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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO A PARTIR

DOS PRINCÍPIOS DA ABORDAGEM EDUCACIONAL DE REGGIO


EMILIA/ITÁLIA

Aparecida Garcia Pacheco GABRIEL1


Jacqueline Silva da SILVA2
Marilaine de Castro Pereira MARQUES3

RESUMO

O presente artigo é resultado da aplicação de práticas pedagógicas que buscaram envolver os


princípios propostos no projeto educativo das escolas de Educação Infantil de Reggio
Emilia/Itália, a partir do trabalho intitulado “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha
identidade”, desenvolvido na Escola Municipal de Educação Infantil Irmã Dulce, situada no
município de Alta Floresta/MT. Essas práticas foram desenvolvidas na turma do Pré II, no ano
de 2015. Este relato enfatiza a relevância do trabalho com projetos como estratégia de ensino
para a formação da criança protagonista, crítica e criativa. Como instrumento para a coleta das
informações no campo, foram utilizadas observações das práticas pedagógicas das professoras
e, além disso, realizou-se uma análise documental do projeto desenvolvido pelas crianças e do
portfólio com a documentação da professora. Os estudos evidenciaram que os princípios da
abordagem educacional de Reggio Emilia utilizados pela investigada foram importantes no
trabalho para e com as crianças da faixa etária de quatro e cinco anos nas situações de ensino
que envolveram a participação, a investigação, a resolução de problemas e a criatividade. Os
autores que fundamentaram o estudo foram Rinaldi (2006, 2017); Malaguzzi (2001); Rabitti
(1999); Edwards, Gandini e Forman (1999); Niza (2007) e Lino (2007). Verificou-se que as
situações de aprendizagem desenvolvidas nos projetos proporcionaram às crianças o
fortalecimento da autoestima, o respeito às diferenças, a autonomia, o protagonismo e a
produção em grupo.

Palavras-chave: Práticas Pedagógicas. Educação Infantil. Princípios da abordagem


educacional de Reggio Emilia.

PEDAGOGIC PRACTICES IN CHILD EDUCATION: A STUDY BASED ON THE


PRINCIPLES OF THE EDUCATIONAL APPROACH OF REGGIO EMILIA/ITALY

ABSTRACT

This article is the result of the application of pedagogical practices that sought to involve the
principles proposed in the educational project of the Schools of Early Childhood Education of
Reggio Emilia / Italy, from the work entitled “Mother! I love my curly hair: it's my identity”,
developed at Irmã Dulce Municipal School of Early Childhood Education, located in the

1
Mestranda em PPGEnsino - Univates. Bolsista Taxista (PROSUP – CAPES). Atualmente é docente da graduação
e pós-graduação da Faculdade de Alta Floresta – FAF. psicopacheco_1@hotmail.com
2
Doutora em Educação (UFRGS) – Atualmente é docente da graduação e pós-graduação da UNIVATES.
jacqueh@univates.br
3
Possui licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Mato Grosso Educação pela
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Atualmente é Professora nas Faculdades de Alta Floresta
(FAF/FADAF) e nas Escolas Estaduais Dom Bosco e 19 de maio. marilainecastro@hotmail.com
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municipality of Alta Floresta / MT. These practices were developed in the Pre II class in the
year 2015. This report emphasizes the relevance of work with projects as a teaching strategy
for the formation of the protagonist, critical and creative child. As an instrument for collecting
the information in the field, observations were made of the teachers' pedagogical practices and,
in addition, a documental analysis of the project developed by the children and the portfolio
with the teacher's documentation was carried out. The studies evidenced that the principles of
the educational approach of Reggio Emilia used by the researcher were important in the work
for and with the children of the age group of 4 (four) and 5 (five) years in the teaching situations
that involved participation, research, problem solving and creativity. The authors who based
the study were Rinaldi (2006, 2017) Malaguzzi (2001), Rabitti (1999), Edwards (1999), Nice
(2007) and Lino (2007). It was verified that the learning situations developed in the projects
allowed the children to strengthen their self-esteem, respect for differences, autonomy,
protagonism and group production.

Keywords: Pedagogical practices. Child education. Principles of the educational approach of


Reggio Emilia.

1 PRIMEIRAS PALAVRAS

Este artigo é oriundo do resultado das práticas pedagógicas propostas por uma
professora da Educação Infantil durante o projeto de trabalho intitulado “Mãe! Eu amo meu
cabelo crespo: é a minha identidade”, realizado na Escola Municipal de Educação Infantil Irmã
Dulce, no município de Alta Floresta/MT. Investiga como essas práticas, envolvendo a
metodologia de trabalho por projetos, fundamentam-se nos princípios educativos do
protagonismo infantil, da investigação, da participação, da escuta, da avaliação, da
documentação, da organização do espaço escolar e do progettazione, princípios esses que
fundamentam a proposta pedagógica das escolas de Educação Infantil de Reggio Emilia/Itália
e que favorecem o trabalho com crianças de quatro e cinco anos anos.
Segundo Barbosa (2017), essa é a idade em que as crianças possuem muita curiosidade
e desejo por novos saberes. Em virtude disso, são necessárias práticas que possibilitem a
construção de conhecimento contextualizado em sala, partindo de projetos em que as crianças
estejam envolvidas.
Partindo desse contexto, a professora, por meio de sua prática pedagógica, proporciona
às crianças momentos de ensino em que elas possam ser protagonistas em suas aprendizagens
e construir conhecimentos de forma individual e coletiva mediante o questionamento e a
investigação.
Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa (BOGDAN;
BIKLEN, 1994), recorrendo a um estudo de caso. Na coleta de dados da pesquisa de campo
(TRIVIÑNOS, 1987), foram utilizados os seguintes instrumentos de investigação: análise

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documental e observação (BOGDAN; BIKLEN, 1994), filmagens e fotografias (GURAN,
2012). Também foram firmados Termos de Consentimento Livre Esclarecido com os
participantes da pesquisa, bem como com a família das crianças, sujeitos da pesquisa. O Termo
de Anuência foi firmado com a direção da escola. A análise dos dados se deu por uma
aproximação com a técnica da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2011).
O artigo encontra-se organizado da seguinte forma: apresentam-se os doze princípios
do projeto pedagógico das escolas infantis de Reggio Emilia, na Itália, os quais embasam esta
pesquisa. Na sequência, o projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha
identidade”, desenvolvido pela professora investigada. E, por fim, as práticas pedagógicas
desenvolvidas pela professora por meio da utilização de estratégias de ensino que se
fundamentam em alguns dos princípios abordados.

2 OS DOZE PRINCÍPIOS DO PROJETO PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS INFANTIS


DE REGGIO EMILIA, NA ITÁLIA

Reggio Emilia é uma cidade localizada no Norte da Itália, onde existe uma rede de
escolas/centros municipais para crianças de poucos meses até seis anos de idade, mantidos pela
autoridade local e também por meio de acordos entre essa e algumas cooperativas. Os centros
funcionam de acordo com um corpo único de teorias e práticas sobre o trabalho com crianças,
suas famílias, professores e toda a comunidade, como esclarece Rinaldi (2017).
As escolas de Educação Infantil de Reggio Emilia abarcam também princípios voltados
para a promoção de uma escola como espaço público de relevância primordial para as
sociedades democráticas, com vistas a uma cultura renovada para a infância (RINALDI, 2017).
Além disso, evidencia-se, nos dizeres de Niza (2007, p. 127), que “os princípios educativos e
as concepções estratégicas fazem da escola um espaço de iniciação às práticas de cooperação e
de solidariedade de uma vida democrática”.
Assim, por meio dos princípios originados nas escolas de Reggio Emilia, as crianças
podem criar, juntamente com seus professores, as condições afetivas, sociais e materiais para
organizar o ambiente do espaço escolar. Esse ambiente deve ser capaz de favorecer à criança a
apropriação dos valores sociais, estéticos e conhecimentos gerados na sua cultura interna e
externa (LINO, 2007).
As teorias que fortalecem esses princípios concebem as crianças como fortes,
protagonistas e potentes desde o nascimento (RINALDI, 2017). Nesse sentido, os princípios
abordam valores e significados construtivistas e socioconstrutivistas que, conforme Rinaldi
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(2017, p. 223), compreendem as crianças como “[...] competentes para elaborarem teorias que
interpretam a realidade e para formular hipóteses e metáforas como possibilidade de
entendimento da realidade”. Foram esses os motivos que levaram a professora investigada neste
estudo a embasar o seu trabalho nos doze princípios norteadores da prática pedagógica e dos
projetos de trabalho desenvolvidos em Reggio Emília, que serão apresentados a seguir.
1. O protagonismo infantil: esse princípio desenvolve-se em torno da imagem da
criança como uma concepção de sujeito de direitos, competente, aprendiz ativo, com
autonomia, que continuamente constrói e testa teorias acerca de si e do mundo que o cerca
(LINO, 2007). Por meio desse princípio, reconhece-se a criança como sujeito ativo e construtor
de sua aprendizagem, livre para expressar as suas singularidades. Rinaldi (2017, p. 224) afirma
que a criança protagonista é vista pela escola como

[...] aquela que está sempre aberta ao novo e ao diferente. Uma criança que possui e
constrói futuro, não só porque as crianças são o futuro, mas também porque
reinterpretam constantemente a realidade e lhe atribuem novos significados de forma
contínua.

A prática baseada nesse princípio exige, por parte dos educadores, o respeito às
subjetividades e aos direitos das crianças para torná-las protagonistas de suas aprendizagens.
2. A investigação: o princípio investigativo utilizado em situações de ensino cotidiano
pela criança e pelo professor favorece o protagonismo infantil, bem como a expressão subjetiva
da criança, o aprimoramento, a manipulação e a criatividade (LINO, 2007). Na perspectiva do
princípio da investigação, o protagonismo infantil é levado em conta e não há espaço para a
concepção de uma criança dependente de um adulto para direcioná-la e determinar o que ela
precisa aprender, pois se reconhece que a criança é competente para delinear tais
direcionamentos de forma individual e coletiva. Nesse sentido, entende-se que, no processo de
aprendizagem, não se pode levar apenas em consideração a linguagem oral e a escrita, mas faz-
se necessário também o processo de investigação.
Rinaldi (2017, p. 186) colabora com esse pensamento quando destaca que:

[...] está convencida de que essa atitude de investigação é a única abordagem ético-
existencial factível numa realidade cultural, social e política como a nossa de hoje,
sujeita a mudanças, colapsos e formações híbridas de raças e cultura, que são positivas
e potencialmente arriscadas.

Enfim, a investigação é entendida como uma atitude importantíssima, tanto para as


crianças como para os professores, em relação à construção do conhecimento no cotidiano.
3. As cem linguagens que a criança possui: a criança é encorajada a explorar seu
ambiente e expressar sua criatividade mediante seus cem modos de pensar, expressar, criar,
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incluindo palavras, movimentos, dramatizações, pinturas, desenhos, colagens, esculturas e
músicas, entre tantos outros (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999). Malaguzzi (2001), o
idealizador da proposta que encaminha o trabalho das escolas de Reggio Emilia, enfatiza que é
preciso extrapolar o método tradicional, que limita as crianças no desenvolvimento de suas
aprendizagens.
Reconhecer as cem linguagens que as crianças possuem abre a possibilidade para o
reconhecimento da multiplicidade de linguagens que a escola pode explorar junto às crianças
como mediadoras, utilizando, para isso, diferentes ferramentas, como os vídeos, as fotografias
e os computadores.
4. A participação: esse princípio considera a criança como sujeito ativo, competente,
construindo o seu conhecimento no âmbito de uma rede de interações e relações que se
estabelecem entre os protagonistas do processo educativo (LINO, 2007). Ele tem como
principal característica a ênfase na expressão corporal, com recurso às múltiplas linguagens da
criança. A partir de situações problematizadoras, levantam-se os interesses das crianças e
discutem-se modos de planejar as situações de ensino (LINO, 2007).
Envolve as crianças nas tomadas de decisões em relação à aprendizagem e também
permite às crianças procurarem diferentes estratégias para resolverem seus problemas (LINO,
2007). Sendo assim, o princípio da participação é uma oportunidade para escutar o que as
crianças têm a nos dizer em relação às suas aprendizagens.
5. A escuta: escutar é estar atento aos outros e ao que eles têm a nos dizer. É considerar
os sujeitos que estão ao nosso redor como aqueles que contribuem para a investigação partilhada
de cada um, por meio da valorização de suas experiências. Dessa forma, a escuta passa a ser
uma metáfora, passa a ser um verbo que implica atividade e reciprocidade, escutar e ser
escutado; ouvir não só com os ouvidos, mas uma escuta que envolve todos os sentidos (LINO,
2007).
Ainda sobre a escuta, Niza (2007) esclarece que escutar significa interpretar, dar sentido
e significado às mensagens dos outros. Diante desse esclarecimento, percebe-se que as crianças
envolvidas na proposta de Reggio Emilia, desde muito cedo, aprendem a escutar os outros e
também querem ser escutadas, sendo este um direito que deve ser respeitado por todos os que
com elas interagem: professores, famílias, comunidade, entre outros. Escutar também significa
observar, registrar e interpretar (RINALDI, 2006).
É pelas observações realizadas no cotidiano junto às crianças que os professores
identificam as suas capacidades, os seus interesses e as suas necessidades e, dessa forma, podem
encaminhar atividades para providenciar e apoiar a construção do seu conhecimento. Para
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Malaguzzi (2001), por trás do ato da escuta, há, frequentemente, uma curiosidade, um desejo,
uma dúvida, um interesse. Rinaldi (2014, p. 82) explica esse ato: : “[...] a escuta é emoção, é
gerada por emoções e provoca emoções. As emoções dos outros nos influenciam mediante
processos fortes, diretos, não mediados, intrínsecos das interações entre sujeitos que
comunicam”.
É, portanto, essa capacidade de escutar que torna possível o diálogo e a comunicação.
Assim, estar atento à linguagem verbal, corporal e às emoções é imprescindível para identificar
os interesses das crianças em relação ao que querem aprender.
6. A aprendizagem como processo de construção subjetiva e grupal: esse princípio
preza as relações, a comunicação e os conceitos de subjetividade e de intersubjetividade no
processo de aprendizagem (RINALDI, 2006). Sendo um dos pilares da prática pedagógica em
Reggio Emilia, no entendimento de Lino (2007) é o sentimento e a vivência de comunidade
educativa, em que os professores e as famílias constituem uma equipe de trabalho, cooperando
e colaborando para conseguir um atendimento de melhor qualidade para as crianças.
Assim, nesse princípio, a aprendizagem constitui-se de forma conjunta e recíproca entre
as crianças, professores e família, em que todos constroem o conhecimento durante o trabalho
em grupo.
7. A documentação: considera-se como a narrativa das situações de aprendizagem e
das experiências investigativas que as crianças realizam no cotidiano. Integra uma
multiplicidade de registros, entre eles os desenhos, as escritas das crianças, os vídeos, as
fotografias dos trabalhos realizados pelos protagonistas e os portfólios dos projetos
desenvolvidos pelas crianças. Essa ideia é confirmada por Rinaldi (2017) quando explica que
documentar é criar formas de evidenciar nos registros o que se observa, é tornar visíveis as
experiências realizadas, é estabelecer um processo de documentação que envolve refletir de
forma sistemática e rigorosa sobre o trabalho pedagógico (RINALDI, 2017).
8. Progettazione: na tradução do italiano para o português, significa “planejamento”.
Conforme Silva (2011, p. 24), “é um tipo de planejamento que se encontra voltado ao enfoque
emergente”. Realiza-se pelas observações que ocorrem durante o processo educativo, seja no
cotidiano das crianças, seja nas documentações e nas interpretações das práticas pedagógicas
investigativas realizadas com as crianças nas escolas. As situações de ensino planejadas a partir
da escuta da criança devem favorecer às mesmas crianças a criação das suas próprias estratégias
para poderem expressar os seus pensamentos, suas observações do mundo e seus sentimentos.
9. Organização: esse princípio trata da organização do trabalho pedagógico em relação
ao espaço e ao tempo, seja nos ambientes internos ou externos da escola. Lino (2007) ressalta
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que a organização está relacionada também com o modo do professor de dispor dos materiais
pedagógicos para garantir a possibilidade do estabelecimento das relações, das trocas e das
construções compartilhadas, o que permite à criança se mover e se orientar de forma autônoma.
Destaca-se que as concepções de ensino e de aprendizagem utilizadas nas práticas
pedagógicas participativas e investigativas com crianças se situam num contexto sociocultural
e se dão por meio das inter-relações entre os professores, as crianças e a família, requerendo a
organização de um ambiente educacional que permita construir e produzir cultura (RINALDI,
2017). Nesse sentido, Gonçalves (2016) corrobora, destacando que as práticas pedagógicas na
Educação Infantil devem promover situações de aprendizagens em um contexto sociocultural e
histórico no qual os professores precisam de um saber fazer que promova o desenvolvimento
das potencialidades das crianças a partir do acesso aos conhecimentos da realidade social e
cultural.
10. O espaço como um terceiro educador: a organização do ambiente físico da escola
é pensada para promover a interação social, a aprendizagem cooperativa e a comunicação entre
as crianças, as professoras, as famílias e a comunidade. Todos os espaços e materiais
pedagógicos devem ser bem planejados e organizados para proporcionar um ambiente
agradável e familiar, onde todos se sintam como se estivessem em casa (LINO, 2007).
O espaço externo deve ser organizado e planejado de modo que possibilite a
continuidade e extensão das situações de aprendizagem e de trabalhos sob a forma de projetos
que se realizam no interior da escola. Nesse espaço, deve-se ter o cuidado de manter as
características naturais do ambiente, como as árvores, os solos irregulares, lugares com água e
areia, que permitam às crianças realizarem diversas experiências. As crianças, os professores e
as famílias devem atuar juntos, ao longo do tempo, na organização desses espaços escolares,
resultando em um trabalho colaborativo entre todos os protagonistas do processo educativo
(LINO, 2007). Malaguzzi (2001) considera esse espaço como um terceiro educador, porque as
paredes da escola servem como painel temporário ou permanente de exposição das atividades,
bem como documentam o que as crianças e os professores produzem no âmbito das experiências
cotidianas e nos projetos realizados por eles. Dessa forma, os espaços refletem a “história da
comunidade educativa de cada escola, integrando as memórias recentes e longas que conferem
uma identidade à escola e aos grupos de crianças e professores que nela vivem” (LINO, 2007,
p. 107).
11. Formação profissional: conforme Malaguzzi (2001), esse princípio acontece na
“pedagogia da relação”, em que se destaca o conhecimento que se constrói durante as interações
e que é sustentado no trabalho cooperativo. A formação profissional se organiza para apoiar um
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modelo cooperativo de relações fortes e coesas entre os três protagonistas do processo
educativo: as crianças, os professores e as famílias. E isso possibilita a participação ativa desses
protagonistas nos projetos de investigação, nas ações e na resolução dos problemas do cotidiano
da escola (FORMOSINHO, 2007).
Para sustentar a pedagogia das relações e das interações, cria-se um conjunto de
estratégias específicas para o trabalho educacional envolvendo os demais princípios que
sustentam a abordagem pedagógica das Escolas de Educação Infantil da cidade de Reggio
Emilia (MALAGUZZI, 2001).
12. Avaliação: é o princípio em que se analisa a prática educativa e se constroem
sentidos de valores para adultos e crianças envolvidas no processo educativo. Norteia e estrutura
a prática educativa e a prática de gestão (MALAGUZZI, 2001). Nesse processo, as crianças, os
professores e a comunidade se autoavaliam com a finalidade de tomarem consciência de seus
acertos e erros para melhorar a aprendizagem e a qualidade do atendimento às crianças. A partir
da avaliação, definem-se os trabalhos a serem ainda desenvolvidos.
Caracteriza-se, assim, a prática pedagógica desenvolvida pela professora investigada
neste estudo, por fundamentar-se nos princípios descritos acima e pelo desejo da vivência de
uma prática pedagógica diferenciada, em que a professora e as famílias constituem uma parceria
no trabalho diário junto às crianças, cooperando e colaborando com a finalidade de lhes
conseguir um atendimento de melhor qualidade.
Na sequência, descreve-se a prática pedagógica desenvolvida pela professora por meio
de um “projeto de trabalho” que adota a metodologia apresentada por Hernández e Ventura
(1998) e segue os princípios acima expostos.

3 PROJETO DE TRABALHO “MÃE! EU AMO MEU CABELO CRESPO: É A MINHA


IDENTIDADE”

O projeto de trabalho intitulado “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade”
foi realizado na Escola Municipal de Educação Infantil situada no município de Alta
Floresta/MT, com a turma do Pré II. O trabalho teve como foco a escuta da professora
responsável pela turma. Ela percebeu o interesse das crianças pelas suas diferenças em relação
às características físicas, como a cor da pele e o tipo de cabelo.
Assim, o projeto de trabalho desenvolvido pela professora e pelas crianças teve como
objetivo promover o autoconhecimento das crianças com vistas à valorização da diversidade,
incentivando o comportamento respeitoso entre as pessoas, com foco na diversidade étnico-
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racial, e contribuindo para a formação cidadã das crianças no sentido de torná-las cientes dos
seus direitos e conscientes dos seus deveres.
A partir desse objetivo, iniciam os planejamentos da professora, o que, na visão de Redin
(2017, p. 27), “não é determinar caminhos, mas direções”. Fundamentando-se nos princípios
das escolas de Reggio Emilia, a professora, inicialmente, proporcionou às crianças situações de
ensino que envolviam a história da África. Destacaram-se as riquezas socioculturais do povo
africano, a contribuição desse povo na formação da diversidade étnica e cultural brasileira e a
diversidade existente entre as crianças e suas famílias.
Para fazer a problematização, utilizaram-se várias imagens e filmes, que serviram como
ponto de referência para os questionamentos e a exposição das ideias das crianças. Com isso, o
tema do projeto tomou vida, passando-se aos estudos e aprofundamentos dos conhecimentos a
respeito do que estavam discutindo.
Segundo Redin (2017, p. 53), a definição do problema para configurar um projeto de
estudo pode advir de “[...] experiências anteriores das crianças, de projetos já realizados ou que
ainda estejam em andamento. Também a professora, os pais e a comunidade podem propor
projetos”.
Valendo-se sempre da escuta atenta ao cotidiano, no caso, os ambientes internos e
externos da escola, a professora começou a planejar as situações de ensino de forma
colaborativa, sempre consultando e respeitando a decisão das crianças (REDIN, 2017).
Assim, o diálogo, a investigação, a produção coletiva, a socialização das produções das
crianças e o envolvimento da comunidade escolar com o que vinha sendo discutido dentro e
fora da sala de aula sempre estiveram presentes na realização do projeto (RINALDI, 2017). E,
para isso, no início do projeto foi realizada uma reunião com os pais para explicar-lhes a
metodologia de projeto e a maneira como as famílias seriam parceiras. No decorrer do ano,
mais quatro reuniões foram necessárias para que as famílias pudessem colaborar por meio das
investigações realizadas pelas crianças em suas residências.
Esse encaminhamento resultou em diferentes práticas pedagógicas desenvolvidas com
a ajuda dos protagonistas, as quais serão descritas a seguir.

4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DESENVOLVIDAS NO PROJETO “MÃE! EU AMO


MEU CABELO CRESPO: É A MINHA IDENTIDADE

A prática pedagógica iniciada a partir da escuta e do interesse das crianças possibilitou


a investigação do tema do projeto escolhido pelas crianças. Nesse sentido, Lino (2007, p.112)
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corrobora, salientando que “constituem estudos em profundidades de conceitos, ideias,
interesses que emergem no âmbito do grupo, das crianças e dos professores”. Após esse
momento de envolvimento por parte de todos, a professora passou a utilizar estratégias que
envolveram os princípios educativos da proposta pedagógica das escolas de Educação Infantil
de Reggio Emilia.
A ludicidade e o faz-de-conta foram as estratégias pensadas pela professora para
desenvolver o princípio da escuta. Para tanto, apresentou às crianças duas bonecas, uma de cor
preta e outra de cor branca, instigando-as a falarem sobre as suas características e belezas. Para
Santos (2001), as atividades de faz-de-conta são importantes para a criança entender e refletir
sobre os valores do seu cotidiano. E explica:

[...] o faz-de-conta é a forma como a criança reflete os valores e constrói sua visão de
mundo. Num grupo de jogo convivem crianças provindas de famílias distintas, com
diferentes códigos de valores morais e culturais que se revelam durante o faz-de-conta.
É importante que estejamos atentos para que possamos intervir pedagogicamente no
sentido de superar preconceitos e proporcionar relações saudáveis e solidárias
(SANTOS, 2001, p.95).

Pelo jogo de faz-de-conta, utilizando as bonecas, as crianças, ora sozinhas, ora em


grupo, iam revelando à professora, em suas conversas, algumas hipóteses sobre seus conceitos
de beleza.
A professora, mediante questionamento, problematiza e provoca as crianças a pensarem
e reformularem os seus conceitos sobre beleza das bonecas. Conforme Lino (2007), o princípio
da participação favorece a expressão e as múltiplas linguagens da criança, o que permite
levantar as situações problematizadoras a partir dos seus interesses.
Para destacar a diversidade cultural como riqueza, a professora utilizou o atelier,
proporcionando múltiplas situações de ensino que envolviam a cultura africana, como pinturas
e construção de máscaras, ilustrações de contos contados pela professora, músicas, oficinas de
vasos coloridos, culinária, jogos, danças, penteados, roupas e adereços envolvendo a cultura
africana. Malaguzzi (2001) concebe o atelier como um espaço que faz parte de um complexo
ambiente educacional e, ao mesmo tempo, como um espaço próprio para a investigação e a
experimentação, favorecendo, desse modo, o princípio da investigação.
Destaca-se que as produções no atelier sempre serviam de ponto de partida para a
próxima criação das crianças. Dessa forma, após uma roda de conversa, a professora e as
crianças decidiram envolver as famílias no projeto para participarem também, junto com elas,
das oficinas.

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De acordo com Lino (2007, p. 102), a pedagogia das relações deve estar presente nas
práticas pedagógicas:

A colaboração é a chave do sucesso da pedagogia das relações, é o elemento que


marca a diferença no processo educativo. É importante que as crianças, os professores
e as famílias percebam a riqueza e a vantagem da colaboração para a construção do
conhecimento e para o desenvolvimento individual e do grupo (crianças e adultos). A
criança sabe que o grupo multiplica capacidades, inteligências, pontos fortes e que,
em situações de problemas, as dificuldades são partilhadas pelo grupo, sendo de mais
fácil resolução. O diálogo e as trocas são elementos fundamentais na construção de
uma escola que se sustenta nas interações, colaborações e comunicação.

Assim, para estabelecer a pedagogia da relação, começaram, então, entrevistando as


suas famílias e, posteriormente, outras pessoas da comunidade escolar para saber sua opinião a
respeito do que estavam discutindo no projeto em estudo.
As famílias foram convidadas para contribuir e prestigiar as oficinas e as apresentações
das crianças, como, por exemplo, em pequenas peças de teatro, desfiles e produções de objetos
confeccionados pelas crianças durante as oficinas. Segundo Lino (2007, p. 103), “a escola surge
como o lugar onde é possível partilhar vidas e estabelecer múltiplas relações”.
Dessa participação, surgiram as seguintes problemáticas: “a situação do negro é difícil,
pois ele não é valorizado; alisamos os cabelos das crianças para que elas não sejam criticadas
por seus cabelos afros; os negros ricos são respeitados, mas os pobres muitas vezes são
desprezados” (HENIKA, 2015, p. 15).
Esse depoimento foi colocado na roda de conversa pela professora e pelas crianças e
concluíram que é conversando que se encontram outras formas de resolver a exclusão social.
Lino (2007) enfatiza que as relações estabelecidas entre as crianças e os adultos são de
reciprocidade e respeito mútuo: crianças, professores e famílias convivem como fontes
recíprocas de informação, o que está fundamentado na pedagogia das relações.
Em suas práticas pedagógicas, portanto, a professora inseriu fazeres que valorizassem e
promovessem as relações, as interações e a comunicação entre os protagonistas da educação:
professores, crianças, famílias e comunidade.
Ao observar a prática pedagógica da professora pesquisada, bem como analisar o seu
portfólio das atividades realizadas com as crianças e dos relatórios escritos por ela a respeito
do desenvolvimento dos projetos das crianças, foi possível verificar que se preocupava em
planejar práticas que fossem ao encontro dos interesses e das necessidades das crianças e de
suas famílias e que contemplassem o currículo estabelecido pela escola.
Essas análises foram possíveis porque a professora documentava, em forma de
relatórios, fotos e filmagens, o trabalho desenvolvido juntamente com as crianças. Em um dos

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relatos em seu diário de campo, a professora esclareceu: “investigar junto com as crianças sobre
o papel das famílias com descendências africanas e identidades de seus filhos se deu pela escuta
e pela observação do comportamento dessas crianças na sala de aula”. (HENIKA, 2015, p. 6).
Destacou, ainda, que o trabalho favoreceu “[...] tanto as crianças como os adultos, pela
possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre
grupos humanos, imposto pelo eurocentrismo, que contribui para a manutenção do racismo.
(HENIKA, 2015, p. 9).
Conforme indicaram esses relatos, a professora estabeleceu situações de aprendizagens
que possibilitaram às crianças um espaço para investigarem e dialogarem sobre a valorização
racial e a aceitação de suas características individuais. Dentre as diversas práticas pedagógicas
realizadas no projeto, destacaram-se cinco momentos em forma de diálogos, oficinas das
produções e danças relacionadas à cultura africana, que serão descritos logo abaixo.
Destaca-se que as rodas de conversa e as discussões estiveram sempre presentes durante
toda a execução do projeto ao investigarem o tema de interesse comum.

Figura 1 - Roda de conversa sobre a construção étnica do povo brasileiro e a origem das famílias, no que se
refere às diferentes regiões brasileiras.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

Na concepção de Lino (2007, p. 113), “esse momento no projeto pertence ao grupo e a


cada criança desempenhando um papel fundamental aos conhecimentos que o grupo constrói
de forma colaborativa”.
Entre os momentos que envolveram o grupo de crianças durante o projeto, cita-se o da
Oficina de Capoeira, realizada em parceria com o professor da comunidade, que provocou as
crianças a investigarem sobre a história e os passos da capoeira.

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Durante a busca pelas respostas às suas indagações, as crianças ficaram motivadas e
participaram das aulas com muito entusiasmo. Para Rinaldi (2017), é nesses momentos, de
possibilitar à criança diferentes formas de expressão, que se destaca a importância que a arte e
as expressões artísticas4 assumem na experiência pedagógica. Um recorte dessa oficina pode
ser visualizado na Figura 2.

Figura 2 - Roda de capoeira – construção de conhecimentos por meio do diálogo, da música, dos ritmos e dos
movimentos.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

Outras expressões artísticas também foram propiciadas às crianças utilizando o trabalho


no atelier, onde foram confeccionados colares de macarrão, realizadas colagens com sementes,
pintura com tinta e a construção de objetos utilizando argila (Figura 3). Para as crianças, para a
professora e para as famílias envolvidas, esses trabalhos representaram uma partilha de
experiências, de conhecimentos culturais e de vivências.

4 É uma forma de a criança expressar suas emoções, sua história e sua cultura através de valores estéticos como
ritmos, harmonia e equilíbrio, e pode ser desenvolvido, em especial através da música, da dança, da pintura, da
escultura, entre outras.
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Figura 3 – Trabalho de produção de objetos com argila.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

O trabalho realizado no atelier foi de grande relevância e cumpriu alguns propósitos.


Primeiramente, a professora e as mães artesãs puderam oferecer às crianças um espaço de
investigação sobre as técnicas de trabalho, que foram passo a passo explicadas pelas mães
artesãs, desde o ponto do barro para a modelagem até a confecção dos objetos. Em segundo
lugar, permitiu observar a autonomia e a capacidade criativa das crianças em suas produções.
Por fim, possibilitou, para a professora e para as mães, um momento de documentação do
projeto por meio de filmes e fotografias. Os objetos foram expostos ao público (Figura 5). A
importância do atelier foi apresentada por Edwards, Gandini e Forman (1999, p. 130-131):

O atelier serve a duas funções. Em primeiro lugar, ele oferece um local onde as
crianças podem tornar-se mestres de todos os tipos de técnicas, tais como pintura,
desenho e trabalhos com argila – todas as linguagens simbólicas. Em segundo lugar,
ele ajuda que as professoras compreendam como as crianças inventam veículos
autônomos de liberdade expressiva, de liberdade cognitiva, de liberdade simbólica e
de vias de comunicação. [...] outra função importante do atelier é a de oferecer uma
oficina para a documentação. A documentação vista então como uma possibilidade
democrática de informar o público sobre os conteúdos da escola.

Diante do envolvimento das crianças, das famílias e da comunidade nas oficinas, o


trabalho desenvolvido a partir da metodologia de projetos passou a ser um trabalho
compartilhado. E, a partir dessa interação inicial, a professora organizou uma roda de conversa
para discutirem com as crianças novos encaminhamentos para depois das férias. A fim de
fomentar o interesse que as crianças vinham demonstrando em relação ao tema em estudo sobre
as suas culturas, as famílias decidiram continuar contando a seus filhos, em casa, histórias
relacionadas à cultura afro-brasileira para que o projeto prosseguisse após as férias.

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Em relação à duração de um projeto, Rinaldi (2017, p. 238) afirma que “pode ser curta,
média ou longa, contínua ou descontínua, com pausas, suspensões e recomeço”.
E, assim, o recomeço ocorreu com uma entrevista realizada com dois professores de
Língua Portuguesa e um professor de História, os quais, após o período de férias, foram
convidados para uma roda de conversa com as crianças (Figura 4).

Figura 4 - Roda de conversa sobre a Cultura Africana, motivada pelo interesse das crianças em saber mais sobre
o que os dois professores de História e o de Língua Portuguesa tinham a dizer.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

A roda de conversa permitiu às crianças realizarem questionamentos sobre os contos e


as músicas relacionadas à cultura africana. Os professores contaram às crianças algumas
histórias e as instigaram a pesquisar na literatura outras produções que tratassem de temas de
seu interesse. Em relação aos contos, Kaercher (2001, p. 81) salienta:

O ato de ouvir e contar histórias está, quase sempre, presente nas nossas vidas: desde
que nascemos, aprendemos por meio das experiências concretas das quais
participamos, mas também através daquelas experiências das quais tomamos
conhecimento através do que os outros nos contam.

Após essa experiência, a professora e as crianças foram à biblioteca várias vezes, sendo
disponibilizados para as crianças alguns livros, como a história do Negrinho do Pastoreio, do
Ratinho Branco e do Grilo sem Asas, da Menina Bonita do Laço de Fita, da Ovelha Branca e a
Ovelha Negra, do Cabelo Ruim, da Galinha da Angola, do Presidente de Ozama, do Menino de
Todas as Cores, entre outras.
A professora utilizou os livros como mais uma estratégia de trabalho em grupo,
permitindo às crianças o contato com a literatura.

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No caderno de campo da professora, encontram-se relatos dessa prática. Ela descreve
como as crianças se sentiram motivadas pelas leituras e construíram suas próprias teorias
durante as situações de aprendizagem vivenciadas, quando confeccionaram objetos no atelier,
modelaram, pintaram e até mesmo dançaram. Nesse sentido, Edwards, Gandini e Forman
(1999) confirmam a importância desses momentos quando afirmam que o atelier é um espaço
para a investigação das motivações e teorias das crianças.
Todo esse trabalho a partir das leituras e expresso por meio da construção de pinturas
precisava ser divulgado. Assim, foram utilizadas as paredes da sala de aula, dos corredores, do
refeitório e da entrada da escola, nas quais foram colocadas fotos, documentos e materiais
diversos evidenciando o processo de construção de conceitos trabalhados no projeto, em
conjunto com as crianças, materiais que valorizavam as diversidades étnicas (Figura 5).

Figura 5 - Atividades realizadas no dia da Consciência Negra.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

Quanto à exposição dos trabalhos, Malaguzzi (2001) destaca a importância das paredes
das escolas infantis de Reggio Emilia na formação das crianças. Esclarece que as referidas
paredes falam e documentam os resultados das produções das crianças.
Destaca-se que também houve a socialização dos conhecimentos e das experiências
construídas durante a execução do projeto. A professora e as crianças apresentaram seu trabalho
no auditório da Faculdade de Alta Floreta – FAF, momento que também contou com a
participação das famílias das crianças, integrantes da comunidade escolar, acadêmicos e
profissionais da FAF, como é possível observar nas imagens a seguir (Figuras 6 e 7).

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Figura 6 - Socialização dos trabalhos realizados pelas crianças durante o projeto.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

Figura 7 - Apresentação das crianças no auditório da FAF.

Fonte: Projeto de trabalho “Mãe! Eu amo meu cabelo crespo: é a minha identidade” (ALTA FLORESTA 2015).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da prática pedagógica da professora, utilizando a metodologia de projetos e


embasada em alguns dos princípios da abordagem educacional de Reggio Emilia, verificou-se
que as crianças, os professores e as famílias relacionam o tema do projeto desenvolvido com a
realidade em que vivem, evidenciando a contextualização dos conteúdos propostos no Projeto
Político Pedagógico da escola e o seu interesse em saberem mais sobre a sua própria cultura.
As crianças, durante as situações de aprendizagem, buscaram encontrar soluções para
responderem às suas indagações e aos problemas encontrados na sala de aula, que serviram de
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estímulo para continuarem na busca pelo conhecimento e incentivo à investigação em seu
cotidiano.
As estratégias de ensino propostas neste projeto de trabalho revelaram-se potentes,
podendo ser utilizadas com as demais turmas de Educação Infantil da escola investigada, pois
evidenciam aspectos relevantes no ensino e aprendizagem, com destaque ao envolvimento das
crianças durante a execução do projeto. Ressalta-se que o mais importante da prática
pedagógica realizada, no entanto, não foi somente o desenvolvimento das estratégias de ensino
utilizadas, mas a avaliação da capacidade das crianças de construírem suas habilidades para a
resolução de problemas e a proposição de soluções para saná-los.
É possível verificar que o desenvolvimento de práticas pedagógicas que utilizam
estratégias de ensino a partir dos princípios propostos nos projetos pedagógicos das escolas de
Educação Infantil de Reggio Emilia/Itália pode resultar em um ensino voltado para formar
crianças que saibam elaborar teorias capazes de interpretar o cotidiano, de formular hipóteses
para investigação como possibilidade de entendimento da sociedade e da cultura. Este foi o
propósito da professora: desenvolver as potencialidades das crianças no sentido de torná-las
investigadoras, estimulando a criatividade, o desenvolvimento do questionar-se sobre suas
atitudes e os valores de sua cultura, além de incentivar a resolução de problemas, que ainda se
encontra muitas vezes distanciada das práticas pedagógicas das professoras de Educação
Infantil.
Podemos afirmar que os protagonistas do projeto desenvolvido enfrentaram os desafios,
venceram os obstáculos, enfim, construíram conhecimentos em conjunto. Todo o projeto foi
planejado a partir dos temas, questionamentos e argumentações que surgiram do trabalho das
crianças em grupo.
O projeto estendeu-se para a comunidade escolar, e as crianças passaram a ser
consideradas o centro do processo de aquisição do conhecimento formal, como instigadoras, e
valorizadas pelos seus talentos e conhecimentos, que serão associados às suas vivências.
Ao espelhar-se nessa concepção de como Reggio Emilia educa suas crianças, a
professora assumiu o papel de investigadora, refletiu e avaliou a sua prática pedagógica,
planejando situações de ensino voltadas para o questionamento e a resolução de problemas. E,
para isso, foi necessário que as crianças se engajassem com os questionamentos e com as
investigações, fazendo do trabalho com projeto uma prática cotidiana importante também em
suas vidas familiares.

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Concluindo, foi possível observar que a prática pedagógica a partir de alguns dos
princípios da abordagem educacional de Reggio Emilia/Itália é possível e desencadeia uma
sequência de mudanças e posturas que são necessárias na Educação Infantil no Brasil.

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Recebido em: 03 de julho de 2018


Aceiro em: 17 de outubro de 2018

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