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O PREÇO DE IR CONTRA A MANADA

Meu pai pagou um preço alto pelo simples e nobre fato de ter defendido uma postura
progressista nas eleições municipais de 2020. Mas, o termo “progressista” é deturpado e distorcido
deveras no Brasil, especialmente na região noroeste do Rio Grande do Sul, onde, através do
fenômeno Ana Amélia e todo o poder de uma RBS, afiliada da grande Rede Globo (grande não
porque é maravilhosa, simplesmente por termos de reconhecer que é o maior canal de comunicação
do país, principalmente em termos de televisão), onde ela focou nos municípios em sua campanha
para Senadora e, depois, para Governadora, da qual da última saiu derrotada por uma terceira via
sem propostas: Sartori.
O que é ser progressista de verdade? Não é, em primeiro lugar, ser filiado ao antigo PP,
atualmente apenas Progressistas, devido a este partido ser de extrema direita, o oposto do
progressismo. Como comentei, os termos são deturpados por aqui. Ser uma pessoa progressista é
acreditar no avanço civilizatório da humanidade, acreditarmos não necessariamente num avanço
evolutivo, mas crer e defender princípios que nos tornem mais humanos, mais igualitários e
promover equidade. Ser progressista é defender justiça social, diferente de ser um bacharel em
Direito reacionário que acredita cegamente na Justiça brasileira como se ela fosse realmente “justa”.
Ser alguém progressista é defender os direitos humanos, e direitos humanos não são um caso de
esquerda ou de direita, direitos humanos são para todos e para todas, sem distinção de cor, gênero,
sexualidade, etnia, país de origem, religião, e assim por diante. Defender os direitos humanos é
promover justiça social. Lutar por justiça social é promover equidade na sociedade local, estadual,
nacional e internacional, promovendo redistribuição da renda para que todos e todas tenham as
mesmas oportunidades e acesso a todos os serviços que geralmente ficam disponíveis e nas mãos
tão-somente da burguesia reacionária.
Meu pai sempre foi progressista, apesar de que, no início de sua carreira política, jovem como
era, deixou-se seduzir pela direita liberal, o que não é tão grave, pois entre eu, de esquerda, e um
liberal, apenas temos políticas opostas, mas os liberais não necessariamente irão ferir o meu direito
de existir e o dos meus amigos e das minhas amigas: este é o caso da ultradireita, como o fascismo,
o bonapartismo e a ditadura militar, que podem adotar novas formas em novas conjunturas, como
é o caso do fenômeno pernicioso conhecido como bolsonarismo em nosso país, que não tem
nenhuma vergonha de homenagear torturadores da época da sangrenta ditadura militar (1964-
1985), que eles próprios negam e chamam de “Revolução” para salvar o país do comunismo.
Revolução, amigos, é alterar as estruturas de modo geralmente irreversível, como foi o caso da
Revolução Francesa, da Revolução de 1917 na Rússia, da Revolução Cubana, da Revolução que Mao
promoveu na China, e assim por diante. O próprio eclodir do necrocapitalismo, iniciado por um
singelo neoliberalismo desde os anos 1980 evoluindo para o fenômeno da globalização, após a
derrocada da União Soviética e de os EUA terem se considerados vencedores e partirem a uma
imposição de seus preceitos, cultura e sistema político e financeiro ao mundo inteiro, convertendo
o planeta em capitalismo selvagem, desde os anos 1990 provocando mortes, desigualdade em
ascensão exponencial, má distribuição da renda, acirramento do conflitos de classes, maior
heterogeneidade nas cadeias globais de valor em termos de território e detenção de tecnologia,
além do principal aspecto: a pobreza, a exclusão das minorias e, finalmente, a morte. O mais recente
lado do necrocapitalismo é a grande onda de transtornos mentais que atingem o seio da saúde
mental de pessoas de todos os Estados por nosso globo e que está gerando preocupações nos países
mais avançados e desenvolvidos, ou seja, os países com políticas que mais se aproximam do
progressismo em stricto lato.
Meu pai, desde 2010, passou a adotar princípios esquerdizantes e progressistas em sua
carreira política, por ter se dado conta das coisas erradas no mundo, na sua singela formação de
Ensino Médio apenas, mas extremamente influenciado pelos espíritos revolucionários e
contestatórios de mim, das minhas irmãs, do maios acesso à informação e em maior velocidade,
além da própria conjuntura do país, com oito governos do que mais pode se considerar “esquerda”
no país: Lula e Dilma, deixando de lado a discussão sobre isto. Lula e Dilma podem não ter sido
governos de esquerda, pois incorporaram a ideologia pequeno-burguesa, abandonando o
sindicalismo revolucionário que originou o Partido dos Trabalhadores, fazendo exatamente o
oposto do que constatou a teoria marxiana sobre a luta de classes e confluindo em uma união de
todas as classes que, deixando correr solto, só poderia influenciar as classes mais favorecidas e os
banqueiros, embora tenham sido adotadas políticas progressistas que fizeram o país ter saído por
um período do mapa da fome da ONU, dentre outros avanços que podem ser considerados
importantes para o avanço civilizatório em nosso solo. Isto gerou, consequentemente, a reação, a
maldita reação dos conservadores que sempre existiram e sempre existirão, os que não aceitam
mudanças que favoreçam também os pobres, por perderem certos privilégios e os menos
favorecidos ganharem direitos, e eles são classe média e pensam ser classe alta, que deveriam ser
de esquerda ou, minimamente, apoiar um Estado de bem-estar social, mas, não, eles defendem a
“tradição”, a “família”, a “pátria”, e sobretudo “Deus”, discurso clássico da direita. Deixando de lado
tudo o que isto significa na cabeça deles e o contraste com o que representam na realidade concreta.
Diante disto, meu pai, ao adotar, especialmente através de mídias digitais, e apresentar para
a população de uma cidade com menos de 4 mil eleitores (conservadores, fanáticos-religiosos,
tradicionalistas, racistas, xenófobos, inflexíveis, que veem a esquerda e o comunismo como o
anticristo e o fim dos tempos) sua campanha estava fadada ao fracasso, pois não agradaria a maioria
da população com todos estes aspectos mais o aspecto neofascista oriundo da ideologia
bolsonarista, predominante em Porto Lucena. Quando meu pai apresentava projetos
revolucionários para a cidade, era visto como motivo de deboche, chacota, como algo jamais
realizável, e, para quem tem força de vontade e sabe como fazer, era tudo muito concreto, objetivo
e plausível, no entanto as pessoas não compreenderam suas ideias. E tais planos, projetos, ideias do
meu pai como vereador há sete mandatos não são surpresa nenhuma na Europa, nos Estados
Unidos, na Ásia, nos países mais progressistas da África, e inclusive em vários pontos da América
Latina (temos a Argentina, Chile, Cuba e Bolívia como expoentes), porém assustou a população
local, pois eles têm mentalidade medieval, basta pegar o exemplo da homofobia, que é crime no
Brasil atual, mas que aqui segue forte e prejudicial a todos os gays, lésbicas, bissexuais, transexuais,
assexuais, etc. que aqui vivem e tem de se esconder em namoros ou casamentos heterossexuais
(padrão da família tradicional da cabeça deles) de fachada para poderem simplesmente
sobreviverem na sociedade fechada e atrasada daqui. Eis o grande pecado de meu pai: ter ido contra
a manada, contra literalmente o “gado” bolsonarista. É tudo.

G R Tissot
15, Novembro
11:46 pm

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