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Novembro, 2015
MEDIAÇÃO CIVIL E COMERCIAL NA UNIÃO EUROPEIA
Novembro, 2015
i
Declaração
Endereço eletrónico:catarina81barbosa@gmail.com
Assinatura: ______________________________________________
ii
RESUMO
Na sua génese mais purista, a mediação é um processo voluntário, flexível e informal em que
um terceiro neutro e imparcial auxilia as partes litigantes a encontrar por si mesmas uma solução
mutuamente satisfatória para o seu litígio. As Instituições Europeias têm estado atentas à
potencialidade da mediação que obtém soluções amigáveis e promove a paz social para além de
servir de ferramenta para o descongestionamento dos tribunais judiciais contribuindo para a melhoria
do acesso à justiça. A Diretiva 2008/52/CE pretende harmonizar as legislações do Estados-Membros
relativamente à mediação em matéria civil e comercial e apresenta uma postura flexível quanto à
introdução de elementos de mediação obrigatórios desde que tal não impeça o acesso à justiça. Há
autores que defendem que a mediação obrigatória desvirtua a sua essência voluntária
transformando-a num mero expediente dilatório e outros entendem que a obrigatoriedade gera
hábitos e cultura de mediação. Portugal e Espanha regulamentaram a mediação voluntária, por outro
lado Itália introduziu a mediação obrigatória como condição de procedibilidade da ação judicial em
determinadas matérias, para promover a mediação e aliviar a sobrecarga dos tribunais judiciais. O
estudo “Rebooting”, publicado pelo Parlamento, apresenta resultados dececionantes uma vez que o
número de mediações nos Estados-Membros corresponde a menos de 1% dos casos litigados na
União Europeia, além disso a maior partes dos especialistas inquiridos entendeu que só a introdução
de medidas que incluam algum grau de compulsoriedade é capaz de aumentar o número de casos
mediados. A Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça indica que os tribunais portugueses de
1ª instância têm sérias dificuldades em dar resposta aos processos pendentes e aos que dão
entrada. O legislador português deveria considerar a introdução da mediação obrigatória com opt-out
de forma a promover a mediação e agilizar o sistema judicial.
iii
ABSTRACT
In is purest essence, mediation is a voluntary, flexible and informal process where a third
neutral and impartial part, the mediator, assists the litigants to find a mutual and satisfactory solution
for their conflict. The European Institutions has been aware from the potentiality of mediation that
reaches friendly solutions and promotes social peace but also works as a tool to decrease the
overload of judicial courts, improving the access to justice. The Directive 2008/52/CE intends to
harmonize the laws of civil and commercial mediation in each Member State and presents a flexible
position about the introduction of mandatory mediation elements as long as it does not block the
access to justice. Some authors argue that mandatory mediation undermines is voluntary essence
and transforms it into a mere dilatory expedient, on the other hand, others understand that mandatory
mediation generates habits and culture of mediation. Portugal and Spain regulated the voluntary
mediation but Italy introduced mandatory mediation as precondition to court proceedings, to promote
mediation and reduce the burden on the court system. The study “Rebooting” published by the
European Parliament infer disapointing results because mediation in civil and commercial matters is
still used in less than 1% of the cases in the EU. The majority of experts inquired suggests that
introducing a “mitigated” form of mandatory mediation may be the only way to increase mediation in
the Member States. The European Commission for the Efficiency of Justice indicates that the
portuguese first instance courts has serious difficulties in addressing the incoming cases. The
Portuguese legislator could consider the introduction of mandatory mediation with opt-out to promote
the mediation and expedite the judicial system.
Keywords: civil and commercial mediation; mandatory mediation; voluntary mediation; enforceability;
rebooting.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe por, à sua maneira, nunca me ter deixado desistir. Ao meu pai, pelos
silêncios que sossegavam as minhas inquietações. Aos dois por terem permitido munir-me das
ferramentas necessárias para levar a bom porto os meus objetivos. Ao meu irmão pelo incentivo e
pela arte em fazer desaparecer o “elefante da sala”. Ao Mark por ter sido incansável, firme e apoiado
sempre as minhas batalhas. Ao Pingo pelos seus efeitos terapêuticos, nomeadamente por me ter
feito rir e sorrir quando o mundo não mo permitia.
Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Irene Portela, pelo tempo despendido, pela sua
dedicação e confiança. À Professora Doutora Lurdes Mesquita pela gentileza na cedência de
bibliografia e pelo esclarecimento de dúvidas de última hora. À Dra. Isabel Oliveira e ao Dr. Paulo
Teixeira pela disponibilidade que sempre demonstraram.
Obrigada.
v
LISTA DE SIGLAS
CC – Código Civil
vi
INDÍCE
RESUMO Iii
ABSTRACT Iv
AGRADECIMENTOS V
LISTA DE SIGLAS Vi
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I
6
DO CONCEITO DE MEDIAÇÃO AO QUADRO JURÍDICO
1.1 A Mediação – Conceito 7
1.2 A Mediação – As partes e o mediador 11
1.3 O quadro jurídico da mediação na União Europeia 13
CAPÍTULO II
DA APLICAÇÃO DA DIRETIVA 2008/52/CE 19
CAPÍTULO III
DA VOLUNTARIEDADE E DA EXECUTORIEDADE 49
Portugal; Espanha e Itália – Estudo comparado
3.1 A executoriedade dos acordos obtidos em sede de mediação; 50
3.2 Obrigatoriedade vs Voluntariedade; 56
3.3 “Rebooting” a Diretiva da Mediação 67
CONCLUSÃO 71
BIBLIOGRAFIA 83
vii
“E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter
conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem
sequer terás a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao
fim. Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já
não serás a mesma pessoa. Só assim as tempestades fazem
sentido.”
viii
INTRODUÇÃO
O nosso trabalho tem uma dinâmica própria, não só na escolha dos países que
pretendemos comparar juridicamente, até porque não foi uma questão de ordem jurídica ou família
jurídica que nos orientou. Mas foram outros aspetos que nos chamaram a atenção. As nossas
leituras acerca do tema levaram-nos à descoberta de pequenos indícios de ordem puramente
jurídica que fizeram toda a diferença. Recorremos ao método do direito comparado e como tal
sabíamos que a escolha dos países iria determinar o âmbito e objeto do nosso estudo. Este
trabalho trata-se de uma meta-análise sobre a mediação. Aquele conceito simples de mediação,
de acordo interpartes, que havemos de descrever no capitulo I, é o estado da arte ao qual não
podemos libertar-nos. Não obstante, intuímos (ainda que este não seja um conceito científico)
daqui por algum tempo que o cientista ou investigador da mediação quando apresentar o estado
da arte, a mediação não será mais um meio alternativo de resolução de litígios à justiça mas um
meio de resolução de litígios tal como a justiça o é. A mediação será per si um meio ou o meio de
resolver, cuidar e alterar direitos entre as partes, totalmente autónomo dos meios judiciais. Porém,
acreditamos que esta missão seja difícil de levar a bom porto devido à confusão que é feita entre a
“crise da justiça”, a “desmaterialização da justiça”, a “reforma da justiça”, e finalmente “ a iliteracia
da justiça”.
1
voluntariedade. Constituindo um dos seus princípios basilares, a amplitude da sua interpretação e
aplicação não é uniforme.
Considera também, para que a mediação seja encarada como uma verdadeira alternativa
aos tribunais, que o conteúdo do acordo de mediação, a pedido das partes, seja declarado
executório, passando o seu cumprimento a não ficar somente dependente da boa vontade das
partes.
2
Como norma de mínimos, a Diretiva, vincula os seus destinatários quanto ao resultado a
alcançar, mas permite que sejam os Estados-Membros a adaptar as disposições da Diretiva às
especificidades da ordem interna.
Face ao exposto, os diplomas que vamos estudar ao longo do nosso estudo são a Lei
29/2013 de 19 de Abril, o Decreto Legislativo nº28 de 4 de Março de 2010 e a Lei 5/2012 de 6 de
Julho. Os três países regulamentaram a mediação em litígios transfronteiriços e também os
procedimentos de mediação internos.
Aspiramos perceber, dos modelos de mediação adotados pelos países do nosso estudo,
qual cumpre melhor os resultados pretendidos pela Diretiva, sem que se desvirtue a essência da
mediação, com o objetivo de determinar as medidas que o legislador português deveria adotar
para incentivar o recurso à mediação, reconhecendo-a como uma verdadeira alternativa aos
tribunais.
1
Lei 29/2013 de 19 de Abril que estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como
os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública.
2
Ley 5/2012, de 6 de julio, de mediación en asuntos civiles y mercantiles.
3
Decreto legislativo 4 Marzo 2010, n.28 in materia di mediazione finalizzata alla conciliazione delle controversie civili e
commerciali.
3
recebidos. Também não é um argumento menor, que o ordenamento jurídico italiano nos suscita
especial atenção face à “ousadia” do legislador em adotar a mediação obrigatória dentro de um
conjunto de condicionantes de enorme crise da justiça, e coincidente fé plena e confiança no
sistema judicial por parte dos cidadãos.
4
Itália. No primeiro ponto abordamos o estado da mediação em cada ordem jurídica, bem como a
forma como o procedimento de mediação se encontra estruturado. No segundo ponto, por se
considerar que o estabelecimento de princípios fundamentais contribuem para o desenvolvimento
e funcionamento adequado da mediação, fazemos referência aos princípios consagrados por
estes ordenamentos jurídicos e que servem de linhas mestras para a condução do procedimento
de mediação que por natureza é flexível e informal.
O Capítulo III encontra-se dividido em três pontos. No primeiro ponto estudamos a forma
como os legisladores atribuíram força executiva aos acordos de mediação e a sua conexão com
as legislações nacionais. No segundo ponto, pretendemos estudar como cada legislador
interpretou e aplicou o princípio da voluntariedade e se optou pela introdução elementos de
mediação obrigatória na sua ordem jurídica e os seus efeitos. Finalmente, no terceiro ponto do
último capítulo, analisamos as considerações do Parlamento apresentadas através do estudo
“Rebooting” em que se analisa o impacto da implementação da Diretiva nos Estados-Membros e
se propõem medidas para ampliar o número de mediações na União Europeia.
5
CAPÍTULO I
6
1.1 – MEDIAÇÃO - CONCEITO
As razões apontadas para o impulso deste movimento prende-se com o colapso judicial
provocado pelo sentimento crescente da falta de mecanismos privados de resolução de
controvérsias, especialmente entre particulares, e a incapacidade intrínseca do sistema judicial em
assegurar a todos o acesso à justiça. A estes factos associa-se a crise económica dos EUA
provocada pela sua intervenção em duas guerras mundiais e a consequente instabilidade laboral,
social e política. Nos anos 70, surge na Universidade de Harvard, uma corrente de pensamento
denominada de Critical Legal Studies que se apresentava contra qualquer tipo de normativismo,
lutando contra o sistema jurídico existente procurando encontrar alternativas ao tribunais, para que
todos os cidadãos tivessem a possibilidade de aceder a um meio que encontre soluções para as
controvérsias apresentadas. Este movimento veio a revelar-se um dos pontos de partida para a
consolidação dos meios de resolução alternativa de litígios pois permitiu reconhecer a dificuldade
do poder judiciário em dirimir e atender todas as controvérsias. Em 1976, o Professor Frank
Sander, defende a ideia da criação de um tribunal multi-portas que disponibilizaria uma variedade
de meios de resolução alternativa de litígios, de modo a identificar o meio mais adequado para o
dirimir os conflitos apresentados pelas partes. Com esta medida pretendia efetivar o acesso à
justiça através da apresentação da pluralidade de opções para solucionar litígios. A ideia de Frank
Sander foi muito bem recebida por aqueles que se encontravam insatisfeitos com a falta de
4
eficiência da justiça e procuravam alternativas ao sistema judicial tradicional.
Deste modo, atribui-se aos EUA o berço dos meios de resolução alternativa de litígios, cujo
nascimento se prende essencialmente com a crise do direito, mas também com a manifesta
vontade dos cidadãos em ser parte ativa na resolução dos seus conflitos. Na Europa, a introdução
dos meios de RAL tem sido feita de forma mais lenta e gradativa, contudo as Instituições
Europeias têm revelado especial interesse na sua implementação, como adiante veremos.
4
Cfr.: Silvia Barona Vilar (2013). Mediación en asuntos civiles y mercantiles en España, pp.38-42.
7
Para Brown & Marriot (2012, p.12, tradução nossa), todos os procedimentos que
funcionam como alternativa à litigação judicial, tendo em vista a resolução de conflitos, e que
geralmente envolvem a intervenção de um terceiro neutro e imparcial, constituem os meios de
resolução alternativa de litígios. Mariana Gouveia (2012, p.17), apresenta uma definição mais vaga
por entender que não existe uma tipologia fechada, definindo-os como “o conjunto de
procedimentos de resolução de conflitos alternativos aos meios judiciais”. Da análise das
definições apresentadas, verificamos que o que as separa é a inclusão do terceiro interveniente no
seu conceito e por essa divisão ser frequente na doutrina há autores que apresentam relutância
5
em considerar alguns métodos como meios de RAL.
Brown & Marriot (2012, p.127, tradução nossa) definem mediação como “um processo
facilitador em que as partes litigantes recorrem a um terceiro imparcial, o mediador, com o
propósito de as ajudar a chegar por si mesmas a um acordo pondo fim ao diferendo. O mediador
5
Há autores que incluem a negociação nesse grupo porém muitos discordam por entender que a negociação não passa de
uma componente dos meios de resolução alternativa de litígios uma vez que na negociação não é essencial a existência
de um terceiro imparcial. Neste sentido, Brown & Marriot, 2012, p.12, defendem que: “Negotiation is not on its own an ADR
process. It is the most fundamental way of trying to resolve diferences, and when it fails, ADR processes may become
employed. While negotiation is invariably one of the main components of ADR processes, it is only when it is accompanied
by neutral intercession and a more structured process framework that it becomes ADR.”
6
Cfr.:Mariana França Gouveia (2011). Curso de Resoluçao Alternativa de Litígios, p.18 e 19.
7
Mediação in Dicionário da Língua Portuguesa, disponível em: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/mediação
8
não tem autoridade para tomar decisões vinculativas para as partes, mas o uso de determinados
procedimentos, técnicas e conhecimentos ajuda-as a negociar uma solução acordada para o seu
litígio sem decisão judicial.”
8
Ortiz Pradillo entende que dos distintos modelos de solução de conflitos utilizados com frequência (a autotutela, a
autocomposição e heterocomposição), os métodos autocompositivos são considerados uma evolução da autotutela,
embora menos desenvolvidos e institucionalizados do que os sistemas heterocompostivos. (Ortiz Pradillo, 2014 p.70)
9
Cfr.: Miguel Gimeno Ribes, Mediación en el âmbito del derecho de la competência, 2015, p.209
9
Sobre o cumprimento dos acordos de mediação, Brown & Marriott (2012,p.13, tradução
nossa), alegam que quem já recorreu aos serviços de mediação é da opinião que os acordos
alcançados são mais duradouros, criativos e satisfatórios do que aqueles alcançados em tribunal.
Tratando-se de um processo voluntário e autocompositivo, o alcance de um acordo depende
exclusivamente da dedicação, comunicação e vontade das partes. Assim, a probabilidade de
sucesso no seu cumprimento dispara exponencialmente comparativamente aos métodos
heterocompositivos, em que o poder decisório está nas mãos de um terceiro e cuja decisão nem
sempre satisfaz as pretensões das partes. Todavia, o Parlamento e o Conselho através da Diretiva
2008/52/CE consideraram relevante prever mecanismos de atribuição de força executiva aos
acordos de mediação, para que as partes sintam segurança no instituto da mediação, deixando de
estar o cumprimento dos acordos dependente unicamente da vontade das partes, e para que a
10
mediação seja encarada como uma verdadeira alternativa ao sistema judicial.
De acordo com Valerie Butler (2004, pp.2-3, tradução nossa) existem cinco vantagens do
processo de mediação comparativamente ao processo judicial, a saber:
I. Menor custo: a autora afirma que o processo de mediação é mais barato do que o
processo judicial.
II. Rapidez: o processo de mediação é mais célere do que o processo judicial. Acrescenta
ainda que dependendo do que está envolvido no processo e do empenho dos
intervenientes, o litígio pode ficar resolvido numa única sessão de mediação.
III. Maior privacidade e menos stress: As sessões de mediação são como uma “reunião à
porta fechada” alegando que o facto de não haver pessoas estranhas ao processo a
assistir às sessões e os documentos não estarem acessíveis a terceiros diminui o stress
que habitualmente existe no processo judicial;
IV. Resolução de problemas que não podem ser litigados: A autora indica que o processo de
mediação é indicado para reduzir ou eliminar conflitos que embora não constituam
violações da lei e que por isso não podem ser resolvidos em tribunal provocam
animosidade e angústia entre as partes, tornando-se indispensável saná-los.
V. Os acordos de mediação tendem a ser cumpridos voluntariamente: o mediador deve ser
treinado para ajudar as partes a partilharem as sua perspetivas sobre o litígio, colocando-
lhes diversas questões e ouvindo atentamente as respostas obtidas, de forma a que estas
reflitam de modo realista sobre as opções que dispõe para sanar a sua contenda. Ao
alcançarem um acordo, as partes encontram-se satisfeitas com o conteúdo do mesmo e
têm tendência a cumpri-lo de forma definitiva e voluntária.
10
Considerando 19 da Diretiva 2008/52/CE
10
1.2 - MEDIAÇÃO – AS PARTES E O MEDIADOR
11
Empowerment significa dotar alguém do poder, autoridade ou capacidade para fazer algo (Spencer e Brogan, 2006,
p.88)
12
A propósito do carácter flexível da mediação, Domenico Dalfino (2014, p.35, tradução nossa), refere que “naturalmente,
não significa que não se deva estruturar a mediação numa sequência de atos orientados com vista a um fim, nem implica
que não se possa ou não se deva organizar matérias de modo permanente e funcional com o objetivo de auxiliar as partes
na mediação”.
11
princípio da boa fé, o que pressupõe a existência de uma conduta verdadeiramente interessada e
cooperante, colaborando entre si e com o mediador.
Obviamente, se, apesar do conflito, as partes mantivessem o diálogo incólume entre elas,
o recurso à mediação ou a qualquer outro meio de solução de controvérsias seria desnecessário
pois o conflito seria facilmente solucionado através da simples negociação entre as partes.
Valerie Butler (2004, p.8, tradução nossa), entende que a maior dificuldade no
procedimento de mediação consiste na discussão de temáticas que estão ligadas a emoções
fortes, e atribui a responsabilidade da sua superação ao mediador que deve reconstruir as
afirmações das partes tornando-as menos emocionais e inflamadas. Ao apresentar uma opinião
divergente de forma cordial e respeitadora aumenta claramente a probabilidade de ser escutado.
De acordo com Haynes e Fong (2004, p.15, tradução nossa), não são os assuntos que se
debatem que inviabilizam a comunicação entre as partes, mas a forma como esses assuntos são
abordados e, nesse sentido, o mediador deve auxiliar os mediados a melhorarem as suas
capacidades de comunicação.
13
Cfr: Antonio Maria Lorca Navarrete,(2012). La Mediación en Asuntos Civiles y Mercantiles, p.235 (tradução nossa).
12
Ora, para que o mediador ultrapasse estas questões é necessário que domine técnicas e
conhecimentos específicos que norteiem a sua intervenção. Nesse prisma, e com o objetivo de
garantir a qualidade do trabalho do mediador, em Julho de 2004, a Comissão Europeia apresentou
14
o Código de Conduta Europeu para Mediadores que elenca um conjunto de princípios e normas
aos quais os mediadores europeus bem como as instituições que prestem serviços de mediação
podem voluntariamente aderir. O Parlamento e o Conselho, através do nº4 da Diretiva
2008/52/CE, também reafirmam a necessidade de incentivar a formação inicial e contínua dos
mediadores dado que a sua performance é fundamental para o sucesso deste meio. Para além
disso, os mediadores estão sujeitos à obediência de princípios transversais a todas as
mediações, tais como a confidencialidade, imparcialidade, independência e a garantir que as
partes são tratadas de modo equitativo.
Para Lúcia Vargas (2006,p.84), “os meios alternativos têm, desde logo, um papel
preponderante em termos de promoção do acesso à justiça, bem como de adequação a certas
categorias de litígios, que, pela sua especificidade, não se compadece com a tramitação
processual seguida nos tribunais comuns, designadamente nos moldes morosos em que se
verifica atualmente”.
14
Código de Conduta Europeu para Mediadores, disponível em:
http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/mediacao-publica/mediacao-anexos/codigo-europeu-
de/downloadFile/file/Codigo_Europeu_de_Conduta_para_Mediadores_13.03.2014.pdf?nocache=1394707997.85.
15
Ponto 1 e 5 do Livro Verde.
16
“Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção
perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num
prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]”
17
Artigo 6º, nº1: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo
razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos
seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida
contra ela.[…]”
13
instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”. Neste sentido é imperativo o
desenvolvimento, funcionamento e promoção destes meios de ADR de forma a que os cidadãos
disponham de opções mais adequadas e variadas para a solução dos seus litígios.
18
A União Europeia tem vindo a desenvolver nas ultimas décadas uma atividade
harmonizadora das legislações dos Estados-Membros com vista à concretização do Espaço de
Justiça Europeu, e manifestado interesse em impulsionar os meios de resolução alternativa de
litígios com o objetivo de melhorar o acesso à justiça.
18
Neste sentido, destacamos a Recomendação NºR (86) 12, do Comité de Ministros dos Estados-Membros, Relativa a
Determinadas Medidas Destinadas a Prevenir e a Reduzir a Sobrecarga de Trabalho nos Tribunais de 16 de Setembro de
1986; Livro Verde sobre o acesso dos consumidores à justiça e a resolução dos litígios de consumo no mercado único de
1993; O Plano de Ação de Viena relativamente à melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão que
preveem a criação de um Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça de 1998.
19
“Sin embargo, diversas razones fundamentam la necesidad de una regulación a nível Comunitario. En primer lugar, el
próprio objetivo de establecer un Espacio europeo de libertad, seguridad y justicia, el cual exige la armonización de las
legislaciones de los Estados miembros, no sólo en el ámbito judicial, sino también en lo relativo a los diferentes métodos
extrajudiciales de solución de litigios. En segundo lugar, resulta defendible la armonización de los métodos extrajudiciales
de solución de conflictos, como fórmula apropriada para establecer un marco jurídico homogéneo en la Unión Europea que
garantice los principios básicos de la metodologia en la que se basa la mediación la voluntariedad, la confidencialidad, la
calidad del tercero interviniente,etc., sobre todo respecto de aquellas disputas en la que las partes se encuentren en
Estados miembros diferentes, y se eviten así las distorciones derivadas de la diversidad de legislaciones existentes en
cada país. Y en tercer lugar, porque si se ha llevado a cabo una abundante actividad legislativa armonizadora para
favorecer la existencia de una verdadera libre circulación de resoluciones en matéria civil y en el âmbito de la Unión
Europea, en la actual fase de implantación de la mediación, como sistema alternativo y complementário al de la vía judical
clásica para la resolución de conflictos, nos encontramos con los mismos problemas anteriormente citados respecto al de
las sentencias judiciales, es decir, hace falta un sistema que, en beneficio de los ciudadanos otorgue seguridad jurídica al
processo de mediacíon y que permita su eficácia universal cuando el âmbito del conflicto trascienda de las fronteras de un
Estado.” (Ortiz Pradillo, 2010, p.60)
14
O Conselho Europeu, na reunião de Tampere ocorrida a 15 e 16 de Maio de 1999,
solicitou aos Estados Membros que criassem procedimentos extrajudiciais alternativos para
20
facilitar o acesso à justiça e convidou a Comissão a apresentar um Livro Verde que fizesse o
ponto da situação existente nos Estados-Membros a fim de preparar as medidas concretas a
adotar. Para inventariar a informação necessária, a Comissão enviou um questionário aos Estados
Membros e baseou-se nas suas respostas e em estudos realizados no âmbito dos RAL para ter
conhecimento dos trabalhos já iniciados neste âmbito pelos Estados Membros e a nível da União
Europeia.
20
Os Livros Verdes são documentos publicados pela Comissão Europeia para promover uma reflexão a nível europeu
sobre um assunto específico. Para tal, convidam as partes interessadas (organismos e particulares) a participar num
processo de consulta e debate, com base nas propostas que apresentam. Cfr.: http://ec.europa.eu/green-
papers/index_pt.htm.
21
Cfr: 4º Parágrafo do resumo do Livro Verde.
22
Cfr.:Ponto 25 do Livro Verde.
23
Cfr: Ponto 22 do Livro Verde.
24
Tradução nossa
15
recante norme per l’accesso alla giustizia civile, per la risoluzione consensuale delle controversie e
per l’abbreviazione dei tempo del processo civile) bem como o facto das funções do juiz de paz e
as suas competências estarem plasmadas no Código de Processo Civil.
A partir do Livro Verde foi apresentada a Proposta de Diretiva sobre mediação civil e
30
comercial, apresentada pela Comissão a 22 de Outubro de 2004 que deu origem à Diretiva
25
Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil.
26
Ponto 72 e 79 do Livro Verde.
27
Ponto 85 do Livro Verde.
28
Ponto 3.2.12 do Livro Verde.
29
Ponto 3.2.3 do Livro Verde.
30
Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e
comercial disponível em http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoes-internacionais/anexos/sections/relacoes-
internacionais/anexos/mediacao/downloadFile/file/MEDIACAO.pdf?nocache=1204212839.93.
16
31
2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a certos aspetos da mediação em
matéria civil e comercial, publicada a 24 de Maio de 2008 no JOUE.
A Diretiva define, no artigo 3 al. a), a mediação como: “um processo estruturado,
independente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou
mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre resolução do seu litígio
com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou
ordenado por um tribunal ou imposto pelo direito de um Estado-Membro.”
Nas suas disposições reforça a ideia de que para se promover o recurso à mediação é
necessário prever um enquadramento normativo que aborde aspetos fundamentais do processo
civil de forma a garantir que as partes que recorrem a este meio possam confiar num quadro
32
jurídico previsível . Dentre vários aspetos, pretende promover os direitos fundamentais, em
especial o acesso à Justiça, considerando os princípios consagrados na Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia e assegurar uma relação equilibrada entre o recurso à
mediação e o processo judicial. Argumenta que o estabelecimento destes princípios neste domínio
é essencial para o desenvolvimento e funcionamento adequado dos procedimentos extrajudiciais
em matéria civil e comercial, como modo de simplificar e melhorar o acesso à justiça para
estabelecer um espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União Europeia
31
Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Maio de 2008 relativa a certos aspetos da
mediação em matéria civil e comercial, disponível em:
http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2008:136:0003:0008:Es:PDF
32
Considerando 7 da Diretiva.
17
acesso ao sistema judicial, de modo a evitar que a mediação seja considerada um meio
33
concorrencial do processo judicial mas antes complementar a este .
Ainda no sentido de fomentar a segurança e a confiança dos cidadãos, e para evitar que
o procedimento de mediação seja encarado como expediente dilatório antes da demanda ser
finalmente resolvida nos tribunais judiciais, é imposto aos Estados Membros a previsão do
carácter executório dos acordos obtidos em sede de mediação a pedido das partes, desde que o
teor do conteúdo não seja contrário ao direito interno, incluindo o direito internacional privado, ou
35
se o seu direito não previr o carácter executório do conteúdo do acordo específico .
Os Estados Membros dispõem de três anos, com término a 21 de Maio de 2011, para
efetuar a transposição da Diretiva, sendo que somente Portugal, Itália e França o fizeram
tempestivamente.
33
Considerando 14 e 24 da Diretiva.
34
Considerando 17 e art. 4º da Diretiva.
35
Considerando 19 e art. 8º da Diretiva.
18
CAPÍTULO II
19
2.1 - O ESTADO DA MEDIAÇÃO
PORTUGAL
36
Cfr.:Informação disponível em: http://www.ipmediacaofamiliar.org/INSTITUTO.html
20
modalidade extrajudicial de resolução de litígios, de carácter privado, informal, confidencial,
voluntário de natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua participação ativa e direta,
são auxiliadas por um mediador a encontrar, por si próprias, uma solução negociada e amigável
para o conflito que as opõe.” Este diploma é de tal modo relevante para o impulso da mediação
na nossa ordem jurídica que o Livro Verde sobre os modos alternativos de resolução dos litígios
37
em matéria civil e comercial lhe confere destaque .
Em 2006 foi criado o Sistema de Mediação Laboral, que desde o início do seu
funcionamento conta com a adesão de mais de oitenta entidades, e, em 2007, introduzida a
Mediação Penal na ordem interna através da Lei nº21/2007.
A lei 29/2013 veio uniformizar a legislação no que a esta matéria diz respeito, pelo que
após a sua entrada em vigor a Lei 54/2013, de 31 de Julho, alterou a Lei 78/2001 e, entre outras
alterações, revogou o artigo 35 para não coexistirem noções dispares de mediação.
37
Ponto 25 do Livro Verde.
38
A Lei 29/2013 revogou os artigos 249-A a 249-C conforme artigo nº49 da referida lei. O artigo 279-A do CPC é
atualmente o artigo 273.
21
O disposto neste diploma é aplicável à mediação de litígios em matéria civil e comercial
realizada em Portugal que respeitem a interesses de natureza patrimonial ou em que as partes
39
possam celebrar transação sobre o direito controvertido, de acordo com os art.ºs 10 e 11.
O Capítulo III divide-se em três secções, sendo que na primeira estabelece o seu âmbito
de aplicação e regula a convenção de mediação. Na segunda secção regulamenta a mediação
pré-judicial, a homologação dos acordos de mediação e a mediação transfronteiriça. Na terceira
secção é estruturado o procedimento de mediação, através da definição das linhas mestras que
devem nortear o procedimento sendo que a este subjaz a sua essência informal.
O ordenamento jurídico português contempla o acesso à mediação por via judicial e por
via extrajudicial. As partes litigantes por sua iniciativa podem recorrer ao procedimento de
mediação sem que esteja pendente qualquer ação com vista à sanação da mesma contenda; Na
sequência de ação judicial as partes podem aceder à mediação por iniciativa própria ou a “convite”
do juiz mas havendo convenção de mediação, que obedeça aos requisitos elencados no art.12º,
devem as partes acorrer à mediação antes de intentar ação judicial. Neste sentido, caso uma das
partes não obedeça ao acordado e proponha ação judicial sem antes ter experimentado a
mediação, a requerimento do réu, deve o tribunal suspender a instância e remeter o processo para
mediação.
39
Transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões. As
concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido. Cfr: Artigo
1248º Código Civil.
22
Estrutura do procedimento de mediação
Expressa a vontade de enveredar pela mediação, as partes são presentes a uma sessão
de pré-mediação, com carácter informativo, em que o mediador nomeado, ou escolhido
consensualmente pelas partes, explica o funcionamento da mediação e as regras do
procedimento.
Quer o procedimento de mediação se inicie antes de proposta ação judicial, quer inicie na
pendência de ação judicial (nos termos dos artigos 13, nº2 da Lei 29/2013 e 272 nº4 do CPC,
respetivamente), a lei prevê a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição a partir da
data da assinatura do protocolo de mediação, ou caso esta decorra num dos sistemas públicos de
mediação, logo que as partes concordem com a realização do procedimento. Para o efeito, o
mediador ou o sistema público de mediação, deve emitir comprovativo da suspensão dos prazos
em que conste os seguintes elementos: Identificação da parte que solicitou a mediação e da
contraparte; identificação do objeto de mediação; a data de assinatura do protocolo de mediação
ou a data em que as partes tenham concordado com a realização da mediação; e, caso o
procedimento já tenha ocorrido, o modo e a data de conclusão do procedimento.
40
Cada sistema público de mediação é gerido por uma entidade pública que tem como incumbência manter em
funcionamento e monitorizar o respetivo sistema público de mediação preferencialmente através de plataforma informática,
nos termos do nº1 e 2 do artigo 31 da Lei 29/2013.
23
O procedimento de mediação termina: quando se alcance acordo entre as partes; se
verifique a desistência de qualquer parte; o mediador de conflitos, fundamentadamente, assim o
decida; se verifique a impossibilidade de obtenção do acordo; se atinja o prazo máximo de
duração do procedimento, incluindo as eventuais prorrogações do mesmo, em conformidade com
o art.19 da Lei 29/2013.
O acordo
O conteúdo do acordo de mediação deve refletir a vontade das partes. Brown & Marriott
(2012, p.129, tradução nossa), acrescentam que caso as partes não sejam capazes de alcançar
um acordo que ponha fim à sua disputa, são livres de ver o seu conflito resolvido através de outros
meios. O legislador português, determina que o conteúdo do acordo é livremente fixado pelas
partes e pode versar sobre parte ou sobre a totalidade do objeto da mediação. Deve ser reduzido
a escrito e assinado pelas partes e pelo mediador. Com a consagração do princípio da
executoriedade os acordos de mediação que digam respeito a litígios que possam ser alvo de
mediação e para a qual a lei não exija homologação judicial têm força executiva , desde que: as
partes tenham capacidade para a sua celebração; cujo conteúdo não viole a ordem pública; tenha
sido obtido por via de mediação realizada nos termos legalmente previstos; e tenha participado
mediador inscrito na lista de mediadores de conflitos organizada pelo Ministério da Justiça, exceto
se a mediação foi realizada no âmbito de um sistema público de mediação.
O mediador
A Lei 29/2013, nos termos da al.b) do art.2, define mediador de conflitos como “um
terceiro, imparcial e independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os
auxilia na tentativa de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio”. O nosso
ordenamento jurídico permite a intervenção de mais do que um mediador (art.17, nº1) contudo, ao
longo do nosso estudo, vamos referir-nos à figura do mediador no singular.
Mariana Gouveia (2011, p.48) refere que o mediador “é um profissional treinado em mediação,
conhecedor da sua filosofia e das suas técnicas, aplicando-as no exercício da sua atividade”.
Tendo em linha de conta a exigência de qualidade deste terceiro interveniente no procedimento de
mediação, o capitulo IV da Lei 29/2013 estabelece que o estatuto dos mediadores de conflitos é
aplicável a todos os mediadores que exerçam atividade em todo o território nacional em regime de
livre prestação de serviços. Este capítulo inclui ainda, nos seus artºs25 e 26, os direitos e
devedores a que o mediador está sujeito. Os requisitos necessários para o exercício das funções
de mediador num sistema público de mediação são definidos nos respetivos atos constitutivos ou
regulatórios destes organismos, nos termos do art.23 em articulação com o art.39 estando contudo
sujeitos às disposições da Lei 29/2013.
24
Para poder exercer funções, o mediador de conflitos deve possuir formação
especificamente orientada para o exercício da profissão, ministrada por entidades certificadas pelo
Ministério da Justiça.
ESPANHA
Tal como em Portugal e de acordo com Cátia Cebola (2013, p.80), a mediação foi
introduzida em Espanha na década de 90 através de serviços de mediação familiar em Madrid,
Barcelona e na Comunidade Autónoma Basca. A inserção da mediação em contexto laboral
ocorreu a 7 de Novembro de 1990 através do Acuerdo Interprofesional. Apesar do crescimento do
recurso à mediação nos anos 90, não existia na ordem interna espanhola um diploma que
enquadrasse juridicamente a Mediação e impulsionasse a qualidade deste método de RAL.
25
Para Ordóñez Solis, a transposição da Diretiva para o ordenamento jurídico espanhol
assinala um «antes e depois» da mediação em Espanha, que serviu para colmatar “uma patente
falta de cultura da sociedade espanhola quando se refere à mediação e a fazer amadurecer a
nossa sociedade tão funestamente acostumada a imposições autoritárias, impulsionando-a a
alcançar acordos e consensos sociais” (como citado em Mota e Monzonís, 2012, pp.521-522,
tradução nossa) .
O artigo 1 da Lei 5/2012 define mediação como: “(…) o meio de solução de controvérsias,
qualquer que seja a sua denominação, em que duas ou mais partes tentam voluntariamente
alcançar por si mesmas um acordo com a intervenção de um mediador”.
O título I regula o âmbito material e espacial da normal, a sua aplicação aos litígios
transfronteiriços, os efeitos da mediação sobre os prazos de prescrição e de caducidade bem
como as instituições de mediação.
O título III contém o estatuto mínimo do mediador, com a determinação dos requisitos que
devem cumprir e os seus princípios de atuação.
Silvia Vilar (2013, p.489, tradução nossa) é da opinião que o modelo de mediação espanhol
baseia-se na voluntariedade e na livre decisão das partes, que se reflete na decisão consensual
de acorrer à mediação; no decurso do procedimento, podendo as partes abandoná-lo
independentemente da fase em que se encontre; na possibilidade de terminarem o procedimento
com ou sem acordo; e, finalmente, na faculdade de, voluntariamente e de comum acordo, solicitar
que se reconheça força executiva ao acordo de mediação.
A Lei 5/2012 estabelece através do art.16, nº1 al.a), que o procedimento de mediação
pode ser iniciado por iniciativa das partes e na sequência de convenção de mediação. O art. 414
da (LEC) determina que o juiz, atendendo à natureza do caso, pode convidar as partes a remeter
26
o processo para mediação, incentivando-as a assistir a uma sessão informativa cabendo a estas a
decisão de acatar ou não o convite. O pedido de mediação deve ser apresentado perante o
mediador ou instituição de mediação escolhidos (art.16, nº2), e do pedido devem constar a
designação do mediador ou a identificação do instituto de mediação que conduzirá a mediação, a
indicação do lugar onde as sessões irão decorrer e a língua a utilizar durante o procedimento.
Havendo convenção de mediação, o procedimento pode iniciar-se a pedido de apenas uma parte
(art.16, nº1, al.b)).
Nos termos do art.17, recebido o pedido pela instituição de mediação ou pelo mediador, as
partes são convocadas para uma sessão informativa onde lhes serão prestados todos os
esclarecimentos relativamente a este método de RAL tais como as características da mediação, o
seu custo, a organização do procedimento e o prazo para assinar a ata da sessão constitutiva.
Para além disso, o mediador procede à sua apresentação informando a sua profissão, formação,
experiência e nomear as causas que podem afetar a sua imparcialidade. Caso as partes não
compareçam à sessão informativa de forma injustificada entende-se como desistência do
procedimento pelo que a informação da parte ou partes em falta não é confidencial.
Ao longo do nosso estudo iremos usar o termo mediador no singular, contudo o artigo 18
da Lei 5/2012 estabelece que, devido à complexidade da matéria ou por conveniência das partes,
se admite a atuação de vários mediadores que, existindo, devem atuar de forma coordenada.
As partes podem acordar que todas, ou algumas sessões de mediação, sejam realizadas
por meios eletrónicos (art.24) desde que a identidade das partes e o respeito pelos princípios de
27
mediação previstos na Lei 5/2012 estejam garantidos. A mediação realizada por meios eletrónicos
desenvolver-se-á preferencialmente quando o objeto da mediação consista na reclamação de
quantia inferior a 600 euros. O Real Decreto 980/2013 de 13 de Dezembro na disposição final
sétima regulamenta o procedimento simplificado de mediação por meios eletrónicos.
A renúncia do mediador, por sua iniciativa ou por iniciativa das partes, apenas terá como
consequência o fim do procedimento de mediação caso não seja nomeado outro mediador.
Será lavrada ata final que determinará a conclusão do procedimento e, caso se verifique,
refletirá os acordos alcançados de forma clara e compreensível ou a indicação da finalização do
procedimento por qualquer outra causa. Esta ata deverá ser assinada por todas as partes e pelo
mediador, sendo entregue um exemplar original a cada um. Caso alguma das partes não queira
assinar a ata, o mediador deve registar esse facto e entregar um exemplar original às partes que o
desejem.
O acordo
O acordo de mediação, nos termos do art.23, pode versar sobre uma parte ou sobre a
totalidade dos assuntos submetidos à mediação. Dele devem constar: a identidade e domicílio das
partes; o lugar e data em que é assinado; as obrigações que cada parte assumiu e a confirmação
de que foi seguido um procedimento de mediação em obediência pelas previsões legais; a
indicação do mediador ou mediadores que atuaram no procedimento ou, caso se aplique, da
instituição de mediação onde se desenrolou o procedimento.
O acordo de mediação deve ser assinado pelas partes ou pelos seus representantes
legais e um exemplar original será entregue a cada uma das partes e ao mediador para sua
conservação.
28
Compete ao mediador informar o carácter vinculativo do acordo de mediação e da
possibilidade de o elevar a escritura notarial no caso da mediação ser extrajudicial ou de solicitar
homologação judicial no caso da mediação ser intrajudicial de forma a configurar como título
executivo.
O mediador
O preâmbulo da Lei 5/2012 determina que “a figura do mediador é, de acordo com a sua
disposição natural, a peça essencial do modelo, uma vez que é quem ajuda a encontrar uma
solução dialogada e voluntariamente desejada pelas partes. A atividade de mediação divide-se em
múltiplos âmbitos profissionais e sociais, requerendo habilidades que em muitos casos dependem
da própria natureza do conflito. O mediador deve ter uma formação geral que lhe permita
desempenhar essa tarefa e sobretudo que ofereça garantia inequívoca às partes pela
responsabilidade civil em que pode incorrer.” É patente a importância que o legislador espanhol
atribui ao mediador de conflitos e à necessidade implícita de ser um profissional qualificado, com
domínio de técnicas específicas para garantir a qualidade e sucesso da mediação.
Nos termos do art.11 da Lei 5/2012 podem ser mediadores as pessoas naturais em pleno
exercício dos seus direitos civis, assim como as pessoas jurídicas que se dediquem à mediação,
sejam sociedades profissionais ou qualquer outra admissível no ordenamento jurídico, que devem
designar para o exercício da mediação uma pessoa natural que reúna os requisitos legais.
Este profissional, que facilita a comunicação das partes, deve reger-se por uma conduta
ativa, imparcial e neutra com respeito pelos princípios legais sob pena de incorrer em
responsabilidade pelos danos e prejuízos que possa, eventualmente, causar no decurso da sua
atividade profissional.
41
«Mediador es la persona con la suficiente formación específica, capacidad negociadora e imparcialidad acreditada, que
se interpone entre dos o más partes en conflicto para que, con el correspondiente asesoramiento técnico, pueda ofrecer
una solución equilibrada y aceptada por las partes.»
29
O artigo 12 da Lei 5/2012 solicita ao Ministério da Justiça e às administrações públicas
competentes em colaboração com as instituições de mediação, a elaboração de códigos de
conduta voluntários e das condições de adesão por parte dos mediadores e das instituições de
mediação a tais códigos. Na sequência deste pedido, a 13 de Dezembro de 2013 o Real Decreto
980/2013 veio regulamentar as disposições da Lei 5/2012 em relação à formação e ao alcance da
obrigação do seguro de responsabilidade civil dos mediadores, assim como a publicidade dos
mediadores e das instituições de mediação.
ITÁLIA
A mediação, tal como hoje a conhecemos, foi introduzida em Itália em 1993 através da Lei
580 que obrigava as Câmaras de Comércio a criarem comissões de mediação e arbitragem. Uma
década mais tarde, o Decreto Legislativo 5/2003 instituiu a mediação voluntária para dirimir litígios
bancários mas esta medida não teve expressão por falta de adesão da comunidade jurídica. O
ímpeto da mediação em Itália só ocorre com a transposição da Diretiva 2008/52/CE.
Neste diploma, que transpôs a Diretiva, nos termos do nº1 do artigo 60, o Parlamento
Italiano delegou ao Governo a função de regulamentar a mediação em matéria civil e comercial,
mediante Decreto Legislativo no prazo de seis meses, devendo disciplinar as seguintes questões:
42
"Disposizioni per lo sviluppo economico, la semplificazione, la competitività nonché in materia di processo civile"
30
5. Permitir que o mediador nomeie peritos/mediadores auxiliares, desde que inscritos no
registo de peritos e consultores do Tribunal, quando estejam em causa conhecimentos
específicos;
6. Prever a majoração dos honorários do mediador em caso de obtenção de acordo de
mediação;
7. Prever a obrigação dos advogados informarem os seus clientes da faculdade de recorrer
ao procedimento de mediação antes de instaurar ação judicial.
8. Prever benefícios fiscais para as partes que alcancem acordo;
9. Condenar o vencedor no processo judicial à devolução das despesas a favor do vencido,
caso este tenha recusado proposta feita pelo mediador durante a mediação, e cujo
conteúdo corresponda à decisão judicial;
10. Prever a duração de máxima de 4 meses para o procedimento de mediação;
11. Garantir a imparcialidade, neutralidade e independência do mediador no desempenho das
suas funções;
12. Prever força executiva do acordo obtido em sede de mediação e a constituição de titulo
executivo para efeitos de hipoteca judicial.
Para além de regular todas as questões que lhe foram delegadas, o Governo introduziu
outros pontos, como a mediação obrigatória, impondo a tentativa de mediação como condição de
procedibilidade do processo judicial em amplos sectores do contencioso civil, dispensando a
assistência de advogado nesta fase.
Para além disso, determinou a obrigação dos advogados informarem por escrito os seus
clientes da possibilidade de submeter o seu litígio a uma tentativa de mediação prévia à
instauração do processo judicial, de forma a poderem comprovar essa advertência em eventual
ação judicial sob pena de anulação do contrato de prestação de serviços firmado com o cliente.
43
Cfr.: Art.1,nº1,al.c) Conciliazione: la composizione di una controversia a seguito dello svolgimento della mediazione;
31
Estas alterações provocaram descontentamento entre os advogados que consideravam
que o artigo 5, nº1 do decreto legislativo, que elenca as matérias sujeitas a mediação obrigatória,
viola o artigo 24 da Constituição da Republica Italiana que determina que “todos podem agir em
juízo para tutelar os seus direitos e interesses legítimos”. Esta situação deu azo a inúmeros
debates sobre o tema e à convocação de greves por parte do Organismo Unitario dell’Avvocatura
Italiana (OUA), principal associação de advogados em Itália, como forma de protesto público
contra a introdução da mediação obrigatória. Apesar de se reconhecer os benefícios da utilização
da mediação quer para as partes, quer para o sistema judicial, também os cidadãos apresentam
alguma resistência à mudança adveniente da elevada cultura litigante italiana, como refere
Marcello Marinari (2012, p.188, tradução nossa).
Por outro lado, os centros de mediação existentes sofreram transformações para acolher o
súbito número de processos resultantes da alteração legal e surgiram novos centros de mediação
para auxiliar o escoamento de procedimentos. Segundo Gianpaolo Impagnatiello (2014, p.167,
tradução nossa), em Março de 2010, aquando da entrada em vigor do decreto legislativo nº 28,
havia pouco mais de 70 organismos inscritos no Registo do Ministério da Justiça e cerca de dois
anos depois o número ascendeu a 950 organismos inscritos.
32
determina a suspensão do processo mas o diferimento da data de audiência; a mediação
obrigatória não impede a instauração de medidas cautelares e urgentes.
Embora o conteúdo das normas não tenha sido declarado inconstitucional, a decisão da
Corte provocou uma acentuada diminuição dos procedimentos de mediação no primeiro semestre
de 2013 acarretando um clima de incerteza e de insegurança, relativamente aos procedimentos de
mediação em curso, abalando fortemente a credibilidade da mediação.
Para Ennio Cavuoto (2014, pp.299-300, tradução nossa), a nova lei da mediação regulou
outros aspetos relevantes como “a competência territorial e o regime de compensação dos
organismos de mediação (art.ºs 4 e 17), a assistência legal obrigatória no procedimento de
mediação (art.º 8), a atribuição aos advogados da qualidade de mediadores “por direito” (art.16)”.
33
com a inclusão de um conjunto de regras mínimas. Deste modo, o Decreto Legislativo estabelece
um conjunto de fases comuns a todos os processos de mediação.
Nos termos do art.4 nº1 o procedimento de mediação inicia-se com a apresentação do pedido
num organismo de mediação acreditado pelo Ministério da Justiça e competente em razão do
território. Do pedido deve constar a identificação do organismo, as partes em litígio, o objeto da
contenda e os motivos do pedido.
O acordo
46
Codice de Procedura Civile, Art. 116 (Valutazione delle prove) Il giudice deve valutare le prove secondo il suo prudente
apprezzamento, salvo che la legge disponga altrimenti. Il giudice può desumere argomenti di prova dalle risposte che le
parti gli danno a norma dell'articolo seguente, dal loro rifiuto ingiustificato a consentire le ispezioni che egli ha ordinate e, in
generale, dal contegno delle parti stesse nel processo.
34
2. As partes não alcançam acordo amigável. Perante esta hipótese dá-se início à fase de
conciliação prevista no art.11 em que o mediador elabora uma proposta de conciliação
não vinculativa. O mediador está obrigado a elaborar a proposta de conciliação a qualquer
altura do procedimento desde que as partes de comum acordo o solicitem. Esta proposta
não é vinculativa, contudo o mediador deve alertar as partes de que a recusa da proposta
pode implicar sanções em termos de despesas processuais em eventual ação judicial
posterior, como indica o artigo 13. A proposta de conciliação é comunicada às partes por
escrito, que têm o prazo de sete dias para se pronunciarem sobre a aceitação ou não da
proposta, sendo o silêncio interpretado como recusa. Se as partes recusarem a proposta
de mediação, o mediador elabora ata com a indicação da proposta de conciliação e das
razões que provocaram a recusa, que deve ser assinada pelo mediador e pelas partes
dando-se o procedimento de mediação por terminado. Caso as partes avancem para ação
judicial e a decisão proferida seja idêntica à proposta realizada pelo mediador, o tribunal
impede que a parte que recusou a proposta seja reembolsada pelas custas pagas a partir
do momento da apresentação da proposta de conciliação, ainda que seja a parte
vencedora, até à data da prolação da decisão judicial, podendo ainda condená-la a
devolver à parte vencida as custas que esta suportou a contar do mesmo período. Se as
partes aceitarem a proposta de conciliação o procedimento segue os mesmos trâmites do
acordo consensual alcançado pelas partes.
O mediador
Os mediadores têm de estar vinculados a institutos de mediação, que podem ser entidades
públicas ou privadas, que dirimam matérias abrangentes ou específicas, desde que ofereçam
garantias de seriedade e eficiência no trabalho desenvolvido, e estejam inscritos no registo do
Ministério da Justiça, nos termos do art.16.
35
uma declaração de imparcialidade, de acordo com o modelo previsto pelo Instituto de Mediação a
que pertença; a informar imediatamente qualquer situação que afete a sua imparcialidade; a
formular, se necessário, uma proposta de acordo (proposte di conciliazione) com respeito pelas
normas imperativas e ordem pública; e, a responder imediatamente a qualquer solicitação
realizada pelo Instituto.
Os advogados são considerados mediadores “por direito” e embora não sejam obrigados a
realizar o curso de mediadores, estão incumbidos de realizar formações específicas em matéria de
mediação e limitar a sua atuação como mediadores nas áreas em que detêm competência
específica, de acordo com o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 16.
36
2.2 – A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE MEDIAÇÃO
37
Tabela nº1
Voluntariedade X X
Executoriedade X X X
Confidencialidade X X X
Imparcialidade e igualdade X X X
Informalidade X
Neutralidade X
Independência X
Competência e Responsabilidade X
PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE
38
incentivos ou sanções desde que essa condição não impeça as partes de acederem ao sistema
47
judicial.
Neste contexto, ainda que a mediação seja obrigatória ou as partes estejam sujeitas a
incentivos ou sanções, entendemos que a Diretiva pretende essencialmente que o recurso à
mediação não impeça o acesso ao sistema judicial, contribuindo para o melhoramento do acesso
à justiça. Assim, o princípio da voluntariedade, manifesta-se particularmente na faculdade que as
partes têm de decidir se pretendem ou não continuar na mediação e a finalizá-la sem a
obrigatoriedade de chegar a acordo. Desta opinião partilha Leticia Villaluenga (2010, pp.723-724)
quando refere que segundo a Diretiva a voluntariedade “parece restringir-se mais ao
desenvolvimento do processo e à permanência no mesmo do que ao seu início”.
Por outro lado, dúvidas não existem de que nos três ordenamentos jurídicos em apreço,
havendo convenção de mediação realizada em obediência aos diplomas legais de cada país, as
partes devem primeiramente aceder à mediação para dirimir o litígio, sendo que em Portugal e
Espanha, e depois de intentada ação judicial, a causa só não é apreciada pelo tribunal se o réu
deduzir requerimento até apresentação do primeiro articulado sobre o fundo da causa ou o
demandado invocar declinatória, respetivamente, enquanto em Itália as convenções de mediação
integram a lista das matérias em que a tentativa de mediação é obrigatória como condição de
admissibilidade do processo judicial.
Ignacio Hernández (2013, p.94, tradução nossa) é da opinião de que nestes casos a
liberdade de submissão à mediação está diretamente associada à liberdade contratual de que as
partes dispuseram para a conformação desse documento.
Tabela 1
47
Vide Diretiva 2008/52/CE, considerandos 12,14,24 e artigo 5º.
39
PRINCÍPIO DA CONFIDENCIALIDADE
Para Heleta Muñoz (2011, p.381 e 389, tradução nossa) o princípio da confidencialidade
funciona como uma garantia que gera a confiança suficiente para as partes optarem pelo
procedimento de mediação o mesmo defendem Nadja Alexander (2009, p.245) e Achille Ngwanza
48
(2015, p.265) . De facto, o procedimento de mediação deve ser desenvolvido num ambiente de
segurança e confiança, para que as partes se predisponham a explorar potenciais acordos sem
receio de que as informações vertidas e os documentos aportados vazem do procedimento.
Portugal
48
“O corolário da confiança das partes para o mediador é o dever de confidencialidade. Todas as informações que o
mediador recebe das partes devem ser tratadas como confidenciais”.
40
parte do mediador provoca nas partes o sentimento de confiança indispensável para encetarem o
diálogo e colaborarem para o alcance de uma solução. Como refere, Mariana Gouveia (2011,
p.75), “se as partes souberem que o mediador pode posteriormente revelar o que ali foi dito, terão
uma postura completamente diferente na mediação, colocando em risco a sua utilização como
meio de resolução de litígios”.
Espanha
Este princípio está associado aos princípios de boa fé e respeito mútuo entre as partes
que deve nortear o comportamento das partes. Como esclarecem Carlos e Hidalgo (2013, p. 235,
tradução nossa) a consagração do princípio da confidencialidade “torna possível cumprir os
princípios da boa fé e respeito mútuo, e impõe-se um dever de lealdade para evitar que quem
recorre à mediação receie a utilização abusiva posterior das informações por si prestadas, caso a
mediação venha a fracassar”.
Itália
41
Todas as declarações e informações prestadas pelas partes, nas sessões em grupo ou
nas sessões privadas, durante todo o procedimento e independentemente do sucesso da
mediação são confidenciais sendo expressamente inutilizáveis no processo judicial nos casos em
que a mediação tenha fracassado.
Tabela 2
De modo a garantir a sua imparcialidade o mediador não pode ter qualquer interesse
pessoal na resolução do conflito, nem demonstrar qualquer favoritismo por qualquer mediado.
Esta condição é crucial para o sucesso da mediação uma vez que o mediador tem de ser um
elemento credível e isento, transmitindo confiança e segurança às partes para que estas
49
Codice de Procedura Penale, Art. 200 (Segreto professionale) - 1. Non possono essere obbligati a deporre su quanto
hanno conosciuto per ragione del proprio ministero, ufficio o professione, salvi i casi in cui hanno l’obbligo di riferirne
all’autorità giudiziaria: b) gli avvocati, i procuratori legali, i consulenti tecnici e i notai; d) gli esercenti altri uffici o professioni
ai quali la legge riconosce la facoltà di astenersi dal deporre determinata dal segreto professionale .
42
exponham a sua posição relativamente ao litígio, sentindo-se recetivas a fazer concessões e a
apresentar propostas, que são indispensáveis para o alcance de um acordo.
No decorrer do procedimento o mediador deve zelar para que as partes litigantes tenham
as mesmas oportunidades e tempos para se expressarem, acautelando o equilíbrio do poder das
partes.
Nos procedimentos em que uma das partes se encontra numa situação de superioridade
face à outra e, como consequência, conhece as fragilidades e limitações da contraparte e tenta
impor um acordo que apenas observe os seus interesses, compete ao mediador equilibrar o poder
das partes, garantindo que qualquer concessão feita, seja espelho da vontade das partes e não
fruto de qualquer tipo de influência, persuasão ou pressão.
50
A este propósito, em Espanha os casos de violência de género não podem ser alvo de
mediação familiar por se considerar que o agressor tem uma posição superior à sua vítima. O
51
magistrado Francisco Roncero fez saber, aquando da sua participação no seminário “Derecho y
Psicología: Gestión de conflictos” que decorreu na Universidad Pablo de Olavide, que “a
mediação parte de um princípio básico em que ambas as partes têm de ter igualdade de maneira
a que não possa existir um domínio de ninguém sobre ninguém. Se a igualdade se rompe pela
gravidade do delito ou pela vulnerabilidade da vítima, não se pode realizar a mediação". Não
sendo o procedimento de mediação uma terapia, embora tenha como corolário a pacificação
social, nem sempre o mediador está dotado de competências que lhe permitem saber ou
depreender até que ponto a vítima estará a ser instigada a aceitar um acordo que não a satisfaz.
Portugal
O nº 6 da Lei 29/2013 reúne estes dois princípios designando que as partes devem ser
tratadas de forma equitativa durante todo o procedimento de mediação cabendo ao mediador
garantir o equilíbrio de poderes das partes bem como da sua participação e colaboração no
procedimento. Uma vez que o mediador não é parte interessada no litígio é sua obrigação agir
com as partes de forma imparcial ao longo de todo o procedimento. O artigo 27 determina que o
mediador antes de aceitar conduzir o procedimento de mediação deve informar as circunstâncias
que possam afetar a sua independência, imparcialidade e isenção, mantendo-se esta obrigação
caso as circunstâncias sejam supervenientes. Se o mediador considerar, por razões legais, éticas
ou deontológicas, que qualquer um destes deveres está a ser comprometido deve interromper o
procedimento e pedir a sua escusa.
50
Ortiz Pradillo, 2010,p.13.
51
http://noticias.universia.es/actualidad/noticia/2013/07/31/1039565/magistrado-aclara-ley-prohibe-mediacion-casos-
violencia-genero.html
43
Espanha
Segundo Sílvia Vilar (2013, p.181, tradução nossa), o legislador pretende garantir que no
procedimento de mediação as partes “vão contar com os mesmos direitos, possibilidades e
oportunidades” de maneira a que não existam privilégios nem a favor nem contra qualquer parte.
Ao longo do título III do diploma, que incide sobre o estatuto do mediador, são feitas
inúmeras menções à imparcialidade do mediador que incide sobre a objetividade e independência
na sua atuação.
O artigo 13, nº4 da Lei 5/2012 determina que o mediador não pode iniciar ou deve
abandonar a mediação quando ocorram circunstâncias que afetem a sua imparcialidade ou
possam gerar conflitos de interesses, incluindo as seguintes: manter relações pessoais,
contratuais ou empresariais com qualquer uma das partes; ter interesse direto ou indireto no
resultado da mediação; ter atuado anteriormente a favor de uma ou mais partes em qualquer
circunstância, com exceção da mediação. Em qualquer uma destas circunstâncias o mediador só
pode aceitar continuar a mediação quando se assegure que pode mediar com total imparcialidade
e as partes o consintam de forma expressa.
Itália
Tabela 3
44
PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE
Itália
Tabela 4
Princípio da Itália
Informalidade Art.3 nº3 e 8 nº2
PRINCÍPIO DA EXECUTORIEDADE
Tabela 5
52
Brown & Marriott, 2012, p. 13.
53
Cfr.: Cátia Marques Cebola, 2010, disponível em :
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31632&idsc=112472&ida=112747 acedido a 5/9/2015.
45
Princípio da Portugal Espanha Itália
Executoriedade Art.9 e 14 Art.25 Art.12
PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE
Espanha
Tabela 6
Princípio da Espanha
Neutralidade Art. 8
Espanha
Os três princípios que devem nortear o comportamento das partes estão intimamente
ligados com o princípio da moralidade e ética. A boa fé determina que as partes devem pautar o
seu comportamento de forma justa e honrada, apesar de se encontrarem numa situação de litígio.
O respeito mútuo manifesta-se no tratamento educado e cordial que as partes devem ter entre si,
e a lealdade determina que as partes devem agir de forma honesta e sincera durante todo o
procedimento, pois só uma conduta pautada pela retidão e responsabilidade permitirá alcançar um
acordo e cumprir com o estipulado. O mediador tem a responsabilidade de garantir que a atuação
das partes se ajusta a estes princípios e embora a lei não preveja qualquer sanção para o seu
incumprimento, o mediador pode dar por terminada a mediação caso verifique que o procedimento
46
está a ser utilizado de modo desleal, neste sentido Pardo, Castro e Muiños (2013,p.97, tradução
nossa).
A Lei 5/2012, através do artigo 10, inclui nos princípios informadores da mediação, as
regras e diretrizes que devem guiar a atuação das partes durante o procedimento de mediação.
Começa por indicar que as partes podem organizar a mediação da forma que entenderem por
conveniente, desde que obedeçam aos princípios estabelecidos na lei, impondo aos mediados o
dever de atuar entre si conforme os princípios da lealdade, boa fé e respeito mútuo. Neste
sentido, é estipulado que no decurso do procedimento de mediação as partes não podem instaurar
entre si qualquer ação judicial ou extrajudicial em relação ao objeto da mediação, com exceção
das medidas cautelares e urgentes imprescindíveis para evitar a perda irreversível de bens e
direitos. Alerta ainda as partes do dever de colaborar e prestar apoio permanente ao mediador.
Tabela 7
PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA
Portugal
Previsto no ordenamento jurídico português através do art.7º, este princípio determina que
compete ao mediador de conflitos salvaguardar a sua independência no desempenho das suas
funções. A lei estipula que o mediador é responsável pelos seus atos não estando sujeito à
subordinação técnica ou deontológica de profissionais de outras áreas, com exceção das
competências das entidades gestoras dos sistemas públicos de mediação. Desta forma o
mediador deve pautar a sua conduta pela sua independência, livre de qualquer pressão
adveniente dos seus próprios interesses, valores pessoais ou influências externas.
Tabela 8
Princípio da Portugal
Independência Art. 7
54
Artigo 63 nº1 da LEC: “Mediante la declinatoria, el demandado y los que puedan ser parte legítima en el juicio promovido
podrán denunciar la falta de jurisdicción del tribunal ante el que se ha interpuesto la demanda, por corresponder el
conocimiento de ésta a tribunales extranjeros, a órganos de otro orden jurisdiccional, a árbitros o a mediadores.”
47
PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA E DA RESPONSABILIDADE
Portugal
Tabela 9
Portugal
Princípio da Competência e
da Responsabilidade Art.8
48
CAPÍTULO III
DA VOLUNTARIEDADE E DA EXECUTORIEDADE
Portugal; Espanha e Itália – Estudo comparado
49
3.1 - A EXECUTORIEDADE DOS ACORDOS OBTIDOS EM SEDE DE MEDIAÇÃO
É notório o interesse por partes das Instituições Europeias em conferir força executiva aos
acordos de mediação, que se traduz num fator de segurança para as partes, que sabem que ao
enveredar por este meio estão protegidas de quem o queira utilizar como manobra dilatória, e em
segundo lugar concede a segurança jurídica necessária para que a mediação constitua
definitivamente uma alternativa aos tribunais judiciais, promovendo e credibilizando o instituto da
mediação.
Neste sentido, Luis Mingarro (2013, p.232, tradução nossa), considera que “sem este
vigoroso traço da executoriedade teria sido difícil que alguém intentasse seriamente um
procedimento de mediação em que o seu resultado, geralmente fruto de renúncias e sacríficos
recíprocos, não tivesse força de obrigar e deixasse pendente para outro pleito a eficácia do
acordado.”
PORTUGAL
A Diretiva através do art.6 determina que as partes, ou uma parte com o consentimento
das restantes, devem dispor da possibilidade de requerer que o conteúdo do acordo de mediação
escrito tenha força executiva. Neste sentido o legislador consagrou o princípio da executoriedade
plasmado no artigo 9 da Lei 29/2013.
55
Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-TA-2011-
0361+0+DOC+XML+V0//PT
50
mediadores de conflitos organizada pelo Ministério da Justiça, cujo conteúdo não viole a ordem
pública e digam respeito a litígios que possam ser objeto de mediação e para o qual a lei não
exija homologação judicial, têm força executiva. Prescinde-se do requisito relativo à condição do
mediador sempre que a mediação decorra num sistema público de mediação.
O artigo 14 do diploma estabelece que para os casos em que a lei não determina a
obrigação de homologação judicial, as partes têm a faculdade de requererem a homologação do
acordo obtido em mediação pré-judicial. O pedido deve ser apresentado conjuntamente pelas
partes, em qualquer tribunal competente em razão da matéria , com a finalidade de verificar se o
mesmo respeita a litígio que possa ser objeto de mediação, a capacidade das partes para a sua
celebração, se respeita os princípios gerais de direito e respeita a boa-fé, se não constitui um
abuso do direito e se o conteúdo não viola a ordem pública.
56
Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações
pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas
dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
57
Acórdão STJ de 03-03-2005 (Araújo Barros) disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/2ca84a88bd6a2bb480256fe900610ac6?OpenDocument
58
Mediação e Processo Civil, pp.26-27, disponível em www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MFG_MA_11326.doc
51
autenticados já não constituem título executivo. O atual artigo 703º permite que sejam título
executivo outros documentos previstos em legislação especial, precisamente para abranger os
acordos de mediação que respeitem os requisitos cumulativos do artigo 9.º da Lei 29/2013.
ESPANHA
O mediador deve alertar as partes do carácter vinculativo do acordo alcançado, uma vez
que nos termos do artigo 1091 e 1255 do Código Civil “as obrigações que nascem dos contratos
têm força de lei entre as partes contratantes” sendo que “os contratantes podem estabelecer os
pactos, clausulas e condições que entendam por conveniente, desde que não sejam contrários à
lei, à moral, nem à ordem pública”.
Deste modo, perante um acordo de mediação que obedeça a todos os requisitos legais, e
na falta de cumprimento do mesmo, as partes podem instaurar ação judicial com vista ao seu
cumprimento por se revestir da natureza de um contrato privado.
Obviamente que quem recorre à mediação pretende afastar dos tribunais o seu litígio,
optando por uma via mais amigável, em que um dos pressupostos é um cumprimento do acordo
estabelecido, uma vez que o mesmo foi decidido e acordado pelas partes sem qualquer imposição
de terceiros. Não obstante, a vontade do homem é variável e para acautelar as mudanças de
vontade das partes e a bem da segurança dos seus intervenientes, a Diretiva determina que o
conteúdo de um acordo pode ser dotado de força executória.
Sobre esta questão, Silvia Vilar (2013, p. 459, tradução nossa) refere que “tinha de se
proteger (a mediação) de quem, frustrado com as expectativas e bondades da instituição,
recorriam a ela com manobras entorpecedoras, dilatórias e desleais”.
O legislador previu dois modos distintos para atribuir força executiva aos acordos de
mediação, um para a mediação intrajudicial e outro para a mediação extrajudicial.
52
a. Acordo intrajudicial
Para Antonio Navarrete (2012, p.192, tradução nossa) a Lei 5/2012 “parece desejar
dignificar (processualmente) o «acordo de mediação» ao conceptualizá-lo, expressamente, como
titulo executivo equiparando-o aos laudos ou resoluções arbitrais”.
b. Acordo extrajudicial
O autor considera que a atribuição de força executiva é mais frágil no âmbito da mediação
extrajudicial, uma vez que o acordo de mediação obtido na pendência de um processo judicial só
mediante causa justificada poderia uma das partes obstar-se à sua homologação pois seria o
mesmo que permitir o uso da mediação com fins meramente dilatórios violando a mais elementar
boa fé processual (p.29).
Ação executiva
Desta forma, e nos termos do artigo 550 da LEC, para dar início a ação executiva a parte
interessada deve juntar cópia da escritura pública que contenha o acordo de mediação e cópias
das atas da sessão constitutiva e da sessão final do procedimento para os casos da mediação
53
extrajudicial, bastando para a mediação intrajudicial a apresentação do acordo homologado pelo
tribunal.
No caso da mediação intrajudicial, a ação executiva deverá ser proposta no Tribunal que
homologou o acordo, pelo que na mediação extrajudicial é competente o Tribunal de Primeira
Instância (Juzgado de Primera Instancia) do lugar onde foi assinado o acordo de mediação, nos
termos do art. 26 da Lei 5/2012 conjugado com o artigo 545 nº1 e 2 da LEC.
Sempre que a quantia pela qual a execução é despachada for superior a 2000 euros,
59
exequente e executado devem fazer-se acompanhar de advogado e procurador , de acordo com
o artigo 539 nº1 da LEC.
ITÁLIA
O artigo 12º do Decreto Legislativo nº28 determina que o acordo subscrito pelas partes e
pelos advogados no âmbito do procedimento de mediação, constitui título executivo para a
expropriação forçada, execução para entrega de coisa certa, execução para obrigação de fazer ou
não fazer e ainda para efeitos de registo de hipoteca judicial. Os advogados atestam e certificam a
conformidade do acordo com as normas imperativas e a ordem pública.
Segundo Angelo Maietta (2014, p.25, tradução nossa), a assistência do advogado durante
o procedimento de mediação só é relevante aquando da redação do acordo de mediação para
certificar a sua concordância com as normas imperativas e com a ordem pública. O Decreto
legislativo exige que todas as partes sejam acompanhadas por advogados, nas matérias sujeitas a
mediação obrigatória, competindo a estes atestar e certificar o conteúdo do acordo de forma a
garantir esta harmonia.
59
La comparecencia en juicio será por medio de procurador, que habrá de ser Licenciado en Derecho, Graduado en
Derecho u otro título universitario de Grado equivalente, habilitado para ejercer su profesión en el tribunal que conozca del
juicio. cfr. Art.23 nº1 da LEC.
54
Nos restantes casos, em que não haja intervenção dos advogados, a elevação do acordo
a titulo executivo é realizada através de homologação judicial. Deste modo, a pedido das partes, o
acordo deve ser remetido para o presidente do tribunal, competente em razão do território, para
que este certifique a conformidade do conteúdo do acordo com os pressupostos legais e a ordem
pública.
Assim, nos procedimentos de mediação em que se exige a presença dos advogados das
partes, estes substituem a função do juiz com a diferença de que o acordo homologado pelo juiz
constitui título executivo para a expropriação forçada, para execução específica e para efeitos de
registo de hipoteca judicial.
55
3.2 - OBRIGATORIEDADE VS VOLUNTARIEDADE
“You can lead a horse to water, but you can’t make him drink.”
Provérbio Inglês
Vicente Daudi (2011, p.394, tradução nossa), é da opinião que o legislador italiano elegeu
60
Considerando 13 da Diretiva 2008/52/CE.
56
processos judiciais em que é possível chegar a um acordo extrajudicial porque as partes têm de
manter uma relação pessoal ou comercial posteriormente ou porque concorrem outras
circunstâncias que facilitam a obtenção de acordo com a justificação de potenciar a mediação.
Contudo a voluntariedade da mediação apenas se manifesta na decisão de permanecer no
procedimento ou de resolver o conflito através de acordo.
61
Disposição final segunda, ponto 10 do Anteproyecto de Ley de Mediación en Asuntos Civiles y Mercantiles “En los juicios
verbales a los que alude el apartado 2 del artículo 250 que consistan en una reclamación de cantidad, no se refieran a
alguna de las materias previstas en el apartado 1 del mismo artículo y no se trate de una materia de consumo, será
obligatorio el intento de mediación de las partes en los seis meses anteriores a la interposición de la demanda.
62
“es dudoso que el recurso obligatorio a la mediación o a la conciliación redunde por sí solo en una auténtica reducción de
la litigiosidad, antes bien corre el riesgo de acabar convirtiéndose en una suerte de formalidad cumplimentada de forma
rutinaria, y en definitiva en una traba para el acceso al sistema judicial.” disponível em
www.poderjudicial.es/stfls/cgpj/.../009.10_1.0.0.pdf
57
momento (…) as partes poderão finalmente afirmar que recorrem a este
sistema voluntariamente.” (2006,p.46)
PORTUGAL
Da análise da Lei 29/2013, Lopes e Patrão (2014, p.28), são da opinião que o princípio da
voluntariedade analisa-se em quatro dimensões: Em primeiro lugar na liberdade de escolha deste
método de solução de conflitos; A segunda dimensão encontra-se na liberdade de abandono da
mediação: as partes podem a todos tempo abandonar a mediação em curso pela revogação do
consentimento prestado; Em terceiro lugar, a voluntariedade é patente na conformação do acordo
que põe fim ao litígio; Finalmente, concretiza-se ainda na liberdade de escolha do mediador que
deve conduzir o procedimento. Os autores referem ainda que na mediação “é a voluntariedade
que a torna especialmente atrativa para as partes, porquanto são elas que controlam todo o
procedimento, assumindo a responsabilidade pessoal de solucionar o seu próprio problema”.
58
Sobre a introdução da mediação obrigatória em Portugal e a sua constitucionalidade,
Jorge Carvalho (2011, p.281) defende que “parece-nos que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa não impede que o acesso aos tribunais possa estar dependente de uma
tentativa prévia de resolução do litígio através de outro meio, desde que a tutela efetiva das
situações jurídicas em causa não seja afetada com a introdução deste passo adicional” .
Sanções
Contudo, o nº5 deste artigo determina que a eficácia desta norma depende da aprovação de
portaria pelo Ministro da Justiça que refira a estruturas de resolução alternativa de litígios que ao
não serem utilizadas implicam esta penalização. Uma vez que a portaria ainda não foi aprovada
esta norma não tem por ora qualquer eficácia.
ESPANHA
Nesta situação o princípio da voluntariedade não aparenta ser pleno, pois caso o
demandado invoque declinatória as partes estão obrigadas a recorrer à mediação antes de
enveredar pela via judicial, contudo somos da opinião de que no momento em que as partes
aceitaram submeter os seus litígios à mediação o fizeram de forma voluntária e de boa fé, não
consubstanciado o respeito pela sua vontade um ataque ao principio da voluntariedade.
59
A lei que estatui a mediação civil e comercial, estabelece que as partes podem livremente
acudir ao procedimento de mediação em alternativa a qualquer outro meio de resolução de litígios,
contudo estão impedidas de instaurar ação judicial que incida sobre o objeto da mediação no
decorrer do procedimento, com exclusão das medidas cautelares e urgentes imprescindíveis para
evitar a perda irreversível de bens e direitos, nos termos do art.10 nº2 da Lei 5/2012.
Este impedimento pode mascarar-se de beliscadura à livre vontade das partes, todavia as
partes podem recorrer ao processo judicial caso a mediação tenha fracassado (seja porque
desistiram da mediação, seja porque a concluíram sem acordo), unicamente não podem recorrer à
via judicial sem que o procedimento de mediação cesse. Ora, se um dos motivos apresentados
pela Diretiva para o fomento dos meios de RAL é a desjudicialização dos processos, seria
contraproducente permitir a propositura de ações judiciais no decorrer da mediação pois os
tribunais continuariam a ser sobrecarregados e a mediação perderia parte da sua essência que se
traduz no empenho das partes para obtenção de um acordo consensual e amigável.
60
respeito pelo princípio da voluntariedade das partes quando determina que, tanto o tribunal como
o notário, antes de atribuir força executiva ao acordo de mediação devem verificar somente se se
cumpriram os requisitos da Lei 5/2012 e se o seu conteúdo não é contrário ao Direito.
ITÁLIA
Há autores que defendem que o Decreto Legislativo prevê para além da mediação
facultativa e obrigatória, a mediação adjudicativa que ocorre sempre que o mediador assiste as
partes através da formulação de uma proposta de resolução do litígio também designada de
proposta de conciliação. Falco e Spina (2014, p.186, tradução nossa) são da opinião que nesta
circunstância a mediação é adjudicativa porque, apesar da proposta formulada não ser vinculativa,
a não aceitação da mesma pode trazer consequências em termos de repartição de custas e taxas
63
num processo judicial superveniente .
63
Nas situações em que as partes não aceitam a proposta do mediador e em posterior ação judicial a decisão
corresponde na integra ao conteúdo da proposta o tribunal impede a parte vencedora de recuperar as taxas pagas e
condena-a ao reembolso das despesas da parte vencida. Cfr. Art.13 do Decreto Legislativo nº28.
61
prolação de sentença pela Corte Costituzionale, que embora não se tenha pronunciado pela
inconstitucionalidade da mediação obrigatória, abalou fortemente a credibilidade do instituto de
mediação. Uma das consequências foi o subsequente decréscimo dos procedimentos de
mediação, não se esperando que o legislador se mantivesse firme na intenção, ainda que a titulo
experimental, de reintroduzir a mediação como condição de procedibilidade da ação judicial em
determinadas matérias.
Deste modo, cumpre ao autor do processo recorrer à mediação antes de propor ação
judicial, porém caso ignore esta obrigatoriedade e avance imediatamente para a ação judicial,
pode o réu suscitar a questão nos autos ou ainda o juiz conhecer da falta do pressuposto para
admissibilidade do processo. Neste sentido, e nos termos do artigo 5, nº1-bis, o juiz concede o
prazo de quinze dias para que as partes apresentem o seu litígio à mediação. Caso as partes
instaurem ação judicial com o procedimento de mediação por concluir, o juiz agenda a próxima
audiência para data posterior ao fim do procedimento, que nos termos do art.6 deve ter a duração
máxima de três meses.
O artigo 5 nº2 estabelece que na pendência de ação judicial, ainda que o processo se
encontre em tribunal de recurso, avaliada a natureza da causa, o estado do processo e o
comportamento das partes, o juiz pode determinar a remessa do processo para mediação
tornando-se condição de procedibilidade da ação. Neste caso fixa o prazo de quinze dias para as
partes apresentarem a demanda à mediação e agenda a próxima audiência para data posterior ao
fim do procedimento.
62
O legislador removeu o periculum in mora em resultado do procedimento de mediação
obrigatória não precludindo o direito da instauração de procedimentos urgentes e cautelares.
Uma das alterações relevantes que o decreto legislativo introduziu foi a obrigatoriedade
64
das partes se fazerem acompanhar por advogados no âmbito do procedimento de mediação
obrigatório, que se reveste de elevada importância no âmbito da executoriedade do acordo de
mediação, como vimos no ponto anterior.
Outra condição que causou burburinho na doutrina italiana está relacionada com a
obrigatoriedade que os advogados têm de informar os seus clientes sobre a possibilidade de
dirimir a sua controvérsia através da mediação e dos benefícios fiscais inerentes a esta opção,
prevista no artigo 4,nº1. Caso o objeto do litígio diga respeito às matérias sujeitas a mediação
obrigatória, o advogado deve fazer essa comunicação por escrito ao cliente que a deve assinar,
sob pena de ver o contrato de prestação de serviços firmado com o cliente anulado. Este
documento devidamente assinado pelo cliente deve ser junto ao eventual processo judicial
superveniente como forma de comprovar que essa comunicação foi realizada. O legislador
entende que esta imposição evita a instauração de processos judiciais de forma prematura,
ocasionada pelo desconhecimento das partes relativamente ao procedimento de mediação.
64
Tribunale di Pavia Sezione III Civile 18.05.2015: “ l’esperimento del procedimento di mediazione, ponendo l’onere
dell’avvio della procedura di mediazione a carico della Banca opposta e avvisando entrambe le parti che, per l’effetto,
l’esperimento del tentativo di mediazione – presenti le parti o i loro procuratori speciali e i loro difensori – sarà condizione di
procedibilità della domanda giudiziale e che, considerato che il giudizio sulla mediabilità della controversia è già dato con il
presente provvedimento, la mediazione non potrà considerarsi esperita con un semplice incontro preliminare tra i soli legali
delle parti” .
63
momento ou de terminar o procedimento sem acordo, sendo livres para resolver a sua
controvérsia noutros meios que disponham e foi nesta ótica que o legislador italiano incorporou as
disposições que regulamentam a mediação.
Incentivos e Sanções
O decreto legislativo n.28 não atribui incentivos para as partes acorrerem à mediação antes
de irem a tribunal, mas atribui benefícios às partes que alcançam acordos por via da mediação:
Nos termos do art.17 todos os documentos e atos praticados durante o procedimento estão
isentos de taxas, impostos e despesas de qualquer espécie ou natureza e o acordo de mediação é
isento da taxa de registo até ao limite de 50.000 Euros;
As partes podem receber um crédito fiscal até ao valor máximo de 500 Euros, variável em
função do valor pago ao instituto de mediação, caso concluam a mediação com acordo, nos
termos do art.20;
Nos termos do art. 8 nº4 o juiz pode retirar ilações sobre questões probatórias nos termos do
artigo 116 do Código de Processo Civil (Codice Procedura Civile) caso as partes recusem aceder
ao procedimento de mediação sem justificado motivo e ainda condenar as partes ao pagamento
de uma taxa adicional;
Dados estatísticos
65
Desde a transposição da Diretiva 2008/52/CE que Itália elabora estatísticas no âmbito da
mediação em matéria civil e comercial . Atendendo aos impactos sofridos nos últimos quatro em
que estiveram em vigor a mediação voluntária e a mediação obrigatória, as estatísticas dão-nos
uma visão precisa do efeito da mediação obrigatória no ordenamento jurídico italiano através da
comparação dos dois modelos normativos relativamente às matérias sujeitas à mediação civil e
comercial.
65
Dados estatísticos disponíveis em:
https://webstat.giustizia.it/_layouts/15/start.aspx#/Analisi%20e%20ricerche/forms/mediazione.aspx
64
O legislador Italiano impôs a mediação como condição de admissibilidade com o objetivo de
diminuir a sobrecarga dos tribunais, satisfazer as necessidades da economia processual e
lentamente atribuir ao sistema judicial somente as controvérsias que não podem ser dirimidas em
sede de mediação (Andreoni; Battaglia; Romano, 2010, p.83, tradução nossa). Os resultados
divulgados pelo Ministério da Justiça são claros em termos do número crescente de mediações
realizadas e da taxa de sucesso.
A introdução da mediação obrigatória lentamente está a alcançar os seus propósitos uma vez
que atualmente cerca de 45% dos procedimentos de mediação que prosseguem além da sessão
informativa alcançam encontro de mediação. A reintrodução da mediação obrigatória em 2013
contribuiu para a desjudicialização de 15% dos processos cujas matérias são do âmbito da
mediação civil e comercial.
Nº Partes Acordo
Procedimentos presentes Alcançado
*Não foram considerados os procedimentos em que as partes apenas compareceram à sessão informativa.
65
que no primeiro semestre de 2015 a mediação voluntária já conte com 9 000 procedimentos de
acordo com os dados lançados pelo Ministério da Justiça italiano.
Mediação
7.973 17.677 9.369 15.926 9.000
Voluntária
A mediação obrigatória sofreu alguns revezes desde a sua introdução no ordenamento jurídico
italiano, todavia os dados estatísticos permitem-nos retirar algumas conclusões sobre os seus
efeitos.
66
3.3- “REBOOTING” A DIRETIVA DA MEDIAÇÃO
Em Janeiro de 2014 o estudo “‘Rebooting’ The Mediation Directive: Assessing the limited
impact of its implemention and proposing measures to increase the number of mediation in the
66
EU” foi apresentado, o que, numa tradução livre, quer dizer “’Reiniciar’ A Diretiva da Mediação:
Avaliação do impacto limitado da sua aplicação e propositura de medidas para aumentar o número
de mediações na UE”. De ora adiante, referido como “estudo” ou “estudo Rebooting”.
Este estudo teve como objetivo analisar os seguintes aspetos da legislação adotada por
cada Estado-Membro: o grau de regulamentação; as matérias sujeitas a mediação; o grau de
confidencialidade; a natureza voluntária ou obrigatória da mediação; as sessões informativas da
mediação; incentivos e sanções; a existência de mediação remetida pelos tribunais; a atribuição
da força executiva aos acordos de mediação; formação e acreditação dos mediadores; a
existência ou não existência do dever dos advogados informarem os clientes da mediação; o uso
de assistência legal na mediação; e as estatísticas do recurso à mediação.
Foram remetidos questionários para 816 peritos de toda a Europa com o objetivo de
analisar o modo como foi introduzida a mediação e os seus elementos chave. Deste modo, cada
inquirido tinha de classificar em que medida a regulamentação da mediação promove a mediação
numa escala de opções em que a primeira opção é “pouco poderosa na promoção” e a terceira
“muito poderosa na promoção”. A equipa do estudo pretendia ter uma visão geral de como foi
introduzida a mediação em cada país e analisar os resultados obtidos face às medidas existentes.
Quase todos os inquiridos responderam que o número de mediações deveria ser superior.
66
Disponível em : http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/etudes/join/2014/493042/IPOL-
JURI_ET(2014)493042_EN.pdf
67
Os países que introduziram elementos da mediação obrigatória fizeram-no de formas
diversas. A título de exemplo, alguns países obrigam as partes a aceder a uma sessão informativa
e outros estabeleceram incentivos de forma a encorajar a participar na mediação. França está a
experimentar a mediação obrigatória em determinadas matérias; No Reino Unido quando os
litígios digam respeito a reclamações abaixo de um determinado valor as partes são incentivadas
a recorrer à mediação embora não sejam forçadas a fazê-lo, contudo a recusa injustificada está
sujeita a sanções. Itália é o único país em que a mediação obrigatória constitui condição de
admissibilidade para a litigação judicial em determinadas matérias;
A maioria das respostas revelou que as abordagens legislativas não promovem o uso da
mediação. Dos fatores identificados como possíveis causas para a falta de adesão à mediação,
destacam-se os seguintes :
Apesar dos sistemas de mediação terem sido classificados como bons e os seus padrões
de acreditação considerados elevados , não produzem a confiança necessária às partes
para acorrerem à mediação.
Em suma, apesar de todos os fatores serem identificados como causas possíveis para a falta
de desenvolvimento da mediação nos Estados-Membros, estes não aparentam ser fatores
decisivos que favoreçam a utilização da mediação. Aliás, as evidências são de que só a
68
introdução de elementos de mediação obrigatórios produzem um aumento significativo na
utilização da mediação.
O estudo considera ser muito relevante o facto de Itália ser o único país da União Europeia
com mais de 200 mil mediações por ano e só ter obtido este resultado quando a mediação se
tornou condição de admissibilidade para dirimir certas matérias em tribunal.
Para além dos dados relevantes do caso italiano, grande parte dos inquiridos sugeriu que,
dentre os elementos de mediação obrigatórios, a mediação obrigatória como condição da
procedibilidade para dirimir determinadas matérias constitui a melhor opção a considerar.
69
O estudo revela que estatuir a forma de mediação obrigatória “mitigada” é a condição mais
apropriada e que esta se pode manifestar de duas maneiras: A primeira através da
obrigatoriedade em assistir à sessão informativa da mediação; e, a segunda através da mediação
obrigatória com a possibilidade de opt-out (optar por sair) casos as partes não pretendam
continuar no procedimento, sendo que esta última acolhe maior preferência.
De Palo e Canessa (2014, p.719, tradução nossa), indicam que em termos de poupança
de tempo, o Estudo conclui que “por cada disputa, se todos os casos na União Europeia fosse
remetidos para mediação em primeiro lugar, e o procedimento obtivesse sucesso em 50% dos
casos, o número de dias poupados seria em média de 240 dias e, caso a percentagem de sucesso
atingisse os 70%, a poupança de tempo refletir-se-ia em 354 dias”. Em termos de poupança
financeira, para uma taxa de sucesso de 50%, a União Europeia poderia poupar até 40 biliões de
euros.
67
Disponível em : http://www.mondoadr.it/cms/articoli/false-prince-charming-sleeping-beauty-coma-voluntary-mediation-
true-oxymoron-dispute-resolution-policy.html
70
CONCLUSÃO
Em síntese, a Diretiva 2008/52/CE tem como principal objetivo facilitar um melhor acesso
a justiça, através da resolução amigável de litígios incentivando o recurso à mediação. Considera
que a mediação proporciona uma solução extrajudicial de litígios em matéria civil e comercial
rápida e pouco onerosa através da utilização de procedimentos adaptados às necessidades das
partes.
No que diz respeito à voluntariedade, acrescenta que a mediação deve ser um processo
voluntário, na medida em que as partes são as responsáveis pelo processo, podendo organizá-lo
como quiserem e terminá-lo a qualquer momento, no entanto os Estados-Membros devem
estabelecer prazos máximos para os processos de mediação. O início do procedimento pode
ocorrer por iniciativa das partes, por sugestão ou remessa do tribunal, ou imposto pelo direito. Não
se afigura contra a introdução de elementos obrigatórios desde que não se impeça as partes de
exercerem o seu direito de acesso ao sistema judicial. Atribui elevada importância ao carácter
confidencial da mediação apelando à previsão de um nível mínimo de compatibilidade das
normas processuais civis de forma a proteger a confidencialidade da mediação em eventuais
processos judiciais ou de arbitragem.
71
O disposto na Diretiva é somente aplicável aos litígios transfronteiriços mas nada deverá
impedir os Estados-Membros de aplicar as disposições aos processos de mediação nacionais. O
prazo máximo para realizar a transposição é 21 de Maio de 2011.
Em Portugal a transposição da Diretiva foi realizada através da lei 29/2009, porém é a Lei
29/2013 que estabelece o regime jurídico da mediação civil e comercial, os princípios gerais
aplicáveis à mediação realizada em Portugal, o regime jurídico dos mediadores e o regime
jurídicos dos sistemas públicos de mediação.
Os acordos obtidos por via de mediação desde que obedeçam aos requisitos do artigo 9º da
Lei 29/2013 têm força executiva sem necessidade de homologação judicial. Nos restantes casos,
as partes têm a faculdade de requerer a homologação judicial do conteúdo do acordo de
mediação.
72
A Lei 29/2013 não faz alusão ao dever de os profissionais de direito informarem os seus
clientes sobre a possibilidade de recorrerem à mediação.
Em Espanha a Diretiva foi transposta pelo Real Decreto-Lei 5/2012 de 5 de Março que foi
convertido na Lei 5/2012 de 6 de Julho que regulamenta a mediação em matéria civil e comercial.
O artigo 414 da LEC determina que o juiz, atendendo às partes e ao litígio em concreto,
poderá convidar as partes a dirimir o seu litígio através da mediação e a incentivá-las a assistir a
uma sessão informativa, contudo estas, de forma fundamentada, podem recusar fazê-lo. O artigo
415 do mesmo diploma estabelece que na pendência de ação judicial as partes podem por sua
iniciativa acorrer ao procedimento de mediação solicitando a suspensão da instância por um
período não superior a 60 dias.
Os acordos obtidos por via de mediação podem ter força executiva desde que as partes
elevem o conteúdo do acordo a escritura pública e, nos casos em que a mediação tenha decorrido
73
depois de instaurada ação judicial, as partes podem pedir ao tribunal a homologação do acordo
para que tenha eficácia executiva.
Tal como em Portugal, a Lei 5/2012 não faz referência à obrigatoriedade dos profissionais de
direito informarem os seus clientes sobre a possibilidade de recorrerem à mediação.
A mediação pode ser levada a cabo por mediadores independentes ou por mediadores
designados por institutos de mediação públicos, privados, espanhóis ou estrangeiros. Os
mediadores devem ter titulo universitário ou formação profissional superior e obter formação
específica para exercer a função de mediador através de instituições devidamente acreditadas. O
Ministério da Justiça e as administrações públicas competentes em colaboração com as instituição
de mediação são os responsáveis pelos qualidade e autorregulação da mediação.
74
Os acordos obtidos por via de mediação obrigatória têm automaticamente força executiva
uma vez que são os advogados que se certificam da conformidade do conteúdo do acordo de
mediação com as normas imperativas e com a ordem pública. Nos restantes casos, em que a
presença dos advogados não é obrigatória, a atribuição de força executiva ao acordo de mediação
é realizada através de homologação judicial.
Resulta da análise dos diplomas que regulamentam a mediação em matéria civil e comercial
em Portugal, Espanha e Itália, uma visão diferente no que diz respeito à introdução das
disposições da Diretiva.
Portugal atribui automaticamente força executiva aos acordos que cumpram cumulativamente
os requisitos do artigo 9 do diploma que regulamenta a mediação, traduzindo-se dentre os três
ordenamentos jurídicos o que apresenta uma tramitação mais simples e célere uma vez que é ao
mediador que cabe verificar a concordância do conteúdo do acordo com as normas imperativas e
de ordem pública. De forma a assegurar a credibilidade do instituto de mediação e a confiança das
partes, a formação dos mediadores deve cumprir elevados padrões de qualidade.
Na sua génese mais purista, a mediação é um processo voluntário, flexível e informal em que
um terceiro neutro e imparcial auxilia as partes litigantes a encontrar por si mesmas uma solução
mutuamente satisfatória para a sua contenda. No entanto, alguns legisladores têm estado atentos
75
à potencialidade deste método de resolução de conflitos, que para além de obter soluções
amigáveis funciona como instrumento de pacificação social, introduzindo-o e adaptando-o aos
ordenamentos jurídicos como alternativa ou complemento do sistema judicial, como acontece nos
Estados Unidos da América e no Canadá.
Contudo não foi a postura adotada pela maioria dos legisladores dos Estados-Membros que,
apesar da abertura manifestada pelo Parlamento e pelo Conselho quanto à introdução de
elementos de mediação obrigatória, optou por regulamentar a mediação voluntária.
No estudo “Rebooting” em que foram ouvidos 816 especialistas de toda a Europa conclui-se
que apesar dos múltiplos benefícios da mediação, este método de resolução de controvérsias,
obteve resultados dececionantes de desempenho por ter sido utilizado em menos de 1% dos
casos referentes a matérias civil e comercial.
O estudo revela que estes resultados estão relacionados com as débeis medidas políticas,
legislativas e promocionais implementadas pelos Estados-Membros.
Merece destaque o facto de Itália ser o único país da União Europeia com mais de 200 mil
mediações por ano, alcançadas no decurso da introdução da mediação obrigatória como condição
de admissibilidade para dirimir certas matérias em tribunal, e a sua relação com o aumento
acentuado do número de procedimentos de mediação voluntários.
Oscar Conforti (2015, tradução nossa), é da opinião que a mediação como ferramenta de
autocomposição ajuda as partes não só a chegar a um acordo que dissolva o seu litígio, mas
também a fornecer as bases para que estas construam uma relação futura sã e harmoniosa.
Dos três ordenamentos jurídicos analisados no nosso estudo, Itália foi o único país que
estatuiu a mediação obrigatória como condição de admissibilidade e apesar de toda a polémica
que a decisão envolveu, segundo as estatísticas reveladas pelo Ministério da Justiça, o legislador
76
alcançou os seus objetivos ao ver o número de adesões à mediação aumentar, os acordos a
chegar aos 50% e os tribunais desafogarem em 15% a carga de trabalho.
“Existem boas razões para manter e fortalecer a mediação anexa aos tribunais, pelo menos
numa primeira fase de legitimação cultural e jurídica deste mecanismo, porque permite aumentar o
volume de casos derivados e ‘apresentar’ a mediação às partes e aos seus advogados que são
quem pode fazer uso da mediação no futuro” (Vargas Pavez, 2008, p.200, tradução nossa).
De facto, a partir do momento em que a mediação obrigatória foi introduzida na ordem jurídica
italiana, os procedimentos voluntários de mediação aumentaram. O facto de ter sido o “assunto
quente do dia” promoveu o esclarecimento da população e forçou a comunidade jurídica a tomar
conhecimento das características da mediação, desmistificando-a.
Mas ao obrigar as partes a acorrerem à mediação não se está a impedir o acesso à justiça?
Não se estará a desvirtuar um método de RAL que tem como pilar a voluntariedade?
Adi Gravila num artigo sobre o estudo “Rebooting” afirmou que “ a mediação obrigatória é um
oxímoro – ninguém pode forçar pessoas a negociar.” Giuseppe de Palo, um dos coordenadores do
estudo “Rebooting”, ripostou com uma pergunta: “O que é mais difícil e legalmente intolerável do
que a obrigação de negociar: ser ‘forçado’ por lei a sentar-se e falar com um mediador (com a
possibilidade de sair a custo reduzido ou sem custo), ou ser ‘de facto’ obrigado a decidir
imediatamente para evitar despender uma fortuna em taxas judiciais e esperar durante anos,
como acontece nos países em que menos de 5% das disputas civis chegam a julgamento? (...)
Exigir que as pessoas reflitam sobre os possíveis benefícios da negociação é diferente de obrigá-
68
las a negociar ”.
68
Adi Gravila é autor do artigo “What went wrong to mediation” que Giuseppe de Palo considerou ser provocador. Para o
efeito escreveu um artigo intitulado “A False ‘Prince Charming’ Keeps ‘Sleeping Beauty’ in a Coma: on Voluntary Mediation
Being the True Oxymoron of Dispute Resolution Policy”como resposta aos seus comentários. Os artigos estão acessíveis
em: http://www.mediate.com/articles/GavrilaAbl20140207.cfm e http://www.mondoadr.it/cms/articoli/false-prince-charming-
sleeping-beauty-coma-voluntary-mediation-true-oxymoron-dispute-resolution-policy.html respetivamente.
69
Disponível em :
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=79647&pageIndex=0&doclang=EN&mode=lst&dir=&occ=fir
st&part=1&cid=204859
77
conduza a uma decisão vinculativa para as partes, não implique um atraso substancial para efeitos
da propositura de uma ação judicial, suspenda a prescrição dos direitos em questão e não gere
custos, ou gere custos muito baixos, para as partes, contanto que a via eletrónica não constitua o
único meio de acesso ao referido processo de mediação e que seja possível aplicar medidas
cautelares nos casos excecionais que as exijam em função da urgência da situação.”
Domenico Dalfino (2014, p.148, tradução nossa), é da opinião de que a mediação obrigatória
pode não ser contrária ao princípio comunitário, mas pode impedir ou tornar difícil o pleno
exercício das partes em aderir ao sistema judicial.
Nesta linha de pensamento, para garantir aos cidadãos o acesso à Justiça não lhes sendo
vetada a hipótese de aderir ao sistema judicial, o Parlamento através do estudo “Rebooting”
recomenda a introdução da mediação obrigatória de forma “mitigada” no ordenamento jurídico dos
Estados-Membros, isto é, com possibilidade de opt-out e anteriormente, já a Diretiva tinha
determinado, a importância de se prever cuidadosamente os regimes de caducidade e de
prescrição dos processos judiciais orquestrando com maestria as disposições civis e processuais
existentes com a regulamentação da mediação.
Como defende Silvia Vilar (2013, pp.110-112, tradução nossa), a instituição da mediação
obrigatória pode “converter-se como primeira via e subsidiária aos tribunais” e tal não apresenta
qualquer incompatibilidade com o acesso à justiça nem com a credibilização do instituto de
mediação desde que a razão por detrás deste conceito não tenha como único objetivo “reduzir os
gastos do Poder Judicial estabelecendo limites que não sendo inconstitucionais favorecem outros
meios” com fundamentos meramente económicos.
De acordo com o ultimo relatório apresentado pela Comissão Europeia para a Eficiência da
70
Justiça (CEPEJ) Portugal, Espanha e Itália têm mais de 250 advogados por 100.000 habitantes
(enquanto alguns Estados Membros como a Finlândia e a Suécia têm menos de 50 advogados
por 100.000 habitantes), concluindo que nestes países os indivíduos estão mais propensos a
recorrer ao tribunal do que noutras partes da Europa (p.309).
70
Relatório disponível em: http://www.coe.int/t/dghl/cooperation/cepej/evaluation/2014/Rapport_2014_en.pdf
78
É expectável que, especialmente nestes países, regulamentar a mediação e aguardar que as
partes acorram sem qualquer impulso é um caminho longo e que exige muita divulgação e
promoção. Exemplo disso são Portugal e Espanha em que a mediação civil e comercial é
voluntária e o número de procedimentos inexpressivos. Como defende Silvia Vilar (2013, p.163,
tradução nossa), tem de se “gerar hábitos e cultura de mediação especialmente em países com
clara cultura processual, em que o sistema judicial constitui a única via de solução de
controvérsias uma vez que a ausência de hábito em acorrer à mediação inviabilizaria qualquer
tentativa de eficiência do procedimento de mediação” e essa necessidade tem sido um dos
argumentos a favor da mediação obrigatória.
Dado que nos últimos anos “as questões de organização do sistema tomaram a tempo inteiro
o debate sobre a justiça” sugere que se faça uma “abordagem crítica sobre a conjugação
democrática de modelos de justiça que hoje estão em confronto” alertando para a necessidade de
se fazer uma reflexão “comprometida com princípios, sobre a justiça que temos, a justiça que
queremos e devemos ter; e a justiça que podemos ter”.
71
Discurso de abertura do ano judicial 2015-2016 disponível em: http://www.stj.pt/discursos/652-abertura-do-ano-judicial-
2015-discurso-do-presidente-
79
Não temos dúvidas de que é primordial estabelecer uma reforma jurídica e cultural que possa
alterar a forma como os cidadãos e toda a comunidade jurídica encaram a resolução alternativa de
litígios, nomeadamente a mediação. É certo que se afigura indispensável a regulamentação dos
meios de RAL, assegurar a devida fiscalização destes mecanismos e pautar pela qualidade da
formação dos mediadores.
Na verdade, e de acordo com Macarena Pavez (2008, p.199, tradução nossa), estabelecer
mecanismos alternativos de resolução de conflitos melhora o acesso à justiça; oferece soluções
mais adequadas de acordo com a natureza do conflito e melhora a gestão dos tribunais ao
contribuir para a sua descarga. O modelo italiano de mediação parece comprovar estes benefícios
tal como se depreende do estudo “Rebooting”.
Vanessa Moya (2015, p.181, tradução nossa) entende que “esta sessão pode revelar-se
muito útil naqueles casos em que as partes desconhecem a existência de mecanismos regulados
alternativos aos tribunais. Além disso, mesmo que as partes não cheguem a acordo, a sessão
pode servir para limar asperezas entre as partes”.
A inserção de elementos de mediação obrigatória não foi bem acolhida pela maioria dos
Estados-Membros aquando da transposição da Diretiva porém nos últimos meses a tendência
tem-se invertido. Por exemplo, no final do ano transato o legislador espanhol procedeu a
alterações da Lei 22/2010 no âmbito do Código de Consumo da Catalunha introduzindo-se a
obrigatoriedade de acorrer à mediação ou arbitragem como condição de procedibilidade em
72
algumas matérias . E em França, a partir de 1 de Abril de 2015, as partes têm de fazer prova de
que acorreram a uma tentativa de solução amigável de litígios antes de acudir aos tribunais e,
72
Ley 22/2010 , artigo 132-4 nº3 “Las partes en conflicto, antes de interponer cualquier reclamación administrativa o
demanda judicial, deben acudir a la mediación o pueden acordar someterse al arbitraje. Una vez transcurrido el plazo de
tres meses a contar de la notificación del acuerdo de inicio de la mediación sin haber alcanzado un acuerdo satisfactorio,
cualquiera de las partes puede acudir a la reclamación administrativa o a la demanda judicial.”
80
caso não subsista justificação razoável para a falta do intento, o juiz poderá remeter as partes
para uma tentativa de mediação ou de conciliação, conforme artigos 18 e 19 do Decreto 2015-282
que alterou o Código de Processo Civil.
Para além disso, os juízes deveriam fazer mais uso do poder que dispõem para remeter as
partes para a mediação, tendo em conta as características do processo e caso se revele benéfico
para as partes. Como alega Piet Vandeputte (2015, p.329, tradução nossa) “o facto do juiz
selecionar o caso para mediação e o tribunal recomendar este método alternativo de litígios
apresenta às partes uma boa razão para colocar a sua confiança no procedimento”.
73
Neste aspeto, subscrevemos Mariana Gouveia ao referir que “a mediação é um método
relativamente recente em Portugal e só vingará se houver uma confiança dos advogados na sua
eficiência e credibilidade”.
Também Rossana Cruz (2015, p.10), defende que “num sistema eficaz e esclarecido, existirá
uma complementaridade entre a advocacia e a mediação. Enquanto o advogado direciona as
partes para a mediação quando entenda que esta será a solução apropriada (mas, para tal, terá
de a conhecer e estar ciente das suas vantagens e aplicabilidade); concomitantemente, o
mediador remeterá as partes para um advogado, como garante dos seus direitos, uma vez que
não pode representar as partes em conflito.”
73
Mariana Gouveia em entrevista dada à advocatus disponível em: http://www.advocatus.pt/entrevistas/12050-mariana-
fran%C3%A7a-gouveia-%E2%80%9Ca-media%C3%A7%C3%A3o-s%C3%B3-vingar%C3%A1-se-houver-
confian%C3%A7a-nos-advogados%E2%80%9D.html
81
Cremos que há situações mais adequadas para serem resolvidas através dos tribunais, outras
indicadas para serem dirimidas através de meios de resolução alternativa de litígios, como a
mediação, e outras que carecem da conjugação dos dois sistemas para a sua solução.
82
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