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I-Juca Pirama Enchem-se as copas, o prazer começa,

Reina o festim.
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos - cobertos de flores, O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação; Sentado está,
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Temíveis na guerra, que em densas coortes Jamais verá!
Assombram das matas a imensa extensão.
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
São rudos, severos, sedentos de glória, Mostra-lhe o fim
Já prélios incitam, já cantam vitória, Da vida escura, que será mais breve
Já meigos atendem à voz do cantor: Do que o festim!
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Contudo os olhos d’ignóbil pranto
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Secos estão;
Condão de prodígios, de glória e terror!
Mudos os lábios não descerram queixas
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, Do coração.
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
Mas um martírio , que encobrir não pode,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Em rugas faz
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
A mentirosa placidez do rosto
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Na fronte audaz!
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
No centro da taba se estende um terreiro,
No passo horrendo?
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Honra das tabas que nascer te viram,
Da tribo senhora, das tribos servis:
Folga morrendo.
Os velhos sentados praticam d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora, Folga morrendo; porque além dos Andes
Derramam-se em torno dum índio infeliz. Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Da fria morte.
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil; Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
Assim lá na Grécia ao escravo insulano Lá murcha e pende:
Tornavam distinto do vil muçulmano Somente ao tronco, que devassa os ares,
As linhas corretas do nobre perfil. O raio ofende!
Por casos de guerra caiu prisioneiro Que foi? Tupã mandou que ele caísse,
Nas mãos dos Timbiras: - no extenso terreiro Como viveu;
Assola-se o teto, que o teve em prisão; E o caçador que o avistou prostrado
Convidam-se as tribos dos seus arredores, Esmoreceu!
Cuidosos se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função. Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes
Revive o forte,
Acerva-se a lenha da vasta fogueira Que soube ufano contrastar os medos
Entesa-se a corda da embira ligeira, Da fria morte.
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia III
Caminha o Timbira, que a turba rodeia, Em larga roda de novéis guerreiros
Garboso nas plumas de vário matiz. Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras,
Em tanto as mulheres com leda trigança, Na fronte o canitar sacode em ondas,
Afeitas ao rito da bárbara usança, O enduape na cinta se embalança,
índio já querem cativo acabar: Na destra mão sopesa a iverapeme,
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem, Orgulhoso e pujante. - Ao menor passo
Brilhante enduape no corpo lhe cingem, Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar, Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
II
Encantadas ali as almas grandes
Em fundos vasos d’alvacenta argila
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Ferve o cauim;
Serem glória e brasão d’imigos feros.

1
"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro; O acerbo desgosto
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família, Comigo sofri.
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte." Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
Vem a terreiro o mísero contrário; De penas ralado,
Do colo à cinta a muçurana desce: Firmava-se em mi:
"Dize-nos quem és, teus feitos canta, Nós ambos, mesquinhos,
"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa Por ínvios caminhos,
O índio, que ao redor derrama os olhos, Cobertos d’espinhos
Com triste voz que os ânimos comove. Chegamos aqui!

IV O velho no entanto
Meu canto de morte, Sofrendo já tanto
Guerreiros, ouvi: De fome e quebranto,
Sou filho das selvas, Só qu’ria morrer!
Nas selvas cresci; Não mais me contenho,
Guerreiros, descendo Nas matas me embrenho,
Da tribo tupi. Das frechas que tenho
Me quero valer.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante Então, forasteiro,
Por fado inconstante, Caí prisioneiro
Guerreiros, nasci; De um troço guerreiro
Sou bravo, sou forte, Com que me encontrei:
Sou filho do Norte; O cru dessossêgo
Meu canto de morte, Do pai fraco e cego,
Guerreiros, ouvi. Enquanto não chego
Qual seja, - dizei!
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas, Eu era o seu guia
E as duras fadigas Na noite sombria,
Da guerra provei; A só alegria
Nas ondas mendaces Que Deus lhe deixou:
Senti pelas faces Em mim se apoiava,
Os silvos fugaces Em mim se firmava,
Dos ventos que amei. Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras, Ao velho coitado
Vaguei pelas serras De penas ralado,
Dos vis Aimoréis; Já cego e quebrado,
Vi lutas de bravos, Que resta? - Morrer.
Vi fortes - escravos! Enquanto descreve
De estranhos ignavos O giro tão breve
Calcados aos pés. Da vida que teve,
Deixai-me viver!
E os campos talados,
E os arcos quebrados, Não vil, não ignavo,
E os piagas coitados Mas forte, mas bravo,
Já sem maracás; Serei vosso escravo:
E os meigos cantores, Aqui virei ter.
Servindo a senhores, Guerreiros, não coro
Que vinham traidores, Do pranto que choro:
Com mostras de paz. Se a vida deploro,
Também sei morrer.
Aos golpes do imigo,
Meu último amigo, V
Sem lar, sem abrigo Soltai-o! - diz o chefe. Pasma a turba;
Caiu junto a mi! Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Com plácido rosto, Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!
Sereno e composto, Brada segunda vez com voz mais alta,

2
Afrouxam-se as prisões, a embira cede, - Talvez do afã da caça....
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo. - Oh filho caro!
Um quê misterioso aqui me fala,
Timbira, diz o índio enternecido, Aqui no coração; piedosa fraude
Solto apenas dos nós que o seguravam: Será por certo, que não mentes nunca!
És um guerreiro ilustre, um grande chefe, Não conheces temor, e agora temes?
Tu que assim do meu mal te comoveste, Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
Nem sofres que, transposta a natureza, E contra o seu querer não valem brios.
Com olhos onde a luz já não cintila, Partamos!... -
Chore a morte do filho o pai cansado, E com mão trêmula, incerta
Que somente por seu na voz conhece. Procura o filho, tacteando as trevas
- És livre; parte. Da sua noite lúgubre e medonha.
- E voltarei. Sentindo o acre odor das frescas tintas,
- Debalde. Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...
- Sim, voltarei, morto meu pai. Do filho os membros gélidos apalpa,
- Não voltes! E a dolorosa maciez das plumas
É bem feliz, se existe, em que não veja, Conhece estremecendo: - foge, volta,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte! Encontra sob as mãos o duro crânio,
- Acaso tu supões que me acobardo, Despido então do natural ornato!...
Que receio morrer! Recua aflito e pávido, cobrindo
- És livre; parte! Às mãos ambas os olhos fulminados,
- Ora não partirei; quero provar-te Como que teme ainda o triste velho
Que um filho dos Tupis vive com honra, De ver, não mais cruel, porém mais clara,
E com honra maior, se acaso o vencem, Daquele exício grande a imagem viva
Da morte o passo glorioso afronta. Ante os olhos do corpo afigurada.
Não era que a verdade conhecesse
- Mentiste, que um Tupi não chora nunca, Inteira e tão cruel qual tinha sido;
E tu choraste!... parte; não queremos Mas que funesto azar correra o filho,
Com carne vil enfraquecer os fortes. Ele o via; ele o tinha ali presente;
E era de repetir-se a cada instante.
Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas
A dor passada, a previsão futura
O rebater do coração se ouvia
E o presente tão negro, ali os tinha;
Precípite. - Do rosto afogueado
Ali no coração se concentrava,
Gélidas bagas de suor corriam:
Era num ponto só, mas era a morte!
Talvez que o assaltava um pensamento...
Já não... que na enlutada fantasia, - Tu prisioneiro, tu?
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo, - Vós o dissestes.
Do velho pai a moribunda imagem - Dos índios?
Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato! Ingrato! - Sim.
Curvado o colo, taciturno e frio. - De que nação?
Espectro d’homem, penetrou no bosque! - Timbiras.
- E a muçurana funeral rompeste,
VI
Dos falsos manitôs quebrastes maça...
- Filho meu, onde estás?
- Nada fiz... aqui estou.
- Ao vosso lado;
- Nada! -
Aqui vos trago provisões; tomai-as,
Emudecem;
As vossas forças restaurai perdidas,
Curto instante depois prossegue o velho:
E a caminho, e já!
- Tu és valente, bem o sei; confessa,
- Tardaste muito!
Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
Não era nado o sol, quando partiste,
- Nada fiz; mas souberam da existência
E frouxo o seu calor já sinto agora!
De um pobre velho, que em mim só vivia....
- Sim demorei-me a divagar sem rumo,
- E depois?...
Perdi-me nestas matas intrincadas,
- Eis-me aqui.
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
- Fica essa taba?
Convém partir, e já!
- Que novos males - Na direção do sol, quando transmonta.
Nos resta de sofrer? - que novas dores, - Longe?
Que outro fado pior Tupã nos guarda? - Não muito.
- As setas da aflição já se esgotaram, - Tens razão: partamos.
Nem para novo golpe espaço intacto - E quereis ir?...
Em nossos corpos resta. - Na direção do acaso.
- Mas tu tremes!
3
VII Rejeitado dos homens na paz,
"Por amor de um triste velho, Ser das gentes o espectro execrado;
Que ao termo fatal já chega, Não encontres amor nas mulheres,
Vós, guerreiros, concedestes Teus amigos, se amigos tiveres,
A vida a um prisioneiro. Tenham alma inconstante e falaz!
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia "Não encontres doçura no dia,
Vi eu jamais praticada Nem as cores da aurora te ameiguem,
Entre os Tupis, - e mas foram E entre as larvas da noite sombria
Senhores em gentileza. Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
"Eu porém nunca vencido, Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Nem nos combates por armas, Padecendo os maiores tormentos,
Nem por nobreza nos atos; Onde possas a fronte pousar.
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro, "Que a teus passos a relva se torre;
Seja assim como dizeis; Murchem prados, a flor desfaleça,
Mandai vir a lenha, o fogo, E o regato que límpido corre,
A maça do sacrifício Mais te acenda o vesano furor;
E a muçurana ligeira: Suas águas depressa se tornem,
Em tudo o rito se cumpra! Ao contacto dos lábios sedentos,
E quando eu for só na terra, Lago impuro de vermes nojentos,
Certo acharei entre os vossos, Donde fujas com asco e terror!
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie; "Sempre o céu, como um teto incendido,
Alguém, que vendo o meu peito Creste e punja teus membros malditos
Coberto de cicatrizes, E oceano de pó denegrido
Tomando a vez de meu filho, Seja a terra ao ignavo tupi!
De haver-me por se ufane!" Miserável, faminto, sedento,
Mas o chefe dos Timbiras, Manitôs lhe não falem nos sonhos,
Os sobrolhos encrespando, E do horror os espectros medonhos
Ao velho Tupi guerreiro Traga sempre o cobarde após si.
Responde com tôrvo acento:
"Um amigo não tenhas piedoso
- Nada farei do que dizes: Que o teu corpo na terra embalsame,
É teu filho imbele e fraco! Pondo em vaso d’argila cuidoso
Aviltaria o triunfo Arco e frecha e tacape a teus pés!
Da mais guerreira das tribos Sê maldito, e sozinho na terra;
Derramar seu ignóbil sangue: Pois que a tanta vileza chegaste,
Ele chorou de cobarde; Que em presença da morte choraste,
Nós outros, fortes Timbiras, Tu, cobarde, meu filho não és."
Só de heróis fazemos pasto. -
IX
Do velho Tupi guerreiro Isto dizendo, o miserando velho
A surda voz na garganta A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Faz ouvir uns sons confusos, Já nos confins da vida reservada,
Como os rugidos de um tigre, Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Que pouco a pouco se assanha! Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O velho pára!
VIII O grito que escutou é voz do filho,
"Tu choraste em presença da morte? Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Na presença de estranhos choraste? Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
Não descende o cobarde do forte; - Esse momento só vale a pagar-lhe
Pois choraste, meu filho não és! Os tão compridos trances, as angústias,
Possas tu, descendente maldito Que o frio coração lhe atormentaram
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros, De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra.
Seres presa de via Aimorés. Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
"Possas tu, isolado na terra, Desfaz-se agora em pranto copioso,
Sem arrimo e sem pátria vagando, Que o exaurido coração remoça.
Rejeitado da morte na guerra,
4
A taba se alborota, os golpes descem, I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja, Observe alguns modelos de trabalhos que podem ser
Revolve-se, enovela-se confusa, desenvolvidos, sobre "I Juca Pirama"
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem, Análise da obra
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias A exploração teatral pode ajudar, mas há outras
Da humana tempestade propagando possibilidades. Seja criativo!
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam. Gonçalves Dias publicou o livro Últimos cantos e deve ter sido
escrito entre 1848 e 1851, e na obra se encontra o poema I –
Era ele, o Tupi; nem fora justo Juca Pirama.
Que a fama dos Tupis - o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta, Análise Literária
De um jacto e por um só se aniquilasse. I – Juca Pirama é considerada pelos críticos como um dos
mais elaborados poemas do Romantismo brasileiro.
- Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
O título do poema é tirado da língua tupi e significa,
E para o sacrifício é mister forças. -
conforme explica o próprio autor, “o que há de ser morto, e
O guerreiro parou, caiu nos braços que é digno de ser morto.
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando: Apesar de ter uma fama narrativa que configura o gênero
"Este, sim, que é meu filho muito amado! épico e um conteúdo dramatizável, predomina no poema o
gênero lírico – um lirismo fácil e espontâneo, perpassado das
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive, emoções e subjetividade do poeta. Como é próprio do
"Corram livres as lágrimas que choro, romantismo, há um lirismo que brota do coração e da
"Estas lágrimas, sim, que não desonram." “imaginação criadora” do poeta e que expressa bem o
sentimentalismo romântico. A obra é indianista e vale
X ressaltar a musicalidade dos versos que é uma característica
Um velho Timbira, coberto de glória, típica de Gonçalves Dias.
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi! O poema I–Juca Pirama nos dá uma visão mais próxima do
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava índio, ligado aos seus costumes, idealizado e moldado ao
Do que ele contava, gosto romântico. O índio integrado ao ambiente natural, e
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi! principalmente adequado a um sentimento de honra, reflete
o pensamento ocidental de honra tão típico das novelas de
"Eu vi o brioso no largo terreiro cavalaria medievais - como em "O Rei Arthur e a Távola
Cantar prisioneiro Redonda". Se os europeus podiam encontrar na Idade Média
Seu canto de morte, que nunca esqueci: as origens da nacionalidade, o mesmo não aconteceu com os
Valente, como era, chorou sem ter pejo; brasileiros. Provavelmente por essa razão, a volta ao passado,
Parece que o vejo, mesclada ao culto do bom selvagem, encontra na figura do
Que o tenho nest’hora diante de mi. indígena o símbolo exato e adequada para a realização da
pesquisa lírica e heróica do passado.
"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo; O índio é então redescoberto, embora sua recriação poética
Valente e brioso, como ele, não vi! dê ideia da redescoberta de uma raça que estava adormecida
E à fé que vos digo: parece-me encanto pela tradição e que foi revivida pelo poeta. O idealismo, a
Que quem chorou tanto, etnografia fantasiada , as situações desenvolvidas como
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!" episódios da grande gesta heróica e trágica da civilização
indígena brasileira, a qual sofre a degradação do branco
Assim o Timbira, coberto de glória,
conquistador e colonizador, têm na sua forma e na sua
Guardava a memória
composição reflexos da epopéia. da tragédia clássica e dos
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
romances de gesta da Idade Média. Assim o índio que
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
conhecemos nos versos bem elaborados de Gonçalves Dias é
Do que ele contava,
uma figura poética, um símbolo.
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".
Gonçalves Dias centra I – Juca Pirama num estado de coisas
FIM
que ganham uma enorme importância pela inevitável
transgressão cometida pelo herói, transgressão de cunho
5
romanesco (o choro diante da morte) que quando transposta Estrutura da obra
a literatura gera uma incrível idealização dos estados de
alma. Como exemplo, podemos citar as reações causadas A metrificação de Gonçalves Dias é bastante original, pois
pelo "suposto medo da morte". Com isso, o autor transforma “menospreza regras de mera convenção”. O poeta sempre
a alma indígena em correlativos dos seus próprios busca a forma ideal para cada assunto, adequando bem
movimentos, sublinhando a afetividade e o choque entre os forma e conteúdo.
afetos: há uma interpenetração de afetos (amor,ódio,
vingança etc.) que estabelece uma harmonia romântica entre Em I – Juca – Pirama, alterna versos longos e curtos, ora para
o ser que está sendo julgado e a sua natureza - a natureza descrever (verso lento), ora para dar a impressão do rufar dos
indígena, com a consequente preferência pelas cenas e tambores no ritual indígena.
momentos que correspondem ao teor das emoções. Daí as
avalanches de bravura e de louvor à honra e ao caráter. O poema nos é apresentado em dez cantos, organizados em
forma de composição épico – dramática. Todos sempre
Foco narrativo pautam pela apresentação de um índio cujo caráter e
heroísmo são salientados a cada instante.
I – Juca – Pirama é narrado em 3ª pessoa por um índio
timbira que relata às gerações posteriores as proezas do Canto 1 - Apresentação e descrição da tribo dos Timbiras.
guerreiro tupi que lá esteve. A posição do narrador é Como está descrevendo o ambiente, o autor usa um verso
distante, revelando-se onisciente e onipresente. mais lento e caudaloso, que é hendecassílabo (onze sílabas).
A estrofe é sempre de seis versos (sextilha) e as rimas
O poema descreve, a partir de um “flash-back”, a estória de obedecem ao esquema: AA (paralelas) e BCCB (opostas ou
um índio tupi que, por ser um bravo e corajoso guerreiro, intercaladas).
deveria ter sua carne comida numa cerimônia religiosa
(antropofagia). Canto 2 - Narra a festa canibalística dos timbiras e a aflição do
guerreiro tupi que será sacrificado. O poeta alterna o
Tempo / Ação / espaço decassílabo (dez sílabas) com o tetrassílabo (quatro sílabas), o
que sugere o início do ritual com o rufar dos tambores. As
O autor, através do narrador timbira, não faz menção ao estrofes são de quatro versos (quarteto) e o poeta só rima os
lugar em que decorre a ação; sabe-se, entretanto, que os tetrassílabos.
timbiras viviam no interior do Brasil, ao contrário dos Tupis,
que se localizavam no litoral. Canto 3 - Apresentação do guerreiro tupi – I – Juca Pirama.
Sem se preocupar com rimas e estrofação, o poeta volta a
Quanto ao tempo, não há uma indicação explícita, mas usar o decassílabo (com algumas irregularidades), novamente
percebe-se que é a época da colonização portuguesa, quando num ritmo mais lento, que se casa bem com a apresentação
os índios já estavam sendo dizimados pelo branco, como diz, feita do chefe Timbira.
no seu canto de morte, o guerreiro Tupi – um triste
remanescente “da tribo pujante/ que agora anda errante”. Canto 4 - I - Juca Pirama aprisionado pelos Timbiras declama
o seu canto de morte e pede ao Timbiras que deixem-no ir
Personagens para cuidar do pai alquebrado e cego. O verso pentassílabo
(cinco sílabas), num ritmo ligeiro, dá a impressão do rufar dos
I - Juca Pirama - típico herói romantizado, perfeito, sem tambores. As estrofes com exceção da primeira (sextilha),
mácula que desperta bons sentimentos no homem burguês têm oito versos (oitavas), e as rimas seguem o esquema AAA
leitor. (paralelas) e BCCB (opostas e intercaladas).

O velho tupi - simboliza a tradição secular dos índios tupis. É Canto 5 - Ao escutarem o canto de morte do guerreiro tupi,
o pai de I – Juca Pirama. os timbiras entendem ser aquilo um ato de covardia e desse
modo desqualificam-no para o sacrifício. Dando a impressão
Os timbiras - índios ferozes e canibais. do conflito que se estabelece e refletindo o diálogo nervoso,
entre o chefe Timbira e o índio Tupi, o poeta altera o
O velho timbira - narrador e personagem ocular da estória. decassílabo com versos mais ou menos livres. Não há
preocupação nem com estrofes nem com rimas.
Temática
Canto 6 - O filho volta ao pai que ao pressentir o cheiro de
O índio adequado a um forte sentimento de honra, simboliza tinta dos timbiras que é específica para o sacrifício desconfia
a própria força natural do ameríndio, sua alta cultura acerca do filho e ambos partem novamente para a tribo dos timbiras
de seu povo representado no modo como este acata o rígido para sanarem ato tão vergonhoso para o povo tupi.
código de ética de seu povo. Reproduzindo o diálogo entre pai e filho e também a
decepção daquele, o poeta usa decassílabo juntamente com
O índio brasileiro é um clone do cavaleiro medieval das passagens mais ou menos livres. Não há preocupação com
novelas européias românticas como as de Walter Scott. rimas ou estrofes.

6
Canto 7 - Sob alegação de que os tupis são fracos, o chefe dos
timbiras não permite a consumação do ritual. Num ritmo
constante, marcado pelo heptassílabo (sete sílabas), o poeta
reproduz a fala segura do pai humilhado e do chefe Timbira.
A estrofação e as rimas são livres.

Canto 8 - O pai envergonhado maldiz o suposto filho covarde.


Para expressar a maldição proferida pelo velho pai, num
ritmo bem marcado e seguro, o poeta usa o verso
eneassílabo (nove sílabas), distribuindo-os em oitavas, com
rimas alternadas e paralelas.

Canto 9 - Enraivecido o guerreiro tupi lança o seu grito de


guerra e derrota a todos valentemente em nome de sua
honra. Casando-se com o tom narrativo e a reação altiva do
índio Tupi, o poeta usa novamente o decassílabo com
estrofação e rimas livres.

Canto 10 - O velho Timbira ( narrador ) rende-se frente ao


poder do tupi e diz a célebre frase: "meninos, eu vi".
Alternando o hendecassílabo com pentassílabo, o poeta
fecha o poema, de forma harmoniosa e ordenada, o que
reflete o fim do conflito e a serenidade dos espíritos. Casando
com essa ordem restabelecida, as estrofes vêm arrumadas
em sextilhas e as rimas obedecem ao esquema AA (paralelas)
e BCCB (opostas e intercaladas).

Enredo

O poema narra o drama de I-Juca Pirama (aquele que vai


morrer), último descendente da tribo tupi, que é feito
prisioneiro de uma tribo inimiga. Movido pela amor filial, pois
o índio tupi era arrimo de seu pai, velho e cego, I-Juca
Pirama, contrariando a ética do índio, implora ao chefe dos
timbiras pela sua libertação. O chefe timbira a concede, não
sem antes humilhar o prisioneiro: "Não queremos com carne
vil enfraquecer os fortes." Solto, o prisioneiro reencontra-se
com seu pai, que percebe que o filho havia sido aprisionado e
libertado. Indignado, o velho exige que ambos se dirijam à
tribo timbira, onde o pai amaldiçoa violentamente o jovem
guerreiro que ferido em seus brios, põe-se sozinho a lutar
com os timbiras. Convencido da coragem do tupi, o chefe
inimigo pode-lhe que pare a luta, reconhecendo sua bravura.
Pai e filho se abraçam - estava preservada a dignidade dos
tupis.

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