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PORTUGUÊS
LITERATURA, IMAGINÁRIO,
HISTÓRIA E CULTURA
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Dilma Roussef
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Aloísio Mercadante
LICENCIATURA EM LETRAS
ADRIANA SILVA TELES BOUDOUX
LICENCIATURA EM LETRAS
PORTUGUÊS
LITERATURA, IMAGINÁRIO,
HISTÓRIA E CULTURA
EDUNEB
Salvador
© UNEB 2012
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida ou gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros,
sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação UAB/UNEB.
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Impresso no Brasil 2012
DIRETORA
Maria Nadja Nunes Bittencourt
COORDENADOR EDITORIAL
Ricardo Baroud
COORDENAÇÃO UAB/UNEB
COLABORADORES REVISORES
Carla Honorato
SUPERVISÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Maíta Andrade
Andréa Santos Tanure
Flávia Souza dos Santos
NORMALIZAÇÃO
Tatiane Nogueira Nunes
Sheila Rangel
O conteúdo deste Material Didático é de inteira responsabilidade do(s)/da(s) autores (as), por cuja criação assume(m) ampla e total responsabilidade
quanto a titularidade, originalidade do conteúdo intelectual produzido, uso de citações de obras consultadas, referências, imagens e outros elementos
que façam parte desta publicação.
Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem
estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura na modalidade de Educação a Distância
(EaD).
O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da
área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar o conhecimento teórico e prático de maneira
contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos
envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser
utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor
Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso
somado compõe os estudos relacionados à EaD.
É importante também que vocês estejam sempre atentos às caixas de diálogos e ícones específicos que aparecem
durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A ideia é mediar junto ao leitor, uma
forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne interlocutor ativo
desse material.
VOCÊ SABIA?
– convida o leitor a conhecer outros aspectos daquele tema/
conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta.
SAIBA MAIS
– apresenta notas, textos para aprofundamento de assuntos
diversos e desenvolvimento da argumentação, conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliam a
compreender melhor o conteúdo abordado.
INDICAÇÃO DE LEITURA
– neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites,
vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre determinado tema.
SUGESTÃO DE ATIVIDADE
– consiste num conjunto de atividades para você realizar
autonomamente em seu processo de autoestudo. Estas atividades podem (ou não) ser aproveitadas pelo professor-
formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo principal é o de provocá-lo, desafiá-lo em seu processo
de autoaprendizagem.
Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e
entusiasmo para juntos desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.
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UNIVERSIDADE ESTADO DADA
ESTADO BAHIA
BAHIA EaD
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APRESENTAÇÃO
Prezado(a) aluno(a),
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Anotações
LICENCIATURA EM
LICENCIATURA HISTÓRIA
EM LETRAS
UNIVERSIDADE DODO
UNIVERSIDADE ESTADO DADA
ESTADO BAHIA
BAHIA EaD
EaD
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – LITERATURA: UMA PALAVRA, MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS.................................................................................. 11
GLOSSÁRIO................................................................................................................................................................................. 47
REFERÊNCIAS............................................................................................................................................................................. 49
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD
LITERATURA:
UMA PALAVRA,
MÚLTIPLOS
SIGNIFICADOS
CAPÍTULO 1
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Anotações
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1.1 LITERATURA: UMA CATEGORIA Coube ao filósofo grego Aristóteles ser o primeiro a
HISTÓRICA E CULTURAL estudar sistematicamente o assunto em sua obra clássica
Poética, cuja primeira circulação teria ocorrido por volta
Voltemos àquela questão inicial: de 340 a. C., deixando, desde então, sua influência sobre
a posteridade, como ressalta Kennete Mcleish (2000).
O que é literatura? O termo poética continua a ser utilizado até ser
substituído por literatura como destaca Raymond
Esta pergunta, aparente fácil de responder, Williams (1979). Conforme este estudioso, a palavra
carrega diversos significados. Primeiro, é importante literatura é uma categoria histórica e social, cujas
destacar que ela surge em um determinado momento origens remontam ao século XIV. Entretanto, neste
com significados bem específicos e diferentes dos que período não possuía o significado que lhe atribuímos
conhecemos atualmente. Em segundo lugar, antes de hoje. Littera, palavra da qual posteriormente derivou
a palavra literatura ser usada para designar as obras literatura, significava, inicialmente, uma situação de
de caráter imaginativo ou ficcionais, tais produções leitura, a capacidade de ler. Ainda segundo o estudioso
recebiam a denominação de poética. Palavra cujas inglês, no século XVII, a palavra literary, passou a ser
origens remontam ao mundo grego. Na mitologia grega, usada para designar a experiência da leitura, ao tempo
a poética era representa pela musa Calíope, uma das em que literature, paulatinamente passava a ser uma
filhas de Zeus e Mnemosyne, representada na Figura 1. especialização da retórica, da gramática, da leitura e
dos meios que a torna possível, os livros impressos.
Enquanto tal, literature tornou-se expressão de certo nível
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social, uma vez que, naquele período, o conhecimento Assim, com base no exposto até aqui, faz-se
educacional restringia-se às elites. No século XVIII, necessário refletir sobre o caráter imaginativo atribuído
o substantivo passou a se associar a todos os livros à Literatura, ou em outras palavras, sobre o diálogo
impressos de qualidade, fossem eles de história, filosofia, estabelecido entre a ficção e a realidade. Afirmar que a
ciência naturais etc. Paralelamente a este processo, as Literatura se define pelo seu caráter imaginativo significa
composições de caráter imaginativo constituíam o que que ela não possui vínculo com a realidade? Para
Aristóteles, na Antiguidade grega, denominara “poética”, respondermos a esta questão será preciso perscrutarmos
como vimos anteriormente, termo que prevalece até o que vem a ser o real e o imaginário, caminho sem o
o século XIX, quando passou a ser substituído pela qual não é possível compreender o que é a ficção.
palavra literatura. Esta, gradativamente passa a designar
as produções ficcionais, significado que substitui os 1.2 A FICÇÃO ENTRE A IMAGINAÇÃO
sentidos construídos anteriormente. Contribuem para E A REALIDADE
este processo:
Em primeiro lugar, você já pensou sobre o que vem ser
•A afirmação dos Estados Nacionais, nos quais o imaginário, ou se a imaginação se opõe à realidade?
a construção de uma literatura nacional tem lugar de Comecemos por esta última questão.
destaque.
O que é o imaginário?
•A afirmação das ciências naturais e, espelhando-se
nesta, o nascimento das ciências sociais como campos A resposta para esta pergunta pode ser encontrada
de investigação fundamentados na objetividade do nas palavras do filósofo Cornelius Castoriadis (1992,
conhecimento. p. 89):
É neste cenário epistemológico e histórico que a A imaginação é a capacidade de colocar uma nova forma.
palavra literatura, aos poucos, vai deixando de se referir De um certo modo, ela utiliza os elementos que aí estavam,
a todas as produções escritas, passando a designar mas a forma, enquanto tal, é nova. Mais radicalmente ainda:
apenas as obras de caráter imaginativo. Trata-se de a imaginação é o que nos permite criar o mundo, ou seja,
um significado assentado na oposição entre arte (na apresentarmos alguma coisa, da qual sem a imaginação nada
qual se inclui a literatura) e ciência, a primeira como o poderíamos dizer e sem a qual não poderíamos nada saber.
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Vamos refletir sobre mais uma questão: Embora não tenham desaparecido, permanecendo
em muitas culturas, os mitos passaram a coexistir com
O que é História? outras formas de explicação, como a História. A própria
História, assim como a literatura, foi representada na
A resposta mais comum a esta questão é a de que mitologia grega pela musa Clio.
a História é a ciência que estuda o passado. Entretanto,
uma análise mais pormenorizada leva à compreensão
Segundo Borges (1991), foi um estudioso chamado
de que, assim como a Literatura, a História também
Hecateu de Mileto, morador de uma colônia grega da
corresponde a uma categoria histórica e social que, ao
Ásia Menor, que, ao retornar do Egito, colocou em
longo do tempo, assumiu diversas significações.
dúvida os mitos. Ao comparar as narrativas dos gregos
História é uma palavra de origem grega que significa e dos egípcios, ele afirmou que as lendas eram muitas
investigação. Segundo Vavy Pacheco Borges (1991), e risíveis. É nesse contexto, que nasce a História,
foi na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C, que a designação dada às narrativas produzidas por aqueles
palavra começou a ser utilizada. Antes disso, porém, em que são considerados os primeiros historiadores, entre os
diversas culturas, os homens já sentiam necessidade quais se destacaram Heródoto e Tucídides. Diferente do
de conhecer a sua origem. Os mitos foram as primeiras que se faz na atualidade, eles não estavam preocupados
narrativas sobre o surgimento do mundo e da vida. Entre com o estudo dos fatos passados, mas com o que
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300. Direção: Zack Snyder. Roteiro: Zack Snyder, Kurt Johnstad e • Sigilografia: estudos dos selos;
Michael B. Gordon. EUA: Produtora, 2007. (117 min.)
• Heráldica: estudo dos brasões;
Aborda a luta dos gregos, chefiado pelo rei espartano Leônidas e seus
trezentos guerreiros contra o exército persa, liderados pelo imperador
Xerxes. O filme, que traz o olhar dos gregos, utilizou como fonte os • Genealogia: estudo das linhagens familiares;
quadrinhos, os quais foram produzidos com base nos escritos de
Heródoto. Ao assistir o filme, observe os cenários, os personagens e
• Arqueologia: estudo dos vestígios materiais antigos;
suas falas, e reflita: como os gregos são representados? Como viam
a si mesmos e aos outros?
•Filologia: estudo dos escritos antigos.
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VOCÊ SABIA?
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A este respeito, o historiador inglês Eric Hobsbawm ● Por fim, é fundamental destacar que o fato de fazer
(1998), chegou a afirmar que toda História é uso de documentos não significa que a história é mais
contemporânea, ressaltando que interpretamos o real do que a literatura. Da mesma forma, o fato de o
passado com os olhos do presente, visto que somos escritor ter a liberdade em sua escrita não quer dizer
motivados e orientados pelas concepções teóricas e que sua produção seja menos verdadeira. Ambos tem
sociais em curso no mundo em que estamos inseridos. a realidade como referência, pois estão inseridos na
Assim, a História seria uma ciência singular que história, sendo por ela influenciados e ao mesmo tempo
possui métodos próprios de investigação da realidade. nela interferindo, ao expor seus pensamentos e visões
Porém, embora almeje chegar à verdade, o historiador de mundo.
se vê limitado pela subjetividade das fontes históricas,
assim como pelas suas concepções. Partindo desta
perspectiva, a História apresentaria versões aproximadas
e não exatas do real.
Uma vez que a História é permeada pela subjetividade
do historiador, ela se aproxima da Literatura, e vice-
versa, pois apesar das diferenças nos seus processos
de construção, as duas formas narrativas entrecruzam
imaginação e realidade.
SÍNTESE DO CAPÍTULO
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SUGESTÃO DE ATIVIDADE
Vamos sistematizar os nossos conhecimentos? Para isto, preencha o quadro destacando os múltiplos significados assumidos pela literatura ao
longo do tempo. Atenção! Seja claro e objetivo.
PERÍODO SIGNIFICADO
Antiguidade
Século XIV
Século XVI
Século XVII
Século XVIII
Século XIX
Século XX
SUGESTÃO DE ATIVIDADE
Vamos sistematizar nossos conhecimentos? Preencha o quadro abaixo, de forma sintética, destacando os significados assumidos pela História
ao longo do tempo.
PERÍODO SIGNIFICADO
Antiguidade
Idade Média
Renascentista e moderno
(Séculos XV, XVI e XVII)
Iluminista
(Século XVIII)
Século XIX
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Escolha dois textos, um literário e um historiográfico, e, com base no que estudamos neste capítulo, comente-os, destacando as diferenças entre
ambos. Construa argumentos para fundamentar a sua resposta.
TEXTO 1 –
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TEXTO 2 –
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Anotações
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DO MUNDO AO
TEXTO E DO
TEXTO AO MUNDO:
LITERATURA,
HISTÓRIA E CULTURA
CAPÍTULO 2
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Anotações
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como da antropologia de Clifford Geertz. A proposta central levantada por Souza é saber como as questões em
deste movimento era de restaurar a dimensão histórica jogo num espaço social e numa dada temporalidade se
da Literatura, defendendo que a obra literária está inserida incorporam à estrutura da obra literária. Suas concepções
no discurso coletivo de seu tempo. Assim, a Literatura muito contribuíram para a compreensão da Literatura,
e a História se configuram como discursos, devendo deixando seguidores até os dias atuais.
se destacar, em seu estudo, a historicidade do texto Ainda no campo dos estudos literários, destacam-se
e a textualidade da história, questão sobre a qual nos as reflexões de Luis Costa Lima (1989) e Linda Hutcheon
deteremos mais detalhadamente adiante. (1991), para os quais Literatura e História são construções
discursivas. Em contextos investigativos distintos, ambos
negam a oposição entre o caráter de verdade atribuído à
VOCÊ SABIA? História e o caráter imaginativo atribuído à Literatura. Para
Lima, o ato de fingir, característico da literatura, remete
Os formalistas russos se destacaram na década de 1920. Era um ao mundo, interligando realidade e imaginação. Para
grupo de críticos literários que, carregado de um pensamento prático Hutcheon, ficção e história são sistemas de significação
e científico, centralizou sua atenção na análise material do texto pelos quais damos sentido à realidade.
literário, priorizando o estudo da forma em detrimento do conteúdo
ou da interação entre ambas. Segundo os partidários desta ideia, o Caminho semelhante vem sendo traçado no campo da
conteúdo era apenas uma motivação, um pretexto ou artifício, para a História desde o século XX. A literatura, negligenciada pelo
realização do exercício formal. A este respeito ver: Eagleton (1994). cientificismo que marcou o pensamento historiográfico
no século anterior, aos poucos foi se configurando
como fonte para o estudo da História. Na França,
No Brasil, o diálogo entre a Literatura e a História novas abordagens historiográficas, surgidas a partir
começou a tomar fôlego a par tir das discussões do movimento dos Annales, como a História das
realizadas por Antonio Candido de Mello e Souza, (1987, Mentalidades e a História Cultural, e na Inglaterra, a
p. 22) para quem a literatura é um fato estético e histórico. História Social, entre outras, ampliaram o campo temático
Nesta perspectiva, há mais de quarenta anos atrás, o dos historiadores. Tudo passou a ser considerado objeto
estudioso indagava: de estudo da História. Esta passou a se interessar não
somente pelos fatos políticos, mas também pelos
[...] qual a influência exercida pelo meio social sobre a obra
assuntos do mundo econômico, social e mental, enfim
de arte? Digamos que ela deve ser imediatamente completada por todas as dimensões da cultura, as quais passaram
por outra: qual a influência exercida pela obra de arte sobre a ser estudadas de forma articulada e não isoladamente.
o meio? Assim poderemos chegar mais perto de uma Se tudo é história, tudo que é produzido pelos homens
investigação dialética, superando o caráter mecanicista das pode considerado como fonte histórica, não apenas os
que geralmente predominam. documentos oficiais. Mesmo estes, passaram a ser objeto
de críticas dos historiadores, sendo interpretados como
Tratava-se de refletir em que medida a ar te é portadores não de verdades, mas de subjetividades,
expressão da sociedade e em que medida ela se interessa permeados por interesses e visões de mundo.
pelos problemas sociais. Embora tenha colocado as duas Com esta ampliação dos objetos de estudos da
questões, o pesquisador fez opção pela investigação História, a literatura passou a ser concebida como
da primeira, sem, contudo, negligenciar a segunda. um documento histórico. Através dela seria possível
Especificamente sobre a literatura, afirma que esta conhecer o imaginário, as maneiras de pensar, sentir e
extrapola as vivências do escritor, tornando-se um dizer de outras temporalidades. Uma obra ficcional escrita
produto coletivo, por meio da relação do escritor com em pleno século XIX, por exemplo, mesmo trazendo fatos
a sociedade. Ainda segundo Souza (1987), por ser e personagens que não existiram, expressa a maneira
um instrumento de comunicação entre os homens, a de pensar e de viver da sociedade e do tempo em que
literatura está inegavelmente ligada à vida social, sendo foi escrita.
necessário estudar a interação entre ambas. Propondo a
análise da interação entre forma e conteúdo, a questão
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estas últimas passem pelo olhar daquele. Embora as a narrativa literária insere-se no tempo e no espaço, ou
considerações de Bakhtin se dirijam ao romance, na seja, no universo histórico e cultural. É válido lembrar que
poesia, ela é explícita, como é possível perceber por tal inserção não significa que a literatura seja reflexo, mas
exemplo, na obra de Ferreira Gullar (1983, p. 217): sim, produto e produtora da realidade, dialogando com ela
de modo intertextual. Este diálogo se dá por meio de dois
Meu povo e meu poema crescem juntos processos. Em primeiro lugar, por meio da transposição
como cresce no fruto das transformações históricas em curso para a obra
a árvore nova literária, como pode ser observado no poema abaixo
[...] Ode Triunfal, Fernando Pessoa (1994), escrito em 1914
em Londres e publicado pela primeira vez em 1914. Sob
Neste poema, a intenção do autor em escrever sobre o heterônimo de Álvaro de Campos, o poeta português
o povo e para povo está explicitada, de forma clara e compôs 240 versos expressando a sua percepção das
direta. Se, na poesia, o olhar do autor e a sua intenção transformações do mundo moderno industrial.
são mais visíveis, na prosa, estes podem se manifestar A relação com o processo histórico pode ser
de forma explícita ou implícita, cabendo ao estudioso da constatada inicialmente na forma: ao produzir uma ode,
literatura a análise de minuciosa de todos os fios que o palavra de origem grega que significa cântico laudatório de
autor utiliza para tecer a sua trama. uma pessoa, instituição ou acontecimento, o poeta expõe
Desse modo, podemos perceber o quanto a linguagem o seu desejo em falar sobre os êxitos da industrialização.
literária se apropria do mundo histórico e cultural. Assim, Trata-se, deste modo, de um poema narrativo, cujo
conforme Bakhtin (1994, p. 135), é preciso levar em termo triunfal, acrescido ao título, hiperboliza o sentido,
consideração o sujeito e sua ação. “O sujeito que ressaltando a força e a vitória da sociedade industrial.
fala no romance é um homem essencialmente social, Seguindo à leitura do poema, adentramos na relação
historicamente concreto e definido e seu discurso é entre a forma e o conteúdo, percebendo o olhar ambíguo
uma linguagem social (ainda que em embrião), e não do sujeito poético que se volta simultaneamente para as
um dialeto individual.” É preciso, portanto, tratar os faces positiva e negativa da vida moderna:
personagens como sujeitos históricos e socioculturais,
inseridos no espaço e no tempo. O sujeito que fala À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
também age. Sua ação também é ideológica. Portanto, Tenho febre e escrevo.
é fundamental observar a posição que a fala e a ação do Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
sujeito ocupam na narrativa. Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Se, como afirma Bakhtin (1994, p. 139), “[...] em [...]
todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa (PESSOA, 1994, p. 44)
LICENCIATURA EM LETRAS 29
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do passado, do presente e da sua projeção para o futuro. repulsa, mas, também, admiração e paixão. Destacam-
Entretanto, fica claro que o contrário também ocorre, se os feitos, os produtos, enfim as criações humanas,
visto que nas palavras do sujeito poético, o processo de numa sequencia ininterrupta que faz o leitor perceber o
construção do mundo industrial levou a dois movimentos: potencial humano tanto para criar, quanto para destruir.
a humanização das máquinas e a maquinização do O poeta apresenta um olhar conflituoso, paradoxal,
homem. ou seja, ambivalente, que oscila entre a exaltação e a
detração, entre a dor e o paixão, entre um olhar negativo
[...] e positivo ao mesmo tempo. O autor revela a relação de
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! um homem imerso em mundo no qual ele não mais se
Ser completo como uma máquina! reconhece, um mundo do qual ele é produto e produtor.
[...] Um universo no qual não consegue se desvencilhar, que
(PESSOA, 1994, p. 44) produz nele sentimentos de dor e amor, no qual não pode
ser reconhecido, visto que não é mais o mesmo.
Fundindo realidade e imaginação, o poema revela a
As cenas do cotidiano também são representadas relação entre o poeta e as transformações que vivencia
pelo autor, que vê as mudanças nos hábitos e costumes em seu tempo. Contudo, a relação entre a literatura e a
de modo negativo: História também pode ser percebida por outra forma de
abordagem. Trata-se do diálogo entre as duas formas de
[...] conhecimento do mundo.
Presença demasiadamente acentuada das cocottes;
Um bom exemplo, para a compreensão deste
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
processo de investigação, é apresentado por Sandra
[...]
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
Pesavento (1998). Analisando o papel do discurso
E afinal tem alma lá dentro!
histórico e literário para processo de construção de
(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo?) uma identidade nacional, a pesquisadora destaca que
[...] os romancistas da chamada “geração de 30”, realizaram
(PESSOA, 1994, p. 50) uma “redescoberta do Brasil”, desconstruindo as versões
homogeneizadoras da identidade nacional até então
O poeta chama constantemente a atenção para a vigentes. Escritores como José Lins do Rego, Graciliano
ostentação do o luxo e a banalidade como elementos Ramos, Érico Veríssimo, entre outros, inspiraram-se na
desse novo modo de ser e de viver. Porém chama a diversidade social e cultural, destacando a unidade e a
atenção para o fato de que tudo isso é passageiro. multiplicidade da identidade nacional. Porém, se estes
Observe ainda a atenção dada pelo poeta às questões olhares entram em choque com as versões construídas
políticas, sobretudo á corrupção e aos escandâlos anteriormente, por outro, se colocam em consonância
provocados: com o pensamento social em curso naquele período,
defendido por estudiosos como Caio Prado Júnior,
[...] Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.
A maravilhosa beleza das corrupções políticas, Cada um, à sua maneira, buscou a compreensão da
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos, realidade brasileira, segundo eles, escondida por trás das
Agressões políticas nas ruas, aparências. Deste modo, em suas obras, os romancistas
[...] citados, destacavam as desigualdades e as tensões
(PESSOA, 1994, p. 47) e conflitos sociais, além da multiplicidade paisagens,
de sujeitos, linguagens e costumes, reveladores da
O olhar do autor se dirige à miséria humana. Não heterogeneidade da cultura brasileira.
somente à miséria material, mas à miséria social e à
É o que pode ser percebido no trecho abaixo, do
miséria moral, esta última traduzida na hipocrisia que
romance O quinze de Raquel de Queiroz (2004, p. 14-15):
permeia as relações entre os homens. Produtor de
um misto de sensações, o mundo moderno provoca
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[...] Encostado a uma jurema seca, defronte ao juazeiro que segundo Süssekind (1984), um dos temas mais comuns,
a foice dos cabras ia pouco a pouco mutilando, Vicente embora tenham ocorrido alguns cortes como em O
dirigia a distribuição de rama verde ao gado. Reses magras, alienista, de Machado de Assis, que dá voz ao alienado
com grandes ossos agudos furando o couro das ancas,
e não ao alienista. O naturalismo, conforme a autora,
devoravam confiadamente os rebentões que a ponta dos
manteve-se na primeira metade do século XX, sobretudo
terçados espalhava pelo chão.
no “romance de 30”, por sua preocupação com a
Era raro e alarmante, em março, ainda se tratar de
gado. Vicente pensava sombriamente no que seria de tanta
descrição da realidade, observando-se uma continuidade
rês, se de fato não viesse o inverno. A rama já não dava nem
no plano estético e uma ruptura no plano ideológico, em
para um mês. relação ao período anterior: as explicações patológicas
Imaginara retirar uma porção de gado para a serra. deram lugar às explicações econômicas e sociais em
Mas, sabia lá? Na serra, também, o recurso falta... Também o compasso com as ciências sociais, cujas explicações
pasto seca... Também a água dos riachos afina, afina, até se sobre a realidade brasileira focavam-se no materialismo
transformar num fio gotejante e transparente. Além disso, a histórico. Neste processo, os romancistas destacavam
viagem sem pasto, sem bebida certa, havia de ser um horror, as atividades econômicas, os produtos, as relações de
morreria tudo. [...] propriedade. As lutas de classes e as previsões para um
futuro socialista podem ser encontradas, por exemplo,
A paisagem, os personagens e sua condição em obras como Cacau e São Jorge dos Ilhéus de Jorge
social, assim como os costumes e a linguagem são Amado. Representativo deste diálogo entre Literatura e
representados pelo olhar da escritora, como constituintes História neste percurso, é o termo ciclo, utilizado para
do espaço e tempo representados em sua escritura. a periodização da histórica econômica do país, e que
O trecho do romance acima citado demonstra que passou a ser apropriado pela literatura, como se pode
Literatura e História dialogam, enquanto versões. Não ver em autores como Jorge Amado e José Lins do Rego
se trata de ver a obra como produto de um contexto, o os quais escrevem sobre o cacau e a cana-de-açúcar
qual geralmente é visto como as condições históricas respectivamente.
que motivaram o surgimento do texto. Uma vez que a É Estas concepções podem ser vistas no romance
história, como vimos, é sempre uma representação, Menino de Engenho, de José Lins do Rego. Publicado
ou seja, uma versão, construída social e culturalmente, pela primeira vez em 1932, o livro foi escrito com o
segundo as percepções daquele que se propõe a falar olhar de quem está situado na casa grande e com um
sobre os fatos passados, o contexto é, na verdade, um tom saudosista sobre o passado, o romance tem como
texto. Como assinala Compagnon (2001, p. 223) “[...] foco o cotidiano social nas fazendas de engenho entre
os contextos não são eles mesmos senão construções Pernambuco e Paraíba, territórios por onde transitou o
narrativas, ou representações, ainda e sempre, textos” . escritor ao longo de sua vida.
Esta forma de pensar a relação entre Literatura e
História, também pode ser observada em um estudo [...] Da calçada da casa-grande viam-se no meio do canavial
realizado por Flora Süssekind (1984) sobre a estética aquelas cabeças de chapéu de palha subindo e descendo, no
naturalista no romance brasileiro. Neste, a autora discute ritmo do manejo da enxada: uns oitenta homens comandados
como alguns romancistas, inspirados pelas concepções pelo feitor José Felismino, de cacete na mão, reparando
científicas do seu tempo, buscavam reconstituir a o serviço deles. Pegava com o sol das seis, até a boca da
realidade por meio de suas obras. Assim, destaca que noite [...], paravam às dez horas, para o almoço de farinha
com bacalhau. Comiam na marmita de flandres, lambendo os
em fins do século XIX, a estética naturalista pautava-
beiços como se estivessem em banquetes. E deitavam-se por
se numa concepção fisiológica dos indivíduos e das
debaixo dos pés de juá, esticando o corpo no repouso dos 15
sociedades herdada das ciências naturais. O objetivo era
minutos.[...] (REGO, 2003, p. 74-75)
combinar ficção e objetividade científica, valorizando-se o
texto literário pelo seu caráter de realidade. Na produção Observe o tom saudosista na fala do narrador, que vai
romanesca figuravam narrativas análogas a casos descrevendo o cotidiano dos personagens, os hábitos, a
clínicos de estudo de comportamento. Os estudos de diversidade social e a rotina da fazenda, que na passagem
histeria, novidade científica naquele momento, tornou-se,
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citada é alterada pela chegada de parentes da cidade. Em uma das melhores da fazenda, trabalhava um grupo grande.
outros momentos da narrativa, o autor também aponta Eu, Honório, Nilo, Valentim e uns seis mais, colhíamos.
o contraste entre o comportamento dos que vinham Magnólia, a velha Júlia, Simeão, Rita, João Grilo e outros
juntavam e partiam os cocos. Ficavam aqueles montes de
da cidade e o dos que viviam no campo. Os primeiros
caroços brancos de onde o mel escorria. (AMADO, 1998, p.
com seu modo de vida agitado e os segundos com a
58)
sua vida pacata. De um lado, as personagens parecem
não compreender o modo como as pessoas viviam na
Observe atentamente que há uma preocupação em
fazenda. De outro, a presença delas na narrativa é usada
descrever detalhadamente a paisagem e o universo
para mostrar as particularidades da vida no campo. A
social construído em torno da produção do cacau. A
paisagem natural e humana, bem como a linguagem, a
divisão e a organização do trabalho são destacadas. É
culinária, a religiosidade e as formas de diversão também
possível perceber um tom de denúncia da exploração
são representados.
a que estavam submetidos os trabalhadores. O fato de
Escrito em primeira pessoa, o romance tem como o narrador ser também personagem, dá um caráter de
base as memórias do escritor que passou a infância verdade à sua fala, pois quem fala é alguém que viveu
num engenho paraibano, mudando-se para Recife, onde naquele universo. Entretanto, não podemos nos esquecer
cursou Direito. Como pode ser visto na passagem acima, que a verdade é uma construção e que, mesmo tendo
a vida no engenho, com seus personagens, hábitos e conhecimento de vida sobre o que narra, o autor, ou o
movimento cotidianos são representados, configurando narrador, falam, não a verdade, mas a sua versão sobre
um olhar sobre aquela cultura. Todavia, trata-se de um os fatos.
olhar, que deve ser situado historicamente. Escrito no
Como é possível perceber, Jorge Amado toma o sul
contexto das mudanças que, nas primeiras décadas do
da Bahia como espaço de suas representações. Neste
século XX, levaram à decadência dos últimos engenhos
processo, ele seleciona os aspectos da paisagem e da
de açúcar e da instalação das usinas. Em meio a essas
sociedade que, na sua perspectiva, dão os contornos
transformações, cujos impactos são vistos de forma
dessa cultura, destacando: as relações econômicas,
negativa, o escritor, que passara a infância num engenho
com ênfase na grande propriedade agrícola; as relações
da Paraíba, expõe o seu olhar saudosista, construindo
sociais, ressaltando a exploração dos coronéis sobre
uma visão harmoniosa do passado.
os trabalhadores e a forma de organização do trabalho;
Outro exemplo pode ser visto no romance Cacau de e o cotidiano do trabalho, os hábitos alimentares e as
Jorge Amado, publicado pela primeira vez em 1933. histórias. Assim, o olhar do escritor se constitui como
uma versão, sobre o universo cultural com o qual dialoga.
No sul da Bahia cacau é o único nome que soa bem. As Uma interpretação construída, a partir de suas memórias,
roças são belas quando carregadas de frutos amarelos. Todo das leituras de outras obras, bem como de suas
princípio de ano os coronéis olham o horizonte e fazem as
experiências políticas e do diálogo com o pensamento
previsões sobre o tempo e sobre a safra. E vêem então as
social de seu tempo.
empreitadas com trabalhadores. A empreitada, espécie de
contrato para colheita de uma roça, faz-se em geral com Em compasso com os já citados Jorge Amado,
os trabalhadores, que, casados, possuem mulher e filhos. José Lins do Rego e Raquel de Queiroz, analisados
Eles se obrigam a colher toda uma roça e podem alugar anteriormente, em O tempo e o vento, obra produzida
trabalhadores para ajudá-los. Outros trabalhadores, aqueles entre os anos de 1949 a 1951, o escritor gaúcho Érico
que são sozinhos, ficam no serviço avulso. Trabalham por Veríssimo, buscou representar a formação social do Rio
dia e trabalham em tudo. Na derruba, na juntagem no cocho Grande do Sul.
e nas barcaças. Esses formavam uma grande maioria.
Tínhamos três mil e quinhentos por dia de trabalho, mas nos [...] Maneco recordava sua última visita a Porto Alegre, onde
bons tempos chegaram a pagar cinco mil-réis. Partíamos fora comprar ferramentas, pouco antes de vir estabelecer-se ali
pela manhã com as compridas varas, no alto das quais uma na estância. Achara tudo uma porcaria. Lá só valia quem tinha
pequena foice brilhava ao sol. E nos internávamos cacauais título, um posto militar ou então quem vestia batina. Esses
adentro para a colheita. Na roça que fora de João Evangelista, viviam a tripa forra. O resto, o povinho, andava mal de barriga,
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de roupa e de tudo. Era verdade que havia alguns açorianos sendo utilizada para se referir ao que era mais íntimo,
que estavam enriquecendo com o trigo. Esses prosperavam, ou particular, como religião, família, vida pessoal e,
compravam escravos, pediam e conseguiam mais sesmarias principalmente arte e literatura, ou seja, às produções
e de pequenos lavradores iam se transformando em grandes
humanas, enquanto civilização era usada em referência
estancieiros. Mas o governador não entregava as cartas
ao que é geral e externo à sociedade.
de sesmaria assim sem mais aquela... Se um homem sem
eira nem beira fosse ao paço pedir terras, botavam-no para De acordo com Norbert Elias (1994), enquanto
fora com um pé no traseiro. Não senhor. Terra é para quem “cultura” delimitava as diferenças nacionais entre
tem dinheiro, pra quem pode plantar, colher, ter escravos, os povos, “civilização” minimizava as diferenças,
povoar campos. Maneco ouvira muitas histórias. Assim, expressando o olhar que o Ocidente tinha de si
transformados em coronéis e generais, eles vinham com mesmo, julgando-se superior às sociedades antigas ou
seus peões e escravos para engrossar o exército da Coroa, contemporâneas, consideradas como “primitivas”.
que até pouco tempo era ali no Continente constituído dum O que se observa é que com o passar do tempo
único regimento de dragões. E como recompensa de seus
o termo cultura passa a estar cada vez mais associado
serviços, esses senhores de grandes sesmarias ganhavam
ao que é íntimo, designando tão somente as produções
às vezes títulos de nobreza, privilégios, terras e mais terras.
intelectuais e ar tísticas agenciadas pelos grupos
Era claro que quando havia uma questão entre esses graúdos
e um pobre diabo, era sempre o ricaço quem tinha razão [...].
abastados. Trata-se, segundo Ginzburg (1987), de uma
(VERÍSSIMO, 2001, p. 94)
concepção aristocrática de cultura.
Ao longo do século XX, a Antropologia, a ciência
A apropriação das terras, a desigualdade e as injustiças que estuda o homem como ser cultural, ampliou o
sociais as tensões e os conflitos que envolveram a conceito de cultura, englobando todo o modo de vida
história da região gaúcha são transpostos para o romance de uma sociedade.
e ganham força dramática nas representações do escritor, A este respeito, o antropólogo Clifford Geertz (1978, p.
através de personagens marcantes como Maneco e Ana 15) afirma que a cultura é uma teia de significados onde
Terra. toda ação humana ganha sentido. Nesta perspectiva, o
Como podemos perceber, muitos romancistas homem é concebido como “[...] um animal amarrado
dialogam com as versões produzidas sobre a realidade a teias que ele mesmo teceu”. Deste modo, a cultura é
por cientistas sociais, historiadores e antropólogos. um texto, o qual não está sujeito a leis, mas a múltiplas
Porém, convém ainda discutir sobre o diálogo com interpretações: as dos sujeitos que vivem em determinado
estes últimos, visto que a cultura, objeto de estudo da universo cultural e as daqueles que buscam descrevê-
antropologia, está intrinsecamente ligada à sociedade e a las ou interpretá-las. Estas últimas se constituem como
sua história, sendo pertinente analisarmos esta conexão. releituras das primeiras e não como verdades absolutas.
Deste modo, vamos refletir: Com base nas considerações até aqui colocadas,
podemos afirmar que o escritor, ao produzir uma obra
de ficção tomando uma determinada cultura e seus
O que vem a ser cultura?
sujeitos como referência, está dialogando com este
universo textual. A relação entre Literatura e cultura,
Assim como os termos literatura e história, é, portanto, uma relação intertextual. Trata-se de uma
“cultura” também se configura como uma categoria relação dialógica.
histórica e cultural. Trata-se de um termo polissêmico. Muitos romancistas, através de suas obras, buscaram
Segundo Raymond Williams (1979), até o século traçar a cultura dos espaços representados em suas
XVIII, o termo significava a cultura de alguma coisa, narrativas. Entretanto, conforme já colocado, a cultura é
como colheitas, animais, etc.. Neste período, a palavra um texto, visto que é sempre vista pelas lentes daquele
que designava o pertencimento dos homens a uma que se propõe a lê-la.
organização social era civilização, termo também usado
medir o estágio de desenvolvimento e progresso de um
povo. Neste processo, a palavra cultura, aos poucos foi
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EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
O texto de Franzini aborda as relações dialógicas entre a literatura Vamos sistematizar nossos conhecimentos? Preencha o quadro
e a antropologia enfatizando o papel da cultura no processo de comparativo, destacando as semelhanças e diferenças entre o
construção do texto ficcional. conhecimento literário e o histórico.
LITERATURA HISTÓRIA
FRANZINI, Fábio. Quando a literatura se encontra com a antropologia.
Disponível em: <www.uninove.br/PDFs/Publicacoes/.../dialogv1_
fabiofranzini.pdf.> Acesso em 21/09/2011.
Semelhanças
SÍNTESE DO CAPÍTULO
● Ressaltamos também que apesar da subjetividade do Leia o poema abaixo, publicado em 1942, faça uma pesquisa sobre o
historiador no processo de construção do conhecimento autor, o tempo e o espaço de construção, e identifique:
histórico, este lança mão do método científico de a) O sujeito da escritura.
b) O destinatário.
investigação para construir sua versão da história. c) Os textos exteriores.
E agora, José?
● Destacamos ainda que História e Literatura se A festa acabou,
afastam pelos critérios e princípios que caracterizam o a luz apagou,
seu processo de construção, mas se aproximam pelo o povo sumiu,
fato de serem representações, fundindo realidade e a noite esfriou,
e agora, José?
imaginação.
e agora, Você?
Você que é sem nome,
● Por fim, concluímos que a Literatura mantém uma que zomba dos outros,
Você que faz versos,
relação intextual com a História e com a Cultura, visto que ama, protesta?
que estas também representam leituras, interpretações, e agora, José?
produzidas pelos sujeitos que dão a ler o mundo.
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD
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Anotações
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LITERATURA
E PROCESSOS
IDENTITÁRIOS:
DA CONSTRUÇÃO À
DESCONSTRUÇÃO
CAPÍTULO 3
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Anotações
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Para responder a esta pergunta, ele apresenta cinco As literaturas nacionais respaldam a identidade
aspectos assim constituídos: nacional, configurando-se como produtos e produtoras
da nação, variando, segundo o crítico Eduardo Coutinho
a) A narrativa da nação: contada e recontada (2002), de acordo com as necessidades de afirmação e
nas histórias e literaturas, na mídia e manifestações definição de cada temporalidade. Estudando esta temática,
populares; ele afirma que alguns romances são representativos de
diferentes fases de construção da identidade brasileira,
tais como Iracema, romance produzido em 1865 por José
b) A ênfase nas origens, na continuidade, na tradição, de Alencar, Macunaíma, lançado em 1928 por Mário de
e na intemporalidade e imutabilidade; Andrade, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa,
cuja primeira edição é de 1956.
c) A invenção da tradição: conjunto de práticas, de O primeiro, de acordo com Coutinho (2002),
natureza ritual e simbólica, transmissoras de visões de apresenta uma perspectiva ontológica da identidade
mundo e normas de conduta, através da repetição; nacional, buscando a origem e a essência da nação.
Tem suas origens no Brasil pós-Independência, quando
d) O mito fundacional: a busca da origem, do povo, o intuito patriótico fez emergir o desejo de produzir uma
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literatura que exaltasse a nação que então se formava. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou
Foi uma das expressões do romantismo no Brasil, pães, é questão de opiniões... O sertão está em toda a parte.
movimento estilístico de origem europeia que no Brasil Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente
se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito
ganhou singularidade através da exaltação de elementos
perigoso... O sertão é o mundo. O senhor sabe: sertão onde
locais, tais como a fauna e a flora tropicais, e o índio,
manda quem é forte, com as astúcias. [...] É e não é. O senhor
eleito como símbolo da brasilidade. Assim, segundo o
ache e não ache. Tudo é e não é [...]”. (ROSA, 2006, p. 7-8)
estudioso, o indianismo foi a vertente nacionalista do
romantismo em nosso país, idealizando o índio como A citação acima converge com a tese de Eduardo
bom selvagem. Coutinho (2002) que, ao explicitar o papel da literatura na
Neste cenário, Iracema se configura, conforme construção da identidade nacional, demonstra que esta
o crítico, como o romance de fundação do Brasil. não pode ser definida de forma fixa, mas como processo
Nele, a América é idealizada pelo olhar europeu. A dinâmico e mutável.
índia representa a terra violada. Da sua relação com o É necessário, porém, destacar que identidades
português nasce Moacir. As guerras exaltam a coragem nacionais, concebidas como um todo homogêneo,
e dão um tom épico. Porém, o que ressalta é a missão foram questionadas pela produção literária da “geração
colonizadora européia. de 30”, da qual falamos anteriormente. José Lins do
O segundo, Macunaíma, vincula-se ao modernismo Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado, entre outros,
no Brasil, questionando os pilares que constituíram a ressaltaram em suas obras a diversidade da nação
imagem da nação. Todavia, segundo Coutinho (2002), brasileira. Embora tenham mantido a visão essencialista
apesar de apresentar um discurso negativo e crítico, por da identidade, ao representarem a multiplicidade de
meio da ideia de um herói sem nenhum caráter, mantém espaços socioculturais em suas obras, eles ressaltaram
ainda uma perspectiva ontológica da brasilidade. a multiplicidade dentro da unidade, revelando a
Foi somente com Grande: Sertão Veredas que heterogeneidade da cultura brasileira, presente na ideia
as versões anteriores são colocadas em cheque. A de região.
identidade brasileira, como salienta Coutinho (2002), Todavia, assim como a nação e a identidade nacional
deixa de ser definida de modo ontológico, passando são construções históricas e culturais, a ideia de região
a se configurar como uma construção discursiva. O e identidade regional também são. Como enfatiza Pierre
personagem Riobaldo é um jagunço que afirma não Bourdieu (2003), os critérios da identidade regional
ter certeza de nada e desconfia de tudo. O espaço são representações mentais e objetais, criadas e
existencial dos personagens o sertão, representa uma manipuladas estrategicamente em função dos interesses
identidade sem fronteiras, lugar da experiência humana. materiais e simbólicos das pessoas. Trata-se de lutas de
A passagem abaixo, extraída do romance, representa classificação, cuja compreensão, conforme o teórico, só
bem esta concepção: acontece se rompermos com a ideia de oposição entre
real e representação. Bourdieu (2003) afirma ainda que
O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que as lutas em torno da identidade regional ou étnica se
situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles colocam em consonância com as lutas por monopólio,
dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. pelo poder de determinar uma visão do social por meio
Para os do Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito
da divisão. A realidade é social e as classificações
sertão? Ah, que tem maior”! Lugar sertão se divulga: é onde
tomadas como naturais, segundo o crítico, nada têm de
os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze
naturais, visto que são impostas, delimitando fronteiras
léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso
que produzem a diferença cultural e vive-versa. Em suma,
vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O
Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira
a região não é um dado da natureza, mas da história e
dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens da cultura.
de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em Esta forma de conceber a região e a identidade
mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. regional pode ser melhor observada na construção do
O “gerais” corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Nordeste e da identidade nordestina. Segundo Durval
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EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Muniz de Albuquerque Junior (1999, p. 23), a região ● Os intelectuais da “região”, que se sentem cada vez
Nordeste foi inventada, por meio de discursos e práticas mais longe, tanto geograficamente quanto em termos de
regionalistas agrupadoras de uma série experiências intervenção, dos centros de decisão política, econômica
erigidas como caracterizadoras deste espaço e de e cultural.
sua identidade regional, gestados na produção textual
espacial das relações de poder. Assim, é preciso, Sobre este último aspecto, Durval Muniz de
segundo o estudioso, Albuquerque Junior (1999, p. 50) afirma que:
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD
ligação da produção literária a espaços naturais e fixos. religião. As regiões não dão lugar a literaturas isoladas, mas
contribuem com suas diferenciações para a homogeneidade
da paisagem literária do país.
Sobre estes movimentos, o autor ressalta que, a rigor,
nunca existiu uma literatura do Nordeste. Trata-se de Para o crítico, quanto mais próxima às raízes, mais
uma identidade que foi inventada pela crítica e assumida revigorada é a obra literária e quanto mais distante, dos
pelos autores. focos locais, mais ela se enfraquece.
Assim, coube à crítica a divulgação da concepção Como podemos perceber, a literatura, assim como a
de literatura regionalista, vista como expressão do meio crítica literária em questão, participaram diretamente da
físico e social em que foi produzida. construção da identidade regional, sem, contudo, romper
A este respeito, Marisa Lajolo (1998) ressalta que com a visão essencialista que permeava os discursos da
o regionalismo literário corresponde a uma construção da brasilidade neste contexto.
crítica. Nesse processo, na segunda metade do século Entretanto, conforme vimos anteriormente, o olhar
XIX, destacaram-se: dualista do mundo corresponde a uma construção do
pensamento ocidental. A hierarquização dos contrários,
● Afrânio Coutinho, defensor da ideia de que toda no caso, regional/universal, corresponde a relações de
obra de arte é regional, visto que se localiza num espaço, poder. Assim, é válido frisar que:
extraindo dele a sua substância;
● Toda obra relaciona-se a um lugar, seja como
● Antônio Cândido, o qual concebia o regionalismo cenário de sua trama, seja como lugar de sua construção,
como autodefinição da consciência local, vinculando-o de onde fala o autor. Sob essa perspectiva, toda obra
aos projetos políticos separatistas; poderia ser chamada de regionalista;
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EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Círculo do Como vimos, a identidade regional do Nordeste é uma construção
Livro, 1990. histórica e cultural. O sertão como subárea do nordeste e a identidade
sertaneja também são construções, tendo a literatura como um de
Trata-se de uma obra que marcou o pensamento sociocultural seus agentes. Com base nas leituras realizadas neste capítulo, leia o
brasileiro. Publicado pela primeira vez em 1933, a obra traz romance Vidas Secas de Graciliano Ramos e comente qual a imagem
um olhar positivo sobre a contribuição do negro na história e do sertão veiculada nesta obra.
cultura brasileira, influenciando até os dias atuais o trabalho de
sociólogos, antropólogos, historiadores e romancistas. Uma leitura ___________________________________________________
imprescindível. ___________________________________________________
__________________________________________________
___________________________________________________
SÍNTESE DO CAPÍTULO ___________________________________________________
___________________________________________________
Vamos relembrar o que estudamos neste capítulo? ___________________________________________________
___________________________________________________
● Em primeiro lugar, destamos que as identidades não ___________________________________________________
são fixas, nem imutáveis, são construções históricas e ___________________________________________________
culturais, de cujos processos a literatura tem participação ___________________________________________________
ativa; ___________________________________________________
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___________________________________________________
● Em segundo lugar, afirmamos que as nações e ___________________________________________________
as identidades nacionais são construídas por meios de ___________________________________________________
representações, presentes em narrativas, tradições e ___________________________________________________
mitos que criam um sentimento de pertencimento e de ___________________________________________________
unidade; ____________________________________________________
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Anotações
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GLOSSÁRIO
Neutralidade: imparcialidade.
Paradoxo: contradição.
LICENCIATURA EM LETRAS 47
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Anotações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD
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54 LICENCIATURA EM LETRAS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD
Anotações
LICENCIATURA EM LETRAS 55
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Anotações