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Ensino, Saúde e Ambiente – V 7 (1), Edição Especial, maio de 2014

ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO: UM MARCO TEÓRICO-


METODOLÓGICO PARA PESQUISAS EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

CRITICAL DISCOURSE ANALYSIS: A THEORETICAL-


METHODOLOGICAL FRAMEWORK FOR RESEARCH IN SCIENCE
EDUCATION

Edileuza Dias de Queiroz1, Laísa Freire2


1
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e
Saúde e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Departamento de Educação e Sociedade
edileuzaqueiroz@gmail.com

2
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Ecologia, Laboratório
de Limnologia, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
laisa@biologia.ufrj.br

Resumo

Este ensaio teórico pretende contribuir para o embasamento teórico-metodológico de


pesquisas na área de educação em ciências a partir dos estudos da linguagem
referenciados pela Análise Crítica do Discurso (ACD). Consideramos a ACD,
desenvolvida por Norman Fairclough, um referencial com condições de atender às
demandas de pesquisas em educação em ciências envolvendo aspectos sociais, suas
relações de poder e questões linguísticas. Para a ACD, práticas sociais são
discursivamente moldadas e constituídas, o discurso que é linguisticamente analisável,
constitui elemento chave para esta interpretação. A ACD relaciona-se com outras teorias
e métodos sociais, engajando-se não apenas de maneira interdisciplinar, mas
transdisciplinar, entendendo que o diálogo entre disciplinas e arcabouços pode levar ao
desenvolvimento das mesmas por meio de um processo de cada uma internamente se
apropriar da lógica da outra como recurso para seu próprio desenvolvimento.
Palavras-chave: Análise Crítica do Discurso; referencial teórico-metodológico;
educação em ciências

Abstract
This study intends to contribute to the theoretical and methodological basis of research
in Science Education (SE) using the approach of Critical Discourse Analysis (CDA).
We consider CDA, developed by Norman Fairclough, a critical approach to address
demands of research in SE. This theory discuss linguistic issues involving social
aspects, as it constitutes an important theoretical and methodological framework to the
analysis of texts. For CDA, social practices are discursively shaped, the intrinsic
properties of discourse, which are linguistically analyzable, constitute a key element of
their interpretation. CDA is related to other theories and social methods in a
transdisciplinary way. The dialogue between two disciplines and frameworks may lead
to a development of both by a process of each internally appropriating the logic of the
other as a resource for its own development.

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Keywords: Critical Discourse Analysis, theoretical-methodological framework,


Science Education

Introdução
Este estudo é parte de uma tese de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-
graduação em Educação em Ciências, que busca discutir questões da formação inicial
docente nas ciências por meio dos estudos da linguagem. Interessa-nos entender os
movimentos de disputas discursivas na construção de hegemonias do discurso quando
se discute a inserção curricular da educação ambiental na formação do licenciado em
ciências biológicas. Deste modo, no presente estudo, buscamos fortalecer a discussão
teórica do quadro teórico-metodológico da Análise Crítica do Discurso (ACD) de
modo a pensar em contribuições paras as pesquisas em educação em ciências.
Bakhtin (1992), busca na linguagem a chave da compreensão para as principais
questões epistemológicas que perpassam as ciências humanas e sociais. A linguagem
é um elemento básico, fundamental na vida social, é parte da sociedade. Segundo
Resende e Ramalho (2011), a perspectiva funcionalista da linguagem permite entender
de que modo os sistemas linguísticos funcionam na representação de eventos, na
construção de relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de
hegemonia no discurso.
Como processo social, a linguagem envolve o discurso, sendo este uma forma de
ação e intervenção no mundo, pois é através dele que os indivíduos constroem sua
realidade social, agem no mundo em condições histórico-sociais e nas relações de
poder nas quais operam (FAIRCLOUGH, 2001). Segundo o autor, o Discurso não é
apenas prática de representação do mundo, mas também prática de significação no
mundo, construindo o mundo em significado. Desta forma, afirma o autor, o Discurso
contribui para a construção de identidades sociais, relações sociais entre as pessoas e
sistemas de conhecimento e crenças.
Através de revisão de literatura relacionada aos estudos do discurso de Norman
Fairclough, entendemos que por meio da ACD, é possível oferecer novas formas de
entender a realidade, buscando-se desvelar ideologias e valores vigentes nos discursos
que circulam na sociedade. É fato que todos os indivíduos vivem imersos em sistemas
socioculturais estruturados a partir de códigos simbólicos e de normas, que de alguma
forma regulam as práticas sociais. Tais práticas sociais são conformadas e conformam
Discursos que caracterizam modos de agir, representar e identificar.

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Para uma construção teórico-metodológica em pesquisas humanas,


especialmente na educação em ciências, a ACD pode contribuir de forma que
possamos entender movimentos de ruptura de estruturas aparentemente cristalizadas
na vida social a partir das relações entre forma e função da linguagem, pois é tarefa da
ACD a construção de um corpo teórico integrado, a partir do qual seja possível
desenvolver uma descrição, explicação e interpretação dos modos como os discursos
dominantes influenciam o conhecimento, os saberes, as atitudes e também as
ideologias socialmente compartilhadas. Neste sentido, a ACD “é motivada pelo
objetivo de prover bases para um questionamento crítico da vida social em termos
políticos e morais, ou seja, em termos de justiça social e de poder” (FAIRCLOUGH,
2003, apud, Resende e Ramalho, 2004, p.190).
Embora a ACD não tenha em sua gênese preocupações com o campo da
educação, temos observado autores (ROGERS, 2004; MARTINS et al 2008;
SANTOS, 2010; FREIRE 2012) direcionam suas pesquisas na interface entre a ACD e
a educação. Este ponto é central para a nossa abordagem, pois nosso trabalho tem o
foco no campo educacional. Especificamente Rogers (2004) em seu trabalho
argumenta que a ACD contribui ao entendimento da aprendizagem, como objetivo
principal da pesquisa educacional, de dois modos. O primeiro relaciona-se ao fato da
análise ser crítica, o que permite o problematizar criticamente os processos de
aprendizagem, considerando suas relações sociohistóricas. O segundo refere-se ao
processo da própria ACD no qual pesquisadores e participantes são moldados
oferecendo possibilidades não apenas para a crítica, mas também para a transformação
social que surge da crítica.
É a partir desses pressupostos que consideramos a ACD como uma opção que
favorece às pesquisas em ciências humanas, pois, segundo Amorim (2007, p. 12):
Nas ciências humanas conjugam-se as dimensões ética e estética para dar
origem a uma outra dimensão que é a epistemológica. Desse modo, a
produção de conhecimentos e o texto em que se dá esse conhecimento são
uma arena onde se confrontam múltiplos discursos. (...) entre o discurso do
sujeito a ser analisado e conhecimento e discurso do próprio pesquisador que
pretende analisar e conhecer, uma vasta gama de significados conflituais e
mesmo parodoxais vai emergir.

Contudo, de acordo com o referencial da ACD, tais significados construídos, não


são conflituais ou paradoxais, e sim constituintes da linguagem e de seus processos
intertextuais.

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Breve histórico da Análise Crítica do Discurso


A partir da década dos anos 70 do século XX1, desenvolveu-se uma forma de
análise do discurso que identificava o papel da linguagem na estruturação das relações
de poder na sociedade, a análise crítica do discurso (ACD) 2 (FAIRCLOUGH, 2001).
Gouveia (2001) entende quatro grandes momentos históricos centrais para o
desenvolvimento da ACD. O primeiro refere-se ao surgimento da linguística crítica em
oposição às teorias linguísticas dominantes à época, que consideravam o significado
descolado do estilo ou expressão e a separação entre estrutura e signos linguísticos. Por
outro lado, a linguística crítica defende que os grupos e as relações sociais influenciam
o comportamento linguístico e não-linguístico dos sujeitos, incluindo a sua atividade
cognitiva. Em 1985, configura-se um segundo momento, no qual Fairclough se afasta
relativamente do projeto inicial da linguística crítica. A publicação Critical and
Descriptive Goals in Discourse Analysis marca este momento. O terceiro marco para o
estabelecimento da ACD foi a publicação da revista “Discourse and Society”, em 1990,
dirigida por Teun Van Dijk, marcando, segundo Gouveia (2001), a ACD como uma
área de investigação e especialização acadêmicas. O ano de 1996 marcou um quarto
momento de cosnolidação, pois neste ano foi publicada uma coleção de livros intitulada
Critical Discourse Analysis dirigida por Norman Fairclough.
Esta área, longe de ser homogênea reúne pesquisadores diferentes enfoques de
estudo3. São nomes expoentes: Teun van Dijk, Norman Fairclough, Gunter Kress, Theo
van Leeuven e Ruth Wodak. Dessa forma, esse tipo de marco teórico-metodológico
surgiu com um grupo de estudiosos, de caráter internacional e heterogêneo. Santos,
(2010) recupera estas diferentes abordagens para caracterizar a ACD: Meyer (2003)
entende que Norman Fairclough tem sua abordagem a partir da linguística
multifuncional de Halliday (1978) utilizando também o conceito de ordem de discurso

1
Cabe aqui ressaltar que, na década de 60, alguns movimentos consolidavam estudos sobre a importância
das mudanças sociais como perspectiva de análise. Na Grã-Bretanha, por exemplo, um grupo de
linguistas desenvolveu uma “linguística crítica”, articulando as teorias e os métodos de análise textual da
“linguística sistêmica”, de Halliday, com teorias sobre ideologias. Já na França, Pêcheux e Jean Dubois
desenvolveram uma abordagem da análise de discurso, baseados no trabalho do linguista Zellig Harris e a
reelaboração da teoria marxista sobre a ideologia, feita por Althusser, que ficou conhecida como Análise
do Discurso Francesa.
2
No presente trabalho apenas consideramos alguns aspectos gerais para a reconstrução da configuração
histórica da ACD. Para estudos mais detalhados sobre o surgimento da ACD consultar: Gouveia (2001);
Nascimento (2010) e Melo (2011).
3
Por isso, é importante mencionar as publicações: “Language and power”, de Norman Fairclough, em
1989; “Language, power and ideology”, de Ruth Wodak, em 1989; e a obra de Teun van Dijk sobre
racismo, “Prejudice in discourse”, em 1984.

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de Foucault enquanto que Ruth Wodak e Teun Van Dijk introduzem um nível sócio
cognitivo nas análises. Contudo, Van Dijk (2002, p. 20) expõe, diferentemente de
Meyer (2003) como entende algumas das diferenças, situando os autores:
Norman Fairclough em uma perspectiva que tem suas raízes no
neomarxismo, se interessa mais pelas estruturas globais de poder, como a
globalização. Ruth Wodak agrega uma dimensão histórica, por exemplo, em
seus estudos sobre anti-semitismo, instituições e gênero. Luisa Martín Rojo
em Madrid trabalha sobre racismo, gênero e outros temas a partir de uma
perspectiva foucaultiana.

Este autor, ainda distingue a sua própria perspectiva de trabalho, e a descreve


como mais centrada no que concerne à integração da dimensão sócio cognitiva nas
pesquisas sobre a reprodução da dominação.

Aprofundando a abordagem faircloughiana da Análise Crítica do Discurso


Segundo Resende e Ramalho (2011), foi através do livro “Language and Power”,
publicado em 1989, que a abordagem faircloughiana da ACD começou a se constituir
como uma ciência crítica sobre a linguagem. Para as autoras a obra tinha como objetivo
contribuir tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais de textos quanto para
mudanças sociais que superassem relações assimétricas de poder, parcialmente
sustentadas pelo discurso. Contudo, ao longo de seus trabalhos a ACD experimenta uma
mudança de ênfase do aspecto linguístico para o aspecto sociológico, tanto do ponto de
vista teórico quanto analítico. O trabalho de Fairclough (1992), em sua primeira fase, é
baseado na linguística Sistêmica Funcional de Halliday (1991), teoria que considera a
linguagem na forma como ela é configurada pelas funções sociais que deve atender.
Halliday (1991) apresenta e descreve três macrofunções da linguagem no processo de
comunicação, a saber: ideacional, interpessoal e textual. Contudo, Fairclough, segundo
Resende (2009), as redefine para funções ideacional, identitária, relacional e textual
(1992) e para significados representacionais, identificacionais e acionais (na formulação
de 1999). Para Resende e Ramalho, (2004, p 190) a nova formulação tem o objetivo de
“refletir sobre a mudança social contemporânea, sobre as mudanças globais de larga
escala e sobre a possibilidade de práticas emancipatórias em estruturas cristalizadas na
vida social.” Neste enquadre, Resende e Ramalho (2004, p 190) afirmam que:

a ADC assentada como reflexão sobre o discurso é localizada no contexto da


Modernidade Tardia. O seu enquadramento dá-se: (i) numa visão científica
de crítica social; (ii) no campo da pesquisa social crítica sobre a modernidade
tardia; e (iii) na teoria e na análise linguística e semiótica.

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Nesta abordagem, a localização teórica da ACD está em compreender o discurso


como um momento de prática social, sabendo que todas as práticas sociais incluem os
seguintes elementos: atividade produtiva, meios de produção, relações sociais,
identidades sociais, valores culturais, consciência e semioses. Esses elementos se acham
relacionados dialeticamente, isto é, não são elementos discretos, embora sejam
diferentes.
Segundo Fairclough (2001, p. 275), a prática da ACD não deve seguir um
esquema predeterminado, rígido, “pois não há procedimento fixo para se fazer análise
de discurso; as pessoas abordam-na de diferentes maneiras, de acordo com a natureza
específica do projeto e conforme suas respectivas visões do discurso”. Apesar disso, ele,
em diferentes publicações, sugere diretrizes para construção dos dados, das análises e
dos resultados, ressaltando que, o ideal é que o analista deva realizar um trabalho
interdisciplinar. Fairclough e Chouliaraki (1999) criam uma agenda de pesquisa para a
ACD baseada em pares dialéticos como pares de termos contraditórios no discurso da
modernidade tardia. Estes pares são: colonização/apropriação; globalização/localização;
reflexividade/ideologia e identidade/diferença.

O percurso metodológico ancorado na ACD


Segundo Melo (2011), o objetivo metodológico do analista crítico é investigar
traços e pistas a fim de tornar visíveis as relações existentes entre a linguagem e outras
práticas sociais, que são dadas como naturais. Segundo, Resende (2009) a vantagem de
uma análise do discurso textualmente orientada é que a mesma permite e fundamenta
uma análise social a partir dos dados linguísticos sustentando a crítica explanatória.
Ainda acrescenta, “por meio de análises discursivas críticas, é possível identificar
conexões entre escolhas linguísticas de atores sociais ou grupos e os contextos sociais
mais amplos nos quais os textos analisados são formulados.” (RESENDE, 2009). Neste
sentido, a proposta da ACD é desconstruir os significados implícitos ou ocultos que
estão presentes nos textos, e com isso expor elementos indiciais reprodutores da
organização social, que privilegia certos grupos e indivíduos em detrimento de outros,
por meio de formas institucionalizadas de ver e avaliar o mundo (ideologias) ou
preservação de poderes (hegemonia) de grupos dominantes (MELO, 2011).
Para realizar uma estrutura analítica da ACD, Chouliaraki e Fairclough (1999)

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colocam algumas diretrizes apresentadas a seguir baseadas no realismo crítico de


Bhaskar:
1) Perceber um problema em alguma parte da vida social e identificar seu aspecto
semiótico;
2) Identificar os obstáculos para que esse problema seja resolvido, pela:
a) Análise da conjuntura – especificação da configuração das práticas nas quais
o discurso é localizado;
b) Análise da prática particulares ou práticas e suas relações com outros
elementos (atividade material, processos mentais, relações sociais) dentro
das práticas particulares em questão;
c) Análise do discurso:
i) Análise estrutural: a ordem de discurso;
ii) Análise interacional;
a. Análise interdiscursiva;
b. Análise linguística e semiótica.
3) Discutir a função do problema na prática considerando se e como o aspecto
problemático do discurso em foco tem uma função dentro da prática;
4) Identificar maneiras possíveis para superar os obstáculos;
5) Refletir criticamente sobre os itens 3 e 4 (acima citados).
Após apresentar o esquema acima, Fairclough vai explicando cada um dos itens,
que ele denomina de estágios – como segue abaixo, de forma sucinta – . Segundo o
autor, esse modelo de análise é a combinação de elementos relacionais com elementos
dialéticos, combinando uma apreciação negativa, no diagnóstico do problema, com uma
apreciação positiva, na identificação das possibilidades até então inexistentes para a sua
resolução.
O estágio 1 mostra como essa abordagem da ACD é baseada em problemas, e há
a necessidade de perguntar: um problema para quem? O autor ressalta que a ACD é uma
forma de ciência social crítica, projetada para mostrar problemas enfrentados pelas
pessoas em razão das formas particulares de vida social, fornecendo recursos para que
se chegue a uma solução. Complementa que os assuntos problemáticos e que requerem
mudanças são controversos e contestáveis, e a ACD estará envolvida em debates e
controvérsias sociais quando enfatizar certas características da vida social como
problema.

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O estágio 2 aborda o diagnóstico do problema de uma forma indireta,


questionando quais são os obstáculos a serem superados. O diagnóstico considera a
maneira pela qual as práticas sociais se inter-relacionam, o modo de relação da semiose
com outros elementos de práticas sociais e com características de discurso em si.
O estágio 3 é uma forma indireta de ligar as coisas como realmente são com o
que elas devem ser. Fairclough exemplifica com o problema da ideologia: o discurso é
ideológico na medida em que contribui para a manutenção de relações particulares de
poder e dominação.
O estágio 4 transforma a apreciação crítica negativa em positiva, através da
identificação das possibilidades de mudanças ainda não concebidas, ou concebidas
parcialmente. Esta fase pode estar voltada para apontar contradições, lacunas,
deficiências dentro dos aspectos considerados dominantes da ordem social, ou ainda
mostrar diferenças e resistências.
O último estágio, 5, é o momento em que a análise se torna reflexiva,
questionando sua eficácia como apreciação crítica, sua contribuição para
aprofundamentos teórico-metodológicos de trabalhos acadêmicos e mudança social.

As contribuições da ACD para as pesquisas em Ensino de Ciências


Na sociedade contemporânea um dos grandes desafios é produzir conhecimento,
e não apenas transmitir, pois isto representa uma educação bancária (FREIRE, 2005),
que não leva o educando à construção do conhecimento. A educação científica, segundo
Moura (2012), deve fazer parte da formação do cidadão, para que ele possa
compreender, opinar e tomar decisões baseadas no entendimento sobre o progresso
científico e os riscos e conflitos de interesses que nele estão inseridos. Para Santos
(2007), a educação científica é um conceito amplo, que depende do contexto histórico
no qual ela é proposta, depende ainda de pressupostos ideológicos e filosóficos, tendo
em vista que a ciência engloba diferentes atores sociais.
Neste sentido, segundo Santos (2007), o objetivo central do ensino de ciências é
promover a educação científica e tecnológica, auxiliando o aluno na construção de
conhecimentos, habilidades e valores necessários às tomadas de decisões responsáveis
sobre questões de ciência e tecnologia e atuar na solução de tais questões. A questão da
linguagem no ensino de ciências deve ser considerada questão central, Martins (2006, p.
120) afirma que “a linguagem é mais do que um conjunto de recursos simbólicos de
expressão e comunicação: é instância constitutiva de identidades, de relações entre

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sujeitos, e de relações entre sujeitos, instituições e conhecimento”. Halliday (1993,


apud Santos, 2007), afirmam que a linguagem científica apresenta características
próprias que a distingue da linguagem cotidiana. Mortimer (1998, apud Santos, op cit),
demonstra que a linguagem científica é um gênero de discurso que foi construído
socialmente pelos cientistas em sua prática, enquanto a linguagem científica é estrutural
e aparentemente descontextualizada, sem narrador, nominalizando processos, a
linguagem cotidiana é linear, automática, dinâmica, geralmente produzida por um
narrador em uma sequência de eventos.
Reafirmamos aqui a importância da ACD enquanto ferramenta teórico-
metodológica, que permite problematizar a linguagem, as questões do poder da ciência,
a linguagem da autoridade, os discursos da ciência. E assim, nos permite compreender
melhor os limites do ensino de ciências e trabalhar para a superação destes limites,
tendo em vista as transformações sociais.

Considerações finais
Consideramos a ACD o “fio condutor” que pode dá suporte teórico-
metodológico para o alcance dos objetivos de pesquisas, especialmente as de cunho
social. De acordo com Magalhães (2005), este referencial estuda textos e eventos em
diversas práticas sociais, propondo uma teoria e um método para descrever, interpretar e
explicar a linguagem no contexto sociohistórico. Esta autora afirma que a ACD
desenvolveu o estudo da linguagem como prática social, com vistas à investigação e
transformações na vida social contemporânea.
A ACD tem uma relação dialógica com outras teorias e métodos sociais,
engajando-se não apenas de maneira interdisciplinar, mas transdisciplinar, entendendo
que o diálogo entre disciplinas e arcabouços pode levar ao desenvolvimento das
mesmas por meio de um processo de cada uma internamente apropriarem-se da lógica
da outra como recurso para seu próprio desenvolvimento. Concluímos que, pelo fato da
ferramenta teórico-metodológica aqui defendida, acreditamos que a contribuição da
ACD para a pesquisa em educação de ciências situa-se no sentido de gerar caminhos
para entender processos de mudança social em diferentes escalas.

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