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Capítulo 10

Relações de mesmo-sexo e sexo-cruzado: Algumas comparações


internas
Marilyn Strathern

Neste capítulo instigante, Marilyn Strathern explora comparações “internas” envolvendo


relações de sexo, gênero e geração. Em particular, as orientações de mesmo-sexo e sexo-cruzado
[que] mudam ao longo da vida e, de acordo com outras relacionadas aos corpos materiais e
simbólicos, além de dependências e predações, inserem-se alternadamente na constituição cultural
do gênero. Essas dinâmicas internas de sexo e gênero estão, por sua vez, implicadas nas
continuidades e descontinuidades entre gerações, às vezes de maneira a afetar o curso da história
da cultura. Strathern descobre essas propriedades sistêmicas comparando idéias de substância
corporal entre os Etoro e Hageners da Nova Guiné, entre outros povos, e estendendo essa
comparação para os Piro peruanos e certos grupos no Noroeste da Amazônia. A comparação
externa e inter-regional permite a Strathern identificar semelhanças estruturais entre os Piro e os
Etoro, em contraste com os Hageners. O resultado é uma compreensão mais profunda de todos
os termos - interno e externo, conceitual e fenomenal - de comparação.
Com seu foco metodológico nas relacionalidades, o estudo de Strathern é comparado com
o de Hugh-Jones (Capítulo 11) e Conklin (Capítulo 7), e com o contraste de Descola entre
“homosubstituição” e “heterossubstituição” (Capítulo 5), enquanto seu foco nos tópicos da
substância corporal, anexo, separação e perda, são reminiscentes de capítulos por Bonnemère (2),
Jolly (8) e também de Conklin (7).

Os sexos têm destinos diferentes, marcados de forma especial nos primeiros anos do
casamento. Um rapaz pode sair de casa para encontrar um emprego, talvez voltando de vez em
quando, mas desejando viajar por uma área ampla antes de se instalar no seu próprio lugar ou no
de sua esposa. Uma jovem pode ficar com os pais, talvez fazendo visitas ao lugar onde o marido se
estabeleceu para ter filhos lá, para que a desgraça não seja colocada na porta de seus próprios
parentes, mantendo, entretanto, roças e residência em sua casa natal. Se mais tarde os dois tiverem
um lar conjunto, muito dependerá do fluxo de bens entre os cônjuges. Sem a expectativa normativa
precisa “de ambos os parceiros querendo viver com seus próprios parentes” ou da pressão implícita
em “visitar e dar comida” para persuadir as pessoas a mudarem de residência, suas povoações quase
poderiam descrever a dos Piro do Baixo Rio Urubamba, na Amazônia peruana (Gow 1991 197,
221).
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Os Piro estão conscientes de outras possibilidades de moradia, bem como do tipo de


trabalho que realizam. Assim eles se vêem como “buscando dinheiro” ou “procurando por comida”
(1991, 101). Buscar por algo aparentemente envolve o uso do conhecimento para encontrar o que
já existe (como na caça ou na pesca); no caso do dinheiro, isso significa estabelecer relações com
chefes que terceirizam o trabalho e desenvolvem empreendimentos locais. O nível de bens de
consumo obtido pelo dinheiro define o status "civilizado" das pessoas, sendo ricos e pobres
distinguidos pelas roupas que usam e pelo tipo de comida que adquirem. Mas, além de buscar,
existe toda uma outra modalidade de empreendimento produtivo que os Piro distinguem como
“trabalho”. Trabalho envolve a produção física de algo que não existia anteriormente e inclui toda
atividade agrícola [tomada aqui como labor]. Os Piro definem-se como pessoas que consomem
banana-da-terra e mandioca, bem como bebida fermantada e caça. Esta é a “comida de verdade”.
Assim, a comida real é obtida tanto através do trabalho (banana) quanto da busca (caça), e através
das relações do casamento. As trocas entre homens (caça, peixe) e mulheres (banana, mandioca,
bebida fermentada de mandioca) como maridos e esposas, são de gênero. Hoje em dia, um homem
também precisa satisfazer as demandas de dinheiro da esposa. Há um equilíbrio constante, observa
Gow (1991, 128), das alegações que marido e mulher têm um sobre o outro, e a relação de
demanda é uma característica central do casamento. Aspectos desta descrição podem ser aplicados
também ao Monte Hagen, nas Terras Altas de Papua Nova Guiné, onde as pessoas estão muito
conscientes das diferentes modalidades econômicas.
Em Hagen, o dinheiro pode afastar as pessoas do trabalho hortícola ou homens e mulheres
podem trabalhar em suas roças para produzir dinheiro para gastar em compras, bem como em
comida para eles mesmos. Consumir uma variedade de mercadorias através do dinheiro significa
uma orientação para um mundo que contrasta com a do “costume” (Em língua franca melanésica
traduzido como kastom). A maneira pela qual os elos são mantidos com parentes maternos é um
exemplo explícito de kastom. Como a verdadeira comida para os Piro, crucial para as relações de
parentesco e o conhecimento das pessoas sobre si mesmas, o kastom Hagen é conscientemente
sustentado através do cumprimento das obrigações de parentesco. Entre maridos e esposas existe
um alto nível de demanda, especialmente por dinheiro. Oportunidades para ganhar dinheiro com
a terra podem muito bem figurar entre as razões que as pessoas dão ao escolher onde vão morar.
É uma opção atual em Hagen, a qual eu me referia no parágrafo de abertura, embora para
qualquer pessoa não familiarizada com a etnografia dos Hagen a descrição possa parecer perversa.
Sempre houve destinos diferentes para homens e mulheres, mas no passado eram os homens que
rotineiramente ficavam para trabalhar na terra do clã, enquanto as mulheres delas saíam com o
casamento. Embora sempre fosse possível para as mulheres manterem alguns direitos sobre as
roças junto aos seus parentes natais, elas geralmente não esperavam morar lá. Além disso, embora
a divisão do trabalho [labor] fosse baseada nas diferentes contribuições de maridos e esposas, essa
era uma questão de coprodução (os cônjuges não trocavam “coisas” uns com os outros, como
faziam os cunhados). O atual nível de demanda entre os cônjuges é uma versão intensificada ou
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acelerada do encontro de expectativas que, no passado, se desenrolou ao longo de um ciclo anual


de trabalho nas roças.
Enquanto Tuzin e Gregor (Introdução) insistem que qualquer exercício comparativo deve
se iniciar com semelhanças, eles não têm a intenção de dissimular o artifício que isso envolve.
Elaborei essas analogias através da introdução aos Hageners como me apareceram a partir de
minha reaproximação com algumas pessoas, em uma breve visita em 1995, e fiz isso para
desenvolver uma questão sobre o tempo comparativo1. O tempo é relevante para certas
comparações internas e externas que eu gostaria de considerar.
O ímpeto vem dos materiais da Melanésia, onde os tipos de dependências que as pessoas
imaginam para si mesmas são distribuídas de maneira diferente entre os relacionamentos próximos.
Alguns melanésios parecem tratar a conjugalidade (e suas combinações e separações implicadas na
divisão do trabalho [labor]) como os relacionamentos entre pais e filhos, pelo menos na medida
em que as gerações parecem dependentes umas das outras. Outros não o fazem. Enquanto
"dependência" geralmente parece caracterizar as relações conjugais, não é necessário – para seguir
um argumento que Collier e Rosaldo (1981) desenvolveram há muito tempo - caracterizar as
relações entre filhos e pais. As relações entre as gerações podem ou não ser percebidas como
contínuas. Os materiais amazônicos oferecem alguns contrapontos interessantes aqui.

TEMPORALIDADES SEQÜENCIAIS E ALTERNADAS

Qual tempo?

Se eu oferecer Hagen como um ponto de referência para fins comparativos, qual seria o
Hagen: o que eu testemunhei em 1995 ou o que está agora perdido?2 Já apresentei diferentes tipos
de tempo a essa questão (mudança nas condições históricas e continuidade ou descontinuidade
entre as gerações). As pessoas vivem mudanças históricas e sequenciamento geracional ao mesmo
tempo. Se o comentário original de Galton sobre a palestra de Tylor de 1888 lançou, em termos
históricos, uma pergunta sobre até que ponto os fenômenos eram independentes um do outro3,
poderíamos reconsiderar essa questão com referência às gerações.
Os Hageneres e os Piros podem parecer mais semelhantes através do (altamente
construído) relato que acabo de fazer sobre o Monte Hagen de 1995 do que quando comparados
aos de 1965, embora entre os primeiros não haja conexão histórica, enquanto os segundos são
pessoas cujas próprias histórias pessoais abrangem os dois pontos no tempo. O comentário mais
fácil seria que se está lidando com uma história comum de outro tipo - com o recente advento dos
mercados de commodities e outras características da globalização, que forçaram os Hageneres e os
Piros dentro de um molde comparável4. No entanto, eu sigo outro caminho. Desejo fundir a
questão de como lidamos com o que está historicamente perdido ou ausente com uma possível
abordagem da temporalidade que estou chamando de tempo geracional. Aquele tempo “perdido”
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em Hagen é englobado pelo presente e constantemente visitado na imaginação das pessoas através
do kastom.
Gow, seguindo a opinião de Overing e Viveiros de Castro sobre a unidade topológica das
comunidades indígenas da Amazônia, argumenta que essas culturas são variantes de uma estrutura
única de relações, nenhuma das quais a evidencia como uma estrutura básica. Os Piro do Baixo
Urubamba se consideram um “povo misturado” subjugando a diferenciação radical das gerações
anteriores (1991, 275 – 276). Este é, por assim dizer, um dos muitos momentos possíveis de
transformação. “Nada poderia ser menos como uma comunidade nativa do Baixo Urubamba do
que o desejo guianense por um assentamento sem afinidade ou estranheza”, escreve Gow (1991,
277), “mas isso não deveria mascarar a unidade subjacente das duas áreas em seu desejo por
comunidades onde todos são relacionados como parentes”. A diferença é que as pessoas no Baixo
Urubamba vêem essa comunidade como algo a ser criado, enquanto as sociedades guianenses a
vêem como algo a ser preservado. Ele acrescenta que, em vez de perguntar por que uma sociedade
carece das formas sociais que parecem tão proeminentes em outra, deveríamos perguntar como as
sociedades passam a produzir o que produzem, e a resposta tem de se dar através da história (p.
279). Poderíamos também ver as comunidades guianenses e piroanas como se cada uma fosse a
outra vista de um momento temporal diferente em seu próprio desenvolvimento5.
O conhecimento antropológico “perdeu” aqueles eixos da morfologia que antes se
concentravam no que estava presente (a ideia de que se o povo de Hagen não praticasse a iniciação
era porque não a “tinha”). A questão aqui não é uma desafiar o conhecimento positivo (Gregor e
Tuzin, Introdução), mas de saber o que é positivo. Concentrar-se na presença ou ausência de traços
por meio da análise logocêntrica dificultou compreender, de fato, uma segunda “história” interna,
a da criação indígena de coisas ausentes ou anteriores (“perdidas”). O ponto é central para o modo
como as gerações se sucedem.
Gow fornece algumas evidências para isso com referência à mistura e separação entre as
gerações. Considere, ele diz, os povos do Noroeste da Amazônia. Enquanto os últimos recriam
constantemente a diferença a cada nova geração de iniciados masculinos (ver Fisher, Capítulo 6),
os Piro veem cada nova geração como combinando ou misturando as diferenças já existentes. Ele
cita o trabalho do casal Hugh-Jones para a extensão da iniciação masculina dos Barasana,
“operando através de uma elevada oposição entre homens e mulheres e suas capacidades
reprodutivas, coloca cada nova geração em contato com o estado ancestral e assim 'achata' a
acumulação de gerações” (1991, 278, depois de S. Hugh-Jones 1979, 248 – 251; C. Hugh-Jones
1979, 107 – 168). Se no Noroeste da Amazônia a diferenciação primordial de “tipos de pessoas” é
infinitamente renovada, no Baixo Urubamba “o sistema está em constante expansão através da
mistura contínua e da busca de novas diferenças” (Gow 1991, 278). A mistura é, portanto, um
estado derivado para os Piro, enquanto para os Barasana é o estado anterior a partir do qual surgiu
a necessidade primordial de diferenciação. Da figura Barasana andrógina do Pai original, o Sol
Primordial, surgem as duas diferenciações que fazem a sociedade humana, não somente entre as
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gerações (o pai original se torna pai ancestral e seus filhos), mas entre os sexos (o andrógeno original
divide em machos e fêmeas) (S. Hugh-Jones, 1979, 248)6. A mistura da perspectiva da diferença e
a diferença da perspectiva da mistura mantêm ou fixam as preocupações das pessoas (poderíamos
dizer) em certos momentos temporais em um ciclo de antecipações: a recuperação e a
transformação (“perda”) de posições passadas para o futuro.
Permitam-me voltar à diferenciação e mistura entre os sexos no estudo de Kelly (1993)
sobre os Etoro da Papua Nova Guiné. Ele conduz uma comparação7 com os vizinhos da região,
Kamula, pessoas que são como os Etoro em suas práticas de caça e coleta de sagu. No entanto,
enquanto a divisão de trabalho Kamula entre marido e mulher significa que os sexos produzem
separadamente e depois trocam seus produtos no momento do consumo, esse tipo de mistura é,
por assim dizer, antecipada na visão dos Etoro, que toma a produção de alimentos como uma
atividade combinada desde o início e, portanto, seus produtos não são mais transacionáveis entre
os sexos. Os Kamula são explícitos sobre o fato de que o sagu produzido pelas mulheres é
intercambiável pela caça obtida pelos homens (p. 103). Entre os Etoro, por outro lado, o trabalho
dos maridos e esposas é mesclado; algumas tarefas envolvidas no processamento do sagu envolvem
explicitamente homens e mulheres, que geralmente combinam seus recursos (p. 108). A caça não
é dada em troca do sagu e não é domínio exclusivo dos homens. Os direitos de distribuição dos
Etoro são conferidos àqueles que trazem o produto para complementação; as mulheres têm direito
sobre o sagu que elas cozinham e distribuem aos outros. No que diz respeito à provisão doméstica,
no entanto, o que é produzido em conjunto também é consumido em conjunto (p. 109)8. Em ambos
os casos, as atividades masculinas e femininas são distintas em certos momentos, enquanto
combinam os produtos de seu trabalho em outros, embora esses momentos de separação e
combinação sejam diferentemente sequenciados no tempo (cf. Damon 1983).
Agora, a maneira sutil e particular pela qual os Etoro combinam e separam o trabalho dos
sexos não impede que o trabalho de homens e mulheres seja trocado de outras maneiras. Uma vez
que a caça dos homens (e eles obtêm muito mais facilmente) não está comprometida como retorno
em troca das atividades produtoras de sagu da mulher, ela pode ser comprometida em outros
lugares - não para trocas com outros homens (a preservação de objetos de valor), mas para
intercâmbios com mulheres por outras coisas: a gravidez feminina. Quando uma mulher dá à luz,
o marido a persegue como a uma caça. Kelly acrescenta que a fecundidade feminina e a
generosidade masculina atuam em contraponto. A caça também é um meio pelo qual a criança é
animada e tem vida (hame, espírito)9. Os homens do Etoro reivindicam responsabilidade enfática
e unilateral pelo crescimento e vitalidade de seus filhos.
Seria possível comparar esses vários casos em termos de como os trabalhos dos sexos é
diferenciado ou combinado, em que momento temporal se focalizaria? A questão também se aplica
aos homens e mulheres. Em Hagen, pelo menos, suas relações com os outros como pessoas sociais
colocam homens e mulheres em posições alternadas, de modo que seu gênero é percebido ora em
um estado combinado ou misto, ora em um estado desagregado ou separado. Poderíamos pensar
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nesses estados de gênero alternados como gerações (como se estivessem em momentos diferentes
em um ciclo de desenvolvimento), embora fossem "gerações" com a propriedade de reversibilidade
(entre as modalidades de separação e combinação)10. Se sim, a questão não é apenas a que Hagen
me refiro no tempo histórico, mas a qual gênero no tempo geracional.

Qual gênero?

A “diferença” entre homens e mulheres é assumida pelos construtivistas euro-americanos


como axiomaticamente no centro das relações de gênero (“a construção social da sexualidade”)
precisamente por causa da natureza não-oriental dessa construção. Se abandonarmos o objetivismo
metodológico (Weiner 1995, 11) de questões sobre a presença e ausência de traços, podemos
abandonar tais formulações de gênero como um reflexo da diferença sexual. Pelo menos no caso
da Melanésia, não podemos voltar a uma divisão não examinada entre “homens” e “mulheres”:
suas interações lhes atribuem diferentes posições de gênero. Homens e mulheres são fontes de
metáforas sobre masculinidade e feminilidade, mas em combinação, assim como separação, e isso
eu considero a “relação” mais interessante entre eles.
Para generalizar a partir de minha própria perspectiva sobre materiais melanésios, eu diria
que, em termos de conseqüências para a ação social, as alternativas (as duas “gerações”) se movem
entre estados desagregados e combinados, isto é, entre orientações diferentemente moduladas em
interações de mesmo-sexo e sexo-cruzado. Homens e mulheres alternam entre a orientação para o
próprio sexo (que os separa do outro) e a orientação para o outro (que combina com o deles)11.
Nesse contexto, uma pessoa pode agir em qualquer posição de gênero (cf. Moore 1994). Onde as
relações de gênero tomam essas formas alternadas, vale a pena acrescentar que a identidade sexual
de homens e mulheres pode ser socialmente não-marcada.
Em outras palavras, do ponto de vista de qualquer pessoa e, portanto, do ponto de vista de
todas as pessoas, as relações podem ser concebidas alternativamente como de seu próprio (mesmo-
)sexo e de outro sexo(-cruzado). As práticas sociais que elicizam esses diferentes estados constroem
uma “oposição” entre as alternâncias sociais. Resta acrescentar que um estado sexual unificado (de
mesmo-sexo) é criado através do derramamento ou descolamento do elemento exógeno (outro
cruzado) a partir de uma relação de sexo-cruzado (M. Strathern 1988). Isso cria as condições para
encontrar a parte "perdida" do sexo oposto.
O comentário de Werbner (1989, 1992) sobre os materiais da Melanésia é relevante aqui.
A lógica da presença pode levar o analista a isolar tipos distintos de ação ("traços"), como se alguém
pudesse demarcar a diferença dos Piro entre busca e trabalho, ou considerar o festival ida (cf. Gell
1975; Juillerat 1986, 1992) dos Sepik do Oeste, como um ritual, pelo seu contraste com outras
atividades. Werbner (1992, 229) sugere que é inútil pensar no ida, como tal, como um ritual; ao
contrário, é trabalho ("labor") do ponto de vista de sua oscilação entre duas modalidades, as quais
ele se refere como alta temporada e baixa temporada ida, um estado de ser sempre vivido em um
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ou outro de seus dois tempos. O intervalo temporal indicado pelas possibilidades de alternância
significa que aquilo que era um pode tornar-se um novamente, que o estado presente de alguém
está em antecipação de outro, que buscar um objeto é buscar novamente o que se perdeu (Weiner
1995, xiv)12. Uma dinâmica similar está no coração das atuais reconfigurações da divisão do trabalho
em Hagen, com seus novos arranjos residenciais e demandas conjugais, e impulsiona seu senso de
possibilidades históricas alternadas, de que alguém pode agir como uma pessoa passada ou futura
no presente.
Agora, a história lida com o que foi "perdido", assim como com o que é encontrado. Se
sinto uma perda na tradição em Hagen, estou apenas ecoando as reflexões dos Hageners de meia-
idade, como eu, de que a próxima geração fará uma ruptura radical com o presente: não há nada
para transmitir. Os homens mais velhos apontam que os homens mais jovens não se aproriam mais
de seu “poder”, não aprendem ouvindo os mais velhos e não precisam de seu conhecimento. O
mundo parece dividido entre as partes que têm continuidade (kastom) e aquelas que não têm.
No entanto, isso dificilmente é um produto da história político-econômica. A ideia de um
mundo dividido entre partes que têm continuidade e aquelas que não existem já está presente no
gênero. As relações de mesmo-sexo implicam uma continuidade enquanto as relações de sexo-
cruzado não. Podemos até dizer que a própria alternância aparece como uma das duas
possibilidades alternativas: relações de sexo-cruzado alternam com relações de mesmo-sexo e
contêm uma premissa inerente de alternância interna.
S. Hugh-Jones (1979, 250, grifos meus) descreve dois modos de criação Barasana, “um
envolvendo a alternância de morte e vida, o outro [alternativo] envolvendo a continuidade da vida
através da substituição”. Os diferentes destinos de homens e mulheres dizem respeito ao que eles
transmitem ou não. Em Gimi (Gillison, 1993), por exemplo, os homens transmitem a outros
homens suas identidades e espíritos de linhagem, enquanto as mulheres transmitem às mulheres
sua capacidade de cultivar coisas e a magia que conhecem (substituição/replicação). As interações
entre sexos desviam ou recanalizam esses fluxos entre pessoas do mesmo sexo, estabelecendo uma
descontinuidade essencial entre estados de ser passados e presentes (alternação/substituição). Um
homem Gimi só pode se ver em seu filho homem se os componentes femininos dessa criança
forem separados da criança, enquanto sua filha é separada dele quando ela se torna a mulher de
outro homem pelo casamento. Uma mulher vê seu trabalho e espírito no corpo da criança em
crescimento da mesma forma que ela o vê em plantas e porcos, mas quando o menino cresce em
seu mundo masculino ou a menina em seu conjugal, seu cuidado é sobreposto por outras pessoas.
Tal perda de continuidade já foi antecipada, repetindo as perdas anteriores. Do ponto de vista da
mitologia dos homens, uma criança nascida de sua substância tem que ser extraída à força de uma
mulher em primeiro lugar, enquanto da perspectiva da mitologia feminina, uma mulher precisa ser
destacada da presença primordial do pai nela. Os Hageners montaram extrações similares através
de protocolos de exogamia e troca.
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A fórmula das relações de mesmo-sexo e de sexo-cruzado permite integrar em um modelo


de gênero os processos de redução e aumento ou perda e recuperação que parecem cruciais para
a transmissão geracional em muitas sociedades da Melanésia. As pessoas criam outras ao
derramarem [shedding] partes de si mesmas e emergirem como atos completos de outras,
incorporando suas partes (cf. Mosko 1995)13. Poder-se-ia também dizer isso dos grupos de parentes
que criam parceiros conjugais um para o outro, como pode-se dizer das gerações em relação umas
às outras. No entanto, isso nos faz perguntar qual o efeito que teria sobre análise iniciá-la com um
relacionamento (mesmo-sexo) ou outro (sexo-cruzado).
Considere, por exemplo, que os Gimi, ao negarem à mãe um papel vitalizante na
procriação, também negam “o pai”, no caso, o pai da mulher, que é eclipsado por seu novo marido
(Gillison 1993, 22)14. Gillison sugere que um dos dois “pais” que impregnam a mulher fica assim
invisível, ocultando a relação homossexual entre os homens (pai/marido da mulher) à qual os Gimi
atribuem a criação da vida. O que me leva a essa referência é o relato de Kelly sobre os Etoro da
Papua Nova Guiné. Simplificando, eu não consigo encontrar nenhuma mãe entre os Etoro.
Analiticamente falando, elas não oferecem nenhum ponto de partida para a análise. Eu as “perdi”.
Como as “mães” podem ser encontradas? Certamente, há filhas e filhos, irmãs e irmãos,
esposas e maridos. Mas parece não haver mães no modo como há pais. Há a descontinuidade usual
estabelecida pelas relações de sexo-cruzado entre as gerações, considerando que alguém poderia
esperar um caminho diferente para homens e mulheres. Assim, os pais têm seus filhos e filhas
arrebatados para ser completados por outros homens (filhos e filhas são ambos inseminadas por
outros homens), e eles são deixados segurando gotículas de outros homens de sêmen (búzios
[cowrie shells]) em compensação, sobre as quais choram lágrimas. No entanto, onde os homens
podem alegar que a próxima geração existe por causa da vitalidade que gastaram nela - como
acontece com suas filhas como seus filhos, casados como um par irmão e irmã - as mulheres não
têm essa pretensão. Possivelmente, a mãe entre os Etoro é antecipada pela própria virtude do pai15,
porque no momento de receber as conchas, o pai Etoro se tornou mãe. O pai macho recebendo
sêmen de outro macho torna-se não apenas algo como seus próprios filhos, que são inseminados,
mas nessa analogia, como sua própria esposa (a mãe dos seus filhos), a quem ele inseminou. Ao
participar do fluxo de valores entre pessoas do mesmo-sexo, ele se vê sendo colocado (por outros
homens) na posição de um receptor naquilo que poderíamos ler como um ato de "sexo-cruzado"
(entre homens). Talvez a “mãe” Etoro ausente seja assim o pai, em sua forma feminina antecipada
(“ausente”). Então, se eu fosse falar sobre a masculinidade Etoro no contexto das práticas de
procriação, uma temporalidade que se estende por toda a vida, que “pai” seria: o pai que insemina
ou seu homólogo, a esposa [a mãe ausente], que é inseminada?
É claro que é uma pergunta falsa, uma vez que somos solicitados a comparar “papéis” não
mais que “sociedades”, ou “Amazônia e Melanésia”. Poderíamos ter tomado qualquer ponto em
um ciclo de vida para encontrar mundos radicalmente diferentes; tudo o que chamei a atenção aqui
são aqueles mundos eclipsados , perdidos ou ausentes, que as pessoas podem presumir. Então, se
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meu foco no restante do capítulo é o das relações entre os sexos, e é aí que minhas comparações
vão estar, isso envolve ignorar o gênero alternativo, as relações entre pessoas de mesmo-sexo. No
campo das relações sexo-cruzado, meu foco adicional na conjugalidade (e não na sexualidade)
destina-se a chamar a atenção para a divisão do trabalho e os tipos de dependência que ela
estabelece ou não estabelece.

DESCONTINUIDADES GERACIONAIS
Dependência e predação em um caso de Papua Nova Guiné

Falando em geral dos Etoro, Kelly comenta sobre a ausência de dependência como um
modulador dos relacionamentos: “A ausência de um conjunto consolidado de dependências
investido em um único relacionamento chave (para os pais, ou para o cônjuge) é uma característica
geral do sistema socioeconômico Etoro” (1993, 133). Isso inclui as relações com os parentes
maternos. Agora, em termos da identidade agnática de uma pessoa, as relações com os parentes
maternos são axiomaticamente de sexo-cruzado. De uma perspectiva comparativa, eles parecem
estar muito mais atentos no caso Etoro. Os parentes maternos não são creditados com o tipo de
investimento nos filhos de suas irmãs que faz com que as pessoas dependam delas para o
crescimento e a saúde. Como veremos, o modo pelo qual as relações conjugais são concebidas
possivelmente levam os homens Etoro (não sabemos sobre as mulheres) a subestimar o simbolismo
entre os sexos de vínculos com tais parentes.
Kelly comenta que em geral não há relações em que as pessoas podem acumular o trabalho
dos outros. Ao mesmo tempo, há uma relação que estabelece obrigações singulares: entre maridos
e esposas (p. 135). A substituibilidade geral (homosubstituição nos termos de Descola) de pessoas
que pertencem a outros lugares é deixada de lado: maridos e esposas têm um compromisso sexual
vinculante entre si. Isso se estende a uma percepção limitada de dependência econômica entre eles;
devemos também notar que existe uma combinação essencial de trabalhos conjugais na coprodução
do sagu (p. 108) e crianças. No entanto, essa interdependência entre os sexos parece não se tornar
um modelo para as próprias relações entre pais e filhos16.
Ao contrário, Kelly é explícito sobre a desvalorização da dependência social nas relações
entre pais e filhos. Não há transmissão intergeracional de direitos em recursos, eliminando, como
ele diz (p. 133), “qualquer potencial para controle dos pais, dependências, sentimentos de dívida e
conflitos entre os seus herdeiros”. Se houver dependências, elas são concebidas em outras
expressões idiomáticas, sobretudo através da dependência da criança da vitalidade do pai para o
seu crescimento. As mulheres são radicalmente dependentes de seus pais, bem como de seus
maridos e irmãos, para ajudá-los com uma compensação para proteger suas vidas, caso sejam
acusadas de feitiçaria (pp. 235 – 236). Mas os homens Etoro "não estão em dívida com suas mães
da mesma maneira como estão para com seus pais" (p. 71). Enquanto os pagamentos fluem entre
afins, há apenas um reconhecimento mínimo de parentes maternos, em um único presente dado
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no parto, e nenhuma doença subseqüente, lesão ou pagamento de necrotério são devidos a eles
(Kelly 1974 220-221). Kelly atribui essa falta de endividamento, em parte, à ausência de qualquer
noção de que, ao produzir a próxima geração, as mulheres sofrem depleção da mesma forma que
os homens. Uma criança adquire força vital como consequência direta da perda desta pelo do pai.
Kelly afirma sobre os Etoro que “é a transmissão da força de vida entre as gerações, ao invés do
gênero, que é empregada para ordenar conceitualmente o mundo, e a formulação cultural dos
atributos de gênero é especificada no contexto desta ideologia da força vital” (1993, 71)17. Não é de
admirar que, dada a mãe ausente, os pais sejam livres, por assim dizer, para regular e distribuir a
força vital, que assim aparece para o antropólogo (a regulação e distribuição) como a “força social”
organizadora. Kelly só se refere ao gênero quando os sexos são distintos como homens ou mulheres
e existe algum tipo de antítese entre eles. Isto apesar do fato de que sua conta é atingida com a
“oposição fundamental dos Etoro... [entre] homossexualidade: heterossexualidade :: crescimento,
força e vitalidade: senescência, fraqueza e morte”, com a associação secundária da
homossexualidade aos homens e a heterossexualidade às mulheres (ibid.).
Por tudo isso, as crianças Etoro dependem de seus pais particulares para ter força vital, no
entanto, isso não é incorporado numa sequência de outras dependências. Apesar da glorificação
do sacrifício do pai ao vitalizar seus filhos (especialmente seus filhos), não é um processo que o pai
conclua. O controle dos produtos recai sobre aqueles que completam sua produção (p. 204) e no
final o pai não exerce tal controle sobre seus filhos. É entregue aos outros, como veremos. A
singularidade (não substitutibilidade ou irreversibilidade) do relacionamento do pai com seus filhos
não é levada mais adiante do que a singularidade de seu relacionamento com sua esposa. E o que
acontece com o pai também acontece com toda a sua geração. Em um eco dos Barasana há, por
assim dizer, apenas duas gerações: os que fazem crescer e os crescidos. Embora exista uma espécie
de complementaridade entre as gerações, na medida em que uma cresce às custas da outra e que
o crescimento deslocado (na criança) também é uma evidência da vitalidade da geração do pai, essa
sequência fecha com a segunda geração. Não há efeito direto; não pode ser continuado.
Noções de substância tornam-se relevantes aqui. Com a ressalva de Hugh-Jones (Capítulo
11), podemos nos referir brevemente ao ponto de Collier e Rosaldo (1981) sobre o gasto de energia
corporal em “sociedades de brideservice” em contraste com sistemas onde os valores representam
o acúmulo de trabalho [labor]. O material dos Etoro problematiza a dinâmica corporal aqui. Para
o último, o sistema exige uma analogia (por parte dos atores) entre a substância do corpo humano
e a substância dos objetos de valor/objetos. Em uma “sociedade de bridewealth”, como em Hagen,
por exemplo, o aumento da gordura é um sinal de riqueza. Os Etoro, no entanto, não parecem
imaginar tal corpo; pelo contrário, o aumento de gordura tem conotações negativas. Não há, por
assim dizer, nenhuma corporação duradoura que levará adiante a criatividade de gerações, porque
não existe um corpo material duradouro. Por corpo material quero dizer um corpo que transforma
a substância externa em substância interna, e vice-versa18. Os Etoro não transformam essas coisas
em corpo e não podem “tirar o corpo” das coisas. De um modo quase amazônico, o mundo físico
231

dos Etoro é uma espécie de reino das sombras, em contraste com o mundo real dos espíritos, alma,
força vital e corpos espirituais. O corpo que você vê é simplesmente um registro do estado de hame.
Isso é tudo o que pode ser extraído dsta discussão.
Além do corpo inerte material, uma pessoa tem duas formas potentes, ambas implantadas
por espíritos: um corpo espiritual e uma alma (Kelly 1976). O corpo espiritual, ausulubo, é o
veículo que os médiuns espirituais usam para obter acesso aos espíritos patrilineares; é também um
veículo para bruxas e é vulnerável a ataques de feitiçaria. A condição do ausulubo é evidente no
corpo visível (material). Ambos os corpos (espiritual e material) são animados pela força vital, que
lhes dá vitalidade e que está sujeita a aumento e esgotamento. Para os homens, a hame se perde de
duas maneiras - pela feitiçaria, que a come, e por seus próprios atos de generosidade, que os fazem
se doar aos outros. Os Etoro distinguem homens de mulheres a este respeito porque a hame
masculina está concentrada no sêmen. Isso imediatamente reifica seu poder e simboliza a inevitável
perda de poder através de seus gastos. De fato, eles parecem ter se fechado na lógica de ter que
demonstrar sua própria plenitude por meio de gastos constantes. Assim, eles investem seus esforços
na aquisição de objetos de valor e na inseminação de jovens, a fim de evidenciar sua própria
vitalidade. Mas eles só podem ampliar sua vitalidade demonstrada aumentando o número das
ocasiões nas quais eles a gastam; eles aumentam a demonstração, mas perdem a própria vitalidade.
Ao reificar a vitalidade do sêmen e das conchas, os homens de Etoro também parecem ter
se fechado em uma imagem de auto-crescimento/alter-crescimento. Pois o crescimento de um
homem é melhor demonstrado na medida em que ele faz crescer aos outros. Esta outorga é
unidirecional. Parece que a ambição dos homens é tornar os meninos e as mulheres gordos,
mantendo-se magros. Mas meninos e mulheres não podem ser muito gordos. As bruxas tornam-se
gordas atacando a vergonha dos outros e, com seu suprimento aumentado, produzem bebês
gordos, conhecidos por seu tamanho como crianças bruxas. Assim, é a hame que é aumentada ou
esgotada em atos de intercurso e feitiçaria. Como Kelly nos diz, o sêmen é mais uma fonte de
vitalidade do que um material que se adiciona à carne. É quase como se os Etoro se sentissem
compelidos a inseminar meninos, porque o corpo é uma metáfora muito ambígua para o
crescimento. Há um ponto de comparação aqui: o sêmen não está em todo lugar da mesma forma
como a substância corporal.
Os Etoro consideram que os alimentos básicos de amido satisfazem a fome, mas não
nutrem (Kelly 1993, 159); eles não cultivam pessoas da mesma maneira que a caça obtida pelos
homens. A carne também é usada para aumentar a carne, sangue e pele da criança, que são
fornecidos pela mãe durante a procriação. Mas as mulheres não transmitem sua palavra; esta já está
nelas em menor quantidade, mas sem o veículo para demonstrá-la. As crianças que eles carregam
são animadas pela hame paterna e em seu casamento, a filha, que era um sinal de vitalidade paterna,
será vitalizada por outra pessoa. Como Kelly diz, as mulheres não dão à luz a nada além de carne
sem vida. Ele também diz (p. 159) que, em qualquer caso, o sangue materno é masculinizado ao
longo do tempo, com o aumento da caça, mesmo quando o leite materno transfere essencialmente
232

nutrição masculina (caça alimentada à mãe) (cf. Broch-Due 1993). Então, por que "materna"? Por
que falar de maternidade em tudo? A mãe é criada pelo próprio pai e pelo marido: é assim que a
concepção masculina se perfigura – e como consequência, os homens gostariam que pensássemos
que não há “mães” nesse sistema, apenas “pais”. Portanto, não é uma mãe que dá à luz à carne sem
vida, mas um sogro emasculado.
O pai (sogro) é incapaz de animar os filhos de seus filhos, por uma dupla privação.
Primeiro, no caso dos filhos em geral, o papel de sua inseminação é assumido por agnatos e homens
mais velhos na casa dos homens, e os filhos não chegam ao ponto de serem capazes de transmitir
sêmen até que tenham recebido essa infusão não-paternal. Em segundo lugar, no caso de filhas e
filhos mais novos, é o marido que completará o trabalho do pai, inseminando irmão e irmã juntos.
Se as mães defendem [stant for] a impotência (“ausência”) dos pais, as filhas defendem a impotência
dos filhos. Outros homens ajudam a remediar os últimos, onde ninguém pode remediar a si
próprio.
Tenho cotejado este material do ponto de vista de homens mais velhos de meia-idade (cf.
Robertson 1996). Kelly sugere que o impulso ideológico dominante na verdade vem de homens
mais jovens de meia-idade, homens "em primeiro plano", especialmente depois de terem sido
iniciados e passarem de receptores a doadores de sêmen (1993, 186), a categoria de quem os
médiuns espirituais são atraídos, com um interesse na circulação de sêmen e conchas, sinais de suas
aspirações à virtude.
Deixe-me relacionar um breve encontro. A cerimônia kosa (pp. 408 f.) reúne anfitriões e
convidados tipicamente relacionados através do casamento. Uma exibição inicial de hostilidade é
seguida pela entrega de marsupiais por um dos convidados a um primo cruzado ou afim; em troca,
os anfitriões fornecem aos convidados uma refeição. Os dançarinos Kosa são homens jovens,
enquanto os anfitriões são homens mais velhos: é dos homens mais velhos que são extraídas
expressões de pesar, pelas quais são compensadas com conchas. Mas os recebedores das conchas
geralmente são a próxima geração - não os homens mais velhos que choraram, mas seus “filhos”.
São os homens mais jovens que exigem conchas dos dançarinos. Em suma, a compensação dada
por dançarinos de terceira geração é coletada para os anfitriões por homens de sua própria geração
(júnior) (p. 410). Observo que, embora o etnógrafo possa se referir a esses itens como
compensação, eles não são diretamente comparáveis aos tipos de pagamentos familiares de outros
regimes em que a compensação substitui a perda de substância. Kelly insiste que os pagamentos
são feitos para amenizar o sofrimento, não para contrabalançar o gasto de sêmen.
No eclipse da geração sênior19, talvez vejamos algo do modo como os homens Etoro mais
velhos pensam na geração júnior como predadora de seus idosos (conceito de Kelly). Certamente
o receptor da inseminação é considerado assim em relação aos seus inseminadores. Aqui está o
ponto em que as relações entre as gerações e as relações entre os cônjuges parecem análogas às
relações entre pais (masculinos) e filhos. Juventude, esposa e filhos são todos predadores da virtude
masculina, assim como a bruxa é predadora de um adulto saudável (Kelly 1976; 1993, 177). Mas
233

enquanto a bruxa é ao mesmo tempo predadora e beneficiária, a mulher é um agente de


esgotamento sem ela mesma gozar de uma melhoria da sua hame, e a criança é beneficiária sem
ser um agente intencional de esgotamento. A dívida que os jovens ficam adquirem daqueles que os
inseminam será paga na próxima geração.
Existem dois modos para os relacionamentos aqui. Do ponto de vista das posições de
gênero envolvidas, concluo que essas relações (seja entre homens, entre mulheres ou entre homens
e mulheres) são interpretadas como de mesmo-sexo quando o fluxo é visto como um benefício e
virtude e de sexo-cruzado quando é de predação e esgotamento. No primeiro, o beneficiário e o
doador são apresentados como mutuamente masculinizados (ao adquirir vitalidade e virtude),
enquanto no segundo o relacionamento torna-se assimétrico e a vítima em cada caso (aquele que
perde vitalidade) é feminizada20. Quando o receptor de sêmen é um jovem, o doador pode se ver
envolvido em um fluxo de vitalidade entre homens do mesmo sexo; mas para um homem mais
velho, que já passou de seu auge, a situação se torna ambígua. Quando sua filha se casa, o ato final
da generosa doação é o momento em que a maior parte da vitalidade é extraída dele. O doador
também é vítima. Como receptor de conchas de outros homens, ele é "vítima" da predação desses
homens contra seus filhos. Ao mesmo tempo, sugeri que ele é como sua esposa, pois ele mesmo
está agindo como um agente de esgotamento - recebendo as conchas de outros homens - sem que,
nesse estágio, seja um beneficiário da vitalidade; as conchas que ele ganha são simplesmente tratadas
como “excedentes” para serem descartadas entre os parentes (Kelly 1993, 391).
Nessa comparação entre as diferentes relações Etoro, tal como a concebi, são as tendências
predatórias, e não a interdependência do par conjugal (baseada no trabalho), que oferecem uma
analogia para as relações intergeracionais. Os parentes maternos dificilmente entram em cena; pelo
menos do ponto de vista de um homem, é como se estivessem protegidos das implicações
metafóricas completas das imagens de sexo-cruzado. A criação, por sua vez, recebe pouca
elaboração metafórica. Depleção e aumento do corpo, não sua composição substancial, são o foco
da atenção estética.

UMA NOTA COMPARATIVA SOBRE SUBSTÂNCIA

Eu demorei bastante no caso Etoro para suas ressonâncias amazônicas, como será evidente
para outras contribuições deste livro. Não me refiro simplesmente ao idioma da predação ou à vida
significativa da alma que torna o mundo físico tão parcial, ou, nesse sentido, às percepções de
esgotamento corporal como vitalidade expulsa ou atualizada, por exemplo, entre os Kayapó ou
entre os Wari' (Fisher, Capítulo 6; Conklin, Capítulo 7). Antes, refiro-me à ausência do que Descola
(Capítulo 5) chama de heterosubstituição. Ele relaciona isso, por sua vez, ao papel geral que a
substância corpórea desempenha nas ideias melanésias de diferença de gênero, um ponto com o
qual eu concordaria, embora, em um sentido que talvez não tenha sido por ele pretendido. Não há
nada auto evidente sobre a substância do corpo. Pelo contrário, é a própria possibilidade de
234

substituição que cria separadamente o corpo conceituado como “substância” e a própria


possibilidade de heterossubstituição (como na compensação do crescimento corporal pela riqueza)
que cria substâncias como se fossem recursos destacáveis. Isso, por sua vez, requer uma forma
específica de relações sociais: os itens só podem ser separados das pessoas por outras pessoas, por
assim dizer.
Os conceitos Etoro aparecem em um contraponto gritante com a perspectiva de seus
congêneres da Papua Nova Guiné no Monte Hagen em termos de disposição de riqueza, troca e
heterossubstituições (pagamentos de compensação). Mas os Etoro não estão sozinhos. Gell (1992,
150) reclamou com razão do bias das Terras Altas nas abordagens sobre Papua Nova Guiné. De
fato, a população Sepik de Umeda se distancia ainda mais da de Hagen por não possuir conchas
importadas ou porcos domesticados, pagamento de casamento, pagamento de filhos, pagamentos
de morte, tampouco qualquer tipo de troca. Em vez disso, os Umeda exibem uma “economia de
serviço indígena” na qual “as transferências de material são a personificação física das obrigações
de 'serviço'” (p. 152), moralmente motivadas e, em alguns casos, bastante onerosas. É a obrigação,
e não a reciprocidade, que faz as pessoas se comportarem como elas se comportam. O
fornecimento de filhos pelos pais e os serviços devidos aos idosos pelos mais jovens, Gell
argumenta, colocam todos em um relacionamento assimétrico uns com os outros. Dentro de uma
constelação de relações um tanto diferentes, encontramos o efeito Etoro: independentemente de
alguém ser dependente de outra pessoa, ou de todo mundo ser obrigado em relação a outras
pessoas, as imagens corporais não pressupõem conexões de substância. O casamento é o cerne
reprodutivo que produz obrigações de serviço e provisão (p. 157), mas, principalmente, como
relação entre parentes masculinos. Gell enfatiza o fato de que é o genro que deve sua própria
energia corporal aos seus parentes (com o “brideservice”), em contraste com as situações de
“bridewealth”, nas quais as mulheres não apenas ajudam a angariar os objetos de valor que são
devidos a eles, mas também executam para seus sogros os serviços que um homem Umeda
realizaria.
Também me baseei na etnografia dos Etoro para os momentos precisos em que ecoa a
etnografia de Gow sobre os Piro amazônicos: falta de ênfase no endividamento materno; cônjuges
em uma relação única de demanda mútua, ao passo que "parentes reais" devem esperar
passivamente satisfação (1991, 166); acima de tudo, a criança como receptora passiva de criação21.
No entanto, a posição da criança entre os Piro é interessante. Isto levanta novamente uma questão
comparativa sobre a substância.
Para os Piro, o sangue que significa vitalidade pessoal, preenchido em jovens e perdido na
doença ou na morte (pp. 129, 263 ‒ 4), refere-se à própria origem da pessoa na atividade sexual de
seus pais. A criança vem do corpo de seus pais, um elo físico criado por meio de ações dos pais ao
comer, trabalhar e fazer sexo. O recém-nascido interrompe temporariamente essas atividades, pois
os atos que definiram o casamento dos pais e produzirão futuros filhos devem agora permanecer
combinados na criança recém-produzida. Os pais observam numerosas restrições ao seu
235

comportamento conjugal, a fim de proteger a nova criança (pp. 153, 156). Além disso, a criança
como coproduto da atividade parental está completa.
Como esta substância é concebida? É como se as proibições que se seguem ao nascimento,
e momentaneamente desagregam os pais uns dos outros, desloquem a atividade anterior dos pais;
o resultado pode agora ser extrudado na criança, pensada como outro corpo. Nesse deslocamento
realizado os pais não ficam, tanto quanto eu sei, mais esgotados pelo esforço em seu nome. Em vez
disso, eles finalmente retomam as relações conjugais e trabalham para criar filhos. Os pais têm, por
assim dizer, “incutido” sua vitalidade na criança e, uma vez criada, a criança não pode exigir mais
nada. Em resumo, esse desapego cria uma substância a ser extraída do corpo, pois a criança é a sua
vitalidade corporal transformada e, portanto, em outra forma. De qualquer maneira, os Piro
parecem valorizar pessoas gordas.
Dentro do círculo familiar as pessoas podem, até certo ponto, separar-se umas das outras.
Como veremos, este é o trabalho de nutrir em Hagen. Envolve tanto a separação de um tipo quanto
o consumo. O processo deve ser contrastado com as situações amazônicas em que o próprio ato
de separação (morte ou colheita) entre caçador e presa, ou lavrador e planta, não supõe extinção
ou desenraizamento, mas um contrafluxo de sangue que eclode no corpo do caçador ou do
jardineiro (como Descola descreve para os Achuar). Ou ainda (como Conklin descreve para os
Wari'), onde o homicídio cria um parentesco corporal entre o inimigo e o assassino, e a morte
requer que os consanguíneos absorvam o corpo do falecido, o consumo também não funcionando
como um idioma de desprendimento22.

DEMANDAS DE GERAÇÃO CRUZADA EM HAGEN

Os Etoro e os Piro juntos talvez tenham servido para desfamiliarizar o que os euro-
americanos poderiam dar por certo: laços físicos entre pessoas como laços de substância e
dependência dos filhos de seus pais, dos quais o caso arquetípico para eles (euro-americanos) é o
laço mãe-filho23. A questão é que as versões de ambos são evidentes em Hagen e precisam ser
explicadas. As interdependências dos parceiros conjugais são replicadas em interdependências
entre pais e filhos, especialmente para um homem em relação à sua mãe. Por que esse valor é
colocado em termos de relações de sexo-cruzado?
Em Hagen, a dependência conjugal e as reciprocidades a que ela dá origem, a troca não
mediada entre cônjuges, é reconfigurada nas relações pais-filhos, não apenas entre pais e filhos,
mas também entre mães e filhos. Então, voltei a minha pergunta anterior e, em vez de perguntar
por que Etoro não tem mãe, perguntei por que as pessoas de Hagen fazem tantas delas. Na verdade,
eu diria que isso está na raiz das condições que podemos testemunhar hoje. Do ponto de vista dos
agnatos de Hagen, as relações com os parentes maternos são de sexo-cruzado. Muitas das mudanças
econômicas evidentes em Hagen, incluindo as estranhas mudanças residenciais observadas no
236

início, fazem sentido em termos de uma inflação das relações de sexo-cruzado24. Relações de sexo-
cruzado fornecem metáforas de consumo/dependência para todos os tipos de interações.
Há nisso mais do que o comentário cáustico de Gell (1992) de que o regime de dons
reprodutivos, como é encontrado em Hagen, deve ser fundado na má fé dos homens? Os homens
trocam mulheres através dos produtos do trabalho das mulheres (os porcos que criam), diz ele25,
de modo que uma "perda" fictícia de uma filha tem que ser compensada com riqueza que pretende
substituir a perda de nutrição agnática! Certamente a extração de valores das relações conjugais
entre sexos para circular entre homens (do mesmo sexo) espelha a afirmação da continuidade
agnática dos homens (extraindo agnatos de uma matriz cognata), enquanto a compensação que os
homens devem aos parentes de suas esposas em uma relação de sexo-cruzado é como a indenização
que os filhos devem aos parentes de seus pais nas relações de sexo-cruzado. Mas liquidar dívidas
não é o fim disso.
Os parentes maternos aparecem com destaque no modo como as pessoas de Hagen
pensam sobre sua saúde geral e sucesso na vida (alguns alegam que cuidar de parentes maternos é
a essência do kastom Nuigini). O relacionamento pai-filho é interpretado como de
interdependência na medida em que se espera que uma criança retribua o cuidado que recebe
quando jovem. As relações conjugais são relações de demanda, embora não exclusivamente; elas
competem com outras relações de demanda, especialmente entre afins e entre parentes maternos.
Finalmente, as crianças não são nem predadores que drenam a vitalidade, nem testemunhas
silenciosas de atos passados. Pelo contrário, é como se o próprio corpo deles aumentasse o dos
pais. Em um modo de mesmo-sexo, esses corpos são conceitualmente contínuos aos dos pais. O
modo de sexo-cruzado implica descontinuidade.
Precisamos nos concentrar não na reciprocidade (a má fé), mas na mecânica da extração.
Uma filha em Hagen só pode ser expulsa do corpo do clã, como uma riqueza dada a ela é extraída,
porque a substância corporal (nutrição) já é separável do corpo. É separável por causa das relações
sociais no lugar; há um destinatário para consumir a substância. Por isso, matar e arrancar o solo
tornam-se metáforas/veículos para a separação não, como entre os Achuar, veículos para a absorção
do sangue da vítima pelo executor. Severance prepara uma série de comparações internas. Se o
valor das relações de sexo-cruzado vem do modo pelo qual os relacionamentos são perdidos ou
perdidos (pessoas “separadas” umas das outras), então os dois exemplos com os quais tenho lidado
esclarecem a distintividade do processo em Hagen. No caso de Etoro, o laço entre pais e filhos é
analisado pelo etnógrafo como uma questão de absorção da vitalidade masculina pela criança, tanto
diretamente do pai como indiretamente dele através da alimentação da mãe. O pai só se livra do
filho quando outros homens assumem seu papel de procriador (vitalizador). Entre os Piro, a
atividade procriativa (sexual) dos parentes parece restringida em outro ponto de desenvolvimento -
no nascimento da criança; suas relações com a criança subsequentemente se fundem com a de
outros parentes que também a alimentam. Em Hagen, pelo contrário, o desapego da criança
acontece antes mesmo de ela nascer, em transações envolvendo seus pais. As transações criam uma
237

analogia entre pai e mãe, e seus diferentes destinos, para o desapego de um dos pais, estão inscritos
em anexo ao outro. Do ponto de vista do clã agnático, os filhos de ambos os sexos são separados
de seus parentes maternos enquanto se apegam a seus parentes paternos, e a analogia entre os dois
grupos de parentesco é criada através dos pagamentos de bridewealth que os separam.
Como esse distanciamento é antecipado, parece que tudo que os Hageners fazem
subsequentemente é superar a separação (ver Gillison 1983, 345). É como se Hagen estivesse num
momento diferente do tempo geracional dos pagamentos feitos pelos Etoro - como se estivesse
ocorrendo toda uma geração antes26 - como se o choro já tivesse acabado. Os Hagen parentes não
precisam repetir a descoberta primordial dos pais dos Etoro, de que devem perder seu filho. Pelo
contrário, eles já o fizeram e buscam ativamente afirmar o ato.
O que é drenado não é, do ponto de vista de um homem, força vital, mas substância já
exteriorizada ou reificada (riqueza, recursos). Para resumir, um homem imediatamente aumenta
seus recursos para um ponto de conclusão - na troca de presentes, eles “combinam” com o presente
que ele recebeu - enquanto, ao separá-los de si mesmo, ele garante sua vida nas mãos de outros
homens. O modelo da riqueza destacada (criança) está presente na esposa e na irmã de todo
homem, separada pelo casamento de seu clã natal. É por que o esforço corporal procriativo já é
(antecipado como) separado da pessoa que a substância corporal parece reproduzir em si? É
encontrado como um resultado onipresente da atividade procriativa (seja do sexo, do trabalho ou
do ritual), na fertilidade do solo, na nutrição dos tubérculos, na gordura dos porcos e no tamanho
das pessoas. Poderíamos então - depois dos Piro (e ver M. Strathern 1988 182, 278) - entender
“substância” como vitalidade ou capacidade completada? A substância seria, então, um “produto
das capacidades dos homens e das mulheres, e não das próprias capacidades” (Weiner 1995, 27),
corpo percebido à parte da vida27. Em termos igualmente abstratos, isso vale para as mulheres e os
porcos e crianças eles retaguarda. Mas não há nada abstrato sobre a “necessidade” das mães de
separá-las de si mesmas. Quando a mãe de uma menina parece ver sua filha bem casada, a mãe de
um menino parece ver seus porcos bem-dispostos em roupas de noiva.
O bridewealth inclui, assim, um “porquinho da mãe” especial que é objeto de atenção das
mulheres de ambos os lados: a mãe do noivo potencial engorda o porco com a mãe da noiva em
potencial (ela ainda não está identificada) em mente. Quando uma criança não mostra sinais de
fazer uma boa (boa) combinação, as mulheres ficam agitadas com o pensamento de a noiva ser
desperdiçada. De fato, as mães são tão sobrecarregadas por não serem capazes de dar isso quanto
por não as receber. O bridewealth é outra forma de pagamento por “corpo” feito aos parentes
maternos. A justificativa explícita é recompensa para o seio da mãe (leite), uma fonte de nutrição
em contraponto à nutrição derivada do alimento paterno (da terra de um clã /linhagem de uma
pessoa)28. Como em Gimi, cria diferentes destinos para homens e mulheres.
A criação materna da linhagem da mãe de uma pessoa, antecipada na transmissão da noiva
que estabelece o casamento em primeiro lugar, é também reconhecida quando uma criança nasce,
inicialmente, através dos pagamentos das crianças. Para um homem isso é revivido pela última vez
238

na compensação mortuária. Porém, enquanto nos funerais, os parentes maternos de um homem


são os principais receptores de porcos, no caso da mulher, são seus parentes paternos. Seus
parentes maternos comeram sua vida de noiva, e ela a separa como se, no idioma Hagen, ela
estivesse morta. (Como dizem os Paiela, [Biersack, Capítulo 4] não há continuidade através das
mulheres). O porco especial para a entrega da noiva, destinado à mãe da noiva, juntamente com as
porções da noiva que seus parentes maternos recebem, é o seu valor final devido. Daí em diante
os parentes paternos da menina são assimilados aos “parentes maternos” dos filhos da mãe29. Os
parentes maternos são escolhidos pois, enquanto o “trabalho” para criar um filho provém de ambos
os pais, somente os parentes paternos obtêm o benefício axiomático de seus filhos através da
afiliação da criança, e depois, continuamente, apenas no caso dos meninos. Por mais fictícia que
seja, a expressão "nutrir-se perdida" retrata os parentes maternos já destacados da geração seguinte.
O que foi separado deles é a substância cujo crescimento eles começaram e sobre os quais eles
continuam sendo uma fonte poderosa de futuras bênçãos; de fato, o ato de separação (recompensa)
pode ser repetido várias vezes. Isso só pode ser feito, é claro, se as conexões forem mantidas, um
esforço que não pode ser tomado como garantido, mas que requer mais “trabalho”. O trabalho de
desapego bem-sucedido é manifestado no corpo arredondado do bebê e na estatura do corpo
adulto.
As dependências entre as gerações, vivas e mortas, são evidentes. O investimento de
trabalho corporal no cultivo de batata-doce, alimentação de uma criança, na criação de porcos
(mulheres) e no fornecimento da terra em que isso é feito (homens), torna análoga a divisão do
trabalho entre cônjuges e a atenção que pais e filhos devem pagar um ao outro. Ao separar as
mulheres da terra e despachá-las para outros homens, os homens de Hagen também estão
estabelecendo uma contra-herança ao que transmitem a seus filhos, tornando os filhos dependentes
de seus dois pais de maneiras bem diferentes. As crianças recebem uma dupla educação, um
aspecto do qual é constantemente perdido e encontrado nos pagamentos repetidos feitos aos
parentes maternos, finalmente estabelecidos para uma mulher através da noiva e para um homem
através de pagamentos mortuários. As meninas não precisam ser drasticamente arrancadas de seus
parentes natais, porque sua nutrição já é transferível no trabalho que fazem com as mãos; os
meninos não precisam ser iniciados na companhia de homens do mesmo sexo, porque suas mães
os abandonam quando eles soltam os animais da riqueza.
O tipo de substância de Hagen tem um efeito interessante. Quando a capacidade ou
vitalidade se torna corpo e pode ser incorporada em itens de riqueza, ela nunca se esvai. Em
contraste com os Etoro, poderíamos dizer que os homens de Hagen estão presos ao inevitável
engrandecimento - mais ou menos como os efeitos do capital (o dinheiro se transforma em mais
dinheiro) - porque os esforços não são desperdiçados quando se tornam "coisas" e o crédito é a
ampliação da pessoa por essas circulações. O que um homem derrama ou se livra é alojado em
outras pessoas como uma expansão de sua própria influência. Então ele não pode ajudar a ampliar
sua esfera de relações sociais; os presentes não podem ser finalmente doados. Para todos os
239

esforços heroicos de um homem para se separar da riqueza, outras pessoas serão o repositório
desses esforços e, no devido tempo, elas retornarão a ele. Logicamente, não há lugar para “auto
sacrifício”30. O que é verdade para os homens e sua riqueza também é verdadeiro para os pais e os
filhos que eles alimentam, exceto que entre o pai macho e o feminino: o relacionamento contínuo
de um pai com seus filhos pode ser mediado através dos membros dos clãs e dos seus direitos à
terra, enquanto o de uma mulher é dividido entre as obrigações que seus filhos devem aos seus
familiares natais e as obrigações que eles devem para com ela mesma.
Essas observações não são definidas em um presente atemporal. Meu foco nas relações de
sexo-cruzado também reflete uma mudança histórica. Toda a estrutura dos pagamentos de
bridewealth, das crianças mencionadas aqui e da criação de porcos através do trabalho conjunto
dos cônjuges, oculta a identificação de mesmo-sexo entre homens e valores transacionais e a
identificação de mesmo-sexo com alimentos e porcos produzidos. Essas relações de mesmo-sexo
ainda se tornam o objeto das ações das pessoas em outras ocasiões31, mas elas perderam parte de
sua força retórica. Foi através do apelo às solidariedades das relações de mesmo-sexo que os
homens mais velhos, no passado, pressionaram os homens mais jovens para que trabalhassem e se
apegassem aos patrocinadores desse modo. Suas exortações tiveram um efeito em parte por causa
dos homens “às suas costas”; nos anos parecem menos eficazes. Era a solidariedade da linhagem e
os interesses mútuos dos afins masculinos, o que significava que as mulheres geralmente eram
mantidas no lugar do marido. Com o eclipse da exibição extravagante de mesmo-sexo na troca de
cerimônias, também a magia das mulheres para fazer os jardins crescerem, e o relacionamento um-
para-um que uma mulher teve com suas colheitas hoje tem a aparência da propriedade individual
de um produtor de commodities. O desaparecimento de arranjos residenciais separados para
homens e mulheres deve ser adicionado aqui. Pode-se esperar nessas circunstâncias, em que as
separações são abandonadas e as combinações exageradas, que o caráter das relações entre os sexos
mudaria.
Na medida em que cada conjunto de relações de gênero (mesmo-sexo, sexo-cruzado)
adquire seu poder ao se isolar do outro, como modalidades alternadas da vida social, as interações
entre sexos que parecem dominar aspectos da vida contemporânea de Hagen têm perdido um
pouco da força particularizante que eles já tiveram. No Monte Hagen encontrei-me
espontaneamente usando o termo Piro para “misturar” toda uma gama de configurações sociais,
desde padrões de residência que tinham pessoas de diferentes clãs e diferentes regiões das Terras
Altas vivendo juntas, passando pelas congregações anônimas de reuniões evangélicas, até os quartos
indiferenciados nas casas de hoje, agora que as cabanas de reclusão das garotas que menstruam
pela primeira vez não são mais usadas. Filhas que vivem nas terras de seus pais fazem parte dessa
mistura.
COMPARAÇÃO POR DIVISÃO32
240

Concentrei-me em comparações internas entre diferentes tipos de relações sociais. Não é


a "diferença" euro-americana entre homem e mulher que me preocupa, mas um modelo de gênero
indígena de relações de mesmo-sexo/sexo-cruzado. Nesse modelo, cada relação pode vir apenas
da outro. Assim, aponto para uma fonte melanésia de reflexividade interna, relações modeladas
nas relações. Essa comparação indígena tem que ser, por assim dizer, comparação por divisão ou
desapego, e é, ao mesmo tempo, um processo conceitual e social33. O distanciamento como
separação de categorias34 cria a possibilidade conceitual de modelagem por analogia ou metáfora.
O desapego como a separação de conjuntos de relações entre si cria possibilidades sociais para
tratar algumas relações como aspectos de outras relações. Assim, a maneira pela qual os cônjuges
são fundidos ou separados um do outro pode ou não ser ecoada na fusão ou separação dos filhos
dos pais. E assim posso "comparar" à medida em que as relações conjugais e pais-filhos são
metáforas umas para as outras e portanto, uma fonte de reflexão interna.
Como as relações entre os cônjuges vêm para metaforizar outras relações aponta para
diferentes modos de continuidade e descontinuidade corporal. Em Hagen homens procuram
separar itens de si mesmos, como rotas para ampliar seus contatos com os outros.
Tradicionalmente ligados à sua terra, enraizados lá, sempre fizeram um grande esforço para
“perder” suas conexões, se dividir dos outros; em troca, esses outros foram recriados ou
encontrados novamente como objetos de seu respeito (parceiros). As mulheres que
tradicionalmente se afastaram foram desenraizadas e desapegadas, mas mantiveram seus contatos
com seus parentes o melhor que puderam. Isso seus filhos também fizeram por eles, estimulando
o fluxo de pagamentos maternos; podemos dizer que eles "encontraram" seus parentes novamente
através de seus filhos. Hoje em dia os homens podem sobrepor seu apego à terra com outras fontes
de riqueza; enquanto se movem entre esferas de atividade, o dinheiro adquire um valor traduzível.
As mulheres, por sua vez, são muito mais livres para procurar seus parentes natal e aproveitar o
luxo de morar lá.
A análise tem alguma compra para entender as relações contemporâneas de Hagen entre
as gerações. A continuidade, como as relações de gênero de mesmo-sexo, gera expectativas de
substituição. Ao mesmo tempo, e como uma posição alternativa no tempo geracional, as gerações
podem ser concebidas de maneira cruzada e descontínua. Lembro-me de ter sido fotografada há
alguns anos por certos jovens empreendedores que montaram uma prestação (presentes de porco
e dinheiro) de si mesmos como “jovens” para seus idosos. Eles transformaram os idosos em
receptores passivos. Eu vejo agora que eles estavam dividindo as gerações desse modo, e apontando
para o deslocamento/substituição dos velhos tempos pelos novos.

AGRADECIMENTOS

Meu obrigada a Richard Werbner, que me convenceu a transformar um interesse


secundário na questão das gerações em um foco, e a Peter Gow por compartilhar um trabalho
241

inédito sobre os Piro. Claudia Gross e James Leach fizeram comentários. Devo reconhecer a
influência do trabalho de James Weiner e do ensaio de Aletta Biersack (1995), “Significados
Homossexuais: Sociedade, Economia e Gênero entre Ipilis”. Também destaquei Beth Conklin por
seus extensos comentários sobre minha contribuição.

Publicado originalmente como:


STRATHERN, Marilyn. “Same sex and cross-sex relations: Some internal comparisions”.
In: Thomas A. Gregor e Donald Tuzin (Eds). Gender in Amazonia and Melanesia: An
exploration of the comparative method. Los Angeles: University of California Press, 2001.
pp. 221-244. 2001.
Tradução de Fabiane Vinente dos Santos para o português, exclusivamente para fins
didáticos.

Referências

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242

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Washington: Smithsonian Institute Press.

Notas

1
A visita ao campo foi financiada com uma bolsa de pesquisa da British Academy, que reconheço
com gratidão. Deve ficar claro que estou extrapolando a partir de uma breve visita e experiência
243

limitada. Embora os grupos específicos e a área de assentamento onde eu vivi possam ter sido
incomuns em sua ocupação de terras férteis que atraíram contribuintes para um efeito demográfico
surpreendente, as acomodações que as pessoas fizeram a esse estado de coisas basearam-se nos
recursos culturais existentes. É esse potencial cultural que é alvo de minha atenção aqui.

2
Eu dramatizo em favor da argumentação. Pode-se, claro, dar uma conta perfeitamente coerente
das continuidades entre 1964 e 1995.

3
Algumas discussões recentes estão previstas em Strathern (1991, 48 ‒ 51). Assumo como certo
que não “encontramos” similaridade e diferença, mas criamos esses eixos no processo de fazer
comparações.

4
Gow adverte sobre o risco de cair na armadilha de imaginar que se está lidando com um povo
sem história, mas com uma cultura coerente ou com uma história coerente e sem cultura (1991,
291) - um ponto sensível frente a como os Piro tem degenerado seu modo de vida através do
processo de "aculturação". Gow sugere que levemos os Piro a sério. Eles não vêem sua cultura
ancestral como propriedade hereditária, mas como armas para a defesa do parentesco, porque,
para eles, a história é parentesco. A história é o que os parentes dizem uns aos outros; a lembrança
é central nas relações entre parentes e, por sua vez, se constitui em uma história de parentesco.

5
Um ponto que desenvolvi em outro lugar. Em perspectiva, ver M. Strathern (1991, por exemplo,
p. 54), depois de Werbner (1989); sobre as modalidades de tempo como uma visão diferente da
organização cognata e linear, ver M. Strathern (1992b, Capítulo 5).

6
Se a vida é sempre duas gerações (dois sexos) de profundidade, a profundidade primordial, por
assim dizer, é entre uma capacidade potencial e percebida de diferenciação/mistura. Acrescento
que, se interpretarmos isso como uma oscilação entre pessoas do mesmo sexo/entre os sexos (ver
abaixo) também se reproduzem nas duas perspectivas, a “Casa da Comida” e a “Casa de Deus”,
das quais a casa (comunidade, cosmos) pode ser vista (S. Hugh-Jones 1995a), pode-se estabelecer
vários paralelos com materiais melanésios.

7
Isso faz parte de uma consideração detalhada de várias sociedades na área de Strickland-Bosavi,
sendo a Kamula interessante como o fim de uma série de variações reconhecíveis no design de
casas, provisão para socialização entre pessoas do mesmo sexo e ênfase na domesticidade entre
sexos.

8
No casamento, os parentes do noivo e da noiva trocam montes de tubérculos - parentes femininos
porque as mulheres detêm direitos de distribuição nas colheitas; o monte do parente do noivo é
encimado por conchas de noivas. Kelly (1993, 464 – 465) sugere que esses montículos resumem a
244

troca conjunta de itens coproduzidos por meio do esforço masculino e feminino (o taro e a batata-
doce são como o irmão e a irmã que são trocados juntos).

9
O hame é imanente tanto no corpo material quanto no corpo espiritual. As crianças são cultivadas
por meio de “inseminação” (com sêmen ou leite), e não “comida”. Kelly observa a prática de
Gebusi pela qual uma criança do sexo masculino é alimentada com sêmen para cultivá-la, enquanto
as meninas só precisam de leite (1993, 148 ‒ 149). Da mesma forma, uma bruxa se torna grande
ao comer os membros das vítimas - não acrescentando substância, mas ampliando a sua hame.

10
E de duração variável, desde a mais fugaz até a fixação infinita em certas instituições.

11
Eu devo a fórmula "mesmo-sexo e sexo-cruzado" a Roy Wagner (comunicação pessoal).

12
Comparável em escopo às alternações dos Barasana entre vida e morte (S. Hugh-Jones 1979,
250).

13
Biersack (1995) chama a atenção para o que ela chama de modelo sacrificial de reprodução, com
ênfase no esgotamento da força vital. Mosko (1995, 763 – 764) liga uma aparência de “sacrifício” à
maneira pela qual entre os Trobriand, principalmente a agência (paterna), é baseada em processos
de redução pessoal, a desincorporação do chefe (pai pessoa e sua incorporação pelos seguidores.
Isso tornaria as capacidades redutoras do chefe semelhantes à construção de gênero na qual um
sujeito andrógino (sexo-cruzado) lança partes de si mesmo, a fim de emergir em um único estado
sexual, vis-à-vis os outros. O trabalho de Mosko também sugere intrigantes paralelos entre gerações.

14
Contraste Weiner (1995, 106).
15
A virtude masculina de dar a vitalidade aos outros está no coração do sistema de gênero que Kelly
modela para os Etoro.

16
Sobre as mulheres como “não-nutridoras” [nonnurturers], ver Collier e Rosaldo (1981, 275 ‒
276), e no sul da Nova Guiné, Lemonnier (1993, 141).
17
Kelly (1993, 91) refere-se ao “auto-sacrifício” dos homens Etoro. Uma condição para tal
autonegação deve ser um regime no qual as pessoas especificamente não podem se somar
investindo em outras. (Que tipo de "auto" -sacrifício pode ser se um homem, ao invés disso, ampliar
sua esfera de influência?)
18
Seguindo a definição de Weiner (1995, 17) de incorporação como qualquer percepção que
chama diante de seu próprio limite externo ("pele"), teríamos que dizer que o corpo dos Etoro
segura tanto a força da vida quanto os sentimentos ou emoções que se tornam objeto de pagamentos
de compensação; ambos são provocados por outros.
245

19
Os homens mais jovens possuem uma qualidade espiritual que os homens mais velhos não têm
(Kelly 1993, 186). Se alguém acompanhasse a circulação das conchas, provavelmente concluiria
que suas conotações variam de acordo com o ponto no ciclo de vida em que são dadas ou recebidas
(cf. Robertson 1996).
20
Talvez por isso os Etoro não tenham uma teoria de esgotamento em relação às mulheres, pois
sugiro que no encontro entre os cônjuges é o parceiro masculino que é feminizado (perde
vitalidade) no ato. Da mesma forma, a esposa é colocada em uma posição “masculina” sem os
benefícios da masculinização. Não admira que a mãe esteja ausente! Isso vai contra a análise de
Kelly, que considera a mulher como feminina e, na equação das relações sexuais e feitiçaria,
identifica a bruxa como feminina.
21
O nascimento de uma criança interrompe relações conjugais por um tempo (em um conjunto de
proibições pós-natais em ambos os sexos), como a cerveja de mandioca interrompe o fluxo de
comida e sexo na vida diária (Gow 1989, 1991, 156).

22
Os atos de canibalismo pelos quais consanguíneos absorvem os corpos de parentes falecidos
servem para separá-los (os parentes) da memória ou da presença da pessoa morta.

23
Talvez se possa reexaminar a natureza axiomática da primazia dada aos pais dependência em
outras contas, como a de Fortes (1959, 78), que extrapola a religião Tallensi de tais
interdependências, com a qualificação de que é uma sociedade cuja organização social é “baseada”
no parentesco.
24
Minha hipótese é que em regimes patrilineares dominados por solidariedades entre pessoas do
mesmo sexo entre homens em particular, cuidar de parentes maternos sempre foi uma área de
expansividade individual e requer atenção e energia especiais; essa energia é liberada sob condições
variáveis.
25
Gell toma seu caso de “bridewealth” do Maring, onde as mulheres parecem contribuir (ajudando
seus maridos a criar porcos) no pagamento de seu próprio casamento; em Hagen, uma mulher
contribui para o pagamento do casamento do filho, não para o do seu próprio marido.
26
Uma contrapartida relacional, talvez, para a colheita antecipada de futuras safras de raízes de cada
semente ou cepa que é separada da safra atual.
27
Em contraste, o hame Etoro só pode produzir hame.
28
Na equação entre a “graxa” de leite materno, sêmen e terra fértil, ver A. Strathern (1972). O
sêmen de um homem (gordura de pênis, kopong) contribui para criar um feto, pois o leite de uma
mulher (graxa de peito, kopong) faz a criança engordar, junto com a gordura (kopong) de carne de
porco. Todos estes são direta ou indiretamente nutridos pela fertilidade (kopong) do solo, que
incorpora o trabalho dos ancestrais. Entre pai e filho, o vínculo físico pode ser designado como
246

graxa (kopong) ou sangue (mema); com o tempo, ambos são gradualmente esgotados (como
discutido mais adiante).
29
A história de uma mulher que queria se livrar de seu porco (baseado em eventos testemunhados
em 1995) é contada em M. Strathern (1998). Ali me refiro a um homem que me disse que sempre
vale a pena investir em filhas, porque uma filha casada pensa em seus próprios pais o tempo todo
e quer mandar coisas para eles, enquanto um homem casado deve pensar em seus pais lei. Ele
havia adotado duas filhas, com uma perspectiva do fluxo de dinheiro que viria a ele por esse
caminho. A razão pela qual as mulheres sentem que podem deixar seus maridos impunemente
hoje em dia é que elas sabem (dizem eles) que, se cuidaram de seus filhos, seus filhos sempre as
procurarão, onde quer que estejam vivendo.
30
Homens e mulheres Hagen experimentam um “esgotamento” corporal ao longo da vida, e isso
pode ser especificamente relacionado ao cultivo da próxima geração - um homem ou uma mulher
velha apontará seu estado reduzido com algum orgulho - mas não é, eu acho, imaginado como
esgotamento de uma "força vital". Além disso, ao contrário dos Etoro, os pais terminam o que
começam. As pessoas, assim, olham para as crianças como suas “substituições”, de modo que,
nesse sentido, nada é “perdido”. As atividades de guerra e de gangues de adolescentes fornecem
alguns contextos.
31
O Estado de guerra e as atividades de gangues adolescentes fornecem alguns contextos.
32
Depois de M. Strathern (1995).
33
O mundo é feito por divisão (cf. Mimica 1988 e também McKinnon 1991). Ao serem separadas,
cada parte tem um potencial alternado, criando uma configuração dual da qual é uma parte
incompleta e ao mesmo tempo contém o todo dentro dela de uma maneira fractal ou holográfica.
34
Em contraste com a ocultação como a mãe Etoro é escondida. O descolamento categórico pode
ser alcançado apenas com grande esforço; veja Gillison (1993, 24).

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