Eu não sei o
porquê, não adianta mostrar a ele uma câmera desconectada. — A notificação da
câmera me acordou e eu vi alguém.
Ele puxa seu moletom pela cabeça e então olha incisivamente para onde eu
ainda estou tentando enfiar o meu pé em uma bota.
— E você estava indo o que… saindo e indo puxar uma conversa amigável?
Eu franzo a testa.
— Obviamente eu tenho que ir lá e ver o que está acontecendo.
Ele coça a parte de trás de sua cabeça rudemente, fazendo seu cabelo ficar
ainda pior. Seria fofo se eu pudesse me concentrar por meio segundo.
— Não. Sem obviamente. Fique aqui e ligue para o Beckett — ele me diz. Ele
dá um passo em direção ao corredor e depois se vira para mim. — Ligue para o
Beckett e depois ligue para o Dane.
Eu o arrasto para fora do meu quarto.
— Eu vou com você.
— Você não vai.
Eu o sigo até a entrada e pego o meu casaco antes que ele possa enfiá-lo no
armário, fora do meu alcance. Enfio os meus braços nas mangas, rebelde, e pego
um chapéu, puxando-o para baixo sobre meus cachos emaranhados. Parece que
estou me armando para a batalha. Luka franze a testa para mim com um suspiro
pesado, rapidamente vestindo sua jaqueta.
— Você ainda tem aquele taco de softball?
Eu concordo.
— O que você vai fazer com isso?
— Eu espero que nada.
Ligo para Beckett quando Luka está meio enterrado no meu armário do
corredor, emergindo com o taco de softball que usei por talvez três anos quando
decidi que ia chegar ao Campeonato Mundial Júnior de Softball. É rosa
brilhante com uma alça de mão tye-dye e me recuso a me livrar dele porque
minha mãe trabalhou horas extras por um mês para me comprar essa coisa. Eu
amo. Eu acertei exatamente zero home runs com aquele bad boy.
Desnecessário dizer que não consegui chegar ao Campeonato Mundial
Júnior de Softball.
Luka o coloca por cima do ombro e abre a minha porta da frente como se o
próprio bicho-papão estivesse prestes a pular de trás de uma cerca. Ele tenta me
fechar dentro de casa, mas eu corro atrás dele, mantendo meus passos leves
descendo as escadas da frente. Beckett atende no terceiro toque.
— Por que você está me ligando às…
— Tem alguém na fazenda — eu saio correndo, mantendo a minha voz baixa
por precaução. Por precaução do quê, eu não faço ideia. Luka fala sem som, uma
pergunta sem palavras:
— Onde?
Aponto para o celeiro do Papai Noel, grande e sinistro do outro lado da pista
de patinação no gelo que instalamos três dias atrás. A fazenda parece diferente no
meio da noite, a lua bloqueada por uma pesada cobertura de nuvens, uma brisa
sussurrando por entre as árvores. Tudo soa como passos, e eu sinto que nosso
intruso encapuzado virá nos atacar a qualquer segundo. Eu seguro o braço de
Luka.
— Alguém bateu na câmera do celeiro.
— Você está sozinha? — Há um remexer ao fundo, uma série de palavrões
criativos e um estrondo.
— Luka está aqui. Estamos indo naquela direção.
— Eu estarei lá.
Luka fica perto de mim enquanto damos a volta no ringue de patinação, os
punhos fechados ao redor do cabo colorido do taco. Ele acena para o meu
telefone quando eu desligo.
— Dane.
— Você realmente acha que eu preciso chamar a polícia?
O olhar que ele me dá é metade incrédulo, metade exasperação pura.
— Dane — diz ele, com os dentes cerrados.
Duvido que quem derrubou a câmera seja uma ameaça real. Provavelmente é
apenas um dos garotos do ensino médio, brincando. Eles estavam vestindo um
capuz com um texugo, pelo amor de Deus.
Ligo para Dane e ele atende no primeiro toque.
— O que há de errado?
— Alguém está na fazenda — repito pelo que parece ser a centésima vez. —
Meu alarme disparou e era alguém atingindo a câmera. Está desconectada agora.
Olho fixamente para o escuro, procurando qualquer tipo de movimento.
Meus olhos estão pregando peças em mim. Cada galho de árvore se contorcendo
parece a perna de alguém. As grandes faixas que circundam o rinque, um flash de
um moletom.
— Por que você está sussurrando? Stella, juro por Deus… — Outra rodada
de palavrões criativos e essas conversas telefônicas estão começando a ficar
repetitivas. — Você está do lado de fora agora?
Eu corro meu lábio inferior entre os dentes.
— Talvez.
— Volte para dentro.
— Estou com Luka.
— Então vocês dois voltem para dentro. Não ataque o invasor em sua
propriedade, Stella Bloom, ou eu mesmo vou prendê-la. O mesmo se aplica a
Luka. — Ele exala uma respiração como se tivesse acabado de correr quinze
milhas com um barril amarrado às costas. — Agora vá se sentar na sua casa,
tranque todas as portas e espere até eu chegar lá. Você entendeu?
Olho para Luka. Estamos quase no celeiro, o alto tapume vermelho ao
alcance do braço. Abraçamo-nos de lado, mantendo-nos nas sombras. Luka
acena para a câmera desativada.
— Vamos verificar as fechaduras do celeiro bem rápido — ele sussurra. — E
então voltar.
— Você entendeu, Stella? — Ouço a porta de um carro bater e depois o
ronco de um motor.
— Eu entendi — eu digo rapidamente, ansiosa para tirá-lo do telefone.
Entendo por que ele quer que eu volte, mas não necessariamente concordo. —
Te vejo em breve.
Ele começa a dizer mais alguma coisa, mas eu encerro a ligação, colocando
meu celular no bolso de trás. Juntos, Luka e eu rastejamos em direção às grandes
portas de correr, minhas duas mãos firmemente em volta de seu braço. Ele vai ter
dez pequenos hematomas em seu bíceps da marca dos meus dedos. Meu
batimento cardíaco bate através de mim, adrenalina me fazendo tremer. Luka
para abruptamente ao meu lado e eu quase tropeço para frente, preocupada em
olhar para os pedaços de câmera espalhados pelo chão. Luka me equilibra e
aponta para a porta do celeiro.
Está aberta.
Nós nos encaramos. De repente, as instruções de Dane fazem muito mais
sentido. Eu balanço minha cabeça e gesticulo de volta para minha casa. Luka
franze a testa e aponta uma vez para o chão e então acena com a cabeça para
frente, instruções claras de fica aqui enquanto eu vou olhar. Com certeza não. Ele
não vai para o celeiro escuro sozinho com nada além de um taco de softball. Eu
nego furiosamente com a cabeça. Ele revira os olhos.
Felizmente, nosso impasse é interrompido por uma figura saindo do celeiro.
Eu quase mordo a minha língua em duas, um guincho de surpresa quando
Luka me arrasta para trás dele com força. Eu gostaria que nunca tivéssemos
vindo aqui e tivéssemos apenas esperado por Dane como qualquer outro ser
humano sensato teria feito. Luka estava certo. Qual é o meu plano aqui? Pedir
gentilmente a ele parar de destruir minhas coisas?
g p
A figura sombreada para, claramente nos avistando. Luka levanta o taco na
nossa frente. Eu gostaria de ter um daqueles bastões de doces de plástico. Se Luka
estiver certo e essa é a mesma pessoa que está causando todos os meus problemas
desde que abrimos, eu gostaria de dar uma ou duas pancadas.
— O que vocês estão fazendo?
Luka deixa cair o taco com um suspiro pesado e se curva na cintura,
apoiando-se nos joelhos. A tensão me deixa apressadamente, deixando-me tonta
e chateada. Eu pego um pedaço de câmera do chão e jogo em Beckett. Ele o
chuta para longe.
— O que diabos você está fazendo se esgueirando por aqui?
— Eu estava verificando se o celeiro está trancado. O que vocês dois estão
fazendo? — Ele estreita os olhos para Luka, que ainda está se recuperando de um
ataque cardíaco, dobrado ao meio. — Isso é um taco rosa?
— É ouro rosé — eu estalo. — As portas estavam trancadas?
Beckett assente.
— Nenhum dano do lado de dentro. Só a câmera aqui.
— Alguém emperrou a porta há uma semana — Luka oferece. — Não estava
fechando até o final.
— Foi isso o que aconteceu? — Eu sabia que algo estava errado com a
maldita coisa e não pensei duas vezes sobre isso. — Você acha que ele ainda está
aqui? — Olho ao nosso redor enquanto Luka pega o taco e se endireita. Acabei
de notar que um dos gatinhos está no bolso da frente de Beckett. Vixen, ao que
parece. Talvez Cometa.
— Você ainda tem tudo no interruptor? — No ano passado, conectamos
todas as decorações a um único interruptor digital. É mais fácil do que Beckett e
eu andando por toda a fazenda, desligando mais de uma centena de cabos de
extensão. Beckett hilariamente ainda se refere a ele como O Interruptor, como
acender a luz quando você entra na garagem.
— Boa ideia — sussurra Luka.
Entrego meu celular a Beckett.
— Que ideia?
A fazenda de repente ganha vida ao nosso redor, todas as luzes piscando ao
mesmo tempo. É como aquela cena em Férias Frustradas de Natal quando
Chevy Chase puxa os cabos de extensão acima de sua cabeça. Tenho certeza que
você consegue nos enxergar lá do espaço agora. Eu pisco contra o brilho
repentino e então o vejo, um flash de branco e um ancinho derrubado, as árvores
farfalhando na entrada do pasto a oeste.
— Ali — eu aponto e Beckett me entrega o gatinho antes de partir naquela
direção, Luka rapidamente em seus calcanhares com aquele taco ridículo
pendurado frouxamente em sua mão esquerda. Eu considero brevemente ir atrás
deles, mas não tem como. Luka e Beckett correram na escola e ninguém conhece
esses pastos melhor do que Beckett. Boa sorte para quem pensa que pode correr
mais rápido do que eles.
Eu seguro Cometa-Vixen perto do meu rosto e dou um beijinho no nariz
dela. Ela mia para mim.
— Eu sei, querida. Vamos voltar para casa e esperar Dane.
É menos assustador caminhar para casa com todas as luzes acesas. Mesmo
assim, tenho o cuidado de prestar atenção ao meu redor. Eu não tenho ideia se
essa pessoa estava sozinha ou não, e Luka levou o meu taco com ele. Se Beckett
está certo e são os gêmeos causando estragos, é provável que um deles ainda esteja
escondido perto do celeiro.
Mas minha viagem de volta ao chalé é tranquila. Eu me sento nos degraus da
frente do meu pequeno chalé e aguço os meus ouvidos, ouvindo qualquer som
de Luka ou Beckett ou nossos invasores. Mordo o lábio e observo as luzes
balançando para frente e para trás, a piscadela de dois faróis aparecendo na
entrada da fazenda. Dane corre pela estrada de terra como um morcego vindo do
inferno, o barulho do cascalho alto sob seus pneus. Ele está saindo pela porta do
carro antes mesmo de o veículo parar completamente, uniforme completo e uma
carranca feroz no rosto. Eu me pergunto se ele dorme com o distintivo de xerife.
— Eu te disse para esperar em casa.
Eu levanto a gatinha em um esforço para distraí-lo e respeitosamente não
digo que estou sentada nos degraus da minha casa. Dane franze a testa e olha ao
redor do quintal.
— Onde está Luka?
Eu estremeço.
— Você não vai gostar da resposta.
Ele suspira e vira os ombros para trás. Acabei de vê-lo envelhecendo cinco
anos com apenas uma ligação tarde da noite.
— Onde ele está?
— Com Beckett.
— Você está sendo propositalmente vaga agora? — Ele levanta a aba do
chapéu com os nós dos dedos e me dá o mesmo olhar que ele me deu quando eu
tinha dezenove anos e disse a ele que eu não tinha ideia de como aquela latinha
de cerveja acabou nas minhas mãos. — Onde está Beckett?
Eu pondero as minhas opções. Dane aperta a ponte do nariz e decido ser
honesta.
— Eles foram para os pastos quando vimos alguém.
Dane suspira, algumas palavras bem escolhidas na ponta da língua antes de
engoli-las com esforço óbvio.
— Foi quando você acendeu tudo?
Eu concordo.
— Ideia de Beckett.
— Foi uma boa ideia. Teria sido uma ideia melhor ainda se você tivesse
esperado pelos reforços adequados. — Ele se vira e olha por cima do ombro
quando outro conjunto de faróis aparece na estrada. Ele sacode o polegar por
cima do ombro. — Eu liguei para Caleb. Porque eu entendo a importância do
protocolo e da ajuda. — Caramba, tiros disparados. Eu tenho certeza de que se
Dane pudesse se safar de me algemar e me enfiar no banco de trás de seu carro
por um período indeterminado de tempo, ele faria. Ele coloca os punhos nos
quadris enquanto a viatura de Caleb para ao lado do seu carro. — Em que
direção eles correram?
— Pasto oeste — eu ofereço. Dane gira nos calcanhares. — Espera um
segundo.
Eu desço os degraus e caminho até ele, envolvendo os dois braços ao redor de
seu peito. Aperto com força, Vixen-Cometa miando alegremente de seu lugar
espremido entre nós.
— Obrigada por vir — murmuro em seu distintivo de xerife. — Desculpa
não ter te ouvido.
Uma mão pressiona brevemente entre minhas omoplatas, seu queixo
batendo no topo da minha cabeça. Ele suspira e eu aperto mais forte.
— Apenas feliz que você está segura — ele resmunga. Ele se afasta de mim e
passa pela frente do seu carro. Caleb está saindo do seu, um pouco amarrotado
de sono, sua camisa do uniforme para fora da calça e seu distintivo de policial
preso de cabeça para baixo. — Fique aqui com Caleb. Eu vou buscar os meninos.
Caleb e Dane conversam em seu pára-choque. Dane aponta para mim e
depois aponta para a casa, três vezes em rápida sucessão. Parece que ele está
p p p p q
apenas dizendo para mantê-la em casa, mantê-la em casa, mantê-la em casa uma
e outra vez, mas Caleb acena com a cabeça como se fosse o primeiro dia na
academia de polícia, ansioso para receber instruções.
Caleb é um cara legal. Fizemos o ensino médio juntos aqui em Inglewild.
Lembro-me dele como tímido e um pouco desajeitado, alto e esguio com óculos
grandes demais para o rosto. Ele certamente mudou essa imagem com a idade.
Ele está absolutamente lindo agora, com olhos azuis brilhantes e um sorriso
largo. Uma covinha que ganha vida em sua bochecha esquerda toda vez que ele
ri. Linda pele oliva. Seu corpo magro se encheu de músculos, e ele mantém seu
cabelo escuro cortado a zero dos lados e um pouco mais longo em cima. No
momento está um pouco espetado na parte de trás e eu me pergunto se ele está
chateado por ter que vir até aqui no meio da noite.
Uma vez, ouvi Becky Gardener falando no supermercado sobre como é uma
pena que ele não tenha namorado sério em todo o tempo em que foi policial.
Dane entra em seu carro e desce a calçada e Caleb me dá um pequeno aceno.
— Olá, Srta. Bloom — ele acena para a gatinha enrolada na dobra do meu
cotovelo enquanto faz o seu melhor para esconder um bocejo. Ele se sacode e
enfia as mãos nos bolsos. — Boa noite, Sra. Gatinha.
A gatinha se estica em meus braços e amassa suas patas em meu ombro duas
vezes antes de se reacomodar. Deve ser a Cometa, então.
— Você me conhece há anos, Caleb. Eu acho que Stella está ok — eu sorrio
para ele, tremendo um pouco no meu casaco de lã. Ele deve estar congelando
apenas em sua camisa. Eu aceno com a cabeça na direção da minha casa. —
Entre. Vou preparar um café enquanto esperamos.
É difícil não me preocupar. Mesmo que eu esteja convencida de que é um
rodízio de adolescentes entediados aterrorizando a fazenda, eu ainda estou
nervosa que Luka e Beckett estejam lá sozinhos. Eu tento me assegurar de que
eles estão juntos, de que Dane está a caminho, mas o meu coração está tendo
dificuldades para se acalmar em meu peito. É improvável que a cafeína ajude, mas
preciso fazer algo com as minhas mãos. Caleb me segue para dentro de casa e eu
gesticulo em direção à mesa. Meu olhar vai para o sofá e eu coro furiosamente,
lembrando de como eu montei Luka nele apenas algumas horas atrás, seu corpo
quente e sólido debaixo de mim. Como suas mãos traçaram sob a bainha do meu
suéter para a pele nua das minhas costas, dedos arrastando até que eu estremeci e
rolei meus quadris contra sua dureza.
Limpo a garganta e coloco Cometa no pequeno forte de cobertores que
ainda tenho no canto.
— Obrigada por vir até aqui, Caleb. Agradeço a ajuda.
Ele acena com a cabeça e fica na porta da cozinha, estudando a coleção de
obras de arte, cartões comemorativos e fotos que prendi na parede. Ele sorri para
uma foto minha e de Layla, nós duas em um churrasco com os braços em volta
uma da outra, meio caídas de tanto rir. Ele a endireita com o dedo mindinho.
— Sem problemas. Ossos do ofício.
— Mesmo assim — eu pego canecas da máquina de lavar enquanto a
cafeteira começa a trabalhar. — Imagino que você não receba muitas ligações
tarde da noite.
Ele encontra um lugar à mesa e estica as pernas compridas, as palmas das
mãos pressionadas contra o tampo da mesa. Seu olhar continua disparando para
o prato de assados no meio da ilha da cozinha, uma coleção de coisas diferentes
que Layla tem trabalhado para a temporada de feriados.
— Não muitas — ele concorda. — Embora eu sinta que os alunos do ensino
médio estão encontrando todos os tipos de trotes esse ano. Dane diz que
Mercúrio deve estar retrógrado permanentemente nesse momento.
— Ah, é? Alguma coisa interessante?
Ele está olhando para a massa doce, com formato de garras de ursos, com
hortelã com tanta vontade que eu tenho que esconder o meu sorriso na gola do
meu suéter.
— Só, ah… — Ele se sacode das suas fantasias relacionadas ao açúcar. — Sem
citar nomes, encontramos um casal de crianças nadando pelados na fonte no
meio da cidade. Outro par de crianças estacionou atrás do café e não estavam
com camisas. A Sra. Beatrice tinha algo a dizer sobre isso quando os viu em sua
câmera de segurança.
Eu ri.
— Tenho certeza de que ela tinha.
Ele me dá um sorriso tímido, juntando as mãos em concha e se endireitando
na cadeira.
— Ela estava tentando colar cartazes de procurados em sua loja, logo atrás do
balcão. Acho que ela mandou imprimir em edição especial, sabe aqueles pôsteres
de sanduíche? Levei quase duas horas para convencê-la a não fazer isso.
Agora que ele mencionou, eu vi Jenny Bowers e aquele garoto Stillman
trabalhando lá aos finais de semana. Eu pego o bule de café.
pg
— Agora é assim que a Sra. Beatrice está recrutando os funcionários no café?
— Com chantagem e ameaças? — Calebe sorri. — Sim, madame.
Eu bufo e nós caímos em silêncio. Espio pela janela que dá para os pastos.
Nada além do habitual; cordões de luzes sobre a extensão de árvores escuras,
serpenteando até a casa de Beckett e abaixo pelas colinas. Eu gostaria de ter sido
capaz de colocar câmeras em toda a propriedade. Eu seria capaz de ver o que está
acontecendo lá fora.
— Você está tendo algum problema?
Eu dou de ombros.
— Não muitos, na verdade. Nada sério, pelo menos. Essa é a primeira vez
que sinto... — Medo? Pode ser. Preocupação, eu acho que é mais provável.
Preocupada que alguém esteja ativamente tentando prejudicar o meu negócio.
— Bem, suponho que essa é a primeira vez que penso que foi de propósito.
— Dane disse algo sobre abóboras esmagadas. Alguns postes de cerca
quebrados?
Eu sirvo duas canecas de café e pego o prato de assados, encontrando-o na
mesa. Seus lindos olhos se iluminam como se eu tivesse acabado de entregar a ele
um bilhete premiado da loteria. Ele se serve da garra de urso e eu escolho um
muffin para mim, pegando do topo.
— Isso e algumas remessas desaparecidas, algumas outras coisas estranhas
que não fazem sentido. Parecia uma sequência de muito azar, mas agora eu não
sei. — Penso nas árvores do pasto ao sul que apodreceram sem um bom motivo.
Os pneus furados em todos os tratores há três meses. A porta do celeiro
quebrada. — Luka e Beckett acham que está tudo conectado.
— Você não tem tanta certeza?
— Acho que não sei — digo, brincando com a borda do plástico filme. Tem
pequenas árvores de Natal espalhadas por toda parte, uma encomenda especial
de uma empresa de bufê da Califórnia. Comprei cerca de cem rolos para Layla na
temporada passada. — Quem iria querer destruir uma fazenda de árvores de
Natal?
— Eu acredito que isso seja verdade — ele reflete. — Embora, se eu aprendi
alguma coisa nesse trabalho, as pessoas sempre tenham um motivo. Mesmo que
seja um estranho.
— Você acha que há um motivo para alguém ter arrebentado a minha
câmera?
— Eu acho que é possível que essa pessoa não quisesse que você visse o que
ela estava planejando fazer hoje à noite. Você não viu nada estranho ou fora do
lugar?
Eu balanço minha cabeça. Apenas a câmera quebrada.
— Luka diz que a porta do celeiro foi arrombada na semana passada.
— Dane vai descobrir o que está acontecendo. Nada passa despercebido por
ele — Caleb diz e dá uma mordida monstruosa em sua massa, seu rosto a
imagem da felicidade. Quando ele pisca e abre os olhos, cora um pouco, a cor
subindo alto em suas bochechas.
— Layla assa as melhores coisas — diz ele timidamente, com a boca cheia de
migalhas. Ele engole e acompanha com um gole de café. — Fiquei com muita
inveja quando Dane voltou para a delegacia com uma cesta de guloseimas no
outro dia.
— Ele não dividiu?
Caleb olha para mim como se eu tivesse quatro cabeças e uma delas tivesse
acabado de pedir um lenço de papel.
— Você não divide as garras de urso da Layla.
Olho incisivamente para a metade de uma garra de urso que ainda está em
sua mão. Ele a enrola mais perto de seu peito.
— Vou avisá-la que você elogiou.
Com isso, o rubor em suas bochechas se intensifica para um vermelho
brilhante e ardente. Interessante. Ele se remexe na cadeira, cruzando e
descruzando as pernas por baixo da mesa.
— Ela… ah… não tem problemas na padaria?
Sorrio para a minha xícara de café, achando graça.
— Ela encontrou uma janela aberta quando entrou, há cerca de um mês, mas
nada foi roubado ou danificado. Acho que um passarinho entrou, mas ele
encontrou o caminho de volta quando ela destrancou as portas.
— Como em Branca de Neve — ele suspira e ah, cara, eu acho que Caleb
tem uma quedinha. É bastante óbvio que Caleb tem uma quedinha enquanto eu
o vejo quicar o joelho debaixo da mesa, uma pergunta na ponta da língua. Eu o
deixo suar.
Ele consegue durar cerca de trinta segundos.
— Hum, ela está… — Ele força a perna debaixo da mesa. — Ela ainda está
saindo com aquele Jacob?
Eu levanto uma sobrancelha.
— Isso faz parte da investigação, policial?
Diante do seu olhar confuso e um pouco envergonhado, uma risada
brilhante explode de mim. Ele tira um pouco de hortelã da sua garra de urso e
joga em mim, aquele rubor ainda queimando em suas bochechas, descendo até o
pescoço. É uma delícia ver alguém tão sério ficar um pouco irritado. Eu ouço o
bater de botas na escada da varanda e empurro minha cadeira para trás, um
sorriso ainda puxando os cantos da minha boca.
— Ela está. Mas cá entre nós, acho que ela merece coisa melhor.
Dezesseis

Luka não para de me encarar.


Bom, mais especificamente, Luka não para de encarar Caleb. Ele está
guardando seu tipo especial de olhares irritados para mim, uma encarada de
olhos estreitos a cada minuto. Ele acha que está sendo sorrateiro com isso, mas
Beckett revirou os olhos pelo menos quatorze vezes desde que eles voltaram para
casa, inexplicavelmente cobertos de lama, meu taco rosa tão intocado quanto
quando eles saíram. Ninguém sequer começou a explicar o que aconteceu nos
pastos, distraídos pelos assados e café quente.
Eu apoio minhas mãos em meus quadris.
— Então? Alguém gostaria de se afastar do café da manhã por um segundo e
me dizer o que está acontecendo?
Caleb sorri para mim de onde ele está reinando um pão de brioche recheado
com creme de nozes.
— Eu te disse — ele mastiga, alheio ao homem olhando para ele ao lado da
geladeira. — Eles são os melhores.
Ok, claramente Caleb precisa de um momento a sós com os seus doces. E
Luka não está se sentindo muito falante no momento. Eu me viro para Dane e
arqueio ambas as sobrancelhas. Ele leva seu tempo trabalhando em sua boca
cheia de folheados de maçã com canela.
— Não encontrei o invasor — ele oferece, sucinto como sempre. — Mas
encontrei esses dois lutando na lama.
Beckett suspira, cansado. As travessuras de manhã cedo foram demais para
ele. Ele pega Cometa de onde ela está cochilando e a coloca levemente de volta
no bolso da frente.
— Estou indo para casa — ele anuncia, pegando um rolinho de canela da
pilha de produtos assados que está diminuindo rapidamente. — Vou conversar
com você mais tarde, Stella.
Ele desaparece pela frente, o barulho silencioso da porta atrás dele. Meu olhar
tropeça em Luka.
— Lutando na lama?
Luka bufa, um pouco da sua frustração diminuindo com o sorriso que pisca
para a vida em seus olhos. É um alívio. Não estou acostumada com Luka mal-
humorado.
— Beckett caiu enquanto corríamos. E então eu caí em cima de Beckett.
Imagino a cena, os dois emaranhados em um monte lamacento. Eu rolo
meus lábios para conter meu sorriso.
— Foi quando Dane nos encontrou.
— Vocês deram uma olhada em quem vocês estavam perseguindo?
Luka balança a cabeça, decepção evidente na inclinação áspera de suas
sobrancelhas. Ele se recosta no balcão da cozinha, as pernas cruzadas nos
tornozelos. Deixa uma mancha de lama no rodapé dos meus armários que ele
provavelmente vai limpar até amanhã.
— Só um lampejo. Ele tinha muita vantagem sob nós e nós dois estávamos
usando botas.
— Mas ele tinha que sair aqui de algum jeito, né? — Eu me viro para olhar
para Caleb e Dane. — Havia algum carro estacionado ao longo da estrada
quando vocês chegaram?
Ambos balançam a cabeça.
— Vamos dar uma olhada durante o caminho de volta para a cidade. Mas,
Stella, gostaria que preenchesse um boletim de ocorrência. Liste todas as coisas
que conversamos no outro dia.
Eu torço minhas mãos no meu colo com uma carranca.
— Você acha que isso é necessário?
Dane acena com a cabeça.
— Eu acho. Essa pessoa obviamente estava planejando fazer mais alguma
coisa, já que ela quebrou a câmera. Vocês provavelmente a interromperam antes
que ela pudesse começar.
— É melhor ser muito cauteloso — Caleb concorda e Luka volta a franzir o
cenho sobre seu café. Lanço-lhe um olhar interrogativo que ele ignora. — Vamos
anotar isso também, mas é melhor se a reclamação vier diretamente de você.
— Tudo bem — eu digo. É tudo um pouco sufocante. Evelyn chega em
alguns dias e parece que todos os meus planos cuidadosamente planejados estão
saindo do controle. Já é difícil manter a encenação de um relacionamento falso,
ç
agora eu tenho algum invasor misterioso causando estragos. Sentindo meu
desconforto, Luka pega a minha mão na dele e dá um beijo nas dobras dos meus
dedos. Eu aperto a sua mão em agradecimento. Eu olho para Dane. — Vou
passar por lá mais tarde.
Acompanho Dane e Caleb até a garagem, acenando da varanda da frente
enquanto eles voltam pela estrada. O sol está apenas começando a nascer no
horizonte, um brilho opaco por trás das nuvens. Suspiro e coço entre as
sobrancelhas, tiro o celular do bolso e desligo o interruptor. Todas as luzes se
apagam ao mesmo tempo.
É com isso que o carma instantâneo se parece? É isso o que eu ganho por
mentir a respeito de Luka?
Luka está vasculhando os armários quando volto para a cozinha, os ombros
tensos. Eu perguntaria o que o está incomodando, mas, sinceramente, estou
muito cansada. Sento e espero, pegando os restos do meu muffin de mirtilo, o
silêncio tenso e constrangedor entre nós. Eu quero voltar para quando estávamos
enrolados juntos no sofá, os braços de Luka apertados ao meu redor.
— Por que você não pediu ao Caleb para ser seu namorado falso?
— Hm, o quê?
— Caleb — Luka bate a porta de um armário com força e abre outra. —
Vocês dois pareciam confortáveis. Por que você não pediu para ele?
Se por confortáveis, ele quer dizer que estávamos sentados à mesa
conversando cordialmente como adultos normais, então sim. Estávamos
confortáveis, eu acho. Eu o encaro do outro lado da cozinha. Os olhares mal-
humorados, a linha tensa de seu corpo, o jeito que ele está praticamente
arrancando as portas do meu armário das dobradiças. Luka está com ciúmes. Ele
entrou, nos viu na mesa rindo e ficou com ciúmes.
É incrível. Eu descanso meu queixo na minha mão, divertida.
— Eu não tinha pensado nisso — respondo lentamente. Não é a resposta
que Luka está esperando, sua carranca se aprofundando até que pequenas linhas
estão entre os lados de sua boca. Eu quero pressionar meu polegar nelas, alisá-las.
— Não existe uma regra sobre policiais mentirem ou algo do tipo?
Ele não ri da minha piada. Eu suspiro e opto pela honestidade ao invés disso.
— Luka — eu digo. Ele murmura algo sobre biscoitos desaparecidos e me
ignora. — Eu não pedi para o Caleb porque havia apenas uma pessoa que eu
queria.
Luka olha para mim por cima do ombro e eu sinto isso de novo, a batida
pesada do meu coração martelando no meu peito. É maravilhoso e terrível me
sentir assim toda vez que ele olha para mim. Não sei como consegui sobreviver
por tanto tempo.
— Era Clint, não era?
Eu dou uma risada e me levanto da minha cadeira.
— Você sabe que eu amo um homem que aprecia um sanduba.
— Jesse?
— Eu provavelmente conseguiria um desconto no bar.
Luka suspira e inclina a cabeça para o teto, os olhos fechados em agonia.
— Era o Billy, eu sei.
Billy trabalha meio período na funerária a duas cidades para frente. É um
trabalho honroso, claro, mas acho que ele está um pouco entusiasmado demais
com o seu trabalho. Ele começou a dormir durante o dia. Ele se considera um
Viajante Noturno. Eu o vi em um casaco de couro preto em agosto.
Eu piso entre as pernas de Luka e envolvo os meus braços ao redor da sua
cintura. Ele inclina a cabeça para baixo até que estamos nariz com nariz. Seu
sorriso é devastador, honesto ao seu modo.
— Não era Billy — digo a ele. — Era você, seu grande idiota.
Ele fica sóbrio, seu sorriso se transformando em algo gentil e caloroso. Ele
traça a curva da minha bochecha, o ângulo agudo do meu queixo, meu lábio
inferior rachado. Ele escova sob ele uma, duas vezes, e então enrola a mão em
volta da minha nuca. Seu polegar esfrega no topo da minha espinha e eu tremo,
minha testa contra o seu queixo. Eu aperto meus braços ao redor dele.
— Estou feliz que você quis que eu fosse seu namorado falso.
— Eu também — eu concordo. — Você estava com ciúmes, namorado falso?
Ele zomba, sua mão se abrindo para traçar entre minhas omoplatas. Ele
trabalha em um ponto de tensão particularmente teimoso no meu lado esquerdo
e eu me derreto contra ele. Eu espero que ele negue, mude de assunto, mas ele
me surpreende novamente.
— Claro que eu estava. Você estava segurando um prato de donuts. E você
está vestindo seus shorts de dormir com quebra-nozes dançantes neles. — Nós
dois rimos e olhamos para o meu short. — E você parecia feliz, La La. Você estava
rindo quando entramos. — Ele levanta meu queixo com a mão, os olhos
vagando. — Aquele era… — Ele engole em seco. — Aquele era o meu sorriso.
É uma sensação inebriante, saber que não sou a única que quer possuir cada
momento de felicidade. Coletar todas as risadas e guardá-las, armazená-las como
pequenos tesouros. Eu sorrio para ele. Sua ganância me faz explodir de
felicidade.
— Ok — eu digo. Eu falo meio passo para trás e chego ao redor dele em
direção ao pote de farinha, movendo-o para a esquerda e entregando a ele a caixa
de sobras de biscoito atrás dele.
Ele pisca para a caixa, e depois volta para mim.
— Ok?
— Ok, você pode ficar com eles — eu aceno para os biscoitos em suas mãos.
— Meus biscoitos e meus sorrisos.
Ele engole novamente, um movimento pesado de sua garganta que faz eu
querer me pressionar contra ele novamente, arrastar os meus dentes pelo
comprimento de seu pescoço. Ao invés disso, dou outro passo para trás. E depois
outro.
— Cuidado, La La. — Ele está olhando para mim como se eu fosse uma
garra de urso de hortelã com cobertura extra de cream cheese de nozes. — Você
não pode retirar o que disse.
— Não há nada para ser retirado — eu prometo a ele, mas eu não digo a ele
as outras coisas. Que meus sorrisos sempre pertenceram a ele. Um grande pedaço
do meu coração também. Todas as minhas melhores lembranças.
E a torradeira que roubei do apartamento dele há seis anos e escondi na
despensa debaixo de duas jaquetas de couro e uma raquete de tênis.
Eu esfrego meus dedos sobre meus lábios. Meu melhor beijo agora também.
Luka possui praticamente tudo em suas mãos e ele nem sabe disso. O
pensamento me deixa triste.
— Eu não acho que consigo voltar a dormir — eu digo. A esperança disso
desapareceu assim que acordei e vi alguém atirando pedras na minha câmera.
Olho pela janela, subindo as colinas. — Acho que vou sair e pegar uma árvore
para a sala. Eu quero que seja festivo aqui também.
Eu poderia usar o ar fresco e distância de superfícies planas. Eu vejo Luka
acenar com o canto do meu olho, a lata de biscoito debaixo do braço.
— Vou me juntar a você.

— Você precisa relaxar.


Que fique claro que dizer a uma mulher para relaxar nunca resultou em tal
relaxamento. Eu chupo uma lufada de ar e o solto novamente com os dentes
cerrados. Como um dragão. Luka ri de sua posição relaxada no canto do sofá. Eu
puxo o enfeite da árvore mais uma vez e começo de novo. Não consigo fazer a
maldita coisa ficar travada.
— Estou relaxada — murmuro. — Relaxe você.
— Como você pode ver, estou muito relaxado.
Eu olho para Luka. Suas mãos estão dobradas atrás de sua cabeça e seus olhos
estão semicerrados, um sorriso nos cantos de seus lábios. Ele está com suas meias
de patinho essa noite, um pé apoiado no braço do sofá, o outro no chão com o
joelho dobrado. Há um livro aberto sob o seu peito, um romance antigo de
ficção científica que ele encontrou no rack da minha TV.
Ele parece obsceno.
Reviro os olhos e volto para a árvore, tentando enfiar o enfeite dourado pelos
galhos inferiores exatamente no ângulo certo. Como Evelyn vai me levar a sério
como uma especialista em Natal se o meu enfeite está uma bagunça? Ela não vai.
Ela verá o ouropel torto, saberá que sou uma fraude e perderemos o concurso.
Vou ter que fechar este lugar e trabalhar até tarde na funerária ao lado de Billy.
Luka suspira do sofá.
— Você está pensando demais.
— Eu não estou pensando demais — eu respondo, absolutamente pensando
demais.
— Vem aqui, por favor.
Eu jogo o enfeite em uma pilha e me arrasto até ele. Ele vira a cabeça para
olhar para mim e dá um tapinha na sua perna. Eu arqueio uma sobrancelha.
— O que é?
— Como assim “o que é”? Vem aqui.
Eu olho para ele com dúvida. Ele está ocupando todo o espaço no sofá. O
único lugar para ir seria em cima dele. Ele dá um tapinha na perna novamente.
— Eu não sou um cachorro — resmungo. Eu apoio um joelho no sofá e
balanço o outro por cima de seus quadris. Minhas mãos encontram seus ombros.
Eu me sento ali, empoleirada desajeitadamente, meu corpo pairando sob o dele.
Eu franzo a testa. — Você estava certo, isso é ótimo. Estou tão relaxada — eu
digo, monótona.
— Senta — diz Luka com uma risada. Suas mãos encontram os meus quadris
e ele puxa uma vez, um puxão forte que me desequilibra e me faz cair em cima
p p q q
dele. — Fique. — Meu peito bate no dele, minhas pernas se abrem até que
nossos quadris estejam nivelados e meu nariz cava em sua clavícula. Ele suspira,
feliz, e se abaixa ainda mais no sofá, ambos os braços em volta de mim como uma
jibóia. — Assim é melhor.
Eu bufo e reorganizo minhas pernas para que elas ainda recebam circulação.
Eu coloco os meus cotovelos embaixo de mim e descanso minhas palmas em seu
peito. Digo a mim mesma para relaxar, mas meu cérebro não consegue
abandonar as mil coisas que ainda tenho que fazer antes da chegada de Evelyn.
Normalmente, durante a época de feriados, estou no meu escritório ou na
fazenda do amanhecer até o anoitecer. Mas Luka apareceu na porta do meu
escritório duas horas atrás com uma bengala doce pendurada na boca e uma
promessa de bolonhesa caseira e eu o segui sem olhar para trás.
Porém, agora sinto todas as minhas responsabilidades se acumulando. Meus
ombros se apertam com isso, a minha respiração superficial. Agora não é hora de
me distrair com o que quer que Luka e eu estejamos fazendo. Eu tenho que estar
concentrada. Eu tenho que ser impecável.
Depois que fui à delegacia para registrar o meu boletim de ocorrência sobre a
agitação do final de semana, parei na pousada para ter certeza de que tudo estava
em ordem para a chegada de Evelyn. Lençóis de flanela aconchegantes, uma
guirlanda de Mabel na porta, café entregue diariamente, até uma caixa de
biscoitos de açúcar feitos por Layla para acompanhar sua chave na hora do
check-in. Senti um pouco da minha ansiedade se acalmar com isso. Pelo menos
ela estaria confortável.
E em pleno espírito natalino, a julgar pelas decorações que enfeitam cada
metro quadrado do nosso pequeno centro da cidade. Grossos festões natalinos
envoltos em piscas-piscas enfeitando os postes nas ruas. Guirlandas pesadas
fixadas em todas as portas com laços vermelho-cereja. Por cima da fonte, um
letreiro escrito à mão desejando a todos boas festas de fim de ano, um floco de
neve cintilante pendurado como mágica no centro. Uma árvore de Natal gigante
decorada com enfeites feitos à mão na escola, uma pequena placa de madeira
declarando que ela foi cultivada nas próprias Lovelight Farms de Inglewild.
Uma palma pesada varre as minhas costas até aquele ponto mágico no meu
pescoço, as pontas dos dedos de Luka roçando ao invés de pressionar. Eu ainda
tremo contra isso, me enterrando ainda mais em seu peito.
— Do que você precisa?
Eu suspiro na pele quente de seu pescoço. Seu cheiro é delicioso aqui. Como
hortelã e manjericão e o esfoliante corporal de toranja que ele continua
roubando do meu chuveiro.
— Preciso que tudo saia perfeito — eu sussurro. Enrolo minhas mãos em sua
camiseta e depois as relaxo novamente. — Que meu cérebro desacelere.
— O primeiro é um fato — diz ele, e agora seu polegar pressiona fundo.
Minhas pernas ficam completamente moles em ambos os seus lados e ele faz um
som de prazer no fundo de seu peito. Eu sinto isso roncar abaixo de mim. — O
segundo eu posso ajudar.
Eu faço um som vagamente curioso, ainda focada naquele pedaço perfeito de
pressão na minha nuca. Ele desliza a mão para baixo entre minhas omoplatas e
depois volta.
— O que você sabe sobre análise causal?
Pode-se afirmar que não sei absolutamente nada sobre análise causal.
Resmungo algo em sua clavícula e me concentro em sua mão no meu pescoço, a
palma da mão cobrindo suavemente todo o meu cabelo. Ele o penteia para um
lado e o envolve em seu punho. Libera e deixa escapar por entre os dedos.
— É usada para determinar a causa e o efeito — ele escova um beijo debaixo
da minha orelha e todo o meu corpo treme. — Há quatro elementos que você
precisa estabelecer, mas os mais importantes são a correlação e a sequência a
tempo. Faz sentido?
— Claro. — Não faz sentido. Estou mais interessada em seu toque suave
guiando minha cabeça mais para o lado, seus dentes roçando o meu pescoço. Eu
enrolo meus dedos em seu cabelo e aperto firme.
Ele ri na minha pele.
— Espere, isso é importante. Estou te ensinando uma coisa. Sente-se por um
segundo.
Eu gemo, mas faço o que ele pede, sentando em seu colo. Ele ri quando vê
meu beicinho, se apoiando nos cotovelos e espalhando as mãos sob as minhas
coxas, os dedos tamborilando.
— Para determinar o efeito de uma causa específica — suas mãos deslizam
para cima e depois para baixo novamente, polegares contra a costura da minha
calça confortável —, você precisa correlacionar duas ações com a sequência. A
causa tem que vir antes do efeito.
— Ok. — Sinceramente, estou muito focada em suas mãos nas minhas coxas
para contribuir mais com essa conversa.
p
Não é à toa que ele é sempre o único a apresentar para os clientes. Eu não
tenho ideia do que ele está falando, mas ele é gostoso quando fala sobre dados.
Eu quero pedir a ele para abrir uma planilha do Excel, talvez classificá-la por
ordem crescente. Ele se inclina ainda mais contra mim até que suas mãos estejam
segurando meus quadris, nossos peitos pressionados juntos. Com um
movimento rápido, ele me joga para trás, contra o sofá.
— Uma boa distração até agora — eu digo, os olhos arregalados. Ele afrouxa
o aperto na minha cintura e desliza as mãos pelas minhas costelas, as palmas das
mãos provocando as laterais dos meus seios. Ele levanta meus braços e pega meus
pulsos em suas mãos, segurando-os levemente contra o braço do sofá.
— Por exemplo — seus olhos estão escuros, sua língua no canto da boca. —
Se eu te beijar aqui — ele abaixa a cabeça e pressiona os lábios suavemente na
linha da minha clavícula. Minhas pernas se movem sob ele, meu tornozelo se
curvando na parte de trás do seu joelho. Ele se afasta e segura o meu braço,
puxando a minha manga até o cotovelo. — Você fica arrepiada aqui.
Há uma quietude aguda entre nós, nós dois assistindo para ver o que o outro
vai fazer. Ele me estuda com os meus braços acima da cabeça, o jeito que meu
suéter está puxado para baixo de um lado. Ele arrasta os dedos para cima pelos
meus braços em uma carícia doce, o polegar enganchando na gola da minha
camisa. Ele a puxa para baixo até poder ver a borda do meu sutiã de algodão
branco liso, seus olhos escurecendo ainda mais, seus dentes segurando seu lábio
inferior. Minha respiração fica presa e depois solta, o polegar de Luka roça
minhas costelas.
— Se eu fizer isso — sua voz é fumaça e tempero quando se inclina para
frente, os dentes agarrando a borda do meu sutiã, puxando para trás e estalando-
o contra a minha pele. Ele sussurra uma risada para mim quando meus dedos se
enrolam no sofá. — Isso acontece.
Ele me levanta pelas minhas mãos e sorri para mim, brilhante e infantil. Eu
estou ofegante, uma dor no final da minha barriga, entre as coxas. Ele dá um
tapinha no topo das minhas pernas e eu quase rosno.
— Esses são bons pontos de dados, La La.
Frustrada, eu me arqueio embaixo dele e enfio a minha mão atrás das costas.
Com uma torção de meus dedos, meu sutiã se abre, o estalo dele apagando o
olhar presunçoso em seu rosto. O material desliza um pouco sob seu polegar até
que mal estou coberta por algodão macio e uma malha aconchegante. A julgar
pela forma como sua mandíbula ficou um pouco frouxa, eu acho que Luka gosta
p p q g
mais disso do que de pele nua. A sugestão de algo a mais. A provocação do que
está por baixo.
— Nós provavelmente deveríamos encontrar mais algumas — eu respiro. —
Você sabe. Pela ciência.
E aí ele me beija, sua mão se enroscando em meu cabelo e inclinando a minha
boca para a dele até nossos lábios se encontrarem. Nosso joguinho passou
oficialmente de uma provocação a um ultimato. É possessão em forma de um
beijo, Luka apoiado em seus cotovelos acima de mim, sua boca agressiva,
faminta. Parece que todos os nossos quase-momentos estão equilibrados na
ponta da minha língua e ele os está persuadindo a sair, seus dentes levemente
mordiscando. Quando eu quase segurei a mão dele no bar porque gostei do jeito
que seus dedos se sentiam entre os meus. Quando eu quase o beijei no festival de
geleia porque queria ver se ele tinha gosto de morango. Quando eu quase disse
que o amava todas as vezes que ele abria a porta e seus olhos âmbar se
iluminavam ao me ver.
Um milhão de pequenos quase-momentos se derramando livremente.
— Quando eu faço isso — ele arranca a sua boca da minha com um suspiro e
começa a pressionar profundamente, dando chupões no meu pescoço. Eu abro
as minhas pernas mais largamente ao redor dele e envolvo as minhas mãos ao
redor de seus ombros. — Quando eu faço isso aqui, você fica molhada aqui?
Ele pressiona a mão entre minhas pernas por cima da minha legging e
manchas pretas aparecem nas bordas da minha visão. Eu agarro seu antebraço e
seguro sua mão lá, rolando meus quadris, procurando atrito. É uma frustração
deliciosa, continuar encontrando a nós mesmos aqui. Continuamos trabalhando
um ao outro sem alívio e eu sinto a força disso em todos os lugares. Minha pele
está muito apertada, o ponto entre minhas pernas doendo. Eu me estico em
Luka e ele deixa cair a testa no meu ombro, a mão se movendo comigo entre as
minhas pernas.
— Posso… — ele engole o resto de sua pergunta, a voz áspera, distraída com o
comprimento da minha clavícula e seus dentes contra ela. — Posso te tocar? —
Estou balançando a cabeça antes que a última palavra deixe os seus lábios. Eu
não me importo que isso me faça parecer ansiosa. É Luka. Ele já viu todos os
pedaços bagunçados de mim.
Exceto esse. Este pedaço de mim que está corado e ofegante quando suas
grandes mãos encontram o cós da minha legging. Ele funga entre os meus seios
enquanto desliza as mãos para dentro do tecido macio e elástico, segurando a
q p g
curva da minha bunda. Ele a aperta uma vez com um gemido de dor, como se
estivesse o machucando, como se isso fosse uma tortura. Eu rio em seu cabelo e
inclino minha cabeça, roçando um beijo em sua têmpora, a concha de sua
orelha. Eu a puxo entre meus dentes e mordo, e o comprimento de seu corpo me
empurra mais fundo no sofá, seus quadris contra a minha coxa. Eu o sinto lá,
duro em seu jeans.
— Porra — ele sussurra. Uma mão se move, deslizando ao redor do meu
quadril e mergulhando, o movimento desajeitado com o pulso preso pelo tecido
da minha calça. Mas onde eu esperava hesitação da sua parte, não há nenhuma.
Seus dedos se espalham na minha pele como uma marca, seu polegar roçando
uma vez a pele macia abaixo do meu umbigo. Eu expiro em seu pescoço. É
apenas um toque, um vislumbre dos seus dedos, e eu estou tremendo abaixo
dele, corpo tenso.
— Quando eu toco em você aqui — ele move a mão para baixo e engancha o
polegar apenas para a direita, um único toque firme onde eu mais preciso dele.
Faço um som ofegante, um gemido preso no fundo da minha garganta. Ele
assente para mim e faz um círculo áspero que faz eu me agarrar a ele pela minha
preciosa vida. — Sim, você faz esse som.
Não sei que sons estou fazendo. Eu não sei onde estou. Tudo o que sei é a
mão de Luka se esfregando em mim, meus quadris perseguindo o seu toque, seu
lábio inferior preso entre os dentes enquanto ele me observa com os olhos
pesados. Acho que nunca fui tocada com tanto cuidado. Acho que nunca estive
tão perto do limite vestindo todas as minhas roupas.
O pensamento me faz bufar uma risada incrédula na pele quente de Luka,
minha testa aninhada contra seu ombro para que eu possa olhar entre nós. Ele
começa com um ritmo suave, um movimento giratório com a palma da mão e os
dedos que roda a tensão na minha barriga mais intensamente. Eu persigo a
tensão com os meus quadris e assisto enquanto nos movemos juntos, sua mão
por dentro da minha legging, seus quadris pressionando minha coxa. Toda vez
que eu esfrego, ele empurra em mim, sua testa no meu peito. Eu quero o toque
dele lá também. Sua boca quente e seus dentes mordendo.
Luka cutuca meu queixo com o nariz, seus dedos me tocando mais alto. Ele
desliza dois dentro de mim e minhas mãos se fecham em punhos contra a sua
camisa, tentando rasgar o material macio de seu corpo. É uma maravilha que eu
não o estrangule.
— O que é tão engraçado? — ele respira, e parece que ele está no meio de
uma maratona. Na marca dos vinte e três quilômetros. Ele começou a mover
seus quadris contra mim, pequenas estacadas que são quase inconscientes, seu
corpo perseguindo o atrito. É um conforto saber que ele também sente isso. Esse
puxão. Essa necessidade.
— Nada, só… — Eu flexiono meus quadris para baixo em seu toque e ele
responde com um impulso afiado que faz minha cabeça cair para trás contra o
sofá, os olhos fechados. Tudo dentro de mim se aguça até que estou equilibrada
na beira do abismo. — Ah, Deus.
Ele para o movimento de sua mão e eu faço um barulho desesperado,
constrangedor se fosse com alguém além dele. Estou meio que pensando em
deslizar a minha mão ao lado da dele e terminar o trabalho sozinha, mas quero
ver aonde ele me leva. Eu abro um olho para encará-lo. Ele está sorrindo para
mim, as bochechas coradas, o cabelo uma bagunça por conta das minhas mãos.
— O que é tão engraçado? — Ele repete.
Eu reviro os meus quadris, obrigando o seu toque, e ele fica com um olhar
vidrado em seus lindos olhos âmbar.
— Eu nunca me senti assim — sussurro, sentindo aquelas faíscas começarem
novamente. — É só que… nunca foi tão bom.
Isso é o bastante para ele. Minha confissão o deixa frenético, a mão que estava
apertando a minha bunda e me guiando em direção a ele de repente sobe e sai da
minha legging. Ele puxa a gola do meu suéter, arrastando-o para o meu ombro
até que o algodão do meu sutiã seja a única coisa que o separa da minha pele. Ele
geme ao vê-lo, murmurando algo baixinho, a mão entre as minhas pernas
pressionando, mudando, revirando comigo. É avassaladora a mudança repentina
de ritmo e pressão, principalmente quando ele lambe a pele macia logo acima do
meu sutiã, pega-o com os dentes e o arrasta para baixo.
Sua boca encontra a ponta do meu seio ao mesmo tempo em que seus dedos
aceleram contra mim, o polegar esfregando com força, círculos perfeitos, e é isso.
É uma ruptura na parte inferior da minha barriga que rola quente através de
mim, espalhando-se lenta e docemente como mel. Ele me segura com força e me
guia através disso enquanto eu tremo e me desenrolo por baixo dele, uma mão
apertada em sua camisa, a outra freneticamente puxando-a para cima até
encontrar sua pele nua. Ele está pegajoso de suor, mas eu também estou. Um
calor delicioso se desenrola entre minhas pernas e canta pelo meu sangue até que
estou mole abaixo dele, ofegante contra o seu pescoço.
g p ç
Eu ofego para ele, meu peito arfando. Se ele está no quilômetro vinte e três,
estou desmaiada na linha de chegada, implorando por eletrólitos. Ele se move
contra mim e sorri, deslizando a mão entre nós.
— Isso foi bom — sua voz arranha as bordas das palavras, uma rouquidão
para combinar com o calor em seus olhos. Seus quadris pressionam em mim uma
vez. — Você fica bonita quando goza.
Meu estômago revira como se eu estivesse na ponta de uma sacada. Eu pisco
duas vezes. Ele disse isso como se dissesse “Esse é um belo suéter” ou “Você faz
uma ótima xícara de café”. Eu não sei o que dizer.
Ao invés disso, eu estendo a mão entre nós, meu polegar traçando o botão da
sua calça jeans. Ele faz um grunhido de dor e agarra o meu pulso em sua mão.
Seus dedos ainda estão molhados e eu coro. Sua boca se ergue em um sorriso; um
sorriso secreto e sujo que tem aquele rubor se espalhando mais para baixo. Ele
observa o progresso com fascínio, o nariz perseguindo o rubor pelo seio que
ainda está exposto pelo meu sutiã torcido.
— Eu estou bem — ele sussurra em algum lugar na minha pele. Ele cutuca o
meu seio com o nariz e exala um suspiro trêmulo quando eu arqueio para ele.
A barraca armada em suas calças discordaria. Eu torço minha mão para fora
de seu aperto e acaricio a minha palma no seu comprimento duro sob o jeans, e
ele deixa cair a cabeça contra o braço do sofá com um gemido.
— Não parece — eu respondo.
— Eu não quero que… — Eu paro meu movimento com isso. Eu nunca
quero obrigá-lo a fazer algo que ele não quer. Nosso combinado é uma semana
em que faremos o que parece ser certo. E se isso não parece certo para ele, então
eu também não quero. Eu puxo minha mão para trás e espero, paciente. Ele
levanta a cabeça, o sorriso envergonhado puxando sua boca. — Não vai demorar
muito — explica ele, manchas vermelhas gêmeas florescendo em suas bochechas.
Como se a ideia de que ele chegou perto só de fazer isso comigo, de me
observar, é algo pelo qual ele precise se envergonhar. Como se o pensamento dele
tendo prazer em me dar prazer não fosse… não fosse o suficiente para ter o calor
puxando a minha barriga novamente.
— Espere, eu quero ver se entendi a lição. — Eu mordo meu lábio inferior e
abro o botão de sua calça jeans. — Se eu fizer isso — eu arrasto para baixo a sua
braguilha e enrolo minha mão ao redor dele. Ele é pesado e quente na minha
mão, um movimento em seus quadris quando eu tento puxar seu jeans para
baixo. Impaciente, eu o acaricio uma vez e ele dispõe as mãos no apoio de braço
p p p ç
acima de mim. Eu acaricio novamente e ele geme meu nome, um La La
quebrado que eu quero gravar e colocar como meu toque. Eu nunca o vi tão
desalinhado, tão perfeitamente desfeito. — Então você diz meu nome assim —
eu sorrio com a minha mão ao redor dele. — Será que estou acertando?
Ele não responde. Ele inclina a cabeça para trás, a longa linha de sua garganta
e a linha afiada de sua mandíbula dispostas como um bufê self service. Eu começo
em sua clavícula e beijo lá apenas uma vez, o movimento do meu pulso suave e
leve nele.
— Você vai me matar — ele sussurra com uma risadinha sem fôlego e acho
que gosto mais disso, ainda mais do que a maneira como ele se move em cima de
mim, ávido pelo meu toque. Eu gosto de como é fácil rir com ele, mesmo
enquanto fazemos isso. Acho que nunca sorri durante o sexo, nunca fiz nada
além de fechar os olhos e tentar chegar lá. Mas com Luka é fácil. A maneira como
nos tocamos, a maneira como respiramos e nos movemos juntos. É tão fácil.
Eu lambo e mordo meu caminho pelo seu pescoço até meus dentes pegarem
o lóbulo de sua orelha. Ele geme, longo e alto, e eu sorrio em sua pele.
— Você é bonito também — eu sussurro. Sorrio e giro o meu pulso,
ganhando sua respiração. Eu cantarolo com aprovação e mordo o lugar onde seu
ombro encontra seu pescoço, sua pele quente.
Ele solta um fluxo constante de palavrões, sua mão enrolando em volta do
meu pulso e me segurando apertado contra ele enquanto balança seus quadris,
rápido e bagunçado. Seu orgasmo é tranquilo: corpo tremendo, testa franzida,
calor em meu estômago enquanto ele persegue seu pico. Espero até que seus
quadris parem de se mover antes de puxar minha mão para trás e descansá-la em
seu estômago, arranhando a trilha de cabelo escuro abaixo de seu umbigo com as
unhas uma vez. Seus quadris saltam e eu sorrio.
Ele pisca para mim, olhar pesado, camisa meio puxada para cima em seu
torso pelas minhas mãos frenéticas e a calça jeans baixa em seus quadris. Ele tem
uma linha escura de cabelo no centro de seu abdômen, uma pilha de músculos
surpreendentes que eu traço com meus dedos, subindo-os até que eu possa
pressionar minhas palmas em seu peito. Há sardas aqui também, pontilhadas em
sua pele em aglomerados e explosões. Eu nunca mais vou ser capaz de me sentar
nesse sofá sem pensar nesse exato momento. Seu sorriso diz que ele sabe disso.
— E isso — ele assobia entre os dentes e cai ao meu lado, enfiado entre mim e
o encosto do sofá — é tudo o que você precisa saber sobre análise causal.
Dezessete

Estou suficientemente calma e alegremente distraída pelo resto do final de


semana. Luka é adoravelmente carinhoso e um pouco presunçoso depois do
momento que compartilhamos no sofá, enterrando o seu nariz em meu cabelo
toda vez que estou na pia lavando louça, enfiando os dedos no meu cinto
quando me curvo para pendurar enfeites na árvore.
Eu pensei que talvez fosse como coçar uma coceira, que talvez a tensão entre
nós explodiria como uma bexiga. Ao invés disso, parece que eu ajustei o calor de
cozimento para explosão total. Eu não consigo parar de olhar para ele. Seu cabelo
permanentemente despenteado, a abertura de seus dedos ao redor do meu
joelho, as linhas nos cantos de seus olhos quando ele ri. E apesar de todo o meu
olhar, ele não consegue parar de me tocar. Seu polegar na base do meu pescoço,
seus lábios contra minha têmpora.
É como se ao invés de aliviar algo, nós desencadeássemos. Ampliássemos. Eu
só quero mais.
Tenho a sensação de que sempre vou querer mais quando se trata de Luka.
A tarde da chegada de Evelyn se aproxima, o céu de um azul perfeito
enquanto espero em meu escritório. Luka está nos pastos com Layla, ajudando a
aparar as árvores no campo distante para o lote de árvores pré-selecionadas.
Beckett está no celeiro com o grupo que trazemos sazonalmente para ajudar,
acompanhando-os durante seu treinamento. E eu estou aqui, pronta para
receber Evelyn com uma caneca de chocolate quente coberto com chantilly e um
palito de hortelã. Mas o que eu realmente estou fazendo é encarar vários pontos
ao redor do escritório sem piscar, enquanto me lembro da sensação das mãos de
Luka na minha pele nua, sua barba roçando entre meus seios, seu cabelo fazendo
cócegas no meu pescoço enquanto ele ofegava acima de mim.
Eu me sacudo, com cuidado para evitar que o chocolate quente derrame na
minha mão. Todo o nosso trabalho depende disso. Evelyn nos amar o suficiente
para nos premiar com cem mil dólares em dinheiro, e seus milhões de seguidores
nos amarem o suficiente para nos visitar.
Observo um pequeno carro roncando pelo caminho de entrada, uma nuvem
de poeira se erguendo atrás dele. Eu sei que é ela assim que ela entra no
estacionamento, seu largo sorriso visível até mesmo através das janelas escuras.
Eu exalo uma respiração profunda e sacudo o meu cabelo dos meus ombros. Eu
consigo fazer isso.
Evelyn é tão bonita pessoalmente quanto ela é online.
Pernas impossivelmente longas, pele cor de mel impecável, cabelos escuros e
brilhantes que descem até o meio das costas. Ela sai do carro na frente do
escritório e inclina a cabeça para trás, sorrindo enquanto olha para o alcaçuz de
madeira que pintei duas noites atrás, à meia-noite, para fazer esse lugar se parecer
com uma casa de gengibre. Luka tinha relutantemente me ajudado a martelar
gotas de chiclete de madeira com aproximadamente 20 centímetros de distância
uma da outra pelo alpendre da varanda, até mesmo escalando o telhado para
decorá-lo com falsa cobertura branca ao redor da chaminé.
Eu a encontro na varanda da frente e seu sorriso se espalha para um riso,
saltando nas pontas dos pés. Ela é realmente deslumbrante, mais alta do que eu
imaginava.
— Oi — eu digo, e sorrio através dos meus nervos. — Bem-vinda a Lovelight
Farms.
— Puta merda — ela responde, e assim a minha ansiedade desaparece. Meu
sorriso frágil se derrete em uma risada e eu desço para onde ela está admirando os
pastos com a mão protegendo os olhos contra o sol poente. Eu pedi a ela para me
encontrar nesse horário por um motivo. Não há nada que se compare à fazenda
assim que o sol começa a se pôr no céu, o azul brilhante desbotando em um
profundo cobalto, rosa começando a surgir por trás das nuvens. Eu fico ao lado
dela e tento enxergar do jeito que ela enxerga como uma visitante pela primeira
vez; as intermináveis fileiras de árvores verdes e cheias. As luzes que se estendem
por toda parte, começando a se acender no começo do anoitecer. O grande
celeiro vermelho à beira da estrada com arcos pintados à mão. As torres de
escalada para as crianças e o celeiro aberto, revestido de luzes e cheio de tratores
velhos e quebrados pintados que nem renas. A pista de patinação no gelo no
meio de tudo, Bing Crosby cantando nos alto-falantes.
Eu entrego a ela o chocolate quente e ela enrola as mãos em torno dele com
um suspiro feliz.
p
— Esse lugar é incrível.
Eu sorrio.
— Espere até ver o resto.

Quatro brownies depois e Evelyn parece estar pronta para afundar na cabine
e dormir pelo resto dessa viagem. Nós estamos acomodadas no meu lugar
favorito da padaria, um cantinho aconchegante em uma esquina, ao lado da
lareira de pedra. É uma cabine de encosto elevado, com assentos de veludo verde
e uma montanha de almofadas xadrez, uma mesa de madeira escura no meio.
Evelyn pega uma almofada e se aconchega no cantinho, um som condescendente
enquanto ela olha pelas janelas para as árvores além.
Ela é fácil de gostar, fácil de conversar, e acho que é por isso que ela é uma
personalidade tão querida online. Eu estou muito chocada por ainda não tê-la
visto com seu celular em mãos, e eu menciono isso durante uma pausa na nossa
conversa.
Ela acena com a mão entre nós, fitando o prato de brownies ainda meio
cheio na beirada da mesa.
— Antes de tudo, gosto de conhecer os lugares que eu visito — diz ela,
esfregando o lábio inferior. — O que soa super pretensioso, eu sei, mas… eu
percebo que sou uma pessoa que ganha a vida nas redes sociais, mas eu odeio
como isso nos priva às vezes, sabe? As pessoas ficam muito focadas em como as
coisas se parecem ao invés de como as coisas são — ela encolhe os ombros. —
Vou começar a produzir conteúdo amanhã. Faremos a cobertura ao vivo, é claro,
e depois um destaque completo que será publicado em algumas semanas. Você
será mencionada no blog, todas as coisas que minha equipe acertou com você.
Uma menção no blog, uma lista oficial como participante do concurso em
seu site e um destaque em cada um de seus canais sociais. Mesmo sem o prêmio
em dinheiro que será anunciado ao final de suas viagem, é o suficiente para fazer
uma grande diferença no nosso futuro.
Ela arrasta o prato de brownie para mais perto e depois o empurra
novamente com um gemido.
— Embora eu possa entrar em um coma de chocolate até lá.
— Layla tem um dom.
Os olhos escuros de Evelyn se iluminam.
— Isso mesmo. Seus parceiros de negócios, Layla e Beckett.
Eu concordo.
— Layla faz toda a confeitaria aqui nas instalações com a sua equipe. Nós
atendemos durante o horário da fazenda, e ela também faz alguns serviços de
bufê para a cidade.
— Que é a mais fofa de todas, falando nisso.
Eu estou tão feliz que ela pense isso. Nossa pequena cidade não agrada todo
mundo. O serviço de correio tem dificuldade para entregar aqui, e não temos
grandes lojas de departamentos onde você pode comprar de tudo, desde
decoração a rímel e uma caixa de vinho em uma só compra. Você teria que fazer
pelo menos três paradas diferentes para comprar todas essas coisas em Inglewild.
Todo mundo cuida da vida de todo mundo e você não consegue sair de casa sem
encontrar pelo menos quatro conhecidos. Mas sempre tem alguém para me
perguntar como estou. E para dar uma ajudinha quando eu preciso.
Nós somos uma família. Uma estranha, da qual você quer férias prolongadas
às vezes, mas uma família mesmo assim. Eu olho para a mesa no canto onde Gus,
Clint e Monty estão detonando uma caixa de rosquinhas francesas.
Aparentemente, essa é a vez deles no cronograma de visitação à fazenda. Bailey e
Sandra estiveram aqui ontem, correndo pelo celeiro aberto como um casal de
adolescentes.
— Beckett lida com todas as nossas operações agrícolas e supervisiona a sua
própria equipe. Principalmente colheitas e manutenção, mas ele se interessa por
outras coisas também. — Tipo criar uma família de gatos, aparentemente.
Ela assente, seus olhos ainda viajando de mim para os brownies. Eu mudo o
prato para mais perto dela e ela pega outro com uma risadinha.
— Obrigada. E Luka, o seu namorado. — Meu estômago afunda e meu
sorriso vacila com a mentira dita em voz alta. Digo a mim mesma que é pela
fazenda, que é inofensivo no esquema das coisas, mas ainda sinto aquela agitação
de dúvida no fundo da minha mente. — Como é trabalhar com seu
companheiro? Não tenho certeza se muitas pessoas conseguiriam fazer isso.
Penso em Luka deitado de bruços no telhado do escritório, um parafuso
entre os dentes enquanto ele martelava alcaçuz falso nas telhas. Como mais tarde
naquela noite ele descansou o queixo no meu ombro enquanto eu lia os
relatórios de despesas, um litro de sorvete na mão enquanto ele consertava as
minhas fórmulas do Excel para facilitar a inserção de dados.
— É perfeito — eu digo, porque é. Perfeito demais. Eu quero isso para
sempre, não apenas por essa semana. A ressaca do relacionamento falso vai me
p p p
chutar bem nos dentes. Como você volta a traçar limites quando seu melhor
amigo já esteve com a mão dentro das suas calças? Eu não faço ideia. Limpo
minha garganta. — Somos uma boa equipe.
Olho para o relógio acima do balcão e expulso da minha mente todos os
pensamentos sobre Luka e aquele sofá.
— Eles devem estar aqui em breve, na verdade. Eu disse a eles para nos
encontrarem mais ou menos agora.
Empolgação ilumina seus olhos escuros.
— Ótimo. Eu quero beijar Layla no rosto por esses brownies.
— Quem estaremos beijando? — Beckett aparece na beirada da cabine com
uma caneca de Papai Noel, uma carranca no rosto e uma gatinha no ombro. Eu
reconheço Cupido, o pequeno ponto preto em forma de coração em sua pata
dianteira a denunciando. Eu estendo minhas mãos para ela e a abraço quando ela
pula alegremente em meus braços.
— Layla, por causa dos brownies — explico. Ele resmunga no que eu
suponho ser concordância. — Beckett, deixe eu apresentar a…
Eu me viro na cabine para olhar para Evelyn e fico surpresa ao ver o olhar de
choque em seu rosto, sua boca boquiaberta. Ela fecha a rapidamente quando eu
levanto as duas sobrancelhas e imediatamente olha para a mesa. Eu olho de volta
para Beckett em um questionamento e ele está congelado com a sua caneca a
meio caminho de sua boca, o olhar colado na linda mulher sentada à minha
frente.
— Errr — eu digo, eloquente como sempre. Sinto o meu rosto se contraindo
em confusão. Beckett não desviou o olhar de Evelyn e Evelyn não desviou o olhar
da mesa. Cupido mia do berço em meus braços. — Errr, Beckett, essa é Evelyn.
Evelyn, esse é Beckett.
Silêncio.
— Errr — eu começo novamente e tento desesperadamente chamar a
atenção de Beckett. Eu o chuto na canela uma vez e ele se encolhe. Eu levanto
ambas as sobrancelhas para ele significativamente.
— Prazer — ele limpa a garganta e coloca a caneca na mesa, esfregando a
mandíbula. — Prazer conhecê-la.
Evelyn assente rapidamente e ergue os olhos uma vez apenas para atirá-los de
volta para a mesa. Seus dedos estão brancos onde ela está segurando a borda dela.
Eu franzo a testa e aproximo o prato de brownie.
Beckett desliza para a cabine ao meu lado depois de outra longa hesitação e
nós três nos sentamos em silêncio. Eu olho para Cupido.
— Errr, nós resgatamos esses gatos — eu ofereço, esperando afastar a
estranha tensão que se estabeleceu entre nós. Eu não tenho ideia do que está
acontecendo, não tenho ideia do que aconteceu quando Beckett chegou. Será
que ela o acha bonito? Quer dizer, claro, Beckett é lindo de se olhar.
Objetivamente falando. Já o vi aturdir as mulheres que vêm à fazenda mais de
uma vez. Mas não consigo imaginar que ele deixaria alguém como Evelyn sem
palavras. Acaricio a cabecinha macia de Cupido. — Eles estavam morando no
celeiro do Papai Noel. Achei que fossem guaxinins.
— Ela é uma gracinha — murmura Evelyn, sem um único pingo de
entusiasmo. Eu franzo a testa. Ela olha para mim, uma pequena linha de
ansiedade no espaço entre as suas sobrancelhas perfeitas. — Escuta, Stella, eu
tenho que correr de volta para o hotel bem rapidinho, ok?
Eu franzo a testa.
— Eu ia…
Mas ela já está se movendo, saindo da cabine e jogando almofadas em todas as
direções.
— Eu vou voltar de manhã e podemos começar do zero.
Ela sai da padaria sem dizer mais nada. Olho para a porta, a guirlanda
pendurada na frente balançando para frente e para trás com a força de sua saída.
Beckett pega um brownie ao meu lado com um longo suspiro de sofrimento.
— Estelle.
Eu estreito os meus olhos. Beckett só me chama pelo meu nome completo
quando temos um problema. Cupido escorrega do meu aperto e se esfrega
contra o antebraço de Beckett. Vou ter que falar com ele sobre ter os gatos na
padaria. Ele olha para mim e dá uma mordida gigante no brownie.
— Por favor, me explique o que acabou de acontecer.
Ele engole e olha para o teto, em seguida, para as mãos.
— Bom — ele se remexe na cabine e coloca o cotovelo na mesa e depois o
levanta novamente. Acho que nunca vi Beckett tão sem palavras. — Ah, bom.
Eu dormi com aquela mulher.
— Beckett — eu faço as contas. — Ela está na cidade há seis horas.
Ele revira os olhos.
— Não foi hoje. — Ele mexe com o punho da manga. — Você se lembra de
quando eu fui àquela palestra no Maine? Aquela sobre agricultura orgânica?
q q p q g g
— Você não parou de falar sobre como os fertilizantes sintéticos são os piores
por quase um mês. Você está me dizendo que dormiu com Evelyn naquela
viagem, e que fertilizantes sintéticos foi tudo o que eu fiquei sabendo?
Ele coça grosseiramente a nuca e faz Cupido sair voando pela mesa. Ele a
pega de volta e a coloca em seu colo.
— Eu não… nós não falamos sobre coisas assim. E foi uma coisa de uma vez
só. — Seus olhos ficam nebulosos, um pequeno sorriso chutando no lado direito
de sua boca. Eu quero dar um soco na cara dele. — Mais como uma coisa de três
vezes, eu acho. Ela estava hospedada na mesma pousada que eu. Nos
conhecemos em um bar.
Eu me lembro de ver fotos dela em uma pequena pousada no Maine. Suas
fotos da colcha de flores silvestres e das ervas frescas no parapeito da janela. Para
mim, é alucinante que Beckett estivesse lá. Ele estava debaixo daquela colcha.
— Acabou mal? Por que ela teve essa reação?
Ele dá de ombros e dá outra mordida no brownie.
— Beckett. — Ele mastiga e mantém os olhos firmes no tampo da mesa. Essa
cabininha nunca foi inspecionada tão minuciosamente. — Explica isso para
mim.
Ele dá de ombros novamente.
— Eu não sei, Stella, não consigo nem explicar isso para mim mesmo. — Ele
termina seu brownie e se recosta na cabine. Não faço ideia do que isso significa
para o concurso, para a viagem dela aqui. Ela vai embora mais cedo? Estamos
desclassificados? — Ela provavelmente estava apenas surpresa. Nós não… nós
não conversamos muito, exatamente. — Um rubor furioso ilumina a sua nuca e,
apesar de tudo, sinto uma gargalhada borbulhando no meu peito. Toda essa
situação é surreal.
Eu inventei um namorado falso para que Evelyn achasse esse lugar
romântico. Beckett, sem saber, dormiu com ela em uma viagem de fim de
semana ao Maine. Temos um invasor misterioso determinado a prejudicar a
fazenda.
Seria engraçado se não fosse uma bagunça.
— Foi ela quem saiu primeiro. Nós estávamos, hm, nós passamos a noite
juntos e quando eu acordei de manhã, ela tinha ido embora. Todas as coisas dela
também se foram.
— Você nunca tentou encontrá-la? Nunca a viu nas redes sociais?
Ele faz uma careta para mim.
p
— Você sabe que eu não faço nada nas redes sociais. Achei que ela tinha um
motivo para sair do jeito que saiu. Eu não corro atrás de pessoas que não querem
ser seguidas.
— Justo — eu digo. Caímos em silêncio. Eu examino Beckett e listo a tensão
em seus ombros, o jeito que ele não parou de se mover desde que Evelyn partiu.
Seus dedos contra o tampo da mesa. Seu joelho pulando embaixo dela. Um
movimento de seus quadris a cada poucos segundos no assento da cabine. Na
minha surpresa, esqueci o mais importante.
— Ei — eu enrolo a minha mão logo acima de seu cotovelo e puxo uma vez.
— Você está bem?
Ele assente, abaixando a cabeça um pouco.
— Estou bem. Com vergonha, em grande parte. Não quero estragar nada
para nós. Eu sei o quanto isso é importante.
Eu tremo. Ele não tem ideia de como isso é importante porque eu não fui
honesta com ele. Um flash de vermelho na janela chama a minha atenção, a
jaqueta brilhante de Layla enquanto ela e Luka se arrastam em direção à entrada
da padaria. Ela ri de algo que ele diz, ambas as bochechas coradas com o frio. Eu
tomo uma decisão.
— Sobre isso. Preciso falar com você e Layla. Luka também.
Espero até que todos estejam sentados na cabine, bebidas quentes para Layla
e Luka depois de sua manhã nos pastos. Layla tem falado sobre técnicas
apropriadas de serragem desde que eles chegaram, um Luka perplexo atrás dela
desde a porta para a cozinha nos fundos até a nossa cabine aconchegante no
canto. Mas ela para abruptamente quando percebe como Beckett está tenso na
beirada do banco de madeira, a carranca no meu rosto.
— Vibe estranha — ela diz e eu sinto a bota de Luka cutucando a minha por
baixo da mesa, um silencioso “você está bem?” no arco de sua sobrancelha. Ele
está usando suas botas de caça às árvores, aquelas com a flanela.
— Nós temos algumas… — Eu lanço um olhar para Beckett, que parece
querer derreter no chão. Eu acaricio suas costas uma vez em solidariedade. —
Temos algumas atualizações.
— Eu dormi com Evelyn — Beckett oferece, sem um pingo de preparação ou
contexto. Layla cospe o seu chocolate quente e derrama metade na mesa entre
nós. Luka apenas o encara, as sobrancelhas franzidas. Jogo uma pilha de
guardanapos para Layla.
— Estou confuso — Luka olha para mim, então para Beckett, então para
mim novamente. — Ela não acabou de chegar aqui?
Beckett divide com eles os mesmos detalhes vagos que dividiu comigo.
Pousada. Maine. Seis meses atrás. Conferência do Agricultor. Ele soa como se
estivesse contando uma ida ao dentista, não uma aventura selvagem e sexy de fim
de semana. Os olhos de Layla ficam maiores a cada staccato até que ela está
praticamente dobrada sobre a mesa, em êxtase. Beckett finaliza a sua história e cai
de volta em seu assento. Cupido cutuca seu queixo uma vez com sua patinha.
— Beckett — Layla respira. — Eu não sabia que você fazia sexo.
Ele se mexe e cruza os braços com uma carranca.
— Claro que eu faço sexo.
— Claramente.
— Eu só sou reservado com isso.
— Obviamente.
— Ok. — Eu esfrego minha testa. — Já chega de... disso. — Beckett parece
querer que o chão se abra embaixo dele. — Tem algo que eu preciso contar para
vocês. — Três pares de olhos concentram sua atenção em mim, os de Luka se
estreitando em preocupação. Eu reúno minha coragem e endireito a minha
coluna. Eu lhes devo uma explicação. Eu lhes devia uma explicação há muito
tempo. — Eu tenho sido bastante vaga sobre como a fazenda está se saindo
financeiramente. A verdade é que não está bem.
Beckett estreita os olhos.
— Essa é uma afirmação tão vaga quanto.
— Apesar de termos tido um ano incrível no ano passado, ainda não estamos
tendo um grande lucro. — Talvez se eu falar mais rápido, seja mais fácil. A bota
de Luka ainda está entre a minha e ele bate no meu pé uma vez. — O que eu
estava esperando, e contando com. O que eu não estava nos meus planos foram
todos os consertos extras que fizemos no ano passado, a perda do pasto do sul, as
remessas desaparecidas e as dívidas que devemos a alguns fornecedores
diferentes…
— Espera, o quê?
Eu ignoro Beckett e continuo.
— Resumindo, estamos meio que perdendo dinheiro agora. Espero que essa
temporada ajude com os nossos valores, especialmente com a atenção a mais de
ter Evelyn aqui. Mas estou realmente apostando nesse grande prêmio em
dinheiro.
— Eu não entendo — Layla começa lentamente. — Como assim estamos
tendo problemas com dinheiro? Eu ainda recebo meu salário quinzenalmente. A
minha equipe também. Os salários não atrasaram ou faltaram nenhuma vez.
Beckett exala bruscamente pelo nariz.
— Idem. — Pela expressão tempestuosa em seu rosto, ele sabe exatamente o
porquê isso acontece.
— Stella — a voz de Luka é calma, aflita. Acho que ele descobriu também.
Eu mantenho os meus olhos nos guardanapos molhados amontoados no centro
da mesa.
— Eu nunca vou cortar os pagamentos de ninguém que trabalha aqui. Fiz
uma promessa a vocês dois quando decidiram se juntar à fazenda, e vou cumpri-
la.
Eu estava com medo, eu quero dizer. Eu não queria que vocês pensassem que eu
sou um fracasso. Eu não queria decepcionar vocês. Eu não queria que vocês fossem
embora.
— E quanto ao seu salário?
Minha despensa está cheia de lámen. Luka coloca barras de proteína no meu
porta-luvas toda vez que vem para casa. A casa veio com a fazenda e meu carro
está totalmente quitado há anos. Eu não preciso de um salário consistente, não
como Beckett e Layla.
Quando fico em silêncio, Beckett se levanta da mesa com um bufo.
— Estou saindo — ele anuncia, sucinto como sempre. Eu esperava por isso,
mas ainda estremeço com o baque pesado das suas botas contra os azulejos da
padaria. Ele caminha até a porta, muda de ideia no meio do caminho e volta. Os
bombeiros no canto fazem o possível para parecer que estão ocupados,
estudando a última rosquinha francesa no prato deles como se ela fosse
eletricidade inventada.
Beckett volta para a beira da cabine e me encara. Sua decepção é o pior de
tudo, a tristeza e a mágoa que permanecem na pressão firme de sua boca. Ele
engole uma vez.
— Isso não é o que parceiros fazem — diz ele calmamente. Eu assisti Beckett
discutindo com duas de suas irmãs uma vez. Ele ficou quieto enquanto elas
gritavam, os braços cruzados sobre o peito, deixando-as continuar enquanto ele
estava parado ali. Na época, achei divertido. Olhar para elas desperdiçando toda a
sua energia apenas para dar de cara com uma parede de tijolos. Agora, porém,
posso simpatizar. Calado e desapontado, Beckett é mil vezes pior do que
qualquer demonstração de raiva. Eu assinto uma vez.
Esse dia não saiu nada como o planejado.
Ele sai ao som alegre dos sinos de prata em cima da porta. Eu gostaria que ele
tivesse batido ao invés disso.
Layla estende a mão por cima da mesa e pega a minha mão.
— Ao mesmo tempo em que estou tão brava quanto Beckett por você
esconder isso de nós, eu quero acrescentar que eu te amo. — Ela se levanta da
mesa e veste a jaqueta de volta, virando o capuz para cima e sobre a cabeça. Ela
parece uma exploradora ártica mal-humorada. — Falaremos sobre isso mais
tarde. Tenho um pedido para entregar na cidade.
— Você vai voltar?
Ela me dá um sorriso triste.
— Sim, querida. Eu vou voltar.
Eu a vejo sair com mil desculpas na ponta da minha língua, mas eu as mordo
de volta. Gritar para ela não vai mudar nada. Eu caio na cabine e evito os olhos
de Luka, recolhendo a bagunça do chocolate quente derramado. Eu sei que há
uma moral aqui sobre dizer a verdade, mas não consigo aplicá-la à nossa situação.
Talvez quando eu ver Evelyn amanhã, se eu ver Evelyn amanhã, meu cérebro me
lembra de forma útil, eu possa ser honesta com ela. Que Luka não é meu
namorado, que tudo isso foi um mal-entendido.
— Quer ir para casa?
Eu assinto para a mesa e respiro fundo, trêmula. Luka ouve e suspira, sua
mão segurando o meu cotovelo e me puxando para ele assim que saio do banco.
Eu seguro um punhado de toalhas de papel molhadas por cima de seus ombros e
tento não molhar a sua jaqueta.
— Vai ficar tudo bem — diz ele em algum lugar acima da minha cabeça. Seus
braços apertam, mas ele não faz o seu um-dois-três. Digo a mim mesma para não
pensar demais nisso. — Nós vamos dar um jeito nisso.

Dar um jeito nisso aparentemente significa revisar todas as minhas faturas e


planilhas de orçamento detalhadamente enquanto Luka cantarola baixinho e faz
vários outros sons que não fazem nada para acalmar os meus nervos desgastados.
Uma tosse em sua mão quando lhe mostro a planilha com nossas remessas
desaparecidas. Um resmungo baixo quando eu puxo as faturas com os valores
que devemos em vermelho. Um suspiro quando analisamos a estimativa para as
árvores no pasto sul e como isso afeta os nossos resultados.
Ele esfrega as pontas dos dedos ao longo de sua mandíbula e clica no meu
computador enquanto eu resisto à vontade de arrancar o notebook das suas
mãos. Passar de não compartilhar isso com ninguém para compartilhar com todo
mundo me deixa agitada e desequilibrada.
Luka não me poupa uma olhada quando eu faço o meu caminho para a
cozinha.
— Você poderia cobrar a entrada — ele oferece enquanto eu luto com minha
garrafa de vinho. Estou a cerca de três segundos de quebrar o pescoço da garrafa
na beirada do balcão. — Isso te ajudaria a seguir em frente.
— Se você olhar para a planilha três na parte inferior — a rolha finalmente
cede com um estalo satisfatório —, eu projetei esses números. Não quero cobrar
entrada se puder evitar. Isso eleva o custo para famílias. Somos a única fazenda
no estado que não cobra entrada e gostaria que continuássemos assim o quanto
pudermos.
Luka clica na planilha em questão com um zumbido. Eu bebo direto da boca
da garrafa.
— Você poderia cobrar qualquer pessoa com mais de vinte anos. Desse jeito,
ainda há um apelo para famílias com crianças e adolescentes. Você pode até
mesmo agrupar os ingressos em um pacote completo. Inclua chocolate quente,
pista de patinação no gelo e vinte por cento de desconto em uma árvore recém-
podada.
Isso é uma boa ideia. Estou chateada por não ter pensado nisso sozinha. Eu
tomo outro gole da garrafa enquanto Luka se levanta do sofá, colocando meu
laptop na mesa da cozinha entre nós. Eu lhe ofereço a garrafa, mas ele balança a
cabeça, recolhendo-a também e colocando-a junto ao meu laptop.
Ele abre os braços.
— Vem aqui.
Suas bochechas ainda estão coradas de rosa por causa de seu tempo do lado
de fora hoje, manchas gêmeas de cor contra sua pele dourada. Eu o encaro, seus
braços abertos, o material macio e desbotado de sua camisa térmica. Ela se agarra
com força ao redor de seus bíceps e eu me distraio lá por um segundo, dentes
cortando meu lábio inferior.
— Por quê?
Ele bufa uma risada pelo nariz e se aproxima, com as mãos em meus ombros.
Ele puxa uma vez e desliza seu aperto em meus pulsos, ajustando as minhas mãos
até que elas estejam em volta do seu pescoço. Ele nos leva para a geladeira em dois
passos suaves, meus joelhos batendo contra os dele o tempo todo.
— O que está acontecendo aqui?
Ele me ignora, estendendo a mão acima da geladeira para pegar o rádio
antigo que guardo lá em cima. Há uma explosão de estática quando ele liga,
girando o botão para encontrar uma estação nítida. Era da minha mãe. Em todos
os lugares em que morávamos, ela o colocava em cima da geladeira. Ela gostava
de dançar ao som de Bruce Springsteen durante o jantar. AC/DC durante a
faxina. Lavávamos os pratos e ela balançava os quadris e balançava o cabelo. Ela
costumava dizer que poderia ter sido uma daquelas garotas subindo em cima dos
carros nos videoclipes. O meu eu adolescente tinha ficado horrorizado.
— Eu quero falar com você — diz ele. Eu olho incisivamente para as minhas
mãos enroladas em seu pescoço, meu peito pressionado contra o dele.
— E isso é falar?
Ele encontra o que está procurando, o som suave de Louis Armstrong
cantando sobre uma noite silenciosa pelos antigos alto-falantes. É um pouco
metálico e estático, o rádio antigo não é o melhor em qualidade de áudio. Mas eu
amo isso.
Luka me puxa para perto e me gira para o centro da cozinha, uma mão no
meu quadril, a outra entre as minhas omoplatas.
— Por que você não me disse que estava tendo problemas?
— Hm. — Para mim, é difícil pensar quando ele está me segurando assim.
Balançando lentamente pela minha cozinha com o nariz na minha têmpora. —
Por que estamos dançando lentamente?
Luka descansa o queixo no topo da minha cabeça.
— Era assim que meus pais brigavam — ele confessa baixinho, um sorriso em
sua voz. — Ou era assim que eles tiveram grandes conversas, eu acho. O meu pai
disse que gostava de manter a minha mãe por perto, mas eu realmente acho que
ele queria uma maneira educada de contê-la.
Eu dou uma risada e relaxo em seu aperto, deixando ele me girar lentamente.
É bom ouvi-lo falar do pai dele, ter uma boa lembrança. Eu tento imaginar um
Luka mais novo, revirando os olhos vendo os seus pais dançando na cozinha. Isso
me faz sorrir. Seu aperto fica mais forte quando ele me sente amolecer em seus
braços, a palma da sua mão deslizando entre meus ombros até o centro das
minhas costas.
— Então, por que você não me contou?
Há um fio fino de mágoa na pergunta silenciosa, uma tristeza persistente nas
bordas que faz eu me aconchegar mais para perto, descansando a minha testa na
sua clavícula. Ele cheira a pinho nesse ponto, outro resquício do seu tempo nos
pastos. O motivo pelo qual não contei a Luka é o mesmo motivo pelo qual não
contei a ninguém.
— Porque eu pensei que estava resolvendo isso — eu digo a ele, um pingo de
frustração deslizando. — Eu estou resolvendo isso.
Meu plano é bom. Sobreviver à essa viagem com Evelyn. Encantá-la sem dó.
Ganhar o concurso e pagar as nossas dívidas com os fornecedores. A partir daí,
devemos estar resistentes o suficiente até a chegada da primavera. Neste ponto,
mesmo que não ganhemos o prêmio em dinheiro, acho que ficaremos bem. O
fluxo adicional de clientes das redes sociais de Evelyn deve ser suficiente para nos
ajudar. Eu vou ter que comer lámen só mais um pouquinho.
— Você ainda poderia ter me contado — ele diz, inclinando o queixo para
trás até que ele esteja olhando para mim. Ele parece mais jovem assim, cansado de
um dia nos pastos, um bocejo rangendo em sua mandíbula.
— Eu não queria… — Penso naqueles primeiros dias em que percebi o
quanto estávamos atolados nisso, os números na tela do meu computador não
fazendo sentido, não importa quantas vezes eu filtrasse e reorganizasse as colunas.
Eu queria tanto ligar para Luka, pedir para ele dar uma olhada, me tranquilizar.
Mas eu também queria fazer isso sozinha. Essa fazenda, esse negócio, é a primeira
coisa que já foi minha e somente minha. — Eu não queria que você me
resgatasse.
Suas sobrancelhas saltam em surpresa.
— Ajudar amigos está fora de questão agora?
— Não é assim. É só… você se lembra daquele ano em que decidi que queria
aprender a andar de skate? E você disse que me ajudaria?
Ele sorri com a lembrança.
— Sim, você comprou aquele capacete vermelho com as chamas na lateral.
Joelheiras para combinar. Você estava tão fofa.
Eu reviro os olhos. Eu não estava tentando ser fofa. Eu estava tentando estar
segura e ser um pouco durona. Eu gostei desse capacete, entretanto.
— Bem, como você se lembra, essas joelheiras valeram a pena. Eu era
horrível.
O puxão de um sorriso se espalha até que ele está rindo, sem dúvida
lembrando da minha queda na fonte no meio da cidade.
— Você foi tragicamente horrível — ele concorda.
— Certo, e o que você fez? Como você me ajudou a alcançar meu sonho de
descer uma rua em um skate?
Seu riso se acomoda em um estrondo caloroso de uma risada.
— Eu te dei uma carona — ele sorri. — Eu pulei no skate com você nas
minhas costas e voamos pela rua principal.
É uma boa memória. Ainda me lembro do jeito que agarrei os seus ombros
com força, cada solavanco na calçada enquanto passávamos pela livraria, pela
estufa, pelo pequeno parque com narcisos na entrada. Eu concordo.
— Sim, você me ajudou a fazer o que eu queria fazer literalmente me
colocando nas costas. — Eu sorrio e corro os meus dedos pelo seu cabelo,
falhando em não tocá-lo. Não quando ele parece tão feliz e tão triste ao mesmo
tempo. — Você fez isso inúmeras vezes durante a nossa amizade, e eu sou muito
agradecida. Mas dessa vez eu queria… eu queria ser a minha própria heroína. Eu
queria fazer isso sozinha.
Ele empurra a cabeça contra a minha mão, fechando os olhos.
— Você se apoiar em outras pessoas não torna as suas conquistas menos suas,
La La. — Ele abre os olhos, escuros como chocolate derretido. — Lembra
quando coloquei na cabeça que queria correr uma meia maratona? O que você
fez?
Eu odiei essa ideia. Acordava todas as manhãs antes do sol e resmungava o
tempo todo colocando os meus tênis e vestindo o meu top esportivo, Luka
grunhindo do outro lado do telefone. Tivemos conversas inteiras apenas através
de sons naquelas manhãs.
— Você acordou todas as manhãs comigo para a minha corrida e fez uma
distância igual aqui, ao mesmo tempo. Para eu me sentir menos sozinho.
— Sobre isso — eu murmuro. — Eu posso ou não ter corrido até a Sra. B e
ter pego um prato de rolinhos de canela.
Ele pisca para mim.
— O quê? Mas o seu GPS…
— Paguei um dos garotos do ensino médio para fazer o meu trajeto. Ele me
encontrava na frente da padaria e nós fazíamos a troca. Ele estava tentando entrar
p
para o time de cross country, então deu certo.
Luka ri, os olhos se enrugando nos cantos. Ele se aninha uma vez na minha
têmpora e nos gira de volta pela cozinha, até a geladeira.
— Independentemente — ele cantarola. — Você acordou comigo. Você me
enviou lanches saudáveis. Você acreditou em mim e me incentivou. Você até fez
uma placa para a corrida.
Uma placa rosa brilhante com glitter dourado que dizia: VOCÊ ACHA
QUE ESTÁ CANSADO? ESTOU SEGURANDO ESSA PLACA DESDE AS
09H00.
Do outro lado: ESTOU TÃO ORGULHOSA DE VOCÊ, LUKA.
— O que estou tentando dizer é que você pode confiar em mim. Você pode
confiar em mim para ajudá-la a carregar o fardo. Você não precisa fazer tudo isso
sozinha. — Ele segura um cacho errante, esfregando-o suavemente entre o
polegar e o indicador. Ele torce levemente e puxa uma vez. — Eu sei que você
consegue cuidar de você mesma. Você faz isso desde que eu te conheço. Mas
deixa eu segurar a sua mão enquanto você faz isso, ok?
Eu assinto, uma pressão quente atrás dos meus olhos. A música muda para
Nat King Cole e eu praticamente me derreto nos braços de Luka, outra volta
pela minha cozinha.
— Tudo bem — eu digo.
Ele dá um beijo na minha têmpora e sussurra de volta.
— Tudo bem.
Dezoito

Evelyn me encontra no meu escritório na manhã seguinte, agasalhada com uma


linda jaqueta branca com um cinto grosso no meio, cabelo escuro trançado e
jogado sob um ombro. Eu sinto um cheiro de avelã e olho ansiosamente para o
copo na mão dela, meu café morno equilibrado na ponta da minha mesa. É bom
saber que a Sra. Beatrice pode ser gentil quando ela quer.
Eu tento disfarçadamente empilhar o caos da papelada na minha mesa em
uma pilha mais organizada, limpo as migalhas de um muffin que havia sobrado.
Eu não estava esperando companhia, para ser sincera. Eu estive esperando uma
ligação da pousada a manhã inteira. Da proprietária, Jenny, me avisando que
Evelyn decidiu partir mais cedo.
Evelyn sorri e se senta na minha frente à mesa, empoleirada na beirada. Estou
feliz pelo menos por ter decidido costurar os furos no estofamento durante um
ataque de procrastinação. Sua postura é imaculada, suas pernas cruzadas
graciosamente. Eu acho que eu nunca me pareci tão controlada assim na minha
vida.
— Você parece surpresa — diz ela e toma um longo gole de seu café com
leite. — Eu disse que teríamos um recomeço hoje.
— Eu pensei que você poderia ter ido embora — eu brinco com um dos
pinheiros de enfeite na beirada da minha mesa, enrolando a cordinha em volta
do meu dedão. — Eu estava preocupada que você ficaria se sentindo
desconfortável aqui.
— Eu lhe devo um pedido de desculpas — diz ela, e meu cotovelo derruba
uma pilha de papéis no chão. E lá se foi parecer organizada.
Um silencioso hm é tudo o que consigo responder.
— Beckett veio falar comigo ontem à noite — ela oferece. Meu rosto deve
fazer algo estranho ao som disso porque ela fica corada e abaixa a cabeça. — Ai,
Jesus, não desse jeito. Ele apenas explicou o quanto a fazenda significa para você,
para ele, para a sua cidade. Ele perguntou se eu consideraria ficar. Ele disse que
ele se esconderia se eu... se eu quisesse.
Um balão de afeto por Beckett cresce em meu peito.
— E você quer? — Não é a pergunta que eu deveria estar fazendo, mas estou
curiosa. — Que ele faça isso?
Evelyn dá de ombros.
— Eu não acho que isso seja necessário. Nós dois somos adultos e o que
aconteceu entre nós é… — Aquele rubor em suas bochechas fica mais escuro e
ela acena com a mão entre nós, espantando os pensamentos para longe. Eu
escondo o meu sorriso na boca da minha caneca de café. — Bom, não importa.
Aquilo foi no passado, isso é agora. Estou determinada a ser profissional e ver
essa viagem passar. Você merece isso.
Provavelmente não. A verdade fica no fundo da minha garganta, a confissão
de que meu relacionamento com Luka não é o conto de fadas que a fiz acreditar.
Eu pressiono as palmas das mãos na minha mesa e traço meu polegar sobre os
grãos da madeira.
— Escuta, eu deveria te contar que...
Minha frase é abruptamente interrompida pela porta do meu escritório se
abrindo, Luka do outro lado com aquela maldita touca de bolinha e dois copos
para viagem. Ele está usando um cachecol hoje também, um verde bem grosso
que eu tenho certeza que foi a sua avó que fez.
— La La, acho que ainda é descafeinado, mas a Sra. Beatrice te fez um de
avelã, então isso é… ah, merda. — Ele enfia uma das xícaras no cotovelo e estende
uma mão enluvada para Evelyn, um sorriso já iluminando seus olhos, dourados à
luz da manhã. É realmente injusto como ele é bonito. — Oi. Você deve ser a
Evelyn.
Evelyn sorri e se levanta da cadeira, pegando a mão dele em um aperto e, em
seguida, inclinando a xícara para a dele em um pequeno brinde. Eu sinto a
minha determinação murchar.
— Luka, estou tão feliz de te conhecer!
— Eu estava passando para deixar um café antes de ir para a pista de
patinação no gelo. — Seus olhos âmbar encontram os meus, um sorriso
levantando os cantos de sua boca. Eu o deixei hoje de manhã antes de o sol
nascer, enterrado sob os travesseiros da minha cama. Ele tinha enrolado a mão
em volta do meu cotovelo com um resmungo sonolento, um pedido abafado de
volta aqui e conchinha. Era uma oferta tentadora.
q
— Beck mandou uma mensagem sobre alguns dos painéis na extremidade
mais distantes estarem soltos. — Percebo um martelo pendurado no bolso da sua
calça jeans, um pedaço de lona dobrado debaixo do braço. Ele vê meu olhar
questionador e sorri. — Minha mãe me deu — explica ele. — Algumas das
crianças fizeram uma placa. Acho que vai ficar legal nos painéis. Mais ou menos
como aqueles anúncios que você vê em jogos de hóquei.
— Contanto que ninguém esteja checando uns aos outros nos quadros, tudo
bem. O que a placa diz?
— Você não gostaria de saber? — ele resmunga com uma risada. Ele pousa o
meu café na beirada da minha mesa e pressiona a palma da mão no topo de
madeira, inclinando-se para escovar um beijo nos meus lábios. No que diz
respeito às distrações, essa é uma boa. Eu suspiro e ele sorri, outro beijo rápido
antes de se afastar. Vejo Evelyn sorrindo para nós com o canto do olho.
— Eu posso me juntar a você? — Ela pergunta. — Não consegui ver muita
coisa ontem. Eu queria ver a pista.
— Sim, sem problemas. Eu vou te dar o tour não oficial e Stella vai te dar a
versão mais profissional mais tarde.
Ela bate palmas uma vez, de volta à mulher enérgica e empolgada que ela era
quando chegou.
— Perfeito.
Digo a mim mesma que está tudo bem, que não estamos realmente
mentindo para ela. Estamos meio que... distorcendo a verdade, eu acho. Não sei
exatamente o que Luka e eu somos um para o outro agora. Claro, somos amigos,
mas depois daquela noite no meu sofá, também somos algo mais. Eu me
convenci de que não é mais uma mentira… é um embelezamento.
Eu engulo em torno do desconforto.
— Encontro vocês lá fora daqui a pouco.

Eu quase não consigo fazer uma limpa no meu e-mail antes de ter outro
grupo de visitantes.
Beckett entra no meu escritório com um olhar determinado em seu rosto,
uma pilha de papéis debaixo do braço. Ele bate o livreto na minha mesa e, em
seguida, cai na mesma cadeira em que Evelyn estava sentada há uma hora atrás,
os braços cruzados no peito. Layla se apressa atrás dele, ofegante, um pedaço
gigante de cartolina em suas mãos.
— Você não acreditaria como essa coisa pega o vento — diz ela, colocando a
enorme cartolina na cadeira desocupada, com o canto para baixo. Ela arranca a
jaqueta e aponta para a pilha na minha mesa. — Beckett te trouxe os anexos.
Bom.
— Não tive tempo para laminar — diz ele, ainda me encarando.
— Você não tem sua própria máquina?
— Quebrada — ele resmunga.
Tentei ligar para os dois ontem à noite depois que Luka e eu dançamos pela
cozinha o suficiente para o meu coração se acalmar. Todas as minhas ligações
foram direto para a caixa postal. Viro a pilha de papéis na minha mesa para ler a
primeira página: PLANO DE NEGÓCIOS DA FAZENDA LOVELIGHT em
negrito.
Agora eu entendo o porquê ninguém estava atendendo seus telefones.
— Devo me sentar?
Beckett e Layla assentem em uníssono e então me conduzem por uma
apresentação de quarenta e cinco minutos. Há seções separadas por cores no
livreto sobre novos fornecedores, referências a leis locais sobre isenções fiscais e
créditos, e até mesmo uma planilha de orçamento que se parece muito com a que
mostrei a Luka ontem à noite, uma coluna destacada em amarelo com os nossos
números iniciais se começarmos a cobrar taxas de entrada.
Viro a página e olho para as projeções salariais, minhas sobrancelhas se
unindo em confusão quando vejo os números.
— Isso está errado — eu digo, interrompendo Layla no meio da frase e
estremecendo em desculpas. — Desculpa. Eu estou olhando a seção de
pagamento e esses números estão errados.
Beckett esfrega o queixo com a palma da mão, as pernas para fora. Layla
liderou a maior parte desta apresentação, mas ele ficou bastante entusiasmado ao
falar sobre fertilizantes. Como sempre. Ele vira para a página correspondente em
seu livreto e arqueia uma sobrancelha.
— Eles não estão errados.
— Eles estão errados em cerca de trinta por cento — eu aperto os meus
olhos. — Mmm, na verdade. Em cerca de…
— É um corte salarial de quarenta por cento para Beckett e para mim —
Layla diz sem um pingo de hesitação. — Com o reembolso embutido do que
você cortou de si mesma.
— É um corte de cinquenta por cento para mim — Beckett resmunga. —
Não pago aluguel pela minha casa. Isso deve ser incluído no meu pacote de
benefícios.
Eu engulo e mantenho meus olhos nos números.
— E todos os outros? — Eu limpo a minha garganta até a minha voz não
vacilar. — A ajuda temporária e as equipes de vocês? Seus números não mudam?
— Todo mundo fica com o que já tem. O corte salarial apenas para nós três
deve ser capaz de nos carregar por mais alguns meses, mesmo sem o prêmio em
dinheiro.
Eu pressiono abaixo dos meus olhos e mantenho o meu olhar na planilha
firmemente. Tenho medo de que, se olhar para cima, eu possa explodir em
lágrimas.
— Eu não posso deixar vocês fazerem isso.
— Bem, estamos fazendo isso, então — Layla apoia as mãos nos quadris. Ela
gesticula para a cartolina, onde desenhou um gráfico com linhas listradas
vermelhas e brancas, contornadas em glitter. Projeções financeiras para os
próximos três anos. — E tem outra coisa. Beckett e eu discutimos sobre isso.
Queremos ser sócios igualmente. Gostaríamos de dividir a propriedade e todas as
obrigações financeiras em três.
Beckett intervém.
— Precisamos ver seus investimentos iniciais, uma lista completa de quanto
o terreno te custou e todos os reparos. Vamos avaliar e dividir. Há alguma
papelada legal a ser feita também. Por causa da propriedade. Mas se você estiver
disposta a nos deixar fazer parte disso, nós topamos.
Layla assente.
— Nós super topamos. Até o fim. Deveria ter sido assim desde o começo,
Stella. Isso parece ser certo.
Eu chupo uma lufada de ar e olho para Layla. Seu rosto está aberto, nenhum
sinal da resignação magoada de ontem. Agora ela só parece determinada. Ela me
dá um pequeno aceno de cabeça, apenas uma inclinação de seu queixo.
Beckett é diferente. Ele é todo linhas duras e sobrancelhas franzidas, braços
ainda cruzados na altura do peito, as mangas da sua flanela enroladas até os
cotovelos. A tinta colorida pintada na sua pele é uma boa distração do jeito que
meu coração está batendo no meu peito. Olho para a videira de hera que se
enrola em seu pulso. A lua crescente na parte interna de seu cotovelo.
— Beck? Você tem certeza? — Eu olho de volta para seu rosto e algo muda.
Uma declaração. Um comprometimento.
— Isso — diz ele baixinho. — Isso é o que os parceiros fazem.

No momento em que chego ao rinque de patinação no gelo para alcançar Luka


e Evelyn, estou agitada por causa do excesso de cafeína e do alívio vindo da
esperança renovada. Fiz Beckett e Layla repassarem os números comigo mais três
vezes, linha por linha. Eu finalmente os convenci a um corte salarial de trinta por
cento, com apenas metade do reembolso que eles projetaram. Com esses ajustes,
devemos ser capazes de funcionar sem problemas por um tempo ainda.
Ainda estou indecisa a respeito de começar a cobrar taxa de entrada. Não ter
que pagar para entrar na fazenda era uma grande razão pela qual a minha mãe e
eu vínhamos aqui com tanta frequência quando eu era criança. Era gratuito
passearmos pelas árvores, bebendo chocolate quente que escondíamos em nossas
bolsas. Se houvesse uma taxa de entrada, eu não sei se a minha mãe teria me
trazido aqui. Essa hipótese me deixa triste. Comprei esse lugar para que todos
pudessem experimentar a mesma magia. Ninguém deveria se sentir excluído.
Viro a esquina na passarela de pedra que leva do escritório à área de entrada
principal, Mariah Carey tocando nos alto-falantes. Há um frio no ar hoje, um
vento forte que está viajando por entre as árvores. Eu as observo balançando e
dançando no sopé das colinas, seus galhos balançando no sol. No final da
temporada de feriados, essas colinas estarão marrom-douradas ao invés de verde
intensas, todas as árvores alegremente em seus novos lares. Eu gosto de pensar
nisso às vezes, onde as minhas árvores acabam. Enfeitadas com piscas-piscas e
enfeites e ornamentos. Presentes empilhados ordenadamente embaixo,
implorando para serem abertos. Um pedaço da Lovelight Farms na casa de
alguém, ajudando a tornar o seu feriado especial.
O rinque de patinação no gelo está cheio quando chego, um grupo de alunos
do ensino médio girando em forma de oitos, rindo e de mãos dadas e seguindo
uns aos outros. Vejo Cindy Croswell ao lado, usando um dos apoios de
patinação em forma de pinguim que compramos especificamente para crianças.
Bailey e Sandra McGivens patinam lentamente, de mãos dadas, sussurrando uma
para a outra, parando para se beijar embaixo do visco toda vez que passam sob o
arco da entrada. Eu sorrio e deixo o meu olhar se mover ao longo do
revestimento, os pedaços reforçados de madeira e a bandeira pendurada
ordenadamente por cima.
Tinta vermelha e verde, um pouco desleixada nas pontas como se quem
estava pintando estivesse com pressa. FELIZ NATAL, LOVELIGHT FARM.
DO: COLÉGIO INGLEWILD MAIS ALEGRE BANDO DE IDIOTAS
DESTE LADO DO HOSPÍCIO11. Eles desenharam uma pequena paisagem
urbana embaixo, piscas-piscas pendurados nos telhados de Inglewild. Eu inclino
os meus cotovelos contra o corrimão com uma risada e tiro uma foto com meu
telefone.
— Você gostou, Srta. Bloom? — Um dos alunos do ensino médio, Jeremy, eu
acho, para de repente e com força contra as tábuas de madeira bem ao meu lado,
seus patins batendo primeiro enquanto uma chuva de gelo procede à sua
chegada. Ele joga o cabelo e se inclina ao meu lado.
— É muito criativo — eu digo diplomaticamente. Provavelmente teremos
que encobrir essa última parte se mantivermos o cartaz, mas isso me faz rir. —
Férias Frustradas de Natal é um dos meus filmes de Natal favoritos.
— Meu também — ele concorda e ele faz aquela coisa de jogar o cabelo
novamente. Eu não sei como ele consegue ficar consciente com um movimento
de cabeça tão agressivo a cada trinta segundos. — Nós temos muito em comum.
— Hm, com certeza.
— Sabe, você é muito gostosa para uma mulher mais velha — Jeremy me diz,
jogando o cabelo duas vezes no espaço de quinze segundos. Isso funciona com as
garotas do Colégio Inglewild? Eu certamente espero que não. Deixei esse
comentário sem resposta por um momento. Ele está olhando para mim com um
sorriso arrogante rasgando a sua boca. Ah, a autoestima de um adolescente
branco.
— Quer uma dica?
— De você, bebê? Eu quero mais do que uma dica.
Eca, nojento. Quando os alunos do ensino médio se tornaram tão terríveis?
Faço uma nota mental para deixar a Sra. Peters saber que Jeremy é péssimo,
embora eu tenha certeza que, dada a sua abordagem nada sutil da vida, ela deve
saber.
— Não chame as mulheres de velhas — digo a ele. — Na verdade, não chame
as mulheres de nada. Acho que você provavelmente se beneficiaria se não falasse
com as mulheres em geral por cinco ou sete anos.
Ele olha para seus patins, ombros curvados.
— Desculpe — ele murmura.
— Está tudo bem, só… você não pode dizer coisas vulgares assim. Use isso
como um momento de aprendizado.
Ele olha para mim.
— Que tipo de coisas devo dizer?
Eu penso sobre isso.
— Talvez, se você gosta de alguém, diga o que você gosta nela — ele abre a
boca e eu dou-lhe um olhar. — Uma coisa não física.
Ele parece confuso.
— Sua personalidade — eu ofereço. — Tipo ela ser engraçada, ou inteligente,
ou notoriamente simpática. Você poderia comentar algo não... — Eu considero
as minhas palavras. — Não grosseiro sobre sua aparência. Talvez os seus olhos,
seu cabelo, o jeito que elas sorriem.
Ele balança a cabeça, ainda confuso. Ele parece duvidoso.
— E isso vai funcionar?
— Só vai funcionar se você realmente quiser dizer o que está dizendo e
respeitar o que elas respondem. Entendeu?
— Eu acho que sim — ele se remexe em seus patins. Sinto um braço deslizar
pela minha cintura, um peito largo nas minhas costas. Luka descansa o queixo
em cima da minha cabeça.
— Jeremy, é melhor você não estar dando em cima da minha mulher.
Jeremy sorri e vai para o outro lado da pista de patinação no gelo sem dizer
uma palavra, outra chuva de gelo o seguindo. Vou ter que comprar um nivelador
de gelo se os alunos de ensino médio continuarem vindo.
Eu me viro nos braços de Luka, minhas mãos enganchadas em suas costas.
Eu gostei do jeito que isso soou… sua mulher. Gostei até demais. Ele olha para
mim com um sorriso, seus olhos castanhos vasculhando o meu rosto.
— Tudo certo?
Eu concordo.
— Beckett e Layla vieram me ver.
Ele cantarola, seu sorriso contorcendo o canto da sua boca.
— Ah, é?
— Sim — eu o aperto com mais força, os dedos cavando no material grosso
de sua jaqueta. Eu descanso a minha testa em seu peito e a sua palma alisa a parte
inferior das minhas costas até o espaço entre as minhas omoplatas. Ele nos
balança para frente e para trás uma vez. — Obrigada — eu sussurro.
ç p p g
— Não tem nada para me agradecer. É tudo você — diz ele. Ele cantarola
novamente, um ronco baixo contra meu ouvido. — Eu só quero segurar sua
mão, Stella.
Eu descanso o meu queixo em seu peito e olho para cima.
— Acho que vou permitir.
— Fico feliz em ouvir isso — seu sorriso se transforma em algo mais suave, o
polegar traçando a maçã do meu rosto. — Escuta, nós realmente não tivemos a
chance de conversar. Sobre… sobre aquela noite.
— Ah. Ok.
— Foi… — Eu sinto suas mãos se contorcerem do meu lado. — Foi estranho?
— Foi estranho não ter sido estranho — digo a ele, uma risada na ponta da
minha língua. Nenhuma parte de mim se arrepende do que aconteceu entre nós
naquela noite, mesmo que pareça que eu deveria me arrepender. Já
ultrapassamos borrar as linhas do nosso relacionamento. — E você?
Seus ombros relaxam.
— Eu não consigo parar de pensar em você — ele sussurra, o polegar
traçando desde a minha bochecha até o meu lábio inferior. Seus olhos ficam
nublados, sem foco. Um arrepio percorre meus ombros e desliza pela minha
espinha. — Os sons que você fez, La La, eu…
O grupo de estudantes passa por nós novamente, gritando e rindo. Luka
pisca e limpa a garganta, aperta meus quadris com força.
— Foi estranho não ter sido estranho — ele concorda fracamente, o olhar
encontrando o meu. Seus olhos são escuros, afiados com segundas intenções, e
eu olho por cima do ombro para o celeiro. Nós provavelmente poderíamos
chegar lá sem que ninguém percebesse. Encontrar um canto confortável e escuro
para nos escondermos.
— Eu deixei Evelyn na padaria com Peter — Luka me lembra daquilo no
qual eu deveria me concentrar. Eu balanço a minha cabeça. — Ela parecia
decidida a colocar as mãos em mais brownies.
— Ela está se divertindo?
— Ela parece estar. Eu a levei para os pastos e mostrei a região. Ela gostou
muito do trenó. Ela estava tirando todos os tipos de fotos em seu telefone.
O trenó é uma caminhonete Chevy 3100 de 1954, velha e surrada, deixada
nos pastos pelo Hank, ou talvez até pelo proprietário anterior a Hank. Quando
Beckett a encontrou, estava enferrujada e abrigava um ninho inteiro de pássaros.
Ainda é o lar dos pássaros quando eles migram de volta na primavera, mas agora
p q g p g
está pintada de vermelho cereja, piscas-piscas de várias cores pendurados na
cabine. Nós mantemos um grande saco de lona cheio de caixas na carroceria da
caminhonete, o saco mágico do Papai Noel deixado para trás. As crianças se
divertem com isso.
— Foi uma boa ideia levá-la lá.
— Para ser honesto, eu esqueci da caminhonete — ele esfrega a nuca. — Eu
posso ter me perdido com todas as árvores. Eu a vi e meio que fiz parecer que esse
era o objetivo.
Eu ri. Luka agindo como de costume.
— De qualquer forma, obrigada por isso.
Meu telefone começa a tocar no meu bolso da frente e eu saio do berço de
seus braços para procurá-lo no meio das embalagens amassadas de doces e os
recibos antigos que atualmente ocupam a minha jaqueta. Eu encontro uma
barra de chocolate com hortelã coberta com papel alumínio e entrego para Luka.
Sua atenção é rapidamente desviada pelo grupo de estudantes do ensino médio
enquanto eles fazem outra volta barulhenta na pista de patinação no gelo, seus
olhos se estreitando em Jeremy.
Atendo o telefone com um sorriso, sem me preocupar em verificar quem é
primeiro.
— Olá?
— Oi, Stella.
— Dane. — Luka se vira para mim e arqueia uma sobrancelha em uma
pergunta silenciosa. Eu dou de ombros. Não tenho notícias dele desde a
perseguição matinal pelos pastos no final de semana. — O que posso fazer por
você?
Ele suspira.
— Eu tenho algumas notícias. Você pode vir até a delegacia?
Dezenove

Quando Dane diz “algumas notícias”, ele quis dizer que ele capturou a
pessoa que estava jogando pedras na minha câmera de segurança. Ele me diz isso
ao invés de uma conversa polida e eu voo para fora da cadeira em frente a sua
mesa, derrubando um copo cheio de canetas e um aeromodelo em miniatura.
— Você o quê? — Olho ao meu redor como se o suspeito estivesse prestes a
sair de trás das cortinas. — Quem foi? Por que ele fez isso? — Eu olho através da
parede de vidro de seu escritório para a pequena cozinha, a cela e a área de
recepção para entrantes. Aponto para uma porta no canto de trás. — Você está
interrogando ele?
Dane esfrega as pontas dos dedos entre as sobrancelhas e gesticula para a
cadeira, uma ordem silenciosa para eu me sentar.
— Isso é um armário de utilidades, Canela.
Sento-me de volta, equilibrada na borda.
— Ele confessou?
Ele concorda. Eu quero dar um soquinho no ar em vitória.
— Você precisa de um parceiro de interrogatório? — Toda a minha
maratona de Lei & Ordem está prestes a valer a pena. Eu sinto que preciso ir para
casa e vestir um terninho elegante, pegar uma pasta. — Quer ser o bom policial,
o mau policial?
— Isso não é algo que aconteça, Estelle.
— Segundo você.
— Segundo literalmente todos os profissionais que aplicam a lei no país.
Escuta — ele me nivela com um olhar, uma carranca puxando seus lábios. —
Não há necessidade de um interrogatório. Ele já nos contou tudo o que fez.
Estou tendo problemas com esse caso porque estou um pouco irritado por você
e não estou adotando a minha costumeira… — ele esfrega a mandíbula enquanto
procura a palavra — … imparcialidade, suponho que você poderia dizer.
— Você deu um soco na cara dele?
Dane balança a cabeça com um leve sorriso.
— Eu não dei um soco na cara dele — parecia que ele gostaria de dar um
soco na cara dele.
— Então eu não vejo problemas. Você não precisa ser imparcial se ele já
confessou. — Minha mente vaga através das possibilidades de quem poderia ser,
o seu motivo. Luka queria vir comigo, mas eu o obriguei a ficar na fazenda para
caso Evelyn precisasse de alguma coisa. Eu peguei um vislumbre dela um pouco
antes de sair, chocolate quente em mãos. Curiosamente, Beckett não estava
muito atrás.
— Ele está aqui agora… — Eu abro minha boca para perguntar — … não na
sala de interrogatório inexistente — Ele está exausto por minha causa. Ele pega
uma bola anti-estresse da gaveta de cima e começa a apertá-la. — Como você
gostaria de lidar com isso?
— Acho que quero saber minhas opções — Eu gostaria de jogar algumas
pedras nessa pessoa, para começo de conversa. Olho por olho e tudo mais. Mas
eu não acho que isso vai dar certo com Dane.
— Ele está enfrentando várias acusações de destruição maliciosa de
propriedade privada. Isso é um pequeno delito no estado de Maryland. Como
isso foi feito de propósito e resultou em milhares de dólares em danos, ele pode
enfrentar pena de prisão.
— Pena de prisão? — Eu estou chateada pela câmera e pelas remessas
desaparecidas e os postes quebrados da cerca, mas não tenho certeza se quero que
alguém vá para a cadeia por causa disso. Eu franzo a testa e me acomodo na
cadeira. — Essa é a única opção?
— Depende de se você quiser prestar queixa ou não — ele começa a apertar a
bola novamente, dessa vez com mais força. — Ele perguntou se poderia… ele
perguntou se poderia falar com você. Pedir desculpas.
Eu pisco.
— Acho que provavelmente é um bom começo, né? — Seria bom se
pudéssemos lidar com isso civilizadamente.
O bigode de Dane se contrai.
— Claro.
— Tudo bem, então me mostre o caminho até o interrogatório.
— Não é… — Dane suspira e desiste. — Por aqui.
Não sei quem eu esperava que fosse. Alguma gárgula suja em forma de um
humano, talvez. Eu acho que parte de mim esperava que fosse alguém fazendo
tudo isso como um pedido de ajuda. Talvez ele estivesse jogando pedras na
minha câmera porque precisava alimentar a sua família... ou algo assim. Talvez
ele só tenha corrido porque estava com medo, e tudo isso foi um grande mal-
entendido.
Eu certamente não esperava Will Hewett sentado à mesa de conferência com
seu casaco de lã e óculos de tartaruga, tomando uma xícara de chá em um copo
de isopor.
— Onde você conseguiu o chá? — Dane grunhe em saudação enquanto eu
fico imóvel e confusa na porta.
— Policial Alvarez — Sr. Hewett responde, olhando para mim brevemente e
depois de volta para sua xícara. Eu sinto que sou parte de uma pegadinha
planejada. Caleb desliza silenciosamente para a sala por trás de nós, com o
caderno preso debaixo do braço. Dane lhe dá uma encarada.
— Estamos oferecendo chá para criminosos agora?
Caleb pisca e olha para a pequena xícara de chá de isopor.
— Quer que eu tire isso dele?
— Obviamente.
Caleb pega a xícara e eu aceno para ele, me sentando na cadeira vazia em
frente ao Sr. Hewett. Ele não olha para mim novamente e eu luto contra a
vontade de sussurrar que porra é essa.
— Eu estou confusa — é o que eu consigo dizer. Eu olho para Dane, de pé
atrás de mim com uma expressão violenta, braços cruzados no peito. Eu me viro
e franzo a testa para Caleb, encostado contra a porta. Eu me acomodo e olho de
volta para o Sr. Hewett. Ninguém nessa sala está sendo particularmente
comunicativo. — Isso é uma pegadinha?
Todos os três homens balançam a cabeça com vários graus de entusiasmo.
— Ok, bem — eu gostaria de um pouco de chá também. Com uma dose
saudável de uísque. — Alguém pode me explicar o que está acontecendo? Eu
estou tendo problemas para entender. Sr. Hewett, você destruiu minha câmera?
— Por que você não começa do começo, William?
Tudo começa com a venda da fazenda, muito antes de eu passar e ver a placa
de VENDE-SE. O Sr. Hewett explica que tinha um acordo de cavalheiros com
Hank para comprar o terreno, mas precisava de mais tempo para juntar o
dinheiro. Enquanto ele tentava quitar alguns dos seus ativos e liberar o dinheiro,
eu entrei e comprei a fazenda debaixo de seu nariz.
Eu me lembro vagamente que Hank mencionou que havia outro comprador
interessado quando fiz a minha oferta, mas nada aconteceu. Eu estava guardando
dinheiro há anos na esperança de abrir o meu próprio negócio, o pagamento da
apólice de seguro da minha mãe permanecendo intocado na minha conta
bancária. Eu o estava juntando para algo especial, algo significativo. Eu vi a placa,
fiz a oferta, e na semana seguinte Hank estava na Costa Rica e eu tinha as chaves
do lugar.
— Você queria uma... o quê?
O Sr. Hewett pega um pedaço de isopor da borda de seu copo, com desdém
na curva de seu lábio. Qualquer que seja o altruísmo que o levou a confessar não
afetou sua percepção geral de mim.
— Uma fazenda de alpacas — ele murmura.
— Uma fazenda de alpacas.
— É o meu sonho — ele responde com impaciência ocultada. Dane bufa
atrás de mim. Claramente, houve alguns pensamentos compartilhados entre os
homens dessa sala sobre o conceito de uma fazenda de alpacas.
Eu levanto minhas mãos.
— E você estava chateado comigo porque você pensou que eu tirei o terreno
de você — eu raciocino. Eu abaixo a minha cabeça e tento encontrar seus olhos.
— Mas você precisa saber que eu não fazia ideia que você estava interessado.
Hank nunca me disse nada sobre o acordo de vocês.
Ele concorda.
— Eu percebo isso agora.
— Ok, bom — eu dou de ombros. — Ainda tenho algumas perguntas. —
Ele me dá um aceno de cabeça e se remexe na cadeira, claramente desconfortável.
Seus olhos olham por cima do meu ombro para a outra sala com um pequeno
suspiro melancólico. — Por que você contou a Dane a verdade sobre tudo?
— Naquela noite quando eu quebrei sua câmera e Beckett me perseguiu
pelos pastos, ele quase me pegou. Eu acabei deitado em uma vala por três horas,
coberto de agulhas de pinheiro na tentativa de me esconder. Então percebi que
era hora de dar uma reavaliada nas minhas escolhas.
Ok, justo. Eu imagino que alguém possa reconsiderar as suas escolhas depois
de deitar em uma vala de terra gelada na tentativa de fugir de um fazendeiro
irritado.
— E o que você estava fazendo?
Ele suspira.
— Comecei com coisas pequenas e inconvenientes. Eu só queria que você
sentisse que a fazenda era um fardo e talvez pensasse em vendê-la. Para mim. Mas
nada te deu uma pausa. Quebrei alguns postes da cerca, liguei para os seus
fornecedores e cancelei alguns pedidos. Peguei algumas das suas decorações do
ano passado… elas estão no porão da biblioteca, se você as quiser de volta.
Eu quase bufo.
— Eu quero, obrigada.
— E nada parecia te frustrar. Era enlouquecedor. Sua falta de frustração foi...
frustrante. Eu sabia que tinha que fazer algo maior, então eu… — ele engole em
seco e olha para Dane antes de olhar de volta para a mesa. — Eu consertei o
sistema de escoamento no pasto sul. Eu… bom… há muitas obras sobre os abetos
de Fraser na biblioteca, sabe.
Dane pigarreia, desinteressado em quaisquer recursos educacionais que a
biblioteca ofereça sobre abetos de Fraser. Até mesmo o doce Caleb parece
decepcionado. O pasto sul. As árvores retorcidas e de aparência morta. Meu
estômago afunda.
— O que você fez com minhas árvores?
— Se você saturar demais o solo, as raízes ficarão sobrecarregadas e não
conseguirão extrair oxigênio do solo. Desativei o seu sensor de umidade do solo e
apodreci as raízes das suas árvores.
O pobre Beckett passou horas de quatro naqueles pastos, verificando cada
árvore em busca de pistas. Ele mandou o equipamento para inúmeros testes e
fiscalizações, ficou praticamente louco tentando descobrir.
— Mas essas árvores não parecem ter apodrecido nas raízes, elas parecem...
— … como algo de um reino alternativo, sei. Eu não… eu não tenho certeza
de como isso aconteceu. Consertei seu sistema de drenagem depois de algumas
semanas, logo depois que a podridão tomou conta, então você não descobriria o
motivo. E as coisas meio que pioraram a partir daí. Aposto que o departamento
de horticultura da universidade local estaria interessado em dar uma olhada… —
Dane tosse de novo, parecendo mais um urso resmungando do que qualquer
outra coisa, e o Sr. Hewett se encolhe na cadeira. — Mas acho que isso depende
de você.
Eu desabo na minha cadeira, sem fôlego. O Sr. Hewett causou milhares de
dólares de danos à minha fazenda ao longo de um ano em um esforço para me
g ç p
convencer a vendê-la para que ele pudesse criar a sua própria fazenda de alpaca. A
verdade certamente pode ser selvagem.
Eu esfrego meus dedos sobre meus lábios.
— Eu não sei o que pensar — eu digo fracamente. É um alívio saber que
todos os nossos problemas podem ser explicados. Que os desafios que tivemos
provavelmente desaparecerão agora que ele confessou. Mas a coisa mais triste
para mim, o desgosto absoluto de tudo isso é...
— Sr. Hewett, eu teria ficado feliz em dar espaço para suas alpacas — digo a
ele. — Se você sequer tivesse me pedido.
Poderíamos ter colocado tiaras de rena nelas durante o inverno. Vendido
suéteres de Natal feitos de lã de alpaca na loja de presentes. Teria sido adorável.
Algo em seu rosto se expõe e se quebra com isso, suas sobrancelhas se
inclinam para baixo enquanto ele olha para a mesa à sua frente. Ele coloca o copo
destroçado de lado e tira os óculos, esfregando furiosamente os olhos com os nós
dos seus dedos.
— Eu vou fazer o que você quiser para compensar, Estelle — ele olha para
mim, encontrando meu olhar firmemente pela primeira vez desde que entrei
nessa apertada sala de não-interrogatório. — Eu cumpro a pena.
Eu ainda não sei o que quero fazer, mas sei que esse homem ir para a cadeia
por querer ter uma fazenda de alpacas parece ser um pouco ridículo. Eu me
afasto da mesa e me levanto.
— Eu poderia ter algum tempo para pensar sobre isso? — Eu olho para
Dane. — As acusações?
Ele concorda.
— Acho que sim, mas não muito, tá? — Ele desvia o olhar para o Sr. Hewett.
— E se você colocar um pé na estrada que leva para a Lovelight Farms, eu
pessoalmente vou mantê-lo trancado na nossa cela para bêbados o mais rápido o
possível. Você entendeu?
O Sr. Hewett acena freneticamente. Pelo menos eu posso ficar tranquila que
ninguém irá quebrar câmeras de segurança enquanto Evelyn estiver aqui.
Se ao menos eu estivesse tão confiante com o resto.

— Desculpa, ele o quê?


Eu consigo encurralar Luka, Layla e Beckett no meu escritório assim que
volto para a fazenda, Beckett andando furiosamente na frente da minha mesa.
Ele não parou de se mexer desde que contei que o seu sistema de escoamento e os
sensores de umidade foram desativados. O Sr. Hewett tem sorte de Beckett não
ter ido comigo para a delegacia. Do jeito que está, eu meio que tenho medo pelo
meu piso.
Ele pisa de um lado, gira e volta para o outro lado do escritório. Preciso
expandir essa sala o suficiente para três campos de futebol. Layla o observa com
uma carranca pensativa no rosto.
— Foi ele que desligou a minha geladeira durante a noite? Eu perdi duas
semanas de ingredientes por causa disso.
Eu concordo. Antes de eu sair da delegacia, Dane me deu uma lista escrita de
todas as ações de Will Hewett contra a fazenda. Tem duas páginas, com
espaçamento simples. Eu nem tinha percebido que um dos tratores estava sem o
pneu.
— A caixa de correio torta na beira da estrada?
Reviro os olhos para Luka e a sua expressão muito inocente.
— Boa tentativa. Eu sei que foi você. Você sempre faz essa curva muito
bruscamente.
— Filho da puta imundo, adulterando o solo — Beckett fumega. Ele se vira
para a minha mesa com os olhos em chamas, resmunga e continua o seu ritual de
ódio pisoteando o meu escritório. Minha cabeça está começando a martelar na
mesma batida.
— Precisamos descobrir o que vamos fazer a respeito disso. Eu pensei que já
que somos sócios agora — eu olho para Layla e Beckett — deveríamos tomar a
decisão juntos.
— Exílio é uma opção? Podemos despachar ele para o Peru? Seu coração
apaixonado por alpaca finalmente ficaria satisfeito.
— Beckett, fala sério, por favor.
— Você tem razão. Ele ficaria muito feliz lá. Vamos mandá-lo para algum
lugar miserável. Como a Flórida.
— Tudo bem, então falamos com você quando você sentir vontade de
contribuir com alguma ideia útil. — Olho para Layla. — O que você acha?
— Quer dizer, estou chateada, obviamente — seus olhos piscam para Beckett
tentando estrangular uma das minhas cadeiras com as próprias mãos. Eles se
arregalam em uma expressão que diz claramente não tão chateada assim. — Mas
também estou aliviada. É bom saber que toda essa loucura vai parar agora. Eu
estava ficando cansada de constantemente esperar outro sapato cair. Ou uma
geladeira desconectar aleatoriamente, eu acho.
Eu concordo com a cabeça. Estou familiarizada com o sentimento.
— Dane disse que podemos prestar queixa se quisermos, eventualmente
entrar com uma ação civil pelos danos sofridos. Mas ele disse que as acusações
provavelmente envolveriam pena na cadeia, especialmente porque perder o pasto
sul vale milhares de dólares.
— Prende — Beckett murmura do canto. Ele se escondeu no espaço ao lado
da árvore do meu escritório, meio envolto nas sombras. Ele se parece com o
Grinch, soa como ele também. — E joga a chave fora.
— Você não acha ridículo colocar um homem na cadeia por causa de uma
fazenda de alpacas?
— Eu não sei, La La. — Estou surpresa ao ouvir isso vindo de Luka, que
estava em silêncio até agora. Ele dá de ombros quando a minha atenção vai para
ele, suas longas pernas esticadas na sua frente. — Esse é o seu sonho e ele tentou
tirar isso de você. Ele não deveria pagar por causa disso?
Agora sim uma boa ideia. Eu gostaria muito que ele pagasse por isso. Tudo
isso, cada centavo. Luka arqueia uma sobrancelha para mim e pega a calculadora
antiga que tenho na beirada da minha mesa, o pacote de papéis que Dane me
deu detalhando os danos. Ele começa a se afastar enquanto eu olho para Layla e
Beckett.
— Vamos votar.

Um choque para ninguém, Beckett vota na prisão. Layla e eu concordamos


em responsabilizar financeiramente o Sr. Hewett por todas as nossas perdas, sem
acusações adicionais contra ele. Nós três concordamos com uma ordem de
restrição, para mantê-lo fora da fazenda indefinidamente.
Eu olho para o relógio acima da minha porta e estremeço, levantando e
limpando as minhas mãos no meu jeans.
— Eu combinei de encontrar Evelyn para um passeio — eu olho para Luka,
uma das minhas canetas entre os dentes enquanto ele continua a cutucar a
calculadora. Isso não deveria ser tão atraente como é. É algo sobre o jeito que ele
empurrou a touca para trás, de modo que apenas um tufo de cabelo castanho
apareça na frente, selvagem como sempre, o nariz franzido em pensamento
enquanto ele arrasta o polegar pela página, verificando seus números. Eu limpo
minha garganta. — Vou convidar Evelyn para jantar com a gente, se estiver tudo
bem para você.
— Sim, claro — ele tira os olhos da papelada e me olha, tentando limpar os
olhos depois de olhar para os números por tanto tempo. Eu já falei para ele um
milhão de vezes que ele deveria usar óculos de leitura, para ajudá-lo a não ter que
apertar os olhos ao encarar aquelas letrinhas. Estou quase feliz por ele não ter
concordado. Não sei o que faria com um Luka de óculos. — Vou fazer ravióli.
A simples domesticidade desse momento me atinge no meio do peito. Eu
acho que isso é o que eu mais vou sentir falta quando a nossa semana acabar.
Não os toques e os beijos e o jeito que ele faz eu esquecer o meu nome com as
mãos no meu cabelo e a boca no meu pescoço, mas isso. Andar pelo pequeno
caminho até o meu chalé e contornar a curva do grande carvalho e ver Luka do
lado de dentro pela janela, parado no fogão na cozinha, uma das minhas toalhas
bobas por cima do seu ombro. Entrar pela porta da frente e fazer com que ele
roce os seus lábios nos meus, o som do rádio diminuindo na cozinha. O cheiro
de manjericão, tomate e alho. Algo fervendo no fogão.
Não sei como vou abrir mão disso.
— Que tipo de ravióli? — Layla pergunta de seu canto da sala. Beckett deve
ter escapado em algum momento depois da nossa votação, para descontar a sua
frustração no motor de algum trator ou talvez verificar os sistemas de
escoamento no pasto sul. Eu não ficaria surpresa se o encontrasse na pista de
patinação no gelo. Ele é realmente muito bom. Algumas manhãs eu saio para
checar as coisas antes do sol nascer, e Beckett está calmamente dando voltas,
usando os velhos patins de hóquei surrados que ele usava quando era
adolescente.
— Abóbora, provavelmente. Acho que minha avó colocou alguns no freezer
de Stella.
Essa é outra coisa da qual vou sentir saudades. A quantidade de comida
italiana caseira armazenada na minha geladeira. A família dele ainda vai me
alimentar quando terminarmos de mentirinha?
— Me traz algumas sobras amanhã?
— Você é bem-vinda para se juntar a nós, você sabe disso.
— Marquei algo com o Jacob — ela explica. Luka faz uma careta com a
menção de seu namorado apático e cronicamente chato. — Além disso, esse será
um bom momento individual com Evelyn. Vocês dois são encantadores juntos.
Calor corre pelas minhas bochechas. Quando eu finalmente conseguir
controlar as minhas emoções com qualquer menção a Luka e eu juntos, essa
semana terá acabado.
— Quase uma década de prática — Luka brinca. Ele se levanta e deposita a
calculadora e a pilha de papéis ordenadamente na borda da minha mesa,
certificando-se de que as bordas estejam paralelas uma à outra. Agradeço o
esforço para tentar manter a minha mesa organizada. Eu quero bagunçar a pilha
com o meu dedo mindinho, só para ver o que ele faz.
Ele agarra os braços da minha cadeira e se abaixa, depositando um beijo
rápido nos meus lábios.
— Te vejo em casa — ele murmura, tão casual quanto consegue ser. — Vou
começar o jantar.
Ele acena para Layla enquanto sai, mas ela está muito ocupada olhando para
mim com um sorrisinho presunçoso. Eu me reviro na minha cadeira, colocando
papéis aleatórios em pastas aleatórias em um esforço para parecer ocupada. Eu
espero ela ir embora, mas ela só se acomoda ainda mais em seu assento.
— O quê? — Eu pergunto, não me incomodando em olhar para cima. Há
uma notinha na gaveta de cima da minha mesa, de seis batatas fritas no drive-
thru. Deve ter sido um dia ruim.
Layla dá uma risadinha.
— Você sabe o quê.
— Tenho certeza que não sei.
Sua risadinha se transforma em uma gargalhada completa, brilhante e alta no
meu pequeno escritório. Ela se levanta para seguir Luka porta afora.
— Ah, Stella, querida. Você está na lama.
Como se eu não soubesse.

Encontro Evelyn no celeiro do Papai Noel, encostada em um dos postes


enquanto observa o pequeno Evan Barnes dizer a Clint o que ele quer ganhar do
Papai Noel esse ano. Nós deixamos o celeiro bastante simples por dentro. Um
espaço aberto para a fila em nossos dias mais movimentados, delimitado com
uma corda de vermelha escura de veludo. Poltronas aconchegantes e
namoradeiras em verdes exuberantes e azuis da meia-noite para as pessoas se
sentarem enquanto aguardam. Uma ampla lareira na parede e uma enorme
cadeira de balanço bem ao lado. Uma pilha de jogos de tabuleiro por perto.
Tapetes desbotados e incompatíveis se cruzavam no chão para as crianças
correrem, pularem e rolarem. É um dos meus lugares favoritos na fazenda. Às
vezes, venho aqui à noite, quando a fazenda está fechada, e fico deitada no meio
da sala olhando para as luzes brancas e a madeira do celeiro, uma lasca do céu
noturno visível através das frestas do telhado. Da mesma forma que eu fazia
quando era criança debaixo da árvore de Natal.
Clint, por sua vez, está levando seu trabalho muito a sério. Ele está sentado
na grande cadeira de balanço com um bloco de notas na mão, a língua entre os
dentes em concentração.
— Essa é a Lego City Ônibus Espacial Pesquisa Em Marte? — Clint
pergunta. Ele está vestindo seu uniforme completo de bombeiro com um grande
distintivo vermelho cereja sobre o peito esquerdo que diz REPRESENTANTE
OFICIAL DO POLO NORTE. Layla os fez para todos os nossos voluntários no
ano passado e ficou um pouco excessivamente cuidadosa com a cola glitter.
Evan assente, empurrando os óculos de volta para o nariz.
— Sim, o ônibus de pesquisa com o jipe. Isso é importante.
— Ônibus de pesquisa com o jipe — observa Clint, escrevendo lenta e
cuidadosamente. Ele olha para cima quando termina e dá um tapinha no ombro
de Evan. — Anotado, garoto. Isso vai diretamente para o grande homem de
vermelho. — Ele olha para a mãe de Evan e ela dá a ele um sutil polegar para
cima. — Tenho a sensação de que você vai conseguir tudo o que está pedindo,
amigo.
O rosto de Evan se ilumina.
— Até o pônei?
A mãe de Evan estremece e nega com a cabeça. Clint ri.
— Você não mencionou um pônei nessa lista, amigão. Talvez no ano que
vem, ok?
— Essa é uma ideia fofa — Evelyn sussurra para mim, me cutucando com o
ombro. — É uma boa reviravolta na velha tradição. E nenhuma criança tem que
se sentar no colo de um estranho.
Eu ri.
— Tentamos conseguir um Papai Noel no ano passado, mas eles são
surpreendentemente complicados de reservar. Inglewild avançou o jogo e nasceu
a OOLPI12: Operação da Operação Lista de Presentes de Inglewild. Eles
realmente queriam torná-lo um acrônimo, então escreveram operação duas vezes.
— Isso foi ideia de Dane e eu não tive coragem de dizer a ele que Operação
Ornamental da Lista de Presentes de Inglewild teria feito o mesmo... ou centenas
de outras opções. — Temos uma escala rotativa de voluntários que se sentam
com as crianças e ouvem as suas listas. Eles anotam e colocam tudo no correio
oficial do Pólo Norte, bem ali — eu gesticulo para a grande caixa de correio de
metal no canto, pintada de vermelho com Pólo Norte escrito em ouro. —
Entregamos as listas aos pais ou aos representantes, para caso eles ainda não
tenham feito as compras.
— Isso é genial — Evelyn respira. Sinto uma onda de orgulho por mim
mesma e pelo que consegui criar aqui, e pela cidade por nos unirmos para fazer
algo de bom para as crianças. Evan corre para depositar a sua lista no correio,
certificando-se de carimbar três vezes com o carimbo especial de rena que temos
ao lado.
— Além disso, Beckett se recusou a vestir a fantasia.
— Tenho certeza de que as crianças teriam perguntas sobre todas as
tatuagens.
— E provavelmente haveria muitas mulheres na fila com as crianças — eu
estremeço, lembrando tarde demais da história de Evelyn com Beckett. — Melda,
me desculpa.
Ela acena para mim e nós observamos uma garotinha com tranças saltitando
até Clint.
— Não se preocupe com isso. Ele recebe muita atenção, quer ele goste de
admitir ou não.
Eu acho que ela viu Cindy Croswell com o celular na mão enquanto ele
estava deitado de costas embaixo de um trator mais cedo. E o bando de mães do
ensino médio fingindo estar interessadas nas especificidades da cobertura grossa
que cobre o jardim de ervas no inverno, apenas para ter algo para conversar com
ele.
— Eu não… — Evelyn me olha com cautela. — Falando sobre o elefante na
sala, eu só quero deixar claro que eu não sou… eu não… — Ela solta um suspiro
frustrado, sua boca em uma linha firme. — Eu normalmente não faço coisas...
assim. E eu com certeza não esperava vê-lo novamente.
Isso ficou bem claro, por causa de sua fuga da padaria.
— Ah, você não precisa...
— Foi só isso — ela dá de ombros, olhando para longe como se estivesse se
lembrando de algo. — Só aconteceu. Ele não sabia quem eu era e… foi legal. Uma
boa mudança.
Às vezes eu me esqueço do alcance da influência de Evelyn. Ela tem mais de
1,7 milhão de seguidores só no Instagram. Eu me pergunto como é ter alguém te
reconhecendo aonde quer que você vá. Ter pessoas achando que te conhecem.
Exaustivo, eu imagino.
— Ele é um cara legal — eu começo devagar porque acima de tudo, eu quero
que Beckett esteja bem. Não quero que ninguém venha aqui e torne as coisas
mais difíceis para ele. Machucando-o. — O cara mais legal.
Evelyn assente e me dá um sorriso menor, mais tímido. Ela coloca uma
mecha de cabelo escuro atrás da orelha, unhas vermelhas brilhantes cintilando
nos piscas-piscas que se enrolam nas vigas pesadas no teto.
— Eu não estou interessada em machucar as pessoas, Stella. Eu posso
prometer isso.
Eu relaxo, sem perceber o quão tensa eu fiquei durante aquela conversa.
Observamos a garotinha se inclinar sob o apoio da cadeira de balanço,
apontando para algo na lista de Clint. Ele ri e risca com o lápis, depois volta a
escrever.
— Aposto que ela também quer um pônei.
Olho para a garotinha com tranças.
— Não é provável se tratando de Roma. — Eu a vi nos jogos abertos de verão
no meio da cidade. Ela eviscerou a competição na corrida do saco e quase deixou
um garotinho inconsciente durante o cabo de guerra. — Ela provavelmente está
pedindo um lançador de foguetes.
Vinte

Nós não falamos sobre Beckett novamente. Mas andamos pelo que parece ser
cada centímetro quadrado da fazenda. Passeamos pelos pastos segurando
chocolates quentes da padaria, passamos pelo Trenó e pela escondida Floresta de
Jujubas. Evelyn ri quando vê o aglomerado de árvores decoradas com luzes
brilhantes e coloridas. É outra surpresa para as famílias encontrarem, com um
túnel no meio construído com barris velhos para as crianças escalarem. Layla o
chama de nosso mini Lincoln Tunnel. Evelyn rodopia ao redor das árvores, as
pontas dos dedos alcançando as luzes vermelhas, azuis e amarelas.
— Esse lugar faz eu me sentir uma criança mais uma vez — diz ela.
— Todo mundo deveria se sentir uma criança nessa época do ano.
É bom passar tanto tempo nos pastos. Quando o inverno chega, geralmente
estou presa à minha mesa, respondendo e-mails e lidando com a papelada. Gosto
do silêncio, da quietude, do roçar do ar frio de inverno nas minhas bochechas.
Prometo para mim mesma fazer isso com mais frequência. Me perder entre as
árvores.
Enquanto caminhamos, nós conversamos. Uma entrevista informal, eu acho.
Evelyn me pergunta sobre a fazenda, sobre por que a comprei. Todas as
mudanças que fiz no ano passado, e como recrutei Beckett e Layla. Luka é
mencionado com frequência, não de forma alguma para convencê-la de nossa
história romântica, mas porque ele esteve comigo durante tudo isso. Conto a ela
como ele me trouxe uma garrafa de champanhe na primeira noite em que fui
dona desse lugar e como fomos até os pastos mais distantes, nos deitamos de
costas sob as estrelas e bebemos como loucos. Ele me disse naquela noite que
estava orgulhoso de mim, que não conseguia imaginar nada melhor do que eu
aqui, fazendo isso.
— Ele estava certo — ela me diz. — Você pensou em tudo. Eu sei que já disse
isso, mas esse lugar é incrível. Eu não posso acreditar que está aberto há apenas
um ano.
O orgulho me aquece até o âmago. Tudo o que eu sempre quis fazer era criar
um pouco de magia.
Conversar com Evelyn é como conversar com uma velha amiga. É confortável
e fácil, rápido para se transformar em gargalhadas. Vagamos pelos pastos até os
nossos pés ficarem dormentes de frio, as barrigas resmungando com a promessa
de um jantar quente. Posso ver a fumaça subindo da chaminé enquanto Evelyn
passa o braço pelo meu e descemos a última colina antes do chalé.
— Eu nunca mais quero sair desse lugar — diz ela com um suspiro, enfiando
o rosto na gola da sua jaqueta.
— Você é bem-vinda para ficar o tempo que quiser — eu digo, queixo
inclinado para o céu. O sol já se pôs, dias mais curtos completamente sob nós. O
céu essa noite parece pesado com nuvens, um tipo diferente de quietude se
instalando acima das árvores. — Portas abertas.
— Acho que os finalistas que preciso visitar na semana que vem podem
achar ruim — ela ri.
— Você gosta do que faz? Todas essas viagens?
— Sabe, eu acho que você é a primeira pessoa há bastante tempo que me
pergunta isso. — Ela sorri para mim, seus olhos enrugando nos cantos onde eles
espreitam pelo seu cachecol. Pensar nisso me entristece, e me pergunto quantas
pessoas ao seu redor são próximas dela só pelo poder da sua influência. — Eu
gosto. Eu gosto de contar histórias. Foi por isso que comecei tudo isso.
Eu acompanho Evelyn há algum tempo. Ela começou no Instagram
postando fotos de pessoas comuns sem filtros, sem edição. Compartilhando suas
histórias, pensamentos e sonhos, mesmo quando era desconfortável. Isso
lentamente se transformou em destaque para pequenas empresas e depois passou
para o que ela tem hoje. Ela mostra a beleza escondida pela costa leste, revelando
lugares que as pessoas podem não saber que existem. Cafeterias de cidades
pequenas, livrarias independentes, ONGs sem fins lucrativos que ajudam
famílias a colocar comida na mesa. Essas são as histórias que eu mais amo,
aquelas em que uma comunidade se une para apoiar os seus.
— Mas ultimamente, eu não sei. Parece que algumas das minhas histórias são
escritas antes mesmo de eu dar uma olhada — eu sei o que ela quer dizer. A
maioria de suas coisas hoje em dia é patrocinada por empresas que tentam entrar
no mercado de influenciadores digitais. — Eu tento ser seletiva com quem eu
trabalho, mas a rede social é… ela me deixa louca na maior parte dos dias.
p
— Quer dizer que você não sonhava em ser uma influenciadora de redes
sociais?
Ela ri e balança a cabeça.
— Eu queria ser jornalista. Por um tempo, pensei que a rede social era o
melhor jeito de fazer isso. Mas agora, eu não sei. Sinto que não conto uma
história de verdade já faz um tempo. Eu só quero ajudar as pessoas — ela bate seu
ombro no meu. — Pessoas como você, que estão apenas tentando tirar o sonho
do papel.
— Você está me ajudando — digo. Nossos seguidores já triplicaram, mais
procuras por reservas de horários do que jamais vimos antes. E Evelyn não
postou nem grande parte do seu conteúdo. — Eu nem consigo te dizer o quão
agradecida eu estou.
— Todo mundo merece conhecer esse lugar — ela diz. Uma rajada de vento
levanta o seu cabelo e ela sorri, brilhante e incrédula. — Ah, você deve estar
brincando comigo.
Eu olho para onde ela está olhando, a cabeça inclinada para cima. Uma
nevasca leve começou a cair, flocos de neve gordos flutuando silenciosamente das
nuvens pesadas acima. A primeira neve do ano.
— Um Pólo Norte da vida real — ela murmura fracamente, uma pitada de
admiração em sua voz.
Sorrio e olho para o céu. Um momento perfeito da magia do Natal.

Entramos pela porta da casa de campo para uma explosão de jazz natalino da
cozinha, o cheiro de manteiga quente e alho e algo doce e pegajoso. Luka aparece
no corredor com um avental, uma colher de pau enfiada no bolso da frente. Não
faço ideia de onde ele tirou aquela coisa, uma tela azul meia-noite escura com
AJUDANTE DO PAPAI NOEL estampado no peito. Ele parece ridículo.
— Ei, bem na hora.
Ele não se move da entrada da cozinha enquanto eu ando até lá, esfregando
minhas mãos para afastar um pouco do frio. Quando eu arqueio uma
sobrancelha por causa de seu bloqueio, ele aponta silenciosamente acima de
nossas cabeças, um raminho de visco que definitivamente não estava lá hoje de
manhã. Eu dou uma risada e fico na ponta dos pés, dando um beijo em sua
bochecha.
— Trapaceira — ele ri e pega meus quadris com as mãos antes que eu consiga
escapar, abaixando e pressionando a sua boca na minha em um beijo curto, doce
e ardente. Ele suga brevemente o meu lábio inferior e, em seguida, me deposita
de volta aos meus pés, olhos castanhos divertidos quando eu cambaleio com as
pernas instáveis.
A linha que define mentira e realidade é obliterada. Não tenho ideia se foi
porque Evelyn está atrás de mim, ou porque é algo que ele queria fazer.
Ele me dá uma piscadela, e eu acho que realmente não me importo.
Aproveite, uma voz que se parece suspeitosamente como Layla sussurra no
fundo da minha mente. Não pense demais.
— Isso é abóbora? — Evelyn exclama de seu lugar, pairando sobre o fogão.
Ela tirou os sapatos e a jaqueta, um suéter enorme com uma gola larga
artisticamente drapeada sobre um ombro. — Ai, meu Deus, isso é torta de
abóbora?
Ela parece suspeitosamente perto de chorar.
— O pão de alho está no forno — acrescenta Luka. — Deve sair daqui a
pouco. Vai. Senta. Beba vinho. — Ele acena para a mesa onde duas garrafas de
vinho tinto estão esperando. Ele acendeu todas as decorações da casa, o espaço
pequeno e aconchegante transbordando com pinho fresco e luzes e uma
guirlanda artesanal feita a partir de um velho padrão escocês. Velas em todas as
janelas e um abeto de bálsamo cheio na sala de estar, repleto de piscas-piscas e
enfeites e ornamentos que pendem na medida certa. Eu assisto à Evelyn absorver
tudo, os olhos arregalados se demorando na fileira de casinhas em miniatura
acima dos armários, iluminadas em uma réplica quase perfeita de Inglewild.
Ela pega a garrafa de vinho e se serve de uma taça grande.
— Porra, este lugar é perfeito.
O jantar é um sonho, minha casinha cheia de risadas pela primeira vez em
muito tempo. Luka é charmoso e gentil, contando histórias bobas sobre as
crianças da turma da sua mãe, aquela vez em que ele e Beckett ficaram agachados
nos pastos por quase quatro horas quando estavam tentando pegar os
adolescentes tirando rachas ilegais. Como eu fiquei com tinta verde escura na
minha toalha de mão por meses.
Nada disso parece falso ou fingido. Eu não tenho que atuar quando Luka
pisca para mim por cima da sua taça de vinho, o pé cutucando o meu debaixo da
mesa. Não me sinto desonesta quando tiro os pratos da mesa e dou um beijo na
cabeça de Luka enquanto passo, seus dedos pegando os meus com um aperto
suave.
— Como vocês começaram a namorar?
É a primeira pergunta que ela faz sobre o nosso relacionamento e eu deixo
cair uma das travessas, a colher tintilando no chão. Luka assume a liderança
enquanto eu me recomponho.
— Minha mãe se mudou para cá há cerca de dez anos. Acho que Inglewild
teve uma campanha de turismo em um certo momento, alguma coisa tipo
Pequena Florença, não sei. Acho que ela viu um anúncio no jornal e decidiu se
mudar para cá. Ela sente saudade da Itália.
Eu ri da pia. Eu não tinha ideia de que fora por isso que sua mãe e todas as
irmãs dela se mudaram para cá. Deve ter sido um choque quando elas chegaram
e nada aqui se parecia com a pitoresca cidade italiana.
— Stella morava aqui há um tempo. Nós nos encontramos quando ela estava
saindo da loja de ferragens.
Conheço bem essa história. Mas Luka me surpreende com um desvio.
— Achei ela tão linda. Ela estava… ela estava usando um vestido amarelo
brilhante com pequenas margaridas na bainha. Eu não conseguia parar de olhar
para aquelas margaridas. Pensei naquele vestido amarelo por dias depois que
parti. Cada mulher que eu vi usando um vestido amarelo em Nova York… — Ele
para e limpa a garganta. — E quando voltei para visitar minha mãe novamente,
eu fui… — Seus olhos me encontram na pia, de costas para a torneira, os pratos
sujos esquecidos. — Eu dei tantas voltas pela cidade, apenas tentando encontrá-
la mais uma vez — ele ri. — Minha mãe pensou que eu estava louco. Mas eu
finalmente me encontrei com ela, saindo da livraria dessa vez. Não me lembro o
que ela estava vestindo, mas lembro que ela sorriu para mim. O sorriso grande e
cheio da Stella.
Esse era o meu sorriso, ele disse quando Caleb estava na minha cozinha.
Evelyn e Luka dão risada, mas estou ocupada tendo um evento médico na pia.
Eu desligo a água e seco as minhas mãos em uma toalha.
Evelyn se ajeita em sua cadeira, passando o braço em volta dela e me olhando
com um sorriso.
— E o que você achou do Luka? Quando vocês se conheceram?
Ainda me lembro do momento que bati no seu peito com uma clareza
surpreendente, embora estivesse enterrada em uma névoa de dor tão profunda
que eu mal conseguia colocar um pé na frente do outro.
q g p
— Luka não está apenas usando uma figura de linguagem quando diz que o
encontrei do lado de fora da loja de ferramentas. Eu praticamente derrubei ele no
chão. — Dobro a toalha de cozinha e olho para Luka, suas longas pernas
chutadas para debaixo da mesa, uma taça de vinho tinto na mão. — Minha mãe
tinha acabado de morrer e eu estava meio que flutuando. Eu tropecei naquele
degrau e ele me pegou, se certificou de que eu estava em pé. Ele meio que me
mantém em pé desde então.
Eu me pergunto se eles podem ouvir todas as coisas que eu não estou
dizendo. Que eu não lembro o que ele estava vestindo, mas lembro que ele
cheirava a fatias de laranja frescas e manjericão. Que eu mal conseguia recuperar
o fôlego o tempo todo em que estávamos sentados na pequena padaria, comendo
nosso queijo grelhado. Que eu sempre gostei dele, e que eu o amei por tanto
tempo.
— Eu nunca te disse isso — eu digo diretamente para Luka agora. — Mas eu
não tinha motivos para estar naquela loja de ferramentas. Eu estava só… eu estava
meio que vagando por aí. Tentando me convencer a ser produtiva. E quando eu
esbarrei em você… — Respiro fundo e pisco para o teto. Não é uma surpresa que
a dona de uma fazenda de árvores de Natal seja sentimental. Luka coloca sua taça
de vinho na mesa e se senta ereto, preocupado. — Eu não sei, eu sempre pensei
que a minha mãe havia enviado você para mim. Acho que nunca tinha entrado
em uma loja de ferramentas antes e... não sei. Acho que gosto de pensar assim —
eu dou de ombros. — É bobo.
Eu não acredito em destino, ou coisas fadadas, ou qualquer regra ou razão
para o universo e todos os seus acontecimentos aleatórios, maravilhosos e
terríveis. Mas eu acredito que encontrei Luka quando eu mais precisava dele, e
eu gosto de pensar que minha mãe teve um papel nisso. É um conforto. Como se
ela ainda estivesse cuidando de mim. Ainda segurando minha mão. Luka se
levanta da cadeira e dá três passos largos até a cozinha. Ele me envolve em seus
braços, minhas mãos agarrando firmemente os seus lados.
— La La — ele diz, me balançando para frente e para trás. Ele dá um beijo no
lado da minha cabeça e eu cerro os punhos na parte de trás de sua camisa. Isso
pode até não passar dessa semana e eu posso nunca dizer a ele como realmente
me sinto, mas ele merece saber disso.
Tudo o que ele me devolveu.
Há uma consciência pesada entre nós depois disso. Os olhos de Luka
permanecem em mim enquanto termino de lavar os pratos, seu olhar
descobrindo novos centímetros de mim. A pele logo acima do meu pulso, a
cavidade entre as minhas clavículas, a parte inferior das minhas costas quando eu
me estico para colocar um prato em uma das prateleiras de cima. Ele sorri
quando reviro os olhos para ele por cima do ombro, a língua espreitando entre os
dentes, as mãos se abrindo e fechando nos braços da cadeira.
Evelyn sai logo após outra rodada de vinho e torta de abóbora, ligando para o
único motorista Lyft da nossa cidade. Luka espia por cima do ombro dela em seu
telefone, rindo quando vê de onde Gus está vindo.
— Acho que ele e Mabel ainda estão rolando.
Eu me junto a ele e observamos o desenho do carrinho sair da estufa. Luka
coloca a palma da mão na parte inferior das minhas costas, seu polegar
deslizando para baixo para deslizar por baixo da bainha do meu suéter. Eu tremo.
— Então ele dirige a ambulância e faz Lyft? — Ela coloca o telefone no bolso
com um sorriso divertido. — As cidades pequenas são tão engraçadas — ela
inclina a cabeça para o lado e o sorriso desaparece de seu rosto. — Espera aí, ele
não vai me buscar na ambulância, certo?
Gus não a busca com a ambulância. Ele a busca com seu Toyota Camry
muito sensato, buzinando duas vezes para Luka e eu enquanto eles desaparecem
pela estrada. Ficamos juntos na varanda enquanto eles descem a calçada,
observando a neve continuar a cair em flocos grandes e gordos. Eles derretem
assim que tocam o chão, tudo muito quente para que grude corretamente. Mas
há uma fina camada nas árvores, uma pequena camada de branco. Como se
alguém tivesse sacudido um globo de neve e deixado tudo voltar ao normal.
Eu me viro para voltar para dentro, mas Luka me impede com a sua mão. Ele
dá um puxão até que eu me vire para encará-lo, e depois mais um para me colocar
no degrau mais alto da varanda. Eu rio e enrolo as minhas mãos nas dele, a
cabeça inclinada para o céu. Assim, com o brilho da luz de dentro queimando
quente através das janelas, a neve quase parece pedacinhos de glitter. Sorrio
quando um floco cai no meu nariz.
— O que você está fazendo? — Eu rio, outro floco de neve emaranhado em
meus cílios. Eu o afasto com as costas da minha mão e a risada fica presa na
minha garganta quando olho para Luka.
Seus olhos brilham em um tom âmbar na luz que sai de casa, um sorriso
inclinando seus lábios. Esse é um sorriso secreto. Um que eu nunca tinha visto
q
antes. Eu quero traçá-lo com os meus dedos e sentir o peso dele contra minha
pele. Eu quero me inclinar e pegá-lo com a minha língua como um floco de neve,
ver qual é o gosto. Seu sorriso cresce em algo maior, flocos de neve caindo em seu
cabelo. Ele parece divino desse jeito. Perfeitamente meu.
— Eu quero te beijar — diz ele, agradável e fácil, como se o olhar em seu
rosto não estivesse a um passo da fome absoluta. Ele abaixa a cabeça mais perto
até que seu nariz roça o meu. — Não é mágico beijar alguém na primeira neve do
ano?
Se não é, deveria ser. Porque parece mágica quando eu me inclino e pego o
lábio inferior de Luka entre os meus. Ele sussurra um suspiro, um fôlego, e
envolve seu braço em volta das minhas costas, me puxando para mais perto, me
arrastando para cima e para perto dele até que nossos quadris batem juntos. Seus
dedos roçam a minha clavícula enquanto ele me beija lentamente, sua mão
deslizando para cima, seu polegar pressionando um floco de neve derretido na
minha pele. Eu sinto cada pontinha de dedo enquanto ele arrasta o seu toque
pelo meu pescoço até a pele macia abaixo da minha orelha. Nunca pensei que
fosse uma parte particularmente sensível do meu corpo, mas Luka a transformou
em uma. Claro que ele transformou. Ele permanece lá com os seus círculos
suaves até que eu me engasgo em sua boca, sua língua emaranhada contra a
minha assim que os seus dedos se enrolam no meu cabelo, segurando a parte de
trás da minha cabeça e me inclinando para trás para que ele possa lamber mais
profundo, mais gostoso. Eu nunca fui beijada assim antes, com o céu noturno
pressionando sobre mim e Luka em todos os outros lugares. Flocos de neve
tocando minha pele como pequenas agulhadas de frio.
— Você estava falando sério com aquilo? — Ele sussurra no mesmo espaço
abaixo da minha orelha que ele estava explorando com o polegar, minha cabeça
caindo no meu ombro para lhe dar mais espaço. Sua palma mapeia a pele nua das
minhas costas por baixo do meu suéter, o material amontoado em seu pulso. —
Aquilo que você disse?
Eu nem sei o meu nome nesse momento. Luka tem gosto de vinho tinto e
canela e eu não quero que ele pare de me beijar.
— O que foi que eu disse?
Ele se afasta de mim e descansa a sua testa contra a minha com respirações
pesadas e ofegantes. Cada uma delas é uma pequena nuvem branca entre nós,
girando no céu noturno entre a neve e as estrelas.
— Que eu tenho te mantido em pé — diz ele. Ele abaixa a cabeça e morde o
meu lábio inferior uma vez como se não pudesse se conter.
— Claro que eu quis dizer aquilo — eu digo e enrolo meus dedos nas
presilhas do seu cinto. — Eu não consigo acreditar que você precisa perguntar
isso.
Ele exala, longa e lentamente, e puxa a mão da parte de trás da minha camisa.
Eu tremo com a perda da sua pele quente contra a minha e olho para ele, meu
queixo em seu peito. Quero me lembrar desse momento para sempre, meu
momento globo de neve. Luka com um desejo evidente em seu rosto, uma
mecha rebelde de cabelo começando a se enrolar atrás da orelha, bochechas
coradas de frio e desejo.
Magia.
— Vamos entrar.
Ele fala isso como uma promessa, as mãos dele me empurrando por cima do
parapeito da varanda, impaciente demais para que eu mesma a pule. Eu o deixo
me guiar de volta para o chalé, a porta se fechando firmemente atrás de nós, o
barulho da tranca travando no lugar. Metade de mim espera ser pressionada
contra ela, levantada até que nossos quadris possam combinar perfeitamente,
mas Luka apenas tira as botas que ele nunca se preocupou em amarrar, sorri e faz
um som doce quando eu chuto as minhas na mesma direção. Ele se abaixa e as
endireita em uma linha reta, as costas de sua mão roçando a minha panturrilha, o
meu joelho, a minha coxa, quando ele se endireita. Ainda há música natalina
tocando na cozinha, mais fraca agora, um cantarolar baixinho de Ella Fitzgerald
sobre um natal feliz. Eu observo a sua silhueta na penumbra do corredor, a linha
forte da sua mandíbula, a curva do seu ombro.
— Escuta, La La. Eu vou ser honesto aqui — ele arrasta os dedos pelo cabelo,
mechas castanho carameladas em uma bagunça caótica. — Estou tendo
dificuldade para me conter. — Eu engulo em seco e me aproximo, querendo ver
todo aquele jeito cuidadoso escapar dele. Eu quero o Luka desarrumado,
respirações ofegantes e palavrões meio falados.
— Você está sentindo o que eu estou sentindo? — Ele sussurra e eu assinto,
indo em direção a ele, minha mão ao redor do seu pescoço enquanto eu o puxo
para mim. Com toda a energia me iluminando como uma… ora, como uma
árvore de Natal; é um beijo delicado. Uma doce carícia dos seus lábios contra os
meus. Então eu envolvo a minha mão no seu cabelo e o puxo, e não é tão doce.
Luka solta um gemido áspero e dobra os joelhos, as palmas das suas mãos
alisando para baixo da minha cintura sob a minha bunda até a parte de trás das
minhas coxas. Ele agarra e me levanta, ganhando um guincho de mim que o faz
sorrir, a curva de seus lábios deliciosos nos meus.
— Esse é um som interessante — ele observa, perambulando pela minha sala
e esbarrando em cada móvel que tenho. Ele resmunga quando as suas canelas
batem na mesa de centro.
— Cala a boca — eu rio na pele do seu pescoço, salpicando pequenos beijos
na linha da sua garganta. Eu desfaço o primeiro botão da sua camisa de flanela
enquanto ele tenta se deslocar pelo meu chalé como se nunca tivesse estado aqui
antes na sua vida e eu pressiono um beijo profundo, chupando a borda da sua
clavícula, o oco de sua garganta. Ele faz seu próprio conjunto de sons
interessantes e me joga bruscamente no braço do sofá, as mãos por baixo do meu
suéter e no fecho do meu sutiã antes mesmo que eu perceba que paramos de nos
mover.
— Caralho, Stella — ele sussurra, enchendo as mãos com os meus seios. Os
seus polegares roçam os meus mamilos e eu oscilo na beirada do sofá, enrolando
as minhas pernas ao redor dos seus quadris para me manter firme. Se beijá-lo na
neve foi mágico, então isso é… isso é Fadas dos Doces e crocância de caramelo por
cima de cupcakes de chocolate amargo. Eu me atrapalho com os botões da sua
camisa, abandonando a parte de cima para começar pela parte de baixo quando
ele vira a minha cabeça para o lado e começa a chupar o meu pescoço. Seus
polegares acariciam, giram e puxam e eu estou fora de controle.
Perco toda a paciência e puxo a sua camisa, tentando rasgar a coisa em duas.
— Fora — eu digo, querendo a sua pele contra a minha mais do que
qualquer coisa.
— Mas estou ocupado — diz ele, tentando esticar a gola do meu suéter o
suficiente para ele colocar a boca onde as suas mãos estão. Ele morde o meu
ombro em frustração.
— Luka — eu rio e abro outro botãozinho em sua camisa. Quando flanelas
ficaram tão complicadas? — Vamos lá.
— Peça com jeitinho — ele retruca na minha pele com um sorriso e eu rio de
novo, contorcendo a minha bunda no braço do sofá e empurrando-o para trás
com as palmas das mãos em seu peito. Ele me faz um beicinho quando suas mãos
escorregam de baixo do meu suéter, seus dedos se demoram acima dos meus
joelhos, seus polegares deslizando para frente e para trás na linha da minha coxa
j p g p p
interna. Eu puxo o meu suéter pela cabeça e o beicinho desaparece, uma fome se
instalando em seu lugar, a língua no canto da boca.
Eu alcanço a alça do meu sutiã, pronta para soltá-lo e jogá-lo na direção do
meu quarto, mas ele nega com a cabeça, dá um passo à frente no vão entre as
minhas pernas e desliza o dedo indicador por baixo da alça delicada. É um
algodão liso e macio, o mesmo que eu estava usando naquela noite no sofá, mas
ele me olha como se eu estivesse em renda italiana. Ele arrasta o dedo para cima e
para baixo na alça, brincando com ela, os nós dos dedos deslizando pela minha
pele.
— Você lembra daquele festival de música que fomos na Filadélfia? Aquele
com The Roots?
— Hm, acho que sim — eu digo, distraída. É difícil pensar quando as suas
mãos estão em mim. Ele muda a sua atenção para a outra alça, puxando-a com os
dedos. Ele a puxa por cima do meu ombro e costas, meu peito subindo e
descendo com cada toque cuidadoso.
— Você estava usando um vestido rosa pálido com as alças mais finas que eu
já vi— ele me diz. Eu lembro desse vestido. Estava muito calor e eu gostei do jeito
que ele se espalhava ao redor das minhas pernas quando eu rodava.
Ele engole em seco, o pomo de Adão balançando na coluna de sua garganta.
Estou presa lá, observando como seu corpo se move quando ele está coberto de
desejo. Seu polegar desliza para o bojo do meu sutiã e ele traça a pele logo acima
dele, hipnotizado.
— Você estava dançando na minha frente e elas ficavam caindo — ele olha de
volta para mim e pressiona as palmas das mãos contra a minha clavícula, os dedos
abertos, os mindinhos enfiados sob cada alça. Ele empurra as mãos para baixo
lentamente, levando o material com ele até que as alças estão presas em meus
cotovelos, os bojos do meu sutiã mal me cobrindo. Ele exala uma respiração
trêmula, um meio sorriso curvando seus lábios. — Eu queria tanto te beijar.
Eu estremeço.
— Isso era tudo o que você queria fazer?
Seu sorriso se transforma em um riso, um brilho perverso naqueles olhos
castanhos.
— Não.
Ele mergulha dois dedos no centro do meu sutiã e puxa o tecido, deixando-
me sem a parte de cima no braço do sofá. Resisto a vontade de me cobrir, as luzes
da árvore pintando minha pele em pequenas meias-luas.
p p pq
— Queria fazer isso — diz ele, se aproximando, as mãos segurando os meus
seios nus. Sua boca encontra a minha clavícula e chupa, molhada e longamente
contra a minha pele. — Eu pensei em deslizar as minhas mãos na parte de cima
do seu vestido — sua boca roça o meu mamilo. — Eu pensei em colocar a minha
boca em você.
— Por favor — eu imploro. Eu queria que soasse como uma provocação
boba, mas eu ouço a necessidade na minha voz. Luka também, se a maneira
como ele começa a mexer em sua camisa é alguma pista. É tudo um pouco
apressado depois disso, nós dois tiramos freneticamente o restante das nossas
roupas, tentando chegar o mais perto o possível. Eu vejo como sua pele dourada
é revelada centímetro por centímetro, meus olhos ansiosamente seguindo o
punhado de cabelo escuro em seu peito enquanto se afunila em uma linha fina
que desaparece sob a fivela do cinto. Eu ocupo minhas mãos com o cinto
enquanto ele tenta tirar o meu jeans, praticamente me arrancando do sofá com a
força de seu aperto.
Eu rio e levanto com apenas um pé, segurando os seus ombros enquanto ele
os puxa para baixo com um resmungo, trazendo seu rosto de volta ao meu para
um beijo. Ele geme quando eu me enrolo ao redor dele, pele quente contra pele
quente. Finalmente.
Pequenos percalços de lembretes continuam me atingindo enquanto
cambaleamos pelo corredor em direção ao meu quarto, parando a cada poucos
passos para nos tocar e provocar. Eu deslizo minha mão em sua boxer,
acariciando com força e apertado, e tenho que me lembrar de que é Luka
ofegando em meu ombro, meu melhor amigo. É Luka enrolando as mãos em
punhos contra a parte inferior das minhas costas, seguindo o meu toque com o
movimento dos seus quadris, um grunhido baixo em sua garganta. Luka
agarrando o meu pulso e tirando a minha mão, nos levando para o quarto e me
jogando na cama.
Os travesseiros tombam e eu os golpeio para longe enquanto Luka rasteja por
cima de mim, suas mãos se apoiando em meus ombros. Eu estou faminta para
vê-lo assim, sua pele nua e seus braços flexionados, as sardas em sua pele
silenciadas ao luar.
— Espera — ele diz, e ele enfia o braço por baixo de mim, me guiando até
que a minha cabeça esteja nos travesseiros e os meus joelhos estejam abertos, meu
peito subindo e descendo com cada respiração trêmula. Eu não consigo esperar,
uma necessidade frenética queimando através de mim. Meus lábios estão
q
inchados dos seus beijos, minha pele formigando com o roçar áspero de sua
barba contra a minha pele. — Pronto — diz e então deixa seu corpo cair sob o
meu, a pele ardente, a sua espessura pesada pressionando contra a minha
suavidade molhada. Ele revira os seus quadris para baixo uma vez e tudo em mim
se aperta. Eu suspiro em um travesseiro rosa pálido em forma de lua crescente e
me pergunto como é possível que eu esteja tendo a experiência sexual mais
intensa da minha vida ainda vestindo a minha calça.
Luka desacelera o movimento dos seus quadris até que ele ainda esteja acima
de mim, seus dedos pegando o meu cabelo e peneirando os fios escuros. Ele o
arruma com cuidado para que não fique preso por baixo dos meus ombros, uma
auréola artística de cachos escuros emaranhados. Seu olhar viaja pelo meu rosto,
se demorando na curva dos meus lábios, eu acho. Ele suspira, um pouco
melancólico, e eu sorrio com a suavidade disso.
— O quê? — Eu pergunto. Ele está olhando para mim com uma reflexão
cuidadosa que tem uma linda honestidade. Ele está dizendo um milhão de coisas
com aquele olhar, eu simplesmente não consigo ouvir o que é.
— Nada — diz ele, e seus olhos descem para o volume pesado dos meus seios,
a pele macia abaixo. O alargamento dos meus quadris e o mergulho do meu
umbigo. Eu sinto seu olhar como a ponta de um dedo no meu esterno. Ele se
ajoelha entre as minhas coxas abertas e enfia os polegares no material em meus
quadris, arrastando a minha calcinha para baixo um centímetro e depois o
restante do caminho quando movo as minhas pernas para ajudar. Ele solta uma
respiração profunda quando estou nua para ele, suas mãos roçando os meus
joelhos. — Também pensei sobre isso — diz. — Quando aquela linda saia rosa
roçou suas coxas.
Ele encontra o lugar onde estou quase embaraçosamente molhada e me
entrego ao prazer do seu toque, minha cabeça inclinada para trás nos travesseiros
enquanto tudo dentro de mim chacoalha e geme. Idem, quero dizer, um pouco
histérica. Eu pensei sobre isso de centenas de maneiras, um milhão de
possibilidades diferentes.
— Porra — diz ele, e eu abro os olhos para vê-lo me tocar, uma mão se
movendo entre as minhas pernas, a outra deslizando pelo meu estômago para
traçar a curva inferior do meu seio. Ele puxa meu mamilo e eu gemo, grosso e
gutural. Eu nunca fui tocada assim.
— Porra — ele repete, mais sombrio dessa vez. Seus olhos viajam de entre as
minhas pernas para o meu rosto. Ele muda o ângulo da sua mão entre minhas
p p g
pernas, a palma da mão moendo para baixo. Eu faço outro som choramingando.
— Eu poderia gozar assim, Stella. Apenas assistindo você. Ouvindo você.
Meu corpo inteiro aperta. Mas não é o que eu quero, gozar assim. Talvez
mais tarde possamos explorar essa ideia em específico, mas agora eu quero senti-
lo me prendendo ao colchão, meus braços ao redor do seu pescoço e a sua boca
na minha. Eu o quero desesperado e ofegando na minha pele, nós dois nos
movendo juntos.
Eu digo isso a ele em uma respiração ilegível, sua risada um pouco sem fôlego
quando ele se afasta de mim.
— Você não precisa se preocupar com isso — ele murmura, as mãos puxando
a cintura da sua boxer para baixo. — Tô muito desesperado.
Eu me estico em direção à gaveta da minha mesa de cabeceira onde joguei a
caixa de preservativos que Layla me entregou na semana passada. Ela os deixou
na minha porta com uma reverência desagradável e uma garrafa de vinho. Estou
grata por nenhum dos trabalhadores da fazenda ter passado pelo meu chalé e
visto a caixa de Trojan13 do tamanho Costco no meu tapete de entrada. Eu puxo
uma tira inteira e jogo em Luka, distraída pela visão dele no luar filtrado pela
minha janela.
Pernas longas, peito sólido, a inclinação e o corte de seu quadril afiados na luz
fraca. Seus bíceps flexionam enquanto ele arranca uma camisinha da tira e a
coloca, o resto deixado com segurança no baú estofado ao pé da minha cama.
— Para mais tarde — diz ele com uma piscadela e eu rio, puxando-o para
cima e sobre mim.
Eu passo os meus dedos pelo seu cabelo.
— Isso é presunçoso — eu provoco, como se o pensamento de mais não
enviasse uma emoção através de mim. Eu estou insaciável por ele e pelos seus
toques, seus suspiros sussurrados em minha pele.
Ele bufa uma risada e se acomoda em cima de mim, deixando um beijo entre
meus seios, sua boca distraída pela ondulação da pele macia. Ele trilha um
caminho sinuoso pelo meu peito até que estou ofegante e arqueando sob ele,
minhas mãos em seu cabelo guiando-o com mais força contra mim. Ele está se
arrastando bem entre as minhas pernas, pressionando em todos os lugares que eu
preciso. Eu poderia gozar assim e digo isso a ele, seu gemido de resposta áspero e
quebrado.
— Foram nove anos de preliminares, La La — Luka se levanta usando as suas
palmas acima de mim, flexionando os braços. — Eu não acho que uma vez só vai
resolver.
Sou eu quem está impaciente agora, meus quadris dançando sob os dele,
minha boca saboreando qualquer pele que eu possa alcançar. Eu mordo a sua
orelha, a curva da sua mandíbula. Beijo avidamente o seu lábio inferior e a ponta
do seu nariz. Minhas mãos agarram os seus ombros, seus antebraços. É como se
cada momento de desejo acumulado estivesse saindo de mim em uma enxurrada.
Eu não consigo ter o suficiente dele, não consigo me mover rápido o suficiente
para tudo o que eu quero. Cada pensamento reprimido, cada toque hesitante,
cada meia-verdade e devaneio zumbem sob minha pele, me deixando impaciente
e frenética.
— Está tudo bem — ele acalma e segura a parte de trás da minha cabeça com
a mão, inclinando o meu queixo para cima até que ele possa me beijar lento e
doce, aliviando o ritmo do meu coração com longos beijos lânguidos. —
Desacelere um segundo.
— Eu quero…
— Eu sei. Eu também quero.
Ele me acalma com mãos gentis, abrindo as minhas pernas largamente e
arrastando as palmas das mãos para cima e para baixo até que eu relaxe de volta
no colchão. Ele sorri para mim, os olhos enrugando nos cantos, e então rouba a
respiração do meu peito com uma pressão lenta de calor entre as minhas pernas.
Eu não sei se é porque já faz um tempo ou apenas porque esse é… esse é Luka,
mas o meu corpo inteiro ganha vida com a pressão, a deliciosa plenitude. Ele se
acomoda dentro de mim e eu soluço um gemido, alto e apertado na parte de trás
da minha garganta. Eu sinto que não consigo recuperar o fôlego, o ar roubado
dos meus pulmões por Luka. Meu sangue pulsa quente, um calafrio delicioso
indo do lugar onde Luka está agarrando as minhas coxas com os dedos
machucados até a inclinação das minhas omoplatas contra o colchão. Eu envolvo
as minhas mãos em torno dos seus bíceps e aperto, sussurro uma respiração
quando os seus quadris se movem contra os meus.
Ele deixa cair a testa na minha clavícula e balança a cabeça para frente e para
trás uma vez.
— La La — diz ele, sem começo ou fim para o pensamento, apenas o prazer
de dizer o meu nome na minha pele.
Eu aliso as minhas mãos em suas costas e levanto os meus quadris, um
movimento superficial que não faz nada além de me frustrar.
— Luka.
Ele escova um beijo casto na minha têmpora, murmura baixo em sua
garganta, e então ele começa a se mover.
Ele começa devagar, me despedaçando pedaço por pedaço. Ele está atento,
aprendendo, catalogando cada puxão na minha respiração, colocando em uso.
Ele aperta as minhas coxas e eu suspiro. Morde o meu pescoço e eu arqueio as
minhas costas. Ele muda o ângulo dos seus quadris até que a minha perna
esquerda se contorça em seu aperto, meu pé chutando contra sua canela. A
risada em seus olhos se torna uma pequena chama de determinação, as
sobrancelhas franzidas, a língua entre os dentes. Ele balança a cabeça uma vez e
repete o mesmo movimento, um arrastar lento e um círculo de seus quadris
contra os quais eu fecho os meus olhos.
— Não faz isso — ele diz, a mão segurando o meu pescoço suavemente, o
polegar acariciando uma vez a batida de beija-flor em meu pulso antes de se
estabelecer no oco da minha garganta. — Não se esconda de mim.
— É tão gostoso — eu murmuro, desejando poder ser mais eloquente.
Desejando ter as palavras para dizer a ele como parece que estou me desfazendo
em pedacinhos de poeira estelar. Eu me sinto incandescente, iridescente, todas as
luzes da árvore de Natal explodidas. Mas seus quadris estão se movendo mais
rápido agora e ele está ligeiramente inclinado sobre os joelhos, a mão que não
está no meu pescoço alcançando entre nós para tocar logo acima de onde
estamos unidos. Leva apenas alguns golpes ásperos de seu polegar, seus quadris
perdendo a sutileza em favor de um movimento desesperado que me faz escalar a
cama, minhas mãos apoiadas acima de mim na cabeceira enquanto mais
travesseiros caem ao nosso redor. — Luka — eu suspiro quando a frustração
aguda de não ser o suficiente se transforma em um puxão perfeito de exatamente
certo, um empurrão áspero do pico em minha liberação. Começa na parte de
baixo da minha barriga e se espalha pelas minhas coxas, se instala na parte de trás
dos meus joelhos e na pressão dos meus braços acima da minha cabeça. Ele rouba
a respiração dos meus pulmões enquanto eu o sigo balançando os quadris, me
esticando como caramelo. A mão de Luka no meu pescoço estremece e então
desliza por mim para se enredar com a minha, pressionando meus dois pulsos no
colchão. Eu consigo abrir meus olhos assim que ele se inclina sobre a borda
também, seus dentes mordendo todo o seu lábio inferior. Ele fica lindo desse
jeito. Mais um segredo revelado.
Luka cai em cima de mim, o cabelo úmido de suor, o nariz cutucando a
minha bochecha. Eu me regozijo com o seu peso e me enrolo ao seu redor,
g j p
tornozelos enganchados nos deles. Ele aperta as minhas mãos e suspira, contente.
Como um gato da selva. Ou um garoto sonolento e sexy.
— Nós deveríamos estar fazendo isso há anos — ele murmura, a voz
sonolenta. Ele ajeita a sua posição e geme. — Ou talvez não. Não tenho certeza se
teria sobrevivido. Acho que você me matou. Eu estou morto.
— Você será meu fantasma favorito de Natal, então.
Eu tento me esticar embaixo dele, um cobertor quente e pesado de Luka me
cobrindo da cabeça aos pés. Eu mexo os dedos dos pés e sinto um roçar de
algodão, um zumbido sonolento e divertido enfiado em sua clavícula.
— Você ainda está usando suas meias — eu aponto. Tudo o que recebo em
resposta é um ronco, Luka enroscado possessivamente ao meu redor. Eu me
entrego à leve atração do sono, segurando-o com a mesma força, e deixo os meus
sonhos me levarem.
Pela primeira vez, acho que a realidade pode ser melhor.
Vinte e um

Acordo com o cheiro de bacon, um Luka amarrotado bocejando na beira da


minha cama com uma caneca de café fumegante em cada mão. Ele não está
vestindo uma camisa, sua calça de moletom está para trás, e há uma linha de
chupões que começa logo abaixo de sua clavícula e desce até o centro de seu
peito. Eu mudo para as minhas costas e estico meus braços acima da minha
cabeça com um pequeno sorriso satisfeito.
— Sim, sim — murmura Luka, deslizando uma caneca de café na minha
mesa de cabeceira e enrolando a mão em volta do meu tornozelo. Ele aperta
minha perna em uma nova torção em seu familiar um-dois-três, o polegar logo
abaixo da dobra da minha coxa. Ele acaricia lá uma vez e todo o meu corpo
estremece, olhos castanho-dourados sorrindo para mim. — Muito orgulhosa de
si mesma.
— Você não soou como se estivesse reclamando na noite passada — eu digo,
lembrando do jeito que ele pressionou a cabeça para trás em seus travesseiros
com minha boca em sua pele, minhas mãos em seus quadris segurando-o firme.
Como ele gritou meu nome em três sílabas separadas quando eu chupei a pele
quente logo abaixo de seu umbigo. Stel-lá-lá.
— O tipo convencido não combina com você — ele me diz maliciosamente,
a caneca em seus lábios.
Eu rio e bato minha mão na mesa de cabeceira para o meu café. Eu transei
com meu melhor amigo na noite passada. Eu transei com ele duas... três vezes na
noite passada. Depois de desmoronarmos desossados pela primeira vez, acordei
por volta das duas da manhã, com o estômago roncando. Eu me esgueirei na
cozinha para pegar um pedaço de torta da lata, apenas para Luka se arrastar na
cozinha atrás de mim, roubar sonolentamente um pedaço do meu garfo e depois
me apoiar no balcão da cozinha.
— Quero isso — ele murmurou enquanto se abaixava, os dentes roçando
minha coxa, sua boca quente e molhada no interior do meu joelho. Ele colocou a
cabeça entre as minhas coxas até que eu bati minha cabeça de volta nos armários
e então gentilmente me empurrou para baixo, me virou com meus quadris
apertados contra o balcão, e me fodeu até eu desmoronar. Estou surpresa que ele
não precisou me raspar do chão da cozinha depois disso.
Do jeito que está, meu corpo está dolorido da melhor maneira e me entrego a
outro alongamento gemendo. Luka observa a pele nua do meu peito com ávido
interesse enquanto o lençol escorrega mais um centímetro.
— Me dá uma camisa? — Não gosto da ideia de queimaduras de café nos
meus seios.
Ele resmunga, mas faz o que eu peço e eu deslizo o material quente
desbotado sobre minha cabeça. É a mesma camisa da banda que ele estava
usando por baixo da jaqueta no outro dia e ainda cheira a ele. Ele nunca a terá de
volta.
Eu o vejo sentado na beira da minha cama enquanto tomamos nosso café e
me pergunto quando isso deveria parecer estranho. Eu pensei que talvez depois
de Luka e eu dormirmos juntos eu sentiria uma combinação de pânico e
arrependimento, mas em vez disso, eu apenas me sinto... resolvida. É um alívio e
me dá esperança de que no final desta semana, quando a ambiguidade em torno
de nosso relacionamento desaparecer, quando a mentalidade livre de
consequências que nós dois adotamos desaparecer, eu serei capaz de me encaixar
bem.
— Eu estava pensando — Luka chuta de volta na minha cama, descansando
em um cotovelo sobre meus quadris. Estou distraída com a extensão da pele em
seu torso, a forma como suas sardas se espalham até a barra de sua calça de
moletom. — Eu tenho que mudar minhas coisas de Nova Iorque na próxima
semana. Talvez você possa vir comigo se eu for na terça. Vai demorar, né?
Isso deve ser ok. Beckett e Layla podem lidar com um dia sem pressa. Vou ter
que verificar nossas reservas só para ter certeza, mas não vejo motivo para não
poder.
— Espere. Mover suas coisas?
Ele enrola a mão sobre o meu joelho, o lençol fino silenciando a sensação de
sua pele na minha. Meus setecentos travesseiros estão espalhados pelo quarto
como se tivessem sobrevivido a uma explosão de bomba. Há um equilibrado
precariamente na lâmpada no canto.
p p
— Eu te falei sobre o trabalho em Delaware.
— Você me disse que estava pensando sobre isso, não que você tomou uma
decisão. — Um sentimento vertiginoso me percorre. — Você está fazendo isso?
Você está se mudando para Delaware?
Ele acena com a cabeça, seu rosto se ilumina quando vê minha animação.
— Sim, me desculpa. Achei que tinha te contado, mas acho que não queria
te distrair com Evelyn aqui. Encontrei um lugar e tudo. É uma casinha perto da
praia. Você pode ouvir as ondas quando abre todas as janelas.
— Isso é… — Estou sorrindo tanto que parece que meu rosto vai se abrir.
Luka, a vinte minutos de carro. Posso dirigir até a casa dele para pegar uma xícara
de farinha, se quiser. Posso dirigir de manhã, voltar para minha casa e vê-lo
novamente à noite. As possibilidades são infinitas. — Luka, estou tão feliz.
—Está? — Ele parece aliviado. — Bom. Eu também.
— Me diz que há uma barraca de pudim por perto.
Ele toma um longo gole de seu café, me mantendo em suspense.
— Há uma barraca de creme perto.
Luka a uma curta distância e creme congelado no caminho. A vida realmente
não poderia ficar melhor.
— Podemos ir na terça-feira para Nova Iorque, arrumar minhas coisas e
voltar no mesmo dia. Eu não tenho muito e estava planejando doar a maioria dos
móveis. — Ele deixa sua caneca na mesa de cabeceira e pega a minha também,
colocando-a ao lado da caixa aberta de preservativos. Eu coro. Eu realmente
deveria guardar isso.
Luka rasteja por cima do meu corpo e me prende com os braços, um beijo
suave no meu nariz. Gentil é exatamente o oposto das ideias sendo irradiadas a
laser para mim de seus olhos castanhos chocolate encapuzados. Ele dá outro
beijo no meu queixo.
— Você poderia ficar comigo na casa de Delaware — ele raspa os dentes no
meu pescoço. — Poderíamos encontrar uma maneira criativa de quebrar o
balanço na varanda dos fundos.
Leva um segundo para o meu cérebro entender. Eu só tomei dois goles de
café antes de Luka pegar minha caneca, e sua língua está fazendo algo
interessante debaixo do meu ouvido. Mas quando isso acontece, quando percebo
o que ele acabou de dizer, fico rígida embaixo dele.
Ah, olá, pânico. Aí está você.
— Espere. O quê?
p q
Luka pressiona as palmas das mãos, estremecendo. Rosa ilumina as pontas de
suas orelhas.
— Desculpe, eu estava brincando sobre o balanço. Tipo. Bastante?
Eu balanço minha cabeça, mudo de ideia, e então aceno. Mordo o lábio
inferior e balanço a cabeça novamente. Luka empurra para trás até voltar a sentar
na beirada da minha cama, a palma da mão ao lado do meu joelho. Ele coça a
nuca, confuso.
— Mas terça-feira — eu tento reunir os pensamentos que ziguezagueiam
pelo meu cérebro. — Terça-feira é semana que vem.
Ele acena com a cabeça, sobrancelhas inclinadas para baixo.
— Sim, é semana que vem.
— Nosso acordo era para esta semana.
— Nosso acordo?
— Nosso período de teste. Você disse que usaríamos esta semana como um
teste.
— Ah. — Seus ombros relaxam, a confusão derretendo em suas feições. Fico
feliz que ele entenda. Não podemos continuar... fazendo isso, após esta semana.
Nós tentamos, foi incrível, está feito e pronto. Fora de nossos sistemas. Podemos
voltar ao modo como as coisas eram sem toda essa tensão borbulhante entre nós.
— Acho que é seguro dizer que o período de teste foi um sucesso.
Sim, com certeza. Isso não significa que devemos continuar fazendo isso.
— Certo. Mas é chamado de período porque um período chega ao fim. Nós
não... Luka, nós não... — As palavras murcham na minha língua. Eu não posso
dizer isso. O que ele pensa? Que eu estaria disposta a continuar um
relacionamento do tipo amigos com benefícios com ele? Olho para os lençóis
retorcidos, a caixa de preservativos zombando de mim com o canto do olho.
Acho que minhas ações não o dissuadiram exatamente.
Minhas bochechas queimam, humilhadas.
— Eu não quero esse tipo de relacionamento com você — eu digo baixinho.
— A noite passada foi muito divertida, mas eu me importo demais com você
para... para isso.
Luka é basicamente uma estátua na beira da minha cama.
— O que isto quer dizer?
Eu me recuso a olhar para cima dos meus lençóis.
— Não quero ser amigo com benefícios.
— Excelente. Nem eu.
Eu olho para cima tão rápido que meu pescoço estala.
— Mas você acabou de dizer…
— Eu me expressei errado. Me desculpe, eu só… — seu cabelo está todo
bagunçado das minhas mãos e seu lábio inferior está inchado e eu acho que estou
tendo problemas para colocar minha mente no lugar. Ele sorri para mim,
pegando minhas mãos nas dele e entrelaçando nossos dedos. — Eu quero que
você veja a casa em Delaware, ok? Nós vamos comprar creme congelado.
— Ok — eu arrasto a palavra até que tenha quinze sílabas. — Isso significa
sem sexo, certo? — Eu sinto que tenho que ser muito clara sobre isso.
Luka voltou a ficar confuso. Sua boca abre e fecha várias vezes, suas mãos
apertando as minhas.
— Bem, quero dizer. Em algum momento, sim, eu gostaria de fazer sexo com
você novamente. Mas não precisa ser terça-feira se você não quiser.
— Eu pensei que você acabou de dizer que não quer ser amigo com
benefícios.
— Eu não quero. Stella — ele ri, provavelmente se divertindo por estarmos
andando em círculos nessa conversa. Estou feliz que um de nós esteja se
divertindo — , eu quero ser seu namorado.
— Ah. Hum. — Nem um único pensamento coerente entra em meu
cérebro. — Não, você não quer.
Ele franze a testa.
— Sim, eu quero.
— Não, quero dizer — eu afasto minha mão da dele e sento na cama. Ele não
sabe o que está dizendo. Ele está confuso. — Você quer dizer que quer terminar
esta semana como meu namorado falso, certo? É isso que você está dizendo.
— Não é — diz ele lentamente, pacientemente. — Quero dizer, realmente
estarmos juntos, você e eu, de verdade. — A carranca em seu rosto se espalha
para aquela pequena linha entre os olhos, aquela que aparece quando ele está
lendo letras muito pequenas ou ficando chateado. — Achei que estávamos na
mesma página.
Quando balanço a cabeça dizendo que não, não estamos na mesma página,
Luka esfrega aquela pequena linha com o polegar. Claramente nem estamos
lendo o mesmo livro.
— Então, o quê… — seus olhos disparam acima da minha cabeça para a
minha janela, minha mesa de cabeceira, o chão. Ele está procurando por
respostas em minhas cortinas brancas e esvoaçantes e fica em branco. — O que
foi ontem à noite, então?
— Achei que tínhamos um acordo para fazer o que parecesse certo esta
semana. Ver aonde isso nos levaria.
— E você pensou que sexo era uma parte desse acordo? Você pensou, o que,
que eu ia te foder e voltaríamos a assistir filmes no sofá na próxima semana como
se nada fosse diferente?
— Eu tinha… hum, eu meio que esperava que sim.
É exatamente o que eu queria, na verdade. Ter esta semana com ele e depois
tudo voltar exatamente como era antes. Ele zomba, um pouco irritado agora.
— Stella, eu não… — Ele esfrega a ponta do nariz. — Você é minha melhor
amiga. Você não é um caso de uma noite.
Eu arrasto meu polegar sobre a colcha da minha cama, envolvendo mais
lençóis em volta de mim. De repente, parece errado que eu não esteja usando
calcinha para esta conversa.
— Você já teve casos de uma noite antes.
— Mas não com você — diz ele, e ele está definitivamente com raiva agora, a
linha forte de seus ombros tensa. — Por que você continua trazendo isso à tona?
Faz muito tempo que não faço sexo casual com alguém. Você continua agindo
como se eu estivesse pulando pela cidade, fodendo qualquer um que eu veja.
— Eu não sei, Luka. Isso não é…
— Acho que preciso ser mais claro — ele passa por cima do que eu ia dizer e
estou feliz por isso. Esta manhã foi para uma merda completa e total. Quem sabe
que bobagem teria saído da minha boca em seguida? Luka levanta meu queixo
com os dedos e inclina meu rosto até que estou olhando diretamente em seus
olhos, a explosão de sardas em seu nariz. — Estou apaixonado por você — diz
ele, frustrado e sem camisa na minha cama. Ele grita isso para mim, realmente,
suas sobrancelhas escuras e raivosas cortam seus olhos. — Estou apaixonado por
você e quero estar com você.
Meu estômago cai. Fecho os olhos com força e enfio os dedos nos lençóis.
— Você não quer dizer isso — eu sussurro. — Você está apenas confuso, por
causa do nosso acordo.
— Por que você acha que eu concordei com esse acordo?
— Pare. — Estou ficando com raiva agora. Ele está forçando demais. Ele não
tem ideia do que está dizendo.
— Eu queria que você me desse uma chance. Ver se você poderia me enxergar
dessa forma.
Eu balanço minha cabeça.
— Mas você não me ama.
— Pare de me dizer como me sinto, Stella.
— Você me ama, mas não está apaixonado por mim. É só que... Eu agarro
alguma coisa para explicar por que ele está agindo assim. Por que ele está
arruinando tudo. — É apenas o sexo. Você vai se sentir diferente mais tarde.
Ele vai se sentir diferente e depois vai embora. Estarei sozinha novamente. Se
apenas mantivermos as coisas do jeito que estão, posso sobreviver das memórias
desta semana perfeita e será o suficiente. Nada tem que mudar.
— É assim que você se sente sobre isso? — Ele engole. — Só sexo?
Abro os olhos para ver Luka olhando para mim com um olhar tão devastado
em seu rosto que rouba meu fôlego. A melhor coisa que posso fazer nessa
situação é ficar de boca fechada, certa de que qualquer coisa que eu disser só vai
piorar a situação. Claro que não é assim para mim. Eu amei Luka por tanto
tempo que parece que faz parte de mim, mas também estou acostumada a
escondê-lo, suprimi-lo, e isso parece uma parte de mim também. Então não digo
nada enquanto pisco e olho para as tábuas do chão, uma de suas meias meio
escondida embaixo da minha cama. Luzes de Natal nesta, torcidas e
emaranhadas.
— Merda — ele sussurra. Ele dá uma risadinha sombria e eu vejo quando sua
mão se levanta da cama, fixa na marca que ele deixa para trás. Terei marcas como
essa nas minhas coxas, nos meus pulsos, na curva dos meus quadris? Quanto
tempo vou conseguir mantê-los antes que eles desapareçam também? — Eu me
sinto um idiota — diz ele, levantando-se da minha cama e pegando sua meia. Ele
começa a olhar ao redor do quarto para o resto de suas roupas e eu afundo ainda
mais debaixo dos meus lençóis.
Luka encontra um de seus velhos moletons meio pendurado na minha
cômoda e o puxa pela cabeça. Eu roubei isso há três anos e não tinha a intenção
de devolvê-lo. Ele se vira para mim, mas não olha para cima, ficando em um pé e
tentando escorregar em sua meia.
— Desculpe por ter deixado você desconfortável — ele murmura.
— Luka. — Você não me deixou desconfortável, eu quero dizer. Você acabou de
me assustar para caralho. — Fica por favor. Nós podemos… eu vou fazer waffles.
Podemos esclarecer isso.
O som que ele faz quase quebra meu coração em dois.
— Eu não vejo nada que precise ser esclarecido, La La. Eu estou apenas… —
ele enganchou o polegar sobre o ombro na direção geral do resto da casa. Eu
observo enquanto ele procura uma desculpa e aparece vazio. — Eu vou embora.
— Você vai voltar? — Eu odeio o quão fina minha voz soa.
Ele balança a cabeça, ainda olhando para o chão.
— Sim, eu te encontro mais tarde. Devemos cortar uma árvore com Evelyn,
certo?
Não me importa o que temos que fazer com Evelyn. Agora eu só me importo
com Luka e aquele olhar distante em seu rosto, como parece que ele já está a mil
milhas de distância sendo que ele está bem na minha frente.
— Sim, mas…
— Vejo você mais tarde.
E então ele se foi, a porta se fechando silenciosamente atrás dele.

Coloco uma calcinha. Entro na minha cozinha. Vejo o prato de bacon e


waffles e biscoitos de Natal no balcão e quase começo a chorar. Eu pego um
biscoito de açúcar e mordisco enquanto ando em círculos. Eu oficialmente
canalizei todas as pessoas tristes em todos os filmes tristes que eu já assisti. Estou
apática, oca.
Há sinais de Luka em todos os lugares. Suas luvas na mesa perto da porta.
Moedas soltas do bolso na tigela azul de cerâmica que uso para as chaves. A
caneca que ele estava usando para o café esta manhã foi lavada e está secando de
cabeça para baixo na pia. Isso é o que mais me machuca, eu acho. Que mesmo
que ele esteja chateado e desapontado, ele ainda conseguiu cuidar de mim.
Luka e eu tivemos brigas antes. Uma vez tivemos uma briga na drogaria
abaixo do apartamento dele, nós dois ficamos tão alterados que o dono teve que
nos pedir para sair antes que eu conseguisse a empanada que eu queria. Mas nós
sempre terminamos com um abraço ou um beijo na bochecha, seus braços
apertados em minhas costas.
Isto é diferente. Eu sei que é.
Não consigo parar de pensar no olhar em seu rosto, na forma como seus
olhos se fecharam e caíram quando deixei o silêncio crescer entre nós. Eu tinha
sido uma covarde, estúpida por pensar que esta semana poderia acontecer sem
que um de nós se machucasse. Achei que seria eu. Eu seria capaz de lidar com
isso se fosse comigo. Mas sabendo que Luka também está sofrendo, que ele
sentiu que precisava se afastar de mim, eu estou… estou tendo problemas com
isso.
Eu faço os movimentos de me preparar para o dia e ignoro intencionalmente
olhar para a pele macia entre meus seios, o lugar onde sua nuca deixou marcas na
minha pele pálida. Enrolo um lenço no pescoço e coloco um chapéu. Talvez se eu
colocar camadas suficientes, eu consiga encobrir essa sensação horrível no meu
peito.
Eu saio para os campos, sem rumo. A ideia de estar sentada em meu
escritório agora com minha gaveta de baixo cheia de minúsculos pinheiros de
papelão me enche de pavor existencial suficiente para me fazer tropeçar na
passarela de paralelepípedos. Eu só devo encontrar Evelyn daqui a algumas horas
e um passeio pelos campos frios parece apropriado. Talvez o ar fresco me faça
bem, mas principalmente quero chafurdar.
Então eu vagueio.
Começo no pasto a oeste e passo por entre as árvores. A neve da noite
passada já se foi, as árvores tão brilhantes e vibrantes como sempre, intocadas
pela primeira rajada de inverno da estação.
Sou impiedosa ao contar nossa discussão. Luka diz que está apaixonado por
mim, mas não acho que seja verdade. A noite passada foi incrível, mas acho...
acho que ele está com saudades de casa, em Nova Iorque. O novo emprego, a
mudança. Ele está procurando coisas que sejam confortáveis. Isso é bom. Eu sei
que Luka me ama, mas ele não está… ele não está apaixonado por mim. E eu não
quero desistir, dar a ele todos os pedaços de mim que eu tenho guardado e fazer
com que ele descubra a diferença daqui a um mês. Daqui a seis meses. Acho que
não vou conseguir voltar disso. Melhor ficar um pouco quebrada por isso, do
que irreparável depois.
Porque eu amo Luka. Estou me apaixonando por ele há quase nove anos.
Cada dia um pouco mais profundamente. E se eu ceder a ele agora só para eu me
quebrar mais tarde, não terei mais nada.
Começo a ficar irritada com árvore imaculada após árvore imaculada, então
dou meia-volta e mudo de direção. A terra fica mais pedregosa sob minhas botas,
os campos se abrem à medida que as árvores se tornam menos densas. Vejo o
primeiro toco de casca retorcida e espio por cima do ombro. De alguma forma,
consegui vagar até o pasto sul com as árvores mortas. Olho para o mais próximo
de mim e o toco com o polegar um galho quebradiço, um grande pedaço preto se
p g g q ç g p ç p
partindo entre meu polegar e o indicador. Talvez eu devesse cortar um e colocá-lo
em minha casa. Combina com meu humor.
Ouço o som de botas atrás de mim e me viro rapidamente, esperando que
seja Luka. Quero me desculpar, implorar para ele esquecer que esta manhã
aconteceu. Só quero que voltemos ao que éramos antes.
Mas não é Lucas. É Evelyn, olhando para nossas árvores retorcidas com uma
única sobrancelha arqueada. Outra pontada de arrependimento me atinge por
um tipo diferente de mentira.
— É aqui que os sonhos vêm para morrer?
Os meus, aparentemente.
Como posso começar a explicar o Sr. Hewett e o sistema de umidade do solo
e sua busca por uma fazenda de alpaca? Eu decido que não vale a pena o esforço.
— Estas árvores adoeceram durante o outono. Achamos que as raízes estejam
podres. — Acho que tenho um caso de raiz podre. Um que começa no meu
coração e se aprofunda. Na próxima semana, provavelmente vou parecer uma
dessas árvores, curvada e quebradiça na mesa do meu escritório.
Evelyn estreita os olhos para mim, focando no meu chapéu. Acho que pode
estar de trás pra frente.
— Você está bem?
Não. Eu só fiz meu melhor amigo pensar que eu não o amo depois que ele
confessou seu amor por mim durante o café. Ah, e tivemos uma noite incrível de
sexo apaixonado e intenso. Ele fez waffles e então eu o expulsei da minha casa.
Estou mal.
— Sim — eu digo e tento corrigir a aproximação de um sorriso no meu rosto.
A julgar pelo estremecimento de Evelyn, não sou exatamente bem-sucedida. —
Estou atrasada para nossa aventura na árvore?
Ela balança a cabeça e dá um passo mais perto, com as mãos enroladas nos
bolsos.
— Não, você não está atrasada. Eu estava aqui procurando por você.
— Ah?
— Sim, eu queria mostrar a você a primeira rodada de filmagens da fazenda.
Eu tenho essa sensação de novo, a sensação de algo afundando no meu
estômago. Eu odeio ter mentido para ela, feito ela pensar que esta fazenda e meu
relacionamento com Luka é algo que não é. Não é justo com ela, e não é justo
com todas as outras pessoas que competem neste concurso. Aqueles que
disseram a verdade desde o início e precisam do dinheiro tanto quanto eu.
p q
Suspiro e tomo uma decisão.
— Antes que você faça isso, eu deveria te dizer uma coisa.
Eu não sei o que pensar sobre o jeito que ela revira os lábios e se balança nos
calcanhares.
— O que é?
Não há uma maneira fácil de dizer que fingi um relacionamento para fazer
minha fazenda parecer mais romântica, então decido me lançar nele.
— Eu menti para você. Sobre mim e Luka.
Curiosamente, sua boca se abre em um largo sorriso. Ela acena com a cabeça
uma vez e tira as mãos dos bolsos, batendo o telefone na palma da mão.
— Estou tão feliz que você disse isso. Eu sei.
— Nós não estamos realmente… espere… — Eu pisco algumas vezes, olho
para minhas botas e depois levanto novamente. — Você sabe?
— Sim, eu sei — ela balança a cabeça e coloca uma mecha solta de cabelo
escuro atrás da orelha. — Eu estava esperando que você mesma me dissesse.
— Como você sabe?
— Uma grande parte do meu trabalho é ouvir as coisas que as pessoas não
estão dizendo. E, Stella, isso não é difícil de fazer aqui. O povo de Inglewild fala...
muito. Eu estava na cidade por talvez meia hora quando ouvi sobre o quadro de
apostas no café.
Luka estava certo. Esta cidade é composta por um bando de intrometidos.
— Achei estranho você ter se reunido recentemente com o parceiro de longa
data com quem você supostamente possui a fazenda. — Ela me dá um sorriso
gentil. — Se serve de consolo, todo mundo realmente ama vocês juntos.
Isso é além do ponto.
— Você sabia que eu estava mentindo? Desde o primeiro dia que você esteve
aqui? Por que você não disse nada? — Eu não achava que fosse possível me sentir
pior, mas as maravilhas nunca cessam. Estou mortificada.
— Eu ia te perguntar sobre isso no primeiro dia, mas bem. Eu me distraí. —
Lembro-me do rosto dela quando Beckett entrou na padaria. Justo. — E então
eu conheci Luka e vi vocês juntos, e pensei que talvez eu tivesse entendido mal a
fofoca da cidade. Então perguntei a Gus quando ele me levou para casa ontem à
noite.
— O que ele disse? — Eu nem estou chateada. Apenas exausta. Todo esse
problema, e para quê? Perder meu melhor amigo e me humilhar no processo.
— Ele me disse como estava feliz em ver vocês dois juntos, que ele ganhou o
pool de apostas da cidade. Perguntei para que servia o pool de apostas e montei o
quebra-cabeça a partir daí. Devo dizer agora, oficialmente, que tenho que
desqualificá-la do concurso. — Ela diz o mais suavemente que pode, mas ainda
sinto a reviravolta no estômago, o desconforto áspero do constrangimento. —
Você marcou uma caixa que dizia que todas as informações em sua inscrição
estavam corretas e, se alguma provasse ser falsa, sua inscrição seria anulada.
Eu concordo. Eu tinha imaginado tanto.
— Eu realmente sinto muito por ter mentido. Eu sabia que era um erro
desde o início.
Eu só queria ter duas coisas que não davam para acontecer ao mesmo tempo.
Ela estreita os olhos para mim, um sorriso secreto brincando em seus lábios. Ela
bate o telefone contra a palma da mão novamente.
— Mas você achou? Acha que foi um erro?
A mentira? Sim, sem dúvida. Todas as noites eu ia para a cama com um peso
contra o peito, pensando naquela única linha de cópia do formulário, minha
maior mentira. Mas o tempo com Luka? Essa parte eu tenho menos certeza.
— Não entendo. — Quantas vezes uma pessoa pode pensar e dizer a mesma
frase em uma manhã? Escreva isso na minha lápide.
— Não demorou muito para eu descobrir. Eu só tinha que ver vocês dois
juntos. Você ao menos percebe o jeito que vocês olham um para o outro? —
Quando eu apenas pisco para ela, ela acena com a mão. — Esqueça isso, não
importa. Aqui está o acordo. Você está desqualificada do concurso e do prêmio
em dinheiro, mas ainda vejo uma história aqui. Uma boa. O tipo de história que
eu não contava há algum tempo.
— Você vê?
— Sim. Este lugar é incrivelmente lindo. Stella, por favor, entenda que
mesmo se você fosse solteira e morasse em uma pequena caverna no sopé da serra
comendo comida de cachorro enlatada, eu acharia este lugar incrível. É como se
o Pólo Norte tivesse um filho amoroso com Hogwarts. Quero viver aqui para
sempre.
Abro a boca, mas ela acena com a mão novamente, me cortando.
— Então eu vou apresentar vocês na minha conta. E eu gostaria de mostrar a
vocês o vídeo que fiz.
Ela diminui a distância entre nós e me entrega seu telefone, um vídeo já
exibido na tela. Olho para meu rostinho na unha do polegar, parado na frente do
p p g p
meu escritório com um sorriso nervoso e um chocolate quente de menta. Seu
primeiro dia na fazenda.
— Apenas observe. Vai fazer sentido.
Olho para Evelyn e depois volto para o telefone. Eu aperto play com um
dedo trêmulo.
Ele abre em um clipe rápido de mim em pé na varanda do escritório,
decorações de pão de gengibre brilhantes e coloridas contra a madeira marrom
quente.
— Luka as colocou — eu ouço minha voz metálica dizer, rindo. — Acho que
o fiz refazer o alcaçuz quatro vezes. Ele mal me tolera.
Muda para outro clipe, Luka entrando no meu escritório com café para
viagem em ambas as mãos, eu atrás da minha mesa. Eu nem tinha percebido que
Evelyn estava com o telefone quando isso aconteceu. Ele deixa cair o copo para
viagem na borda e, em seguida, estende a mão para mim, a mão enluvada
enrolando em volta do meu cotovelo, me puxando para perto. É difícil ver o
beijo, mas lembro como me senti. O golpe baixo no meu estômago. Ele se afasta e
a pequena versão de mim na tela abaixa a cabeça. Mas Luka não. É apenas uma
fração de um momento, mas eu vejo o olhar em seu rosto. A maneira como seus
olhos praticamente brilham quando ele olha para mim. O sorriso lento que
chuta o lado de sua boca. A surpresa quando ele se vira levemente e pega Evelyn
no canto. Ele nem tinha percebido que ela estava lá.
A pista de patinação no gelo é a próxima. Luka enxotando Jeremy para longe
e se envolvendo em mim. Eu vejo quando inclino minha cabeça para trás em seu
peito e olho para cima, seu corpo se movendo ligeiramente para trás para dar as
boas-vindas à mudança. Nós parecemos... felizes juntos, confortáveis, meu
pequeno corpo enfiado na segurança dele, seu queixo descansando na minha
cabeça enquanto observamos as crianças circulando pela pista
Clipe após clipe, mais rápido agora. Luka e eu andando na frente de Evelyn
pelos campos, nossas mãos se estendendo ao mesmo tempo. Luka na padaria
com um sorriso e um rubor, uma bengala de doce meio pendurada na boca
enquanto ele diz:
— Ela é incrível e ela nem sabe disso. Ela tiraria o suéter das costas e te daria.
— Nós dois na minha cozinha ontem à noite, de costas para a câmera enquanto
Luka passa a mão pelo meu braço. Em todos esses clipes, ele não parece um
homem que mal está me tolerando. Ele parece…
O último clipe é uma cena estendida de mim tentando pendurar novamente
uma guirlanda do lado de fora do celeiro do Papai Noel, me equilibrando em um
banquinho e ficando na ponta dos pés. A câmera se move para a esquerda, longe
de mim, e vejo Luka encostado em um poste da cerca. Ele tem aquela maldita
bengala de novo, a língua torcendo-a para frente e para trás em sua boca. Mas é o
olhar em seu rosto que me faz inclinar para frente até que meu nariz esteja
praticamente pressionado contra o telefone. Olhos suaves se iluminaram sob o
sol quente, uma risada presa na ponta de sua língua enquanto seu olhar
perdurava. Amor e adoração gentil na curva de seus lábios, na inclinação de suas
sobrancelhas.
Luka não está fingindo nem por um segundo.
— Na verdade, é o segundo vídeo — Evelyn anuncia, e eu praticamente pulo
para fora da minha pele. Do jeito que está, deixo cair o telefone dela no chão.
Deus, espero que ela tenha esse vídeo salvo. — O primeiro vídeo sou eu
explicando que estou em Lovelight Farms, onde dois idiotas pensam que estão
fingindo estar apaixonados. — Ela sorri para mim, orgulhosa de si mesma. —
Você entende agora?
Ela pega o telefone do chão.
— Você acha que está mentindo para mim, mas você está mentindo para si
mesma esse tempo todo.
Vinte e dois

Luka me ama.
Luka está apaixonado por mim.
Repito para mim mesma em loop e espero que faça sentido. Esse olhar em
seu rosto no vídeo, eu já vi isso antes. Eu já o peguei olhando para mim assim no
início da manhã quando estou na máquina de café, sussurrando olá e
implorando por cafeína. Quando saímos para a baía naqueles pequenos barcos a
remo em forma de dragões, um saco de migalhas no bolso para as gaivotas. Eu vi
isso praticamente todas as vezes que o vi. É difícil perceber que talvez Luka esteja
se apaixonando por mim esse tempo todo também. Eu estive muito envolvida
em esconder meus próprios sentimentos para notar os dele.
O sino acima da porta da padaria toca quando entro, as mesas vazias, as
cadeiras ainda empilhadas no canto. Layla só abrirá em uma hora, mas eu sei que
ela está aqui em algum lugar, provavelmente se preparando nos fundos. Vejo
Beckett sentado no balcão, um prato de donuts na frente dele e um saco de
confeiteiro na mão esquerda. Ele gosta de vir aqui quando está estressado, comer
seus sentimentos e fingir que está ajudando Layla enquanto faz isso. Layla sai do
armário de suprimentos, um avental na cintura e uma mecha de farinha no
cabelo.
Ela para de repente ao me ver, Beckett se virando com um olhar por cima do
ombro.
— Eu fodi tudo — digo a eles em voz baixa.
Nenhum deles diz nada, completamente congelados no balcão. Parecem uma
daquelas exposições de arte vivas.
— Por favor, diga que é sobre Luka — Layla respira.
Beckett revira os olhos e volta a encher seus donuts.
— Claro que é sobre Luka. Ela tem um chupão no pescoço e o chapéu está
virado para trás. — Ele coloca uma rosquinha perfeita no prato que Layla
preparou para ele e joga um pequeno visco em cima. — Além disso, Luka está se
escondendo na minha casa desde esta manhã.
Estou aliviada que Luka ainda esteja aqui na fazenda. Apesar de sua promessa
de que voltaria, uma grande parte de mim estava preocupada que ele
desaparecesse de volta em Nova Iorque. Recusasse o trabalho em Delaware e
nunca mais voltasse.
Layla acena para mim e abre espaço no balcão. Ela segura um donut na frente
do meu rosto.
— Coma isso e me diga o que aconteceu.
Beckett tenta pegar o donut da minha mão, mas eu me afasto dele. Eu
preciso disso mais do que ele.
— Você está uma bagunça. — Ele pega sua própria rosquinha, mordendo o
minúsculo fondant de visco de cima ao meio. Layla franze a testa para nós dois e
move o prato para a prateleira de trás, fora do nosso alcance ganancioso.
— Eu não vou ter mais comida nenhuma se vocês dois continuarem
tentando me ajudar.
Eu engulo massa folhada quente e recheio de creme de manteiga e reúno
minha coragem.
— Luka está apaixonado por mim.
Beckett e Layla olham para mim. Quando não digo nada, Layla levanta as
duas sobrancelhas.
— E?
Eu deixo cair minha testa no balcão com um gemido.
— Todo mundo sabia menos eu?
— Sim — Beckett responde. Eu ouço o estalo de uma mão contra a pele nua
e espreito assim que Beckett esfrega sua testa, um olhar voltado para Layla. — O
quê? Você sabe que é verdade. Havia um pool de apostas em toda a cidade sobre
isso.
Layla o ignora.
— Ele te contou?
Eu aceno e dou a eles a versão abreviada dos eventos. Que ele disse que me
amava, e eu disse que ele estava errado. Minha conversa com Evelyn no campo e
o vídeo que ela me mostrou.
— Não deveria ter levado um vídeo para você perceber — Beckett diz,
espremendo um pouco do recheio de donut em seu dedo. Layla arranca isso dele
também. — Ele está mostrando a você há anos.
Olho para a bancada.
— Eu não vi.
— Você viu — Layla discorda gentilmente e lança um olhar de advertência
para Beck quando ele abre a boca. — Você viu, querida. Você estava com muito
medo de fazer qualquer coisa sobre isso. Você está confortável na friendzone e
então decidiu se manter lá.
Eu dou de ombros, infeliz.
— Como faço para corrigir isso?
— Acho que depende — Layla se vira e pega uma rosquinha da bandeja,
divide ao meio e me oferece. Beckett faz um ruído de dor baixinho. — Você está
disposta a ser honesta?

Eu volto para minha casa depois de alfinetar Layla para me dar outro donut.
Dou a última volta ao redor do grande carvalho e tropeço quando vejo uma
figura nos degraus da frente. Luka está sentado na escada que leva à minha
varanda, as pernas afastadas, as mãos entrelaçadas frouxamente entre elas. Ele
está olhando para o chão, mas olha para cima quando minhas botas lançam uma
chuva de cascalho pelo meu jardim da frente, um donut ainda na minha mão.
— Oi.
Depois de assistir ao vídeo e examinar cada detalhe de cada interação que
tivemos no último mês e meio, é quase surpreendente vê-lo sentado na minha
frente. Eu não esperava vê-lo novamente hoje. Eu construí um esboço solto de
um plano na minha caminhada de volta para casa:
Encontrar uma garrafa de vinho
Continuar a pensar demais em Luka.
Consumir a referida garrafa de vinho e o resto da torta de abóbora.
Pedir desculpas a Luka.
Implorar por perdão.
Dizer a Luka que eu o amo.
Comer mais torta.
A coisa toda é um trabalho em andamento.
— Oi.
Meu coração se aloja na garganta e fica difícil para mim engolir. Nós nos
observamos, hesitantes, e então Luka se levanta, desdobrando seu corpo alto do
último degrau para encostar no corrimão. Procuro minhas chaves nos bolsos, um
dos pinheiros de Luka roçando meus dedos. Eu nunca tirei depois que ele me
beijou no celeiro. Isso parece séculos atrás agora.
As palavras de Layla soam na minha cabeça. Você está disposta a ser honesta?
Não tenho certeza se sou tão corajosa.
— Você tem uma chave — digo a ele, ignorando o pinheiro e empurrando
meus pés para frente. Está frio esta tarde, um estalo no ar que deixa meus dedos
dormentes nos dedos. Eu me pergunto quanto tempo estive nos campos, quanto
tempo Luka esteve na minha varanda da frente. Eu olho para a cor avermelhada
em suas bochechas, a forma como seus ombros encolhem em suas orelhas. Ele
nem está usando um lenço.
— Não parecia certo usá-la — diz ele, o olhar ainda preso em mim, apesar da
linha ansiosa de seu corpo. Ele está se segurando parado, apertado, longe de mim,
e isso mais do que tudo me deixa triste. Eu deslizo por ele subindo as escadas,
ciente do espaço entre nós. Eu quero jogar seu braço sobre meu ombro, enrolar-
me em seu lado e fazer com que ele me provoque por não ser capaz de encaixar a
chave na fechadura.
— Você sempre pode usá-la — murmuro, abrindo a porta para nós. Meu
olhar pega a árvore de Natal na janela enquanto estou tirando minhas botas,
meu sutiã pendurado em um dos galhos mais altos. Luka segue meus olhos e
bufa quando vê, uma mancha de cor na base de seu pescoço, onde ele ainda não
está pintado de rosa pelo frio.
— Ah — ele coça a parte de trás de sua cabeça e arruma minhas botas em
uma linha perfeita, quase como se não pudesse evitar. Esse pequeno gesto me dá
esperança de que as coisas não estão completamente arruinadas entre nós. Ele
balança a cabeça e desvia sua atenção do meu novo enfeite criativo. Eu deveria
anotar isso antes que Dane venha com a papelada para Hewett. Luka balança
para trás em seus calcanhares. — Estou aqui para o negócio com Evelyn.
— Ah — Minha pequena faísca de esperança se apaga. — Decidimos não
fazer isso esta tarde. — Não adianta, já que fomos desclassificados do concurso.
Acho que eu provavelmente deveria dizer a ele. — Não, eer, nós não temos que
fingir que estamos mais juntos. — Eu engulo e olho fugazmente para seu rosto
antes de perder a coragem e olhar para nossas meias em vez disso. — Eu disse a
verdade a Evelyn. Acontece que ela já sabia.
— Ela sabia que não estávamos juntos?
Eu concordo.
— Intrusos — eu digo. Isso é tudo o que posso oferecer como explicação
agora. Eu aceno com a cabeça em direção à máquina de café na cozinha. — Quer
ficar por aqui, ou…
Eu não quero que ele sinta que tem que ficar aqui comigo, especialmente
porque está claro que ele só veio aqui para cumprir qualquer responsabilidade
que ele sentiu que tinha. Ele está livre para ir agora, livre para ficar
completamente livre de mim se quiser. Isso provoca uma sensação azeda rolando
pelo meu estômago. Ele deve ver isso no meu rosto, porque ele estende a mão,
bate uma vez no meu cotovelo. É uma tentativa valente de nossa afeição física
anterior, e fico desejando que ele enrolasse os dedos em volta de mim, me puxasse
em seu peito e descansasse o queixo na minha cabeça.
— Vou ficar por aqui — diz ele, parecendo apenas levemente melancólico
com a ideia. Seus olhos saltam da janela, para a curva do meu queixo, para o meu
ombro e depois de volta. Eu odeio o quão estranho isso é. Mesmo na primeira
vez que almoçamos juntos, não nos faltou o que dizer. Eu estava triste, retraída,
um pouco perdida, mas Luka havia preenchido o espaço entre nós com
conversas fáceis com padrões de dados e a comida de sua mãe e a barraca de
pupusa na cidade que ele gostava de ir nas manhãs de sábado.
Eu ligo a cafeteira em silêncio, o gotejamento constante como um metrônomo
determinado a me deixar louco. Você está disposta a ser honesta? Luka se senta em
uma das cadeiras na cozinha, os olhos fixos na janela. Eu mantenho a
compostura através de duas séries de gotejamento antes que eu não aguente mais,
meu coração martelando no meu peito.
Estou indo fazer isso. Eu vou dizer a ele a verdade.
— Luka, eu...
— Eu quero…
Eu solto uma risada que é mais nervosa do que divertida e aceno para ele
continuar. Se alguém merece falar primeiro, é Luka. Eu seguirei sua liderança.
Farei o que ele quiser.
Ele descansa as mãos sobre a mesa.
— Quero me desculpar por esta manhã. — Meu estômago afunda até os
dedos dos pés e meu rosto deve mostrar isso porque ele corre para se corrigir. —
Não… não pelo que eu disse, mas pelo jeito como eu saí. Isso não estava certo.
— Eu te machuquei — eu ofereço e sirvo duas canecas fumegantes de café
com as mãos trêmulas. Se Luka tivesse reagido do jeito que eu reagi esta manhã,
eu estaria no primeiro trem saindo da cidade. Eu estaria nos campos, cavando
p p
um buraco para me enterrar. Não tenho certeza se voltaria a mostrar meu rosto
em Inglewild.
— Você me machucou — ele concorda, e esse sentimento azedo torce e
aperta, fazendo eu franzir a testa em minha caneca. Eu tomo o assento em frente
a ele e luto para manter meu olhar no dele. — Mas eu ainda não deveria ter saído
assim. Eu sei… eu sei que é muito importante para você, a ideia de pessoas indo
embora. Acho que é por isso que você manteve Beckett e Layla fora do circuito
dos negócios agrícolas. Porque você estava com medo de que eles fossem embora
se descobrissem que você estava tendo algum problema. — Sua voz é gentil, mas
suas palavras atingiram seu alvo, pousando como pequenas pedras de granizo
contra meu coração. Cada uma deixa um pequeno amassado. — E quando eu te
disse que eu… — ele limpa a garganta, evita dizer as palavras, e isso dói também.
Que eu dei um pedaço do meu medo para ele. — Quando eu disse o que disse, e
sua reação não foi o que eu queria, fiz exatamente o que você temia. Eu te deixei.
Peço desculpas por isso.
Não suporto ouvi-lo se desculpar. Não depois da maneira como agi esta
manhã. Não depois do jeito que tenho agido desde que começamos essa coisa
toda.
— Luka…
— Você sabe que eu compro esses pinheiros a granel? Aqueles de papelão —
ele explica como se eu não soubesse do que ele está falando. Como se eu não
tivesse todos os que ele me deu guardados na gaveta da minha mesa,
transbordando em uma caixa no meu armário. Ele cheira a pinho toda vez que
abro a porta para pegar um suéter, eles estão um pouco velhos agora, mas me
recuso a me livrar deles. — O primeiro eu peguei por capricho no posto de
gasolina da rua, mas seu rosto se iluminou quando eu o dei a você. Acho que foi
provavelmente então que percebi.
Prendo a respiração, cativada.
— Percebeu o quê?
Ele é tímido, reservado, olhando para suas mãos enroladas em sua caneca
antes de deslizar os olhos de volta para os meus. Sua boca se ergue no canto, mas
ele ignora minha pergunta.
— Fiquei ganancioso por esse olhar. Eu não queria que mais ninguém o
tivesse. Ainda não quero que mais ninguém o tenha.
Você pode tê-lo, eu quero dizer. Você pode ter todos os meus sorrisos e olhares e
abraços e toques. Meu coração também. Se você ainda quiser.
ç q ç q
— De qualquer forma, acho que o que estou tentando dizer é que ainda
tenho cerca de duzentos desses pinheiros de papelão. E eu tenho um pedido
recorrente. Eu não vou embora, La La. Ainda tenho muitas árvores para te dar.
Enquanto você me quiser por perto, estarei aqui.
Ele enfia a mão no bolso de trás, levantando os quadris para puxar algo. Ele
coloca um pequeno pinheiro de papelão na mesa e o desliza para mim com o
dedo.
Eu encaro aquela árvore por um longo tempo, olhos quentes, garganta
apertada.
É difícil amar alguém sem restrições. Se doar a isso por inteiro e colocar isso
acima de tudo sem medo do que possa acontecer. Eu acho que é natural se
segurar em parte e proteger o que você pode. Minha mãe me amava ferozmente,
mas ela também nunca abriu seu coração para mais ninguém. Não depois do que
meu pai fez. Então acho que... acho que foi assim que aprendi a não desejar
muito. Para jogar de modo seguro e fácil.
Mas é difícil impedir-se de ceder também. Layla está certa. Nos últimos nove
anos, enterrei cada vislumbre de sentimento forte com negação, anseio e uma
pitada de mal-entendido deliberado. Toda vez que eu olhava para Luka, eu sentia
isso. Um anel oco. Um puxão afiado. Uma dor persistente e desconfortável.
Eu me levanto da mesa abruptamente, minha cadeira saltando para trás pelo
chão de madeira com um guincho raivoso. Luka também se levanta, os olhos
levemente em pânico. Eu me viro e sigo pelo corredor, meu corpo inteiro
vibrando.
— La La? — Luka tropeça atrás de mim, batendo o joelho na borda de um
suporte de guarda-chuva vintage que eu uso para embrulhar tubos de papel. Ele
xinga baixinho e manca atrás de mim. — Stella, espere um segundo. Eu não…
Eu abro a porta do meu armário, uma cascata de suéteres e cachecóis e todas
as outras coisas aleatórias que eu enfiei aqui caindo pelos lados. Um gnomo de
jardim pousa no meu dedo do pé. Duas caixas de luzes de cordas extras dão um
salto para a liberdade. Jogo uma versão antiga de Candyland por cima do ombro.
Luka entra no meu quarto.
— O que você está… ai, meu Deus — ele corta abruptamente. Ele respira
afiadamente, provavelmente horrorizado com a minha bagunça desencadeada.
Talvez eu devesse ter mostrado isso a ele antes que ele confessasse seu amor. —
Isso é uma samambaia?
É um monstro falso que uma das irmãs de Beckett comprou para ele e ele
prontamente depositou na minha porta da frente. Eu o arrasto para fora do
caminho e alcanço atrás dele a velha caixa de batedeira de utensílios de cozinha.
Acho que nem tenho uma batedeira.
— Você não tem uma batedeira — Luka diz, dobrando alguns suéteres atrás
de mim. — Posso ajudá-la com algo, ou…
Há frustração ali, uma pitada de tristeza também. Ele acabou de abrir seu
coração e eu estou vasculhando meu armário.
— Aqui está — eu abro a tampa da caixa e a viro, centenas de pequenas
árvores de papelão no chão entre nós. Elas deslizam umas sobre as outras em
uma pequena cachoeira de pinheiros velhos e bordas verdes onduladas, as cordas
emaranhadas. Luka abandona sua dobradura e pega uma, sobrancelhas franzidas
em confusão. — Eu tenho alguns dados para você — digo a ele, a voz oscilando
nas bordas. — Depois daquele dia que você me levou para comer um queijo
grelhado, eu pensava no seu sorriso toda vez que passava pela loja de ferragens.
Ainda penso no seu sorriso toda vez que passo pela loja de ferragens. Eu compro
creme de leite para chantilly quando vou ao supermercado porque você me disse
uma vez que o chantilly caseiro é melhor do que as coisas enlatadas. Você sabe
quantas caixas de creme eu desperdicei? Às vezes finjo que não vi um filme, só
para que você possa apontar as melhores partes. — Eu respiro profunda e
tremulamente. — Aquele show quando eu usei aquele vestido rosa? Eu queria te
beijar também. Quando fizemos aquela primeira viagem de acampamento para a
praia e eu acordei com você em volta de mim, eu podia sentir seu batimento
cardíaco nas minhas costas. Foi a primeira vez em anos que não acordei sozinha e
triste.
É um alívio liberar cada pensamento secreto, cada sentimento oculto. Limpo
os dedos sob os olhos e tento controlar minha respiração. Está tudo quieto entre
nós e eu olho para as árvores espalhadas pelo meu chão.
Luka limpa a garganta, as mãos me alcançando.
— Acho que analistas de dados… — Sua voz se interrompe e ele para, se
recompõe e tenta novamente. — Acho que os analistas de dados se referem a isso
como uma tendência de longo prazo.
— Eu quero todas as suas árvores — digo a ele. — Você sabe que eu escrevi
namorado naquele aplicativo de propósito? — Eu espelho a honestidade dele da
cozinha com um pouco da minha. — Eu tinha acabado de desligar o telefone
com você. Você estava rindo de um comercial que acabou de ver e tinha aquelas
q q
linhas em seus olhos… — Eu estendo a mão e acaricio as linhas de sorriso fracas
em seu olho esquerdo. — Essas. Logo depois que desligamos, preenchi a
inscrição para o concurso e escrevi namorado. Eu só estava pensando em você.
Eu queria uma desculpa, ter que fingir. Eu pensei que poderia ter você por uma
semana e seria o suficiente para fazer meus sentimentos irem embora. — Olho
para minhas mãos e começo a empilhar as árvores. — Mas tudo o que esta
semana fez foi tornar mais fácil para mim amar você. Lamento não ter sido
honesta. Me desculpe por ter machucado você. Eu não lidei com nada direito.
Eu não sei, todas as minhas desculpas parecem estúpidas agora.
Lembro-me do que disse a Layla. Que se algo tivesse que acontecer, teria
acontecido. Eu sou tão idiota. As coisas acontecem há anos, só tenho medo de
vê-las.
Luka fica de joelhos na minha frente, afastando as árvores do caminho. Ele
enrola as mãos sobre minhas coxas, abaixa a cabeça até poder olhar para mim.
— E foi o suficiente? Para seus sentimentos irem embora?
Eu balanço minha cabeça.
— Não.
— Como você se sente agora?
Você está disposta a ser honesta?
Eu respiro profundamente.
— Ainda estou com medo — digo a ele. Eu seguro seus olhos, esperando que
ele veja o quão séria, aterrorizada e estupidamente apaixonada eu estou. — Estou
realmente com medo. Você é meu melhor amigo. Preciso saber se fizermos isso,
que ainda posso ficar com você se não funcionar.
— Você vai — diz ele, as palmas das mãos se movendo para cima e para baixo,
se aproximando. — Você não vai conseguir se livrar de mim, eu prometo.
— Eu quero autenticado — eu fungo e corro uma mão trêmula debaixo do
meu nariz.
— Podemos fazer com que seja autenticado em cartório. Alex faz isso, certo?
— Sim — eu aceno. — Ok.
— Ok — ele balança a cabeça, um sorriso começando no canto da boca. O
sol que entra pela minha janela ilumina seus olhos em tons de ouro, as sardas em
seu nariz são uma explosão de estrelas. — Viu, foi tão difícil assim?
Eu ri. Só tem sido a coisa mais difícil da minha vida.
— Estou muito feliz por ter pedido para você ser meu namorado falso —
confesso.
— Estou muito feliz por ter concordado em ser seu namorado falso.
— Eu te amo — eu suspiro, e a mudança em seu rosto é instantânea. Seu
sorriso suaviza e se espalha até que seu rosto inteiro brilha com ele, as mãos em
minhas coxas deslizando até meus quadris. Ele deixa cair sua testa na minha até
que ele esteja apenas colorido. Dourado, castanho, rosa pálido. Suspiro e fecho os
olhos. — Eu te amo tanto.
Eu posso sentir seu sorriso contra o meu, brilhante e lindo. Suas mãos
apertam meus quadris, minhas costelas e então sobem para cobrir minhas
bochechas. Seus polegares alisam a área sob meus olhos.
— Porra, finalmente.
Quando ele me beija, tem gosto de café com leite de avelã, a borda de um
mini pinheiro cavando meu joelho.
Finalmente.
Epílogo

Luka
Demorou quase uma década, mas finalmente consegui me recompor.
Para ser justo, Stella também fez seu quinhão de arrastar os pés. Acho que
isso nos faz um bom par, tirando a mágoa desnecessária. Eu digo isso a ela
enquanto estamos deitados no chão do quarto dela, minha pele ainda pegajosa
de suor e meus dedos traçando entre suas omoplatas, sua pele pálida brilhando
ao sol da tarde. Tenho certeza de que há um sapato cravado nas minhas costas,
mas Stella continua se aconchegando mais perto, seu cabelo fazendo cócegas no
meu queixo, e eu não me moveria se Beckett e todos os seus gatinhos chutassem a
porta. Stella inclina a cabeça para me encarar com meu comentário, mas eu a vejo
escondendo um sorriso também. Meu sorriso favorito de Stella, covinhas
piscando em suas bochechas.
Eu provavelmente deveria dizer a ela que ela precisa tirar o sutiã da árvore.
Ela suspira em meu bíceps e parte de mim se move, rola e se acomoda. Eu tive
minhas dúvidas de que chegaríamos a este ponto. Antes dessa coisa de mídia
social, meu plano para dizer a Stella como eu me sentia sobre ela era apenas um
desgaste geral, eu acho. Continue vindo, continue alimentando-a com
bolonhesa, talvez tente segurar a mão dela. Eu disse a Beckett que era um jogo
longo. Ele tinha me chamado de idiota. Quando expliquei o plano para Charlie,
ele apenas me deu um tapa na cabeça e roubou o resto da minha cerveja.
Eu não acho que ela percebe isso, mas nós meio que namoramos nos últimos
nove anos. Mesmo quando ela está com alguém, eu sou o cara para quem ela liga
quando tranca o carro com as chaves dentro no posto de gasolina. Eu sou o cara
para quem ela liga quando acidentalmente coloca gelo seco na pia e tem medo de
explodir seu encanamento. Estou muito feliz por ser o cara para quem ela liga
quando precisa de um namorado falso.
A fazenda vai ficar bem. Com as prestações mensais que Dane faz Hewett
pagar por causa de todos os danos que ele causou, Stella nem precisará do
dinheiro do concurso. E ela ainda não sabe, mas Charlie me mandou uma
mensagem mais cedo enquanto Stella estava vagando pelos campos.
Elle decidiu que largará Bill. Aparentemente, houve um incidente com sua
secretária e outras sete mulheres na firma. Não tenho certeza se você pode
chamar de incidente quando o número é mais de dois, mas eu não perguntaria.
Como presente de despedida, Charlie decidiu comprar todas as árvores mortas e
distorcidas do pasto sul e deixá-las cair no gramado da frente da casa de seu pai.
Acho que é uma boa maneira de celebrar a ocasião. Tenho certeza que Stella vai
concordar.
Stella dá um beijo no meu queixo e eu aliso minha palma pela sua espinha.
Aqui está a verdade disso. Quando Stella me perguntou qual era minha
estratégia de saída para essa coisa de namorado falso, eu não tinha uma.
Francamente, eu estava muito ocupado com a ideia de tocá-la, abraçá-la, estar
com ela do jeito que eu sempre quis. Mas assim que ela perguntou, eu sabia qual
era a minha resposta. Eu disse a ela que continuaríamos e eu realmente quis dizer
isso.
Eu tenho essa memória do meu pai que vem a mim em pedaços. Sorvete de
baunilha. Calor de verão pegajoso. Umidade que fazia minhas roupas parecerem
pesar cinco mil quilos. E as meias do meu pai, uma mais alta que a outra, presas
na perna da calça. Garrafas minúsculas de ketchup nelas, um presente da minha
mãe.
Eu tinha dado um soco no rosto de Jimmy Tomilson no parquinho da escola
e meu pai me pegou mais cedo. Ele estava em silêncio no carro e em silêncio
quando paramos na frente da sorveteria. Em silêncio na fila até que pediu dois
cones para a viagem. Ele nos acompanhou pela rua até um pequeno jardim
escondido, cercado por roseiras com uma fonte vazia no meio. Eu estava
apavorado com o que ele poderia dizer, a ameaça de sua decepção pairando sobre
mim como uma nuvem espessa.
— Por que você fez isso? — ele havia perguntado.
Eu disse a ele que Jimmy estava implicando com Sarah Simmons, jogando
lascas de palha nela e fazendo-a tropeçar toda vez que ela tentava pular no
escorregador. Eu disse para ele parar e quando ele não ouviu, eu dei um soco na
g p p q
cara dele. Meu pai não disse nada, apenas deu outra mordida lenta em sua
casquinha de sorvete. Ele sempre fez isso. Morder o sorvete em vez de lamber.
Minha mãe chamava isso de bárbaro.
— Você nem sempre vai saber qual é a coisa certa — ele disse. — Quando
isso acontece, você continua.
Eu pisquei para ele, o sorvete derretendo na lateral do meu cone e sobre meus
dedos.
— Continuar o quê?
— Você vai descobrir. — Outra mordida de sorvete. — Continue. Escute.
Você encontrará o seu caminho.
Eu tentei descobrir esse conselho à medida que cresci. Sempre esteve lá no
fundo da minha mente, toda vez que fiquei confuso, frustrado ou impaciente.
Continue. Escute. Mas agora, pela primeira vez, acho que entendi.
Vou continuar enchendo a dispensa de Stella com pão integral e barras de
proteína e frutas da vida real porque Cup O'Noodles e Oreos não são uma dieta
razoável. Vou dançar com ela na cozinha, seus pés descalços pisando em meus
dedos a cada dois passos. Cozinhar sua bolonhesa e ravióli e manicotti e pão de
alho com queijo extra porque seu rosto se ilumina quando ela me vê em seu
fogão, seu queixo no meu ombro enquanto ela tenta chegar em cima de mim
para provar. Eu vou segurar a mão dela quando ela precisar, aconchegá-la perto
quando ela precisar também.
Vou amá-la de todas as maneiras silenciosas, lentas, barulhentas e
desagradáveis. Meu coração está se movendo firmemente nessa direção desde que
ela caiu dos degraus de uma loja de ferragens, direto em meus braços.
— Por que você está sorrindo assim? — Ela murmura em meu peito, um
olho semicerrado, seu dedo cutucando a linha na minha bochecha. Eu afasto a
mão dela e enrosco nossos dedos. — É estranho.
— Hmm, você tem jeito com as palavras. Alguém já te disse isso?
Ela se apoia em um cotovelo, o cabelo escuro caindo em cascata sobre o
ombro em uma profusão de cachos. Ela está deslumbrante assim, em sua pele
nua e bochechas rosadas, cabelos emaranhados e um chupão na curva do ombro.
Eu empurro todo aquele cabelo para longe de seu rosto e traço a linha de sua
mandíbula, o pequeno buraco em seu queixo, seu lábio inferior cheio e tentador.
Eu não sei como eu mantive minhas mãos controladas por tanto tempo. Ela
pressiona um beijo na palma da minha mão e tudo em mim se acalma. Juro que
não sabia o quanto estava chacoalhando lá dentro até que Stella enrolou a mão
em volta do meu coração e puxou.
— Falando sério, qual é a do olhar?
— Só pensando — digo a ela. Eu deixo cair minha cabeça de volta para o
chão. — Apenas feliz.
Ela cantarola com isso, um pequeno movimento de seu corpo contra o meu.
O silêncio é um conforto caloroso entre nós, seu tornozelo enganchado sobre o
meu. O vento assobia nas janelas, o velho relógio em seu corredor faz um tique-
taque irregular. É lento em um segundo, rápido demais no próximo. Eu olho
para o espelho no canto do quarto dela e tenho algumas ideias.
Ela passa os dedos pelo meu peito e, em seguida, desliza a palma da mão para
baixo.
— Qual é o plano agora? — ela pergunta, um pouco sonolenta.
Ir para a cama, eu acho. Ver quantas vezes eu posso fazer sua respiração travar.
— Hm, eu acho que é óbvio — eu digo. Inclino minha cabeça para olhar
para ela. Ela se apoia, o queixo na palma de uma mão, a outra contra minhas
costelas. Eu não acho que ela percebe isso, mas ela está tropeçando seus dedos em
cada uma das minhas sardas, pintando quadros na minha pele. Eu sorrio.
Ela bufa e cai de volta contra mim, seu rosto no meu peito.
— Não diga isso.
Eu envolvo os dois braços ao redor dela e a seguro firme. Eu sorrio para o
teto.
— Nós vamos continuar.

O FIM
Obrigada
Meu primeiro agradecimento vai para você, leitor. É uma sensação
absolutamente insana que este livro esteja no mundo sendo lido por pessoas —
pessoas da vida real! Obrigada por dar a este pequeno livro um pouco do seu
tempo. Escrever isso foi um sonho realizado e eu não poderia ter feito isso sem o
apoio de duas pessoas muito importantes.
Você sabia que esta é a primeira coisa que meu marido já leu por mim?
Obrigado, E, por seu apoio enquanto eu digitava no pátio, no sofá, no chão e em
todos os lugares entre eles. Você sempre acreditou em mim e eu te amo muito.
Prometo ouvir você falar sobre Fantasy Football agora.

Annie, minha droga de entrada para romances. Você tem torcido por mim por
quase uma década. Este livro cem por cento não seria o que é se não fosse por
você. Obrigada por editar, mas mais importante, obrigada por segurar minha
mão.
Notas
[←1]
O Abeto de Douglas é uma árvore conífera que cresce na América do
Norte. Essa árvore alta e perene é frequentemente usada como árvore de
Natal e possui um toque cítrico refrescante e adocicado.
[←2]
Palavra de origem italiana, que significa em português “destacado”.
Termo muito utilizado na música, principalmente por pianistas e
instrumentistas de sopro, por ser uma técnica mais clássica. O staccato é
basicamente a forma de tocar “batendo” nas notas, não dando
continuidade a nenhuma delas. Cada nota é tocada em forma de “pulo”
com os dedos, ou seja, você não toca deixando sua mão nas teclas, mas sim
tirando-as rapidamente.
[←3]
Sriracha é um tipo de molho de pimenta, que recebeu o nome da cidade
de Si Racha, na província de Chon Buri, Tailândia, onde foi produzido e
servido nos restaurantes de frutos do mar locais.
[←4]
O hatchback é um design automotivo que consiste num
compartimento de passageiros com porta-malas integrado, acessível através
de uma porta traseira, e o compartimento do motor à frente.
[←5]
O lúpulo é responsável pelas substâncias que conferem amargor e
aroma à cerveja. Os componentes amargos de interesse para a bebida são os
alfa-ácidos. Durante a fervura, estes compostos passam por um processo
chamado isomerização, tornando-os solúveis no mosto e assim, conferindo
o amargor.
[←6]
Um presente de elefante branco é um presente escandalosamente feio
que é muitas vezes dado em brincadeira, que ninguém realmente quer.
[←7]
Em inglês, é um trocadilho entre Deus (God) e raposa (fox), já que
ambas as palavras possuem uma pronúncia muito similar.
[←8]
Uma garra de urso é uma massa doce, fermentada, um tipo de
dinamarquês, originária dos Estados Unidos.
[←9]
Expressão que se refere a quando uma pessoa faz algo e fofoca/se gaba
sobre isso logo em seguida.
[←10]
A Spirit Night é uma oportunidade proporcionada pela escola para
arrecadar fundos para escolas ou outras organizações que desejam arrecadar
dinheiro. É um evento da Noite dos Pais onde os adolescentes desfrutam de
uma noite de diversão. Os adolescentes vão jogar/brincar até não poderem
mais, enquanto a escola arrecada dinheiro.
[←11]
Referência ao filme Férias Frustradas de Natal.
[←12]
Em inglês, o original é IGLOO (Inglewild Gift List Operation
Operation), um trocadilho com a palavra Iglu. Por isso, mais para frente, a
Stella fala sobre os acrônimos: listaram o O duas vezes para dar o som de U.
[←13]
Marca norte-americana de preservativos.

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