Você está na página 1de 5

Capyrighr 2006 Rildo Cosson

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

Capa e diagramação
Gustavo S. Vilas Boas
Revisão
Lilian Aquino
Ruy Azevedo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cr)


(CâmaraBrasileira do Livro,sP, Brasil)
Cosson, Rildo
Letramento literário : teoria e prática / Rildo Cosson.
2. ed., 3 reimpressão, - São Paulo: Contexto, 2014.

Bibliograha.
ISBN 978-85-7244-309-8

1. Leitura 2. Letramento 3. Literatura -


Estudo e ensino 4. Literatura - História e crltica
5. Literatura e sociedade 6. Textos I. Tírulo.

05-8146 CDD-807
Indices para catálogo sistemático:
1. Leitura literária : Ensino 807
2. Literatura: Estudo e ensino 807

EDITORA CoNTexTO
Diretor editorial: Jaime Pinsky
Rua Dr. José Elias, 520 Alto da
-

Lapa
05083-030- São Paulo - SP
PABX: (11) 3832 5838
contexto@editoracontexto.com.br
www.editoracontexto.com.br

2014

Proibida a reprodução total ou


Os infratores serão parcial.
processados na forma da lei.
Aula de literatura:
o prazer sob controle?
Ler, no sentido de construção de sentidos a partir de tertos, supöe
normas, códigos de interpretação aprendidos numa comunidade supõe
a aprendizagem de comportamentos face ao texto e ao contexto onde se
lé, comportamentos "oficialmente" sancionados e culturalmente aceites
relativamente ao que deve ser uma leitura apropriada, ao que deve ser
resposta do leitor e, também, ao que é texto válido. Nesta perspectiva, os
códigos de leitura ensinados, qualquer que seja o modelo pedagógico,
podem ser vistos como conjuntos de constrangimentos na relativa (e
enfatizo relativa) liberdade interpretativa dos alunos leitores
Maria de Lourdes da Trindade Dionisio.
A construço escolar de comunidade de leitores (2000).

Ao receber os alunos de Letras na


disciplina Teoria da Literatura, costumava fazer
um teste sobre suas expectativas a respeito do que e como iriam estudar literatura.
O teste trazia a
seguinte situação: calouro de Matemática cumprimentava seu
um

colega de Letras dizendo que gostaria de tera boa vida deste, pois não devia ser
dificil um curso que consistia em ler poemas e romances, o
que qualquer pessoa
fazia normalmente por
prazer. O aluno de Letras deveria replicar ao aluno de
Matemática dizendo qual a diferença entre ler romances e poemas em casa e ler
romances e poemas na universidade.
Os alunos davam
respostas bastante diversificadas, de acordo com o
conhecimento prévio sobre a literatura como disciplina escolar. De um modo
geral, buscavam defender, sob argumentos de consistència variada, que estudar
e pratica
Letramento
literário: teonia
26 Aula de literatura 27

resolver operações matemáticas

algo tão complexo quanto pós uma


literatura era
ndo uma
de lado e, invocand. honestid. exploradade maneira adequada. A escola precisa ensinar o aluno a fazer essa
me chamou
um aluno que
dessas aulas, de conhecimente
princípio básico
em qualquer relaço
indagou: exploração. Por fim, não se trata de cercear a leitura direta das obras criando
sempre julguei
ser
apenas ler os
textos literários? uma barreira entreelase o leitor. Ao contrário,o pressupostobásico é de que o
"Professor, por que não podemos dife alunoleia a obra individualmente, sem o que nada poderáserfeito/E claro que
em outros cursose em iferentes situações, outras
se repetiria
Essa pergunta
do ensino funda
o ültimo ano não estamos advogando que a única maneira possível de ler um texto literário
meu filho cursava
formas. Na escola em que seja aquela realizada na escola. Aqui vale o aprendizado dos autodidatas. Um
área de Língua Portuguesa
trouxe uma novidade
para a reunia
a coordenadora da
a escola adotaria um
escritor de romances populares declarou, em uma entrevista, orgulhosamente
de pais e mestres. A partir daquele ano, programa de leituns
visando melhorar o desempenho escolar dos alun0S. Esse programa consistiris
ser autodidata, mas confidenciou que se ressentia da ausência de ordenamento e
stiria da facilidade de manipular os textos que o letramento literário feito pela escola
na leitura de obras literárias previamente selecionadas por uma especialista em

iteratura infanto-juvenil. A famiia, a quem aberia adquirir um livro por aluno,


proporciona. Para ele, dominar o discurso literário havia sido um processo muito
mais dificil do que para aqueles que frequentaram com regularidade a escola e
deveria incentivar a leitura que seria feita em casa. Na escola, os alunos trocariam
os livros entre si dentro de cada turma.Quando indaguei o que seria feito após a nela completaram suaformação
leitura,ela reiterou que os alunos trocariam os livros entre si até terem lido todos Outrá pressuposiçabé que ler é um ato solitário Por isso, não haveria sentido
em se realizar a teitura na escola, porqueseria desperdiçar um tempo que deveria
os livros destinados à turma. Pareceu-lhe muito estranho que a simples troca de ser usado para aprender.
livros não fosse considerada por mim uma atividade suficiente Eclaro quetalafirmação nãoleva em consideraçãooutras
para constituir um
programa de leitura envolvendo textos literários.
formasde leitura que não asilenciosa, pois a oral tende aser um ato transitiyo,
posto que a voz se eleva para outros ouvidos. No sentido de que lemos apenas
0Não é possível aceitar que a simples atividade da leitura seja considerada a
atividade escolar de leitura literária. Na verdade,
com osnossos olhos, a leitura é, de fato, um ato solitário, mas a interpretação é
apenas ler é aface mais visível da umatosolidário, O trocadilho tem por objetivo mostrar que no ato da leitura está
resistènciaao processo de letramento literário na escola. Por trás dele encontram- envolvido bem mais do que o movimento individual dos olhos. Ler implica troca
se
pressuposições
sobre leitura literatura que, por pertencerem ao senso comum,
e
desentidos não.sóentre o escritoreoleitor mas também com a sociedadeonde
não são sequer verbalizadas. Daí a pergunta honesta e o estranhamento
coloca a necessidade de se ír além quando se ambosestäãolocalizados, pois ossentidossão resultado de compartilhamentos de
da simples leitura do texto literário
deseja promover o letramento literário. quando se visoesdo mundoentre oshomensno tempo e no espaço,)
Uma dessas SAoler,estou abrindo uma portaentre meu mundo e o mundo do outro.
pressuposições é que os livros falam por si mesmos ao lei
Afinal, se lemos as obras
sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando se
literárias fora da escola com faz a passagem de sentidos entre um e outro. Se acredito que o mundo está
dadas
instruções especiais, por que a escola prazer sem que no ejam
letura: A precisa se ocupar de tal forma de absolutamente completo e nada mais pode ser dito, a leitura não faz sentido
resposta para
elaencerra. Em primeiroessa_pergunta está para mim.E precisoestar aberto à multiplicidade do mundo e à capacidade
na
desconstrução do sous
lugar, nossa leitura fora dapalavrade dizè-lo paraque aatividade da leituraseja significativa. Abrir-
condicionada pela maneira como,ela nos da escola está
esta fortemente
1O
Jatos, jamas falam por si mesmos. ensinou a ler. Os liyroS mo Seao outro para compreende-lo, ainda queisso não implique aceitá-lo, é o
gesto essencialmentesolidário exigido pela leitura de qualquer texto.obom
iepretaço que usamos,e grande (Oparte.deles
que os fazem falar
são os meca mos de eitor/ portanto, é aquele que agencia com os textos os sentidos do mundo,
a letura literária que a são
escola objetiva processar aprendidos na escold a0
a escola. Depoi
Compreendendoque a leitura é um concerto de muitas vozese nunca um
entretenimento que a-leitura de visa mais que silp monólogo. Por isso) o ato físico de ler pode até ser solitário, mas nunca deixa
literatura é um lócus de fruição_proporciona,
conhecimento e, para que funcione No ambien escolar,

de ser solidátio.
funcione como
como tal, convem 3
e praica
feon6

Letramento ferano Auia de iteratura 29


28

expressar o que sentimo.


nos na leitura
também a ideia
de que é imposSIVeL
Há Os
sentimentos
ados
despertad pelo literário seriam
texto
. bem. Mantida em adoração, a literatura torna-se inacessivel e distante do leitor,
dos
textos literários.
palavVras para
dizé-los. oda tentativa
Toda tent.

estari a terminando porIhe ser totalnente estranha. Esse éo caminho mais seguro para
não haveria
passaria de exercicios estéreis. Essa defes
tão inefáveis que exercícios estéreis destruir a riqueza literária. A análise literária, ao contrário, toma a literatura
fracasso, logo n o
prioidestinada
ao
da impossibilidade de sua
e de . como um processo de comunicação, uma leitura que demanda respostas do
exacerbada dos
sentimentos do leitor, ou

epifania
expressão,
"

leitor, que o convida a penetrar na obra de diferentes maneiras, a explorá-la


uma experiéncia mística, uma
leitura literária-<omo sua sob os mais variados aspectos. E só quando esse intenso processo deinteração
experiênciasm
alguma o de
trata a

intraduzibilidade. Todayi,
mesmoas
fosse
maneira se efetiva que se pode verdadeiramente falar em leitura literária. à segunda
é
transmitidas por aquelesquea
experienciaram, porque se não assim
assim
teríamos t

que, como já o afirmamos acima,aprendemos aler literaturado mesmo modo


linguagem que nos faz humanos_e, portanto,
de aceitar o fracasso da própria Além disso, nada comoaprendemos tudo mais,isto é, ninguém nascesabendo ler literatural Esse
capazes de experiências que vo
alem dos cinco sentidos. mais
aprendizado podeser bem ou malsucedido, dependendo da maneira como foi
em palavras aquilo que foi prOvocado por palavro.
lóaico do que transformar efetivado, nmas não deixará de trazer consequèncias para do leitor.
a formação
dessa mesma ideia, defende-se que a verbalizacãa
Em uma versão menos radical Nesse sentido/quem passou pelaescolapreenchendo leitura
fichasde
meramente

do que foi sentido ou compreendido apenas empobrece diálogo


o íntimo entre
dificuldade de apreciar a beleza de uma obra literária
classificatórias terágrande
o leitor e o escritor. mais complexa,(ma_ hão sentirá dificuldade de fruir a ficção que se lhe oferece
Denavo,estamos diante do equívoco detratar a leitura literária como yma nas bancas de revistas.Longe de destruir a magia das obras, a análise literária,
atividade tão individialque não poderi ser compartilhada, mas já sabemos que quando bem realizada, permite que o leitor compreenda melhor magia e
essa

éjustamente o coptráriorOefeto de preximidade que o textoliterário traz é literatura é justamente o


a penetre com mais intensidade O segredo maiorda
T
produto de sua inserção profundaem uma sociedade, éresultado dodiálogo
gue envolvimento único que ela nos'proporciona em um mundo feito de palavras.
elenos permitemanter como-mundoe comos outros. Embora essa experiência O conhecimento decomo esse mundoéarticulado, como ele age sobre nós, não
possa parecer única para nós em determinadas situações, sua unicidade reside eliminará seu poder, antes o fortalecerá porqueestaráapoiado no conhecimento
que ilumina e não na escuridãodaignoráncia. Desse modo, cumpre não esquecer
mais no quelevamosaotexto.doquenoque.elenos.oferece. Epor essa razão que
lemos o livro de maneira diferente.em diferentes etapas de nossas vidas.
mesmo as ponderações de Ligia Chiappini Leity em Invasão da catedral: literatura e
Tudo isso fhca ainda mais evidente
quando percebemos que.o.que expressamos ensino em debate (1983). Paraela, o professoyde Literaturanão pode subscrever
ao final da leitura de livro não säão sentimentos, mas sim os sentidos
um o preconceito dotextoliteráriocomo monumento, posto na sala de aula apenas
do texto
Eé esse
compartilhamento que faz aleitura literária ser tão significativa em uma para reverência e admiração do gênio humano. Bem diferente disso, é seu dever
comunidade de leitores.) explorar ao máximo, comseus alunos, as potencialidades desse tipo de texto. Ao
literatura
Por fm, em uma posição usualmente complementar à anterior, argumenta professorcabecriaras.condições para que encontro do aluno
o com a

Seque a leitura literária praticada na escola, também chamada análise literaria, seja uma busca plena de sentido para otextoliteráriopara o próprio.aluno e

destruiria amagia eabeleza da obra ao rvelar os seus para a sociedadeem que todos estão inseridos. d
A
máxima que governa os que defendem tal posição émecanismos
que a
de cosu
palavra poëtica
Em suma, se quisermos formar leitores capazes de experienciar toda a força
contrário do que
mira com
prioridade a poesia) é
uma.expressão tão absoluta que devemos ap humanizadora daliteratura,nãobasta apenasnãoler.existe
Até porque, ao

tal coisa. Lemos da maneira


Contemplá-la, mudos e extasiados. acreditam os defensores da leitura simples,
objeto discussão
de Qualquer tentativa de tornar uma oa em
como nosfoiensinado ea nossa capacidade de leitura depende, em grande parte, desse
m¡is.especifica do que a enunciação do êxtase redunda i na modo de ensinar, daquilo que nossa sociedade acredita ser objeto de leitura e assim
guebra de sua aura. Acontestação de tal posico realiza-se em A
Arimeira que essa atitude duas direo por diante. Aleiturasimpleséapenasaforma maisdeterminadadeleitura,porque
sacralizadora da literatura lhe faz mais mal do que
Letramento literário:
teoria e prática
30

no ato de lere
simplicidadetodosasimplicações
contidas
escondesobaapárência de leitura que o letramento literário
iralémda simples
de serletrado| Ejustamente para Na escola, a leitura literária tem a funçãode
educativo.
é fundamentaB no processo possibilita a criação do
hábito de leitura
não porque
nos ajudara ler melhor,
apenas
fornece.comonenhum
sim, e sobretudo, porque nos
ouporque seja prazerosa,mas articularcom
instrumentos necessários para.conhecer e
outro leitura
tipo de faz, os
proficiência o mundo feito linguagem.

Você também pode gostar