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Desnutrição Energético-Protéica

na Infância
Definição

Variação em função da
Síndrome carencial Manifestações intensidade e duração das
metabólicas, clínicas e deficiências nutricionais,
antropométricas dos fatores patológicos e
fase do desenvolvimento
biológico

- Ciclo vicioso pobreza/doença


- Causa de morbimortalidade entre crianças
Epidemiologia
• Frequência maior
países em
desenvolvimento
• BR: regiões norte e
nordeste
• Redução das
formas graves
• Déficit crônico
(altura/idade) – Abordagem da desnutrição:
crescimento linear diminuição das disparidades sócio-
econômicas e promoção de segurança
alimentar e nutricional
Etiologia
Dieta inferior às necessidades nutricionais

Energia através da mobilização de tecido adiposo e


muscular (gliconeogênese hepática)

Redução de massa adiposa subcutânea e perda muscular

Alterações metabólicas Edema


Fatores de risco
• Peso ao nascer
• Episódios infecciosos - infecções respiratórias, diarréia aguda
• Numero de gestações e nascimentos
• Idade materna no nascimento
• Visitas pré-natais
• Estatura materna
• IMC materno
• Condições de moradia
• Condições sanitárias ambientais e dos alimentos
• Alimentação sem produtos de origem animal (?)
• Aleitamento prolongado (países em desenvolvimento)
• Alimentação complementar inadequada
• Disponibilidade intrafamiliar de alimentos
• Apetite, digestão, absorção, metabolismo e utilização de
nutrientes
DEP EM CRIANÇAS MENORES DE 5 ANOS

• Baixo conteúdo de energia e baixa oferta de alimentos;


• Inadequada disponibilidade de alimentos, desigualdade social,
indisponibilidade de terra, distribuição intrafamiliar de
alimentos;
• Práticas alimentares incorretas: alimentação complementar
precoce e utilização incorreta de fórmulas lácteas
• Infecções: anorexia, redução da ingestão de alimentos e
absorção e utilização dos nutrientes;
• Maior necessidade de nutrientes em relação a outras fases da
vida
Classificação

• Etiologia: Primária ou Secundária;

• Intensidade: Leve, Moderada ou Grave;

• Cronologia: Aguda ou Crônica.


AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA
• Déficit peso para altura – emagrecimento ou emaciação
(wasting)
• Déficit altura para idade - nanismo (stunting)
Perímetro Braquial

AVALIAÇÃO CLÍNICA
• FORMAS LEVES E MODERADAS

▫ alteração no crescimento: desaceleração na curva de crescimento,


▫ redução do tecido adiposo,
▫ anemia leve a moderada, APETITE AINDA PRESERVADO
▫ ressecamento de pele e cabelos,
▫ alteração no desenvolvimento psicomotor.

• FORMAS GRAVES
▫ anorexia e infecções
MARASMO/KWASHIOKOR
Achados Marasmo Kwashiokor
Crescimento atraso
Desenvolvimento retardo
psicomotor
Comportamento Irritabilidade, Apatia, tristeza,
aspecto de velho, hipoatividade
hipoativo intensa
Anemia presente
Albumina sérica normal Muito reduzida
Intercorrências Presença de infecções intestinais e
respiratórias, infestações parasitárias,
sinais de carências de micronutrientes
Alterações em órgãos e sistemas secundários à
desnutrição grave na infância

Órgão ou sistema afetado Efeitos

Sistema cardiovascular ↓ DC e volume circulatório; ↓ PA ;


↓ perfusão renal; ↓ hematócrito

Fígado ↓ síntese de proteínas


Produção anormal de metabólitos de aas
↓ capacidade de metabolização e excreção de
toxinas
↓ gliconeogênese e ↑ risco de hipoglicemia
↓ secreção biliar

Sistema genito-urinário ↓ TFG


↓ capacidade renal de excreção de excesso de
ácido, fosfato e água
Sistema digestório Atrofia da mucosa intestinal; ↓ produção de
ácidos; ↓ motilidade intestinal
↓ secreção de enzimas digestivas; atrofia do
pâncreas; ↓ absorção de nutrientes
↑ crescimento bacteriano
↑ permeabilidade intestinal; ↑ entrada de
proteínas intactas pelo epitélio – reações
imunológicas
Alterações em órgãos e sistemas secundários à
desnutrição grave na infância
Órgão ou sistema afetado Efeitos

Sistema Imune ↓ resposta imune (atrofia de glândulas


linfáticas, amígdalas e timo, redução de IgA,
da imunidade mediada por células T, dos
componentes do complemento, fagocitose
ineficiente, menor resposta inflamatória)
Sistema endócrino ↓ níveis de insulina (intolerância à glicose);
↑ níveis de cortisol
Sistema circulatório ↓ TMB (aprox. 30%)
↓ gasto de energia devido à atividade ↓
Função celular ↓ atividade de bomba de sódio e potássio;
↑ permeabilidade de membranas (↑ sódio e ↓
potássio e magnésio intracelular)
Pele, músculos e glândulas Atrofia de pele e gordura subcutânea,
glândulas sudoríparas, lacrimais e salivares
(ressecamento de mucosas); cabelos opacos,
quebradiços, queda de cabelos, unhas
quebradiças e descamativas (↓ Zn); músculos
respiratórios com capacidade ↓
(Adaptado OMS, 2000)
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS

SNC

se “programa” permanentemente para


↑ cortisol economizar energia em forma de gordura
e reduzir o crescimento

garantir a sobrevivência
em condições adversas

(Sawaya, 2006)
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS

Proteínas estão em quantidade baixa

↑ GH
GH secretado em maior quantidade

estímulo para que ocorra uma


maior síntese de proteínas
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS

Leptina é produzida pelo tecido


adiposo
↓ Leptina

seus níveis caem drasticamente em


resposta ao jejum
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS

Desnutrição:
potente estimulador do estresse
causa ↑ nos níveis e na ação catabólica
do cortisol
↓ IGF1
↓ ação anabólica de síntese
de tecidos dependentes de insulina

↓ do hormônio responsável pelo crescimento,


fator de crescimento insulina símile
tipo 1 (IGF-1)

(Sawaya, 2006)
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS
Lipólise – manter HC para
• Aumento do cortisol e GH metabolismo cerebral e periférico –
• Redução de leptina e IGF 1 adaptação endócrino-metabólica à
privação nutricional

Hipotálamo- hipófise – adrenais e GH


Desnutrição – ↑ estresse
oxidativo
Deficiência de vit. complexo B -
metabolismo
Kwashiokor – aumento de RL – redução
↓ de vits antioxidantes
de antioxidantes – aumento de
↓ SOD
peroxidação
↓ ceruloplasmina
ETIOLOGIA
ALTERAÇÕES METABÓLICAS

Proteínas:
• Boa absorção, principalmente de alto valor biológico
(proteínas animais);
• ↓ conteúdo protéico do meio intra e extracelular;
• ↓ atividade enzimática;
• ↓ síntese de proteínas.

Gorduras:
• Digestão deficiente;
• Absorção deficiente (↓ 50% absorção, podendo ocasionar
esteatorréia);
• ↓ lipídeos totais, ↓ TG, ↓ colesterol.
ALTERAÇÕES METABÓLICAS

Hidratos de Carbono:
• ↓ produção de dissacaridades (lactase), levando à má
absorção de HC;
• Lesão estrutural do intestino delgado;
• Hipoglicemia.

Água e Eletrólitos:
• Hipotonicidade extracelular (edema extracelular);
• Diluição intra e extracelular (até 83% água total);
• ↓ K, Mg, Ca e P;
• Tendência à acidose metabólica;
• Poliúria – urina hipotônica.
TRATAMENTO
Fase 1 ou período de estabilização:

• paciente considerado imunodeficiente


• não tolera administração de grandes volumes
• necessita de reposição de micronutrientes
• A terapia nutricional deve ser adequada às necessidades
energéticas de macro e micronutrientes
• Prevenir e tratar as complicações clínico-metabólicas
• Corrigir as deficiências nutricionais específicas e iniciar a
alimentação.

O objetivo não deve ser a recuperação nutricional do


paciente, mas sua estabilização clínico-metabólica
TRATAR OU PREVENIR

Desidratação Hipotermia Choque séptico

Hipoglicemia Distúrbios hidroeletrolíticos

Infecção Deficiência de micronutrientes


Rev Paul Pediatr 2010; 28(3):353-61.
DESIDRATAÇÃO

• Desnutrido apresenta escassez de tecido subcutâneo e


aparência comprometida pela própria doença
• Difícil diagnóstico: ausência de sinais específicos
• Os principais sinais e sintomas encontrados são:
▫ sede moderada,
▫ olhos encovados,
▫ pulso fraco ou ausente,
▫ extremidades frias,
▫ hipoglicemia,
▫ saliva espessa, mucosas secas
▫ letargia.
Quanto à terapia de hidratação, deve-se priorizar a
via oral, limitando a endovenosa a casos graves e
choque
INFECÇÃO

• Não apresentam os sinais clássicos de infecção (febre,


inflamação e dispnéia)
• Manifestações clínicas de infecção em desnutridos graves
podem ser apatia, sonolência, hipotermia e/ou
recusa alimentar
• Antibioticoterapia
• Tratamento precoce - índice de mortalidade menor.
TRATAMENTO
Fase 2 – Reabilitação (2ª a 6ª semana):

• Estabilidade clínica
• Visa a recuperação pôndero-estatural.
• Oferecer alimentação adequada, estimulação motora e
emocional.
• Alta hospitalar: orientar os responsáveis quanto aos cuidados
realizados em domicílio, elaborar o resumo de alta
(diagnóstico e tratamento) e garantir o retorno ambulatorial.
TRATAMENTO

• Fase 3 – Acompanhamento:

• acompanhamento em unidade de saúde


• prevenir agudização do quadro
• assegurar a continuidade do tratamento
TERAPIA NUTRICIONAL

• Planejada segundo a fase de estabilização ou de


reabilitação.
• Priorizar a via oral.
• Cateter nasogástrico: incapacidade ou intolerância.
Fase de Estabilização (1º ao 7º DIH)

▫ A via oral é a preferencial para administrar a


alimentação;
▫ Frequentemente dura apenas 3 dias;
▫ Oferta líquida total não deve ultrapassar o volume de
120 a 140 ml/Kg de peso/dia, incluindo o volume
das preparações e de soro (oral e venoso) administrados;
▫ Se há edema, usar o menor valor e, se houver perdas por
vômitos e/ou diarréia, aumentar a oferta;
▫ Adequação dos macronutrientes: utilização de módulos
de carboidratos e lipídios.
• Na etapa de estabilização: 80-100 kcal/kg por dia, aporte
protéico 1,0-2,0g/kg/dia.
• Aporte de energia:
▫ inferior: manutenção do catabolismo,
▫ superior a 100kcal/kg/dia levam a alterações metabólicas,
elevando o risco de morbimortalidade.
• Em alto grau de estresse (sepse ou meningite): ofertar o valor
da taxa metabólica basal para cada faixa etária, acrescida de
10-20%.
REPOSIÇÃO DE MICRONUTRIENTES:
• Suplementação de megadoses de vitamina A
• Crianças sem comprometimento ocular devem ser suplementadas nos
primeiros dias de internação, com exceção daquelas que tenham recebido
a dose há menos de 30 dias.
• Em pacientes com manifestações clínicas oculares no momento da
internação:
▫ aplicar as doses recomendadas pelos programas de suplementação de
megadoses de vitamina A.
▫ As outras vitaminas devem ser acrescidas à fórmula artesanal para
alimentação ou sob a forma de suplementos polivitamínicos.
Fase de Reabilitação:

• Aporte energético: 150 - 220 kcal/kg por dia;


• Aporte protéico mantido entre 3-4g/kg/dia, podendo alcançar
até 5,0g/kg/dia (10 a 12% do VET).
TRATAMENTO DA ANEMIA FERROPRIVA :

• Realizado apenas na fase de recuperação nutricional.


• O momento ideal de reposição do ferro ocorre em média na
segunda semana.
• Concomitante ao aumento de apetite, ganho de peso e
melhora clínica do processo infeccioso ou metabólico.
Formulações lácteas propostas para o
tratamento de desnutrição grave (OMS)
- Leite em pó
- Açúcar
- Cereal
- Óleo vegetal
- Minerais*
- Vitaminas**
- Água para completar

*Minerais: KCl, MgCl, Zn, Cu, Na


**Vitaminas: Tiamina, Riboflavina, Ácido nicotínico, Piridoxina, Cobalamina,
Ácido fólico, Ácido Ascórbico, Ácido pantotênico, Biotina, Retinol, Calciferol,
Vitamina K, Tocoferol
GANHO DE PESO INSUFICIENTE OU MODERADO

• Alimentação Inadequada

Observar se:
▫ A alimentação noturna está sendo oferecida;
▫ As quantidades das refeições prescritas estão sendo
recalculadas de acordo com o ganho de peso da criança,
▫ A ingestão real (quantidade oferecida menos as sobras)
está sendo registrada e considerada na avaliação;
▫ A criança está vomitando ou regurgitando;
▫ A técnica de alimentação está sendo correta: a criança está
sendo alimentada frequentemente (inclusive à noite);
▫ Elaboração da mistura de minerais está sendo correta,
assim como a sua preparação e administração;
▫ A composição da mistura de eletrólitos e minerais está
adequada e dentro do prazo de validade.
SINAIS INDICATIVOS DE INTOLERÂNCIA À
LACTOSE

• Fezes ácidas (pH < 6,0);


• Presença de níveis aumentados de substâncias nas fezes;
• Distensão abdominal;
• Vômitos

Tratamento
• Quando a intolerância surge logo ao iniciar a alimentação
da criança (na fase de estabilização): Mude a dieta para o
preparado alimentar inicial com farinha de cereais (esta
dieta com cereal contêm 1,25g de lactose por 100ml e
portanto, é uma dieta com baixo teor de lactose que deve
ser utilizada nesses casos).
Sinais de Melhora da DEP:

• Criança mais alerta;


• Melhora do humor;
• Aumento do apetite;
• Desaparecimento do edema;
• Ganho de peso;
• Desaparecimento da diarréia.
Complicações:

- Morte (10-20% dos casos);


- Ausência de ganho de peso;
- Hipotermia constante;
- Anemia grave;
- Hipoglicemia;
- Intolerância Alimentar.

Alta - Fase de acompanhamento:


- Relação P/A de 90% de adequação → tempo médio de
internação: 4 a 5 semanas.
- Conteúdo energético maior que na fase de reabilitação
- Equipe interdisciplinar (serviço social, desenvolvimento
neuropsicomotor, psicologia).
Referências Bibliográficas:

RAMOS, Mayara Kelly Pereira; LIMA, Ana Maria Cavalcante de   and 


GUBERT, Muriel Bauermann.  Agenda para Intensificação da Atenção
Nutricional à Desnutrição Infantil: resultados de uma pactuação
interfederativa no Sistema Único de Saúde. Rev. Nutr. [online]. 2015, vol.28,
n.6, pp. 641-653. ISSN 1678-9865.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Atenção Básica. Manual instrutivo para implementação da Agenda para
Intensificação da Atenção Nutricional à Desnutrição Infantil: portaria nº
2.387, de 18 de outubro de 2012 / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção
à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde,
2013.
.
Projeto Diretrizes. Terapia Nutricional no Paciente Pediátrico com
Desnutrição Energético-Proteica, Sociedade Brasileira de Nutrição
Parenteral e Enteral , 2011.
Silva, Monique Carla; Silva, Ângela Cristina Dornelas da. Desempenho
funcional de crianças com desnutrição crônica na faixa etária de um a três
anos .Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 22, n. 2, p. 327-334, 2014.

Adriana Martins de Lima, Silvia Maria M. Gamallo, Fernanda Luisa C.


Oliveira. Desnutrição energético-proteica grave durante a hospitalização:
aspectos fisiopatológicos e terapêuticos Rev Paul Pediatr 2010;28(3):353-61.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação


Geral da Política de Alimentação eNutrição. Manual de atendimento da
criança com desnutrição grave em nível hospitalar / Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação Geral da Política de
Alimentação e Nutrição – Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

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