E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, Nem deseja o que cumpre. 5 Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispõe, e ali ficamos; Que a Sorte nos fez postos Onde houvemos de sê-lo. Não tenhamos melhor conhecimento 1 Do que nos coube que de que nos coube. 0 Cumpramos o que somos. Nada mais nos é dado.
PESSOA, Fernando, 2010. Poesia dos Outros Eus. 2.ª ed.
1. Segundo o sujeito poético, cada ser humano vive, concretiza um destino (“cumpre o destino”) que lhe cabe e que lhe está de antemão reservado (“que lhe cumpre”). Assim sendo, o destino que “cumpre” nem sempre é o que ambiciona, pois pode cobiçar outra vida, mas deve resignar-se a ele. 2. A comparação dos homens com “as pedras nas orlas dos canteiros” acentua a imobilidade e a impossibilidade de resistência relativamente a forças superiores. A oração subordinada adverbial causal que se lhe segue explica-a, pois “a Sorte” coloca onde quer ou onde deve cada um de nós, sem que haja (como acontece com as pedras) a hipótese de mudança de posição, de destino. 3. Nos últimos quatro versos, defende-se uma filosofia de vida assente na resignação e na aceitação do poder do destino. Segundo o “eu” lírico, cada um deve desistir de ter “melhor conhecimento” do que lhe calhou em sorte na vida, limitando-se a consentir no que lhe coube. Os dois últimos versos, duas breves frases declarativas, resumem os ideais de abdicação e de anuência face ao destino, pois ele nada mais permite.