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Como identificar se é trinca ou fissura?

Figura 1 – Revista Téchne: Edição 160 de Julho de 2010

Há 10 anos, o repórter Rodnei Corsini, da Revista Téchne, então uma das


mais importantes do setor da Construção , me procurava por indicação do
pesquisador e professor Ercio Thomaz, para uma entrevista
sobre fissuras e as tecnologias envolvidas na sua recuperação. Não
seria uma tarefa fácil tentar explicar a um leigo, mesmo sendo um
repórter da área, a teoria por trás das fissuras e os diversos “produtos”
e experiências utilizadas no seu tratamento! 

Para facilitar nossa conversa, resolvi entregar-lhe minha dissertação de


mestrado apresentada ao IPT em 2005, sob o título “Avaliação de
Sistemas de Recuperação de Fissuras em Alvenaria de Vedação ”. E
não é que o Corsini leu as quase 200 páginas e as resumiu
brilhantemente em um artigo que levo, orgulhosamente, até os dias de
hoje como um dos mais lidos da Téchne!

Dez anos são passados desde a sua publicação e 15 da apresentação da


dissertação. Neste período vivemos grandes transformações na
Construção, passando do “boom” entre os anos de 2008 e 2012, a
recessão dos anos 2013 a 2018 e hoje nos vemos, se não fosse o novo
coronavírus (COVID-19) , em um novo momento de crescimento – que
acredito, virá tão logo passemos esta fase letal do vírus. 

E o que mudou nas técnicas de tratamento e nos materiais? Por isso,


resolvi revisitar o assunto! Surgiram novas tecnologias, novos
materiais, novos sistemas de reparo e tratamento de fissuras. As
“velhas” técnicas foram revisitadas e revisadas por este autor, respaldado
na experiência prática, por novos estudos acadêmicos e por outros
colegas e consultores da área neste período, as quais não pretendo aqui
esgotar o assunto, mas deixar o leitor mais próximo destes novos
sistemas.

O objetivo principal deste trabalho é, portanto, ordenar de forma


sistemática os principais sistemas de recuperação de fissuras em
vedações verticais e em seus revestimentos e, após o correto
diagnóstico das causas geradoras,  fornecer condições para se escolher
qual(is) o(s) sistema(s) de recuperação mais adequado(s) frente às
condições de aplicação (disponibilidade de materiais, de equipamentos e
de mão de obra) e de exposição (variações sazonais ou deformações
estruturais).

AFINAL, FISSURAS OU TRINCAS?

Não há um consenso em relação ao termo fissura  e muitas são as formas


de identificá-la, como: através de um limite de abertura e/ou aspecto
visual.

        Quanto à Abertura 

Algumas bibliografias definem fissura de forma simplificada, com o


objetivo de padronizar um limite de abertura. Na versão anterior da
NBR 9575 (ABNT, 2003 [1]), esta norma limitava a abertura da fissura
em 0,5 mm. MASSON [2] aumenta um pouco este limite visual e define
como estando compreendida entre 0,2 mm a 2,0 mm. Já para o CSTB [3],
entretanto, as fissuras “raramente ultrapassam 1,0 mm”. GRIMM [4]
alerta para o limite inferior quando afirma que: “aberturas de fissuras na
ordem de 0,1 mm ou mais, são significantes para a  penetração direta de
água de chuva”. LORDSLEEM JR. [5] adota o limite superior de 1,0 mm.

Portanto, observa-se que aberturas a partir de 0,1 mm são relevantes


com relação à durabilidade e permeabilidade dos revestimentos e o
limite superior poderia ser de 1,0 mm, uma vez que é consenso de alguns
autores com relação às questões estéticas e de nomenclatura para se
identificar visualmente uma fissura.
 

Contudo, depois de não poucas e calorosas discussões, o meio técnico


entendeu que a classificação por abertura não é a mais correta, e nem
se deve perder tempo com este tipo de questão. "Essa nomenclatura
pode ser aplicada às trincas passivas, que não variam ao longo do
tempo, em função da variação da temperatura. Já para as  trincas ativas,
que variam conforme a respectiva variação higrotérmica, essa
nomenclatura é inaplicável, pois a classificação mudaria conforme o
instante da medição", argumenta Grandiski [6]. 

Nota-se que a versão atualizada da NBR 9575:2010 [1],


simplesmente deixa de fazer menção a este limite. O próprio
Engenheiro Ercio Thomaz [7], cuja obra é uma das mais importantes
sobre o assunto, em seu livro “Trincas” não faz qualquer referência à
distinção entre os termos fissura e trinca e nem as classifica quanto à
abertura.

        Quanto ao Aspecto Visual

Com relação à forma das fissuras, ao aspecto visual, o


CIB apud  LORDSLEEM JR., define fissura como uma abertura linear e
descontínua, produzida pela fratura de um material. Abertura esta,
estreita e longa.

        Quanto aos Mecanismos de Formação

Com relação aos mecanismos de formação das fissuras, devem-se


avaliar os materiais de construção  quanto às situações de exposição e as
suas capacidades resistentes.

De acordo com BONSHOR e SADGROVE [8], os mecanismos de


formação das fissuras estão ligados à ações internas e/ou externas aos
elementos e componentes de uma edificação (situação de exposição).
 

Como exemplos das ações internas aos componentes, têm-se as fissuras


causadas pela retração dos produtos à base de cimento  e as causadas
por alterações químicas dos materiais de construção. 

Já como exemplos de ações externas aos componentes, têm-se as


fissuras causadas por movimentações térmicas, higroscópicas,
sobrecargas, deformações de elementos estruturais e recalques
diferenciais (THOMAZ [7]).

Assim, a fissuração é um mecanismo inerente aos materiais que, quando


impostos à solicitações, deformam-se. Se esta deformação é superior à
capacidade resistente do material, este tende a aliviar suas tensões,
vindo a romper-se ou fissurar-se. A magnitude e a intensidade da
fissuração serão tanto maiores quanto maior for o grau de restrição
imposto aos movimentos dos materiais e quanto mais frágil for o
material (ELDRIDGE [9]; DUARTE [10]; NORONHA [11]; DJANIKIAN
[12]).

Na Figura 2 (a), vê-se um material de construção de determinado


tamanho, sob certas condições de umidade e temperatura, sem nenhuma
tensão e sem nenhuma ação de qualquer agente externo. Se resfriado ou
seco sem restrições a variações de dimensões, esse material
simplesmente se contrairá e não aparecerá nenhuma tensão, como é
mostrado em (b). Se, entretanto, durante os ciclos de resfriamento e
aquecimento, os extremos do material forem impedidos de se movimentar,
haverá o aparecimento de tensões de tração no interior da peça (c). Se a
tensão de tração chegar a ser maior do que a resistência à tração da
peça naquela idade, a fissura ocorrerá (d) (DJANIKIAN [12]).

Figura 2 - Mecanismo de formação da fissura em materiais frágeis (Adaptado de


DJANIKIAN [12])

 
Desta forma, apoiado nas definições comentadas anteriormente, adota-se
para efeito deste artigo, a seguinte definição para fissura: manifestação
patológica, cuja forma se apresenta como uma abertura linear e
descontínua resultante de ações internas ou externas aos materiais de
construção, que superem a sua capacidade resistente, limitada a
aberturas de até 1,0 mm de largura e que podem interferir nas suas
características estéticas, de durabilidade e estruturais. 

Da mesma maneira, pode-se adotar a definição para trinca


àquelas manifestações patológicas com aberturas superiores a 1,0
mm.

No próximo artigo, passaremos a comentar os principais mecanismos de


formação de fissuras nas alvenarias de vedação e nos seus
revestimentos.

BIBLIOGRAFIA:

[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9575:


Impermeabilização - Seleção e projeto. Rio de Janeiro, 2010.

[2] MASSON, A. Fissuration. Paris, CATED, 1994.

[3] CENTRE SCIENTIFIQUE ET TECHNIQUE DU BÂTIMENT. Traité de


physique du bâtiment. Paris, CSTB, 1995.

[4] GRIMM, C.T. Mansory cracks: a review of the literature.  In: Simposium


on Mansory: Materials, Design, Construction And Maintenance, New
Orleans, 1986. Philadelphia, ASTM, 1988. P.257-80. (ASTM STP, 992).

[5] LORDSLEEM Jr., A.C. Sistemas de recuperação de fissuras da


alvenaria de vedação: avaliação da capacidade de deformação. São
Paulo, 1997. 174p. Dissertação (mestrado) – Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo.

[6] GRANDISKI, P. Trinca ou Fissura. Téchne, São Paulo, ano 18, Ed.


160, p. 56-60, julho, 2010.

[7] THOMAZ, E. Trincas em edifícios: causas, prevenção e


recuperação. São Paulo: Pini/IPT/EPUSP, 1989
[8]BONSHOR, R. AND SADGROVE, R. Cracking in Buildings. IHS BRE
Press, 2016. P. 96. 

[9] ELDRIDGE, H.J. Common defects in buildings. London, Crown,


1982.

[10] DUARTE, R.B. Correção de fissuras em alvenaria. In: SEMINÁRIO


SOBRE MANUTENÇÃO DE EDIFÍCIOS. Anais... Porto Alegre:
CPGEC/UFRGS, Set. 1988. p. 87-98.
[11] NORONHA, M.A.A. Considerações sobre a durabilidade do
concreto. In: GIAMMUSSO, S.E. (Coord.). Concreto.  São Paulo: Pini,
[1990], p. 49-56.
[12] DJANIKIAN, J.G. Como evitar o fissuramento do
concreto. In: GIAMMUSSO, S.E. (Coord.). Concreto. São Paulo: Pini,
[1990], p. 17-20.
 
RENATO SAHADE- PROFESSOR – INBEC
 

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