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Resultados e Discussões

O romance “Outros Cantos” da autora Maria Valéria Rezende, que foi


indicado ao prêmio Jabuti no ano de 2017, conta a história de Maria, que era uma
alfabetizadora, ela começa a história em uma viagem de ônibus, enquanto essa
viagem transcorre ela começa a relembrar a primeira vez que ela foi ao sertão, há
quarenta anos atrás, com a missão de alfabetizar as pessoas do povoado de Olho d’
Água. A narrativa do livro se mescla em passado e presente, como podemos
perceber na citação:

Os faróis deste carro velho são tão fracos que não mostram nada do
caminho, nada me distrai das imagens que voltam da minha primeira
tarde naquele outro sertão. Deixo divagar a memória enquanto todo o
resto, o caubói, o ônibus, a caatinga, a estrada, mergulha na
escuridão. [...] Vejo-me outra vez jovem ainda [...] naquele povoado
cujo nome explicava a razão de sua existência, tão longe de tudo:
Olho d’Água, como tantos outros mínimos oásis espalhados pela
vastidão das terras secas. [...] eu quase já não podia crer que esse
sertão ainda haveria de ser mar. As esperanças trazidas na minha
bagagem pareciam resistir menos do que aquelas árvores esquálidas
e não conseguiam permanecer incólumes nem um dia inteiro diante
do vazio daquele lugar. (REZENDE, 2016, p. 10-11)

Essa narrativa do passado é composta por vários relatos de personagens


locais que são os sertanejos que habitavam o povoado, contando suas lutas,as suas
tristezas, as suas pequenas alegrias, alguns relatos são muito comoventes, outros
bem humorados. Os personagens dessa história são os próprios sertanejos, os
moradores de Olho d’ Água, e o foco do livro são os relatos desses sertanejos e o
que Maria aprendeu com eles, a personagem que mais se destaca é a sertaneja
Fátima, que é a mulher que acolhe Maria, e ela representa toda a simplicidade, toda
cultura toda a sabedoria do sertanejo com quem Maria acaba aprendendo muito.
Essa história se passa em dois momentos, 2014 quando Maria tá viajando
de ônibus, que ela vai fazendo comparações como o que melhorou e piorou entre o
sertão de quarenta anos atrás e o sertão que ela está vendo agora, e essa narrativa
do passado foi o período do regime militar e da ditadura militar no Brasil.
O livro também trás uma grande crítica a indústria da seca, exemplificada
pelo dono que era como se fosse um Deus, ninguém o conhecia nem sabia o seu
nome, mas ele era dono de tudo, ele era dono do comércio de redes que é o
comércio de qual dependia a população local, era dono das terras, dono da água, e
inclusive guardava com ele os títulos de eleitores dessa população.
A protagonista, Maria também narra as experiências, as vivências, os ideais
e os anseios dela, dentre eles o de propiciar mais consciência crítica e o de dar voz
aos alienados trabalhadores sertanejos de Olho d’Água para poder lutar contra as
terríveis opressões e explorações socioeconômicas que eles sofriam como é
expresso no seguinte excerto da narrativa:

Depois de meu longo périplo, praticamente sozinha, por três


continentes, acreditava-me pronta para tudo. Saberia, sim, abrir uma
frente de inserção, preparar pacientemente a vinda dos demais para
fermentar, por longo tempo, a consciência, a organização, a longa
luta, verdadeiramente popular, de baixo para cima, alastrando-se
pouco a pouco por todo o país e o continente, contra todas as formas
de opressão. (REZENDE, 2016, p. 105)

A principal missão de Maria quando vai para o sertão era alfabetizar


pessoas mais velhas, principalmente as pessoas que votavam, e a outra missão,
que podemos chamar de missão clandestina era conscientizar a população de sua
força, da sua força como povo. As memórias de Maria constituem uma forma de
resistência, como se evidencia no desfecho desse romance, Outros Cantos:

Clareia a madrugada. Volto finalmente, de vez, a este presente no


qual ainda creio ter uma missão, infindável mas impossível de
abandonar, alicerçada na paciência e na esperança a resistir, há bem
mais de quarenta anos, aos percalços, aos avanços, às decepções,
aos eternos desafios, o legado mais precioso do povo de Olho
d’Água. Pela janela do ônibus já se veem, ao longe, as luzes ainda
acesas da cidade onde outros me esperam para abanar com minhas
palavras as brasas de suas esperanças, razão de mais esta viagem,
ainda movida a sonhos. (REZENDE, 2016, p. 145-146)

A representação da sertaneja Fátima assume especial relevância na


trajetória da narradora-protagonista, Maria. O romance toma como base o conceito
não essencialista de gênero, e também conceitos operatórios da crítica feminista da
literatura.
As considerações sobre a construção da personagem Fátima e do ambiente
em que ela vive o sertão fictício de Olho d’Água à época da ditadura militar, é muita
marcada pela dominação masculina. A personagem Fátima pode ser enquadrada a
meio caminho entre mulher-objeto e mulher-sujeito, oscilando entre as duas
posições, mesmo que não demonstre uma intenção deliberada de transgredir.

Referências:

REZENDE, Maria Valéria. Outros Cantos. 1ªed. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.

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