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ANA PAULA TAVARES

Poetisa e historiadora nascida em Lubango, na província de Huila, em 1952. Obteve o grau de Mestre em
Literaturas Africanas pela Universidade de Lisboa.

Ana Paula Ribeiro Tavares (Lubango, província da Huíla, Angola, 30 de Outubro de 1952) é uma historiadora e
poetisa angolana. Iniciou o seu curso de história na Faculdade de Letras do Lubango (hoje ISCED, Instituto
Superior de Ciências da Educação do Lubango), terminando-o em Lisboa. Em 1996 concluiu o Mestrado em
Literaturas Africanas. Atualmente vive em Portugal, faz o Doutoramento em literatura e leciona na Universidade
Católica de Lisboa. Sempre trabalhou na área da cultura, museologia, arqueologia e etnologia, património,
animação cultural e ensino.

A escrita de Ana Paula Tavares sofreu influência de autores brasileiros, como Manuel Bandeira, Jorge Amado,
Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto, cujas obras chegavam a Angola por meio de
viajantes. Segundo a poeta, não só a literatura, mas também a música brasileira influenciou sua escrita.

RAPARIGA BOI À VELA

Cresce comigo o boi com que me vão trocar Os bens nascidos na huíla
Amarraram-me às costas, a tábua Eylekessa são altos, magros
navegáveis
Filha de Tembo de cedo lhes nascem
cornos
organizo o milho
leite
cobertura
Trago nas pernas as pulseira pesadas
Dos dias que passaram... os cornos são volantes
indicam o sul
Sou do clã do boi — as patas lavram o solo
deixando espaço para
Dos meus ancestrais ficou-me a paciência a semente
O sono profundo do deserto, a palavra
a solidão>
a falta de limite...
A ABÓBORA MENINA
Da mistura do boi e da árvore
Tão gentil de distante, tão macia aos olhos
a efervescência
vacuda, gordinha,
o desejo
de segredos bem escondidos
a intranqüilidade
a proximidade estende-se à distância
do mar procurando ser terra
quem sabe possa
Filha de Huco acontecer o milagre:
Com a sua primeira esposa folhinhas verdes
Uma vaca sagrada, flor amarela
concedeu-me ventre redondo
o favor das suas tetas úberes depois é só esperar
nela deságuem todos os rapazes.
A MÃE E A IRMÃ O CERCADO

A mãe não trouxe a irmã pela mão De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
viajou toda a noite sobre os seus próprios passos feito pelas tuas mãos
toda a noite, esta noite, muitas noites e fios do teu cabelo
A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado cortado na lua cheia
a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das guardado do cacimbo
espigas no cesto trançado das coisas da avó
[vermelhas
A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites Onde está a panela do provérbio, mãe
[todas as noites a das três pernas
com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste e asa partida
e só trazia a lua em fase pequena por companhia que me deste antes das chuvas grandes
e as vozes altas dos mabecos. no dia do noivado
A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção
no pano mal amarrado De que cor era a minha voz, mãe
nas mãos abertas de dor quando anunciava a manhã junto à cascata
estava escrito: e descia devagarinho pelos dias
meu filho, meu filho único
não toma banho no rio Onde está o tempo prometido p'ra viver, mãe
meu filho único foi sem bois se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
para as pastagens do céu p'ra lá do cercado
que são vastas
mas onde não cresce o capim. NOVEMBER WITHOUT WATER
A mãe sentou-se
fez um fogo novo com os paus antigos Olha-me p´ra estas crianças de vidro
preparou uma nova boneca de casamento. cheias de água até às lágrimas
Nem era trabalho dela enchendo a cidade de estilhaços
mas a mãe não descurou o fogo procurando a vida
enrolou também um fumo comprido para o cachimbo. nos caixotes de lixo.
As tias do lado do leão choraram duas vezes
e os homens do lado do boi Olha-me estas crianças
afiaram as lanças. transporte
A mãe preparou as palavras devagarinho animais de cargas sobre os dias
mas o que saiu da sua boca percorrendo a cidade até os bordos
não tinha sentido. carregam a morte sobre os ombros
A mãe olhou as entranhas com tristeza despejam-se sobre o espaço
espremeu os seios murchos enchendo a cidade de estilhaços.
ficou calada
no meio do dia. *
Chegas
eu digo sede as mãos
fico
bebendo do ar que respiras
a brevidade

assim as águas
a espera
o cansaço.

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