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Sobre as igrejas vazias e o vazio das Igrejas - refletindo Tomáš Halík

O Sr. Padre Francisco lembrou-se de me desafiar a ler um “pequeno” ensaio, “O Sinal Das Igrejas Vazias. Para Um
Cristianismo Que Volta A Partir”1, de um teólogo atual, Tomáš Halík, e a escrever sobre o mesmo. Ler Tomáš Halík
é em si mesmo desafiante, de tão interpelante e profunda que é a sua reflexão. Ler, refletir e escrever um texto,
que outros lerão, triplica o desafio…

“O nosso mundo está doente”


A pandemia do “Novo Coronavírus SARS-CoV-2” conduziu-nos a uma paragem forçada. Acredito que quando nos
convidaram/ obrigaram ao distanciamento social e depois ao confinamento, apelando ao dever de recolhimento,
nunca imaginámos que passados dois meses ainda estaríamos a viver esta situação.
Muitos de nós acreditávamos que seria coisa passageira e que mais tarde ou mais cedo voltaríamos ao “normal”,
isto é, às mesmas rotinas a que estávamos habituados. É certo que uns poucos continuaram a agir como se nada
se estivesse a passar e outros tantos anseiam a um regresso ao passado mas, na esteira de Halík, também eu estou
convencido de que nada voltará a ser como antes ou, pelo menos, tenho esperança de que regressaremos ao futuro
de um mundo novo, de um mundo diferente.
“O nosso mundo está doente” e não é apenas devido ao COVID 19! A globalização trouxe consigo imensas
oportunidades, sendo a maior delas a oportunidade de vivermos ou de sermos ou de nos olharmos como habitantes
de uma “casa comum”. Mas ao primeiro sinal de alarme… perante “a vulnerabilidade global de um mundo global”
(Halík, p. 7) as respostas que fomos percebendo foram mais da ordem do «salve-me eu», «salve-se quem puder»
do que do «irmão/vizinho de que precisas?». A atual situação pandémica apenas expôs as fragilidades deste mundo
globalizado, tornou visíveis quer as brechas que os conflitos e ameaças reais ou latentes das duas últimas décadas
(11 de setembro, Al Qaeda, Iraque, “primavera” árabe, Síria, Crimeia, Coreia do Norte, Estado Islâmico, ataques
terroristas em Madrid, Londres, Paris…) abriram, quer o recrudescer do populismo e do nacionalismo que
alimentam ódios antigos, o racismo e a xenofobia (dos E.U.A. ao Brasil, da Hungria à Turquia ou da Coreia do Norte
à Rússia).
Perante estes desafios como responder enquanto cristãos, como Igreja? Aproveitando a metáfora do “hospital de
campanha” que o Papa Francisco utilizou, Tomáš Halík considera que a Igreja deve ir além da assistência,
assumindo também tarefas proféticas de diagnóstico, de prevenção e de convalescença, isto é, deve ser capaz de
discernir os “sinais dos tempos”, de ajudar a criar defesas para prevenir “os vírus malignos do medo, do ódio, do
populismo e do nacionalismo” (Ibidem pp. 7-8) e de viver e anunciar o perdão como meio para curar os traumas
do passado recente e remoto. No dizer de Halík, precisamos de “compreender a linguagem de Deus” e de
redescobrir o rosto de um Deus que é “amor humilde e discreto”, de um Deus que, perante as grandes dificuldades,
age “como uma fonte de força que opera naqueles que, nessas situações, dão provas de solidariedade e de um
amor capaz de sacrifício” (Ibidem pp. 8-9).

1
Halík, Tomáš (2020). O Sinal Das Igrejas Vazias. Para Um Cristianismo Que Volta A Partir. Paulinas Editora. Disponível em:
https://www.paulinas.pt/loja/autores/tomas-halik/o-sinal-das-igrejas-vazias/

1
“As igrejas vazias ou fechadas”
Refletindo sobre este momento histórico, Halík olha para as igrejas vazias ou fechadas como “como se fossem um
sinal e um desafio provenientes de Deus” (Ibidem p. 8). Não será uma admonição do que se avizinha, questiona.
“Talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido nas Igrejas
e o seu possível futuro” (Ibidem p. 9).
Tomáš Halík convida-nos a olhar para nós próprios como Igreja que somos, para a nossa realidade concreta de
pessoas e de comunidades: temos assistido ao envelhecimento progressivo das nossas comunidades, à diminuição
do número de crianças que frequentam a catequese face ao total das que têm idade para a frequentar, à diminuição
da prática dominical entre os que se dizem católicos; ao mesmo tempo, perante as grandes questões (a vida, a
morte…) ou perante os acontecimentos que emergem, a nossa resposta como Igreja é reativa que proativa, tantas
vezes a reboque de outras respostas da sociedade ou das propostas que o Santo Padre tão oportunamente nos vai
lançando.
Mas, que rosto de Deus damos a conhecer? Relembro o desafio que o Papa Francisco nos lançou há sete anos na
Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”: o desafio de uma “Igreja em saída” ao encontro de “todas as
periferias”. Recordo-me também da azáfama em procurar corresponder ao Santo Padre, com iniciativas várias,
propostas de “saída” para todos os gostos…, mas recordo também de, concordando com o desafio do Papa
Francisco, me questionar e de questionar: «vamos ao encontro das periferias levar o quê? Mostrar o quê?»,
refletindo sobre a necessidade de olharmos para dentro de cada um de nós, de cada comunidade e de nos
perguntarmos que rosto de Deus, de Jesus iríamos mostrar, como estava a “casa” de família iria receber quem nos
viesse visitar. Tenho bem presente ter proposto que era importante cuidarmos do que está dentro, isto é, da casa
e de quem a habita para, então, de coração renovado e de rosto “lavado” sairmos! E sairmos não apenas porque
sim, porque era preciso sair, mas como os que “«primeireiam», os que se envolvem, que acompanham, que
frutificam e festejam […], os que tomam iniciativa!” (EG 24). Porque é sempre válido o espanto dos «de fora» face
aos cristãos da Igreja nascente: “Vedes como eles se amam!”.
Ontem como hoje o desafio mantém-se e é cada vez mais premente. Como nos diz Halík “estivemos demasiado
preocupados em converter o «mundo» (o «resto») e menos preocupados em convertermo-nos a nós mesmos”,
ou seja, “passar radicalmente de um estático «ser cristãos» a um dinâmico «tornar-se cristãos»” (Ibidem p. 9).
Neste sentido o autor compele-nos a “ir ao centro do Evangelho, fazer uma viagem ao interior” (Ibidem p.10), a
deixarmo-nos de operações de cosmética e a dispormos o nosso coração a escutar Jesus que está à porta e bate.
Tomando as palavras do Papa Francisco, diz-nos Halík: “hoje, Cristo está a bater a partir do interior da Igreja e quer
sair (Ibidem p. 12).

“O vazio das igrejas recorda o túmulo vazio”


A comparação entre o túmulo vazio e as igrejas vazias no dia de Páscoa é inevitável e como bem nos recorda
Tomáš Halík “não ignoremos a voz do Alto: «Não está aqui. Ressuscitou! Preceder-vos-á na Galileia.»”, deixando
a questão: “Onde é a Galileia de hoje, onde podemos encontrar o Cristo vivo?” (Ibidem p. 12).
Para responder a esta questão, o teólogo oferece-nos duas constatações de ordem sociológica: por um lado, a
diminuição dos que se identificam com uma “forma tradicional de religião” e dos que professam um ateísmo
dogmático; e por outro lado, o aumento dos que “estão «à procura» (seekers)”, dos buscadores de Deus e dos
indiferentes e apáticos relativamente à religião. Para Halík a “Galileia de hoje” é o grupo dos que estão à procura,
sejam eles crentes ou não crentes, isto é, sejam aqueles para quem a fé é um caminho e continuam procurando o

2
Senhor ou aqueles que, não crendo, sentem “desejo de algo que satisfaça a sua sede de significado” (Ibidem p.
13).
Assim, procurando dar resposta às questões que Halík nos coloca, comungamos das suas propostas:
– se é aí a nova Galileia, então temos de procurar Cristo ressuscitado entre os que o procuram;
– “é preciso procurá-lo também por entre as pessoas marginalizadas, no interior da Igreja, entre «aqueles
que não nos seguem»” (Ibidem p. 13);
– é tempo de limpar a nossa inteligência, o nosso coração e o nosso espírito de ideias erradas sobre Jesus;
como S. Tomé é preciso “tocar as suas feridas” para O reconhecermos(!);
– “Devemos pôr de lado os nossos objetivos de proselitismo” (Ibidem p. 14). Cristo propõe-se não se impõe!
Devemos abrir-nos ao diálogo sem preconceitos, “um diálogo com os que procuram, um diálogo no qual
possamos e devamos aprender uns com os outros” (Ibidem p. 14);
– “Já não basta abrir, magnânimos, um «pátio dos gentios». O Senhor já bateu à porta a partir «de dentro»
e saiu; a nossa missão é procurá-lo e segui-lo” (Ibidem p. 14). O convite a uma “conversão interior” ressoa,
deixemo-nos converter por Jesus, para que, por Ele renovados, possamos sair a procurá-Lo na nova
Galileia. Precisamos de conversão para que em nós e na Igreja (comunidade) brilhe o rosto luminoso de
Cristo!
Termino como termina Tomáš Halík não apenas porque me revejo nas suas palavras, mas porque constitui um
poderoso apelo à “procura de Deus «em todas as coisas»”:
“Sejamos corajosos e tenazes em procurá-lo, e não nos deixemos apanhar desprevenidos se nos aparecer sob a
veste de um estrangeiro. Reconhecê-lo-emos nas suas feridas, na sua voz, quando nos falar intimamente, no
Espírito que traz paz e afasta o medo” (Ibidem p. 17).

António Oliveira

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