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Fundamentos das Políticas Sociais

Autoria: Tatiana de Souza Fonseca

Tema 08
Política Social no Brasil Contemporâneo – Entre a Inovação
e o Conservadorismo
Tema 08
Política Social no Brasil Contemporâneo – Entre a Inovação e o Conservadorismo
Autoria: Tatiana de Souza Fonseca
Como citar esse documento:
FONSECA, Tatiana de Souza. Fundamentos das Políticas Sociais: Política Social no Brasil Contemporâneo – Entre a Inovação e o Conservadorismo.
Caderno de Atividades. Valinhos: Anhanguera Educacional, 2014.

Índice

CONVITEÀLEITURA PORDENTRODOTEMA
Pág. 3 Pág. 3

ACOMPANHENAWEB AGORAÉASUAVEZ
Pág. 13 Pág. 14

FINALIZANDO REFERÊNCIAS
Pág. 15 Pág. 16

GLOSSÁRIO GABARITO
Pág. 17 Pág. 18

© 2014 Anhanguera Educacional. Proibida a reprodução final ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada em língua
portuguesa ou qualquer outro idioma.
CONVITEÀLEITURA
Neste caderno você verá os fundamentos e o desenvolvimento das políticas sociais no Brasil. Verá que nossas
peculiaridades históricas e culturais fizeram com que seguíssemos um caminho não clássico para a ordem capitalista-
liberal e, consequentemente, para um Estado de Bem-Estar Social que na verdade não chegou a se consumar, visto
que a velha lógica do favor e do clientelismo foi uma das marcas da resistência do conservadorismo de nossas elites
políticas. A Constituição de 1988 tinha acabado de conseguir grandes conquistas no âmbito dos direitos sociais quando
a crise política-econômica dos anos de 1980 e 1990 levou o Brasil para o caminho do neoliberalismo, com a restrição
dos programas sociais a meros modelos básicos e de péssima qualidade voltados apenas para os muito pobres. Mais
uma vez o discurso imperou sobre a prática, e não conseguimos superar o ranço conservador que impera na história
da sociedade brasileira.

PORDENTRODOTEMA
Política Social no Brasil Contemporâneo – Entre a Inovação e o Conservadorismo

Vimos anteriormente que as contradições do capitalismo geraram ao mesmo tempo novos problemas sociais e
novas possibilidades de melhoria de condições de vida, inclusive mediante políticas implementadas pelo governo, com
ou sem apoio do setor privado ou de organizações não governamentais.

No Brasil, o capitalismo não se desenvolveu da maneira clássica, tal como na Europa ou nos Estados Unidos. Aqui,
a formação do capitalismo foi bastante tardia e manteve algumas particularidades levantadas por Behring e Boschetti
(2011, p. 72-73) a partir da obra de importantes pensadores brasileiros (PRADO JR., 1991; IANNI, 1989; LAPA, 1999;
COUTINHO, 1989; FERNANDES, 1987):

• O processo de colonização entre os séculos XVI e XIX serviu à acumulação originária de capital de outros países. Ou
seja, a riqueza produzida não serviu para o desenvolvimento de uma economia brasileira nos moldes do capitalismo,
o que apontou para uma dependência do mercado internacional que existe até hoje.

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• O escravismo marcou nossa sociedade com o peso da discriminação, da desigualdade e da desqualificação, o
que enfraqueceu as relações entre capital e trabalho no Brasil configurando uma lógica de exploração e precarização
do trabalho. A substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre representou ao mesmo tempo um “progresso”, ao
buscar uma adaptação ao capital, e uma conservação, pois permaneceram importantes elementos da antiga ordem
escravista.

• Somente após a Independência, em 1822, com a formação de um Estado nacional, é que a pressão da divisão
do trabalho e o surgimento de novos agentes econômicos viriam romper com a hegemonia da aristocracia agrária.
Formam-se novas elites político-econômicas, porém sem o compromisso de defender os direitos dos cidadãos, apenas
seus próprios interesses. Isto é, apesar da nossa independência ter sido feita em nome de ideais da Revolução
Francesa e da organização econômica liberal-capitalista, nunca deixaram de imperar por aqui as relações clientelistas
e de favores. Dessa forma, pode-se dizer que: “O Estado brasileiro nasceu sob o signo de forte ambiguidade entre
um liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido a garantia dos privilégios das
classes dominantes” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 75).

Em resumo, podemos dizer que houve uma incorporação de novas situações sem a total ruptura com componentes
conservadores. Tal ambiente não permitiu a expansão do elemento revolucionário do liberalismo para dinamizar a
economia brasileira e gerar autonomia social.

Na verdade, o liberalismo é filtrado pelas elites nativas por meio de uma lente singular: a equidade configura-se
como emancipação das classes dominantes e realização de um certo status desfrutado por elas, ou seja, sem
incorporação das massas. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.73).

Na primeira metade do século XX, as lutas de classes que se deram a partir da organização dos trabalhadores em
sindicatos forçaram o surgimento das primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho, estabelecendo
direitos sociais trabalhistas e previdenciários.

No esquema da Tabela 8.1 a seguir, podemos acompanhar as frágeis e esparsas políticas de proteção social no país
desde 1988, quando se registra a primeira legislação social, até a década de 1930, quando Vargas passou a ser conhecido
como “pai dos pobres”, em razão de ter fundado uma nova definição dos direitos em leis e práticas que persistem até
hoje.

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PORDENTRODOTEMA
Tabela 8.1 Políticas sociais no Brasil de 1888 a 1930

Ano Política Social


1988 Criação da caixa de socorro para a burocracia pública.
1989 Direito a pensão e a 15 dias de férias inicialmente para os funcionários da Imprensa Nacional e para aos
ferroviários.
1890 Os direitos anteriores são estendidos aos funcionários do Ministério da Fazenda.
1981 Formula-se a primeira legislação para a assistência à infância no Brasil, regulamentando o trabalho
infantil. Entretanto, ela jamais foi cumprida.
1892 Direito à pensão aos funcionários da Marinha.
1907 O direito de organização sindical é reconhecido, abrindo espaço para a formação dos sindicatos dos
trabalhadores urbanos. Cabe lembrar que desde 1903 já existiam sindicatos de trabalhadores rurais.
1911 Redução da jornada de trabalho para 12 horas diárias, lei que também não foi assegurada.
1919 Regulamentação da questão dos acidentes do trabalho no Brasil, mas somente com instauração de
inquérito policial e com ênfase na responsabilidade individual em detrimento das condições coletivas do
trabalho.
1923 Aprova-se a lei Eloy Chaves, criando as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) para algumas
categorias estratégicas de trabalhadores envolvidas na produção cafeeira, já que nossa economia estava
baseada na monocultura do café (70% do PIB).
1926 Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), beneficiando os funcionários públicos.
1927 Aprovação do Código de Menores, voltado para a punição da chamada delinquência juvenil, teve uma
substancial mudança de orientação nos anos de 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Fonte: Elaboração da autora com base em Behring e Boschetti (2011, p. 71-81).

As décadas de 1920 e 1930 trouxeram mudanças muito significativas para a nossa sociedade. A Revolução Russa de
1917 influenciou a formação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922. No mesmo ano, a Semana de Arte Moderna
expressou as questão social de forma radical, juntando artistas da vanguarda artística e cultural como Oswald de
Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, entre outros.

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A Crise de 1929-1932 trouxe outra configuração político-econômica para o nosso país. A instabilidade político-econômica da
República Velha estava colocando em xeque a hegemonia cafeeira, abrindo espaço para outras oligarquias (gado, açúcar,
indústrias). Os produtores de carne do sul, juntamente com segmentos militares médios (tenentes – Coluna Prestes) e
empresários do segmento industrial, conseguiram quebrar a hegemonia do café e colocar Getúlio Vargas no poder, num
movimento considerado revolucionário.

A Revolução de 1930 inicialmente tomou forma de um Estado de compromisso, mas acabou impulsionando um
processo de modernização conservadora, como já vimos anteriormente. Nesse período tivemos forças antagônicas –
Intentona Comunista, em 1935, versus um movimento fascista conhecido como Integralismo – cujo conflito alterou
o pacto de compromisso inicial do Estado para uma ditadura conhecida como Estado Novo.

A partir de 1930 houve um esforço regulatório que pode ser considerado o movimento introdutório da política social
no Brasil. Isso representa uma intensificação da gestão estatal da força de trabalho, permitindo uma aliança entre a
oligarquia política que controlava o Ministério do Trabalho e a oligarquia sindical que controlava o operariado (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011).

Tabela 8.2 Políticas sociais no Brasil da Era Vargas (1930-1945)

Ano Política Social


1930 Criação do Ministério do Trabalho, do Ministério da Educação e Saúde Pública, do Conselho Nacional de
Educação e do Conselho Consultivo do Ensino Comercial.
Expansão dos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), que passa a cobrir riscos ligados à perda
da capacidade laborativa (velhice, morte, invalidez e doenças), mas somente em categorias estratégicas
(marítimos e ferroviários) e ainda assim vinculadas a uma lógica contributiva.
1932 Criação da Carteira de Trabalho, a qual passa a ser um documento que atesta cidadania com a garantia
de direitos para aqueles que possuíam um emprego “registrado em carteira”. Esse é um bom exemplo da
característica fragmentada e corporativa do Estado social brasileiro.
1937 A nova Constituição Federal estava voltada para o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores, instituindo
a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que foi promulgada em 1943. Essa Constituição representa
um modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento desses direitos, apresentado uma espécie de
“cidadania regulada”.

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Ano Política Social
1941 Desdobramento do Código de Menores, dentro do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), no qual prevalece
o caráter punitivo e os maus-tratos aos jovens pobres e delinquentes.
1942 Criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), com forte articulação com uma rede de instituições privadas
conveniadas. Essa instituição foi criada para atender às famílias dos pracinhas que foram para a 2ª Guerra
Mundial, sendo coordenada pela primeira-dama, Sra. Darci Vargas. Apesar de denotar características de tutela
e clientelismo, a LBA conseguiu certa centralização das políticas de assistência social no Brasil, que até então
apresentavam uma configuração muito fragmentada, instável e indefinida.

Fonte: Elaboração da autora com base em Behring e Boschetti (2011, p. 103-111).

A Era Vargas acaba em 1945, abrindo um horizonte mais democrático para o país, que agora se apresentava mais
urbanizado e com uma indústria de base mais desenvolvida. A Constituição de 1946 é considerada uma das mais
democráticas do país, chegando a tirar o Partido Comunista da ilegalidade.

Estamos dentro do período que estudamos como “Anos de Ouro”, agora com o projeto desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek que, com seu Plano de Metas, propunha fazer o Brasil crescer 50 anos em 5.

Porém, esse também foi um período de intensa luta de classes, com aumento numérico e maior organização da classe
operária urbana, bem como a intensificação da luta pela reforma agrária no campo. A classe média, que agora tinha mais
acesso ao ensino superior, também lutava pelo seu espaço.

Nesse período a expansão das políticas sociais foi lenta e seletiva, especialmente por causa da disputa de projetos num
cenário democrático limitado e de instabilidade política.

A instabilidade institucional do período – da qual o suicídio de Vargas (1954) e a renúncia de Jânio Quadros (1961)
e o próprio golpe militar de 1964 que depôs João Goulart são exemplos paradigmáticos – dificultou consensos
em torno de um projeto nacional, em que se incluía o desenho da política social. Assim, esse período ficou
marcado pela expansão lenta dos direitos, que se mantiveram ainda no formato corporativista e fragmentado da
era Vargas. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 110).

O golpe militar de 31 de março de 1964 instaurou um novo momento de modernização conservadora no Brasil. Porém,
em descompasso com os processos internacionais, traduzidos por uma reação burguesa à intervenção do Estado que
ficou conhecida como neoliberalismo, o Brasil ainda vivia a expansão do fordismo por meio do “milagre brasileiro”.

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Mediante empréstimos de capital estrangeiro (o que ocasionou uma enorme dívida externa) que vinham acontecendo
desde o Plano de Metas, de 1955, houve a introdução no país da produção de automóveis e eletrodomésticos. O Brasil
do “Ame-o ou deixe-o” teve na ditadura militar um processo agressivo de massificação da produção, ampliando o
mercado interno que, embora ainda restrito, “alimentou os sonhos da casa própria, dos filhos doutores e do ‘Fuscão’ na
garagem entre os segmentos médios e de trabalhadores” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 135).

A cobertura da política social se expandia de forma tecnocrática e conservadora, além de reiterar a política varguista
de expansão de direitos sociais em meio à restrição de direitos políticos e civis.

O Brasil realmente cresceu nesse período, chegando a taxas entre 11% e 14%, as quais, entretanto, não conseguiram
se sustentar por muito tempo diante dos limites da ampliação do mercado interno de massas e dos conflitos em razão do
crescimento e da organização da classe trabalhadora. Os governos do período apostaram na repressão e na assistência
para manter essas forças sob controle.

Tabela 8.3 Políticas sociais no Brasil da ditadura militar (1964-1985)

Ano Política Social


1964 Criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) para impulsionar a economia por meio da construção civil,
para edificar moradias populares.
1965 A Fundação Nacional para o Bem-estar do Menor (Funabem) veio substituir o SAM, extinto em 1964.
1966 Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) com objetivo de unificar, uniformizar e centralizar a
previdência social no país.
1967 O INPS passa a gerir também os acidentes de trabalho, contrariando as seguradoras privadas.
1971 Ampliação da previdência para os trabalhadores rurais por meio do Funrural, com caráter mais redistributivo, já
que não se baseava na contribuição dos trabalhadores e sim numa pequena taxação dos produtores, apesar
de o valor ser apenas de meio salário mínimo.
1972 Cobertura previdenciária estendida a empregadas domésticas, jogadores de futebol, autônomos (1973) e
trabalhadores ambulantes (1978).

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Ano Política Social
1974 - Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, incorporando a LBA, a Funabem, a central de
Medicamentos (CEME) e a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev).
- Concessão da Renda Mensal Vitalícia de meio salário mínimo para os idosos pobres, para todos aqueles que
tivessem contribuído por pelo menos um ano para a previdência.
1977 Uma ampla reforma administrativa transformou todo o complexo sistema ligado ao Ministério da Previdência e
Assistência Social no Sistema de Assistência e Previdência Social (Sinpas), que incorporava também o INPS,
o Instituto Nacional de Assistência Médica (Inamps) e o Instituto Nacional de Administração da Previdência
Social (Iapas).

Fonte: Elaboração da autora com base em Behring e Boschetti (2011, p. 135-140).

Essas políticas sociais representaram uma busca por legitimidade do governo militar. No entanto, em termos práticos,
eram políticas de acesso restrito, o que ajudou a abrir caminho para o desenvolvimento do setor privado no atendimento
de políticas públicas de saúde, educação e previdência.

Em 1974 a restrição do fluxo de capitais em razão do impacto da Crise de 1973-1974 e também os limites internos do
milagre econômico deixaram evidentes os sinais de esgotamento do projeto tecnocrático e modernizador-conservador
do governo militar.

O descontentamento do empresariado e as pressões para a abertura do regime inauguram o caminho para o neoliberalismo.

A transição começa com a chamada “década perdida”, como ficaram conhecidos os anos de 1980, graças a uma
profunda crise econômica no país, apesar das conquistas sociais que os cidadãos conseguiram com a Constituição de
1988.

Quando falamos da “Constituição Cidadã” – expressão que apelidou a Constituição de 1988 –, estamos falando de uma
ampliação de direitos em vários âmbitos, como, por exemplo, na política previdenciária:

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Apesar dos avanços sociais, temos uma Constituição marcada por uma ambiguidade entre universalização e seletividade,
dando um suporte legal para o avanço do setor privado no fornecimento de serviços públicos, o que certamente envolve
muitos jogos de interesse e poder.

Em contradição com o avanço das políticas sociais, temos uma enorme crise no país. O endividamento externo adquirido
com as tentativas de modernizar o Brasil com utilização de dinheiro emprestado mostrou-se então uma péssima estratégia.
Havia naquele momento taxas de juros altíssimas, queda de 8,9% do PIB per capita e de 41% no fluxo de importações.
O PIB foi de 2,3% entre 1981 e 1985, 70% da dívida externa tornou-se estatal e a inflação passou de 91,2% em 1981
para 217,9% em 1985 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

Tivemos um empobrecimento generalizado na América Latina, com elevada taxa de desemprego e aumento da demanda
por serviços públicos.

Já vimos anteriormente que tivemos uma espécie de contrarreforma nos anos de 1990 (se pensarmos que a Constituição
de 1988 foi uma reforma do Estado social), uma vez que a situação de crise forçou a necessidade de políticas de
estabilização e de uma nova agenda, dessa vez, neoliberal. A esperança estava voltada para as eleições diretas de
1989, na qual disputavam Lula e Collor. Este último candidato venceu no segundo turno. Apesar da desconfiança do
eleitorado, Fernando Collor de Mello tinha o crédito de vir de uma classe dominante, o que acalmava mais os ânimos do
empresariado e dos grandes possuidores de terras, que temiam as políticas de esquerda propostas por Lula.

Mas, como todos sabem, o novo presidente não conseguiu governabilidade e respondeu a um processo de impeachment
em 1992 sob a acusação de receber propina para facilitar licitações e outros escândalos de corrupção. A perda do mandato
foi aprovada na Câmara, em voto aberto e nominal, mas Collor renunciou antes. No dia 28 de abril de 2014, o ex-presidente,
agora senador, comemorou a sua última absolvição, por falta de provas, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Após um breve governo de Itamar Franco, no qual foi colocado em prática um plano de controle da inflação, o Plano
Real, o então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi eleito presidente em 1994, colocando em prática
um projeto neoliberal realizado por um partido de orientações social-democratas, mas que governou com pragmatismo
neoliberal (FAUSTO, 2008).

Esse foi um período de políticas adaptadas à lógica do capital, com estratégias de superlucros, incluindo tendências
à diminuição de encargos sociais e previdenciários; à supercapitalização, com privatizações de serviços de utilidade
pública na área da saúde, da educação e da previdência; à configuração de um ambiente ideologicamente individualista
e consumista.

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Enquanto isso, as forças de resistência, especialmente a do movimento dos trabalhadores, encontravam-se fragilizadas
diante das altas taxas de desemprego, da precarização e da flexibilização das relações de trabalho, diante de uma
estratégia de reestruturação produtiva orientada à competitividade e à perda de poder de negociação dos sindicatos.

Com políticas sociais cada vez mais restritas, os direitos mantidos pela seguridade social aproximavam-se cada vez
mais da “americanização”, com uma superespecialização no atendimento dos mais pobres, orientando-se mais para
a seletividade e a privatização do que para a universalidade e a estatização. As reformas da previdência de 1998 e
2003, junto da reforma trabalhista em 2017, evidenciaram isso, focalizando cada vez mais a população contribuinte,
restringindo direitos e diminuindo benefícios.

Quanto à saúde pública, a falta de profissionais, medicamentos e equipamentos, a espera cada vez mais longa por
atendimento e a redução de leitos são apenas alguns dos resultados de uma política restritiva, do tipo “cesta básica para
os mais pobres” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 161).

A assistência social também demorou muito para se materializar como política pública no Brasil. A Lei Orgânica de
Assistência Social (LOAS), sancionada em 1993, só foi efetivada a partir de 1995. Segundo Behring e Boschetti (2011,
p. 161), as características de nossa assistência social são:

• Atendimento restrito – entre 15% e 25% da população que deveria ter acesso aos direitos.

• Caráter filantrópico, com forte presença de entidades privadas em diversos serviços sociais.

• Clientelismo.

• Ênfase nos programas de transferência de renda, de caráter compensatório.

A partir de 2004, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) traz avanços para a assistência social no Brasil,
procurando descentralizar e ampliar a participação da população, ao regionalizar e fortalecer as proposições da LOAS
quanto à articulação entre Planos, Fundos e Conselhos. Por outro lado, assim como a perspectiva protecionista dessa
nova concepção de assistência social superdimensionada, o foco nas famílias em situação de risco e vulnerabilidade
pode trazer algumas armadilhas (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 162).

Tivemos também nos últimos anos ações voltadas para o desenvolvimento do Terceiro Setor como agentes de bem-
estar, substituindo e desresponsabilizando o governo na gestão de políticas públicas, o que, segundo Behring e Boschetti
(2011, p. 163), representa um retrocesso, uma refilantropização das políticas sociais, e isso apenas reforçaria uma
“descentralização destrutiva”, como as práticas de clientelismo e de favor.

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PORDENTRODOTEMA
No nível institucional, também vemos uma fragmentação dos serviços em ministérios independentes, que não se articulam,
tendo cada um deles sua reserva orçamentária, seus conselhos e suas decisões. As políticas de saúde, previdência e
assistência social desperdiçam muito dinheiro e se perdem em um aparato burocrático que excluem os trabalhadores
das decisões referentes à gestão das políticas.

Para finalizar este caderno, trataremos do projeto ético-político do Serviço Social em política social. Apesar de não
constituir um bloco homogêneo quanto às concepções de direitos, cidadania e política social, a categoria dos assistentes
sociais teve uma participação muito importante na construção e na defesa dos direitos sociais no Brasil.

As concepções de direitos e de cidadania contidas no Código de Ética e a Lei de Regulamentação da Profissão e as


Diretrizes Curriculares da ABEPSS conformam o projeto ético-político e profissional e configuram-se como hegemônicas,
orientando a atuação do Serviço Social tanto na formação como na prática profissional. No Brasil, essas concepções estão
longe daquelas colocadas em prática nos Estados democráticos de direito europeus. Aqui, a heteronomia/submissão
econômica e política aos ditames do capitalismo e das agências internacionais (como FMI) torna o alcance das políticas
sociais muito limitado e manipulado. Assim, de acordo com Behring e Boschetti (2011, p. 195):

Quando temos clareza de seus limites, bem como de sua natureza contraditória, vemos a política social como ela
é: pode assumir tanto um caráter de espaço de concretização de direito dos trabalhadores, quanto ser funcional
à acumulação do capital e à manutenção do status vigente.

Os assistentes sociais são os agentes críticos que ousam defender os direitos e as políticas sociais em meio a uma
sociedade orientada para o lucro individual, o consumismo e a ostentação. Nesse sentido, devem lutar para que seja
legitimada em nossa sociedade a concepção de cidadania presente no projeto ético-político do Serviço Social, que
pressupõe os princípios da:

• universalização do acesso aos direitos, com superação da lógica contratualista do seguro social que ainda
marca a previdência [...];

• qualificação legal e legitimação das políticas sociais como direito [...];

• orçamento redistributivo, com ênfase na contribuição de empregadores e no orçamento fiscal [...];

• estruturação radicalmente democrática, descentralizada e participativa [...]. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011,


p. 196).

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ACOMPANHENAWEB
Lei Orgânica de Assistência Social

• Você não pode deixar de conhecer a coletânea de artigos comemorativos dos 20 anos da Lei
Orgânica de Assistência Social. Aqui você terá acesso a artigos de diversos autores especialistas
que comentam a LOAS. Vale muito a pena!
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/20anosLOAS.pdf>.
Acesso em: 6 ago. 2014.

Plano Real como política de estabilização monetária no Brasil

• Leia o artigo de Dennys Montagner sobre o período de desenvolvimento do Plano Real como
política de estabilização monetária no Brasil. Esse é um tema muito importante para entender os
fundamentos teóricos da conjuntura econômica da segunda metade da década de 1990.
Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/viewFile/6378/5213>. Acesso em:
6 ago. 2014.

História do Brasil

• Para finalizar as indicações, convido você a assistir a todos os seguintes vídeos sobre História
do Brasil, de Bóris Fausto. Isso o(a) ajudará a ter uma visão mais ampla do contexto em que
se desenvolveram as políticas sociais no país. São várias produções: “Brasil Colônia” (27:00);
“Brasil Império” (27:08); “República Velha” (27:18); “Era Vargas” (27:00); “Período Democrático:
1945/64” (27:12); “Ditadura Militar” (27:12); “Redemocratização” (27:10).
Disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU>. Acesso em: 6 ago. 2014.

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AGORAÉASUAVEZ
Instruções:
Agora, chegou a sua vez de exercitar seu aprendizado. A seguir, você encontrará algumas questões de múltipla
escolha e dissertativas. Leia cuidadosamente os enunciados e atente-se para o que está sendo pedido.
Questão 1

O que representou a Constituição de 1988 para as políticas sociais no Brasil?

Questão 2

Cite pelo menos duas peculiaridades históricas, políticas e/ou culturais que fizeram com que o Brasil não seguisse o caminho
clássico para a ordem capitalista-liberal.

Questão 3
Assinale, entre os parênteses, “GV” para características do governo de Getúlio Vargas, “JK” para Juscelino Kubitschek, “DM” para
ditadura militar e “NE” para neoliberalismo:
( ) Criou o Plano de Metas para fazer com que o Brasil progredisse cinquenta anos em cinco.
( ) Expansão das políticas sociais de forma tecnocrática e conservadora, reiterando os direitos sociais, mas restringindo os di-
reitos políticos e civis.
( ) Ficou conhecido como “pai dos pobres” graças ao conjunto de políticas sociais de proteção ao trabalhador.
( ) Políticas voltadas à lógica do capital, com privatizações de serviços de utilidade pública na saúde, educação e previdência,
abertura à ação do Terceiro Setor.

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AGORAÉASUAVEZ
Questão 4

Como ocorreu o desenvolvimento das políticas de proteção à infância?

Questão 5

Aponte a afirmativa correta:

a) Na década de 1990, as taxas de desemprego caíram muito em razão do Plano Real e da entrada de novas tecnologias no
Brasil.

b) Na década de 1980 vivíamos os “Anos de Ouro”, com um Estado de Bem-estar Social possibilitado pelos direitos sociais
garantidos pela Constituição de 1988.

c) Na década de 1980 tivemos um empobrecimento generalizado na América Latina, com elevada taxa de desemprego e
aumento da demanda por serviços públicos.

d) Na década de 1990 a força de negociação dos sindicatos e dos trabalhadores garantiu que os direitos sociais adquiridos na
Constituição de 1988 fossem, de fato, colocados em prática.

FINALIZANDO
O capitalismo chegou ao Brasil de uma forma não clássica, pois não passou pelas Revoluções Industrial e Burguesa
da Europa e Estados Unidos. O liberalismo à brasileira também não trouxe autonomia e ruptura com o conservadorismo,
além de não incorporar as massas e os direitos sociais, que só foram gerados a partir da pressão dos trabalhadores
quando se organizaram em sindicatos.

Essa situação começa a mudar a partir dos anos de 1930, quando a oligarquia cafeeira perde sua hegemonia para
outras oligarquias, como a dos industriais e a dos criadores de gado da região sul, que, aliás, conseguiram importantes
alianças com as oligarquias mineiras, o que ajudou a levar Getúlio Vargas ao poder.

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FINALIZANDO
O Brasil passaria por transformações importantes com a instituição de uma legislação trabalhista que deu a Vargas a
alcunha de “pai dos pobres”. Nos governos posteriores, o de Juscelino Kubitschek e o do período militar, houve o milagre
econômico, nos quais o Brasil cresceu com dependência de capital estrangeiro, o que gerou uma imensa dívida externa
e uma inflação galopante. A década de 1980 foi a que mais criou políticas sociais, especialmente com a Constituição
de 1988. Não obstante, foram anos de intensa crise política e econômica, que se estendeu até o início dos anos de
1990, quando políticas neoliberais pretenderam estabilizar a moeda, mas diminuir a participação do Estado nas políticas
sociais.

REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine R.; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e História. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
CRUS, José Ferreira da et al. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 1. ed. Brasília: MDS, 2013. Disponível
em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/20anosLOAS.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2014.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
HISTÓRIA do Brasil por Bóris Fausto. 2002. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU>. Acesso em:
30 abr. 2014.
IANNI, O. A dialética da história. In: D’INCAO, M. A. (org.). História e ideal: ensaios sobre Caio Prado Júnior. São Paulo: Unesp/
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LAPA, J. R. A. Formação do Brasil contemporâneo. In: MOTA, L. D. (org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. 2. ed.
São Paulo: Senac, 1999.
PRADO JR., C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1991.

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GLOSSÁRIO
Coluna Prestes: movimento político realizado por militares médios (tenentes) que ocorreu entre 1925 e 1927, liderado
pelo capitão Luís Carlos Prestes. Eles eram contrários ao governo da República Velha, dominada pela elite agrária,
sob a presidência de Artur Bernardes, que mantinha um sistema de exploração e manipulação por parte dos coronéis,
fraudes eleitorais e democracia restrita. A Coluna marchou cerca de 25.000 km Brasil adentro, alertando o povo para
os desmandos dos coronéis. O movimento ajudou a abrir caminho para a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas
ascendeu ao poder.

Intentona comunista: movimento de esquerda que ocorreu em 1935, liderado pela Aliança Nacional Libertadora (ANL),
para derrubar o governo de Getúlio Vargas. Ganhou aderência de segmentos militares de baixa patente, que consegui-
ram tomar o poder por três dias, mas logo foram vencidos pelas Forças de Segurança Nacional. Com essa rebelião, Ge-
túlio Vargas colocou o partido comunista na ilegalidade, já que suas reivindicações eram a base da Intentona Comunista
(não pagar a dívida externa, nacionalizar as empresas estrangeiras e combater o fascismo).

Integralismo: também conhecido como nacionalismo, é uma doutrina ultraconservadora baseada na Doutrina Social da
Igreja Católica e em elementos fascistas. Foi criada em Portugal e chegou ao Brasil na primeira metade do século XX.
Defende uma sociedade tradicional, com fortes bases religiosas e familiares. Plínio Salgado chegou a fundar um partido
político chamado Ação Integralista Nacional (AIB), com influência do fascismo italiano, para fazer oposição aos ideais
comunistas que subvertiam a família e a religião.

Plano de metas: programa lançado por Juscelino Kubitschek quando assumiu o poder, em 1956, para fazer o Brasil ter
“cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo”. As metas principais estavam direcionadas ao desenvolvimen-
to da indústria de base, à construção de estradas e hidrelétricas, à ampliação da extração de petróleo etc. Contudo, esse
plano só pôde ser colocado em prática com a participação de capital estrangeiro e por meio de empréstimos de capital
internacional, o que deixou o país superendividado e com uma hiperinflação.

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GABARITO
Questão 1

Resposta: A Constituição de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã” e representou um avanço dos direitos
sociais no Brasil, trazendo políticas sociais que foram incorporadas aos programas de governo. Houve ampliação dos
direitos em vários âmbitos, como na previdência, por exemplo.

Questão 2

Resposta: Seguem quatro das peculiaridades solicitadas:

• Não participamos das Revoluções Industrial e Burguesa e passamos por um processo de colonização entre os
séculos XVI e XIX que deixou o país dependente do mercado internacional.

• Trazemos o peso da escravidão sobre nossa cultura do trabalho, contribuindo para a discriminação, a desigualdade
e a desqualificação que acabaram enfraquecendo a relação entre capital e trabalho.

• Nossas elites agrárias conservadoras sempre procuraram manter o poder mediante favores e clientelismo.

• A burguesia liberal não incorporou as reivindicações das massas no processo de emancipação do Brasil.

Questão 3

Resposta: (JK) Criou o Plano de Metas para fazer com que o Brasil progredisse cinquenta anos em cinco.

(DM) Expansão das políticas sociais de forma tecnocrática e conservadora, reiterando os direitos sociais, mas restringindo
os direitos políticos e civis.

(GV) Ficou conhecido como “pai dos pobres” graças ao conjunto de políticas sociais de proteção ao trabalhador.

(NE) Políticas voltadas à lógica do capital, com privatizações de serviços de utilidade pública na saúde, educação e
previdência, abertura à ação do Terceiro Setor.

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Questão 4

Resposta: Em 1927 foi aprovado o Código de Menores para punir a delinquência juvenil. Em 1941, esse Código é
incorporado ao Serviço de Assistência ao Menor (SAM), extinto em 1964. Em 1965, então, cria-se a Fundação Nacional
para o Bem-estar do Menor (Funabem). Em 1990, por sua vez, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Questão 5

Resposta: Alternativa C.

Houve empobrecimento generalizado na América Latina em 1980, acompanhado de elevada taxa de desemprego e
aumento da demanda por serviços públicos.

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