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Silvério Duque

Apresentação de
ILDÁSIO TAVARES

Itabuna / Bahia, 2010.


Copyright 2010, Silvério Duque
Todos direitos desta edição reservados à
VIA LITTERARUM EDITORA
Rua Rui Barbosa, 934 - Térreo - Centro
Itabuna - Bahia, Brasil - 45600-220
Tel.: (73) 4141-0748 :: vleditora@gmail.com
www.vleditora.com.br www.quiosquecultural.com.br

REVISÃO
Jessé de Almeida Primo
Patrice de Moraes

PROJETO GRÁFICO E CAPA


Marcel Santos

ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Gabriel Ferreira - A pele de Esaú (2010),
Acrílico e fios de algodão sobre tela – 25 x 25cm –
Coleção particular.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D946 Duque, Silvério.


A pele de Esaú : poemas 2008-2010 / Silvério Duque,
apresentação de Ildásio Tavares. – Itabuna : Via Litterarum,
2010.
72p.

ISBN: 978-85-98493-66-4

1.Poesia brasileira. I.Tavares, Ildásio. II.Título.

CDD – 869.91
Ficha catalográfica : Elisabete Passos dos Santos CRB5/533

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, por


qualquer meio, total ou parcial, constitui violação da lei n 9.610/98.
a Deus,
por tudo.

ao meu sobrinho
João Pedro de Jesus Duque
– já que vieste a este mudo, enfrenta-o.

`aqueles que,
vivos ou mortos, inspiraram e contribuíram para
que este livro se tornasse possível: Agenor Gas-
paretto, Bruno Tolentino, Carlos Drummond
de Andrade, Damário Dacruz, Gabriel Fer-
reira, Gustavo Felicíssimo, Ildásio Tavares, Ísis
Moraes Ramos, Jessé de Almeida Primo, Jorge
de Lima, José Jerônimo de Moraes, Lucifrance
Castro, Patrice de Moraes, Rainer Maria Rilke,
Rodrigo Petronio e Suzani Caribé,
meu muitíssimo obrigado.
...eis que a tua habitação será longe das gor-
duras da terra e sem o orvalho dos céus. E pela
tua espada viverás e ao teu irmão servirás.
Acontecerá, porém, que, quando te libertares,
então, sacudirás o seu jugo do teu pescoço...

GÊNESIS: Cap. 27; Vv 39-40.


A ESCRITURA
DE SILVÉRIO
por Ildásio Tavares1

Um dos momentos cruciais da formação do


povo de Israel é quando Jacó assume a pole position,
num golpe de mestre que começa com Esaú ven-
dendo-lhe a primogenitura por um prato de lenti-
lhas. Este factóide diz – de pronto – alguma coisa do
temperamento e personalidade de ambos. Do ime-
diatismo e gula de Esaú, da sagacidade de Jacó. Mais
tarde, esta cessão da primogenitura tem que ser rati-
ficada pelo pai de ambos, Isaac, que teria de dar sua
benção. Aí, Jacó se vale de outro estratagema. Como
Isaac estivesse meio cego, Jacó seria apalpado. Esaú
era muito peludo e então, Jacó se veste com a pele
de um animal e assim consegue se fazer passar pelo
irmão que lhe tinha concedido seus direitos.

1
O baiano Ildásio Marques Tavares é poeta, ficcionista, drama-
turgo e jornalista. Segundo nota de Assis Brasil, em A poesia baia-
na do século XX, pertence à geração Revista da Bahia, juntamente
com Cyro de Mattos, Fernando Batinga de Mendonça, Marcos
Santarrita, Alberto Silva. Estes, e mais, José Carlos Capinam, Ruy
Espinheira Filho, Adelmo Oliveira, José de Oliveira Falcón, Car-
los Falck, Maria da Conceição Paranhos entre outros, “formam
Ao nomear este belo livro de sonetos finamente
escandidos de A Pele de Esaú, quero crer que Silvério
Duque tivesse se inspirado neste episódio, ainda mais
que coloca a epígrafe da passagem em que o Senhor
adverte Esaú, que começava a querer-se rebelar, mas
que finda por se afastar e criar seu próprio povo longe
das doze tribos de Jacó que viriam a formar o rei-
no de Israel. Esaú tinha sido tolo, contudo, era forte
e também contava com as bênçãos de Deus. Vinha
de uma linhagem cuidadosamente selecionada de
Abraão e Sara, para Rebeca e Isaac e que desaguaria
nos 12 filhos que Jacó teria com Zilpah, Bilhah, Lia
e Raquel, formando o povo eleito, o povo de Israel,
até hoje vivo.
Neste meridiano da perda e da rejeição, na figura
de um Esaú destituído de seu destino, Silvério elabo-
ra uma intricada associação de sentimento e pensa-
mento, buscando a verticalidade de personagens que
se multiplicam porque se querem fundir em um só.
Afinal, o drama de degredo e aparte que sofre Esaú é

um panorama fecundo e variado” a partir da década de 60. Possui


vários livros publicados, como Imago, Ditado, O canto do homem co-
tidiano, Tapete do tempo, Poemas seletos, Livro de salmos, IX Sonetos
da Inconfidência, Lídia de Oxum, O amor é um pássaro selvagem, O
domador de mulheres, A arte de traduzir... entre outros. É ganhador,
entre tantos prêmios, do Leonard Ross Klein, de tradução; do
de todo ser humano, anjo caído, que, um dia, se afas-
tou da presença de Deus. E toda odisseia que Esaú
tem que executar na busca de si mesmo pode-se con-
figurar em seus aspectos trágicos e cada poema deste
livro, pois, discorre sobre um jaez da personalidade
humana com este suporte analógico, na verdade.
Mais do que o simples discorrer lírico, em que o
poeta se exprime de dentro pra fora, este livro encar-
na um processo dialógico e dialético em que o poeta
entra e sai no personagem e extrai daí o seu signifi-
cado, num trâmite de intersubjetividade. Esta atitude
reforça os aspectos dramáticos do poema e, ao dar
voz aos personagens, torna o contexto mais efetivo.
Destarte se estabelece um fio condutor que vem con-
ferir unidade ao texto. Aliás, o livro todo é muito bem
organizado, com um exato rigor de expressão e de
ordenação, todo ele muito coeso, em suas partes, em
suas divisões, o que consiste, em verdade, uma corte-
sia para com o leitor.

Afrânio Peixoto, de ensaio; do Fernando Chinaglia, de poesia; e


do prêmio nacional do Centenário de Jorge de Lima. É bacha-
rel em Direito e licenciado em Letras pela Universidade Federal
da Bahia; mestre pela Southem Illinois University; doutor pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro; pós-doutor pela Uni-
versidade de Lisboa. Seu trabalho como jornalista compreende
Do ponto de vista formal, o livro é impecável.
Depois dos primeiros originais, eu recebi mais duas
emendas do autor, provando que há um critério e dis-
ciplina no sentido do apuro textual, algo que conside-
ro fundamental.
Tenho visto inúmeros textos de aspirantes a poe-
tas que não se dão conta que a poesia é a mais perfeita
das artes. Apresentam-me, na verdade, um rascunho.
Mesmo alguns poetas ditos consagrados mostram-
-me textos sintaticamente imperfeitos e inçados de
cacofonias – poesia é a redação mais elevada. Silvério
sabe disto e passa a limpo várias vezes seu texto. Res-
peita e venera a redação de sua poesia. Por isso pode
pôr conflitos no papel com efetividade... Por isso é
poeta.

participação em vários periódicos, entre os quais, Diário de Notí-


cias, Jornal da Cidade, A Tarde e Tribuna da Bahia. Membro prati-
cante do Candomblé, foi consagrado Ogan Omi L’arê, na casa de
Oxum, e Obá Arê, na casa de Xangô e no Axé Opô Afonjá. Desde
1989 é cidadão da cidade de Salvador.
SUMÁRIO

ATO I
LAMENTAÇÕES - 15

ATO II
O EVANGELHO SEGUNDO
NÓS MESMOS - 41

FINALE
REVELAÇÃO - 65
ATO I
LAMENTAÇÕES
…sieh, nun heißt es zusammen ertragen
stückwerk und Teile, als sei es das Ganze.
dir helfen, wird schwer sein. Vor allem: pflanze

mich nicht in dein Herz. Ich wüchse zu schnell.


doch meines Herrn Hand will ich führen und sagen:
hier. Das ist Esau in seinem Fell.

RAINER MARIA RILKE


Grande conforto esta visão da noite,
esta noite existente em cada ouvido,
qual o mar encarcerado em cada concha...
Há, em cada sonho, um anjo adormecido,

a despojar, da dor, toda verdade;


a mesma dor que nos revela as faces
que escondemos outrora em meio aos gritos.
E há, em cada despertar, o mesmo sonho,

do íncubo anjo, em seus olhos, revivido,


e, em seus olhos, o mesmo e estranho brilho
desta escada submersa e intermitente

entre as vagas, o Céu e a noite escura:


é a solidez das horas de Esaú –
hirsuto hebreu sem paz e sem lentilhas.

17
Bendito seja todo esquecimento;
bendita, também, seja toda sede
e tudo mais que nos desperte a carne
ou que nos torne estranhos ante o espelho.

Bendito o nosso instante mais impuro;


o que sobrou de nós e o nosso início –
tanto vazio e cor num só começo –,
tantas mortes das quais nos refazemos.

Que Deus nos abençoe por entre as pedras


com o ressoar cruel do vão destino;
e que eu O veja inteiro ( em cada passo )

– e que possas senti-Lo em meio aos braços


com os quais, na dor, abraças teus joelhos...
Bendita seja a paz destes silêncios.

Salvador, 05 de dezembro de 2009.

18
Navegas meus temores como um barco,
sem adeuses, silêncios, nem presságios
que esperarão por nós em cada porto...
Vestido com a dor de antigas feras

eu vejo, em cada cais, os mesmos arcos


redesenhando o fim de iguais jornadas,
refeitas tantas vezes entre os loucos
que avistam, entre sonhos, outros mares.

Para imitar, do mar, seu renascer


eterno – seu começo tantas vezes
já desfeito –, navegas meus temores

neste barco sem velas e sem leme


mas com as formas e a cor do teu intento
neste vagar sem fim entre as procelas.

19
E o que eu adoro em ti é a tua carne,
porque tudo o que é vivo se deseja;
assim, desejo em ti o meu tormento
que há-de crescer na proporção do tempo.

O que eu almejo em ti é a tua sombra,


pois toda boca habita as mesmas vozes
que hão-de tecer com gritos o teu nome
na tarde azul tragada pela noite.

Beijo o teu rosto como se existisse


algum lugar pr’além do Precipício,
e, junto ao gosto de teu lábio esquivo,

uma palavra, sobrescrita em sangue,


há-de adornar o verso em que eu me esqueço
e há-de extirpar, do amor, a fúria imensa.

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