Você está na página 1de 1

A MUSA INSPIRADORA

Alfeu Trancoso
“A arte permite o acesso do homem ao absoluto” (Shelling)

A natureza é nossa verdadeira musa. É por ela e através dela que sentimos a força
monumental do entusiasmo. Ele é a energia maior da inspiração que nos permite sentir
prazer e a experiência da beleza refletida na harmonia das formas, no equilíbrio e na
delicadeza das cores naturais.
Esse experiência nos permite fazer as pazes com o mundo natural, buscando despertar
nossa criança interior que sempre está ansiosa para emergir. Essa criança quer brincar,
tornar-se afeto e criar.
É o momento em que o artista pega sua câmara, seu pincel ou qualquer outro
instrumento e escuta essa voz interior falar: “Vá, faça o registro, descubra sua luz, pois
esse instante é único em toda a infinitude do universo!”
Toda a criação supõe o dom dessa intimidade conosco e com tudo que nos cerca. O
desejo começa a fazer as pazes com o coração e agora todos podem apreciar.
É o nascimento da experiência estética. É uma das poucas situações em que cessamos
de acusar e de julgar, pois, como dizia Kant, diante da beleza não há julgamentos.
Somente contemplamos.
O belo natural é a matriz primeira do belo artístico. Ele é a expressão convincente da
beleza ideal ou do Grande Ser. É por isso que a beleza seduz, porque induz o olhar para
aquela direção. O artista é o que intui essa evidência e busca compulsivamente exprimí-
la através da obra. É dela que nasce a irradiância de onde brota o entusiasmo, a força
maior da inspiração, condição primeira para o ato de criar.
O artista vive dessa temperatura. É através da natureza que ele fala ou melhor, é por
ela que ele aprende a falar com sua própria voz. Para os antigos gregos, o entusiasmo
nasce do encontro com o “daimon”, um genio bondoso que será nosso parceiro pela vida
toda.
É desse acordo secreto com as coisas que nasce a nossa inspiração. O momento da
criação surge quando, levados pela musa inspiradora.
A intuição e a experiência racional se abraçam como um casal de deuses. “Fiat luz!”
O encontro torna-se obra. O artista foi tocado. Desse momento em diante, ele será
sempre favorecido por esse impulso.
Essa força não é apenas a expressão passageira de uma vontade, mas uma busca pela
vida toda na direção de algo que precisa falar. Esse algo é a obra de arte cuja função
não vai ser apenas a de agradar, mas a de transmitir a alma daquela conivência.
Quando o homem está inspirado, nada o detém. Se o sofrimento e toda sorte de
obstáculos o atinge, ele cria na dor e na dificuldade. Se ele é feliz, sua obra exprime essa
manifestação. O entusiasmo é a força motriz da inspiração que busca controlar e conter
a nossa ansiedade para se realizar, pois só criamos quando sentimos que o presente se
torna nosso maior presente.
A ansiedade é uma dos maiores obstáculos à criação, porque criar só é possível na
dimensão do instante e o ansioso passa por cima dele o tempo inteiro, fugindo para o
futuro por medo de errar no presente. Medo da crítica. Medo de não dar conta.
Criar é irradiar um estado de ser por todos os lados. E para a arte, vale tudo quando o
sonho é maior, isto é, quando ele não é somente sonho, mas realização plástica de algo
mais fundo. Toda obra nunca termina de dizer. Enquanto houver espectador para
apreciar, cuidar, guardar e restaurar, haverá obra e, assim, ela estará sempre acima do
tempo, desse tempo que destrói, desfigura e mata.
O quadro “Guernica”, de Picasso, devolve ao espectador uma mensagem tão poderosa
que ele provocará surpresa e admiração enquanto existir um olhar.
É a força desse espírito que marca para o artista, a diferença entre o transitório e o
permanente. E é essa diferença que faz da obra uma surpreendente permanência, a
despeito do efêmero e do fugidio. No final, o artista, o espectador, a obra e o tempo se
congratulam. O acontecimento se faz registro, documentação – é o que chamamos
História da Arte.
Paciente, a natureza sabe muito bem escolher seus artesãos, aqueles que a dizem com
suas próprias vozes. Ouça-os!

Você também pode gostar