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Revista de Estudos Empíricos em Direito

Brazilian Journal of Empirical Legal Studies


vol. 6, nº 2, ago 2019, p. 58-77
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“GESTÃO DE ILEGALISMOS E O TEATRO


DA DISCIPLINA: os casos de falta grave
por posse, utilização ou fornecimento
de celular em uma unidade prisional de
Curitiba/PR no ano de 2017”
André Ribeiro Giamberardino1

Palavras-Chave Resumo
execução penal/ falta grave/ celulares/ A Lei 11.466/2007 inseriu a posse, utilização
ilegalismo/ sociologia da prisão ou fornecimento de celular, rádio ou similar
como hipótese de falta grave, conforme o
art. 50, VII, da Lei de Execução Penal. Hoje, o
que se vê é a absorção da proibição dos ce-
SUMÁRIO lulares pelas práticas de gestão e construção
1. Introdução. 2. Notas metodológicas pre- da ordem interna, aqui tomadas a partir do
liminares. 3. Base teórica: o sistema disci- conceito foucaultiano de ilegalismo e de al-
plinar na crítica sociológica e jurídica. 3.1 gumas hipóteses fundantes da sociologia
Ilegalismos e a construção da ordem inter- das prisões. A pesquisa traz recorte empírico
na nas prisões; 3.2 Do sistema disciplinar e com todos os casos de falta grave em uma
a discricionariedade administrativa da auto- unidade de Curitiba/PR em 2017, totalizando
ridade penitenciária. 4. As faltas graves re- 16 (dezesseis), colocando a questão de quais
ferentes a posse ou uso de telefone celular seriam os parâmetros determinantes para
(ou componente acessório) no ano de 2017 imputação de responsabilidade disciplinar
na Casa de Custódia de Curitiba (CCC). 5. por telefones celulares ou similares apreen-
Considerações finais. Referências. didos a este ou àquele preso. A partir da aná-
lise dos processos e observação participante,
evidencia-se como na grande maioria dos
casos os presos que assumem a responsabi-
lidade pelos itens apreendidos o fazem por
não terem família na região ou por terem
uma pena remanescente alta, tendo por ob-
jetivo a contraprestação pecuniária ou outros
favores, não sendo os verdadeiros donos dos
aparelhos. A aplicação da sanção disciplinar,
André Ribeiro Giamberardino1
com conhecimento da falsidade da confis-
são, indica que o Estado opera como gestor
1 Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito de ilegalismos e não a partir do binômio líci-
da UFPR e Colaborador do Programa de Pós-graduação em Sociolo-
gia da UFPR. to/ilícito oriundo da norma jurídica.
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“ILLEGALISMS AND THE THEATER OF


DISCIPLINE: the 2017’ cases of unlawful
possession, use and provision of mobile
phones in a prison unit in Curitiba/PR”

André Ribeiro Giamberardino

Key words Abstract


penitentiary law/ mobile phones/ In 2007, the law 11.466 inserted the possession,
illegalisms/ sociology of prison use and provision of mobile phones,
radio or similar in prison as hypothesis of
serious misconduct. Today, what is seen
is the absorption of the prohibition by the
practices of management and construction
of the internal order, taken here from the
Foucaultian concept of illegalism and some
hypotheses found in the sociology of prisons.
The research brings an empirical sample
with all the cases of serious misconduct
by this reason in a prison of Curitiba in
2017, totaling 16 (sixteen), being asked the
question of which would be the determining
parameters for imputation of disciplinary
responsibility by cellular phones seized to
this or that prisoner. From the analysis of
the processes and participant observation,
it is evident how, in the great majority of
cases, the prisoners who take responsibility
for the seized items do so because they
do not have family in the region, because
they have a high remnant penalty or to get
some form of payment, not being the real
owners of the devices. The application of
the disciplinary sanction, with knowledge of
the falsity of the confession, indicates that
the State operates as manager of illegalisms
and not from the legal/illegal binomial.
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1. Introdução da unidade, o preso pode ficar por até 30


(trinta) dias sem a visita do cônjuge, compa-
Publicada em 28 de março de 2007, a Lei
nheira, filhos, parentes e amigos, bem como
11.466 (2007) inseriu a posse, utilização ou
sem acesso ao pátio de sol e outras ativida-
fornecimento de “aparelho telefônico, de rá-
des. Posteriormente, caso a falta grave seja
dio ou similar, que permita a comunicação
confirmada pelo juízo, outras consequên-
com outros presos ou com o ambiente ex-
cias podem impactar em sua pena, como
terno”, como hipótese de falta disciplinar de
o reinício da contagem do tempo para pro-
natureza grave, conforme tipificação cons-
gressão de regime e a perda de parte dos
tante do art. 50, VII, da Lei de Execuções Pe-
dias remidos por trabalho ou estudo.
nais, doravante LEP (Lei 7.210/84): “Art. 50.
Comete falta grave o condenado à pena Durante o ano de 2017, atuei como defen-
privativa de liberdade que: (...) VII - tiver em sor público nos processos administrativos
sua posse, utilizar ou fornecer aparelho te- disciplinares em unidade prisional situada
lefônico, de rádio ou similar, que permita a na região metropolitana de Curitiba/Paraná
comunicação com outros presos ou com o – a Casa de Custódia de Curitiba, doravante
ambiente externo”. “CCC”. Agregada à experiência profissional,
parcial por definição, foi colocada a ques-
Originado do PL 136/2006 do Senado Fede-
tão de pesquisa sobre quais seriam os pa-
ral, a justificativa do projeto de lei se baseou
râmetros determinantes para imputação de
na demanda por controle da articulação
responsabilidade disciplinar por telefones
de “ações criminosas a partir dos estabele-
celulares ou similares apreendidos a este
cimentos penais”, com menção expressa à
ou àquele preso. E o que fica claro é que, na
“onda de violência no Estado de São Paulo,
imensa maioria dos casos, os presos que se
em que o PCC alvejou várias instituições pú-
apresentam como donos ou responsáveis
blicas e privadas da capital”2, fato datado de
pelos itens proibidos apreendidos não o são,
2006 e que motivou a tramitação do projeto.
de fato. Mesmo assim, as “confissões” são
Pouco mais de dez anos depois, porém, o aceitas pelo Estado no âmbito do processo
que se vê é a absorção e cooptação da proi- administrativo disciplinar (PAD), sendo mui-
bição abstrata dos celulares pelas práticas tas vezes, como se indica a seguir, afastadas
concretas de gestão, aqui tomadas a partir em Juízo. Os dados apresentados dizem
do conceito foucaultiano de ilegalismo e de respeito à integralidade das faltas graves
algumas hipóteses fundantes da sociologia correspondentes à apreensão de celular ou
das prisões na temática da construção da acessório durante o ano de 2017, na citada
ordem interna. unidade prisional.

Importante ter em conta, desde logo, que o 2. Notas metodológicas preliminares


reconhecimento de que o preso praticou a
Parece importante e pertinente apresentar
referida falta grave o sujeita a sanções ad-
brevemente algumas cautelas metodoló-
ministrativas previstas em lei (art. 53, LEP),
gicas, tratando-se a presente pesquisa, em
como o isolamento e a suspensão ou res-
parte, de uma observação incognito no am-
trição de direitos. Por decisão do diretor
biente prisional. São as questões de pesqui-
2 Acessível mediante busca pelo histórico do PL 136/2006 no sítio vir-
tual do Senado Federal, no link: http://www.senado.gov.br. Acessado sa que devem levar à decisão pelos instru-
em: 20/03/2018.

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mentos metodológicos mais adequados, e alguns aspectos relacionados ao acesso a


não o contrário: no caso, por razões indica- um campo tão fechado3, além de fazer com
das a seguir, optei pela análise documental que se passe a ser parte do próprio objeto,
de processos (públicos) agregada à obser- sem qualquer pretensão de análise “neutra”
vação participante como pesquisador, mas e à distância. O desenvolvimento de uma
a partir de posição ocupada, no interior da relação cooperativa para com o respectivo
unidade, como profissional do sistema de departamento penitenciário, por exemplo,
justiça. Importante registrar que se está a é apontado como etapa importante para a
seguir a premissa pela qual toda pesquisa consecução dos objetivos de qualquer tra-
qualitativa não deve estabelecer um con- balho nesse âmbito (Martin, 2000, p. 218-219;
ceito bem definido no início e formular hi- Apa et al, 2012, p. 468-469), até porque a au-
póteses a serem testadas, mas sim desen- torização é ato imprescindível para possibi-
volver e refinar conceitos e hipóteses no litar o acesso. No caso, tal autorização não se
processo de pesquisa (Angrosino, 2009, p. fez necessária porque a observação se deu
9), o qual ocupou efetivamente todo o ano na condição de profissional do sistema de
de 2017. justiça, cuja presença é funcional e necessá-
ria nos depoimentos e reuniões para julga-
Os resultados aqui apresentados indicam
mento das infrações disciplinares, sob pena
a prevalência de parâmetros extralegais na
de nulidade, nos termos da Súmula nº. 533,
imputação de responsabilidade discipli-
do Superior Tribunal de Justiça:
nar a presos que, sabidamente, não eram
os verdadeiros “culpados” pelos celulares
ou itens associados, mas assumem tal Para o reconhecimento da prática de
condição diante do Estado em respeito a falta disciplinar no âmbito da execução
penal, é imprescindível a instauração de
normas e dinâmicas criadas pela própria procedimento administrativo pelo dire-
população carcerária ou que regulam as tor do estabelecimento prisional, assegu-
rado o direito de defesa, a ser realizado
interações entre a população carcerária e
por advogado constituído ou defensor
o corpo de funcionários da unidade pri- público nomeado (DJe 15/06/2015).
sional.

Há várias formas para se proceder a


A presença relativamente frequente contri-
uma pesquisa no cárcere, inclusive a par-
bui na redução das alterações de rotina que
tir da condição de profissional do sistema
são reações defensivas diante de qualquer
de justiça (Martin, 2000, p. 216), ainda que
membro externo ao campo. Nesse sentido a
essa não seja a mais usual. A colheita de
reflexão de Cicourel:
dados nessas circunstâncias impõe uma sé-
rie de cautelas de ordem ética e precauções
metodológicas que devem ser, desde logo, A participação mais intensa tem a van-
registradas. tagem de expor mais o observador tanto
3 Sobre os vários dilemas presentes em pesquisas em prisões, a par-
A apresentação de si mesmo aos de- tir de experiência de programa de investigação sobre a reincidência
criminal e violência nas prisões de São Paulo, v. Adorno, S. (1991). “A
mais atores na condição de profissional, e prisão sob a ótica de seus protagonistas: itinerário de uma pesquisa”.
Revista Tempo Social, 3(1-2), 7-40; Bodê de Moraes, P. (2013). “A iden-
não de pesquisador, contribui para facilitar tidade e o papel de agentes penitenciários”. Revista Tempo Social,
25(1), 131-147.

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à rotina quanto às atividades incomuns A observação clandestina é também es-


do grupo estudado. Supõe-se que quan- colhida no caso de situações sociais com-
to mais intensa for a participação, por plexas ou de meios quase inacessíveis
um lado mais ricos serão os dados, e por sem essa dissimilação. Nesta circunstân-
outro lado maior será o perigo de “virar cia, é uma lógica de acessibilidade que
nativo” além de, como consequência de orienta a estratégia. (...). Este é o caso
se adotar a maneira de perceber e inter- principalmente dos estudos sobre as ins-
pretar o ambiente que é própria do gru- tituições totais (o hospital psiquiátrico, a
po, tornar-se cego para muitas questões prisão, o exército), ou sobre grupos fecha-
importantes cientificamente (Cicourel, dos, tais como as gangues ou as seitas.
1980, p. 93). (Jaccoud e Mayer, 2008, p. 265)

Porém, tal condição cria limites éticos à uti- Na mesma linha a ponderação de S. Chauvin:
lização de alguns instrumentos como, por
exemplo, a entrevista. Fundamental escla-
recer, desde logo, que os instrumentos me- A observação incognito, além disso, colo-
ca um problema deontológico, já que ela
todológicos aqui utilizados foram prevalen- priva os atores de um consentimento in-
temente a análise documental de processos formado de sua participação na pesquisa.
As informações colhidas sobre eles são
de execução penal que são públicos, inclu- feitas à revelia. Esta recriminação clássica
sive no que tange ao conteúdo dos depoi- feita à observação dissimulada, não pode,
no entanto, ser mantida senão radicali-
mentos prestados pelas pessoas presas no zando sua especificidade e exagerando o
âmbito dos respectivos processos adminis- caráter informado do consentimento dos
pesquisados em outros métodos. Na rea-
trativos disciplinares. lidade, uma observação completamente
às claras é praticamente impossível, salvo
Em conjunto à análise documental de tais se o meio estudado for um recinto social
processos, não parece haver qualquer pro- com poucas pessoas e pouco transitado.
(Chauvin, 2015, p. 129-130).
blema na sua compreensão a partir de ele-
mentos fornecidos por observação parti-
cipante, sobretudo no que se refere a falas
O que se destaca é um papel ativo do ob-
de pessoas presas e de servidores do esta-
servador como modificador do contexto
belecimento penal que não são reduzidas
e ao mesmo tempo como receptáculo de
a termo nos autos; muitas delas, inclusive,
influências do próprio contexto observado
realizadas em um momento formal que é a
(Haguette, 2000, p. 73). Trata-se de coletar
sessão do Conselho Disciplinar da unidade
dados “através de sua participação na vida
para julgamento da falta grave mas que, por
cotidiana do grupo ou organização que es-
opção da autoridade administrativa e para
tuda” (Becker, 1999, p. 47), ao invés de se
fins de celeridade e agilidade, não são in-
buscar demonstrar relações entre variáveis
seridas na ata da reunião, a qual segue um
abstratamente definidas, buscando com-
modelo padrão bastante sucinto.
preender as interações e o comportamento
Afinal, a observação participante pode ser dos atores sociais diante de situações que
vista mais como estratégia de coleta de fazem parte da rotina. Daí a relevância, se-
dados que como método de pesquisa pro- gundo o autor, de se estabelecer interações
priamente dito (Haguette 2000, p. 70), com diretas com os participantes no intuito de
bastante flexibilidade quanto ao papel do compreender e desvelar as interpretações
observador ser encoberto ou explícito: que eles têm sobre os acontecimentos ob-

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servados e registrados como pertinentes à A entrevista é um dos instrumentos qua-


pesquisa. litativos mais interessantes e frequente-
mente utilizados em pesquisas no âmbito
Sobre a dificuldade própria desse tipo de
prisional, tanto com pessoas presas como
pesquisa no direito, vale enfatizar a pre-
com funcionários do sistema penitenciário
ocupação relevante em se “estabelecer a
(por exemplo, v. Bodê de Moraes, 2013; Dias,
necessária distância para desnaturalizar e
2013; Braga, 2014; Sá e Simões e Bartolomeu,
avaliar, com certa objetividade, os dados e
2017; Angotti, 2017, p. 161-188). Todavia, diver-
as representações vivenciadas no campo”
samente da observação participante incog-
(Baptista, 2017, p. 95). Por objetividade e
nito, há problemas éticos em se “entrevistar
objetivação não se faz referência, eviden-
alguém” sem que o entrevistado saiba de
temente, a qualquer pretensão de neutra-
tal condição, além da evidente dificuldade
lidade. Afinal, “não existe um argumento
em se colher informações sobre atos ilícitos,
epistemológico absoluto que permita de-
ainda que informada a condição de sigilo,
cidir observar às claras ou não: o impor-
diante de alguém identificado como profis-
tante é manter a perspectiva de uma pos-
sional do sistema de justiça.
tura reflexiva, atenta aos efeitos da escolha
de método sobre a percepção do objeto” Por fim, busquei tabular os dados apresen-
(Chauvin e Jounin, 2015, p. 128). Nesse sen- tados a partir dos processos de execução
tido é que a atividade de pesquisa por ve- penal dos presos custodiados na referida
zes se confundiu ou sobrepôs à atividade unidade prisional, seguidos da articulação
de defensor público, por exemplo, quando de hipóteses a partir do que eles indicam e
as respostas – sempre orais – dos mem- de elementos relevantes observados na in-
bros do Conselho Disciplinar às linhas de teração entre os atores que os produziram.
argumentação desenvolvidas pela defesa
Não há e nem poderia haver pretensão de
no sentido de insuficiência de provas de
representatividade em relação ao que se
autoria, durante as sessões de julgamento,
poderia chamar “índice real” de telefones
são trazidas como componentes pertinen-
celulares ou similares que circulam entre as
tes na interpretação dos dados obtidos
três galerias da Casa de Custódia de Curiti-
dos processos elencados.
ba. A atenção às datas das faltas registradas
No caso concreto, a clareza das relações indica que foram relativamente poucas, se
entre os depoimentos dos presos e suas considerado o lapso temporal de um ano.
“confissões impossíveis”, de um lado, e a É evidente que há uma enorme cifra ocul-
banalidade da aplicação da sanção dis- ta no âmbito do sistema disciplinar, o que
ciplinar a “qualquer um deles”, de outro, é coerente com os estudos mais importan-
são elementos que se revelaram de forma tes sobre a construção da ordem interna
muito explícita dentro do jogo do sistema nas prisões. De todo modo, os dados são
disciplinar. Porém, se o acesso inicial ao suficientemente relevantes para contribuir
campo fosse na forma de pesquisa aca- na compreensão crítica das dinâmicas e
dêmica, haveria que se pedir autorização interações que determinam a atividade de
prévia à direção e haveria, certamente, registro e formalização das condutas trans-
uma resistência maior no registro e expli- gressivas por parte dos servidores do siste-
cação de tais dinâmicas. ma penitenciário, construindo o que é, sem

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meias palavras, um verdadeiro teatro que Para Harcourt, a noção de ilegalismos popu-
traz à cena a falácia do sistema disciplinar lares, fundamental para uma concepção de
em meio a tantas outras falácias caracterís- poder disciplinar positivo/produtivo, pode
ticas do discurso penitenciário, mas que em ser interpretada como resposta a leituras de
seu conjunto determinam uma bem-suce- base marxista que conceberam a constru-
dida gestão diferenciada de ilegalismos. ção do sistema penal como mera reação a
movimentos populares e classes inferiores
(Harcourt, 2015, p. 256-258). Foucault afir-
3. Base teórica: o sistema disciplinar na mou depois, em Vigiar e Punir, que a prisão
crítica sociológica e jurídica e as penas

3.1. Ilegalismos e a construção da ordem


interna nas prisões não se destinam a suprimir as infrações;
mas antes a distingui-las, a distribuí-las,
a utilizá-las; que visam, não tanto tornar
dóceis os que estão prontos a transgre-
O conceito de ilegalismo permite a supe- dir as leis, mas que tendem a organizar
a transgressão das leis numa tática geral
ração da dicotomia legal/ilegal através da das sujeições. A penalidade seria então
abordagem da reação diferenciada quanto uma maneira de gerir os ilegalismos*, de
riscar limites de tolerância, de dar terreno
a determinada transgressão, diferenciação a alguns, de fazer pressão sobre outros,
essa relacionada aos respectivos modos de de excluir uma parte, de tornar útil ou-
tra, de neutralizar estes, de tirar proveito
dominação exercidos no respectivo cam- daqueles. Em resumo, a penalidade não
po. Trata do “conjunto de atividades de di- ‘reprimiria’ pura e simplesmente os ile-
galismos*; ela os ‘diferenciaria’, faria sua
ferenciação, categorização, hierarquização e
‘economia’ geral. (...). Os castigos legais
gestão social das condutas definidas como devem ser recolocados numa estratégia
indisciplinadas” (Lascoumes, 1996, p. 78-79). global dos ilegalismos* (Foucault, 2002,
p. 226-227).
Há uma gestão diferencial dos ilegalismos
que esclarece o poder disciplinar como me-
canismo positivo de produção de sujeitos, e
Os asteriscos indicam a substituição do
não de mera reação ao desvio, através da hie-
termo utilizado na tradução utilizada (“ile-
rarquização e diferenciação das infrações. O
galidades”) por “ilegalismos”, o qual capta
conceito aparece nas reflexões de Foucault
com maior precisão o texto original e todo
antes mesmo da publicação de Vigiar e Pu-
o potencial crítico do conceito, o qual não se
nir, em diversas entrevistas e no curso minis-
confunde com a acepção tradicional de ile-
trado entre os anos 1972 e 1973, intitulado A
galidade (sobre, v. Hirata, 2014, p. 98).
sociedade punitiva: nele defendendo a tese
de que determinadas formas de ilegalismo Em síntese, portanto, a noção de ilegalismo
popular, tais como fraudes antifeudais, eram “é a ideia de que a lei não se destina a ser es-
interessantes e funcionais à burguesia du- tritamente aplicada, mas a gerir as margens
rante o Antigo Regime, mas após a tomada de legalidade, sendo um instrumento de
de poder no final do século XVIII teriam pas- gestão” (Harcourt, 2015, p. 261). O ponto de
sado a ser proibidas e duramente controla- contato com o tema em questão é a ideia
das (Foucault, 2015, p. 130; Hirata, 2014, p. 99; de “um jogo entre o ilegalismo popular e a
Telles e Hirata, 2010, p. 39-59). lei”, ou seja, a hipótese de que o próprio res-

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peito à legalidade “não passava de estraté- Sykes e E. Goffman, segundo a qual há uma
gia no jogo do ilegalismo” (Foucault, 2015, p. cultura própria das prisões, apartadas que
133). De forma mais clara: estão da sociedade livre e como “institui-
ções totais”.

não é possível entender o funcionamen- Após a 2ª Guerra Mundial, de fato, a sociolo-


to de um sistema penal, de um sistema gia das prisões adquiriu contornos mais cla-
de leis e interditos, se não nos interroga-
mos sobre o funcionamento positivo dos
ramente estrutural-funcionalistas, partindo
ilegalismos. É um preconceito de inte- desta perspectiva algumas das mais impor-
lectuais acreditar que existem primeira-
tantes pesquisas na área e suas hipóteses
mente interditos e depois transgressões,
[ou] acreditar que há o desejo do incesto correspondentes. A sociologia com pesqui-
e depois o interdito do incesto; na verda- sa empírica nunca foi, por certo, o campo de
de, se tivermos de entender e analisar
um interdito em relação àquilo que ele Foucault, mas seu conceito de ilegalismos é
proíbe, também será preciso analisá-lo pertinente e coerente à produção na área,
em função daqueles que proíbem e da-
queles sobre os quais incide a proibição sobretudo no sentido de se conceber o sis-
(Foucault, 2015, p. 134). tema disciplinar como sistema de gestão di-
ferenciada de ilegalismos.

É central a ideia, nesse sentido, de que a


Pode-se dizer que uma das mais im-
construção e manutenção da ordem nas
portantes questões de fundo da sociologia
prisões não ocorre de forma unilateral ou
do cárcere sempre foi como é que grande
por um ato de autoridade, e sim a partir da
número de pessoas detidas contra sua von-
cooperação dos envolvidos. Para Sykes, por
tade não permanecem em estado de hos-
exemplo, há padrões de comportamento
tilidade e conflituosidade contínuas (Mat-
marcados por “pequenas corrupções” que
thews, 1999, p. 52), construindo-se, ainda que
demarcam as interações entre funcionários
de forma inerentemente instável, ordem e
e população carcerária, uma relação sempre
coesão dentro das prisões.
frágil e instável, na medida em que “a po-
Uma das primeiras e mais conhecidas pes- sição dominante do corpo de funcionários
quisas foi publicada em 1940 e, com o con- é mais ficção que realidade, se pensarmos
ceito de “prisionização”, trabalhou com a em dominação como algo mais que formas
tese de existência de uma continuidade superficiais e símbolos de poder” (Sykes,
entre a “subcultura prisional” e aquela dos 1954, p. 45).
grupos sociais que compunham a popula-
A relevância central de um sistema de pre-
ção carcerária desde o exterior (Clemmer,
mialidade é justamente a de organizar as
1940). O trabalho de Clemmer se insere,
interações no cárcere a partir de esquemas
assim, na perspectiva “da importação”, se-
de recompensas e sanções, mas que não
gundo a qual a prisão seria uma espécie de
necessariamente permanecerão dentro da
microcosmo da sociedade e uma continua-
legalidade. Segundo Sykes,
ção das práticas criminais das ruas (Morgan
e Liebling, 2007, p. 1127). Ela foi contraposta,
durante a segunda metade do século XX, à
a ausência de um senso de dever entre os
perspectiva “indígena” (Morgan e Liebling, presos, as falácias óbvias de coerção, a co-
2007, p. 1126), abrangendo as obras de G. leção patética de recompensas e sanções

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para induzir cooperação, as fortes pres- logo, sua distinção para com a relação jurí-
sões em prol da corrupção dos servidores
na forma de amizade, reciprocidade, e a dica existente entre o condenado o Estado
transferência de responsabilidades para que se refere à pena como consequência
as mãos de presos de confiança – esses
são todos problemas estruturais no siste-
do delito, ou seja, a obrigação de sujeição
ma de poder nas prisões e não inadequa- à pena nos termos e limites estabelecidos
ções individuais (Sykes, 1954, p. 61)
pela sentença condenatória. O liame jurídi-
co existente entre o condenado e a Admi-
nistração Pública – a autoridade penitenci-
A ordem é, portanto, produto de negocia- ária responsável pelo estabelecimento onde
ção (Morgan e Liebling, 2007, p. 1126) e ainda cumprirá pena – é o que se denomina rela-
que o papel exercido pelos agentes peniten- ção jurídico-penitenciária, a qual inicia com
ciários seja muito relevante nesse sentido, o ingresso no estabelecimento e se extin-
“o equilíbrio prisional resulta de complexa gue com a sua saída.
interação entre diversos atores do sistema
penal” (Bodê de Moraes, 2013, p. 131). No Bra- Tal relação foi por longo tempo tida como
sil, as conclusões são similares, como por meramente administrativa e mesmo como
exemplo se lê da pesquisa seminal de Co- relação de sujeição. Não obstante, sua natu-
elho em unidade prisional do Rio de Janei- reza é de direito público e deve atender ao
ro, no final da década de 80 (Coelho, 1987), reconhecimento do espaço de execução da
e dos trabalhos contemporâneos sobre as pena como jurisdicionalizado, o que signifi-
relações entre as dinâmicas das redes crimi- cou, ao menos em tese, a extensão do princí-
nais organizadas fora do cárcere e a ordem pio da legalidade à execução penal. Trata-se
prisional (Adorno e Salla, 2007; Dias, 2013). de uma posição bastante recente e vincu-
lada ao advento do Estado Social e Demo-
crático de Direito, da mesma forma como o
3.2. Do sistema disciplinar e a discricionarieda- reconhecimento do recluso como sujeito de
de administrativa da autoridade penitenciária direitos se relaciona ao amplo movimento
de reconhecimento dos direitos humanos
que seguiu à Segunda Guerra Mundial, e
Sob um prisma estritamente jurídico, os te- do qual é decorrência o documento deter-
mas do sistema disciplinar na execução pe- minando as “Regras Mínimas para o Trata-
nal e a discricionariedade administrativa da mento dos Presos”, aprovado no 1º Congres-
autoridade penitenciária são bastante pro- so nas Nações Unidas sobre Prevenção do
blemáticos e sofrem de enorme lacuna teó- Crime e Tratamento de Delinquentes (Ge-
rica, especialmente no campo do que seria nebra, 1955), e atualmente denominado Re-
um direito administrativo penitenciário, o gras de Mandela.
qual possibilitaria maior controle, pelo direi-
Se o prisma fosse estritamente normativo,
to, dos procedimentos e atos praticados em
não deveriam pairar dúvidas sobre a inci-
âmbito prisional.
dência do princípio da legalidade na execu-
Entende-se por relação jurídico-adminis- ção penal. Porém, uma perspectiva crítica
trativa aquela forma de relação jurídica na e sociológica reconhece a tensão imanente
qual uma das partes é ou atua em nome da entre norma jurídica e poder disciplinar no
Administração Pública. Ressalva-se, desde ambiente prisional. Nos casos em tela, espe-

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cificamente relacionados à postura estatal um suporte teórico aos chamados “espaços


diante das situações de apreensão de tele- livres de direito”. Enquanto o poder estatal
fones celulares ou equipamentos análogos, soberano constituiria um poder de supre-
verifica-se que o único objetivo é “sancionar macia geral para com os cidadãos, nas re-
alguém” pelos itens proibidos apreendidos, lações de sujeição se teria o exercício de
sem maiores preocupações com a veracidade um poder de supremacia especial sobre
ou circunstâncias de obtenção da confissão. o outro. Logo, ter-se-ia não uma relação
do tipo direito/obrigação, como aliás dá
Não se pode ignorar, nesse contexto, a con-
a entender a própria Lei de Execução Pe-
figuração fisiológica de um ambiente de
nal ao falar de direitos e deveres do pre-
constante tensão entre necessidades dis-
so, mas sim de poder/ônus: de um lado o
ciplinares e o chamado “tratamento peni-
poder de sujeitar; de outro, a obrigação
tenciário ressocializante”. Não que as fina-
de obedecer.
lidades de “ressocialização” sejam sempre
estranhas à administração penitenciária; Por “espaço livre de direito”, deve-se en-
mas elas não constituiriam jamais um es- tender não exatamente espaço não re-
copo prioritário, servindo no máximo como gulado pelo direito, mas sim espaço não
critério acessório a ser valorado no exercício valorado juridicamente, abrangendo com-
de sua discricionariedade sob o prisma da portamentos “juridicamente relevantes
manutenção da ordem. e juridicamente regulados, mas que não
podem ser adequadamente valorados
A própria definição de disciplina, legalmen-
nem como lícitos nem como ilícitos” (Kau-
te vinculada à mera “obediência” (art. 44,
f mann, 2009, p. 338). Entendia-se que as
LEP), tende a se distanciar do conceito de
relações de sujeição comportariam a ino-
norma jurídica, na medida em que não há
bservância de direitos fundamentais, con-
na esfera disciplinar qualquer base con-
siderando a execução da pena como um
tratual a pressupor, mesmo que apenas
serviço público prestado pela administra-
formalmente, um status de igualdade: na
ção penitenciária e no qual não valeriam
verdade, a hierarquia é o que caracteriza a
sequer os princípios do direito administra-
relação desigual de sujeição que identifica
tivo (Miranda Rodrigues, 2002, p. 81).
a disciplina. A norma disciplinar tende a ser
vaga e genérica, na medida em que sempre Como se vê, a primeira consequência da
abre um espaço não-vinculado, como ocor- adoção de uma teoria como esta no âm-
re, por exemplo, ao se definir o ato de “in- bito da execução penal é a subtração das
citar ou participar de movimento para sub- interações entre as pessoas presas e as
verter a ordem ou a disciplina” como falta práticas da administração penitenciária a
grave (art. 50, I, LEP). qualquer tutela jurídica, “não valorando”
suas dinâmicas, práticas e normas internas.
No início do século XX, particularmente por Os direitos fundamentais, mesmo se reto-
conta da doutrina alemã (com Otto Mayer, ricamente reconhecidos, restam sempre
por exemplo), foi criada a doutrina adminis- diluídos na relação de sujeição (Fragoso e
trativista da “supremacia especial” – tam- Catão e Sussekind, 1980, p. 4), fazendo do
bém chamada de teoria das relações espe- recluso um cidadão “de segunda catego-
ciais de poder ou sujeição – a fim de fornecer ria” (Rivera Beiras, 1997).

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A teoria parece poder ser visualizada como de poderes e o temor de que a intervenção
“sociológica”, ou seja, descritiva do “ser”, e judicial prejudicasse os objetivos imediatos
assim capaz de “dizer a verdade”. Caso tal da administração do estabelecimento peni-
leitura passasse a ser também “prescriti- tenciário, que são a manutenção da ordem
va”, como um “dever ser”, transformar-se-ia e da segurança internas. Por exemplo, na
em ideologia tecnocrática inaceitável. Mas decisão da Corte da Virgínia no caso Ruffin
como teoria “sociológica”, tem respaldo vs. Commonwealth (1871), indicando o con-
científico: mesmo com o domínio crescente denado como “escravo do Estado” (Hawkins,
do “jurídico”, existem ainda espaços que são, 1976, p. 136).
inegavelmente, de relações sociais de sujei-
A ampliação da possibilidade de questio-
ção dominadas unilateralmente por pode-
namento judicial da situação das prisões se
res que se subtraem, total ou parcialmente,
deu a partir de algumas decisões históricas,
a qualquer predeterminação legal. Trata-se,
desde Coffin vs. Reichard (1944), trazendo
novamente, da gestão de ilegalismos, e não
o princípio segundo o qual o “prisioneiro
da legalidade. Tal teorização não diz respei-
mantém todos os direitos de um cidadão
to aos limites que o direito pode ou poderia
normal a não ser aqueles expressamente,
colocar sobre as relações de domínio. Estas
ou por implicação necessária, afastados ju-
jamais poderão ser completamente preen-
ridicamente”, até sucessivos julgamentos
chidas ou hegemonizadas pelo “direito”, na
que, a partir da década de 60 (Fragoso e Ca-
medida em que sempre haverá, mormente
tão e Sussekind, 1980, p.19), e especialmente
no campo carcerário, um núcleo resistente
com Monroe vs. Pape (1961), passaram a ad-
e refratário, mesmo se mínimo, que perma-
mitir a apreciação judicial da ilegalidade das
necerá dele “livre”.
condições carcerárias.
A teoria da supremacia especial veio a per-
der espaço doutrinário justamente com a Estabeleceu-se, então, a necessidade de se
afirmação do Estado de Direito por meio de realizar, no caso concreto, um juízo de pon-
decisões do Tribunal Constitucional alemão deração entre os interesses do recluso e do
(Miranda Rodrigues, 2002, p. 81), adotan- estabelecimento, porém com um impor-
do como parâmetros a limitação do poder tante ganho: em nenhuma hipótese, mes-
perante os cidadãos e a transformação das mo com motins ou perturbações excep-
“relações de poder” em relações jurídicas de cionais da ordem interna, a administração
direitos e deveres. penitenciária teria legitimidade para negli-
genciar direitos fundamentais dos reclusos
De outro lado, a doutrina norte-americana
não atingidos pela sentença condenatória,
das “hands-off” declinava a intervenção do
como, por exemplo, o direito à alimentação.
Poder Judiciário na tutela de relações que
concerniam exclusivamente à Administra- O princípio da individualização da sanção
ção Pública, legitimando, assim, uma po- disciplinar é previsto pelo art. 45, §3º, da LEP,
lítica de afastamento e não-interferência proibindo a responsabilização coletiva e ob-
na execução penal. Pode-se mencionar ao jetiva. O princípio exige a comprovação da
menos dois fundamentos comumente ar- autoria do imputado pela respectiva falta
guidos pela doutrina do hands-off (Vogel- disciplinar, cumprindo a mesma função do
man, 1971, p. 53): o princípio da separação princípio da culpabilidade, pois “não será

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factível imputar uma infração sem a prévia sivamente ao encarceramento de homens


constatação do vínculo subjetivo com o au- autores de crimes contra a mulher” (art. 1º),
tor” (Cesano, 2007, p. 211). sendo por isso conhecida na região como
uma “prisão-seguro”:
Ora, tanto a permissão tácita do Estado para
que a população carcerária negocie e faça
da assunção de responsabilidade por itens Art. 1º A Casa de Custódia de Curitiba - CCC
proibidos apreendidos uma mercadoria e será destinada exclusivamente ao encar-
ceramento de homens autores de crimes
elemento fundamental em suas dinâmicas, contra a mulher, observando-se, preferen-
como a indiferença em relação ao conceito cialmente, a seguinte ordem: I -  crimes
contra a dignidade sexual; II - crimes pra-
de prova e à lógica do in dubio pro reo no
ticados contra a pessoa; III -  crimes prati-
momento de julgamento da infração disci- cados com grave ameaça ou violência.
plinar, reconfirmam a presença de espaços Parágrafo único. As eventuais vagas rema-
nescentes serão destinadas ao encarcera-
livres do direito abertos por quem, discricio- mento de homens autores de outros cri-
nariamente, pode também negá-los. mes praticados contra a mulher (Decreto
5502/2012, publicado no DO 8871-PR)
Em outros termos, a demanda da autorida-
de penitenciária por um “culpado”, ainda
que não seja ele, sabidamente, o “efetivo Na prática, há três galerias que concentram
dono” do celular, fazendo o próprio Estado condenados por crimes contra a dignidade
aderir às dinâmicas criadas pela população sexual – mas não apenas tendo vítimas mu-
carcerária, não é uma postura que pode ser lheres – e outros classificados como “oposi-
compreendida dentro do quadro do juridi- ção”, termo nativo que designa aqueles que
camente permitido/proibido, mas consti- são contrários à hegemonia da facção pau-
tui, por outro lado, componente decisivo na lista, fortemente presente no Estado do Pa-
construção e na manutenção da ordem in- raná, conhecida como Primeiro Comando
terna da unidade prisional. da Capital (“PCC”).

Pode-se trabalhar com a tese, com base em


outros trabalhos sobre o tema (Dias, 2013, p.
4. As faltas graves referentes a forneci-
226), de que a população carcerária desse
mento, posse ou uso de telefone celular
tipo de unidade é mais vulnerável à violência
(ou componente acessório) no ano de 2017
e à sujeição nas interações entre os próprios
na Casa de Custódia de Curitiba (CCC)
presos e sobretudo a abusos da autoridade
administrativa, na medida em que a citada
organização teria produzido uma espécie
A Casa de Custódia de Curitiba foi inaugu-
de “monopólio da violência” nas unidades
rada em agosto de 2002 e tem capacidade
por ela “controladas”. A CCC estaria dentro
para 420 pessoas, contando, no último dia
do que Dias chama de “zonas de exclusão”:
de 2017, com 621 presos, todos homens.4
Com o Decreto nº. 5502/2012-PR, do Gover-
no do Paraná, passou a ser destinada “exclu- A ordem social construída através da im-
posição da paz pelo PCC tem como seu
4 egundo informações colhidas junto ao Departamento Peni-
tenciário do Estado – DEPEN/PR, por meio de seus sistemas de
reverso zonas de exclusão, nas quais se
dados e o portal “Transparência prisional”. Disponível em: http:// encontram os párias que não cabem na
www.depen.pr.gov.br. unidade que foi constituída a partir da

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consolidação de seu poder, (...) [tendo além do secretário, da defesa técnica e da


ao menos três efeitos]: permanência em
celas superlotadas, restrições à progres- chefia do setor de segurança, a qual é ne-
são de regime – uma vez que a absoluta cessariamente ouvida antes da realização
maioria das unidades prisionais de regi-
me semiaberto está sob o controle do
de defesa oral.
PCC – e, sobretudo, exposição a uma vio-
lência institucional mais acirrada (Dias, Durante o ano de 2017, foram lavrados 16
2013, p. 437-438). comunicados disciplinares envolvendo
apreensão de aparelhos de telefone celular
ou um de seus componentes acessórios. A
Trata-se de uma cadeia pública, pois desti- posição jurisprudencial majoritária admite
nada, a princípio, a presos provisórios, mas como falta grave também a posse de aces-
abriga muitos condenados, cumprindo fun- sórios de telefone celular, como chips e car-
ção de penitenciária. O espaço físico é di- regadores de bateria. Ela se sustenta em
vidido entre o setor administrativo, o qual precedentes do STF (como no HC 105973/
congrega as salas da direção, vice direção, RS) e STJ. Há evidente violação, porém, do
psicologia, assistência social, entre outros, e princípio da legalidade estrita, tratando-se
o setor cuja entrada é proibida sem autori- de analogia in malam partem (Roig, 2018,
zação, pois dá acesso à chefia de seguran- p. 237).
ça e às três galerias. Há restrição ao uso de
Para cada comunicado disciplinar, um pre-
celular apenas neste último, onde são reali-
so foi sancionado administrativamente por
zados os procedimentos de oitiva e colheita
falta grave. Em mais da metade dos casos,
de depoimentos dos presos que respondem
como sintetizado no quadro abaixo, a falta
a alguma infração disciplinar. As reuniões
grave foi afastada em análise judicial. Isso
do Conselho Disciplinar ocorrem no setor
evita a repercussão por sobre o processo
administrativo, sem a participação dos pre-
executório, mas a análise judicial ocorre em
sos, mas somente da defesa técnica.
um momento posterior ao esgotamento
O rito a ser seguido em casos de infração dos efeitos administrativos das sanções de
disciplinar é definido, do ponto de vista nor- isolamento e suspensão de direitos, as quais
mativo, pelo Estatuto Penitenciário do Esta- incluem a suspensão do direito de visitas de
do do Paraná.5 O primeiro – e decisivo – ato familiares, variável que ganha grande rele-
é a elaboração de comunicado disciplinar vância nas falas dos detentos. A tabela abai-
diante da ocorrência de determinada infra- xo sintetiza os dados e a referência exata de
ção, o que é feito pelo agente ou servidor onde foram extraídos os depoimentos dos
que tem o primeiro contato com a situação. presos:
O comunicado é encaminhado à direção da
unidade, a qual o remete ao Conselho Dis-
ciplinar. Após a oitiva do preso e eventuais
testemunhas, a situação é levada a julga-
mento em sessão do Conselho, colegiado
composto por quatro técnicos e o diretor,

5 Estatuto Penitenciário do Estado do Paraná. Disponível em: http://


www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/Estatuto_Penitenciario__1.pdf.

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Relação de faltas graves envolvendo celular ou similar (art. 50, VII, LEP)

na Casa de Custódia de Curitiba (CCC) no ano de 2017

Autos (processo eletrônico – PROJUDI/PR*) Data Movimento do Em juízo***


da PAD**
falta
1 0007550-47.2013.8.16.0009 9/2 60.1 Falta afastada (Mov. 72.1).
2 0006842-71.2010.8.16.0083 9/2 97.1 Falta afastada (Mov. 109.1).
3 0003798-04.2012.8.16.0009 9/2 45.1 Homologada (Mov. 49.1).
4 0002186-60.2014.8.16.0009 9/2 93.1 Não apreciada.
5 0001335-84.2015.8.16.0009 28/4 80.1 Homologada (Mov. 119.1).
6 0000437-42.2013.8.16.0009 22/6 172.1 Homologada (Mov. 225.1).
7 0000468-23.2017.8.16.0009 6/7 219.1 Homologada (Mov. 230.1).
8 0001988-59.2014.8.16.0094 31/7 92.1 e 94.1. Homologada (Mov. 106.1)
9 0015336-59.2016.8.16.0035 5/8 Não juntado. Falta afastada (Mov. 64.1).
10 0002191-82.2014.8.16.0009 2/8 227.1. Falta afastada (Mov. 236.1).
11 0002753-28.2013.8.16.0009 2/8 84. Falta afastada (Mov. 111.1).
12 0015539-58.2014.8.16.0013 2/8 Não juntado. Prisão preventiva (sem processo
de execução).
13 0011864-37.2015.8.16.0083 2/8 169. Falta afastada (Mov. 177.1).
14 0004631-56.2011.8.16.0009 29/11 Não juntado. Falta afastada (Mov. 128.1)
15 0026016-82.2015.8.16.0021 29/11 122.1. Falta afastada (Mov. 143.1)
16 0000533-86.2015.8.16.0009 29/11 103.1. Falta afastada (Mov. 137.1).

* Acesso público via http://www.projudi.tjpr.jus.br.

** PAD: Processo Administrativo Disciplinar.

*** Mov.: “Movimento” se refere à referência para localização do ato processual no processo eletrônico.

Há elementos notáveis para compreensão Em segundo lugar, a sugestão de existência


da organização e gestão dos ilegalismos na de uma grande cifra oculta decorre da cons-
referida unidade prisional. Primeiramente, a tatação de que não há uma efetiva política
quantidade de dezesseis aparelhos ou com- de fiscalização permanente quanto à pre-
ponentes apreendidos pode ser considera- sença de celulares circulando nas galerias,
da baixa, considerado o lapso temporal de 1 concentrando-se a maior parte das apreen-
ano e que as apreensões se concentram em sões nos procedimentos de “revista geral”,
apenas 8 datas diferentes, sempre em pro- e não em práticas de fiscalização inseridas
cedimentos de revista nas celas. O ingresso na rotina diária. A gestão da proibição legal
de celulares é atribuído, como regra, ao ar- como estratégia, portanto, ou a norma legal
remesso desde o lado de fora da unidade, como recurso a ser ativado ou não-ativado,
que é localizada em meio a região forte- conforme a conveniência do caso concreto,
mente arborizada. Não há registro formal de podem estar tanto no consentimento tácito
averiguação de práticas de corrupção por em relação à presença e circulação de itens
servidores, embora esta seja também uma proibidos como na própria discricionarie-
possibilidade, considerada sua frequência dade concreta presente no ato de elabora-
no Paraná e em todo o país. ção ou não de comunicado disciplinar, res-

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saltando-se que tal discricionariedade não Em todos eles porém, foram aplicadas as
está abarcada pelas normas legais na medi- sanções administrativas em seu grau máxi-
da em que a lavratura do ato, em tese, é ato mo, as quais tiveram esgotados seus efeitos
de ofício e sua não realização poderia confi- antes mesmo da análise judicial.
gurar crime contra a administração pública.
No caso nº. 6, em seu depoimento prestado
Mas se estamos diante de ilegalismos dos
na unidade prisional, o preso afirmou:
quais apenas alguns serão alçados à condi-
ção formal de “falta disciplinar”, a abstenção
de atos de ofício diante de infrações é uma muitas coisas acontecem dentro desse
prática muito mais complexa e que se inse- lugar e ninguém sabe como acontece, e
a palavra do funcionário tem a fé pública,
re na teia de interações fundadas na coope-
somos tachados como mentirosos e pra
ração visualizadas, descritivamente, como evitar problema a pais de famílias que es-
elementos essenciais para construção da tão para ir embora em um ano ou dois,
assim como tenho alguns anos a cumprir
ordem interna. e para evitar problemas aos meus com-
panheiros assumi a posse dos objetos.
É na análise das “falas” de presos e servido-
res extraídas prevalentemente dos autos de
procedimento administrativo disciplinar, Há referência, portanto, à assunção da pro-
mas também das interações e manifes- priedade pelos objetos apreendidos para
tações nas sessões de julgamento, que se evitar que “pais de família” – que têm a ex-
pode compreender a questão de pesquisa pectativa da visita de seus filhos, portanto
colocada no início, ou seja, quais seriam os – e “que estão para ir embora” – cientes de
critérios e parâmetros para imputação da que a confirmação judicial de falta grave in-
responsabilidade pela prática da infração terrompe a contagem do requisito tempo-
disciplinar, quando registrada. ral para progressão de regime (Súmula nº.
Já no caso nº 1, seguindo sempre a numera- 534, do STJ) – sejam prejudicados.
ção da coluna à esquerda na tabela acima No caso nº. 8, o preso afirmou no proces-
transcrita, tem-se um caso de “confissão so administrativo disciplinar que “não tem
impossível”: o preso afirmou na unidade pri- dinheiro para comprar celular, mas estava
sional que os 7 (sete) celulares apreendidos guardando os telefones e por isso assumiu a
seriam de sua propriedade. Em juízo, negou posse”, evidenciando que a ação é valorada
que seriam efetivamente seus e a falta foi como mercadoria ou “serviço” que pode ser
afastada. prestado a título de pagamento de dívidas,
Situação similar à do caso nº. 13, em que o contraprestação por favores anteriores ou
preso assumiu ser dono de 3 (três) celulares por remuneração direta. Em juízo, no mes-
no procedimento administrativo, e em juí- mo processo, ele ainda agrega outro dado:
zo dito que o fez porque foi ameaçado. No
caso nº. 2 há assunção da responsabilidade
Eu teria que assumir, pois eu era a pessoa
pelos objetos, tanto em juízo como na fase que possuía mais condenações dentro
administrativa, tendo a falta também sido da cela. Eles me dariam R$1500 (R$500
por aparelho) para assumir os objetos.
afastada por ausência de credibilidade e Usei uma vez dos aparelhos. Cada telefo-
factibilidade da própria confissão realizada. ne custa R$10.000 dentro da unidade.

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A utilização da expressão “eu teria que as- direito à progressão de regime ou ao livra-
sumir” indica não exatamente uma escolha, mento condicional; c) porque são remune-
mas a adesão a regras de organização inter- rados ou devem quitar dívidas através do
na. O fato de ter uma pena remanescente serviço de “guardar” os aparelhos e assumir
longa a ser cumprida é mencionado, aqui, a responsabilidade em caso de apreensão.
como justificativa racional para a assunção
Tais padrões foram, por mais de uma vez,
da responsabilidade, evitando prejuízos a
explicados pela chefia de segurança da uni-
outros que estejam próximos de alcançar o
dade prisional aos membros do Conselho
requisito objetivo para a progressão de regi-
Disciplinar durante as reuniões, sem que
me ou para o livramento condicional.
isso interferisse na posição unânime em
No caso nº. 7, a pessoa presa admitiu “estar prol da aplicação de falta grave. Como bem
guardando” o celular para terceiro, no mes- indicou Cicourel, é fundamental identificar
mo sentido acima indicado. No caso nº 9, os “constructos de senso comum” que deli-
afirmou que “não era seu, estava apenas mitam a compreensão das coisas pelos ato-
levando para dentro”. No nº. 12, o acusado res sociais:
afirma claramente que “às vezes guarda ob-
jetos para presos de vários outros barracos”.
Se é correto supor que as pessoas, na sua
Outras afirmações marcantes como “eu as- vida cotidiana, ordenem seu meio, atri-
buam significados e relevâncias a obje-
sumo a responsabilidade para não compli- tos, fundamentam suas ações sociais em
car os demais” (nº. 14); “eu estava em pos- racionalidades de senso comum, não se
pode fazer pesquisa de campo ou usar
se destes objetos até mesmo porque seria
qualquer outro método de pesquisa nas
desta maneira que conseguiria falar com a ciências sociais sem levar em considera-
Direção, porque quero ser transferido para ção o princípio da interpretação subjeti-
va. Enquanto conversa com as pessoas
Santa Catarina, onde reside minha família. investigadas no campo, fazendo pergun-
Aqui não tenho nada, nem família, sacola, tas estruturadas ou não estruturadas em
situação de entrevista ou usando o ques-
nada. Esta foi a maneira que infelizmen- tionário, o observador científico deve
te eu achei para chamar atenção” (nº. 15) levar em conta os constructos de senso
comum empregados pelo ator na vida
indicam algumas permanências nas justi- cotidiana se quiser compreender os sig-
ficações conferidas às supostas confissões, nificados atribuídos às suas perguntas
pelo ator, qualquer que seja a forma pela
todas sempre chanceladas pelo respectivo qual elas foram apresentadas ao ator. (Ci-
Conselho Disciplinar sem maiores questio- courel, 1980, p. 110).
namentos6: a) presos que assumem a res-
ponsabilidade porque não tem família na
região e, portanto, não têm visita; b) porque Observando ser imprescindível a articula-
têm longa pena remanescente e estão mais ção de crítica estrutural em conjunto ao re-
distantes do que os demais do alcance do ferido princípio da interpretação subjetiva, o
que se buscou minimamente fazer a partir
6 Mencionaria ainda situação fora do espectro da pesquisa, pois ocor-
rida em sessão de julgamento do Conselho Disciplinar da CCC em 27 das discussões teóricas articuladas acima, o
de março de 2018, em que o preso que assumiu a responsabilidade
pelos itens proibidos apreendidos sequer fazia parte do cubículo/cela que se pode constatar é que, fundadas em
no qual os itens foram encontrados. O colegiado do Conselho se recu-
sou a aceitar a confissão neste caso (“gente, aí já é demais”, afirmou normas impositivas criadas pela população
uma das técnicas) mas ao invés de afastar a falta por ausência de
qualquer prova de autoria, o PAD foi enviado a diligências porque, carcerária, em atitudes de solidariedade
segundo fala da chefia de segurança, “alguém terá que assumir até
a próxima reunião”. ou em movimentos de natureza comercial,

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de falta grave por posse, utilização ou fornecimento de celular
em uma unidade prisional de Curitiba/PR no ano de 2017”
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as práticas de falsa assunção de responsa- Em síntese, dos 16 casos do ano de 2017 en-
bilidade são naturalizadas e não são vistas caminhados pelo presídio ao juízo de exe-
como um “problema jurídico” pelos mem- cução penal, em somente 5 deles a falta foi
bros do Conselho Disciplinar. confirmada (casos nº. 3, 5, 6, 7 e 8) e em 9
ocasiões a falta foi afastada em juízo (casos
A própria defesa técnica – destacando-se
nº 1, 2, 9, 10, 11, 13, 14, 15 e 16). Os outros 2 pro-
aqui que o lugar do pesquisador era justa-
cessos se referem a um em que o incidente
mente sobreposto ao papel exercido como
não foi apreciado, sem maiores explicações
defensor público – muitas vezes também
(nº 4) e um último sem processo executório,
adere a tal naturalização, buscando priori-
tendo a sanção sido aplicada exclusivamen-
tariamente evitar os riscos de aplicação de
te em âmbito administrativo (nº. 12).
outras sanções, de natureza média, aos de-
mais presos do cubículo “que não assumi- Vale notar que em 6 situações (casos nº 1, 2,
ram” nenhum objeto. O Estatuto Penitenci- 9, 13, 14 e 16) vários objetos foram assumidos
ário do Estado do Paraná prevê falta média pela mesma pessoa, tendo a falta sido afas-
consistente em “dificultar averiguação, tada judicialmente exatamente por ausên-
ocultando fato ou coisa relacionada com a cia de credibilidade da confissão e de outras
falta de outrem” (art. 62, III). Embora aplicá provas de autoria.
-la a todos os presos de cela seja evidente e
Em apenas 2 situações (casos nº. 3 e 5) as
inadmissível sanção coletiva, o controle ju-
circunstâncias são “regulares”: apenas um
dicial a posteriori frequentemente esbarra
aparelho apreendido, confissão na fase ad-
na perda de objeto, posto que já exauridas
ministrativa e em juízo, com homologação
as sanções exclusivamente administrativas
judicial da falta. E em ambas, os imputados
consistentes em isolamento e suspensão de
afirmaram fazer uso dos celulares somente
direitos por até 20 dias.
para contato com a família.
Não se trabalha, a rigor, com o conceito ju-
Além das relações comerciais e dinâmicas
rídico de prova, mas sim com concepção
de opressão que podem se fazer presentes
estratégica de poder disciplinar segundo a
nas interações da população carcerária, a
qual o que importa é haver um “culpado”,
indiferença do Conselho Disciplinar à lógi-
seja quem for ou em quais circunstâncias,
ca do in dubio pro reo e a exigência de “um
pois é este o elemento que se faz importan-
culpado”, com medidas de retaliação caso
te nas dinâmicas de afirmação – meramen-
ninguém assuma a responsabilidade pelos
te simbólica – da autoridade penitenciária e
objetos, contribui para a concretização des-
manutenção da ordem interna. Não haven-
se grande “teatro da disciplina”.
do mecanismos eficientes de investigação
e instrução, prevalece a lógica de que sim- Como se vê, não há parâmetros estáveis,
plesmente afastar a falta por insuficiência coerentes e consolidados na análise do Po-
de provas de autoria equivaleria a “liberar” a der Judiciário das situações descritas, mas
utilização de celulares no interior das gale- é possível constatar, ao menos na pequena
rias. Trata-se de uma postura caracterizável amostra indicada, uma tendência a repelir
como gestão estratégica de ilegalismos, e imputações de responsabilidade artificiais e
não de combate efetivo a determinada prá- escancaradamente distantes da realidade.
tica infracional.

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De todo modo, a proporção considerável de pel do defensor público é, em parte, legiti-


faltas afastadas judicialmente – quase 70% – mante, posto que sua presença é necessá-
não interfere na postura do Conselho Disci- ria para evitar a nulidade do procedimento,
plinar em âmbito administrativo. Pelo con- e sua atuação, ainda que possa e deva ser
trário: há plena consciência de que boa parte combativa e pautada pelo viés de redução
das faltas graves aplicadas administrativa- de danos, está tão sujeita à naturalização do
mente será judicialmente anulada, e este campo como qualquer outro papel institu-
é tomado como elemento natural de racio- cional dentro do sistema de justiça. Neces-
nalização da importância de se “sancionar sária, portanto, a demarcação de um míni-
alguém”. Afinal, as sanções administrativas mo distanciamento para a construção da
de isolamento e, principalmente, suspensão reflexão, o que não se confunde, por óbvio,
de direitos, sendo central a suspensão do di- com qualquer pretensão de neutralidade
reito de receber visita dos familiares, já terão científica.
sido integralmente aplicadas quando o caso
Optei, por cautela e considerando potenciais
chegar às mãos do juízo de execução. Logo,
problemas éticos, por priorizar como fonte a
os efeitos disciplinares da medida terão se
análise de informações públicas, ou seja, os
exaurido sem qualquer controle posterior, o
depoimentos dos presos que confessaram
que indica, uma vez mais, a caracterização
autoria quanto à posse dos itens proibidos
de tais práticas como gestão diferenciada
apreendidos, extraídos dos processos admi-
de ilegalismos. Não é de direito que falamos
nistrativos disciplinares de seus respectivos
aqui, mas de suas entrelinhas, seus espaços
processos executórios. Toda a interpretação
vazios e “livres”, espaços dos quais o cárcere,
de seu contexto e sentido, porém, decorrem
expressão máxima do “não-jurídico”, consti-
da inserção como observador durante o ano
tui a prática e a instituição por excelência.
de 2017. No fim das contas, o fato de que os
presos que são sancionados pela falta grave
não são efetivamente os responsáveis é algo
5. Considerações finais
bastante explícito e tranquilamente absor-
O recorte empírico da pesquisa aqui apre- vido no campo da unidade prisional, embo-
sentada expressa parte de questão maior, ra tal “sinceridade” permaneça adstrita ao
pertinente à necessária contraposição entre ambiente carcerário – basta ver a proporção
as finalidades declaradas do sistema disci- considerável de faltas graves afastadas em
plinar (e da proibição absoluta do uso de te- juízo por insuficiência de provas.
lefones celulares nos presídios) e as funções
À luz de qualquer parâmetro de utilidade ou
reais materializadas pelas suas práticas co-
eficácia, a proibição de telefones celulares
tidianas.
nos presídios brasileiros é medida patética
Do ponto de vista metodológico, um pri- e plena de hipocrisia quanto a suas finalida-
meiro desafio foi a ocultação da condição des declaradas, contribuindo apenas para o
de pesquisador e a entrada no campo como agravamento qualitativo das condições de
profissional do sistema de justiça, ou seja, vida no cárcere, já pautadas pela precarie-
como nativo, condição quase inescapável dade e violência. É que o objetivo de coibir
no campo do direito (Baptista, 2017, p. 92), ações criminosas ordenadas de dentro do
parte integrante do próprio objeto. O pa- sistema prisional está muito distante de ser

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alcançado. Ainda que não tenha sido objeto nização. A abordagem por meio da noção
direto desta pesquisa, pode-se afirmar com foucaultiana de ilegalismo vem enfatizar o
tranquilidade que a regra é a apreensão escopo de gestão diferencial, e não de su-
de celulares utilizados para o contato com pressão, dos ilegalismos, os quais “não são
a família e amigos (vide observação acima nem disfunções das tecnologias políticas e
sobre os casos nº. 3 e 5), não para cometer nem exceções de suas práticas legais, mas
crimes. E o que dizer de eventual inserção sim parte absolutamente constitutiva do
e manutenção de celulares pelo próprio Es- exercício do governo” (Hirata, 2014, p. 101).
tado para fins de monitoramento de movi-
Ainda assim, diversas medidas poderiam
mentos ilícitos, como parte das chamadas
ser adotadas como forma de redução de
“ações de inteligência”?
danos e minimização das violações de direi-
Os resultados da amostra empírica delimi- tos, tais como a abertura de maior controle
tada a uma unidade prisional de Curitiba/ judicial sobre o sistema disciplinar através
PR indicam a imputação de responsabilida- da regulamentação do conceito de prova
de disciplinar pelas faltas graves a presos sa- nos processos administrativos disciplinares,
bidamente inocentes, mas que “assumem” a alteração do art. 50, VII da LEP inserindo
a responsabilidade por não terem família na a necessidade de elemento subjetivo espe-
região (não perdendo visitas com a suspen- cial vinculando o objetivo do uso do celular
são decorrente da sanção administrativa) , à prática de novos crimes ou mesmo a ins-
por terem uma pena remanescente alta (es- talação de telefones públicos monitorados
tando mais distantes do que os demais do nas penitenciárias e cadeias públicas, como
alcance do direito à progressão de regime já vem sendo proposto em alguns projetos
ou ao livramento condicional) ou ainda ten- de lei em tramitação no Congresso Nacio-
do por objetivo uma contraprestação pecu- nal. Nenhuma delas, porém, alteraria a con-
niária ou outros favores. Coberto de razão figuração das interações do ambiente pri-
está Roig quando afirma que “o proibicio- sional e os mecanismos de construção de
nismo generalizado que envolve esta falta sua ordem interna como pautadas não pelo
disciplinar (...) acaba fomentando a corrup- binômio lícito/ilícito, mas sim pela diretriz
ção, troca de favores, privilégios espúrios e de gestão diferenciada de ilegalismos.
produção de danos (custos sociais) desne-
cessários à maioria das pessoas presas que
não possuem propósitos ilícitos” (Roig, 2018,
242). Referências

Ocorre que o Estado presentado pela auto- Adorno. S. (1991). A prisão sob a ótica de seus prota-
ridade penitenciária, sabendo disso e ainda gonistas: itinerário de uma pesquisa. Revista Tempo
assim aplicando as sanções disciplinares, Social, 3(1-2), 7-40.

tendo conhecimento inclusive da possibili- Angrosino, M. (2009). Etnografia e observação partici-


pante.Porto Alegre: Artmed.
dade de afastamento da falta em juízo, está
Apa, Z.; YuBai, R.; Mukherejee, D.; Herzig, C.; Koenigs-
chancelando dinâmicas e relações ilícitas
mann, C.; Lowy, F.; Larson, E. (2012). Challenges and
entre os presos, muitas vezes fundadas na strategies for research in prisons. Public Health Nurs,
exploração e opressão, estimulando, e não 29 (5), 467-472.
combatendo, esse tipo de prática e orga- Baptista, B. L. (2017). O uso da observação participante

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