Você está na página 1de 56

LICENCIATURA EM LETRAS

PORTUGUÊS

LITERATURA, IMAGINÁRIO,
HISTÓRIA E CULTURA
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Dilma Roussef
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Aloísio Mercadante

SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL


PRESIDENTE DA CAPES
Jorge Guimarães
DIRETOR DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA CAPES
João Teatini

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA


GOVERNADOR
Jaques Wagner
VICE-GOVERNADOR
Otto Roberto Mendonça de Alencar
SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO
Osvaldo Barreto Filho

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB


REITOR
Lourisvaldo Valentim da Silva
VICE-REITORA
Adriana do Santos Marmori Lima
PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
José Bites de Carvalho
COORDENADOR UAB/UNEB
Silvar Ferreira Ribeiro
COORDENADOR UAB/UNEB ADJUNTO
André Magalhães

LICENCIATURA EM LETRAS
ADRIANA SILVA TELES BOUDOUX

LICENCIATURA EM LETRAS
PORTUGUÊS

LITERATURA, IMAGINÁRIO,
HISTÓRIA E CULTURA

EDUNEB
Salvador
© UNEB 2012
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida ou gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros,
sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação UAB/UNEB.
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil 2012

EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DIRETORA
Maria Nadja Nunes Bittencourt
COORDENADOR EDITORIAL
Ricardo Baroud

COORDENAÇÃO UAB/UNEB

COLABORADORES REVISORES
Carla Honorato
SUPERVISÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Maíta Andrade
Andréa Santos Tanure
Flávia Souza dos Santos
NORMALIZAÇÃO
Tatiane Nogueira Nunes
Sheila Rangel

PROJETO GRÁFICO e CRIAÇÃO


DIAGRAMAÇÃO
João Victor Souza Dourado
Alan Venicius de Araújo Gonçalves
Carla Cristiani Honorato de Souza

O conteúdo deste Material Didático é de inteira responsabilidade do(s)/da(s) autores (as), por cuja criação assume(m) ampla e total responsabilidade
quanto a titularidade, originalidade do conteúdo intelectual produzido, uso de citações de obras consultadas, referências, imagens e outros elementos
que façam parte desta publicação.

Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB.


Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula
41150-000 - Salvador - BA
www.eduneb.uneb.br
editora@listas.uneb.br Tel. + 55 71 3117-5342
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Caro (a) Cursista

Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem
estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura na modalidade de Educação a Distância
(EaD).
O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da
área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar o conhecimento teórico e prático de maneira
contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos
envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser
utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor
Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso
somado compõe os estudos relacionados à EaD.
É importante também que vocês estejam sempre atentos às caixas de diálogos e ícones específicos que aparecem
durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A ideia é mediar junto ao leitor, uma
forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne interlocutor ativo
desse material.

São objetivos dos ícones em destaque:

VOCÊ SABIA?
– convida o leitor a conhecer outros aspectos daquele tema/
conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta.

SAIBA MAIS
– apresenta notas, textos para aprofundamento de assuntos
diversos e desenvolvimento da argumentação, conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliam a
compreender melhor o conteúdo abordado.

INDICAÇÃO DE LEITURA
– neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites,
vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre determinado tema.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE
– consiste num conjunto de atividades para você realizar
autonomamente em seu processo de autoestudo. Estas atividades podem (ou não) ser aproveitadas pelo professor-
formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo principal é o de provocá-lo, desafiá-lo em seu processo
de autoaprendizagem.

Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e
entusiasmo para juntos desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.

Setor de Material Didático


Coordenação UAB/UNEB

LICENCIATURA EM LETRAS
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

ÁREA DE AMBIENTAÇÃO

Dados Pessoais

Nome:
Telefones: E-mail:
Residência:
Município/Polo do curso EaD:

Dados do Curso

·Endereço de acesso à sala de aula virtual:


·Período de execução desta disciplina: de_______ à _____/ ______/______
·Quem são os orientadores desta disciplina?

Categoria Responsável por Nome E-mail


Prof. Autor Elaborar o módulo
impresso

Prof. Formador Planejar e organizar a


sala vitual

Tutor a distância Mediar os estudos no


ambiente

Tutor presencial Mediar os encontros


presenciais

Coord. de Polo Apoiar as ações do


curso no local

Identificação da Turma

Nome Onde encontrar Telefones E-mail

LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DODO
UNIVERSIDADE ESTADO DADA
ESTADO BAHIA
BAHIA EaD
EaD

APRESENTAÇÃO

Prezado(a) aluno(a),

A Disciplina Literatura, Imaginário, História e Cultura possui


uma carga horária de 60 horas e tem como ementa o “estudo
das relações da literatura com outros textos culturais.
Literatura e história; literatura e construção das identidades”.
Com uma carga-horária de 60 horas, o curso tem como
objetivo geral oferecer instrumentos para a compreensão
e análise do texto literário em suas dimensões históricas
e culturais. A relação da ficção com outros textos, como
a História e a Literatura, nos direcionam para a busca do
cruzamento entre a imaginação e a realidade. A literatura
não está imune a essas relações dialógicas, visto que, como
representação imaginária do mundo, ela se configura como
produto e produtora da realidade histórica e cultural.
Este módulo está dividido em três capítulos. O primeiro,
intitulado Literatura: uma palavra, múltiplos significados,
reflete sobre o significado do termo literatura como uma
categoria histórica e cultural, a qual assumiu diferentes
significados ao longo do tempo, configurando-se, na
atualidade, como representação da realidade, na qual se
cruzam realidade e imaginação; discute ainda os encontros
que a literatura manteve com a História, até ambas
assumirem suas especificidades como campos distintos,
apesar das aproximações. O segundo analisa as relações
de aproximação entre a Literatura, a História e a Cultura,
refletindo sobre o dialogismo entre estes campos de
produção de saberes. O terceiro e último capítulo destaca
a participação da literatura na configuração de processos
identitários, enfatizando a construção e desconstrução da
identidade nacional e regional.
Desde já, é preciso dizer que as ideias apresentadas não
estão esgotadas. O que você vai encontrar nas páginas que
se seguem são questionamentos, provocações e caminhos
teóricos que irão auxiliá-lo na busca de leituras para maior
aprofundamento do tema.

Tenha um excelente estudo!

LICENCIATURA EM LETRAS
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações

LICENCIATURA EM
LICENCIATURA HISTÓRIA
EM LETRAS
UNIVERSIDADE DODO
UNIVERSIDADE ESTADO DADA
ESTADO BAHIA
BAHIA EaD
EaD

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – LITERATURA: UMA PALAVRA, MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS.................................................................................. 11

1.1 Lteratura: uma categoria histórica e cultural...................................................................................................................... 13


1.2 A ficção entre a imaginação e a realidade......................................................................................................................... 14
1.3 História: ciência ou literatura?........................................................................................................................................... 16

CAPÍTULO 2 – DO MUNDO AO TEXTO E DO TEXTO AO MUNDO: LITERATURA, HISTÓRIA CULTURA.......................................... 23


2.1 Literatura e história: reatando os laços.............................................................................................................................. 25
2.2 Literatura, história e cultura: intertextualidade.................................................................................................................... 28
CAPÍTULO 3 – LITERATURA E PROCESSOS IDENTITÁRIOS: DA CONSTRUÇÃO À DESCONSTRUÇÃO......................................... 37

3.1 Identidade: tecendo um conceito...................................................................................................................................... 39


3.2 Literatura e representações identitárias............................................................................................................................. 40

GLOSSÁRIO................................................................................................................................................................................. 47

REFERÊNCIAS............................................................................................................................................................................. 49

LICENCIATURA EM LETRAS
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

LITERATURA:
UMA PALAVRA,
MÚLTIPLOS
SIGNIFICADOS

CAPÍTULO 1
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

1 LITERATURA: UMA PALAVRA,


MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS

Você já pensou sobre o que é Literatura? Esta é


uma das questões que iremos abordar neste capítulo.
Ao respondermos a esta primeira pergunta é comum
associarmos o termo em questão às produções
ficcionais, ou seja, de caráter imaginativo. A História, por
sua vez, geralmente, é vista como conhecimento sobre a
realidade de outros tempos. Entretanto, tais concepções
necessitam de reflexões mais profundas, visto que
comumente a ficção é tratada como se não possuísse
nenhum vínculo com a realidade ou como se realidade
e imaginação se colocassem em pólos opostos. Uma
análise das relações entre a produção literária, a história,
o imaginário e a cultura nos mostra que a ficção tem
muitas relações com a vida e que, longe de possuir um
significado fixo e unilateral, a Literatura assumiu várias
significações ao longo do tempo, configurando-se, ao
longo do século XX, como uma construção histórica e Figura 1 - As Musas Urânia e Calíope
cultural, como veremos a seguir. Fonte: VOUET, [2011]

1.1 LITERATURA: UMA CATEGORIA Coube ao filósofo grego Aristóteles ser o primeiro a
HISTÓRICA E CULTURAL estudar sistematicamente o assunto em sua obra clássica
Poética, cuja primeira circulação teria ocorrido por volta
Voltemos àquela questão inicial: de 340 a. C., deixando, desde então, sua influência sobre
a posteridade, como ressalta Kennete Mcleish (2000).
O que é literatura? O termo poética continua a ser utilizado até ser
substituído por literatura como destaca Raymond
Esta pergunta, aparente fácil de responder, Williams (1979). Conforme este estudioso, a palavra
carrega diversos significados. Primeiro, é importante literatura é uma categoria histórica e social, cujas
destacar que ela surge em um determinado momento origens remontam ao século XIV. Entretanto, neste
com significados bem específicos e diferentes dos que período não possuía o significado que lhe atribuímos
conhecemos atualmente. Em segundo lugar, antes de hoje. Littera, palavra da qual posteriormente derivou
a palavra literatura ser usada para designar as obras literatura, significava, inicialmente, uma situação de
de caráter imaginativo ou ficcionais, tais produções leitura, a capacidade de ler. Ainda segundo o estudioso
recebiam a denominação de poética. Palavra cujas inglês, no século XVII, a palavra literary, passou a ser
origens remontam ao mundo grego. Na mitologia grega, usada para designar a experiência da leitura, ao tempo
a poética era representa pela musa Calíope, uma das em que literature, paulatinamente passava a ser uma
filhas de Zeus e Mnemosyne, representada na Figura 1. especialização da retórica, da gramática, da leitura e
dos meios que a torna possível, os livros impressos.
Enquanto tal, literature tornou-se expressão de certo nível

LICENCIATURA EM LETRAS 13
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

social, uma vez que, naquele período, o conhecimento Assim, com base no exposto até aqui, faz-se
educacional restringia-se às elites. No século XVIII, necessário refletir sobre o caráter imaginativo atribuído
o substantivo passou a se associar a todos os livros à Literatura, ou em outras palavras, sobre o diálogo
impressos de qualidade, fossem eles de história, filosofia, estabelecido entre a ficção e a realidade. Afirmar que a
ciência naturais etc. Paralelamente a este processo, as Literatura se define pelo seu caráter imaginativo significa
composições de caráter imaginativo constituíam o que que ela não possui vínculo com a realidade? Para
Aristóteles, na Antiguidade grega, denominara “poética”, respondermos a esta questão será preciso perscrutarmos
como vimos anteriormente, termo que prevalece até o que vem a ser o real e o imaginário, caminho sem o
o século XIX, quando passou a ser substituído pela qual não é possível compreender o que é a ficção.
palavra literatura. Esta, gradativamente passa a designar
as produções ficcionais, significado que substitui os 1.2 A FICÇÃO ENTRE A IMAGINAÇÃO
sentidos construídos anteriormente. Contribuem para E A REALIDADE
este processo:
Em primeiro lugar, você já pensou sobre o que vem ser
•A afirmação dos Estados Nacionais, nos quais o imaginário, ou se a imaginação se opõe à realidade?
a construção de uma literatura nacional tem lugar de Comecemos por esta última questão.
destaque.
O que é o imaginário?
•A afirmação das ciências naturais e, espelhando-se
nesta, o nascimento das ciências sociais como campos A resposta para esta pergunta pode ser encontrada
de investigação fundamentados na objetividade do nas palavras do filósofo Cornelius Castoriadis (1992,
conhecimento. p. 89):

É neste cenário epistemológico e histórico que a A imaginação é a capacidade de colocar uma nova forma.
palavra literatura, aos poucos, vai deixando de se referir De um certo modo, ela utiliza os elementos que aí estavam,
a todas as produções escritas, passando a designar mas a forma, enquanto tal, é nova. Mais radicalmente ainda:
apenas as obras de caráter imaginativo. Trata-se de a imaginação é o que nos permite criar o mundo, ou seja,
um significado assentado na oposição entre arte (na apresentarmos alguma coisa, da qual sem a imaginação nada
qual se inclui a literatura) e ciência, a primeira como o poderíamos dizer e sem a qual não poderíamos nada saber.

campo da subjetividade, e a segunda como o campo da


objetividade, postulado este que foi sendo desconstruído Se, é através do imaginário que damos forma à
no transcurso do século XX. Neste, a crítica àquela realidade, convém levantar uma outra questão:
oposição se constrói entre os defensores da ideia de que
a literatura é uma representação histórica da sociedade, O que é o real?
como será discutido adiante.
O percurso até aqui delineado, traçado por Raymond Esta indagação pode ser respondida, tomando de
Williams, converge com o que nos diz Terry Eagleton empréstimo as palavras de Cid Seixas (2002, p. 204),
(1994), o qual afirma que não há uma essência de para quem o real é uma construção da cultura. Assim,
literatura e que a sua definição depende de quem lê e não segundo este estudioso, o que é aceito como realidade
da natureza do que é lido. Para este último, a literatura não é o mesmo em todas as sociedades e culturas.
não se define por seu caráter ficcional em oposição ao
factual, ou pelo seu caráter não-pragmático em oposição Cada cultura, de modo mais ou menos inconsciente, se
ao pragmático. A existência de obras que apresentam, reserva a tarefa de estabelecer as fronteiras do que entende
simultaneamente ou não, todas essas características, por real. Objetos do conhecimento, como as coisas abstratas
reafirma a relação da ficção com os acontecimentos, e os fatos concretos, entidades mitológicas ou divinas, que
ideias e valores em curso na sociedade e no tempo.

14 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

são incluídas por um povo, ou por um segmento cultural,


como pertencentes à esfera da realidade, podem ser tomados
Ao responder a esta questão, Pesavento (2006,
por outro segmento como criações e alegorias de uma cultura.
p. 3) ressalta uma ideia central que demonstra de forma
clara e precisa a relação do texto literário com a realidade.
Se o real é uma construção da cultura, a ideia de
Ela nos diz que a ficção expressa uma “verdade do
que ele se opõe à imaginação também o é. Esta visão
simbólico”:
dualista, que coloca as duas instâncias em pólos distintos
e contrários, é uma construção do pensamento ocidental,
A sintonia fina de uma época, fornecendo uma leitura do
a qual vem sendo desconstruída desde a segunda metade
presente da escrita, pode ser encontrada em um Balzac ou
do século XX por pensadores como o filósofo francês
em um Machado, sem que nos preocupemos com o fato
Jacques Derrida. As antíteses conceituais pelas quais de Capitu, ou do tio Goriot e de Eugène de Rastignac terem
concebemos o mundo, como natureza/cultura, bem/ existido ou não. Existiram enquanto possibilidades, como
mal, verdade/mentira, homem/mulher, espírito/corpo, perfis que retraçam sensibilidades. Foram reais na “verdade
fala/escrita, entre outras, são construções da cultura do simbólico” que expressam, não no acontecer da vida. São
ocidental e não verdades absolutas. (DERRIDA,1971 dotados de realidade porque encarnam defeitos e virtudes
apud TEIXEIRA, 1998) Deste modo, são discursos que humanos, porque nos falam do absurdo da existência, das
devem ser questionados, ou seja, desconstruídos. misérias e das conquistas gratificantes da vida.
Diante de tais considerações, concebemos realidade
e imaginário como dimensões da cultura que se Esta “verdade do simbólico”, como assevera a
interpenetram mutuamente. estudiosa, é uma verdade que não se afirma por trazer
ao texto personagens e fatos reais, mas por revelar as
Porém, faz-se ainda necessário questionar como
questões presentes numa certa temporalidade. Através
realidade e imaginário se fazem presentes na narrativa
da literatura, podemos ter acesso ao imaginário, às
literária.
maneiras de sentir, pensar, dizer e agir de outros tempos
A este respeito, Sandra Pesavento (2006, p. 2)
Ainda, segundo Pesavento (2006), a própria
assevera que o imaginário encontra sua base na ideia
palavra ficção, geralmente usada para definir o texto
de representação:
literário, originou-se de fingere, termo que, até o século
XVI, significava criar a partir dos indícios do que existe.
O imaginário é sempre um sistema de representações sobre
o mundo, que se coloca no lugar da realidade, com ela se Assim, ao nos referirmos à literatura como
confundir, mas tendo nela o seu referente [...] Ao construir produção ficcional, não estamos identificando esta forma
uma representação social da realidade, o imaginário passa a narrativa a uma versão mentirosa ou inventada.
substituir-se a ela, tomando o seu lugar. O mundo passa a ser A ficcionalidade, como afirma Judite Grossmann
como nós o concebemos, sentimos e avaliamos. (1982, p. 55), em consonância com o que apresentamos
até aqui, “[...] torna o real, até então recoberto por si
Como pode ser percebido nas palavras da autora, o mesmo, visível”. Por meio da linguagem, o ficcional dá
que entendemos por real nada mais é do que aquilo que vida e forma ao real e vice-versa, pois se trata de uma
imaginamos que ele seja. Trata-se de um movimento de relação mútua.
mão dupla no qual um age sobre o outro mutuamente.
Mas, como a Literatura se apropria do real, dando- Sobre o trilho do texto ocorrem dois veículos, o do próprio
lhe forma e significado? Retomando o pensamento real e o do imaginário. Assim como de um lado está o real
aristotélico, Pesavento (2006) afirma que a Literatura e do outro está o texto, também de um está o texto real e do
é um discurso sobre o que poderia ter sido. Assim, a outro, o texto imaginário [...]. A ficção é indício, resíduo de
estudiosa nos coloca diante de um problema: uma experiência maior, a experiência do imaginário, que não
fica inteiramente recoberta nem pela experiência empírica,
nem pelo texto ficcional. [...] O texto ficcional descola-se de
Como a literatura, narrativa sobre o que poderia ter
si mesmo em direção ao real e em direção ao imaginário.
sido, pode trazer rastros, indícios, pistas sobre o que
[...]. O deslocamento de si mesmo é uma característica que
aconteceu?

LICENCIATURA EM LETRAS 15
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

o mundo ficcional abriga como proveniente do mundo. O


mundo se converte em texto e o texto se converte em mundo. INDICAÇÃO DE LEITURA
(GROSSMANN, 1982, p. 59)

DARNTON, Robert. Boêmia literária e revolução: o submundo das


A partir do momento que a linguagem literária, em seu letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
universo sígnico, se apropria do mundo, intencionalmente
ou não, dá-lhe existência, instituindo-lhe realidade. A obra do historiador norte-americano faz uma incursão pelo
submundo das letras às vésperas da Revolução Francesa, desvelando
Este movimento, por tanto, em que realidade e
escritores e obras literárias que, naquele cenário, eram consideradas
imaginação se fundem, leva ao diálogo da Literatura filosóficas.
com outro campo do conhecimento: a História. Porém,
antes de analisarmos esta relação, é preciso também
indagar o que é a História, questão sobre a qual se faz suas principais características, em geral, destacam-se,
necessário refletir. de acordo com Marilena Chauí (2003):

• A narrativa da criação, do início de alguma coisa,
INDICAÇÃO DE LEITURA do cosmos, dos homens e dos fatos humanos, como
as guerras;
A Poética é um texto clássico do filósofo grego Aristóteles sobre a
produção ficcional. Nesta obra, o pensador grego afirma que todas
• Uma história sagrada, na qual todos os
as artes são uma imitação, visto que é possível associar o que é
apresentado à existência. O conceito de mimeses é, prtanto, o centro
acontecimentos naturais ou humanos são frutos da
da concepção estática do filósofo. Sobre esta obra, ler: vontade dos deuses;

MCLEISH, Kenneth. Aristóteles: a poética de Aristóteles. São Paulo:


Editora UNESP, 2000. • Os fatos são apresentados em sequência, um após
o outro, mas ocorrem num passado remoto, sagrado,
imemorial;
1.3 HISTÓRIA: CIÊNCIA OU
LITERATURA? • São tomados como verdades pelos que o aceitam.

Vamos refletir sobre mais uma questão: Embora não tenham desaparecido, permanecendo
em muitas culturas, os mitos passaram a coexistir com
O que é História? outras formas de explicação, como a História. A própria
História, assim como a literatura, foi representada na
A resposta mais comum a esta questão é a de que mitologia grega pela musa Clio.
a História é a ciência que estuda o passado. Entretanto,
uma análise mais pormenorizada leva à compreensão
Segundo Borges (1991), foi um estudioso chamado
de que, assim como a Literatura, a História também
Hecateu de Mileto, morador de uma colônia grega da
corresponde a uma categoria histórica e social que, ao
Ásia Menor, que, ao retornar do Egito, colocou em
longo do tempo, assumiu diversas significações.
dúvida os mitos. Ao comparar as narrativas dos gregos
História é uma palavra de origem grega que significa e dos egípcios, ele afirmou que as lendas eram muitas
investigação. Segundo Vavy Pacheco Borges (1991), e risíveis. É nesse contexto, que nasce a História,
foi na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C, que a designação dada às narrativas produzidas por aqueles
palavra começou a ser utilizada. Antes disso, porém, em que são considerados os primeiros historiadores, entre os
diversas culturas, os homens já sentiam necessidade quais se destacaram Heródoto e Tucídides. Diferente do
de conhecer a sua origem. Os mitos foram as primeiras que se faz na atualidade, eles não estavam preocupados
narrativas sobre o surgimento do mundo e da vida. Entre com o estudo dos fatos passados, mas com o que

16 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Na Idade Média, surgiu outra concepção da História,


frente ao poder conquistado pela Igreja Católica: “[...] a
história da humanidade se desenrolaria de acordo com
um plano divino, sendo a vinda de Cristo a terra, o centro
desse processo” (BORGES, 1991, p. 21). No universo
religioso medieval, a História também esteve voltada
para o estudo da vida dos santos, cabendo ao clero a
realização deste trabalho, visto que a leitura e a escrita
eram privilégios desse grupo.

No período moderno, a visão teocêntrica do mundo


paulatinamente vai dando lugar a uma visão humanista.
“O conhecimento não parte mais de uma revelação divina,
mas de uma explicação da razão.” (BORGES, 1991, p.
26) Sua construção passa a ser guiada pelo racionalismo,
e não mais pela fé. A imagem abaixo produzida por
Leonardo da Vinci, representa esta nova maneira de
pensar, que ficou conhecida como Renascimento.

O Renascimento foi um movimento cultural que


tentava trazer de volta a cultura Greco-romana, da
Figura 2 - Clio, a musa da História Antiguidade clássica. Como consequência desta busca,
Fonte: MIGNARD, [2005]. a valorização do homem e da razão gradativamente
ganham destaque. Tudo isso leva a uma preocupação
estavam vivenciando no momento. Estudavam-se os com os textos e objetos produzidos no mundo antigo,
acontecimentos em curso no presente, tal como o fez levando ao surgimento e aperfeiçoamento de técnicas
Heródoto, ao descrever as guerras Greco-pérsicas e de estudos desses materiais que vão auxiliar o trabalho
ao afirmar que suas investigações tinham por objetivo dos historiadores. Este processo deu origem a diversos
impedir que os feitos dos gregos fossem esquecidos campos de estudos, tais como:
com o tempo, demonstrando a intenção em exaltar a
sua cultura, registrando para a posteridade a memória • Cronologia: estudo da fixação de datas;
de seu povo.
• Epigrafia: estudo das inscrições;

SUGESTÃO DE FILME • Numismática: estudo das moedas;

300. Direção: Zack Snyder. Roteiro: Zack Snyder, Kurt Johnstad e • Sigilografia: estudos dos selos;
Michael B. Gordon. EUA: Produtora, 2007. (117 min.)
• Heráldica: estudo dos brasões;
Aborda a luta dos gregos, chefiado pelo rei espartano Leônidas e seus
trezentos guerreiros contra o exército persa, liderados pelo imperador
Xerxes. O filme, que traz o olhar dos gregos, utilizou como fonte os • Genealogia: estudo das linhagens familiares;
quadrinhos, os quais foram produzidos com base nos escritos de
Heródoto. Ao assistir o filme, observe os cenários, os personagens e
• Arqueologia: estudo dos vestígios materiais antigos;
suas falas, e reflita: como os gregos são representados? Como viam
a si mesmos e aos outros?
•Filologia: estudo dos escritos antigos.

LICENCIATURA EM LETRAS 17
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

VOCÊ SABIA?

A palavra Iluminismo deriva de luz, a qual é representada pela razão.


Assim, alguns pensadores iluministas chamaram a Idade Média de
“Idade das Trevas”, afirmando ser este período da história européia
ocidental, em que a fé predominava sobre a razão, uma época de
regressão cultural. Tal olhar, todavia, vem sendo desconstruído por
pesquisas recentes. A este respeito ver:

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente.


São Paulo: Brasiliense, 1994.

Mas é no século XIX que surge a preocupação em fazer


da História uma ciência. O processo de formação dos
Estados Nacionais, a exemplo da Inglaterra e da França,
inicialmente, e Itália e Alemanha, mais tarde, desperta
o interesse pela construção de uma história comum a
toda a população. Para que houvesse a unificação era
preciso construir uma identidade para a nação e, ao
destacar fatos e heróis nacionais, a história contribui
para este processo, afirmando-se como uma ciência.
Enquanto tal, seguindo as concepções da época, as
quais destacavam que para ser científico o conhecimento
Figura 4 - O homem vitruviano deveria ser objetivo e imparcial, ou seja, verdadeiro, os
Fonte: DA VINCI, [2010]. historiadores buscavam nos documentos históricos
oficiais a verdade sobre os fatos, desconsiderando a
subjetividade presentes nestas fontes.
Esta forma de conceber a História enquanto
De acordo com Borges (1991, p. 28), buscava-se
verdade sobre o passado, fortaleceu-se no século XIX,
“[...] aprender a escolher os documentos significativos,
enfraquecendo-se ao longo do século XX, quando muitos
situá-los no tempo e no espaço, classificá-los quanto ao
teóricos passaram a reconhecer que o conhecimento
seu gênero e criticá-los quanto ao grau de credibilidade”.
histórico se configura como um discurso sobre o
Estes estudos tornaram-se fundamentais para a passado carregado de subjetividade.
História, passando a ser utilizados como auxiliares no
Diversos estudiosos a exemplo de Peter Gay (1990)
trabalho do historiador.
e Haydem White (1992), debruçando-se sobre as obras
No século XVIII, a filosofia iluminista e sua crença de historiadores, tais como Hanke e Bukhart, Ícones do
na razão humana foi responsável pela defesa de uma cientificismo histórico do século XIX, desvelaram traços
concepção da história como o desenvolvimento da característicos da produção ficcional como os usos de
razão humana. Filósofos e historiadores passaram a metáforas em suas produções. Outros, a exemplo de Paul
se preocupar em escrever a “história da civilização”, Veyne (1982), polemizaram: será a História uma ciência?
visão que passa a ganhar força e que atribui à Europa Entre a literariedade e a cientificidade do conhecimento
Ocidental o papel de condutora deste progresso da razão histórico, chegou-se a um consenso, entre a maioria dos
e, portanto, da história. historiadores, de que a História se constitui como uma
ciência singular, visto que se trata de um discurso que
também deve ser situado no tempo.

18 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

A este respeito, o historiador inglês Eric Hobsbawm ● Por fim, é fundamental destacar que o fato de fazer
(1998), chegou a afirmar que toda História é uso de documentos não significa que a história é mais
contemporânea, ressaltando que interpretamos o real do que a literatura. Da mesma forma, o fato de o
passado com os olhos do presente, visto que somos escritor ter a liberdade em sua escrita não quer dizer
motivados e orientados pelas concepções teóricas e que sua produção seja menos verdadeira. Ambos tem
sociais em curso no mundo em que estamos inseridos. a realidade como referência, pois estão inseridos na
Assim, a História seria uma ciência singular que história, sendo por ela influenciados e ao mesmo tempo
possui métodos próprios de investigação da realidade. nela interferindo, ao expor seus pensamentos e visões
Porém, embora almeje chegar à verdade, o historiador de mundo.
se vê limitado pela subjetividade das fontes históricas,
assim como pelas suas concepções. Partindo desta
perspectiva, a História apresentaria versões aproximadas
e não exatas do real.
Uma vez que a História é permeada pela subjetividade
do historiador, ela se aproxima da Literatura, e vice-
versa, pois apesar das diferenças nos seus processos
de construção, as duas formas narrativas entrecruzam
imaginação e realidade.

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Vamos rever o que aprendemos até aqui?

● Em primeiro lugar, não se esqueça que a aproximação


entre a Literatura e a História não quer dizer que elas
sejam iguais, mas que possuem semelhanças.

● Em segundo lugar, vimos que Literatura e História


são construções históricas e culturais que assumiram
diversos significados ao longo do tempo, ora se
aproximando, ora se distanciando.

● Em terceiro lugar ressaltamos que a ficção, presente


tanto na Literatura quanto na História, funde imaginação
e realidade, dando forma a significados e sentidos ao
mundo.

● Em quarto lugar, lembre-se que a Literatura e a


História se aproximam pelo fato de serem construções
discursivas, representações da realidade, mas se
distanciam pela forma como se dão os seus processos
de construção. Enquanto o historiador está preso a
um método científico, sendo obrigado a fazer uso de
documentos, o escritor de literatura tem a liberdade de
criar, inventar etc.

LICENCIATURA EM LETRAS 19
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Vamos sistematizar os nossos conhecimentos? Para isto, preencha o quadro destacando os múltiplos significados assumidos pela literatura ao
longo do tempo. Atenção! Seja claro e objetivo.

PERÍODO SIGNIFICADO

Antiguidade

Século XIV

Século XVI

Século XVII

Século XVIII

Século XIX

Século XX

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Vamos sistematizar nossos conhecimentos? Preencha o quadro abaixo, de forma sintética, destacando os significados assumidos pela História
ao longo do tempo.

PERÍODO SIGNIFICADO

Antiguidade

Idade Média

Renascentista e moderno
(Séculos XV, XVI e XVII)
Iluminista
(Século XVIII)

Século XIX

Século XX até hoje

20 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

REGISTRE SUA IDEIA

Escolha dois textos, um literário e um historiográfico, e, com base no que estudamos neste capítulo, comente-os, destacando as diferenças entre
ambos. Construa argumentos para fundamentar a sua resposta.

TEXTO 1 –
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________

TEXTO 2 –
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________________________

LICENCIATURA EM LETRAS 21
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

DO MUNDO AO
TEXTO E DO
TEXTO AO MUNDO:
LITERATURA,
HISTÓRIA E CULTURA

CAPÍTULO 2
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

2 DO MUNDO AO TEXTO E DO em aproximação e não em identificação. Literatura e


TEXTO AO MUNDO: LITERATURA, História se cruzam pelo fato de serem representações
da realidade, mas se afastam, pois são construídas
HISTÓRIA E CULTURA
por caminhos e princípios diferentes, como vimos
anteriormente. Enquanto o historiador faz uso de um
Como vimos, ao longo tempo, o conhecimento
método de investigação, utilizando os vestígios deixados
histórico e o literário mantiveram relações de aproximação
pelos homens no tempo como fontes históricas, o
e distanciamento. Na Antiguidade grega, Clio, a História, e
escritor de literatura possui a liberdade no seu processo
Calíope, a poética, eram representadas na mitologia como
de criação. Porém, como vimos, este fato não significa
musas, duas das nove filhas de Zeus e Minemosyne,
que a Literatura seja menos verdadeira do que a História,
portanto irmãs, protetoras das artes e das ciências.
ou que esta última seja menos imaginativa do que aquela.
Apesar da aproximação, constituíam-se como saberes
distintos. A palavra poética denominava as composições No que diz respeito à aproximação, que é o que mais
de caráter imaginativo, até que, entre os séculos XIV a nos interessa, podemos identificar dois movimentos, um
XVII, o termo Literatura começou a surgir, passando a no campo dos estudos literários e outro no campo dos
designar, no século XVIII, todas as produções escritas, estudos históricos.
ficcionais ou não, inclusive as de conteúdo histórico. A No primeiro, as reflexões se desenvolveram desde
separação ocorre mais uma vez no século XIX quando as primeiras décadas do século passado, destacando-
a História, configurando-se como uma ciência, nega a se, entre outros, os estudos de Geoge Lukács (2000),
subjetividade que lhe é inerente, relegando-a ao campo o qual afirmava ser a literatura a representação de uma
da produção literária. Entretanto, um novo encontro situação histórica. Distinguindo a epopeia do romance,
se realiza no decurso do século XX, quando diversos o teórico húngaro considerava que estas correspondiam
estudiosos reconhecem o diálogo entre a realidade e a representações de mundos distintos: enquanto a
a imaginação nas duas formas de produção. Neste poesia épica manifestava um mundo homogêneo,
capítulo, traçaremos o percurso deste reencontro, marcado pela unidade entre o indivíduo e a sociedade, o
ressaltando as relações dialógicas e intertextuais entre a romance manifestava a sociedade moderna, um mundo
Literatura e a História. Serão apresentados os conceitos heterogêneo, caracterizado pela ruptura daquela unidade.
de dialogismo e intertextualidade e sua contribuição As análises de Lukács (2000) muito contribuíram para
para a compreensão de uma obra literária e sua relação o debate, porém encontraram seu limite ao considerar a
com o mundo histórico-cultural. Para tanto, além da literatura como um reflexo da realidade, sem perceber o
discussão teórica, utilizaremos alguns textos literários seu poder de intervenção no mundo histórico e cultural.
para exemplificar esta relação. Importantes também foram as discussões travadas
por Mikhail Bahktin (1993), as quais negaram a autonomia
2.1 LITERATURA E HISTÓRIA: da arte em relação ao mundo cultural. Para ele, o estético
REATANDO OS LAÇOS se define pela sua relação com a cultura humana e seus
domínios, não se opondo à realidade. Debruçando-se
Agora, vamos pensar: especificamente sobre a Literatura, especialmente o
romance, o estudioso questionou o formalismo russo e
defendeu a relação entre a forma e o conteúdo, entre o
Como se dá este reencontro entre a Literatura e a literário e o histórico.
História?
Esta relação também foi defendida pelo new
historicism, movimento fundado nos Estados Unidos,
Para respondermos a esta pergunta, é necessário, em 1988, por Stephem Geenblatt, sob a influência de
em primeiro lugar, ficar claro que estamos falando filósofos como Michel Focault e Jaqcques Derrida, bem

LICENCIATURA EM LETRAS 25
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

como da antropologia de Clifford Geertz. A proposta central levantada por Souza é saber como as questões em
deste movimento era de restaurar a dimensão histórica jogo num espaço social e numa dada temporalidade se
da Literatura, defendendo que a obra literária está inserida incorporam à estrutura da obra literária. Suas concepções
no discurso coletivo de seu tempo. Assim, a Literatura muito contribuíram para a compreensão da Literatura,
e a História se configuram como discursos, devendo deixando seguidores até os dias atuais.
se destacar, em seu estudo, a historicidade do texto Ainda no campo dos estudos literários, destacam-se
e a textualidade da história, questão sobre a qual nos as reflexões de Luis Costa Lima (1989) e Linda Hutcheon
deteremos mais detalhadamente adiante. (1991), para os quais Literatura e História são construções
discursivas. Em contextos investigativos distintos, ambos
negam a oposição entre o caráter de verdade atribuído à
VOCÊ SABIA? História e o caráter imaginativo atribuído à Literatura. Para
Lima, o ato de fingir, característico da literatura, remete
Os formalistas russos se destacaram na década de 1920. Era um ao mundo, interligando realidade e imaginação. Para
grupo de críticos literários que, carregado de um pensamento prático Hutcheon, ficção e história são sistemas de significação
e científico, centralizou sua atenção na análise material do texto pelos quais damos sentido à realidade.
literário, priorizando o estudo da forma em detrimento do conteúdo
ou da interação entre ambas. Segundo os partidários desta ideia, o Caminho semelhante vem sendo traçado no campo da
conteúdo era apenas uma motivação, um pretexto ou artifício, para a História desde o século XX. A literatura, negligenciada pelo
realização do exercício formal. A este respeito ver: Eagleton (1994). cientificismo que marcou o pensamento historiográfico
no século anterior, aos poucos foi se configurando
como fonte para o estudo da História. Na França,
No Brasil, o diálogo entre a Literatura e a História novas abordagens historiográficas, surgidas a partir
começou a tomar fôlego a par tir das discussões do movimento dos Annales, como a História das
realizadas por Antonio Candido de Mello e Souza, (1987, Mentalidades e a História Cultural, e na Inglaterra, a
p. 22) para quem a literatura é um fato estético e histórico. História Social, entre outras, ampliaram o campo temático
Nesta perspectiva, há mais de quarenta anos atrás, o dos historiadores. Tudo passou a ser considerado objeto
estudioso indagava: de estudo da História. Esta passou a se interessar não
somente pelos fatos políticos, mas também pelos
[...] qual a influência exercida pelo meio social sobre a obra
assuntos do mundo econômico, social e mental, enfim
de arte? Digamos que ela deve ser imediatamente completada por todas as dimensões da cultura, as quais passaram
por outra: qual a influência exercida pela obra de arte sobre a ser estudadas de forma articulada e não isoladamente.
o meio? Assim poderemos chegar mais perto de uma Se tudo é história, tudo que é produzido pelos homens
investigação dialética, superando o caráter mecanicista das pode considerado como fonte histórica, não apenas os
que geralmente predominam. documentos oficiais. Mesmo estes, passaram a ser objeto
de críticas dos historiadores, sendo interpretados como
Tratava-se de refletir em que medida a ar te é portadores não de verdades, mas de subjetividades,
expressão da sociedade e em que medida ela se interessa permeados por interesses e visões de mundo.
pelos problemas sociais. Embora tenha colocado as duas Com esta ampliação dos objetos de estudos da
questões, o pesquisador fez opção pela investigação História, a literatura passou a ser concebida como
da primeira, sem, contudo, negligenciar a segunda. um documento histórico. Através dela seria possível
Especificamente sobre a literatura, afirma que esta conhecer o imaginário, as maneiras de pensar, sentir e
extrapola as vivências do escritor, tornando-se um dizer de outras temporalidades. Uma obra ficcional escrita
produto coletivo, por meio da relação do escritor com em pleno século XIX, por exemplo, mesmo trazendo fatos
a sociedade. Ainda segundo Souza (1987), por ser e personagens que não existiram, expressa a maneira
um instrumento de comunicação entre os homens, a de pensar e de viver da sociedade e do tempo em que
literatura está inegavelmente ligada à vida social, sendo foi escrita.
necessário estudar a interação entre ambas. Propondo a
análise da interação entre forma e conteúdo, a questão

26 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

2. As práticas pelas quais os homens constroem


INDICAÇÃO DE LEITURA uma identidade social, criando e exibindo uma maneira
de estar no mundo;
O conceito de política também sofreu uma renovação. Antes
localizada nas ações de Estado, com os estudos de Michel Foucault,
passou a ser identificada com as relações de poder dispersas na
3. As formas institucionalizadas pelas quais alguns
sociedade, podendo ser encontradas em diversos lugares sociais, a representantes registram a existência do grupo, classe
exemplo das prisões, das fábricas, das clínicas psiquiátricas, entre ou comunidade, dando-lhe visibilidade e perpetuando a
outros. sua posição dentro da sociedade.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto
Machado. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. Partindo dessa perspectiva, Chartier destaca que
as representações se colocam em um campo de
competições. Nestes, as lutas de representações tem
Partindo desta perspectiva, compartilhamos com tanta importância quanto as lutas econômicas, visto
Pesavento (2006) a ideia de que a Literatura dialoga que os homens não lutam somente pela satisfação de
com a História, trilhando pelos caminhos do imaginário. suas necessidades materiais, mas pela preservação ou
Ambas são narrativas que tem o real como referente, destruição de costumes, valores e ideias, bem como
podendo negá-lo, confirmá-lo ou ultrapassá-lo, na pelo poder.
medida em que constroem versões sobre ele. Assim, ao tomarmos a Literatura e a História como
Como é possível perceber, no percurso traçado até representações, devemos investigar quais são as ideias
aqui, observa-se que a aproximação entre a Literatura e e as concepções por elas veiculadas e de que forma
a História se processou nos dois campos de estudos. atendem aos interesses dos seus produtores e quais
Porém, esse processo pôde ser verificado não apenas as repercussões sobre os leitores. Ao mesmo tempo,
na forma de abordagem do texto ficcional, mas também é possível confrontar as diferentes versões do real,
na sua concepção. Assim como a História, a Literatura apresentadas por diversos autores em suas obras.
passou a ser concebida como uma representação da Podemos identificar, por exemplo, diversos textos
realidade. literários e historiográficos que abordam a mesma
temática. Neste caso, convém interrogar se as versões
apresentadas se complementam ou se chocam.
Mas, o que vem a ser o conceito de representação?

Para a definição deste conceito, adotaremos a INDICAÇÃO DE LEITURA


concepção de Roger Chartier (1988), para quem as
representações são percepções do mundo social que não A interferência da literatura sobre nossas percepções sobre o
são neutras, visto que constroem estratégias e práticas mundo, foi objeto de estudo de Durval Muniz de Albuquerque Júnior
permeadas pelos interesses dos seus produtores. (1999), em A invenção do nordeste e outras artes. Nesta obra, o
De acordo com o historiador francês, o conceito de autor analisa como o nordeste, e dentro dele o sertão, foi gestado
por discursos, entre os quais se destacam aqueles produzidos pela
representação articula três formas de relação com o
literatura. A representação do nordeste como uma região decadente
mundo social: e vitimizada, identificada com a seca, a pobreza, como uma terra
marcada pela violência, de cangaceiros e fanáticos, teve forte
contribuição da literatura.
1. O trabalho de classificação e delimitação que
produz a multiplicidade de configurações do mundo ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e
social, construídas pelos diferentes grupos; outras artes. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, São Paulo: Cortez,
1999.

LICENCIATURA EM LETRAS 27
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

2.2 LITERATURA, HISTÓRIA E Trata-se de negar a ideia de que o texto é exclusivamente


CULTURA: INTERTEXTUALIDADE produto do autor. Como sublinha a pesquisadora, a
escrita literária é, no mínimo, dupla, ou seja, um diálogo
O entendimento das relações do texto literário com a entre dois textos. A proposta é que ele seja visto como
história e a cultura merece atenção especial. A ideia mais resultado do cruzamento da voz do escritor com outras
comum é a de que a obra deve ser entendida dentro de um vozes, ou textos. Assim, o dialogismo entre as três
contexto, do qual ela seria reflexo. Todavia, ao tomarmos dimensões citadas, também pode ser representado da
os textos como representações, seguindo a ótica de seguinte forma:
Roger Chartier (1988), temos que desconstruir o olhar
tradicional que vê a sociedade como um real bem real e as
representações como um reflexo daquela, como propõe
o estudioso. Nessa perspectiva, as representações não
seriam somente produtos, mas produtoras de realidade.
Ao mesmo tempo destacamos que o contexto é um texto,
visto que a história e a cultura são sempre descritas AUTOR TEXTOS
ou interpretadas pelo olhar de alguém. O conceito de
intertextualidade é, deste modo, fundamental para a
compreensão e análise da relação entre a literatura, a
história e a cultura.
Para Mikhail Bakhtin (1998 apud KRISTEVA, 2005),
o texto literário está inserido na sociedade e na história,
as quais também são textos que o escritor lê e reescreve,
neles interferindo. Com base nas ideias deste estudioso,
Kristeva (2005) afirma que o espaço textual apresenta LEITORES
três dimensões que dialogam mutuamente:

O diagrama mostra a interação mútua entre os


1. Sujeito da escritura;
três elementos, os quais dialogam numa ordem não
2. Destinatário; hierárquica, mas recíproca, conforme já salientado.
3. Textos exteriores. Assim, para Kristeva, nas trilhas de Bakhtin, o texto
literário se constitui como discurso “plurivocal” ou
O primeiro corresponde ao autor do texto, ou seja, “polifônico”. Em outras palavras, em uma narrativa é
o escritor. O segundo se refere àquele a quem o autor possível identificar uma multiplicidade de vozes, a do
se dirige ao escrever o texto. E o terceiro diz respeito autor e a dos seus personagens.
à história, à sociedade e à cultura com os quais o Embora o texto literário não seja unicamente produto
escritor dialoga, incorporando-os à estrutura da obra. É do autor, não se pode desconsiderar o papel deste como
importante ressaltar que a relação entre estas dimensões aquele que seleciona e dá voz aos outros. Ao mesmo
não é hierárquica, visto que dialogam reciprocamente. tempo, a voz do escritor, pode estar refratada na voz do
Parafraseando Bakhtin, Kristeva (2005, p. 69) afirma que: narrador e dos personagens. Sobre isso, Bakhtin (1994,
p. 127) afirma que a linguagem do autor é plural “O
[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, plurilinguismo introduzido no romance (quaisquer que
todo texto é absorção e transformação de um outro texto. sejam as formas de sua introdução) é o discurso de
Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de outrem na linguagem, que serve para refratar a expressão
intertextualidade, e a linguagem poética lê-se pelo menos das intenções do autor.
como dupla.
Ou seja, em um texto é possível encontrar as
intenções do autor e dos personagens, mesmo que

28 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

estas últimas passem pelo olhar daquele. Embora as a narrativa literária insere-se no tempo e no espaço, ou
considerações de Bakhtin se dirijam ao romance, na seja, no universo histórico e cultural. É válido lembrar que
poesia, ela é explícita, como é possível perceber por tal inserção não significa que a literatura seja reflexo, mas
exemplo, na obra de Ferreira Gullar (1983, p. 217): sim, produto e produtora da realidade, dialogando com ela
de modo intertextual. Este diálogo se dá por meio de dois
Meu povo e meu poema crescem juntos processos. Em primeiro lugar, por meio da transposição
como cresce no fruto das transformações históricas em curso para a obra
a árvore nova literária, como pode ser observado no poema abaixo
[...] Ode Triunfal, Fernando Pessoa (1994), escrito em 1914
em Londres e publicado pela primeira vez em 1914. Sob
Neste poema, a intenção do autor em escrever sobre o heterônimo de Álvaro de Campos, o poeta português
o povo e para povo está explicitada, de forma clara e compôs 240 versos expressando a sua percepção das
direta. Se, na poesia, o olhar do autor e a sua intenção transformações do mundo moderno industrial.
são mais visíveis, na prosa, estes podem se manifestar A relação com o processo histórico pode ser
de forma explícita ou implícita, cabendo ao estudioso da constatada inicialmente na forma: ao produzir uma ode,
literatura a análise de minuciosa de todos os fios que o palavra de origem grega que significa cântico laudatório de
autor utiliza para tecer a sua trama. uma pessoa, instituição ou acontecimento, o poeta expõe
Desse modo, podemos perceber o quanto a linguagem o seu desejo em falar sobre os êxitos da industrialização.
literária se apropria do mundo histórico e cultural. Assim, Trata-se, deste modo, de um poema narrativo, cujo
conforme Bakhtin (1994, p. 135), é preciso levar em termo triunfal, acrescido ao título, hiperboliza o sentido,
consideração o sujeito e sua ação. “O sujeito que ressaltando a força e a vitória da sociedade industrial.
fala no romance é um homem essencialmente social, Seguindo à leitura do poema, adentramos na relação
historicamente concreto e definido e seu discurso é entre a forma e o conteúdo, percebendo o olhar ambíguo
uma linguagem social (ainda que em embrião), e não do sujeito poético que se volta simultaneamente para as
um dialeto individual.” É preciso, portanto, tratar os faces positiva e negativa da vida moderna:
personagens como sujeitos históricos e socioculturais,
inseridos no espaço e no tempo. O sujeito que fala À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
também age. Sua ação também é ideológica. Portanto, Tenho febre e escrevo.
é fundamental observar a posição que a fala e a ação do Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
sujeito ocupam na narrativa. Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Se, como afirma Bakhtin (1994, p. 139), “[...] em [...]
todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa (PESSOA, 1994, p. 44)

fala contém em abundância as palavras de outrem”, na


produção literária não seria diferente. Cantor de um mundo em constante movimento, o poeta
fala através do olhar e da experiência de um personagem
O discurso do autor representa e enquadra o discurso de
que se encontra dentro de uma fábrica, o qual não
outrem, cria uma perspectiva para ele, distribui suas sombras
apenas descreve o que vê, expressando as sensações
e luzes, cria uma situação e todas as condições para sua vivenciadas. Aqui se verifica uma relação dialógica em
ressonância, enfim, penetra nele de dentro, introduz nele seus que o autor cede sua voz ao personagem e este por sua
acentos e suas expressões, cria para ele um fundo ideológico. vez, também cede sua voz àquele. Entusiasmo e euforia
(BAKHTIN, 1994, p. 156) se colocam lado a lado, expressando os impactos da
modernidade sobre o homem. Por meio dessa relação
Nessa perspectiva, o texto literário deve ser estudado recíproca, o escritor se apropria do real, ao passo que
levando-se em consideração o autor, os personagens, também o constrói, ao imprimir sobre ele o seu olhar.
assim como toda a estrutura da narrativa. Todas essas Nos versos do poema citado, a relação homem/
dimensões expressam discursos e, portanto, relações natureza, a busca desenfreada pelo domínio do primeiro
de poder, explícita ou implicitamente. Enquanto discurso, sobre o segundo é destacada em sua trajetória histórica,

LICENCIATURA EM LETRAS 29
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

do passado, do presente e da sua projeção para o futuro. repulsa, mas, também, admiração e paixão. Destacam-
Entretanto, fica claro que o contrário também ocorre, se os feitos, os produtos, enfim as criações humanas,
visto que nas palavras do sujeito poético, o processo de numa sequencia ininterrupta que faz o leitor perceber o
construção do mundo industrial levou a dois movimentos: potencial humano tanto para criar, quanto para destruir.
a humanização das máquinas e a maquinização do O poeta apresenta um olhar conflituoso, paradoxal,
homem. ou seja, ambivalente, que oscila entre a exaltação e a
detração, entre a dor e o paixão, entre um olhar negativo
[...] e positivo ao mesmo tempo. O autor revela a relação de
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! um homem imerso em mundo no qual ele não mais se
Ser completo como uma máquina! reconhece, um mundo do qual ele é produto e produtor.
[...] Um universo no qual não consegue se desvencilhar, que
(PESSOA, 1994, p. 44) produz nele sentimentos de dor e amor, no qual não pode
ser reconhecido, visto que não é mais o mesmo.
Fundindo realidade e imaginação, o poema revela a
As cenas do cotidiano também são representadas relação entre o poeta e as transformações que vivencia
pelo autor, que vê as mudanças nos hábitos e costumes em seu tempo. Contudo, a relação entre a literatura e a
de modo negativo: História também pode ser percebida por outra forma de
abordagem. Trata-se do diálogo entre as duas formas de
[...] conhecimento do mundo.
Presença demasiadamente acentuada das cocottes;
Um bom exemplo, para a compreensão deste
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
processo de investigação, é apresentado por Sandra
[...]
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
Pesavento (1998). Analisando o papel do discurso
E afinal tem alma lá dentro!
histórico e literário para processo de construção de
(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo?) uma identidade nacional, a pesquisadora destaca que
[...] os romancistas da chamada “geração de 30”, realizaram
(PESSOA, 1994, p. 50) uma “redescoberta do Brasil”, desconstruindo as versões
homogeneizadoras da identidade nacional até então
O poeta chama constantemente a atenção para a vigentes. Escritores como José Lins do Rego, Graciliano
ostentação do o luxo e a banalidade como elementos Ramos, Érico Veríssimo, entre outros, inspiraram-se na
desse novo modo de ser e de viver. Porém chama a diversidade social e cultural, destacando a unidade e a
atenção para o fato de que tudo isso é passageiro. multiplicidade da identidade nacional. Porém, se estes
Observe ainda a atenção dada pelo poeta às questões olhares entram em choque com as versões construídas
políticas, sobretudo á corrupção e aos escandâlos anteriormente, por outro, se colocam em consonância
provocados: com o pensamento social em curso naquele período,
defendido por estudiosos como Caio Prado Júnior,
[...] Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.
A maravilhosa beleza das corrupções políticas, Cada um, à sua maneira, buscou a compreensão da
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos, realidade brasileira, segundo eles, escondida por trás das
Agressões políticas nas ruas, aparências. Deste modo, em suas obras, os romancistas
[...] citados, destacavam as desigualdades e as tensões
(PESSOA, 1994, p. 47) e conflitos sociais, além da multiplicidade paisagens,
de sujeitos, linguagens e costumes, reveladores da
O olhar do autor se dirige à miséria humana. Não heterogeneidade da cultura brasileira.
somente à miséria material, mas à miséria social e à
É o que pode ser percebido no trecho abaixo, do
miséria moral, esta última traduzida na hipocrisia que
romance O quinze de Raquel de Queiroz (2004, p. 14-15):
permeia as relações entre os homens. Produtor de
um misto de sensações, o mundo moderno provoca

30 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

[...] Encostado a uma jurema seca, defronte ao juazeiro que segundo Süssekind (1984), um dos temas mais comuns,
a foice dos cabras ia pouco a pouco mutilando, Vicente embora tenham ocorrido alguns cortes como em O
dirigia a distribuição de rama verde ao gado. Reses magras, alienista, de Machado de Assis, que dá voz ao alienado
com grandes ossos agudos furando o couro das ancas,
e não ao alienista. O naturalismo, conforme a autora,
devoravam confiadamente os rebentões que a ponta dos
manteve-se na primeira metade do século XX, sobretudo
terçados espalhava pelo chão.
no “romance de 30”, por sua preocupação com a
Era raro e alarmante, em março, ainda se tratar de
gado. Vicente pensava sombriamente no que seria de tanta
descrição da realidade, observando-se uma continuidade
rês, se de fato não viesse o inverno. A rama já não dava nem
no plano estético e uma ruptura no plano ideológico, em
para um mês. relação ao período anterior: as explicações patológicas
Imaginara retirar uma porção de gado para a serra. deram lugar às explicações econômicas e sociais em
Mas, sabia lá? Na serra, também, o recurso falta... Também o compasso com as ciências sociais, cujas explicações
pasto seca... Também a água dos riachos afina, afina, até se sobre a realidade brasileira focavam-se no materialismo
transformar num fio gotejante e transparente. Além disso, a histórico. Neste processo, os romancistas destacavam
viagem sem pasto, sem bebida certa, havia de ser um horror, as atividades econômicas, os produtos, as relações de
morreria tudo. [...] propriedade. As lutas de classes e as previsões para um
futuro socialista podem ser encontradas, por exemplo,
A paisagem, os personagens e sua condição em obras como Cacau e São Jorge dos Ilhéus de Jorge
social, assim como os costumes e a linguagem são Amado. Representativo deste diálogo entre Literatura e
representados pelo olhar da escritora, como constituintes História neste percurso, é o termo ciclo, utilizado para
do espaço e tempo representados em sua escritura. a periodização da histórica econômica do país, e que
O trecho do romance acima citado demonstra que passou a ser apropriado pela literatura, como se pode
Literatura e História dialogam, enquanto versões. Não ver em autores como Jorge Amado e José Lins do Rego
se trata de ver a obra como produto de um contexto, o os quais escrevem sobre o cacau e a cana-de-açúcar
qual geralmente é visto como as condições históricas respectivamente.
que motivaram o surgimento do texto. Uma vez que a É Estas concepções podem ser vistas no romance
história, como vimos, é sempre uma representação, Menino de Engenho, de José Lins do Rego. Publicado
ou seja, uma versão, construída social e culturalmente, pela primeira vez em 1932, o livro foi escrito com o
segundo as percepções daquele que se propõe a falar olhar de quem está situado na casa grande e com um
sobre os fatos passados, o contexto é, na verdade, um tom saudosista sobre o passado, o romance tem como
texto. Como assinala Compagnon (2001, p. 223) “[...] foco o cotidiano social nas fazendas de engenho entre
os contextos não são eles mesmos senão construções Pernambuco e Paraíba, territórios por onde transitou o
narrativas, ou representações, ainda e sempre, textos” . escritor ao longo de sua vida.
Esta forma de pensar a relação entre Literatura e
História, também pode ser observada em um estudo [...] Da calçada da casa-grande viam-se no meio do canavial
realizado por Flora Süssekind (1984) sobre a estética aquelas cabeças de chapéu de palha subindo e descendo, no
naturalista no romance brasileiro. Neste, a autora discute ritmo do manejo da enxada: uns oitenta homens comandados
como alguns romancistas, inspirados pelas concepções pelo feitor José Felismino, de cacete na mão, reparando
científicas do seu tempo, buscavam reconstituir a o serviço deles. Pegava com o sol das seis, até a boca da
realidade por meio de suas obras. Assim, destaca que noite [...], paravam às dez horas, para o almoço de farinha
com bacalhau. Comiam na marmita de flandres, lambendo os
em fins do século XIX, a estética naturalista pautava-
beiços como se estivessem em banquetes. E deitavam-se por
se numa concepção fisiológica dos indivíduos e das
debaixo dos pés de juá, esticando o corpo no repouso dos 15
sociedades herdada das ciências naturais. O objetivo era
minutos.[...] (REGO, 2003, p. 74-75)
combinar ficção e objetividade científica, valorizando-se o
texto literário pelo seu caráter de realidade. Na produção Observe o tom saudosista na fala do narrador, que vai
romanesca figuravam narrativas análogas a casos descrevendo o cotidiano dos personagens, os hábitos, a
clínicos de estudo de comportamento. Os estudos de diversidade social e a rotina da fazenda, que na passagem
histeria, novidade científica naquele momento, tornou-se,

LICENCIATURA EM LETRAS 31
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

citada é alterada pela chegada de parentes da cidade. Em uma das melhores da fazenda, trabalhava um grupo grande.
outros momentos da narrativa, o autor também aponta Eu, Honório, Nilo, Valentim e uns seis mais, colhíamos.
o contraste entre o comportamento dos que vinham Magnólia, a velha Júlia, Simeão, Rita, João Grilo e outros
juntavam e partiam os cocos. Ficavam aqueles montes de
da cidade e o dos que viviam no campo. Os primeiros
caroços brancos de onde o mel escorria. (AMADO, 1998, p.
com seu modo de vida agitado e os segundos com a
58)
sua vida pacata. De um lado, as personagens parecem

não compreender o modo como as pessoas viviam na
Observe atentamente que há uma preocupação em
fazenda. De outro, a presença delas na narrativa é usada
descrever detalhadamente a paisagem e o universo
para mostrar as particularidades da vida no campo. A
social construído em torno da produção do cacau. A
paisagem natural e humana, bem como a linguagem, a
divisão e a organização do trabalho são destacadas. É
culinária, a religiosidade e as formas de diversão também
possível perceber um tom de denúncia da exploração
são representados.
a que estavam submetidos os trabalhadores. O fato de
Escrito em primeira pessoa, o romance tem como o narrador ser também personagem, dá um caráter de
base as memórias do escritor que passou a infância verdade à sua fala, pois quem fala é alguém que viveu
num engenho paraibano, mudando-se para Recife, onde naquele universo. Entretanto, não podemos nos esquecer
cursou Direito. Como pode ser visto na passagem acima, que a verdade é uma construção e que, mesmo tendo
a vida no engenho, com seus personagens, hábitos e conhecimento de vida sobre o que narra, o autor, ou o
movimento cotidianos são representados, configurando narrador, falam, não a verdade, mas a sua versão sobre
um olhar sobre aquela cultura. Todavia, trata-se de um os fatos.
olhar, que deve ser situado historicamente. Escrito no
Como é possível perceber, Jorge Amado toma o sul
contexto das mudanças que, nas primeiras décadas do
da Bahia como espaço de suas representações. Neste
século XX, levaram à decadência dos últimos engenhos
processo, ele seleciona os aspectos da paisagem e da
de açúcar e da instalação das usinas. Em meio a essas
sociedade que, na sua perspectiva, dão os contornos
transformações, cujos impactos são vistos de forma
dessa cultura, destacando: as relações econômicas,
negativa, o escritor, que passara a infância num engenho
com ênfase na grande propriedade agrícola; as relações
da Paraíba, expõe o seu olhar saudosista, construindo
sociais, ressaltando a exploração dos coronéis sobre
uma visão harmoniosa do passado.
os trabalhadores e a forma de organização do trabalho;
Outro exemplo pode ser visto no romance Cacau de e o cotidiano do trabalho, os hábitos alimentares e as
Jorge Amado, publicado pela primeira vez em 1933. histórias. Assim, o olhar do escritor se constitui como
uma versão, sobre o universo cultural com o qual dialoga.
No sul da Bahia cacau é o único nome que soa bem. As Uma interpretação construída, a partir de suas memórias,
roças são belas quando carregadas de frutos amarelos. Todo das leituras de outras obras, bem como de suas
princípio de ano os coronéis olham o horizonte e fazem as
experiências políticas e do diálogo com o pensamento
previsões sobre o tempo e sobre a safra. E vêem então as
social de seu tempo.
empreitadas com trabalhadores. A empreitada, espécie de
contrato para colheita de uma roça, faz-se em geral com Em compasso com os já citados Jorge Amado,
os trabalhadores, que, casados, possuem mulher e filhos. José Lins do Rego e Raquel de Queiroz, analisados
Eles se obrigam a colher toda uma roça e podem alugar anteriormente, em O tempo e o vento, obra produzida
trabalhadores para ajudá-los. Outros trabalhadores, aqueles entre os anos de 1949 a 1951, o escritor gaúcho Érico
que são sozinhos, ficam no serviço avulso. Trabalham por Veríssimo, buscou representar a formação social do Rio
dia e trabalham em tudo. Na derruba, na juntagem no cocho Grande do Sul.
e nas barcaças. Esses formavam uma grande maioria.
Tínhamos três mil e quinhentos por dia de trabalho, mas nos [...] Maneco recordava sua última visita a Porto Alegre, onde
bons tempos chegaram a pagar cinco mil-réis. Partíamos fora comprar ferramentas, pouco antes de vir estabelecer-se ali
pela manhã com as compridas varas, no alto das quais uma na estância. Achara tudo uma porcaria. Lá só valia quem tinha
pequena foice brilhava ao sol. E nos internávamos cacauais título, um posto militar ou então quem vestia batina. Esses
adentro para a colheita. Na roça que fora de João Evangelista, viviam a tripa forra. O resto, o povinho, andava mal de barriga,

32 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

de roupa e de tudo. Era verdade que havia alguns açorianos sendo utilizada para se referir ao que era mais íntimo,
que estavam enriquecendo com o trigo. Esses prosperavam, ou particular, como religião, família, vida pessoal e,
compravam escravos, pediam e conseguiam mais sesmarias principalmente arte e literatura, ou seja, às produções
e de pequenos lavradores iam se transformando em grandes
humanas, enquanto civilização era usada em referência
estancieiros. Mas o governador não entregava as cartas
ao que é geral e externo à sociedade.
de sesmaria assim sem mais aquela... Se um homem sem
eira nem beira fosse ao paço pedir terras, botavam-no para De acordo com Norbert Elias (1994), enquanto
fora com um pé no traseiro. Não senhor. Terra é para quem “cultura” delimitava as diferenças nacionais entre
tem dinheiro, pra quem pode plantar, colher, ter escravos, os povos, “civilização” minimizava as diferenças,
povoar campos. Maneco ouvira muitas histórias. Assim, expressando o olhar que o Ocidente tinha de si
transformados em coronéis e generais, eles vinham com mesmo, julgando-se superior às sociedades antigas ou
seus peões e escravos para engrossar o exército da Coroa, contemporâneas, consideradas como “primitivas”.
que até pouco tempo era ali no Continente constituído dum O que se observa é que com o passar do tempo
único regimento de dragões. E como recompensa de seus
o termo cultura passa a estar cada vez mais associado
serviços, esses senhores de grandes sesmarias ganhavam
ao que é íntimo, designando tão somente as produções
às vezes títulos de nobreza, privilégios, terras e mais terras.
intelectuais e ar tísticas agenciadas pelos grupos
Era claro que quando havia uma questão entre esses graúdos
e um pobre diabo, era sempre o ricaço quem tinha razão [...].
abastados. Trata-se, segundo Ginzburg (1987), de uma
(VERÍSSIMO, 2001, p. 94)
concepção aristocrática de cultura.
Ao longo do século XX, a Antropologia, a ciência
A apropriação das terras, a desigualdade e as injustiças que estuda o homem como ser cultural, ampliou o
sociais as tensões e os conflitos que envolveram a conceito de cultura, englobando todo o modo de vida
história da região gaúcha são transpostos para o romance de uma sociedade.
e ganham força dramática nas representações do escritor, A este respeito, o antropólogo Clifford Geertz (1978, p.
através de personagens marcantes como Maneco e Ana 15) afirma que a cultura é uma teia de significados onde
Terra. toda ação humana ganha sentido. Nesta perspectiva, o
Como podemos perceber, muitos romancistas homem é concebido como “[...] um animal amarrado
dialogam com as versões produzidas sobre a realidade a teias que ele mesmo teceu”. Deste modo, a cultura é
por cientistas sociais, historiadores e antropólogos. um texto, o qual não está sujeito a leis, mas a múltiplas
Porém, convém ainda discutir sobre o diálogo com interpretações: as dos sujeitos que vivem em determinado
estes últimos, visto que a cultura, objeto de estudo da universo cultural e as daqueles que buscam descrevê-
antropologia, está intrinsecamente ligada à sociedade e a las ou interpretá-las. Estas últimas se constituem como
sua história, sendo pertinente analisarmos esta conexão. releituras das primeiras e não como verdades absolutas.
Deste modo, vamos refletir: Com base nas considerações até aqui colocadas,
podemos afirmar que o escritor, ao produzir uma obra
de ficção tomando uma determinada cultura e seus
O que vem a ser cultura?
sujeitos como referência, está dialogando com este
universo textual. A relação entre Literatura e cultura,
Assim como os termos literatura e história, é, portanto, uma relação intertextual. Trata-se de uma
“cultura” também se configura como uma categoria relação dialógica.
histórica e cultural. Trata-se de um termo polissêmico. Muitos romancistas, através de suas obras, buscaram
Segundo Raymond Williams (1979), até o século traçar a cultura dos espaços representados em suas
XVIII, o termo significava a cultura de alguma coisa, narrativas. Entretanto, conforme já colocado, a cultura é
como colheitas, animais, etc.. Neste período, a palavra um texto, visto que é sempre vista pelas lentes daquele
que designava o pertencimento dos homens a uma que se propõe a lê-la.
organização social era civilização, termo também usado
medir o estágio de desenvolvimento e progresso de um
povo. Neste processo, a palavra cultura, aos poucos foi

LICENCIATURA EM LETRAS 33
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

INDICAÇÃO DE LEITURA SUGESTÃO DE ATIVIDADE

O texto de Franzini aborda as relações dialógicas entre a literatura Vamos sistematizar nossos conhecimentos? Preencha o quadro
e a antropologia enfatizando o papel da cultura no processo de comparativo, destacando as semelhanças e diferenças entre o
construção do texto ficcional. conhecimento literário e o histórico.
LITERATURA HISTÓRIA
FRANZINI, Fábio. Quando a literatura se encontra com a antropologia.
Disponível em: <www.uninove.br/PDFs/Publicacoes/.../dialogv1_
fabiofranzini.pdf.> Acesso em 21/09/2011.
Semelhanças

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Vamos relembrar o que aprendemos neste capítulo?


Diferenças
● Primeiro, vimos que o reencontro da Literatura com
a História, nas últimas décadas, deu-se tanto no campo
dos Estudos Literários, como no campo da História.

● Em seguida, frizamos que aproximação não significa


identificação. SUGESTÃO DE ATIVIDADE

● Ressaltamos também que apesar da subjetividade do Leia o poema abaixo, publicado em 1942, faça uma pesquisa sobre o
historiador no processo de construção do conhecimento autor, o tempo e o espaço de construção, e identifique:
histórico, este lança mão do método científico de a) O sujeito da escritura.
b) O destinatário.
investigação para construir sua versão da história. c) Os textos exteriores.

Com base na análise destas dimensões, produza um comentário,


● Ao mesmo tempo, vimos que o escritor, embora
demonstrando a relação entre literatura, história e cultura.
possa fazer uso de pesquisas para a produção da obra José
literária, tem a liberdade de criação. (Carlos Drumonnd de Andrade)

E agora, José?
● Destacamos ainda que História e Literatura se A festa acabou,
afastam pelos critérios e princípios que caracterizam o a luz apagou,
seu processo de construção, mas se aproximam pelo o povo sumiu,
fato de serem representações, fundindo realidade e a noite esfriou,
e agora, José?
imaginação.
e agora, Você?
Você que é sem nome,
● Por fim, concluímos que a Literatura mantém uma que zomba dos outros,
Você que faz versos,
relação intextual com a História e com a Cultura, visto que ama, protesta?
que estas também representam leituras, interpretações, e agora, José?
produzidas pelos sujeitos que dão a ler o mundo.
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,

34 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

já não pode fumar,


cuspir já não pode,
REGISTRE SUA IDEIA
a noite esfriou,
o dia não veio, Leia os poemas abaixo. Pesquise sobre seus autores, o tempo e o
o bonde não veio, espaço de sua construção. Compare as semelhanças e diferenças
o riso não veio, entre as duas representações. Produza um texto apresentando as
não veio a utopia suas conclusões.
e tudo acabou
e tudo fugiu Canção do exílio
e tudo mofou, (Gonçalves Dias)
e agora, José? Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
E agora, José? As aves, que aqui gorjeiam,
sua doce palavra, Não gorjeiam como lá.
seu instante de febre, Nosso céu tem mais estrelas,
sua gula e jejum, Nossas várzeas têm mais flores,
sua biblioteca, Nossos bosques têm mais vida,
sua lavra de ouro, Nossa vida mais amores.
seu terno de vidro, Em cismar, sozinho, à noite,
sua incoerência, Mais prazer eu encontro lá;
seu ódio, - e agora? Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Com a chave na mão Minha terra tem primores,
quer abrir a porta, Que tais não encontro eu cá;
não existe porta; Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
quer morrer no mar,
Minha terra tem palmeiras,
mas o mar secou;
Onde canta o Sabiá.
quer ir para Minas,
Não permita Deus que eu morra,
Minas não há mais.
Sem que eu volte para lá;
José, e agora?
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Se você gritasse, Sem qu’inda aviste as palmeiras,
se você gemesse, Onde canta o Sabiá.
se você tocasse,
a valsa vienense, ***
se você dormisse, Canção do exílio
se você cansasse, (Murilo Mendes)
se você morresse.... Minha terra tem macieiras da Califórnia
Mas você não morre, onde cantam gaturamos de Veneza.
você é duro, José! Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
Sozinho no escuro os sargentos do exército são monistas, cubistas,
qual bicho-do-mato, os filósofos são polacos vendendo a prestações.
sem teogonia, A gente não pode dormir
sem parede nua com os oradores e os pernilongos.
para se encostar, Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
sem cavalo preto Eu morro sufocado
que fuja do galope, em terra estrangeira.
você marcha, José! Nossas flores são mais bonitas
José, para onde? nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá con certidão de idade!

LICENCIATURA EM LETRAS 35
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

LITERATURA
E PROCESSOS
IDENTITÁRIOS:
DA CONSTRUÇÃO À
DESCONSTRUÇÃO

CAPÍTULO 3
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

3 LITERATURA E PROCESSOS Um bom exemplo para compreendermos este


IDENTITÁRIOS: DA CONSTRUÇÃO processo é identidade brasileira: é comum hoje ouvirmos
que o Brasil é o País do samba e do futebol, terra de
À DESCONSTRUÇÃO
festas e alegria. Mas nem sempre foi assim. Estas
práticas se tornam símbolos da nação, a partir dos
Conforme vimos até aqui, a Literatura entrecruza
anos 1930. Antes disso, o samba, música e dança de
realidade e imaginação, possuindo fortes vínculos com
origem africana eram proibidas no Brasil, pois eram
a história e a cultura. Nesse processo, ela interfere
consideradas inferiores, devido á discriminação sofrida
em nossas vidas, atribuindo-lhes sentidos por meio
pelos negros. O que este exemplo nos mostra é que
de imagens e representações que configuram nossa
os negros sempre fizeram parte da nossa cultura, mas
maneira de ser e de estar no mundo, nossa identidade.
não eram reconhecidos e valorizados. Somente a partir
Quando usamos a palavra identidade, logo nos das primeiras décadas do século XX é que estudiosos e
reportamos ao que somos, à maneira como pensamos, intelectuais da época começam a destacar a contribuição
falamos e agimos. Podemos afirmar que somos do negro para a cultura Brasileira. Ou seja, identidade
brasileiros, por exemplo. Nascemos e moramos em é uma interpretação que fazemos sobre nós mesmos,
um país chamado Brasil, temos uma origem comum, podendo ser imposta por outros, ou por nós mesmos
falamos a mesma língua, enfim, temos uma história e construída. Neste processo, ocorre uma seleção, na
uma cultura comum. qual alguns elementos são destacados e outros são
Mas o que vem a ser identidade? E qual o papel da silenciados. Retomando o exemplo do carnaval e do
literatura na sua construção? São questões sobre as futebol, podemos questionar se estes são os únicos
quais nos deteremos a seguir. e mais importantes símbolos da nacionalidade. Além
disso, este olhar passa uma visão homogênea que nega
3.1 IDENTIDADE: TECENDO UM a diversidade cultural do país. Será que esta visão pode
CONCEITO ser válida para todo o país? E as diferenças regionais?
Voltando às ideias do filósofo alemão Jacques
A identidade, a maneira como um grupo vê a si Derrida, é importante assinalar que elas tiveram ampla
mesmo, por muito tempo foi vista de forma fixa, imutável. repercussão nos estudos literários, dando a origem a
Entretanto, esta forma de pensar a identidade vem sendo reflexões sobre o papel da literatura no processo de
criticada nos últimas décadas por pensadores, entre os construção de identidades.
quais se destacam Jacques Derrida, Stuart Hall, entre No Brasil, as ideias de Derrida foram recebidas por
outros. Silviano Santiago (2000). Ao estudar as relações entre
Nos anos de 1960, Derrida (1995) defendeu a ideia o pensamento literário latino-americano e o europeu,
de que os signos e significados por meio dos quais o estudioso questiona a superioridade de um discurso
vemos o mundo são construídos culturalmente. A visão sobre o outro, ressaltando que, no processo de
dualista que concebe a realidade a partir de antíteses colonização, enquanto os europeus tentavam impor a
tais como natureza/cultura, fala/escrita, bem/mal, etc., unidade, os autóctones fizeram predominar o hibridismo,
são uma construção do pensamento ocidental. Trata- fazendo uma reviravolta. A língua e a religião, meios
se da maneira como o Ocidente vê a si e ao outro. Não utilizados pelos colonizadores para difundir sua cultura,
são, portanto, verdades absolutas, mas fazem parte de perderam o estatuto de pureza. Esta seria, para Santiago,
sistemas de interpretação. Isto é, o que somos não nasce a grande contribuição da América Latina para o Ocidente.
conosco, mas se constrói culturalmente e, ao mesmo Concomitantemente ao desconstr utivismo
tempo, muda dependendo das necessidades que vão desencadeado por Derrida, foram relevantes as
surgindo ao longo da história. contribuições de Stuart Hall, no cenário inglês. Para ele,

LICENCIATURA EM LETRAS 39
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

as identidades são múltiplas e construídas histórica e do caráter da nação em um passado remoto;


culturalmente, sendo, desse modo, sujeitas a mudanças.
Nessa perspectiva, Hall (2000) propõe o uso do termo e) A ideia de um “povo” puro e original.
identificação, no lugar do termo identidade, enfatizando
a sua constituição por meio de discursos, práticas e
posições, ou seja, das relações de poder, processo que Por meio desses mecanismos, cria-se um sentimento
pode ser visto na construção da ideia de nação. de unidade de pertencimento à nação, independente das
Segundo Hall (2000) as identidades nacionais não diferenças de classe, gênero ou etnia. Assim, para Hall
nascem conosco, mas são gestadas por meio de (2000, p. 62), a cultura e identidade nacional representam
representações. A este respeito, ele afirma que uma uma estrutura de poder.
cultura nacional é um discurso que produz sentidos,
Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas,
influenciando as nossas ações e a forma como vemos
deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo
a nós mesmos.
discursivo que representa a diferença como unidade ou
identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e
As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre a ‘nação’,
diferenças internas, sendo ‘unificadas’ apenas através do
sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem
exercício de diferentes formas de poder cultural.
identidades. Esses sentidos estão contidos nas histórias
que são contadas sobre a nação, memórias que conectam
A nação e a identidade nacional são, por tanto,
seu passado com seu presente e imagens que delas são
construções que, para atender aos interesses políticos
construídas. (HALL, 2000, p. 51)
em curso num determinado tempo e espaço sociocultural,
Através das narrativas elaboradas sobre o passado, buscam suprimir as diferenças por meio de discursos
a identidade nacional é construída. Em sintonia com homogeneizadores. Nesse processo, a literatura se
o pensamento de Benedict Anderson (1983 apud configura como um dos meios para a construção e
HALL, 2000, p. 51), o teórico afirma que a nação é disseminação das representações sobre a nação. É o
uma comunidade imaginada, construída por meio de que se nota no processo de constituição da identidade
discursos e práticas, indagando: nacional no Brasil, como veremos a seguir.

“Como é contada a narrativa da cultura nacional?” 3.2 LITERATURA E REPRESENTAÇÕES


IDENTITÁRIAS

Para responder a esta pergunta, ele apresenta cinco As literaturas nacionais respaldam a identidade
aspectos assim constituídos: nacional, configurando-se como produtos e produtoras
da nação, variando, segundo o crítico Eduardo Coutinho
a) A narrativa da nação: contada e recontada (2002), de acordo com as necessidades de afirmação e
nas histórias e literaturas, na mídia e manifestações definição de cada temporalidade. Estudando esta temática,
populares; ele afirma que alguns romances são representativos de
diferentes fases de construção da identidade brasileira,
tais como Iracema, romance produzido em 1865 por José
b) A ênfase nas origens, na continuidade, na tradição, de Alencar, Macunaíma, lançado em 1928 por Mário de
e na intemporalidade e imutabilidade; Andrade, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa,
cuja primeira edição é de 1956.
c) A invenção da tradição: conjunto de práticas, de O primeiro, de acordo com Coutinho (2002),
natureza ritual e simbólica, transmissoras de visões de apresenta uma perspectiva ontológica da identidade
mundo e normas de conduta, através da repetição; nacional, buscando a origem e a essência da nação.
Tem suas origens no Brasil pós-Independência, quando
d) O mito fundacional: a busca da origem, do povo, o intuito patriótico fez emergir o desejo de produzir uma

40 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

literatura que exaltasse a nação que então se formava. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou
Foi uma das expressões do romantismo no Brasil, pães, é questão de opiniões... O sertão está em toda a parte.
movimento estilístico de origem europeia que no Brasil Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente
se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito
ganhou singularidade através da exaltação de elementos
perigoso... O sertão é o mundo. O senhor sabe: sertão onde
locais, tais como a fauna e a flora tropicais, e o índio,
manda quem é forte, com as astúcias. [...] É e não é. O senhor
eleito como símbolo da brasilidade. Assim, segundo o
ache e não ache. Tudo é e não é [...]”. (ROSA, 2006, p. 7-8)
estudioso, o indianismo foi a vertente nacionalista do
romantismo em nosso país, idealizando o índio como A citação acima converge com a tese de Eduardo
bom selvagem. Coutinho (2002) que, ao explicitar o papel da literatura na
Neste cenário, Iracema se configura, conforme construção da identidade nacional, demonstra que esta
o crítico, como o romance de fundação do Brasil. não pode ser definida de forma fixa, mas como processo
Nele, a América é idealizada pelo olhar europeu. A dinâmico e mutável.
índia representa a terra violada. Da sua relação com o É necessário, porém, destacar que identidades
português nasce Moacir. As guerras exaltam a coragem nacionais, concebidas como um todo homogêneo,
e dão um tom épico. Porém, o que ressalta é a missão foram questionadas pela produção literária da “geração
colonizadora européia. de 30”, da qual falamos anteriormente. José Lins do
O segundo, Macunaíma, vincula-se ao modernismo Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado, entre outros,
no Brasil, questionando os pilares que constituíram a ressaltaram em suas obras a diversidade da nação
imagem da nação. Todavia, segundo Coutinho (2002), brasileira. Embora tenham mantido a visão essencialista
apesar de apresentar um discurso negativo e crítico, por da identidade, ao representarem a multiplicidade de
meio da ideia de um herói sem nenhum caráter, mantém espaços socioculturais em suas obras, eles ressaltaram
ainda uma perspectiva ontológica da brasilidade. a multiplicidade dentro da unidade, revelando a
Foi somente com Grande: Sertão Veredas que heterogeneidade da cultura brasileira, presente na ideia
as versões anteriores são colocadas em cheque. A de região.
identidade brasileira, como salienta Coutinho (2002), Todavia, assim como a nação e a identidade nacional
deixa de ser definida de modo ontológico, passando são construções históricas e culturais, a ideia de região
a se configurar como uma construção discursiva. O e identidade regional também são. Como enfatiza Pierre
personagem Riobaldo é um jagunço que afirma não Bourdieu (2003), os critérios da identidade regional
ter certeza de nada e desconfia de tudo. O espaço são representações mentais e objetais, criadas e
existencial dos personagens o sertão, representa uma manipuladas estrategicamente em função dos interesses
identidade sem fronteiras, lugar da experiência humana. materiais e simbólicos das pessoas. Trata-se de lutas de
A passagem abaixo, extraída do romance, representa classificação, cuja compreensão, conforme o teórico, só
bem esta concepção: acontece se rompermos com a ideia de oposição entre
real e representação. Bourdieu (2003) afirma ainda que
O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que as lutas em torno da identidade regional ou étnica se
situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles colocam em consonância com as lutas por monopólio,
dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. pelo poder de determinar uma visão do social por meio
Para os do Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito
da divisão. A realidade é social e as classificações
sertão? Ah, que tem maior”! Lugar sertão se divulga: é onde
tomadas como naturais, segundo o crítico, nada têm de
os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze
naturais, visto que são impostas, delimitando fronteiras
léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso
que produzem a diferença cultural e vive-versa. Em suma,
vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O
Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira
a região não é um dado da natureza, mas da história e
dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens da cultura.
de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em Esta forma de conceber a região e a identidade
mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. regional pode ser melhor observada na construção do
O “gerais” corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Nordeste e da identidade nordestina. Segundo Durval

LICENCIATURA EM LETRAS 41
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Muniz de Albuquerque Junior (1999, p. 23), a região ● Os intelectuais da “região”, que se sentem cada vez
Nordeste foi inventada, por meio de discursos e práticas mais longe, tanto geograficamente quanto em termos de
regionalistas agrupadoras de uma série experiências intervenção, dos centros de decisão política, econômica
erigidas como caracterizadoras deste espaço e de e cultural.
sua identidade regional, gestados na produção textual
espacial das relações de poder. Assim, é preciso, Sobre este último aspecto, Durval Muniz de
segundo o estudioso, Albuquerque Junior (1999, p. 50) afirma que:

[...] rompermos com as transparências dos espaços e das


Um intelectual regionalista quase sempre é aquele que se
linguagens , pensarmos as linguagens como acúmulo de
sente longe do centro irradiador de poder e de cultura. Ele faz
camadas discursivas e práticas, trabalharmos nessa região
da denúncia dessa distância, dessa coerência de poder, dessa
em que linguagem (discurso) e espaço (objeto histórico)
vitimização, o motivo de seu discurso.
se encontram, em que a história destrói as determinações
naturais, em que o tempo dá ao espaço sua maleabilidade,
É neste cenário que se insere a produção literária
seu valor explicativo e, mais ainda, seu calor e efeitos de
regionalista que se caracteriza pela busca da brasilidade
verdade humanos.
por meio da diversidade, representada por meio de
Par tindo desta perspectiva, conclui-se que as personagens e paisagens sociais, históricas e culturais.
fronteiras e os territórios regionais são construções Este processo, para Albuquerque Junior (1999), não foi
históricas e não pré-existentes. São resultados de ordenado, contínuo, evolutivo, mas através de práticas e
disputas entre seus agentes, os quais instituem maneiras discursos dispersos que foram reunidos posteriormente,
de ver e dizer uma dada realidade. reconstruindo imagens e ideias que constituíam o antigo
Norte.
O Nordeste, como avalia Albuquerque Junior (1999),
foi inventado por meio de discursos erigidos dentro e fora O livro Nordeste de Gilber to Freyre, de 1925,
dele, a partir da década de 1920, sendo identificado a reunindo tradições e memórias históricas, assim como
um espaço rural, atrasado e violento, em contraposição os romances da década de 1930, é um marco neste
ao sul, visto como moderno, urbanizado e desenvolvido. processo. Segundo Albuquerque Junior (1999, p. 81),
No período pós- Segunda Guerra Mundial, o mundo estas produções constroem uma paisagem imaginária
viveu uma redistribuição de poder em consequência da do Nordeste assentada na saudade.
ascensão dos Estados Unidos. No Brasil, surgiram vários
discursos, preocupados com a compreensão da nação. [...] A ênfase na memória por parte dos tradicionalistas nasce
dessa vontade de prolongar o passado para o presente e,
Esta passou a ser vista como um conjunto de partes
quem sabe, fazer dele também o futuro[...]. A descoberta da
que deveriam ser individualizadas por meio da divisão
historicidade de todas as coisas e, portanto, o seu caráter
regional. Tais discursos dirigiam-se à busca das causas
passageiro e mutável é que provoca este sentimento de
e soluções para as diferenças entre os múltiplos espaços. angústia.
Desse modo, segundo o estudioso, o nacionalismo
dos anos 1920 esteve voltado para o conhecimento Assim, conforme o estudioso citado, no campo
das disparidades regionais com o intuito de corrigi-las, literário verificam-se dois processos:
favorecendo a emergência da nação.
Entre os produtores destes novos discursos,
a) A literatura de 30 participa da invenção do Nordeste,
Albuquerque Junior (1999). Destaca:
construindo uma imagem da região como uma espaço
rural, pobre, terra decadente e seca, de cangaceiros e
● A imprensa, principal veiculadora de ideias e coronéis etc.;
imagens que tornam o Nordeste conhecido dos sulistas,
produzindo um discurso a partir do lugar e do olhar de
b) A crítica literária que toma o regional como critério
quem fala;
para a compreensão da literatura brasileira legitimando a

42 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

ligação da produção literária a espaços naturais e fixos. religião. As regiões não dão lugar a literaturas isoladas, mas
contribuem com suas diferenciações para a homogeneidade
da paisagem literária do país.
Sobre estes movimentos, o autor ressalta que, a rigor,
nunca existiu uma literatura do Nordeste. Trata-se de Para o crítico, quanto mais próxima às raízes, mais
uma identidade que foi inventada pela crítica e assumida revigorada é a obra literária e quanto mais distante, dos
pelos autores. focos locais, mais ela se enfraquece.
Assim, coube à crítica a divulgação da concepção Como podemos perceber, a literatura, assim como a
de literatura regionalista, vista como expressão do meio crítica literária em questão, participaram diretamente da
físico e social em que foi produzida. construção da identidade regional, sem, contudo, romper
A este respeito, Marisa Lajolo (1998) ressalta que com a visão essencialista que permeava os discursos da
o regionalismo literário corresponde a uma construção da brasilidade neste contexto.
crítica. Nesse processo, na segunda metade do século Entretanto, conforme vimos anteriormente, o olhar
XIX, destacaram-se: dualista do mundo corresponde a uma construção do
pensamento ocidental. A hierarquização dos contrários,
● Afrânio Coutinho, defensor da ideia de que toda no caso, regional/universal, corresponde a relações de
obra de arte é regional, visto que se localiza num espaço, poder. Assim, é válido frisar que:
extraindo dele a sua substância;
● Toda obra relaciona-se a um lugar, seja como
● Antônio Cândido, o qual concebia o regionalismo cenário de sua trama, seja como lugar de sua construção,
como autodefinição da consciência local, vinculando-o de onde fala o autor. Sob essa perspectiva, toda obra
aos projetos políticos separatistas; poderia ser chamada de regionalista;

● Alfredo Bosi, responsável pela valorização da ● As situações vivenciadas pelos personagens


oralidade como elemento estruturante no regionalismo; extrapolam os limites do vivido e se configuram como
representação da experiência humana. Assim, toda obra
poderia ser chamada de universal.
● José Maurício Gomes de Almeida, também grande
defensor do regionalismo na literatura.
Em síntese, o que demonstramos até aqui é que
categorias como região, regionalismo e identidade
Apesar das especificidades, todos esses críticos
regional, assim como nação e identidade nacional,
têm em comum o olhar dicotômico em que regional
são construções discursivas e que, enquanto tais,
e universal são colocados em pólos contrários. Tal
representam as relações de poder em curso no processo
forma de conceber a literatura, entretanto, não é
histórico, configurando-se como produtos e produtoras
neutra, terminando por hierarquizar esta relação, ora
da realidade.
supervalorizando o universal, dado o olhar europeizado
da crítica, ora supervalorizando o regional.
Entre os defensores do regionalismo acima citados, VOCÊ SABIA?
Afrânio Coutinho (1999, p. 237) foi o que mais influenciou
a crítica literária, visto que sua defesa do regionalismo
A Bahia só passou a fazer parte do Nordeste a partir da década
na literatura não contrariava a ideia de unidade do país.
de 1970, quando esta região foi definida pelo Intituto Brasileiro
Para ele: de Geografia e Estatística (IBGE). Antes disso, a Bahia formava
uma região à parte, chamada Leste Setentrional. Sobre isto ver:
O regionalismo é um conjunto que arma o todo nacional. É FRANCISCO, Wagner Cerqueira. Divisão Regional Brasileira.
a variedade que se entremostra na unidade, na identidade Disponível em: http://www.brasilescola.com/brasil/divisao-regional-
de espírito, de sentimentos, de língua, de costumes, de brasileira.htm. Acesso em 21/05/2012.

LICENCIATURA EM LETRAS 43
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

INDICAÇÃO DE LEITURA SUGESTÃO DE ATIVIDADE

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Círculo do Como vimos, a identidade regional do Nordeste é uma construção
Livro, 1990. histórica e cultural. O sertão como subárea do nordeste e a identidade
sertaneja também são construções, tendo a literatura como um de
Trata-se de uma obra que marcou o pensamento sociocultural seus agentes. Com base nas leituras realizadas neste capítulo, leia o
brasileiro. Publicado pela primeira vez em 1933, a obra traz romance Vidas Secas de Graciliano Ramos e comente qual a imagem
um olhar positivo sobre a contribuição do negro na história e do sertão veiculada nesta obra.
cultura brasileira, influenciando até os dias atuais o trabalho de
sociólogos, antropólogos, historiadores e romancistas. Uma leitura ___________________________________________________
imprescindível. ___________________________________________________
__________________________________________________
___________________________________________________
SÍNTESE DO CAPÍTULO ___________________________________________________
___________________________________________________
Vamos relembrar o que estudamos neste capítulo? ___________________________________________________
___________________________________________________
● Em primeiro lugar, destamos que as identidades não ___________________________________________________
são fixas, nem imutáveis, são construções históricas e ___________________________________________________
culturais, de cujos processos a literatura tem participação ___________________________________________________

ativa; ___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
● Em segundo lugar, afirmamos que as nações e ___________________________________________________
as identidades nacionais são construídas por meios de ___________________________________________________
representações, presentes em narrativas, tradições e ___________________________________________________
mitos que criam um sentimento de pertencimento e de ___________________________________________________
unidade; ____________________________________________________

● Em terceiro, salientamos que a região e a identidade


regional são construções das quais participaram a
lietratura e a crítica literária;

● Por fim, não se esqueça que as representações


identitárias vinculam-se às relações de poder.

44 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

REGISTRE SUA IDEIA

Vamos utilizar as ideias estudadas neste capítulo para análise de


um texto literário? Escolha uma obra de sua preferência e analise-a,
identificando as formas de diálogo com a história nela presentes.
Siga as recomendações abaixo:

1. Leia o texto com atenção.


2. Faça uma pesquisa sobre a autora, procurando informações sobre
sua vida pessoal, intelectual, profissional e política.
3. Busque informações sobre o tempo em que a obra foi escrita. O
que estava acontecendo no mundo social, político e cultural naquele
momento?
4. Identifique o espaço, o tempo e os sujeitos representados na
narrativa. Como estão representados e o que dizem sobre a época
em que o texto foi escrito?
5. Produza um comentário argumentando as suas considerações.

___________________________________________________
___________________________________________________
__________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
____________________________________________________

LICENCIATURA EM LETRAS 45
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

GLOSSÁRIO

Autóctones: nativo; do lugar.

Contraste: oposição; divergência.

Discurso: fala; explicação; versão.

Dualista: que tem dois lados.

Essência: o que faz com que uma coisa seja o que é.

Essencialista: que busca uma essência.

Fronteira: linha divisória que separa os espaços.

Hegemonia: preponderância; domínio sobre os demais.

Hibridismo: mistura de elementos diferentes.

Homogêneo: que é predominante.

Monopólio: posse; domínio exclusivo.

Neutralidade: imparcialidade.

Objetividade: existência real.

Ontologia: estudo do ser, da essência das coisas.

Ontológico: relativo a ontologia.

Paradoxo: contradição.

Subjetividade: pensamento particular de alguém.

LICENCIATURA EM LETRAS 47
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

REFERENCIAS

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco; São Paulo: Cortez, 1999.

ALBUQUERQUE, Wlamyra. O civismo festivo dos baianos: comemorações do Dois de Julho. (1889-1923).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1997.

ALMEIDA, José Maurício. A tradição regionalista no romance brasileiro (1857-1945). 2. ed. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1999.

AMADO, Janaína. Região, sertão, nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, p. 145-151, 1995. Disponível
em: <bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/.../1129>. Acesso em: 10 de mai, 2010.

AMADO, Jorge. Cacau. Rio de Janeiro: Record, 1998.

AMADO, Jorge. São Jorge dos Ilhéus. 52. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.

ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.

ANDRADE, Carlos Drummond. Poesias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942.

ANDRADE, Celeste Maria Pacheco. Bahia, cidade-síntese da nação brasileira: uma leitura em Jorge Amado. Tese
(Doutorado em História Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.

ANDRADE, Celeste Maria Pacheco. Bahias de Amado: a ficção fundando uma outra Geografia. In: FONSECA, Aleilton;
PEREIRA, Rubens Alves (Org). Rotas e imagens: literatura e outras viagens. Feira de Santana: Universidade Estadual
de Feira de Santana/Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural, 2000. p. 199-208.

ARAUJO, Jorge de Souza. Floração de imaginários: o romance baiano no século 20. Itabuna: Via Literarum, 2008.

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto de François Rabelais. Tradução
de Yara Frateschi Vieira. 3. ed. São Paulo: Hucitec; Brasília: UNB, 1993.

______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Bernardini. 3. ed. São Paulo:
Editora da UNESP, 1994.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política.
Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras Escolhidas I).

BEAUVOIR, Simone. A mulher desiludida. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1986.

BHABHA, Homi K. Narrando a nação. Tradução de Glória Maria de Mello Carvalho. Cadernos da Pós-Letras, Rio
de Janeiro, n. 19, p. 49-59, 1997.

______. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.

LICENCIATURA EM LETRAS 49
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

BORGES, Vavy Pacheco. O que é História. São Paulo: Brasiliense, 1991.

BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1987.

BRASIL, Assis. A nova literatura. Rio de Janeiro: CEA, 1973.

CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.

CASTORIADIS, C. et al. A criação histórica. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1992.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano – as artes do fazer. Tradução de Ephaim Ferreira Alves. 4. ed. Rio
de Janeiro: Vozes, 1999. (v. 1).

CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa:
Difel; Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1988.

CHARTIER, Roger. Textos, impressos, leituras. In: HUNT, Lynn (Org). A nova história cultural. Tradução de Jefferson
Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 211-238.

CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003.

CHIAPPINI, Lígia. Do beco ao belo: dez teses sobre o regionalismo na literatura. Revista Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v. 8, n. 15, p. 153-159, 1995.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão,
Consuelo Fontes Santiago. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.

COUTINHO, Afrânio. Afrânio Peixoto, entre a cidade e o sertão. In: PEIXOTO, Afrânio. Romances completos. Rio de
Janeiro: Editora José Aguilar, 1962.

______. O regionalismo na ficção. In: COUTINHO, Afrânio; COUTINHO, Eduardo de Faria. A literatura no Brasil. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Global, 1999.

COUTINHO, Eduardo. Discurso literário e construção da identidade brasileira. Légua e Meia: Revista de Literatura
e Diversidade Cultural, n. 1, p. 54-63, 2001/2002.

DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução.São Paulo: Companhia das Letras,1990.

DERRIDA, Jacques. A estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciências humanas. In: ______. A escritura e a
diferença. Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1995.

DIAS, Gonçalves. Canção do exílio. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 18 de jan. 2013.

50 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

DION, Robert. Estudo das transferências culturais: elementos teóricos. In: DINIZ, Dilma Castelo Branco. Brasil-
Canadá: confrontos literários e culturais. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/ABECAN/NEC/UFMG, 2003.

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 12. ed. São Paulo: Globo, 1997.
(v. 2).

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998.

FRANCISCO, Wagner Cerqueira. Divisão Regional Brasileira. Disponível em: http://www.brasilescola.com/brasil/


divisao-regional-brasileira.htm. Acesso em: 21 maio 2012.

FRANCO JUNIOR. Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1994.

FRANZINI, Fábio. Quando a literatura se encontra com a antropologia. Disponível em: <www.uninove.br/PDFs/
Publicacoes/.../dialogv1_fabiofranzini.pdf.> Acesso em: 21 nov. 2011.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina
Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2000 (Ensaios Latino-americanos, 1).

______. Noticias recientes sobre la hibridación. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de; RESENDE, Beatriz. Arte latina:
cultura, globalização e identidades. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. São Paulo: Círculo do Livro, 1990.

GAY, Peter. O estilo na história. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GROSSMANN, Judith. A ficcionalidade. In: ______. Temas de teoria da literatura. São Paulo: Ática, 1982.

GULLAR, Ferreira. Toda Poesia (1950-1980). São Paulo: Círculo do Livro, 1983.

HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu Silva. Rio de Janeiro: DP&A,
2000.

HAAL, Stuart. Quem precisa da identidade? Tradução de Tomaz Tadeu Silva. In: SILVA, Tomaz Tadeu et al. (Org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a Filosofia? Tradução de Ernildo Stein. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1978.

LICENCIATURA EM LETRAS 51
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhias Das Letras, 1998.

HUTCHEON, Linda. A poética do pós-modernismo – história, teoria e ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de
Janeiro: Imago, 1991.

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Evolução das unidades político-administrativas –


divisão regional. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 27 abr. 2008.

JOHNSON, Richard. O que é, afinal, estudos culturais? In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O que é, afinal, estudos
culturais? 2. ed. Tradução e Tomaz Tadeu Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semianálise. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz. 2. ed. São Paulo: Perspectiva,
2005.

LAJOLO, Marisa. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história? In: FREITAS, Marco César (Org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.

LAJOLO, Marisa. Como e por que ler o romance brasileiro. Rio de Janeiro: Objetivo, 2004.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira Borges. 4.
ed. Campinas: UNICAMP, 1996.

LIMA, Luiz Costa. Aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.

LUKÁCS, Georg. A teoria do romance. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. 34. ed. São Paulo: Duas
Cidades, 2000.

LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista – sobre a categoria da particularidade. Tradução de Carlos
Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

MCLEISH, Kenneth. Aristóteles: a poética de Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

MIGNARD, Pierre. Clio, a musa da História. [2005]. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Historiografia>.


Acesso em: 13 set. 2011.

PAZ, Octávio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1976.

PEREIRA, Elvya Ribeiro. As migrações de Brás Cubas ou contracenas da identidade. Légua & meia: Revista de
literatura e diversidade cultural. Feira de Santana, v. 4, n. 3, p. 143-167, 2005.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Contribuição da história e da literatura para a construção do cidadão: a abordagem da
identidade nacional. In: LEENHARDT, Jacques e PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org.). Discurso histórico e narrativa
literária. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1998. p. 17- 40.

52 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

______. História e literatura: uma velha-nova história. Nuevo mundo Mundos Nuevos, n. 6, jan. 2006. Disponível
em: <http://nuevomundo.revues.org/document1560.html>. Acesso em: 15 mai., 2007.

PESSOA, Fernando. Obra Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Tradução de Monique Augras. Revista Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989, p. 1-15. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/43.pdf>. Acesso
em: 05 jun., 2006.

QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 77. ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2004.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 58. ed. Rio de Janeiro: Record, 1986.

RANCIÈRE, Jacques. Entrevista. Revista Ciência e Cultura, v. 57, n. 4, São Paulo, out/dez, 2005. Disponível em:
<http://cienciaecultura.bvs/scielo>. Acesso em: 19 ago. 2007.

RECHDAN, Maria Letícia de Almeida. Dialogismo ou polifonia? Revista Ciências Humanas. Taubaté, v. 9, n. 1, jan./
jun. 2003. Não paginado. Disponível em: <http://www.unitau.br>. Acesso em: 29 jun. 2007.

REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

REIS, José Carlos. Escola dos Annales - a inovação em História. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

REIS, José Carlos. As identidades do Brasil – de Varnhagen a FHC. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Papirus, 1997. Tomo III.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

SALES, Herberto. Cascalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco,
2000.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,
1996.

SCHULMAN, Norma. O Centre for Contemporany Cultural Studies da Universidade de Birmingham: uma história
intelectual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O que é, afinal, estudos culturais? Tradução e Tomaz Tadeu Silva. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.

SEIXAS, Cid. A construção do real como papel da cultura. Légua e Meia: Revista de Literatura e Diversidade Cultural,
n. 1, p. 204-223, 2002.

MONGE medieval cercado de livros. [2007]. Disponível em: <http://www.snpcultura.org/vol_scriptorium_medieval.


html>. Acesso em: 13 set. 2011.

SOUZA , Antonio Candido de Mello e. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.

LICENCIATURA EM LETRAS 53
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

SÜSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Uma ideologia estética e sua história: o naturalismo. Rio de Janeiro:
Achiamé, 1984.

TEIXEIRA , Ivan. O desconstrucionismo. Revista Cult, n. 16, p. 34-37, nov. 1998.


Fortuna Crítica.

VERÍSSIMO, Érico. O tempo e o vento. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

VEYNE, Paul. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. Tradução de Alda Baltar e Maria Auxiliadora
Kneipp. Brasília: UNB, 1982.

VINCI, Leonardo. O homem vitruviano. [2010]. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Renascimento. Acesso


em: 13 set. 2010.

VOUET, Simon. As Musas Urânia e Calíope [2001]. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cal%C3%ADope>.


Acesso em: 13 set. 2011.

WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 2001.

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.

WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. Tradução de Paulo Henriques Britto. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.

WILLIAMS, Raymond. Tragédia moderna. Tradução de Betina Bishof. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

WITHE, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica no século XIX. Tradução de José Laurêncio de Melo. São
Paulo: Edusp, 1992.

SITES CONSULTADOS:

pt.wikipedia.org/

54 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Anotações

LICENCIATURA EM LETRAS 55
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Anotações

Você também pode gostar