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ANO Vi - nº 11

março 1996

Sumário

A Mulher Na Meia-Idade:
Verdades e Representações
Marcelo Antonio Salgado 5
Sexualidade da Mulher
na Maturidade
Stella Pupo Nogueira 15
A saúde da Mulher
na Meia-Idade
Alda Ribeiro 23
O Mito do Corpo Jovem

PublicaçãoTécnicaeditadapeloSer­viço
SocialdoComércio(SESC),Admi­
a Qualquer Preço
Miriam Chnaiderman 36
nistração Regional no Estado de São A Importância do Corpo

45
Paulo - Av. Paulista, 119 9ºandar - CEP
na Terceira Idade
01311-903 - Tel. 284-2111 - São Paulo.
Regina Favre
COMISSÃOEDI­TORIAL:DaniloSantos
de Mi­randa (Diretor do Departamento
Regional), Jesus Vazquez Pereira (Supe­
rin­
tendente Técnico-Social), Marcelo
Antonio Salgado (Gerente de Apoio Op­
Menopausa
Ana P. Fraiman 50
eracional e Estudos da Terceira Idade/
Coordenador), Osvaldo Gon­
çalves da
As Possibilidades da Mulher
Silva(RedatoreRevisor),AntonioArroyo. na Maturidade
PROJETOGRÁFICOEILUS­­­TRAÇÕES:Eron Lídia Correa

58
Silva. equipe de Arte: Cristina Miras, Regina Valadares
Cristina Dias, Marilu Donadelli, Claudia
Vania Toledo
Resende.
Capa: Ilustração por Eron Silva.
Bibliografia Comentada
Osvaldo Gonçalves da Silva 66
EDITORIAL

Masculino e Feminino

Há quem diga que o pivô de rígida hierarquia de poder baseada no


sexo e na idade. Desde então, a mulher
toda a história da inferioridade social
passou a ser oprimida e sufocada em
da mulher esteja na passagem do
suas aspirações e desejos.
regime comunitário ao da proprie-
Evidentemente, o processo de
dade privada. Embora se afirme que
criação do mito da superioridade
historicamente seja difícil comprovar
masculina não foi tão simples. Certa-
essa tese, argumenta-se que na Idade
mente houve interferência de outros
da Pedra, quando a terra era comum
fatores. Seja como for, existe hoje em
a todos os membros do clã, as forças
dia um sentimento quase universal
femininas eram exigidas para as tare-
de repúdio a essa desigualdade entre
fas domésticas, enquanto o homem
os sexos. Mas bastará mudar as leis,
caçava e pescava. Na divisão primitiva
as instituições, os costumes, todo o
do trabalho os dois sexos já constituí-
contexto social para que a igualdade
am, até certo ponto, duas classes, mas
se restabaleça? A mulher, é óbvio, não
entre elas havia igualdade.
vai aceitar que os homens continuem
Mais tarde, a necessidade de
impondo-lhe normas sociais a seu
desbravar as florestas e tornar os
bel-prazer. Ela já atingiu maturidade
campos produtivos levou o homem
suficiente para correr todos os riscos,
a recorrer ao serviço de outros ho-
tentar sua própria sorte, quebrar
mens, reduzindo-os à escravidão.
os tabus biológicos, psicológicos e
Aparece, então, a propriedade
profissionais que limitam sua ação.
privada.
São desafios, contudo, que exigem
Senhor dos escravos e da terra,
equilíbrio e capacidade de dominar
o homem torna-se também proprie-
fatos e circunstâncias, sabendo que
tário da mulher que perdia, assim, a
o melhor está para acontecer.
autoridade dentro da própria casa.
Foi esta a grande derrota histórica do
sexo feminino. Era o começo da famí-
lia patriarcal, caracterizada por uma
Mulher e Cidadania

Osregistroshistóricosmostram de ser louvável, além de demonstrar


muita maturidade e firmeza de objeti-
que a mulher, ao longo dos tempos,
vos. Nos últimos anos, sobretudo, ficou
sempre esteve submissa ao homem
evidente que a preocupação maior já
na maior parte das sociedades. Con-
não é a busca de igualdade de direitos,
tingência natural do regime patriarcal
e sim a defesa do conceito de liberta-
amplamente difundido nas civiliza-
ção que prescinde da igualdade para
ções conhecidas, essa situação de
afirmar a diferença, não no sentido de
inferioridade nunca foi, evidentemen-
desigualdade e complementariedade,
te, aceita por ela. Nada mais natural,
mas como assunção histórica da pró-
portanto, que após tantos séculos de
pria identidade feminina.
opressão ela se levantasse contra a ide-
A mulher brasileira, inconfor-
ologia machista que lhe tem negado
mada também com sua situação que
o direito ao desenvolvimento pleno e
não foge à regra universal, procura
exercício de sua cidadania.
resgatar seus anseios, sua maneira
Seja qual for o nome que se dê
de pensar e sua participação na
a esse despertar feminino, não se
vida do país, tentando, dessa forma,
pode ignorar, hoje em dia, o grau de
reescrever sua história, uma vez que
consciência da mulher quanto à sua
para ela a escrita pelos homens está
importância e sua força na transforma-
sob suspeita. Parece-nos uma saída
ção social, econômica, política e ideo-
legítima; do contrário, a mulher
lógica da sociedade. É este o sentido
continuará sendo tratada como uma
de seu questionamento atual no que
cidadã de segunda classe, o que é
diz respeito às relações de poder, da
absurdo e inadmissível neste fim
exploração e do domínio de grupos
de século.
de pessoas sobre outras.
O senso de equilíbrio que carac-
teriza muitas dessas ações não deixa

Abram Szajman
Presidente do Conselho Regional do SESC São Paulo
A mulher
na meia-idade:
verdades e
representações

Marcelo Antonio Salgado


Assistente Social/Gerontólogo
Gerente de Apoio Operacional e Estudos
da Terceira Idade - SESC/SP
Parte das questões ligadas ao Perguntamos: se o ciclo de vida
como processo é um fato natural,
envelhecimento não se situa necessa-
as crises não deveriam também ser
riamente nesta etapa do ciclo de vida.
naturais? Em princípio, sim. Contudo,
No tempo da velhice é comum verificar
o grau de dificuldade na solução des-
que algumas aflições, expectativas mal
ses conflitos varia de indivíduo para
direcionadas e paixões não resolvidas
indivíduo.
tiveram sua origem em tempos ante-
Pergunta-se também se existe
riores. E boa parte dessas questões se
diferença entre as crises que afetam os
situa na meia-idade.
homens e as que afetam as mulheres.
Por que na meia-idade?
Em relação ao envelhecimento sabe-
Porque esta etapa condiciona
mos que biologicamente ambos en-
todos nós a fazer o balanço de vida.
velhecem de maneira igual, variando
Ao refletir sobre todas as etapas ante-
apenas o grau de rapidez. Mas isso é
riores do ciclo de vida e sobre nossas
um atributo individual e não resultante
experiências passadas, fazemos um
da diferenciação por sexo.
balanço positivo que vai nos ajudar a
Sob o ponto de vista psico-
ter o equilíbrio para as etapas poste-
-emocional e das potencialidades
riores. Em caso contrário, se o balanço
intelectuais, não existe tampouco
for negativo, todos nós teremos sérias
diferença entre homens e mulheres.
dificuldades de adaptação.
As diferenças são devidas às condições
Seja homem, seja mulher, todos
particulares de cada um.
passam por diferentes fases de adap-
Possivelmente, a diferença entre
tação ao longo do ciclo de vida. E na
as crises do homem e da mulher seja
passagem de cada uma delas viven-
decorrente do fator cultural. Tanto
ciamos um fenômeno que chamamos
o envelhecimento como as outras
de crise.
etapas da vida têm muito a ver com
São cinco as etapas básicas do
a característica de cada cultura. Em
ciclo de vida: infância, adolescência,
algumas culturas o envelhecimento é
idade adulta, maturidade e velhice.
um fenômeno que se reveste de dig-
Essas etapas não estão necessaria-
nidade e merece todo o respeito. Em
mente ligadas à idade cronológica.
outras é motivo de escárnio, deboche
Para alguns indivíduos elas chegam
e, acima de tudo, de preconceitos,
mais cedo, para outros mais tardia-
como acontece, de modo particular,
mente.
nas chamadas sociedades do terceiro
Crises são situações novas, ex-
mundo.
pectativas que se colocam a todos nós,
Cabe aqui fazer uma diferença
seres humanos, e que exigem uma
entre ser velho e estar velho. Ser ve-
resposta. Muitas vezes, essa resposta
lho é o destino de todos nós , o que
implica abandonar uma postura por
a humanidade, por mais progressos
outra. Na passagem, por exemplo, da
que tenha feito , não conseguiu ainda
infância para a adolescência a crise
evitar. Estar velho é outra coisa. Este
implica o abandono de uma vida mais
conceito se refere ao sentido pejorati-
dedicada aos folguedos e brincadeiras
vo de velhice, enquanto significa uma
para assumir uma atitude mais séria,
série de manias, achaques, confusões,
nova distribuição do tempo em razão
ensimesmamentos que podem afetar
dos estudos. O próprio grupo familiar
as pessoas, independentemente de
exige um comportamento diferencia-
sua idade cronológica. Assim, existem
do, característico do rapazinho e da
jovens velhos e velhos jovens.
mocinha.

6 A Mulher na Meia-Idade: Verdades e Representações


Voltando à questão do fator cul- que entre os bebês do sexo feminino,
tural, tomemos um exemplo em nossa quando uma chora as outras também
própria sociedade e examinemos os choram em solidariedade. Isto dificil-
tipos de educação que nos foram mente acontece com as crianças do
impostos. Uma coisa é certa: meni- sexo masculino.
nos e meninas não tiveram a mesma Outro dado interessante é que os
educação. Os homens, na maioria das bebês do sexo feminino se apercebem
sociedades e, particularmente, nas so- muito mais cedo de outras figuras hu-
ciedades latino-americanas são edu- manas do que os do sexo masculino.
cados para a vida, para o mundo, para Finalmente, aos três meses de vida o
enfrentarem grandes desafios, dentro bebê do sexo feminino apre-
de um sentido de maior liberdade. Já as senta muito mais sensibilidade
mulheres são educadas para desenvol- à dor, muito melhor tato, muito
verem as habilidades e a afetividade. melhor olfato, muito melhor
Convém, entretanto, observar que as paladar.
coisas, neste ponto, estão mudando Essa sensibilidade talvez
bastante com a contestação dos valo- seja mais acentuada na mulher
res tradicionais. As mulheres, porém, pela sua função biocultural, isto
que estão ingressando ou já estão em é, pelo fato de ser responsável
plena meia-idade certamente foram pela procriação e educação dos
influenciadas por essa característica filhos. Isto explica por quê as
no seu processo educacional. crianças do sexo feminino são,
Essa postura social pesa tanto na desde cedo, extremamente
vida das mulheres que, em lugar de estimuladas para as carícias.
falarmos em crises de passagem de Na cultura de nossa sociedade
idade, seria melhor falarmos de sín- cabe à mulher essa função mais
dromes. Por que síndromes? As crises afi­liativa, associativa e de prote-
são eventuais, efêmeras. As síndromes ção. Por isso se pede muito mais
têm raízes mais profundas, deixam carinho a uma menina do que
seqüelas marcantes e dependem de a um menino. Aliás, quando
uma série de fatores. o menino é muito afetuoso,
Entre as diversas síndromes vi- muito carinhoso, o pai já fica
venciadas pela mulher ao longo de seu preocupado, achando que algo
ciclo vital, destacamos, em primeiro de estranho está acontecendo.
lugar, a síndrome da puberdade. A A mulher, quando chega
partir de pesquisas realizadas com à puberdade, fase que começa
bebês do sexo masculino e feminino, com a primeira menstruação,
a psicologia norte-americana che- sofre a primeira crise. A moci-
gou a conclusões interessantíssimas nha recebe da família uma série
sobre suas diferenças. Observou-se, de orientações, porque, a partir
por exemplo, que a mulher adquire desse momento, tudo é perigoso para
uma percepção sensitiva bem mais a “nova mulher ”, sobretudo as relações
cedo que o homem. É dotada de mais com o sexo oposto.
sensibilidade e de mais sociabilidade. Essa primeira crise gera grande
As pesquisas começaram a ser conflito para aquela meninazinha
realizadas em berçários. Constatou-se que foi violentamente tirada de um
que os bebês do sexo feminino sor- ambiente tão solidário, tão afetivo,
riem muito mais do que os bebês do tão íntimo. Ela que foi estimulada
sexo masculino. Além disso, notou-se ao afeto, de repente se envergonha

a terceira idade 7
desse afeto, sendo obrigada a limitar
a dimensão de seu comportamento
emotivo. Tudo isso porque seu corpo
ganhou a propriedade de reproduzir
e ela não é mais criança, é mulher.
A segunda crise seria a síndrome
da juventude. Nas sociedades atuais a
questão do belo tem um apelo muito
forte. A beleza, sobretudo a beleza
física, é um atributo da juventude. As
mulheres, muito mais que os homens,
são estimuladas a se prepararem
para a fase de plena juventude, onde
certamente irão adquirir toda a sua
capacidade física, em termos de beleza
e estética. Conseqüentemente, a perda
da juventude é vista como uma tragé-
dia e associada diretamente à perda da
beleza. Esse critério restringe muito o
conceito de beleza que, num sentido
mais amplo, está presente no corpo,
independentemente da idade, pois a
beleza assume várias formas, tipos e
padrões que a definem. Identificar be-
leza com juventude é uma convenção
social e, portanto, sem consistência
objetiva.
A angústia, portanto, está na
espera do momento em que desa-
parece esta juventude. Com o fim da
juventude vem o fim da beleza. E a
aproximação desse momento gera um
verdadeiro conflito, uma verdadeira
obsessão diante da ilusão de se poder
conter a marcha do tempo.
Algumas pessoas se iludem tan-
to que, além de não se conformarem
com o processo normal da natureza
em relação ao ciclo vital, se tornam
cegas ante essa realidade.Um perió-
dico parisiense de grande circulação,
“Le Figaro”, fez, há algum tempo,
uma pesquisa muito interessante a
respeito da percepção do próprio
envelhecimento. Durante um período
relativamente longo reservou, em
uma de suas sessões, um espaço onde
cada leitor era convidado a declarar
como tinha se apercebido do próprio

8 A Mulher na Meia-Idade: Verdades e Representações


envelhecimento. do para manter nossa auto-estima. As
A divulgação dos resultados mulheres, se estão descalças, tendem a
revelou conclusões surpreendentes. levantar os pés para aumentar a altura
Grande número de pessoas, tanto mu- e com isso distribuir melhor o peso. Os
lheres como homens, disseram que só homens tendem a encolher a barriga.
haviam tomado conhecimento de sua Enfim, todos procuram a melhor forma
velhice no momento em que tomaram de aproximação.
o neto, pela primeira vez, em seus bra- Realmente, algumas pessoas se
ços. O aparecimento, portanto, de uma vêem no espelho, mas não se enxer-
nova geração fez aflorar à consciência gam, ou melhor, fixam uma imagem
daqueles indivíduos a realidade de seu ideal, aquela que um dia lhes agradou
próprio envelhecimento. e as fez exclamar: “como sou lindo!”
Outros perceberam a idade avan- Essa imagem, porém, resulta-
çada, a partir do momento da apo- do de um encontro narcisista
sentadoria. A ruptura com a atividade com o espelho e que ficou na
profissional e o início da inatividade memória por muito tempo,
despertaram-nos para o fenômeno do um dia desaparece e cede
próprio envelhecimento. lugar à verdadeira imagem.
Houve revelações pitorescas Cai a couraça, chega ao fim a
como a de um célebre cantor que versão, acontece o fato. Aliás, é
percebeu estar ficando velho quan- uma tendência do ser humano
do, nas boates e cabarés em que se alimentar as versões em detri-
apresentava, ao piscar para as jovens mento dos fatos.
que se sentavam nas primeiras filas, Uma senhora me dizia
recebia um lenço para limpar os olhos, que os shoppings de hoje
em vez dos efusivos sorrisos dos anos são terríveis para a meia-
anteriores. -idade, pois são todos muito
Uma vedete francesa também espelhados e, além disso, têm
declarou ter descoberto que estava câmeras por todos os lados.
ficando velha, quando observou que De repente, a gente vê uma
as jóias que recebia de seus admira- imagem refletida e pensa:
dores eram bijuterias ao invés de jóias “meu Deus, como é parecida
verdadeiras, como acontecia em sua comigo! Mas é mais feia!” E
juventude. logo, em seguida, vem a de-
Simone de Beauvoir, em um de cepção: “mas, sou eu!...”
seus livros, relata uma experiência Algo semelhante acon-
pessoal muito interessante. Um dia, tece, quando ouvimos, pela
passava apressadamente pelo corre- primeira vez, a gravação de nossa voz.
dor de seu apartamento, onde havia Não acreditamos e pensamos até que
um grande espelho e, de repente, se trata de uma imitação. Observe-se
exclamou, fixando-o: “quem é esta que, no caso do espelho, existe ainda
mulher horrorosa na minha frente?” O um detalhe significativo: vemo-nos
espelho refletia sua própria imagem... geralmente de frente, mas os outros
Nossa convivência com o espe- nos vêem de todos os ângulos.
lho é uma relação muito curiosa. Por Esses depoimentos vêm confir-
um tempo relativamente longo nos mar que há um momento no ciclo da
vemos nele, mas não nos enxergamos. vida que coincide com a maturidade,
Quando nos aproximamos dele procu- em que o espelho nos revela os pri-
ramos sempre o ângulo mais adequa- meiros sintomas do envelhecimento.

a terceira idade 9
Como vivemos em uma cultura que mamos de “síndrome da outra”, isto
supervaloriza a beleza da juventude, é, ela começa a ter medo de todas as
esse momento é de grande impacto, outras mulheres mais jovens que se
é extremamente chocante. Para a mu- aproximam de seu companheiro. Há
lher, ao que tudo indica, é muito mais. casos de mulheres de executivos que
Ela é educada para cultuar a própria só autorizam a escolha da secretária,
beleza e, obviamente, a juvenil e não quando conferem a sua aparência.
a da maturidade e muito menos a da Encontramos também casos de
idade mais avançada. mulheres que começam a proceder
A psicanalista norte-americana, como se fossem “a outra” - mesmo
Susan Sotag, em um artigo sobre as sendo ainda as “titulares” - e passam
crises da mulher, dá o seguinte depoi- a agir como se estivessem ameaçadas
mento: “ser mulher é ser uma atriz; ser de serem despedidas no dia seguinte.
mulher envolve a manutenção de algo É evidente que este tipo de atitude
muito semelhante a uma produção te- complica ainda mais o relacionamento
atral. Deve-se dar atenção aos cremes, conjugal.
aos cosméticos, às roupas, aos cenários Em alguns casos, a “síndrome
(devem ser bem iluminados) onde as da outra” se agrava pela competição
mulheres farão suas aparições. Desde demasiadamente acirrada entre as
cedo as mulheres são treinadas para mulheres, dentro da visão narcisista
cuidarem muito bem de sua aparência, que cada uma tem de si. Isso faz com
às vezes de maneira patologicamente que elas se agridam de forma tão ab-
exagerada. Muitas são tão pressiona- surda que acabam se prejudicando
das quanto à necessidade de serem como categoria ou grupo. Diz-se até
atraentes que se tornam mutiladas que a mulher, quando se enfeita, não
em questões ligadas à espiritualidade, pretende apenas seduzir o homem,
inteligência, informação e ao próprio mas pensa também em incomodar
conhecimento do mundo. Outras são outra mulher.
sensibilizadas de que o valor da femini- No caso dos homens, a maturi-
lidade está na juventude, porque é na dade funciona de maneira absoluta-
juventude que se encontra a essência mente diversa: a maturidade é o ponto
de sua atração sexual”. alto em termos de atração sexual. As
É um problema muito sério mulheres costumam se sentir muito
a relação entre a perda da beleza mais atraídas por um homem maduro
física da juventude e a questão da do que por um jovem, embora isto não
sexualidade. Para muitas mulheres, o signifique que não apreciem a beleza
envelhecimento físico compromete física de um corpo jovem. Ousaria até
sua própria sexualidade. Para muitas, dizer que no homem a maturidade fun-
a modificação de seu corpo tem algo ciona como um poderoso afrodisíaco.
a ver com a incompetência sexual. Nesse processo de mudança, de
Coincidentemente, nesta fase busca de identidade, a mulher se de-
da meia-idade, as mulheres deparam para ainda com a “síndrome da incom-
com situações até então inusitadas: a petência educacional”. Esta acontece
indiferença do companheiro, a suspei- quando, de repente, ela se vê diante
ta de um “caso” que o marido mantém dos filhos já adolescentes. Percebe
fora do casamento. Tudo soa como um que pouco ficou de tudo aquilo que
sinal de que elas não despertam mais ensinou e muito pouco do que quis de-
interesse. monstrar com seu comportamento foi
Nessas situações, é comum a verdadeiramente absorvido por eles.
mulher ficar possuída do que cha- A educação, num grupo familiar,

10 A Mulher na Meia-Idade: Verdades e Representações


é de responsabilidade do homem e da capacidade de procriar e a menopausa
mulher. Ao que tudo indica, quando lhes teria tirado alguma coisa ou parte
a educação é um sucesso, o homem de si mesmas ou a melhor parte de
divide a responsabilidade, a co-autoria suas próprias identidades.
daquele processo educativo. Quando A grande crise, porém, acontece
acontece o contrário, ele não é respon- num período da meia-idade em que a
sável.Easmulheres,lamentavelmente, mulher é objeto de inúmeras pressões.
assumem essa responsabilidade como Além dessas já descritas (perda da apa-
sendo exclusivamente delas. E o pior: rência física, afetividade, menopausa,
assumem a culpa do insucesso e se sexualidade etc.), surgem situações
comportam como se fossem total- cujas conseqüências podem ser gra-
mente responsáveis pelos resultados. ves: a indiferença do companheiro,
Outra síndrome relevante é a a separação conjugal ou a viuvez, a
chamada “síndrome da menopau- perda dos pais, a emancipação
sa”. A menopausa é um fenômeno dos filhos e a relação com uma
absolutamente biológico. É uma mulher jovem que chega para
característica da mulher. Na espécie “roubar ” seu filho homem.
animal é comum a fêmea de muita O conjunto de todas es-
idade morrer, ao parir, pois não tem sas situações é definido como
resistência para o esforço do parto. “síndrome do ninho vazio”. É
Porém, reproduz até o final de seus o momento em que a mulher
dias. Outra característica do animal é percebe que, possivelmente,
o grau de competência da cria, logo abdicou de sua vida para viver
ao nascer. Entre os animais, o gerado a vida do marido e dos filhos;
torna-se independente do gerador que se dedicou extraordina-
muito rapidamente. Em muitos casos, riamente aos outros, mas não
após o nascimento, a cria não recebe encontra quem se dedique a
mais nenhuma atenção da mãe. ela. Resta de tudo isso uma
Não ocorre o mesmo entre os grande frustração.
seres humanos. Somos os únicos que A sociedade a impulsio-
precisamos de amparo total, durante nou para o afeto, mas agora
longo espaço de tempo, para a sobre- não investe em sua afetivi-
vivência e educação. Por isso, sabia- dade. A sociedade disse que
mente, a natureza tirou das mulheres ela deveria ser solidária, mas,
a competência de procriar até o fim. atualmente a solidariedade é algo em
Estabeleceu a menopausa para que a desuso. A sociedade lhe ensinou a ser
mulher, uma vez gerado o último filho, apaixonada, romântica, sonhadora,
tivesse um período maior de vida para mas para dar vazão a esses sentimen-
protegê-lo e educá-lo. Vista por este tos é preciso que haja a materialização
ângulo, a menopausa deveria ser um de tudo isso em uma pessoa, em um
fatordeextremavalorização.Entretan- ente amado e ela tem dificuldade de
to, tem sido descrita mais pelos seus encontrá-lo.
incômodos. É comum que o homem de mais
Existem colocações hilariantes idade consiga se energizar na compa-
de certas mulheres “menopausadas”. nhia de uma mulher mais jovem. Pode
Algumas, referindo-se ao tempo pré- ser escandaloso, mas é socialmente
-menopausa, dizem: “quando eu era aceitável. Mas não são nada lisonjei-
mulher...”, como se tivessem trocado de ros os elogios dirigidos à mulher mais
sexo, ao entrarem na menopausa. Para velha que escolhe para companheiro
essas, a feminilidade estava apenas na um homem mais jovem.

a terceira idade 11
Uma novela levada ao ar, há al- ponto de vista é uma das citações
gum tempo, pela televisão brasileira mais bonitas que já vi sobre a mulher.
apresentava o clube das mulheres É a seguinte: “Têmpera, as deusas têm
que mexeu muito com este tabu. É é têmpera, pura energia e têmpera;
exatamente a questão que se coloca: temperatura e paixão; é que as mulhe-
o direito de a mulher de mais idade res sempre estão, é que as mulheres
partir para outras opções, no sentido sempre dão, é que as mulheres sem-
de preencher sua afetividade e satisfa- pre são, sempre serão a chave de seu
zer sadiamente sua sexualidade. Caso tempo, o charme de uma etapa, o tapa
contrário, se sentirá realmente esva- na acomodação, o vírus da alegria, o
ziada nesse “ninho”, se sentirá inútil, amor e o nó da solidão, o brilho e a
percebendo que tudo que aprendeu explosão da estrela, alimentando os
não lhe confere competência alguma corações. Têmpera, mulheres têm é
para encontrar seu próprio equilíbrio têmpera; toda energia e têmpera, toda
e em nada contribui para ajudá-la a magia e têmpera”.
conviver com o processo de seu en-
velhecimento.
Certamente as gerações mais
jovens saberão trabalhar melhor es-
sas questões e reduzir os seus efeitos
negativos. O alcance que temos hoje
da dimensão de cada ser humano e
de seu papel, independentemente do
sexo a que pertença, é absolutamente
diferente.
O esforço que as mulheres têm
desenvolvido neste século e mais par-
ticularmente nas últimas décadas, não
para se equipararem ou para se igua-
larem ao homem, mas apenas para
terem direitos e papéis socialmente
aceitos e que ainda lhes são negados
pelo simples fato de serem do sexo
feminino, há de conduzir a situações
bem diversas.
Para que isso aconteça de manei-
ra integral e mais uniforme, é preciso
que cada mulher, jovem ou de mais ida-
de, projete para a sociedade o sentido
exato da relação que deve estabelecer
com ela e reivindique um espaço digno
para sua existência.
Concluindo, quero citar uma
música do Gonzaguinha. Do meu

12 A Mulher na Meia-Idade: Verdades e Representações


a terceira idade
13
foto: Gabriel Cabral
A maturidade implica, na sua conceituação,
uma situação de prontidão, de desenvolvimento,
de aproveitamento das experiências vividas. Ela pode ser
confundida com a idéia de saber. Esse saber que foi se
desenvolvendo através dos anos, através
das experiências positivas e negativas, felizes e infelizes.
Estamos falando especificamente
da maturidade feminina, uma reflexão que decorre
da questão da presença do feminino no mundo.

Sexualidade
da mulher
na maturidade
Stella Pupo Nogueira
Psicóloga

Transcrição de palestra
proferida no Sesc Ipiranga,
São Paulo, em maio de 1993

a terceira idade 13
1. A sexualidade do direitos.
ser humano
Desde que o mundo é mundo, 2. O desenvolvimento
desde que a cultura e a civilização aí sexual da mulher
se implantaram, os relacionamentos Desde criança, a educação, de
entre os seres humanos, em suas maneira geral, se faz mais por imi-
estruturas morfológicas, biológicas tação do que por conceitos, mais
e mentais, se polarizaram pelo mas- pela observação do que fazem os
culino e feminino. Desta polarização outros que propriamente através de
emerge a identidade de cada um. informações.
A questão da identidade está Em relação à mulher, também
diretamente ligada à sexualidade. A desde criança ela já se vê condicio-
sexualidade humana, por sua vez, está nada a um papel social característico
vinculada a instintos, a impulsos, mas que é basicamente o de ser mãe,
dentro de uma estrutura psicológica, o essa mãe que ela vê atuando em
que a distingue da sexualidade animal. casa, que ela imita em suas primeiras
Segundo a visão freudiana que brincadeiras.
nos parece válida ainda hoje, a criança A definição, portanto, de sua
é impulsionada pelo instinto, quando identidade começa desde essa época.
procura o seio para mamar, e essa Por isso, sexualidade e maternidade
aproximação da mãe como fonte de são realidades que quase sempre
nutrição necessária ao seu desenvol- estão juntas. Esta é a visão da mulher
vimento se torna também uma fonte como ser social, ligado à procriação
de prazer. da espécie, ao desenvolvimento da
Segundo os psicanalistas, esse sociedade.
contato é um dos elementos funda- Mas a mulher deve ser vista tam-
mentais na construção da estrutura bém como um ser humano, como uma
psicológica de uma pessoa, pela emo- pessoa, como um ser único e, como tal,
ção que envolve todo esse processo dotada de uma sexualidade própria
de relacionamento. que deve ser respeitada e não coloca-
A psicologia do desenvolvi- da em uma camisa de força, sujeita a
mento não admite que exista solução normas e padrões sociais rígidos. Essa
de continuidade na evolução do ser repressão da sociedade acarreta uma
humano. E esse desenvolvimento série de problemas não só emocionais,
se faz através das diferentes etapas mas também sociais, gerando precon-
da vida, incluindo a maturidade ceitos e discriminações.
e mesmo a velhice. A duração de Ao longo da história da humani-
nossa existência se confunde, dessa dade, nas diversas culturas, verifica-se
maneira, com nosso próprio desen- que sempre houve uma preocupação
volvimento. em se estabelecer regras, códigos orga-
Uma visão meio distorcida das nizadores, estruturadores da vida sexual
coisas leva a crer que a partir de certa das mulheres. Essas normas sempre
idade tudo acabou, as oportunidades refletiram uma ideologia, um conjun-
passaram, não adianta mais reivindicar to de crenças e valores necessários à
nossos direitos. sustentação da sociedade.
Isto não é verdade. As transfor- O matriarcado constituiu uma
mações físicas e emocionais não con- situação bastante interessante. Hoje,
duzem necessariamente a frustrações porém, a mulher ainda é vista mais
e nem impedem o exercício de nossos

14 Sexualidade da mulher na maturidade


dentro de sua função reprodutora, surgiram na educação, na formação
passando a ter determinado valor daquela criança. Todos esses aconte-
que se opõe ao seu valor como ser cimentos estão estreitamente ligados
sexual, dotada de desejos e capacita- à sexualidade, à possibilidade de
da a despertar desejos. É uma visão procriar e, portanto, à possibilidade
dicotomizada da mulher: de um lado, de, enquanto mães, as mulheres re-
a mulher valorizada pela sociedade, alizarem uma parte de sua condição
isto é, a mulher-mãe, a mulher santa, feminina.
a mulher-esposa e, de outro lado, a Essa fase de dúvidas, de inquie-
mulher sensual, sexualizada, objeto tudes e desejos mal percebidos e mal
de desejo. conhecidos que se vive na adolescên-
Essa dicotomia tem ferido os direi- cia repete-se, com características um
tos da mulher. Daí, a tendência, hoje em pouco diferentes, mas com vivências
dia, de acabar com essa ambigüidade, muito semelhantes, na fase que cha-
para que ela possa assumir com mais mamos de maturidade, ou seja, o
leveza e clareza a própria sexualidade. período da existência que vai
Trata-se de romper com os preconcei- dos 40 aos 60 anos aproxima-
tos e os padrões reguladores impostos damente.
pela sociedade, sem justificativas que A mulher madura é aque-
convençam. la que se desenvolveu, já se
Felizmente, essas iniciativas já buscou e já chegou perto de
estão se tornando realidade, pelo onde desejava chegar. Acon-
menos por parte das pessoas mais tece que, circunstancialmente,
jovens, situadas nas faixas de 20 e ou ela está envolvida ainda no
30 anos. casamento, com filhos adoles-
cendo e saindo de casa para
3. A sexualidade cuidar de suas próprias vidas,
na meia-idade ou estão profissionalmente
As mulheres que estão na meia- bem situadas.
-idade, nesta fase de plenitude, enfren- Mesmo realizadas no
tam dificuldades quanto à sua sexuali- casamento, na família e na
dade, seja de ordem psicossocial, seja profissão, a essa altura dos
de ordem afetivo-amorosa. acontecimentos a mulher é
Diz-se que a menarca e a meno- levada a parar, respirar fundo
pausa trazem para a mulher uma crise e fazer o balanço de sua vida: que foi
muito grande de identidade. Ela muda que fiz? O que falta fazer? O que eu
sua perspectiva quanto a si mesma, quero e o que posso fazer de agora
ao seu “eu”, à sua personalidade. Por para frente? Essa questão do “poder
outro lado, ocorrem mudanças físicas, fazer” se configura muito séria, muito
biológicas, hormonais, além das solici- importante.
tações e obrigação de assumir certas A permissão social que é dada à
posições cobradas pela sociedade em mulher jovem para o exercício pleno
que vive. de sua sexualidade, como já dissemos,
Na adolescência as mudanças gira muito em torno da possibilidade
psicofísicas trazem temores e ansie- de vir a ser mãe, de procriar. Por isso, a
dades, estimulam desejos, sonhos sociedade estimula a jovem a namorar,
e anseios, trazem à tona conflitos a se casar, a assumir a sua sexualidade.
anteriores que foram vividos e que A sexualidade, neste caso, é enfatiza-
da e valorizada, porque à sociedade

a terceira idade 15
interessa que a mulher tenha filhos,
constitua um lar, uma família, pela
importância dessa instituição na es-
trutura social vigente.
No casamento a mulher se vê
envolvida na luta pela vida, para criar
os filhos, para a aquisição de bens
materiais e construção da estabili-
dade familiar. Nessa fase a cobrança
sexual é feita mais pelo marido ou
pelo parceiro.
Por causa de suas inúmeras ocu-
pações, a mulher não tem condições
de usufruir plenamente de sua sexu-
alidade. Pelo contrário, a correria, a
responsabilidade e os compromissos
em relação à família levam de roldão a
atividade sexual que deveria merecer
mais atenção pela sua importância
como fator de equilíbrio do casal.
Por outro lado, as preocupações
diárias, as pressões sociais não só
afastam as pessoas de sua verdadeira
identidade, do conhecimento mais
profundo do seu “eu”, mas sobretudo
estressam e geram inúmeros conflitos.
O sexo, então, passa a ser, exclusiva-
mente, algo impulsivo, aliviador de
tensões, em vez de ser um fator de
integração das pessoas, algo que tra-
ga felicidade e seja conseqüência do
exercício do amor.
Esse“olhar mais”para fora do que
para dentro de si faz com que a mu-
lher, ao chegar à meia-idade, comece
a se questionar sobre a validade do
que está fazendo, sobre o sentido das
experiências que vivenciou até aquele
momento e que continua vivenciando.
Diante de tais indagações, torna-
-se difícil tomar uma decisão, pois se
ela sente a necessidade de se voltar
mais para dentro de si, ao mesmo tem-
po se vê aprisionada pelo sucesso com
que atende às inúmeras solicitações
externas que lhe dão enorme sensação
de bem-estar, massageiam seu “ego”,
embora deixem sempre um vazio inex-
plicável. Não obstante, é um período

16 Sexualidade da mulher na maturidade


de muita riqueza de vida, de muito Por isso, a maturidade é o mo-
aprendizado, de muita experiência, mento de revisão de atividades, de
apesar desse relativo afastamento de idéias e de valores. É o momento, por
si mesma como ser humano e como exemplo, de se repensar o casamento,
mulher. o sentido da vida a dois como troca afe-
Um dos grandes choques, po- tiva, amorosa, de idéias, de impressões.
rém, da mulher madura é a percepção Nessa fase é muito comum tam-
de que ela já está fora dos padrões bém as mulheres ficarem sós, ou por
sociais de valorização da sexualidade, viuvez ou por separação e porque,
isto é, da sexualidade identificada como já disse, os filhos já se foram.
com o binômio juventude-beleza. Podem também estar já aposentadas
Para a sociedade, ser bela, ser ou perto da aposentadoria.
sexualmente desejável é ser jovem, Novas atividades se tornam
é ter um corpo bem feito, como os difíceis nessa idade.
modelos dos anúncios e “out-doors”, Por outro lado, a expec-
se possível. Ora, é exatamente nes- tativa de vida, hoje, é cada vez
se momento que a mulher se vê maior. Vamos viver saudavel-
destituída de alguns atrativos que mente muito mais que nossos
possuía na sua juventude, o que pais e avós. O que vamos fazer
necessariamente não quer dizer que com toda essa vida que nos
seja sexualmente menos desejável. resta, com toda essa sexualida-
Entretanto, muitas introjetam essa de que ainda existe dentro de
idéia, caem em depressão e experi- nós? A sexualidade é o motor
mentam um sentimento de perda e da vida, é a força motriz que
frustração. leva as pessoas para a frente.
Se na menarca, início da ado- O termo sexualidade não
lescência, a menina se vê diante da quer dizer só genitalidade, re-
possibilidade de ter filhos, a mulher, lação física, orgasmo. Não é só
na menopausa, que marca o fim da uma questão biológica, fisioló-
menstruação, sabe que perdeu essa gica, endócrina. Sexualidade é
capacidade. Assim, mesmo que do a libido, é o impulso, a força da
ponto de vista racional decidisse vida, a energia da qual se pode
não ter filhos, a certeza de sua fer- dispor e que envolve nossa vida
tilidade seria suficiente para fazê-la psicológica, emocional e mes-
sentir-se mulher. Mas pelo fato de a mo ideológica. A sexualidade
natureza, de repente, lhe tirar essa se refere ao corpo todo, aos
possibilidade, isto tem um significado prazeres de todos os sentidos.
muito mais profundo do que se possa A sexualidade é a satis-
imaginar. fação, o prazer, a alegria e está muito
Esta série de transformações ligada aos valores da sociedade.
hormonais, musculares, do aparelho Cada cultura tem suas normas e seus
circulatório, do seu organismo em códigos. É importante, contudo,
geral, as inúmeras perdas - principal- que essas normas e esses códigos
mente a capacidade reprodutiva e os sejam interpretados, sem prejuízo
atrativos sexuais, dentro da visão da do prazer que se busca através da
sociedade - geram muita perplexidade sexualidade.
e tristeza, tornando a menopausa algo Para ilustrar essa ligação entre se-
muito assustador e preocupante para xualidade e valores culturais, costumo
a mulher. citar um filme muito bonito, com An-

a terceira idade 17
tony Quinn, chamado“Sangue sobre a de dessa fase da vida que ele chama
neve”, que mostra como o esquimó vê de processo de individuação. Esse
a sexualidade. Quando vai fazer sexo, processo acontece com o passar do
diz para a mulher: “vamos rir juntos? tempo, quando vamos realizando a
Vamos brincar juntos?” E quando che- integralização do nosso próprio “eu”,
ga um visitante estrangeiro, um padre, que permite ver-nos mais como seres
ele oferece a própria mulher, que é o individuais e um pouco menos como
que ele tem de mais precioso. O padre participantes constantes de uma
fica desesperado e se recusa a dormir estrutura.
com ela. O esquimó se ofende, mata A sexualidade é fonte de iden-
o padre e passa a ser perseguido pela tificação da mulher. Por isso, nesse
polícia. O esquimó não entende por momento ela sofre uma crise de
que está sendo perseguido, pois não identidade: “não sou mais a mesma,
vê crime na ação que praticou. não tenho mais a mesma aparência,
Cada pessoa foi educada dentro não tenho mais os mesmos direitos
de certos padrões que serviram de de buscar o prazer e a felicidade...”
pontos de referência no processo de Talvez essa visão esteja relacionada
seu amadurecimento ao longo da a um moralismo arraigado em nossa
vida. É a partir desses referenciais que cultura e que ridiculariza a sexualida-
a mulher madura deve mergulhar de das pessoas com mais idade.
dentro de si, para um trabalho de Como já disse antes, os jovens
auto-conhecimento e reflexão sobre podem viver muito bem sua sexu-
o significado de normas e idéias que alidade, mas só o exercício dessa
nortearam sua vida até o presente. aptidão, dessa capacidade é que nos
Muitas têm medo desse de- torna cada vez mais donos dessa força
safio, porque estarão cobrando de que nos envolve totalmente.
si mesmas aquilo que não fizeram, O fato de vivermos em uma so-
aquilo que não se permitiram e ciedade castradora não deve impedir
pensam que agora não é mais pos- o desenvolvimento de nossa sexuali-
sível fazer. Mas isso é um grande dade. Os casais deveriam conversar
engano, pois a sexualidade, como mais sobre os seus desejos, suas curio-
dissemos, é uma força motriz que sidades, suas fantasias. Deveria haver
continua presente em suas vidas, mais intimidade. Isto é fundamental
impulsionando-as para buscar suas para que a mulher madura fique mais
satisfações. à vontade para tomar iniciativas e
Sob o ponto de vista médico, novas atitudes nesse campo.
por exemplo, hoje temos fácil acesso Existem ainda outros tabus que
a muitas informações fundamentais constituem obstáculos a esse desa-
para esse momento de crise. Exis- brochar da sexualidade. Se a procura
tem tratamentos modernos que por moças mais jovens não implica
permitem aliviar e atenuar muitos nenhum preconceito para o homem
problemas resultantes do climatério. mais velho, o mesmo não acontece
A menopausa, contudo, não é uma com a mulher mais velha que se apro-
questão só de saúde e os problemas xima de rapazes mais jovens. Nesse
têm uma causa mais profunda. Daí, a caso, a mulher geralmente é taxada
necessidade de ser analisada, levando de louca, assanhada e outros qualifi-
em consideração a integralidade do cativos menos elegantes.
ser humano. Na verdade, dentro do exercício
Jung fala com muita proprieda- da sexualidade, o homem mais velho

18 Sexualidade da mulher na maturidade


está mais apto a ter um bom relacio- tarde para começar alguma coisa.
namento com uma moça, porque ele No que diz respeito à questão
tem capacidade de esperar mais para profissional, pode ser o momento
ter orgasmo, ou seja, tem capacida- da grande “virada”. Há mulheres que
de de retardar o orgasmo e, assim, durante muitos anos exerceram suas
proporcionar uma satisfação maior profissões, sem muita satisfação e en-
a uma jovem. A mulher mais velha já contram nessa etapa possibilidades de
tem mais tarimba na relação sexual, se realizarem em outras atividades. É
ela não precisa de tanta demora, de muito comum essa mudança por volta
tanta preparação e o que ela quer é a dos 40, 45 e 50 anos. O que tem isso a
potência do jovem. ver com a sexualidade? Tem tudo, pois
é a sexualidade-força-"élan" que impul-
4. Conclusão siona na abertura de novos caminhos.
O importante, porém, de tudo Talvez seja essa a única alternativa
que dissemos, é a realização pessoal para a mulher madura, quem sabe, se
como um todo. E a mulher, na meia- encontrar, apesar das nuvens espessas
-idade, tem condições de se realizar que assomam em seu horizonte.
plenamente, desde que ela aproveite
essa fase para alçar vôo, para se dedi-
car àquela atividade que foi abafada,
frustrada pelas responsabilidades e
compromissos da vida e das quais está
agora desempedida.
Aquele “mergulho dentro de si
mesma” é importante também para ela
descobrir, quem sabe, uma tendência,
uma qualidade que não foi suficiente-
mente desenvolvida por falta de tempo
ou oportunidade. Pode estar aí um
ponto de partida para uma nova vida.
Trata-se de exercitar a própria
criatividade, sem ansiedades e temores,
mas com bastante otimismo e serenida-
de. Nada de decretar a própria falência,
ser seu próprio algoz, dizendo que já é

a terceira idade 19
Nos países do primeiro mundo consideramos de meia-idade as pessoas
de 45 a 65 anos. Num país como o Brasil, por causa exatamente de um en-
velhecimento mais rápido, pela ação do sol no desenvolvimento hormonal,
diríamos que a meia-idade vai dos 40 aos 60 anos.

O que seria a meia-idade?


Em geriatria consideramos a meia-idade
de acordo com o país a que nos referimos.
Nos países do primeiro mundo, que são em geral
aqueles que fazem parte do hemisfério norte, onde a
atuação do sol não é tão intensa quanto nos países do
hemisfério sul,
como é o caso do Brasil,
o envelhecimento é mais lento.

a terceira idade 21
A Saúde
da Mulher na Meia-idade

Alda Ribeiro
Médica Geriatra

Nos países do primeiro mundo


consideramos de meia-idade as pessoas de 45 a 65 anos. Num
país como o Brasil, por causa exatamente
de um envelhecimento mais rápido,
pela ação do sol no desenvolvimento hormonal, diríamos que a
meia-idade vai dos 40 aos 60 anos.

Transcrição de palestra
proferida no Sesc Ipiranga,
São Paulo, em maio de 1993
Algumas características nos preocupar muito com a saúde,
da meia-idade porque ela acontece. A gente pode
comer de maneira exagerada, de ma-
O que seria a meia-idade? Em
neira errada, ter vícios etc., que mesmo
geriatria consideramos a meia-idade de
assim a gente consegue tocar o barco.
acordo com o país a que nos referimos.
Depois dos 40, as coisas começam
Nos países do primeiro mundo,
a ser mais difíceis, porque nossa energia
que são em geral aqueles que fazem
vital começa a esgotar-se de acordo
parte do hemisfério norte, onde a atu-
ação do sol não é tão intensa quanto com nosso comportamento anterior.
nos países do hemisfério sul, como é É que geneticamente recebemos de
o caso do Brasil, o envelhecimento é nossos pais os órgãos que têm deter-
mais lento. minado potencial de trabalho. Esse
Muita coisa que vou dizer aqui potencial de trabalho, contudo, pode
vale tanto para o homem como para a ser utilizado dentro de uma velocida-
mulher, com exceção de um ou outro de ideal que chamamos de natural,
ponto, como o papel dos hormônios ou pode ter um ritmo mais acelerado
que têm significado especial na vida que pode com­prometê-los. Nessa fase
da mulher. crítica é que começamos a colher os
Apesar da presença de hor- frutos de como agimos antes.
mônio masculino no organismo da A teoria do iceberg explica bem
mulher, é claro que a predominância o que acontece na meia-idade, em
é de hormônios femininos que se termos de saúde. Nos países onde faz
manifestam de maneira cíclica, de muito frio, a água congela na época do
acordo com o ciclo menstrual. Este inverno, formando os icebergs, grandes
ciclo é normal antes da menopausa e blocos de gelo, por cima do mar. A gen-
significa a preparação do organismo te tem a impressão que se se demolir a
para uma possível gravidez. Depois parte que se vê acima da superfície das
da menopausa existe uma alteração águas, o caminho fica desbloqueado.
hormonal de que vamos falar mais É uma ilusão, pois embaixo existe um
adiante. bloco de gelo enorme sustentando
Essa questão dos hormônios é toda a parte visível.
muito importante porque existe uma É exatamente isso que acontece
relação entre eles e o envelhecimento, conosco, da meia-idade para frente.
embora não sejam os únicos fatores No começo algumas pontinhas desse
responsáveis por esse processo. bloco de gelo chamam nossa atenção,
A geriatria se refere à meia-idade mas essas pontinhas são percebidas
de maneira mais dramática, chamando- porque embaixo já existe um bloco
-a de idade crítica. De fato, além da bem firme e sólido, ou seja, existe toda
menopausa que acontece entre os 40 uma situação de base cujos sintomas
e 60 anos, os psicólogos detectaram são sinais de algo mais sério que ainda
uma síndrome chamada “síndrome se acha encoberto.
do ninho vazio”, provocada pela saída Em geral, nessa época, a pessoa
dos filhos de casa, depois de crescidos vai ao médico e ele solicita uma série
e eman­ci­pa­dos. Trata-se de uma idade de exames: sangue, urina, pressão
crítica também porque a mulher e o etc. Então, o que pode acontecer? O
homem, nessa fase, estão vivenciando colesterol, os triglicérides, a glicose,
uma série de mudanças internas. a pressão, o ácido úrico podem estar
Geralmente se diz que mais ou alterados.
menos até os 40 anos a natureza está Que significam essas alterações?
do nosso lado, ou seja, não precisamos

24 A Saúde da Mulher na Meia-Idade


Existe um fenômeno em nosso orga- por exemplo, tem tendência ao dia-
nismo que se chama metabolismo betes e exagera no uso de açúcar
que são todas as reações químicas tem muito mais chan­ces de se tornar
que acontecem em nosso corpo diabético do que uma pessoa que não
para manter nosso sangue saudável, comete esses excessos.
isto é, com aqueles elementos que o Mas mesmo que ao longo
compõem (colesterol, açúcar, acidez, de nossa existência tenhamos
gordura etc.), na proporção certa, de acumulado uma série de há-
acordo com uma tabela de valores que bitos nocivos ao organismo,
serve de referencial para a avaliação nunca é tarde para corrigir es-
dos exames laboratoriais. A alteração ses hábitos e, assim, recuperar,
desses elementos significa alteração pelo menos algumas funções
do metabolismo e, portanto, funcio- orgânicas prejudicadas. Por-
namento inadequado do organismo. tanto, seja aos 40, seja aos 80
anos, é sempre válido adquirir
Alterações orgânicas bons hábitos de higiene, de
e envelhecimento alimentação etc. para darmos
qualidade à nossa vida. Nin-
Essas alterações, chamadas guém está velho demais para
fatores de risco, causam transtornos começar. O organismo não é
no processo de envelhecimento, na algo estático, mas está sempre
medida em que prejudicam a circu- reagindo aos estímulos a que
lação e o funcionamento geral do é submetido.
organismo. Daí, a importância de se Especificamente, em re-
manter sempre alerta em relação a lação aos hábitos alimentares
esses fenômenos. é preciso sempre estar atento
Muitas pessoas não se ligam no ao que se come, à quantidade
perigo que correm, quando o médi- que se ingere e à maneira de
co lhes diz que sua pressão ou sua comer. O mesmo se diga da
glicose está alta, pois, como dizem, bebida. O excesso é sempre
não sentem nada, nenhum sintoma. É prejudicial.
preciso, nesse momento, se lembrar de A vida sedentária e o seu
que quando as pontinhas do iceberg oposto, isto é, a movimenta-
começam a aparecer, é sinal de que ção além da nossa capacidade
algo mais profundo já se instalou. Isto física devem ser igualmente
não acontece da noite para o dia, mas condenadas co­ m o hábitos
de maneira progressiva e sorrateira, indesejáveis e prejudiciais. A
bem antes da maturidade. questão do sedentarismo é tão
Três fatores principais concor- óbvia e pacífica que não precisa
rem para a formação deste quadro: a de maiores considerações. Mas
herança genética, os hábitos de vida existem alguns desvios quanto
e o temperamento. à atividade física.
1) Herança genética - Se venho de uma A movimentação deve
família que tem tendência ao diabetes, obedecer a um ritmo que o
existe a possibilidade de eu herdar essa corpo consiga acompanhar
tendência. Aqui é arriscado pagar para sem muito esforço. É uma questão
ver. Todo cuidado é pouco. de bom senso. O exagero desgasta.
Deve-se ter muito cuidado, portanto,
2) Hábitos de vida - Os hábitos de quanto à dosagem, carga e intensida-
vida podem contribuir para que essa de dos exercícios físicos. Cada faixa de
tendência se manifeste ou não. Quem, idade tem um parâmetro que deve ser
a terceira idade 25
observado. está ligada à velhice, mas a alguma
Falar de atividade nos leva ao en- doença. Por isso, é impróprio falar de
foque do tempo que se deve dedicar doenças de velhos. Se o velho tem
ao descanso. Aqui convém lembrar alguma disfunção é porque à velhice
que o importante não é o número se somou uma doença.
de horas de sono, mas a disposição Existem, sem dúvida, doenças
com que se acorda. É preciso acordar que se expressam com maior freqüên-
descansado. cia na velhice, mas mesmo os jovens
Não é só através do sono que se são acometidos por essas doenças
recupera do cansaço. Durante o dia, em geral atribuídas exclusivamente
o excesso de atividades muitas vezes à velhice.
leva a um estado de tensão. Nesse Para se entender a importância
caso, torna-se necessária uma parada dos hábitos de vida é necessário ter
estratégica para se sair dessa situação não só uma macro, mas também uma
estressante. Não importa que seja uma microvisão do corpo, isto é, uma visão
parada de meia hora, no final do dia ao nível celular. Sabemos que toda
ou no momento que se julgar mais célula é revestida por uma membra-
apropriado. Essa pausa contribui até na externa, cuja função é impedir a
para resolver certos problemas que entrada de tudo que lhe possa ser
são sufocados pela atividade diária. nocivo e reter o que é necessário para
3) Temperamento - Este é responsável sua renovação. Com hábitos de vida
pelo bom ou mau funcionamento do errados essa sentinela fica“baratinada”
organismo. O temperamento leva a e suas funções comprometidas.
pessoa a ser mais tensa ou menos Ocorre, então, que a agressão
tensa. Dependendo do grau dessa da célula por substâncias nocivas -
tensão, o organismo reage de forma os radicais livres - dá origem a uma
saudável ou não. reação em cadeia na qual se formam
Uns mais, outros menos, todos mais radicais livres, substâncias extre-
nós somos levados a criar problemas mamente tóxicas. Por outro lado, não
para nós mesmos. Essa parada estraté- conseguindo reter em seu interior ele-
gica de que falei acima ajuda também mentos necessários à sua revitalização,
a avaliar se compensa ficar tenso, se o a célula não se renova, acelerando-se o
motivo é proporcional à intensidade processo de envelhecimento de todo
da tensão etc. Este é realmente um o organismo.
hábito salutar. Concluindo, os hábitos de vida
Esses três fatores - a herança saudáveis preservam o bom funcio-
genética, os hábitos de vida e o tem- namento das células, permitindo a
peramento - acabam con­dicionando correta triagem e movimentação de
a velocidade do envelhecimento. Ou substâncias, evitando a intoxicação
seja - para usarmos uma imagem - é dos órgãos. Assim, quando ingerimos
como se tivéssemos um relógio dentro alimentos cheios de conservantes e
do cérebro, cujo ritmo programado com excesso de temperos, a célula
geneticamente fosse modificado terá muito mais trabalho na hora de
pelos hábitos e pelo temperamento. selecionar o que é bom e ruim para
Essas modificações influenciam ela. Se ingerimos alimentos naturais,
o processo de envelhecimento por- com menos tempero, é evidente que a
que a alteração do ritmo biológico célula não terá dificuldades de realizar
leva a disfunções que dão origem às suas funções.
doenças. A disfunção, portanto, não

26 A Saúde da Mulher na Meia-Idade


Ritmo do envelhecimento Isto acontece toda vez que sentimos
nossos órgãos, quando, por exemplo,
O processo do envelhecimento
sentimos alguma queimação no es-
começa mais ou menos por volta dos
tômago, uma dor de dentes etc. Ao
vinte e cinco anos, assim que termina
tomar conhecimento do que está
o período do desenvolvimento ou
acontecendo, o cérebro imediata-
maturação das funções orgânicas. Isto
mente dá um sinal de alerta: “olhe,
quer dizer que ao atingir o ápice de sua
capacidade, essas funções começam você deve ter comido alguma coisa
a sofrer um declínio que, sabemos, é que não lhe fez bem” ou “trate deste
irreversível. dente” etc. Por isso se diz que quem
O ritmo desse declínio pode está com dor de estômago não pensa
ser natural ou não, dependendo das direito.
condições a que submetemos nosso Quanto mais livre estiver o cére-
organismo no exercício de suas fun- bro, mais condições terá de trabalhar
ções. Daí a importância de se saber que dentro de seu ritmo normal, evitando
ritmo impor ao organismo para que ele seu desgaste e, conseqüentemente,
trabalhe sem se estressar. Desse ritmo seu envelhecimento. Por isso,
vai depender o ritmo do processo de a pessoa muito “en­ cucada”
envelhecimento. com as coisas envelhece mais
É interessante observar que depressa.
existe um controle central do funcio- A deterioração do cére-
namento dos órgãos, permitindo ao bro consiste na perda de célu-
homem ter consciência do que está se las. Dos 25 aos 40 anos algumas
passando em seu organismo e, assim, células já se perderam. Depois
cortar este ou dosar mais aquele ali- dos 40 anos essa perda se ace-
mento. Esse controle é exercido pelo lera. Na meia-idade, portanto,
cérebro. A ele são comunicadas todas é necessário que cada pessoa
as disfunções ou qualquer pane nos procure compensar essa per-
órgãos. Deste modo, o indivíduo toma da, dando ao cérebro tranqüi-
consciência do que está ocorrendo, lidade para trabalhar. Isto não
para que possa tomar uma decisão quer dizer que o cérebro deva
em relação ao mau funcionamento ficar ocioso. Pelo contrário, o
deste ou daquele órgão. cérebro deve estar sempre “ligado”,
A função prioritária do cérebro é mas de maneira saudável. Quando
manter-nos em contato com o mundo, está acordado, ele funciona melhor.
através de nossos relacionamentos,
para que possamos trazer para dentro Organismo
de nós o que captamos com nos- e envelhecimento
sos sentidos. É sua função também Acho importante abordar, em se-
participar do conhecimento de nós guida, alguns aspectos do organismo
mesmos e transmití-lo aos outros. que, em geral, preocupam as pessoas,
Essa troca constante é que enriquece sobretudo a partir da meia-idade, por
e dá qualidade à vida. causa de sua relação com o envelhe-
Acontece, porém, que quando cimento.
o cérebro tem sua atenção desviada A pele - A pele é um grande ór-
para outro órgão, ele fica sobrecar- gão de defesa do nosso corpo e, além
regado e prejudicado, tendo que disso, nos ajuda a perceber o mundo,
exercer outras funções secundárias. através do tato. Obviamente, essa

a terceira idade 27
pele envelhece. Como já disse, existe alimentares. O cabelo é constituído
um ritmo de envelhecimento normal, de proteínas. Além disso, as vitaminas
mas alguns fatores podem acelerar e sais minerais concorrem para forta-
esse processo: a alimentação pobre lecer e nutrir os tecidos. Logo, carne,
em vitaminas e em sais minerais, por leite, ovos, proteínas vegetais, cereais
exemplo. As proteínas, os carboidra- em geral, leguminosas etc. devem fa-
tos, as gorduras nos dão a vida. As zer parte da refeição. Esses alimentos
vitaminas e os sais minerais nos dão fornecem a matéria-prima necessária
a qualidade de vida. à renovação constante dos cabelos.
A pele precisa dessas substân- Algumas pessoas têm medo de
cias em quantidades adequadas para escovar o cabelo com força, porque
se manter elástica e hidratada. Não há acham que desse modo apressam sua
necessidade de comprar vitaminas e queda. Engano. O cabelo que cai pela
sais minerais em farmácias. É melhor ação de escovar é um cabelo morto e
encon­ trá-los em uma alimentação é bom que caia para dar lugar a outro
sadia. A farmácia é uma solução ex- novo.
trema. Manter o organismo hidra­tado Quando se escova o cabelo de
pela ingestão habitual de líquidos é maneira vigorosa ou se lava a cabe-
mais eficaz do que consumir quilos e ça massageando o couro cabeludo,
mais quilos de cremes. O efeito que favorece-se essa renovação. Portanto,
vem de dentro para fora é mais du- não basta escolher o melhor xampu,
radouro que aquele que depende de é preciso favorecer sua ação.
uma ação puramente externa. Pode parecer estranho, mas a
Pele envelhecida não é a mesma tensão ao nível da coluna cervical é
coisa que pele seca. Pode-se ter cem o fator mais sério e determinante da
anos e não ter a pele seca. A pele seca é queda de cabelo. Isso se explica pelo
uma conseqüência da falta de líquidos fato de que a circulação do couro ca-
nos tecidos que a constituem. beludo passa primeiro pelo pescoço. A
O sol é o grande inimigo da tensão, contraindo essa musculatura,
pele. Fora dos horários adequados- prejudica a circulação. É preciso relaxar
-das 8 às 10h e depois das 16h - o sol os músculos do pescoço com exercí-
é extremamente prejudicial à pele cios suaves, lentos, no ritmo próprio de
e contribui de maneira significativa cada um, para não acontecer coisa pior.
para o processo de envelhecimento. Outra observação interessante
Além disso, pode causar tumores é que a musculatura do rosto está
de pele. ligada à musculatura do couro cabe-
Algumas peles são mais sensí- ludo. Nossa pele reflete a musculatura
veis que outras. As conseqüências da interna, ou seja, se em determinada
exposição ao sol vão depender dessa parte do corpo o aspecto é estetica-
sensibilidade. Já dissemos que até os mente bonito, significa que a muscu-
40 anos a natureza ajuda e após os latura por dentro também é bonita. O
40 temos que ajudá-la. Isto é válido acúmulo de gordura significa que a
sobretudo para a pele. musculatura não está sendo exigida
Os cabelos - Já antes dos 40 anos adequadamente. É o músculo que
percebem-se mudanças nos cabelos: molda o que está em cima dele.
começam a ficar brancos e a queda se Uma das maneiras de trabalhar a
torna mais acentuada. Isto se explica musculatura do rosto é mastigar bem.
também pelos fatores genéticos e Com o passar dos anos começamos a
por fatores que têm a ver com nossos fugir da mastigação. Damos preferên-
hábitos de vida, sobretudo hábitos
28 A Saúde da Mulher na Meia-Idade
cia a alimentos mais moles que não que fazem ganhar peso. Se, porém, se
exijam trabalho dos dentes e com isso relaxar, obviamente a mulher na meia-
a musculatura da face começa a cair. -idade vai engordar mesmo!
O hábito de sempre mastigar retarda A gordura deve fazer parte da
a flacidez do rosto. Exercitando-se a alimentação, mas é preciso saber que
musculatura do rosto, melhora-se a tipo de gordura se deve ingerir. De
circulação do couro cabeludo. Aliás, modo geral pode-se dizer que
nosso corpo age em conjunto. Tudo toda gordura que se percebe
que acontece em alguma parte reper- não presta. Assim, a nata do
cute no todo. leite, que é um concentrado
A postura em relação à vida in- gorduroso que não faz falta
flui também na circulação cervical. Se ao organismo. O mesmo
ando de cabeça erguida, a circulação acontece com as gorduras
do pescoço é muito melhor. Ao con- aparentes nas carnes.
trário, olhar só para o próprio umbigo As gorduras que estão en-
acelera o processo de artrose cervical, tremeadas no leite e na carne
por falta de circulação mais intensa. são saudáveis pelas vitaminas
Gorduras - A maior parte das que contêm e porque contri-
pessoas se sente incomodada com buem para manter o tônus da
o armazenamento de gorduras no pele, a viscosidade natural
corpo. Erroneamente se pensa que dos cabelos etc.
envelhecer é ganhar peso. Não é bem Fala-se tanto, hoje, de
assim. O processo normal de envelhe- colesterol que as pessoas
cimento faz perder peso. Os gramas têm medo de comer gordura.
que se acrescentam ao corpo com Não há dúvida de que nessa
o correr dos anos é comida demais fase alguns apresentam uma
e movimento de menos. Não vamos taxa alta de colesterol. O pro-
atribuí-lo também à velhice. blema não é a gordura em si,
O peso diminui com a idade por mas os hábitos alimentares
causa da mudança na massa corporal. em relação a essa substân-
Perdemos um pouco da musculatura cia. Condena-se o exagero e
que é um tecido que pesa muito. A aconselha-se a associar o uso
gordura ocupa muito espaço e pesa de gordura animal e vegetal,
pouco. Acontece então uma troca pois ambas são necessárias
tanto no homem como na mulher. e importantes para o orga-
A diferença é que a mulher tem nismo.
uma proporção maior de gordura O aparelho digestivo -
em relação ao músculo e o homem Se o aparelho digestivo não
uma proporção maior de músculo. O for bem educado dará muita
processo de envelhecimento iguala preocupação após os 40 anos.
mais ou menos os dois, porque o É necessário que se tenha um
homem perde mais massa muscular e ritmo na vida, isto é, deve-se
a mulher ganha um pouquinho mais imprimir um ritmo adequado ao fun-
de gordura. cionamento de todo o organismo. O
Isso, contudo, não é motivo para ritmo alimentar é muito importante,
a mulher, na menopausa, ficar pensan- porque existe toda uma expectativa
do: “se toda mulher, nessa fase, engor- do aparelho digestivo em relação ao
da, por quê me preocupar?” Acontece que lhe é enviado de fora para dentro
que não é a menopausa nem a velhice para ser processado e convertido em
nutrientes e princípios vitais.
a terceira idade 29
foto: Paquito
Aula Aberta com Grupo de Dança Contemporânea - Método Jennifer Muller

O hábito de tomar o café da ma- mulher nessa idade devido à mudança


nhã, almoçar e jantar em determina- de papéis, às modificações na própria
dos horários faz com que o organismo sexualidade e a outros problemas
se prepare sempre para reagir da mes- emocionais retesam os músculos
ma maneira, todos os dias, naqueles abdominais e intestinais, diminuin-
horários. Qualquer alteração nesse do-lhes o número de contrações e,
horário, na qualidade e quantidade conseqüentemente, prejudicando a
dos alimentos pode causar pane no digestão.
funcionamento do organismo que terá Por isso, recomenda-se mastigar
de se adaptar a uma nova situação, bem os alimentos não só para ajudar o
de maneira rápida, fora do seu ritmo aparelho digestivo, mas também por-
habitual. que a digestão de certas substâncias
Essa situação se torna muito (o amido da farinha, o feijão, a batata)
mais difícil com o avançar dos anos, já começa na boca.
sobretudo por causa da diminuição A alimentação deveria ser um
de ácido no estômago, necessário ritual, mas muitas vezes acabamos co-
para uma digestão, principalmente mendo de qualquer maneira, andando
das proteínas. ou fazendo outras coisas ao mesmo
A situação de tensão vivida pela tempo. Isso judia muito do aparelho

30 A Saúde da Mulher na Meia-Idade


digestivo, refletindo em todo o corpo. sabermos se a alimentação está corre-
A vesícula - É outro órgão que ta ou não: se as fezes flutuam no vaso
sofre demais nessa idade. Ela tem a sanitário é um bom sinal, pois significa
forma de um saquinho. Se a pessoa que a alimentação é rica em fibras.
está tensa, desgostosa, chateada, Essa observação é importante para
com algum problema sem saída, esse fornecer elementos ao médico nas
saquinho se contrai. E nesse caso, não consultas e orientá-lo no diagnóstico
se consegue aproveitar a gordura in- de algum sintoma e na medicação.
gerida que é eliminada juntamente Os músculos - Os músculos são
com algumas vitaminas e outras subs- uma armadura. Estão em contato com
tâncias. Resultado: fraqueza orgânica nosso meio interno e com o
geral. É preciso, então, nessa fase, rever meio externo que nos cerca.
a maneira de administrar os próprios Quando uma pessoa tem
problemas para que não afetem tanto qualquer problema interno, o
a saúde. músculo que está em contato
Os intestinos - Outra vítima dos com aquele órgão que está
maus hábitos alimentares são os in- sofrendo começa a ficar duro.
testinos. Favorecer seu bom funciona- Uma pessoa, por exemplo,
mento significa dar-lhe facilidade para com crise de apendicite tem o
expelir as fezes de maneira confortá- músculo da barriga en­rijecido.
vel, isto é, sem causar sofrimentos, dor, Quando alguém está tenso, é
cólicas, sem provocar hemorróidas etc. a musculatura que reage em
Todo mundo sabe que fibras são primeiro lugar.
excelentes para o bom desempenho Em relação ao envelhe-
dos intestinos, mas é preciso que sejam cimento, essa armadura pro-
ingeridas com água. Se a bucha não tetora tem muita importância.
for umedecida quando se toma banho, Sabemos que o envelhecimen-
certamente ela arranhará o corpo. to é um processo de dentro
Da mesma forma, as fibras, passando para fora. A descalcificação
pelas paredes do intestino sem água, dos ossos é um dos primeiros
não limpam, machucam-no. efeitos do envelhecimento.
A coalhada é a grande aliada do Uma musculatura bem cuida-
bom funcionamento do intestino, pela da permitirá agüentar por mais
quantidade de bactérias boas que tempo os impactos a que são
contém e que trabalham a nosso favor, submetidos os ossos.
impedindo que se formem tumores, Após a menopausa acon-
diverticulites, hemorróidas. tece um problema muito sério
Pode parecer estranha esta con- com os ossos da mulher. Com
clusão, mas o melhor parâmetro para a diminuição do hormônio
se falar do envelhecimento de uma sexual feminino em sua circu-
pessoa é o seu intestino. Os orientais lação, acelera-se a degradação óssea
dizem que o intestino é o espelho do que recebe o nome de osteoporose.
funcionamento interno do organis- Esse tipo de degradação óssea
mo. Os finlandeses dizem que pelo é um fenômeno normal, mas depen-
funcionamento do intestino a pessoa dendo da história de vida de cada um,
tem maior ou menor tranqüilidade sobretudo no que diz respeito aos
para colocar a cabeça no travesseiro hábitos alimentares e às atividades
e dormir ou não. físicas, os ossos podem continuar per-
Existe uma maneira simples de feitamente sadios, mesmo nessa fase

a terceira idade 31
da vida. Assim, para alguém que nas própria, pois corre o risco de estres-
fases anteriores teve uma alimentação sar a musculatura ou sofrer lesões
à base de cálcio, se movimentou bas- irreversíveis.
tante e exigiu trabalho de seus ossos, Circulação e respiração - São
quando começar o desgaste natural, duas funções que têm muito a ver
certamente não terá esse problema. uma com a outra e podem ser muito
O leite, o queijo e certos vege- prejudicadas com o passar dos anos.
tais devem fazer parte constante das a) circulação - O coração é o
refeições pelo teor de cálcio desses responsável pela circulação que, com
alimentos. É recomendável também o tempo, pode ser afetada, se não
que nos horários adequados se tome forem tomados os devidos cuidados
um pouco de sol para que se forme na para manter sua qualidade. Um desses
pele uma vitamina que fixa o cálcio no cuidados é a manutenção de uma boa
organismo. São medidas preventivas. pressão sangüínea.
Mesmo no caso de instalada a Na menopausa as mulheres
osteoporose, quando a pessoa sente têm tendência a pressão alta, pelo
que não está agüentando o próprio desarranjo hormonal ocorrente. A
peso, uma série de providências de- pressão deve ser controlada com
vem ser tomadas para fortalecer os medicamentos ou outras medidas
ossos e aumentar-lhes a resistência para que o coração possa trabalhar
por mais tempo. normalmente.
O cuidado com a musculatura Os antigos diziam que a gente
envolve uma alter­nância de exercício precisa ter sangue fino. Isso significa
e repouso. Se um músculo fica parado, que o sangue deve ter pouca gor-
não tem condições de reagir ou exe- dura, pouco açúcar e a quantidade
cutar suas funções quando exigido. Se adequada dos outros elementos que
também tiver uma sobrecarga, poderá entram na circulação. Consegue-se
sofrer avaria. isso, comendo de tudo um pouco,
Por isso, toda atividade muscular nunca muito de uma coisa só. Ingerir
deve ser executada dentro do ritmo muita proteína provoca gota, muito
próprio de cada pessoa. Toda vez que açúcar resulta em diabete, muita
a atividade for acompanhada de dor, gordura aumenta o colesterol. Dosar
é preciso parar, descobrir as causas as coisas é o grande segredo de uma
dessa dor e, se for o caso, diminuir o boa circulação sangüínea.
ritmo ou a intensidade do exercício. Outro agente inimigo da circu-
Não se deve, porém, abandonar por lação e que merece uma referência
completo a prática do exercício físico. especial é o cigarro. Além de prejudicar
A grande vantagem do exercício a respiração, sua ação se faz sentir bem
muscular é que, executado dentro das cedo na circulação. Em geral, na forma
normas corretas, concorre para maior de aterosclerose da coronária, levando
estabilidade do corpo. ao infarto do miocárdio. Essa não é
Em qualquer época da vida, mas uma doença de velho, pois faz muitas
sobretudo na meia-idade, qualquer vítimas entre as pessoas de 40 anos.
atividade física deve ser precedida b) respiração - A respiração
de consulta médica para a avaliação reflete a maneira com que estamos
das condições e capacidades físicas interagindo com o mundo. Quando
e deve ser também orientada por inspiramos levamos para dentro de
profissionais competentes. Ninguém nós o ar que vem do ambiente externo,
deve fazer exercícios físicos por conta um ar frio. Quando expiramos manda-

32 A Saúde da Mulher na Meia-Idade


mos para fora um ar quente que tem com reflexos na fisiologia feminina.
um pouco de nós. Pela expiração in- Como já disse, a vida hormonal
teragimos com o mundo. mostramos da mulher é cíclica. Todo mês, o úte-
como participamos desse mundo. ro e o organismo se preparam para
De certa forma, o que mais muda a chegada de um possível bebê. A
com o envelhecimento não é a inspi- menopausa significa que todos aque-
ração. Por isso, não basta que as pes- les óvulos que a mulher tinha -ela já
soas só inspirem profundamente. Está nasceu com um número determinado
errado. Aliás, se a pessoa de mais de - não existem mais ou os que existem
40 anos começar a inspirar profunda- não têm mais condições de serem
mente, pode ficar tonta rapidamente, fecundados porque já estão velhos.
porque está provendo seu sangue de Não só os óvulos estão velhos, mas o
uma quantidade de oxigênio acima próprio organismo, com alterações na
do normal, isto é, maior do que aquela circulação, não oferece condições para
a que está habituada. o desenvolvimento e sobrevivência
Não é inspirando profundamen- desse bebê.
te que se melhora a respiração, mas A natureza sabe o que faz. Nessa
procurando dar maior mobilidade e fase a mulher simplesmente não pode
elasticidade às articulações da caixa mais ser mãe, ou seja, tem uma baixa
torácica, para que os pulmões pos- do nível de hormônio no sangue que
sam trabalhar com mais facilidade, era determinado pelo trabalho do
controlando sem esforço a entrada e ovário e, com isso, passa a ter uma
saída do ar. quantidade de hormônio feminino
À medida que se vai envelhecen- suficiente apenas para manter sua
do vai se tornando mais difícil expelir feminilidade.
o ar cheio de gás carbônico por causa Já sabemos que a mulher tem
de deficiência no funcionamento da uma taxa de hormônio masculino.
musculatura abdominal encarregada Essa taxa se mantém mais ou menos
de auxiliar o diafragma, grande mús- a mesma na menopausa. Antes da
culo que separa a cavidade torácica menopausa a ação desse hormônio
da abdominal. chamado testosterona se torna mais
A musculatura abdominal geral- intensa na mulher em algumas fases
mente é prejudicada pelo aumento do seu ciclo menstrual, aumentando
da barriga. Usualmente se pensa o seu desejo sexual. O desejo sexual
que é normal ter barriga depois dos da mulher, portanto, varia de acordo
40 anos. Não é verdade. Tem barriga com seu ciclo menstrual.
quem come demais e não exercita a Depois da menopausa, com a
musculatura abdominal. É, portanto, diminuição do hormônio feminino,
possível envelhecer de maneira que torna-se mais intensa a manifestação
se conserve o peso ideal e a agilidade do testosterona na mulher, aumen-
muscular necessária ao bom desem- tando-lhe a libido. Esse desejo sexual
penho dos órgãos. mais intenso, contudo, é mais de
A sexualidade - A esta altura, ordem afetiva do que de número de
alguém pode estar se perguntando se orgasmos que possa ter.
a sexualidade não é o principal proble- Esse fenômeno é uma coisa
ma da mulher na meia-idade. Não há natural, mas existem tantos tabus
dúvida que se a sexualidade não for em torno dessa questão que muitas
bem trabalhada poderá constituir uma mulheres começam a vivenciá-lo
fonte de sérios conflitos emocionais como um “grande pecado”. Como a

a terceira idade 33
sexualidade tinha apenas uma fun- superação deles depende muito da
ção de procriação para elas, o desejo força de vontade de cada pessoa.
sexual mais forte após a menopausa Esta força de vontade não falta às
representa esse grande pecado. Ainda mulheres acostumadas, a vida toda,
encontramos mulheres que pensam a enfrentar dificuldades decorrentes
assim. de sua estrutura orgânica, psíquica e
Além disso, pode acontecer do tratamento que a sociedade ainda
que o marido esteja vivendo, nessa lhes dispensa quanto aos seus direitos.
época, o problema da impotência ou A receita é esta: não desistir nunca. O
não tenha entendido que é natural o médico, o geriatra tem condições de
declínio da potência nessa faixa etária. ajudar nessa fase, mas não é mágico
Pode ser que ele, tentando melhorar e nem faz milagres.
sua performance, parta para uma
relação extraconjugal e com isso co-
mece também a ter conflitos internos.
É evidente que nessas circunstâncias
será difícil ter uma relação sexual
satisfatória, em casa, uma vez que
sua potência se torna muito lábil por
causa de seus problemas emocionais.
Acontece, então, que não podendo
satisfazer sua mulher que está mais
acesa sexualmente, aciona seus me-
canismos de defesa, partindo para
a agressão: “está vendo, você é tão
desinteressante que não consigo nem
ter ereção!” E a mulher, que já “entrou
em parafuso”, fica ainda mais confusa.
A falta de um diálogo franco
e sincero acaba complicando ainda
mais a situação. Daí para a separação
é um passo e casais com 30 anos de
casados encerram sua vida conjugal
de maneira muito melancólica.
Esses e outros acontecimentos
têm repercussões profundas na pró-
pria fisiologia da mulher. Assim, o
colesterol sobe, a glicose aumenta etc.
A mulher está em conflito e o próprio
cérebro se ressente desse conflito, os
hormônios se desequilibram, trans-
tornam a circulação e, enfim, desen-
cadeiam uma série de fenômenos que
põem em polvorosa a vida sobretudo
daquela mulher que não se preparou
para esse momento.
A preparação consiste em não
deixar os conflitos sem solução. A

34 A Saúde da Mulher na Meia-Idade


a terceira idade 35
Miriam Chnaiderman
Psicanalista
Também eu sou atingida pelo
preconceito que existe em relação
à velhice. É muito freqüente, entre
meus colegas,
a fala de que a psicanálise não pode
ajudar as pessoas de mais idade,
que a psicanálise só é válida para
o trabalho com pessoas jovens,
bonitas, inteligentes, saudáveis
etc. Tanto no atendimento em
consultório como supervisionando
pessoas em formação, pude
constatar a veracidade desse
preconceito.
E foi esse preconceito que me
desafiou nessa fala.
Tenho relativa experiência de
trabalho com pessoas mais velhas
e acho tudo isso uma inverdade.
Se alguém de mais idade procura
análise
e se dispõe a ela, só isso já basta
para que trabalhemos com essa
pessoa.
O mito do corpo jovem a
qualquer preço é uma realidade
em nossa cultura. Dividi em cinco
itens a abordagem desse tema: no
primeiro tentaremos ver como a
psicanálise tem pensado a terceira
idade;
no segundo focalizaremos a velhice
e a sexualidade na antiguidade; o
terceiro tratará da sociedade de
massa e a produção dos mitos; no
quarto falaremos sobre a terceira
idade como uma forma de racismo
e, no quinto, introduzirei alguns
conceitos psicanalíticos que julgo
úteis para quem trabalha com
idosos.

1- Psicanálise
e terceira idade
A psicanálise tem dado pouca mesma maneira somos levados a pen-
atenção à terceira idade. Procurando sar que a terceira idade não tem sexo,
refletir sobre isso, cheguei a pensar não tem absolutamente necessidade
que a velhice, hoje, representa para de se preocupar com o que se passa
a psicanálise o mesmo desafio que a com seu corpo, como se estivesse a
sexualidade infantil representava para meio caminho do limbo...Sem dúvida,
Freud em sua época. assusta defrontar-se com a questão da
Em 1886, há mais de um século, sexualidade na terceira idade. É como
portanto, o criador e formulador da se fosse algo obsceno, pois não há mais
noção de inconsciente, tal como ain- possibilidade de reprodução.
da hoje conhecemos em psicanálise,
causou o maior escândalo numa ses- 2. Velhice e sexualidade
são da Sociedade Médica de Viena, ao na antiguidade
afirmar que a histeria existia não só na
A não importância da sexu-
mulher mas também no homem. De
alidade na terceira idade vem de
fato, naquela época todos pensavam
longe. Foucault, em sua “História da
que histeria era uma doença de mu-
Sexualidade”(1) apresenta dados
lher, dada a etimologia da palavra que
interessantes sobre o tema. Galeno,
vem do grego e que significa útero.
médico importante na Roma antiga,
Em 1894, ou seja, um século atrás,
falava que o uso dos afrodisíacos não
Freud provocava outro escândalo, ao
deveria prolongar-se até demasiado
afirmar que a sexualidade era a causa
tarde nem começar demasiado cedo.
determinante das neuroses e psicoses.
São perigosas as relações sexuais na
Suas teses foram publicadas no “Três
velhice, pois esgotam o corpo incapaz
Ensaios Sobre a Sexualidade”(1905),
de reconstituir os princípios que lhe
onde afirma que as neuroses têm a
foram retirados. Ou seja, é como se o
ver com problemas não trabalhados,
corpo do velho não tivesse mais con-
situações recalcadas, conflitos, enfim,
dições de viver a sexualidade.
que formam blocos no psiquismo da
Já na Grécia, de acordo com o
pessoa, a partir de fatos relacionados
mesmo autor, os mais velhos procura-
com a sexualidade infantil.
vam os rapazes porque a homosexua-
Alguns anos atrás trabalhei
lidade era algo absolutamente aceito
numa oficina de dramaturgia, com
sem problemas e até mesmo mais
pessoas que escrevem peças para
considerado que a heterosexualidade.
crianças e pude constatar que ainda
No “Banquete” de Platão, num trecho
hoje, por incrível que pareça, causa
sobre o amor, há uma inversão nas
espanto falar que criança não é ino-
práticas sexuais: são os rapazes que
cente, pura, cor-de-rosa, lindinha
se apaixonam pelo mestre, é o mestre
etc. Não. Criança tem sexo, é bem
que é desejado, idolatrado, amado,
malvadinha e chata, não precisa ter
porque há muito o que aprender com
essa imagem de ternura, de anjinho
ele. Mas, para Platão, a sabedoria do
bonitinho...
mestre está em ser amado sem deixar
É interessante pensar que se
que o amor se realize fisicamente, ou
deveria colocar a questão da terceira
seja, o amor tem que ser platônico.
idade desvinculada de todos os con-
É interessante refletir sobre essa
ceitos e preconceitos que existem,
visão que vem da Grécia antiga, onde
como fez Freud em relação à criança.
se coloca a questão do acetismo, da
Assim como a criança, até Freud, era o
contenção do desejo, práticas que
símbolo da pureza e da inocência, da

38 O Mito do Corpo Jovem a Qualquer Preço


costumamos atribuir ao cristianismo fim de sobreviver (2). As avançadas
e à religião judaico-cristã. Para Platão técnicas de comunicação que parecem
o acetismo era uma forma de valorizar simplesmente facilitar a disseminação
o amor. das idéias em escala mais ampla que a
Cícero, em vários textos, fala do anterior, na realidade impedem a sua
velho como alguém que não tem sexo. circulação e concentram a informação
Isto nos leva a perguntar: por que é em algumas organizações gigantes-
difícil pensar num corpo já com as cas. Ou seja, a informação que temos
marcas da idade e ainda desejante? é sempre censurada, os valores são
A reflexão sobre a sexualidade na impostos.
terceira idade torna evidente a neces- Especificando mais, a televisão,
sidade de se discutir a amplitude do por exemplo, em termos de
que é o sexual, pois da forma como corpo, de plástica, passa sem-
vem sendo pensada, acaba tendo a pre a imagem de determinado
ver com o ridículo, o obsceno. Talvez tipo de corpo. Certos tipos que
seja conseqüência da repressão a que sabemos que existem nunca
fomos submetidos desde sempre, aparecem na telinha ou, se
desde a Grécia e Roma e que nos tem isso acontece, aparecem de
impedido de nos defrontar com o maneira caricatural.
prazer pelo prazer. É como se o idoso A moderna tecnologia
ficasse impedido de viver o desejo, tem sobre a cultura o mesmo
qualquer desejo. É como se só o corpo efeito que tem sobre a produ-
bonito (dentro dos parâmetros sociais) ção e, ao mesmo tempo, torna-
pudesse desejar e viver o prazer. Só o -se um instrumento efetivo de
corpo que reproduz é livre para viver controle social. A questão do
a sexualidade. controle não é apenas uma
questão política ou econômi-
3. A sociedade de massa ca, é também uma questão
e a produção dos mitos cultural. O consumo de massa
é parte de um padrão maior de
O que é o corpo bonito e o corpo dependência, desorientação e
que deseja? Não seria tudo isso mais perda de controle.
um mito, um produto da sociedade de Faz parte desse processo
massa? Vejamos. As tranformações so- povoar as cabeças de certas
ciais e econômicas que atravessamos imagens que provocam um
têm ocasionado também mudanças estado de desconforto e ansie-
culturais e mudanças na própria vida dade crônica, onde tudo se tor-
pessoal. Tem me interessado muito na mercadoria que pressiona e
trabalhar a forma como as transfor- escravisa o comportamento do
mações no mundo contemporâneo indivíduo. Os números do IBOPE cons-
têm sido subjetivadas, como vamos tituem a norma de conduta. Eles é que
vivendo em termos de mundo psíqui- dizem o que cada um deve fazer, vestir,
co, o que acontece, a influência dessas comer, usar, preferir. A ansiedade está
mudanças na maneira de pensar o no fato de que essa dependência gera
mundo, a política, a ética. um estado de insatisfação constante,
Alguns autores pensam que a isto é, nunca temos o que queremos,
cultura industrial avançada é uma tudo continua sempre fora de nos-
cultura do narcisismo, onde cada vez so alcance. Utensílios domésticos,
mais se deve voltar para si mesmo a aparelhos eletrônicos estão sempre

a terceira idade 39
sofrendo modificações, estão cada 4. Racismo e
vez mais aperfeiçoados, despertando terceira idade
em nós esse desejo incontrolável de
ter o equipamento de última geração, O psicanalista carioca Jurandir
com os recursos tecnológicos mais Freire Costa aborda, no importante
modernos etc. Não há como saciar livro“Violência e Psicanálise”(4), o pro-
nossa voracidade, pois os objetos são blema do racismo. Chama a atenção
feitos para serem usados durante um a semelhança de comportamento da
espaço curto e depois trocados. Vive- sociedade em relação a essa questão
mos numa sociedade de descartáveis. e à da terceira idade.
Hanna Arendt, referindo-se a A violência me parece um dos
essa cultura que nos aprisiona, faz a núcleos mais agudos do problema da
seguinte reflexão: “é a durabilidade velhice. Eles são escorraçados, deixa-
que dá às coisas do mundo sua relativa dos de lado, sem função na sociedade
independência diante dos homens atual. Ser velho implica defrontar-se o
que as produzem e as utilizam. Sua tempo todo com uma dupla injunção:
objetividade as faz suportar, resistir e a de encarnar o corpo e os ideais do
durar, pelo menos por algum tempo, “eu” do jovem e a de recusar, negar
diante das vorazes necessidades de e anular a presença do corpo velho.
desejo de seus produtores e usuá- Ou seja, é o mito do corpo jovem a
rios vivos. As coisas do mundo têm a qualquer preço.
função de estabilizar a vida humana O que é ideal para o “ego” em psi-
e sua objetividade está no fato de canálise? É o que se quer ser, onde se
que os homens, a despeito de sua quer chegar. O velho, contudo, pressio-
natureza mutante, podem recobrar nado pelas imagens de uma sociedade
sua uniformidade através da relação consumista, acaba se acostumando,
com uma mesma cadeira e uma mes- sem perceber, com os valores criados
ma mesa”(3). Isto significa que nos por ela. Assim, onde predomina o
sentimos mais tranqüilos na medida mito do corpo jovem, o mais velho é
em que existe a necessidade de uma levado a querer ser também jovem,
estabilidade mínima no mundo que o que é impossível. São fenômenos
nos cerca e que essa estabilidade está muito claros, como afirma Jurandir,
absolutamente perdida. estreitamento ligados à questão do
Essa reflexão levou-me a concluir racismo. Assim como os negros, tam-
que a velhice deve incomodar no mun- bém os idosos são excluídos da norma
do de hoje por causa de sua perma- psico-sóciossomática, ou seja, não
nência onde nada é permanente. Ela serve de parâmetro para nada, pois é
representa um grande paradoxo. Pelo feio e limitado. O jovem é o ideal de
simples fato de viver mais, a pessoa beleza no sentido tradicional.
idosa é um protesto, é revolucionária De acordo com esses valores, o
diante da instabilidade e insegurança, velho deveria interiorizar o ideal do
do viver com risco, algo que faz parte “eu” jovem e formular para si um pro-
do cotidiano na sociedade moderna. A jeto de identificação incompatível com
velhice é uma ameaça constante não as condições biológicas de seu corpo.
só por ser um sinal de permanência, Tudo isso é enlouquecedor, pois entre
mas porque obriga a um trabalho com o “ego”e seu ideal cria-se um hiato que
a questão da morte. O mito do corpo se tenta transpor muitas vezes à custa
jovem é uma contradição pela própria da própria felicidade e até mesmo do
efemeridade da juventude ou da vida. próprio equilíbrio psíquico. Quando
acontece esse hiato ocorre uma crise

40 O Mito do Corpo Jovem a Qualquer Preço


de identidade e rompem-se certas po seja predominantemente vivido e
identificações que são certos mode- pensado como local de vida e prazer.
los de que nos apropriamos durante Não obstante, as inevitáveis
a vida, passam a fazer parte de nós e situações de sofrimento que o corpo
garantem nossa inserção no grupo impõe a todos, adquirem uma carac-
como seres autônomos. terística de invasão. Quando ficamos
doentes, nos tornamos nervosos, pois
5. Alguns conceitos é como se algo se apoderasse de nós
psicanalíticos para e escapasse ao nosso controle. Com
trabalhar a a vivência, com a repetição de certas
terceira idade agressões, como um resfriado, uma
dor de barriga, a consciência da dor
O ideal do “eu” tem a ver com pode atenuar-se. Isto quer dizer que é
essas identificações e é formado importante educar o indivíduo, desde
a partir de imagens e palavras, re- criança, para essa convivência saudá-
presentações e afetos que circulam vel com o corpo. Um corpo que não
incessantemente entre o indivíduo consegue ser absolvido do sofrimento
e o grupo cultural. Com o envelhe- que inflige torna-se um corpo odiado,
cimento rompe-se a ponte que esta- perseguido, visto como fonte perma-
belecia essa ligação entre o sujeito e nente de ameaça, de morte e de dor.
o mundo. O corpo em que investiu Na velhice, pode ser que esse
eroticamente já está fora dos referen- ódio, essa raiva não tenham como cau-
ciais que definem o belo, o desejável, sa o sofrimento, mas a impossibilidade
o atraente. Há uma incompatibilida- não aceita de o corpo envelhecido
de entre a representação do corpo ter os mesmos predicados do corpo
do velho e o modelo social aceito. O jovem. No fundo, não deixa de ser
jovem torna-se fetiche. De repente, uma grande dor, mas uma dor psíquica
tudo é possível na juventude. contemplar esse corpo que passou por
Por outro lado, hipnotizado por tantas transformações, que abriram
esse fetiche, o velho está condenado a tantas feridas cuja cicatrização não
negar tudo aquilo que contradiz o mito está só e exclusivamente nos recur-
da juventude, do corpo jovem. Isso o sos da plástica e no pretenso milagre
leva a deturpações terríveis, porque dos cremes. Além disso, não adianta
seu próprio corpo é a negação desse metamorfosear o corpo presente de
mito. Volta-se, então, para o seu passa- maneira caricata e penosa, tirá-lo de
do, idealizando-o, cai na fantasia de um sua temporalidade, na ilusão de achar
paraíso onde hipoteticamente volta a que é possível deter, congelar definiti-
ser jovem e desliga-se de sua realidade vamente um dado momento da vida.
corporal. O repúdio ao próprio corpo é O erro está em querer tratar de uma
apenas mais uma conseqüência desse ferida do corpo quando, na realidade,
processo de autodepreciação. a ferida é psíquica.
Segundo ainda Jurandir, a iden- A psicanálise diz que nossa pri-
tidade de qualquer pessoa depende, meira experiência, isto é, a do bebê
em grande parte, da relação que ela com sua mãe, foi uma experiência
tem com o corpo. Em outras palavras, de prazer total, completa que não
para que se construam enunciados acontece mais depois, pela vida afora.
sobre a própria identidade , de modo O papel da psicanálise consiste em
a poder criar uma estrutura psíquica trabalhar essa incompletude de todas
harmoniosa, é necessário que o cor- as experiências que temos durante a

a terceira idade 41
vida. Essa incompletude que nos move se alguém não conseguisse olhar-se
a buscar sempre o gozo pleno, essa no espelho, mantendo uma imagem
sensação que tivemos com a primeira distorcida de si mesmo, imagem que
mamada. Quando nos apaixonamos, ele não suporta encarar. São compor-
quando amamos há uma busca dessa tamentos bem próximos da psicose.
realização total. Mas a realização desse Todos esses processos foram descritos
prazer seria a morte, um zero de tensão por Jurandir Freire Costa em relação
equivalente à morte. ao racismo.
Na velhice, essa busca transfor- Outro conceito da psicanálise,
madora motivada pela dor implica importante para quem trabalha com
grande esforço, enorme gasto de a terceira idade é o de corpo erógeno.
energia. É como se a integridade do Esse corpo erógeno, sexuado não é
aparelho psíquico ficasse ameaçada determinado pelo corpo biológico,
pelo constante acionamento dos anatômico. Essa foi uma das grandes
mecanismos de defesa, pela tensão revoluções de Freud. Segundo ele, não
permanente. Quando se está com dor, existe uma forma determinada para
desaparece qualquer erotismo. A dor cada um quanto à forma de escolher
de não ter um corpo jovem é tamanha seu modo de ter prazer. E faz um di-
que a pessoa se torna assexuada. Na ferença fundamental entre instinto e
dor a pessoa volta-se inteiramente pulsão. Em português, em inglês, em
para si mesma, o que dificulta o prazer todas as traduções, enfim, dos textos
compartilhado. de Freud não se faz essa diferença
Freud fala de um retorno narcísi- entre os dois termos, mas ele usa
co que consiste na própria energização “instinct” e “trieb” em alemão. Instinto
erótica de si mesmo. Com esse narci- é o que é pré-fixado, genético, sem
sismo dou-me o direito de ser um “coi- nenhuma variação, como se houvesse
tadinho”, de tomar certas atitudes que um programa no cérebro e diante de
não tomaria em situações normais. Tal um estímulo o comportamento fosse
fenômeno é muito comum entre os sempre o mesmo. A pulsão, que já
idosos. São benefícios secundários da é um conceito ao nível do psíquico,
dor. A ferida do corpo tansforma-se em é plástica, isto é, mutável. O objeto
ferida do pensamento, pensamento através do qual ela se satisfaz não
mutilado em sua essência e que não está predeterminado, cada um que
pode debruçar-se sobre a imagem descubra o seu. Para uma pessoa atrair
do corpo. O pensamento se auto- outra tem que haver uma diferença.
-restringe porque não pode refletir Que um homem ame outro homem é
sobre a própria identidade. totalmente possível nessa concepção,
Quando as pessoas mais velhas pois não há nada que determine que
delegam ao jovem o direito de defi- um homem tem que amar uma mulher
nir sua identidade, renunciam a um e vice-versa. É a história de vida que
diálogo que mantém viva a dinâmica determina como cada um escolhe seu
do pensamento. É um pensamento objeto de amor.
privado do confronto com o outro A pulsão se dá quando há uma
e que se perde no solipsismo. Nesse libertação da necessidade que é fisio-
caso, ou a pessoa se acha dona da lógica. Por exemplo, quando alguém
verdade absoluta ou se transforma está com fome, tem maior dificuldade
numa ignorância total. em sentir o prazer sexual. O sexual é a
Pior é quando dissocia a per- libertação do nível fisiológico, do nível
cepção da representação. É como biológico. Existe uma clivagem, uma

42 O Mito do Corpo Jovem a Qualquer Preço


divisão entre o biológico e o erótico. de quem trabalha com pessoas mais
Não que sejam totalmente indepen- velhas é o de poder se abrir para esse
dentes, mas quando não existe essa erógeno que não é exclusivamente
clivagem, quando o corpo sexuado, genital. Não existem limites de idade
erógeno passa a ser o biológico, é a para se explorar esse universo de pra-
loucura. zer que dá sentido à vida. Não importa
A sociedade, hoje, trata o mais a forma, a intensidade e a freqüência
velho como um puro corpo, única e desse prazer.O importante é amar o
exclusivamente biológico, um ser sem próprio corpo com toda a libido que
vida própria, sem erotismo, o que é circula em cada um de nós.
um absurdo.
Freud falava das fases da libido:
a fase oral, a fase anal e a fase fálica,
referindo-se a uma parte do corpo
onde predomina a zona erógena.
Com isso, não estava negando que
qualquer parte do corpo pudesse
ser erotizada. Aliás, ele descobriu
essa potencialidade do corpo pela
observação do que acontecia com
as histéricas que recalcavam seus de-
sejos, desviando a energia recalcada
(libido) para outra parte do corpo.
Assim, de repente as histéricas tinham
o braço paralizado, sem nada a ver
com a parte neurológica, mas sim
com a representação que tinham do
próprio corpo.
Toda a superfície do corpo, seja
externa, seja interna, é passível de
ser erotizada. Sendo assim, é sem-
pre possível descobrir alguma zona
erógena nova, criando-se constante-
mente formas lúdicas de brincar com
o próprio corpo.
Um dos papéis fundamentais

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Foucault, M. - História da Sexualidade. R.J., Ed. Graal Ltda. - 1984.


2- Lasch. Ch. - O Mínimo Eu, Sobrevivência Psíquica em Tempos Difíceis. S.P.,
Brasiliense - 1986.
3- Arendt, H. - A Condição Humana. R.J. Forense-Edusp-Salamandra - 1981.
4- Costa, Jurandir Freire - Violência e Psicanálise. R.J., Ed. Graal Ltda. - 1984.

a terceira idade 43
A Importância
do Corpo na
Terceira Idade

Regina FavrE
psicoterapeuta corporal

Transcrição de palestra
proferida no Sesc Ipiranga,
São Paulo, em 1993
Minha intenção, neste texto, é nessas mais variadas atividades corpo-
rais que acontecem a cada segundo a
passar a idéia de que absolutamente
gente se reconhece em permanente
tudo que se vive, vive-se com o próprio
transformação. Ao mesmo tempo,
corpo. Não existe, portanto, experiên-
porém, se se faz um retrospecto na
cia desincorporada. A própria experi-
vida, observa-se que essas maneiras
ência do pensamento, da assimilação
de ser e de sentir foram adquiridas
de conhecimentos, qualquer experi-
em outra idade, no começo da vida.
ência, desde a mais rudimentar até a
A sensação de sono, por exemplo, é
mais sofisticada, todas acontecem via
algo desde sempre, desde a configu-
corpo. Não existe outro caminho. Isso
ração do bebê. O mesmo acontece
é tão óbvio que a gente até esquece.
com o que sinto ao engolir, diante dos
A segunda idéia que queria passar
movimentos intestinais, do calor, da
é que esse corpo, na meia idade, nessa
vibração, do contato com a pele etc.
faixa de experiência, é o mesmíssimo
E dizer que tudo isso faz parte
corpo ou, pelo menos, a mesma ma-
de um projeto da natureza, quando
triz corporal que vem desde a barriga
da união de um espermatozóide com
da mãe: o mesmo com milhares de
um óvulo para a produção de um ovo
reproduções celulares, milhares de
que reproduz células numa velocidade
reposições de tecidos.
“x” para a formação de tecidos que se
É através desses tecidos que é
organizam, criam espaços internos,
possível reconhecer as mais variadas
estruturas com a mesma finalidade em
sensações que nos dão o sentimento
todas as pessoas e, no entanto, são tam-
de nossa própria identidade, isto é,
bém responsáveis pela individualidade,
nós nos reconhecemos através do
pela experiência corporal diferenciada
nosso jeito de respirar, de andar, de
de cada pessoa.
emitir sons etc. Experimentamos um
São essas estruturas corporais
sentimento de “eu mexendo minha
que pemitem a vivência corporal, do
massa corporal, eu me deslocando”.
começo até o fim da vida. A estrutura
Assim, cada qual tem sua maneira de
nervosa serve para nossa comunica-
sentir dor, sentir prazer, sentir fome,
ção interna e externa. Outras estru-
sono, reconhecer-se assim ou assado
turas (músculos, ossos, articulações,
nos diferentes lugares e situações.
tendões etc) permitem a locomoção,
Existem referências macrocor-
a sustentação no espaço em face da
porais que têm a ver com a imagem
gravidade, permitem ir atrás do que
corporal, em que a pessoa se reconhe-
se quer, agir de acordo com nossos
ce no seu todo corporal, na sua moti-
impulsos e desejos.
lidade e na sua mobilidade. E existem
Todas essas estruturas trabalham
outras referências que são resultantes
em conjunto. Por exemplo, quando se
da atividade corporal, que parecem
tem fome, o estômago dá sinal, mas
estar desligadas, por assim dizer, do
se a gente fosse só barriga, não tería-
próprio corpo anatômico, mas nas
mos condições de nos locomovermos
quais a gente se reconhece também.
para tomar um café, fazer um lanche.
Quando respiro, por exemplo, percebo
Por outro lado, se os músculos são
algo dentro de mim que tem a ver com
importantes para impulsionar para a
a expansão de meus pulmões, com
ação, não menos importante é o sis-
certa pressão interna que me dilata e
tema informático que sinaliza todas
depois me contrai. Isso me dá a sen-
as sensações internas e permite a
sação de minha própria presença, do
ligação com a realidade externa para
“olha eu aqui”.
que a pessoa possa se reprogramar
Nesses jeitos de ser corporais,
46 A importância do Corpo na Terceira Idade
constantemente. nalizam para fora o que se vive como
Isto quer dizer que ao longo sensações internas. Como reconhecer
da existência a evolução de cada quando um cachorro está deprimido,
um se processa graças a esse corpo excitado ou doente? Ele não fala, mas
que tem determinada estrutura que podemos reconhecer seu estado
não está isolada no espaço, mas vive interno.
dentro de um sistema ecológico que Nossos relacionamentos são
envolve o físico e o psíquico. Em ou- mediados também por essas formas
tras palavras, é um organismo que corporais. Assim, posso me aproximar
vive em um ambiente de oxigênio, de uma pessoa de modo arrogante, ou
literalmente com os pés no chão, porque não quero sofrer humilhações,
precisa de alimento sólido e líquido, ou porque faço questão de estar por
de uma série, enfim, de elementos cima. Mas posso me sentir tão inferior
estritamente físicos. Mas é também diante de outra pessoa, que já chego
um corpo que interage em outra de cabeça baixa, para não ser
dimensão ecológica, a dimensão maltratada ou desprezada.
dos afetos. Muitas vezes, assumi-
Estamos o tempo todo imersos mos comportamentos estere-
em afetos. Neste sentido, somos um otipados que não expressam
sistema aberto onde, como já disse, a realidade dos nossos sen-
existe uma comunicação entre o timentos. Esses comporta-
meio interno e o externo, numa troca mentos se tornam tão repe-
mútua, contínua. Todas essas trocas titivos que se vai perdendo o
estão impregnadas de afeto. Por isso, referencial pessoal do corpo,
selecionamos o que é bom e o que é vivendo-o apenas como su-
ruim para nós. porte de saúde ou doença.
Ao atingir os 40/50 anos, as Isto pode gerar conflitos e
pessoas já possuem um “know how” afetar toda a auto-regulação
suficiente para fazer essa seleção. A corporal. Isto tem a ver com
esta altura, a discriminação do que é certos tipos de neuroses.
bom e do que é ruim torna-se mais Por isso, à medida que a
sofisticada em todas as áreas do re- idade vai chegando, coloca-se
lacionamento: familiar, vizinhança, mais ainda a necessidade de
trabalho, política, tudo, enfim, que se trabalhar constantemente
afeta bem ou mal e exige que a pes- o corpo, para que se continue
soa se organize corporalmente, pois criando novos comportamen-
a resposta passa sempre pelo corpo. tos que respondam às situações pre-
Ter raiva, entristecer-se, sentir medo, sentes de nossa vida. A cristalização
insegurança, inveja, sentir-se rejeitado dos comportamentos e um repertório
ou amado, carente são experiências muito limitado é que fazem a matu-
que não estão soltas, mas têm seu ridade correr o risco de se infantilizar.
referencial no corpo. Ao longo da vida criamos me-
Assim, quando sentimos raiva, canismos corporais, desenvolvemos
enchemos o peito, os músculos in- estratégias para sentir ou evitar
cham e resistem ou se preparam para sensações, sentimentos ou emoções
explodir a qualquer momento. Quan- em maior ou menor grau, de acordo
do a gente sente medo, a gente se com o conforto ou desconforto que
encolhe, recua, a respiração fica curta, elas proporcionam. É uma tentativa
diminuem-se os espaços internos, os de fugir de experiências dolorosas,
músculos enrijecem. de experiências que podem colocar-
Essas organizações corporais si-
a terceira idade 47
-nos em risco ou ameaçar conquistas andar, a explorar o espaço e, depois
já realizadas. de um relacionamento estreitíssimo
Por exemplo, como evitamos a com a mãe e dependência de outros
dor? Seja ela qual for, desde a dor de familiares ou próximos, começou a
um tropeço até a dor de uma perda, ganhar um pouco mais de autonomia
de uma vergonha ou mesmo de uma e mais habilidades para controlar seu
enxaqueca, como reagimos? A pri- meio e a si mesmo.
meira coisa que fazemos é suspender E as experiências continuam
a respiração. Quanto mais intensa a pela vida: vamos à escola, surgem os
respiração, mais intensa a sensação. primeiros sinais da sexualidade e a
Em momentos de grande prazer, a necessidade de socializar esta idade,
respiração torna-se mais forte. Respira- enfrentamos as mundanças do corpo
mos com intensidade para sentirmos na puberdade, vibramos ou sofremos
a sensação em toda a sua plenitude. com as transformações dessa fase
Outro exemplo: para eu ser uma provocadas pela revolução hormonal.
pessoa legal, em casa, tomo conta de Em seguida, aproximamo-nos
todo mundo e isto me gratifica, todo das pessoas do outro sexo, vivemos
mundo acha ótimo, ninguém briga essa atração, organizamo-nos para
comigo, mas isso exige de mim certo vivê-la mais intensamente e criar re-
estilo de ser que leva a certo tipo de lações duradouras, experimentamos
postura corporal que serve para eu a maternidade ou paternidade, en-
me aproximar das pessoas, agüentar tramos na maturidade e começamos
a barra, carregar tudo nas costas, sem a modificar a vitalidade do corpo. Em
brigar. Se, por um lado, isto me gratifi- todos esses momentos temos que
ca, por outro, me torna extremamente aprender a administrar as formas
empobrecida do ponto de vista de corporais.
experiência em outros níveis de rela- Quando chega a meia-idade, é
cionamento. Posso também assumir freqüente começarmos a fazer com-
outra atitude, a de“mandão”, implican- parações com pessoas mais novas que
te, com cara de poucos amigos, para vivem ao nosso lado. É importante
ter mais controle sobre todos. refletir sobre essas formas corporais
Esses estilos diversos tornam as que são geneticamente programadas
pessoas prisioneiras de seu próprio e que em cada fase da vida significam
comportamento, por algum motivo. uma maneira própria de sentir e viver.
Assim, alguém pode ser“mandão”por- Para a mulher, na maturidade, o
que receia que as pessoas descubram grande impacto é, certamente, a me-
sua vulnerabilidade, ou porque tem nopausa que, de fato, é uma mudança
necessidade de mostrar autoridade hormonal fortíssima que gera trans-
e manter todo mundo à distância. A formações que atingem a vivência
atitude autoritária é um escudo para corporal como um todo. São experi-
quem se sente inseguro, ameaçado, ências que podem trazer angústia,
com medo de ser destronado. se elas assumem a característica “do
Outro aspecto importante dessa nunca mais”, do irreversível, da perda,
questão e a maneira como trabalhar exatamente como na menarca.
cada fase da vida em relação à expe- Com o início do ciclo menstrual,
riência corporal. A vida, sabemos, é as adolescentes podem achar o má-
um contínuo. Já fomos um feto, um ximo essa nova fase da vida, se são
bebezinho que mamou, uma crian- valorizadas e apoiadas. Esse apoio
ça que engatinhou, que aprendeu a e incentivo fazem com que a perda

48 A importância do Corpo na Terceira Idade


da infância ou do corpo de criança mento. A ginástica, além de ser uma
não represente um acontecimento prática de fácil execução, é um anti-
negativo. depressivo fantástico, pela produção
Na menopausa dá-se a mesma de endorfinas.
coisa: o corpo sofre também trans- Choro, gritos, brigas simuladas,
formações. Infelizmente, valores agressão simulada, riso, expressões
sócio-culturais ainda apresentam emocionais em geral são outras for-
essa nova fase da vida como uma mas para se trabalhar o corpo. Mesmo
desvalorização da mulher. Se a mu- que essas alternativas não sejam tra-
lher não conseguir se apropriar desse balhadas psicologicamente, têm mui-
novo corpo, será uma eterna angus- to a ver com as dramatizações cujo
tiada. É como se morasse numa casa e valor tera­pêutico está comprovado.
mudasse para um apartamento, mas Experimente brincar de teatro,
passasse o resto da vida com saudade interpretando, por exemplo, uma
da casa e sempre descontente com o pessoa diferente, imitando alguém de
apartamento. quem você gosta, e procure ver como
Não aceitar o próprio corpo você seria corporalmente, como gos-
pode significar abandoná-lo, não taria de ser. São mil expreriências que
habitá-lo como fonte de prazer, sa- ajudam a viver melhor e a ativar sua
bedoria e vida. É destrui-lo. Sabemos vitalidade.
que um corpo bem utilizado dificil- Finalizando, diria que o impor-
mente adoece ou perde seu sentido tante é sensiblizar-se para se apro-
de identidade. priar cada vez mais do próprio corpo,
Há várias maneiras de trabalhar não importa a fase que esteja vivendo.
o próprio corpo. A autopesquisa é Não adianta tratá-lo mal. É o único
uma delas e leva a pessoa a perceber- que temos e que nos acompanha a
-se como alguém que é o personagem vida toda. É mais sábio tirar o máximo
da própria vida, ou melhor, alguém proveito dele. Para isso é necessário
que escreve o próprio “script” e faz que cada qual seja construtor de sua
o ator principal da própria história. experiência no decorrer de toda a sua
Pesquisar-se não significa controlar- existência.
-se, lamentar os acontecimentos,
antecipar futuros. Pesquisar-se é
indagar-se o que você está fazendo
de si naquele momento, se conhece as
próprias limitações, se tem condições
de se autoavaliar para, quem sabe,
tomar outras atitudes para corrigir
os rumos de seu processo.
Neste sentido, sugerimos algu-
mas práticas: a ginástica, por exem-
plo. Como qualquer outra atividade
corporal, ela deve ser variada. Assim,
deve-se trabalhar o fôlego, a força, a
circulação, a elasticidade, sem deixar
de lado o repouso, o yoga, o relaxa-

a terceira idade 49
Menopausa Os contornos e a plasticidade
da mulher madura é quase que um acordo entre aquilo que a vida lhe
rouba e o que a experiência
Os contornos e a plasticidade
da mulher madura é quase que um acordo entre aquilo que
a vida lhe rouba e o que a experiência
lhe oferece. Resultam, também,
de sua capacidade treinada em suportar frustrações,
adequar expectativas
e gerar novos sonhos e alternativas.
Não há mulher que não chegue marcada à fase
da menopausa. Cabe a ela atribuir significados de vida a
esses registros ou lastimar
sua condição humana feminina transformada.

Ana P. Fraiman
Psicóloga e Gerontóloga

O longo caminho percorrido se iludir, amar com desapego, desejar


profundamente sem qualquer certeza
até chegar à maturidade imprime na
de obter ou possuir, entregar-se a no-
psiqué e no corpo todas as marcas
vos riscos sem outras garantias a não
dos riscos que se correm, bem como
ser a própria vontade de ser e de viver.
as cicatrizes. Algumas, lembranças do
A mulher se encontra só. Como
ocorrido, outras, feridas não supera-
que solta em alto mar, em noite escura,
das, abertas e doloridas.
sem estrelas. Suspensa no vai-e-vem
Os contornos e a plasticidade
das águas que respiram, seu equilíbrio
da mulher madura é quase que um
advém da abdicação dos controles de
acordo entre aquilo que a vida lhe rou-
seu ego. Agora, seu diálogo é consigo
ba e o que a experiência lhe oferece.
mesma, no que tem de mais íntimo e
Resultam, também, de sua capacida-
ainda desconhecido em si. É hora de
de treinada em suportar frustrações,
mergulhar nas sombras e fazer novas
adequar expectativas e gerar novos
perguntas iluminadas pela esperan-
sonhos e alternativas.
ça, se a tiver. Se não, a experiência
Não há mulher que não chegue
é mesmo de desalento, desânimo e
marcada à fase da menopausa. Cabe
desespero, até aprender a viver com
a ela atribuir significados de vida a es-
novos sentidos e sentimentos, até
ses registros ou lastimar sua condição
conseguir apreciar o caos e validar a
humana feminina transformada.
dor. Em outras palavras, aceitar a vida
Essa decisão é cataclísmica. Ou
como ela é, simplesmente. Só assim
renasce ou fenece. Sob faces bem cui-
consegue integrar-se às forças criado-
dadas, corpos bem tratados, a psiqué
ras e generativas, abandonando-se às
feminina enfrenta conflitos de vida ou
experiências e refletindo.
morte de extrema violência. Para se
Isto quer dizer que a mulher pre-
abrir para o futuro há que deixar ir o
cisa realizar a tarefa de superar as forças
passado. Aprender a arte de sonhar sem
"egóicas" de auto-afirmação e descobrir moderar apetite, para acelerar com-
fontes mais profundas de expressão. O bustão. Pílulas para acender o desejo,
negrume em que mergulha conduz à pílulas para aliviar tensão. Pílulas de
vastidão. É a liberdade que imprime dire- efeito rápido e ação prolongada... ne-
ção.Nãomaislimites,barreirasasuperar, nhuma delas, porém, consegue atrasar
mas trilhos de conhecimento a orien- o calendário. Se muito, suspendem ou
tar. A vontade executa o movimento, prolongam o tempo de menstruação
a capacidade de amar contempla e e, sem cuidados médicos, junto com
aprecia. Ela encontra em seu íntimo o fumo, transformam o organismo
forças geradoras de vida. Não mais da mulher em uma bomba-relógio, à
seu útero, mas todo o seu corpo. Não beira da explosão.
mais crianças, mas seu legado moral. Pílulas são ingeridas em público,
Não mais seus pensamentos, mas suas oferecidas, compradas, embaladas em
idéias. E não só seus sentimentos, mas graciosas caixinhas. Mas, e os calorões?
sua inteireza, sua grandeza, sua beleza Estes, por naturais que sejam, deixam
de mulher vivida, inspirada. a mulher vexada, humilhada, rendida
Amentalidadedualista-Écomo à sua natureza e à irracionalidade de
se corpo fosse uma coisa, a mente suas gônadas.
outra. Máquinas de fazer e de pensar: Cara dentro do refrigerador, co-
“doutor, não funciono mais!” É uma vi- bertores atirados para o lado em meio
são estranha, essa do corpo-máquina. às madrugadas, corpo deitado nos la-
São as válvulas do coração, os amorte- drilhos do chão dos banheiros... Ah! as
cedores das vértebras e articulações, mulheres escondem seus mal-estares
os parafusos da cabeça, os membros até das melhores amigas. Seu marido,
enferrujados, em­perrados, são os ner- então, não pode saber que está fican-
vos de aço e a vontade férrea. do “velha”. Se descasada, namorando
Tal concepção nos permite afir- rapaz mais novo, esconde a idade. O
mar que “o tempo nos arruína”. Cirur- espelho é seu grande inimigo.
gias plásticas são recauchutagens, já A briga com o espelho - Pregas,
rodamos muita quilometragem e há manchas, estrias, celulite, flacidez,
o temor de sermos substituídas, aos varizes, vazinhos, verrugas, pelos.
quarenta, por dois novos mo­de­litos Barriga saltada, peito caído, bumbum
de vinte. chapado, tornozelos inchados, papa-
Difícil encontrar mulheres felizes da, unhas fracas...
e confortáveis com seu corpo maduro. - “Espelho, espelho meu, existe
E o constrangimento de que sua “va- alguém mais bonita do que eu?!”
gina senil” não fique mais lubrificada, - “Sim, majestade. Todas as me-
mesmo se excitada? Falha na produção ninas recém-menstruadas. As jovens
hormonal! A mulher se sente traída mamães e suas amigas. As moças que
pelo seu próprio corpo: “veja em que trabalham fora, as grandes executivas,
me transformei, numa ruína de mim as secretárias dos maridos, as artistas
mesma! era bonita quando jovem, de cinema, televisão, as “playmates”,
agora estou toda despencada!...” ela as atletas e ginastas, as manequins e
se refere a si com nojo existencial, recepcionistas, as aeromoças, a polícia
desprezo e desgosto. É visão de si, feminina, todas.” E o pior é que elas
construída para gerar inveja, despeito desfilam sua mocidade, sua jovialida-
e vergonha. de pela casa da mulher mais velha e
Se não é máquina, é química - A chamam-na de “tia”...
busca por pílulas milagrosas é impres- A mulher madura de hoje está
sionante. Para dormir, para acordar, sem referencial. Não é velha como
para a digestão, para a evacuação, para foram sua mãe e suas tias; não é nova,

52 Menopausa
como já atesta a geração de seus também seus pais e sogros. E social-
próprios filhos e sobrinhos. Concorre mente goza de menor prestígio ou
com as de 40, as de 30 e as de 20, com “valor de mercado” para novas relações
certas desvantagens. Sente-se inade- amorosas ou casamentos.
quada, nesta passagem “da graça da Aqui, precisa compreender que
juventude ao charme da maturidade”. importância é valor social. É-nos atri-
Sensação de urgência de tempo, buído. Do mesmo modo pode ser
grandes cobranças e doses de impa- negado. Mas o senso, a certeza de sua
ciência, ela se consola: “bem, melhor unicidade, de seu valor como pessoa,
estar no auge dos meus quarenta, do expressão de vida, pedacinho de Deus
que estar grávida. Ou ter sessenta”. De em forma de gente, é este senso que a
qualquer modo, um novo tempo. Já fará manter cabeça e moral elevados,
desafiou seus pais, seu marido, seus mesmo quando as circunstâncias lhe
filhos. Agora, o desafio é o do auto- são adversas. Enquanto vive a concre-
-descobrimento. tude das transformações do corpo,
Seu corpo, esse estranho, tem desperta para novas simbolizações.
uma linguagem própria, de palpita- A cada passo, novos
ções, temperaturas, dores e prazeres. conflitos - Inevitável um sen-
Precisa ser compreendido, bem trata- timento de insegurança pes-
do, revitalizado. A linguagem do corpo soal, maior sensibilidade. É um
é concreta, sensorial e profundamente novo “estirão” de crescimento.
ancorada nas leis da terra. Temos um Agora não mais físico, mas
corpo muito terreno e de duração psico-espiritual. A mente, mais
limitada, mas com leis tão próprias e aberta, lida com mais variáveis.
fabulosas que a mente, por mais in- Escolhas podem se tornar não
teligente, não consegue expressá-las só mais complexas, como mais
em palavras. Como explicar o que o difíceis.
corpo vive quando esse corpo ama? A sensação de finitude é
Como explicar o que é a dor de um mais real e a vida precisa ser
coração que se separa de um filho, repensada agora na perspec-
de um amor? tiva concreta da morte. Não
As mulheres são ensinadas a de outros, mas de si. A função
amar seu corpo jovem que pode pro- ovariana está falida. Isto é irre-
criar. Mas este amor próprio resiste mediável. A mulher chora sua
àquilo que é mutável. O ego fica muito maternidade finda: “e agora, quem
frustrado, magoado e, muitas vezes, precisará de mim? A quem devo ser-
não organiza forças de reparação. vir?” Seu espírito devocional precisa
Algumas não superam a frustra- de novos elementos e focalização. Não
ção e queimam etapas. Ficam logo se trata mais de ser “boazinha”, mas de
velhas, ou adotam ares de permanentes ser verdadeiramente útil, integrada. É
mocinhas. Mas outras elaboram a tran- muito importante sentir-se necessária,
sição e realizam bem a tarefa de superar valorizada.
o valor da beleza e força físicas em dire- Seu altruísmo se debate com seu
ção ao valor da sabedoria existencial. É egocentrismo: “chega, já cuidei dos
um corpo de novas formas e funções. E outros a vida toda. Agora é para mim!...
é também uma mente de maternidade Mas não estarei sendo por demais ego-
finalizada que precisa discernir entre ísta?... E daí, quem não gostar, que se
importância e valor pessoal. retire... Mas, eu não gosto de ficar só!...”
É, sim, menos importante na vida Seu corpo emocional entra em
de seus filhos. Talvez esteja enterrando convulsão e há um tempo em que

a terceira idade 53
debater-se e abster-se é a solução. De espezinhadas. E se tal não acontece,
duas, uma: ou ela extrai mais doçura entra em culpa: “onde foi que errei?!”
de seu amargor, ou azeda para sem- Outra preocupação que a assola
pre! Precisa ser suave e firmemente sãos os pais, já de idade, especialmente
ensinada, disciplinada, para a arte de se um ou ambos apresentam desor-
ser ela mesma: é a arte de viver de dens mentais: “será que vou ficar tam-
bem com a vida. De saber que lá onde bém assim?” O medo da dependência,
a sensação de amargo é muito forte, do ridículo, da solidão, muita coisa
é onde se concentra o doce. Depurar, concorre para perturbar sua mente e
destilar, discernir, trans­mutar. Esta é a suas noites insones. Insônia, obesida-
tarefa de sua psiqué. de, pressão alta, taquicardia, sudorese,
Deve alcançar novos patamares tremores... Ela se vê responsável pela
de liberdade. E socialmente, familiar- saúde das três, talvez quatro gerações,
mente faltam-lhe estímulos e oportu- na família: os mais velhos, seus filhos,
nidades. A mulher livre, espontânea seus netinhos e...seu companheiro. Ah!
assusta. A família aconselha-a a arriscar- este se recusa a ir ao médico e ainda
-se, libertar-se, mas quer a mãe sempre atribui suas dificuldades sexuais ao
lá, disponível. E, de preferência, dis- fato de ela ser “pouco jeitosa.”
posta, bem arrumada, bem humorada, As preocupações e angústias
perfumada, atenciosa e com comidinha somadas, especialmente quando não
saborosa para ser servida, quando os tem uma atividade própria ou profis-
filhos tiverem vontade de visitá-la. Não são que verdadeiramente a realize,
exatamente quando são convidados e levam-na a desejos estranhos, como
esperados. A mulher livre tem trabalho quererterumaaventura.Ousumir.Não
redobrado para conciliar tantas vonta- dá para definir o que é “sumir ”. Não é
des, horários e motivações... morrer nem simplesmente se afastar.
Paralivrar-selogodasdificulda- Não é só alívio nem acordar daqui a
des - Ela pode adoecer. A doença pode dez anos. Não é correr para a casa da
ser um artifício para obter alguma mãe ou de uma amiga, mas ir para al-
moratória. Uma pseudo-liberdade. gum lugar indefinido, onde ninguém a
A justificativa não é o querer, mas o conheça ou exija. Está mais para perto
não-poder. de “estar consigo”, “recomeçar ”, que
Com tempo para lamber suas para largar tudo que lhe é precioso. A
feridas, o problema é cair na auto- mulher precisa voltar-se para dentro
-comiseração, ao invés de auto- de si mesma, pois é lá mesmo que vai
-consideração. A mulher fica doente se reencontrar. O dia que inventarem
com os problemas da família, não uma “pílula para sumir ”, mais da me-
consegue ser feliz enquanto não-sei- tade dos problemas do climatério e
-quem não se arranja na vida. Deixa menopausa vão estar resolvidos.
os outros doentes com seus sacrifí- Conversas com amigas, consul-
cios desnecessários e ainda se sente tas médicas e psicoterápicas ajudam
mal amada. Precisa sofrer para obter bastante. Banho de loja, novo corte de
atenção. É alvo de irritação e desdém: cabelo, um curso de atualidades, boas
“chantagista” ou “coitada”, é o mínimo leituras, igualmente. Mas as caminha-
que dela se diz. das a sós, refugiar-se perto do mar ou
Doente no corpo ou na alma, das montanhas, dormir a céu aberto,
a mulher permanece paralizada, es- retomar seu próprio ritmo e uma vida
perando que suas filhas façam o que simples, essas práticas têm efeitos mais
ela própria não conseguiu, ou seja, se do que salutares, são curativas.
dêem auto-respeito, não permitam ser Um banho de cachoeira, andar na

54 Menopausa
chuva, mergulhar de roupa, entrar em Tem medo de tomar hormônios e “dar ”
contato com água corrente, no lago, câncer (conhecido antigamente como
rio ou mar, lhe fará bem melhor do que “aquela doença” e mais modernamen-
procedimentos artificiais. A mulher te como “ceá”), tem medo de não tomar
precisa respirar, voltar à natureza-mãe, e, de repente, seus ossos virarem pó?!
se reciclar. Um médico fala uma coisa, outro diz
Jardinagem, escultura, tear são outra. Como as consultas rápidas não
atividades que podem propiciar o a atendem como mulher por inteiro,
“estar-em-contato” com os ciclos de sai delas pior do que entrou.
vida-morte-renascimento, criação e Uma cliente minha relatou,
recomposição de novas tramas e pa- aos prantos: “eu estava com a maior
drões. A mulher encontra nessas horas hemorragia, muito frágil mesmo. As-
um conforto muito grande, paz de sustada. O médico me examinou, me
espírito, quietude, sem ter que recorrer deu uma receita e falou nem
à solidão que neste momento pode lembro o quê. Só sei que eu
ser-lhe muito pesada e vir a piorar as não parava de chorar e disse
coisas. Músicas de bom gosto, olhar a ele que eu havia acabado
o fogo, chorar bastante... ela quer ser de me separar. Havia três
natural, poder largar seu passado, dias que meu marido saíra
compreender o vivido e vislumbrar de casa, depois de uma bri-
um futuro promissor. ga horrorosa. Ele (o médico)
O médico e a vizinha - Em pri- nem olhou para minha cara
meiro lugar há que se ter uma relação e disse que aquilo não tinha
de estreita confiança, um profundo nada a ver. Fiquei em estado
sentimento de liberdade e estar à de choque”... “Lágrimas de
vontade. A mulher precisa se abrir com sangue”, a menstruação, seu
seu médico. Perguntar coisas sobre ritmo, sua abundância estão
as quais nem com o próprio marido diretamente relacionados às
consegue conversar. Falar não só de si vivências psíquicas da mulher.
mesma, mas também de seu marido Como estraçalhar esse todo?
(se ainda o tiver), sobre seu relacio- Em nome do que?
namento sexual (se faz sexo), sobre Outra cliente desabou
a saúde de seus pais e de seus filhos, em um de meus grupos de
sobre seus medos: de envelhecer, de orientação: “será que levei 52
ter câncer, de ter deixado a vida passar anos para me tornar um nó his-
sem se posicionar, medo de que sua térico?” Ao se queixar de vazio
filha se engravide fora de hora etc. e interior, infelicidade conjugal,
quer saber mais sobre Aids. seu médico diagnosticou sua opressão:
Sua consulta médica não pode nó histérico. E recomendou-lhe psico-
restringir-se às questões hormonais, terapia, encerrrando rápido a consulta.
osteo­porose e infarto. Não pode ser Ora, o que é jargão médico, linguagem
vista como “gorda sem-vergonha” e corrente, para os ouvidos sensíveis de
muito menos como uma “vagina se- uma senhora em sofrimento pode ser
nil/mucosa atrófica”, dependente de golpe mortal em sua auto-estima.
uma pomadinha local para suavizar a É óbvio que se a relação médico-
relação sexual. Ela não é um conjunto -paciente é autoritária e pouco conti-
de mamas, útero, varizes, ca­lorões, nente, a mulher perde a liberdade, não
encimado por uma cabeça treinada de questionar, mas de aprender sobre
em se preocupar demais com os ou- si própria. E, ao não aprender, não pode
tros e em se descuidar demais de si. responsabilizar-se nem pela sua melho-

a terceira idade 55
ra, nem pelo que possa acontecer de do casal”. Ambos precisam ser escla-
pior. As palavras amorosas, solícitas de recidos. A saúde conjugal agradece.
uma vizinha, de uma amiga terão peso Precoceouretardada?-Ninguém
decisivo em suas atitudes. Mas, não quer ser precoce ou retardado em duas
raro, ela “pulará” de médico em médico, situações: menopausa e ejaculação.
de tratamento em tratamento, aí con- Antes dos 38 anos e depois dos 58,
fundindo causas e efeitos. Difícil. Uma essa extensa faixa de normalidade é
das coisas que ela mais sente, então, é muito mal compreendida. Há mulhe-
estar só. Ela não padece simplesmente res que ainda menstruam e se dizem
dos “transtornos da pré-menopausa”. na menopausa. Há mulheres que não
Ela sofre de solidão. menstruam mais e querem voltar a
Pior ainda, se sua vida conjugal fazê-lo, porque acham que se sentirão
e familiar estiver desarticulada. Mais mais jovens.
grave se não tiver uma ocupação que a A menstruação é coisa muito
realize. Trágico se, com tudo isso, ainda séria na vida das mulheres. É seu
enfrenta tríplices jornadas, condução e “atestado” de normalidade, feminili-
o sistema público de saúde... dade, saúde. Por mais de trinta anos
Alguns grupos de médicos e (dos 12 aos 48, aproximadamente), a
outros profissionais já começam a mulher programa sua vida, levando
atender na modalidade de orientação em consideração seus ciclos mens-
grupal e multidisciplinar. Ao invés de truais. Desde a marcação da data do
cinco minutos para cada uma das vinte casamento, vida sexual e passeios, até
pacientes da manhã, um grupo de cirurgias e outras mudanças radicais.
aconselhamento e orientação sema- Muitos tabus caíram por terra. A
nal ou quinzenal para todas as vinte, idéia de que poderia ficar louca se la-
simultaneamente, por duas horas! Isso vasse os cabelos, quando menstruada,
funciona. É educação para a saúde. é um deles. Não se podia, tampouco, ir
A mulher sai do esquema “obedece- à praia, à piscina, fazer certos esforços.
-desobedece o médico”, para partici- As toalhinhas eram lavadas e fervidas
par do seu processo, de sua transição. longe dos olhares masculinos. E quanto
E mais, descobre que não está só, que aos absorventes, eles desvirginavam...
suas dúvidas são iguais às de “todo O fato é que, com tudo isso e muito
mundo” e que existem saídas. mais: seios pesados, digestão difícil,
Afirmo, dessa maneira, o poder irritabilidade, TPM, a mulher se sente
da solidariedade, do ouvir. Laços de mais feminina, mais ligada à sua na-
afeto e compreensão fazem mais pela tureza instintiva e intuitiva, quando
auto-estima feminina que cartelas de menstrua. A mulher sangra. É algo
hormônios e injeções, principalmen- que não controla. Sua energia vital se
te quando o que está em jogo é seu expressa nua e cruamente. A irraciona-
equilíbrio psíquico e sua identidade. lidade desse fenômeno faz sentido na
Medicação sistêmica ou específica, a sua experiência íntima de ser mulher.
mulher não pode ter medo do que Agora as coisas vão mudar. Pesar?
está ingerindo, nem con­siderá-la sua Alívio?Outrossignificados?Oprincipal:
salvação. Ela tem que saber do que se é hora de mudança. O tempo foi pro-
trata e discutir abertamente com seu gramado. É aceitar ou aceitar. Quando
médico de confiança, as alternativas de ficou mocinha lhe disseram que não
que dispõe. Inclusive de con­tracepção. podia mais brincar na rua com os me-
É até mesmo adequado que tais ninos, porque eles iriam “abusar” e ela
questões deixem de ser “problemas poderia “pegar filho”. Quando entra
femininos” e passem a ser de “interesse na menopausa lhe dizem para praticar

56 Menopausa
muito esporte e ter peso ideal, senão lerância à segurança e à aventura,
ela pode ficar com osteoporose, ter desejo de estabilidade e de mudança.
infarto e... os homens não vão mais O movimento é a ordem. Pelo mesmo
querê-la nem de graça! Quando é que percurso correm as torrentes de triste-
essas mudanças serão tratadas com za e perdas, jorram as fontes de alegria
delicadeza e respeito? Quando é que e ganhos. A cada passo, novos riscos
conseguiremos falar à alma das mulhe- e realidades. À frente do caminho, a
res e dos homens? verdade. O amor. A condição humana
O vazio existencial - À falta de de ser mulher. Na menopausa, mais
uma ocupação que a realize, soma-se a que “sair de casa”, a tarefa é “ganhar
falta de um sentido, de um significado o mundo”.
profundo de vida. Na escolha da vida doméstica ou
Ainda presa a vergonhas, cul- de trabalho para fora a mulher precisa
pas, inseguranças, humilhações, a se assegurar de que seu corpo é seu
mulher é alvo fácil dos ataques de lar, sua mente se reveste de beleza e
desqualificação. Uma das piores coi- alegria; a liberdade é seu lugar e seu
sas que uma pessoa pode sentir é tempoéo“agora”.Tãosimplesenatural
que ela “vale menos que”. E é isso que como o respirar.
a mulher menopausada sente. Por
isso, busca a auto-afirmação através
de prepotências, au­ to­
ritarismos ou
negligências. Egoísmo exagerado ou
descuidos acentuados, perda da vai-
dade, do interesse, da vontade sexual,
rancores e ressentimentos, inveja e
mesquinharias são sinais evidentes
de que ela não está realizando bem
sua transformação íntima.
É tempo de depurar, sanar as
imaturidades, rever relações e res-
ponsabilidades. Tudo requer novas
reflexões. Metade de sua vida já está
respondida. E agora, o que fazer com
outro tanto pela frente?
Acrescentar vida ao tempo,
redescobrir novas energias, vitalizar.
Serenidade e alegria são os melhores
sinais do êxito de sua passagem. Ainda
existe um bom trecho de caminho a
percorrer. Caminhar é atestado de
liberdade. Dar novos e largos passos
equivale a ter sucesso. Caminhar com
desembaraço é conquistar novos ní-
veis de segurança e autonomia, passo
a passo. Literal e simbolicamente.
“Sair de casa” não é abandonar
tudo e todos, mas é ganhar as ruas,
a chuva e o sol, os ventos, o suor, o
corpo quente. É ganhar a dimensão
dramática, tragicômica da vida, to-

a terceira idade 57
As
Possibilidades
da Mulher
na Maturidade

Depoimentos
durante o seminário sobre
“A Mulher na Maturidade”,
no Sesc Ipiranga,
São Paulo, em maio de 1993
LÍDIA CORREA não acredita na capacidade da mu-
Vereadora lher, como deveria, sobretudo se ela
está na meia-idade. Por uma série de
preconceitos, a maturidade e a terceira
Na maturidade expressamos, idade não têm o mesmo valor que as
cada um a seu modo, o que apren- outras fases da vida. Dizem que nesta
demos e desenvolvemos durante fase o ser humano entra em declínio.
a vida. É um momento de reflexão. O que acontece comigo, acredi-
Eu, particularmente, sinto-me numa to, acontece com todas as mulheres,
fase especial, onde vejo com mais isto é, a maturidade é um momento
clareza minhas possibilidades e especial da vida em que nos sentimos
capacidades. Como vocês sabem, seguras, mais preparadas para tratar
sou vereadora e procuro exercer o o conjunto de questões e problemas
mandato que me foi confiado, bus- da própria existência.
cando realizar o que é importante e As mulheres têm ocupado, nas
necessário para o desenvolvimento últimas décadas, maior espaço na so-
da sociedade. ciedade que começa a enxergá-las e
Para isso, tive que enfrentar tratá-las de maneira diferente e vê-las
barreiras e dificuldades anteriores. como cidadãs mais completas, com
Aprendi que elas vão existir sempre e capacidade profissional e política.
que, portanto, a luta será permanente Isso é bom sinal na medida em que
se quiser construir algo positivo, seja a abertura de novos espaços permite
na política, profissionalmente, na vida demonstrar que não somos inferiores,
familiar, como mãe e mulher. muito ao contrário, temos os mesmos
Tenho observado que à medida potenciais. Depende muito de nós
que vou amadurecendo, tenho ainda mesmas diminuir e eliminar os pre-
mais vontade de trabalhar e traba- conceitos relativos à nossa suposta
lhar melhor. Dá certa tristeza não ter inferioridade. A sociedade só tem a
feito algumas coisas antes, mas uma ganhar com isso. A conquista do bem-
reflexão maior mostra que na verda- -estar e da felicidade deve ser uma
de não havia condições pessoais e busca de homens e mulheres através
profissionais para isto. Creio que é a de um trabalho comum, conjunto e
maturidade que nos faz pensar desta não de uns contra os outros.
maneira, ou seja, avaliar nossa vida e Sem dúvida, nossas atitudes e
buscar uma atuação mais consciente ações são frutos de nossa educação
e compromissada com a sociedade e que, desde a infância, nos leva a cul-
com nós mesmos. tivar o sentido de dependência em
Ultimamente, para mim ficou relação aos homens, como um traço de
mais claro que é importante a pes- nossa feminilidade. Esse sentimento
soa sair de si mesma, ampliar sua diminui nossa auto-estima e a auto-
visão de vida, seu relacionamento, -afirmação.
para que sua ação seja mais social Tive de lutar contra esse este-
e integral. reótipo, quando fui convidada para
Infelizmente, a sociedade ainda ser candidata a vereadora. Travei

60 As possibilidades da Mulher na Maturidade


uma luta comigo mesma, por falta negar sua feminilidade, como falar
de confiança em minha capacidade grosso e mesmo se masculinizar.
de realizar o trabalho parlamentar. Acho que hoje conseguimos ser
Cheguei a pensar que meu marido, mais autênticas, mais femininas, im-
que também é político, tinha mais pondo com nosso jeito nossas idéias
condições de realizar esse trabalho. e opiniões, apesar de continuarmos
No entanto, ele me incentivou muito. enfrentando as brincadeiras de mau
Outras lideranças e amigos me esti- gosto e assédios que tentam reduzir
mularam a encarar com decisão esse nosso papel e influência.
desafio. Não me arrependi. Por isso, Não é novidade para ninguém
penso, nós, mulheres, precisamos de que aos homens cabem sempre os
acreditar em nós mesmas. melhores postos, as melhores oportu-
Durante a campanha, tive o nidades profissionais. Acho que temos
apoio de milhares de mulheres que, tudo que eles têm para conquistar
com sua dedicação, mostraram sua os mesmos espaços. Destaco ainda a
força e valor. Valeu a pena. Amadureci sensibilidade da mulher, uma coisa real
muito e todo esse processo me ensi- e concreta, até porque, com a discrimi-
nou a acreditar mais em mim e ainda nação que sofremos, desenvolvemos
mais nas mulheres. Essa confiança me este lado.
incentivou e foi a chave para manter Finalmente, gostaria de dizer que
o entusiasmo e principalmente para nenhuma sociedade vai avançar sem
promover as mulheres. nossa contribuição, que somos mais de
Nós, mulheres, sempre fomos mi- 50% da humanidade. É preciso que nós,
noria na política; por isso, os costumes, mulheres, criemos mais oportunidades,
as formas de agir, os valores são “mas- mais condições para descobrir e desen-
culinos”, além de estarem voltados volver toda nossa capacidade e riqueza
mais para os interesses dos homens. de que dispomos e colocá-la a serviço
Isso condiciona a visão em relação da sociedade.
ao comportamento do homem e da
mulher. Por exemplo, se um vereador, REGINA VALADARES
na Câmara, fica nervoso e se altera, é Jornalista
porque é “combativo”, “corajoso”. Se a
mulher faz o mesmo, é porque está Estou, nesse momento, em uma
alterada, desequilibrada. Houve um posição em que nunca estive ante-
período, inclusive, que as mulheres, riormente: falando em vez de estar
para se afirmarem e mesmo dispu- fazendo perguntas. E para dar este
tarem com os homens, chegavam a depoimento fiquei pensando no que
dizer da flor de meus quarenta anos
de idade e de como é essa coisa de
marmanjo chegar e me chamar de
“tia”.
Uma coisa descobri: não achei
muita graça na tal da juventude, pelo
contrário, achei até meio chata. Depois
de três casamentos, com meu terceiro
filho para nascer, sinto-me mais em
paz comigo mesma.
Essa caminhada que fazemos
a vida inteira nos assusta, pois não

a terceira idade 61
sabemos como vai ser. Assusta-nos querer, 30% é sorte, o resto é batalhar
mais ainda porque, na verdade, é que se consegue. Eu, por exemplo,
uma caminhada que prepara para a mudei de cidade, fiquei desempre-
tal velhice, tão temida pela sua irre- gada várias vezes, já fiz outros tipos
versibilidade. Minha mãe costumava de trabalhos, em áreas diferentes da
falar que depois de certa idade enxer- minha, quando não tinha trabalho fixo,
gamos menos, para podermos chegar e nunca tive muito pânico ou medo de
em frente do espelho sem reparar nas não ter êxito. Acho que sempre existe
rugas. Como já não se enxerga muito trabalho para quem quer trabalhar.
bem, elas não incomodam tanto. A E tudo numa expectativa de que as
natureza é, realmente, muito sábia. coisas vão melhorar. O importante é
Com a idade vamos ficando sempre acreditar em si mesma e tocar
com os objetivos mais claros, já não o barco para frente.
se é tão tonta na vida. As coisas se É certo que algumas coisas agra-
tornam mais simples. Sentimo-nos dáveis, massageadoras de nosso“ego”,
mais preparadas, inclusive, para com a idade, acabam. Não somos, por
errar, para acertar, para consertar. exemplo, mais gatinhas que vamos
Temos consciência de nossas limita- ouvir“fiu-fiu”na rua. Paciência, passou
ções não só diante dos problemas, nossa vez. Mas é preciso aproveitar o
dos preconceitos que nos afetam tempo presente com as coisas boas
tanto em nosso ambiente de traba- que acontecem.
lho como em nossa vida familiar, na A essa altura de minha vida sinto-
rotina do dia-a-dia. Assim, há coisas -me mais corajosa, o que favorece
que não dá para eu fazer e que não bastante minha realização pessoal. Por
vou fazer nunca, pois meu horário isso, convivo bem com minha idade,
é diferente, minhas prioridades são sem briga, sem medo do futuro, do
outras, minha vontade é outra. E tudo que possa acontecer. Será que é por
isso é muito bem administrado sem isso que tenho um filho atrás do outro?
aquela ansiedade de outros tempos. Uma coisa é certa: ando tão ocupada
Fala-se muito em preconceito que não tenho muito tempo de pensar
contra a mulher, mas, confesso, em que rumo as coisas vão tomar amanhã
minha vida profissional não encontrei ou depois de amanhã. Talvez nem vá
tantos assim. No entanto, não há como haver o amanhã... Então, por que me
negá-los. Toda vez, por exemplo, que preocupar? Acho que minha vida é
fico grávida, dificilmente recebo um muito simples e meu depoimento não
agrado, pouca gente acha graça e me poderia ser diferente.
dá parabéns. Deve ser porque tenho
uma gravidez atrás da outra e, nesse
caso, fico mais lenta, faço tudo mais VANIA TOLEDO
devagar. E vou continuar assim. Por Fotógrafa
que forçar meu ritmo de grávida? Para
Na minha maneira de entender,
ter desempenho igual ao do homem?
estou na segunda idade, ainda não
Não vale a pena, nesse estado. Proble-
cheguei à terceira. Para mim existem
ma deles, não posso fazer nada.
três idades: a infância, a idade em
Todas nós podemos conquistar que estou e a dos velhinhos que ado-
o que desejamos. Acho que 70% é ro. Pensando dessa forma, comecei

62 As possibilidades da Mulher na Maturidade


feliz comigo mesma, ter a agradável
sensação de estar recomeçando a cada
sessão fotográfica é realmente mara-
vilhoso. E saber que essa felicidade
vem do contato com o ser humano.
Parece-me que transferi minha pai-
xão de socióloga para a fotografia e,
assim, não perdi nenhuma das duas.
Na verdade, somei.
Em minha profissão existem
coisas interessantes. Quando come-
cei como fotógrafa lancei um livro
que foi o primeiro ensaio de homens
a entender melhor o mundo, sem nus publicado no mundo por uma
preocupar-me com dogmas, sem re- fotógrafa. Fiz isso como um exercício
beldias desnecessárias e sem rancor de pessoal, porque sempre questionei a
qualquer tipo de rejeição, implícita ou igualdade. Não entro nesse nível de
explícita, por ser uma jovem senhora “nós, mulheres, as perseguidas”. Para
de quarenta anos. mim existem seres que são femininos
Sem querer ser repetitiva, como e outros masculinos e, obviamente,
os bons vinhos minha vida está co- se existe alguma discriminação, tento
meçando agora, aos quarenta anos. provar o contrário. O que se tem que
Nesse sentido, tenho o privilégio fazer é mais ou menos isso: botar a
de estar começando a viver uma profissão à frente do sexo.
segunda vida. Para mim, portanto, Em relação ao livro sobre os nus
é um privilégio muito grande estar masculinos meu questionamento
nessa idade. era o seguinte: por que não homens
Sou socióloga por formação, nus? Por que só o homem com quem
mas, antes de tudo, sou mineira, o que, era casada na época ou meus amigos
para mim, é mais que uma profissão, olharem corpos nus de mulheres e
é um estado de espírito. Mudei-me eu não olhar corpos nus de homens?
para São Paulo que é minha grande Tinha uma curiosidade tremenda,
paixão e meu grande amante. Acho porque coincidentemente casei-me
essa cidade simplesmente fascinante. com o primeiro homem pelo qual me
Fiz Ciências Sociais na USP e apaixonei e com o qual transei e tive
entrei em crise profissionalmente. Pro- um filho. Meu universo era cercado
vocada por essa crise, tive a coragem de homens por todos os lados, coisa
de, aos trinta anos, mudar de profissão, que adoro.
tornando-me fotógrafa. Acredito mais na lealdade mascu-
A partir da minha experiência, lina, quer dizer, se for para estabelecer
penso que se pode entrar na maturi- regras, para mim o homem joga mais
dade de maneira extremamente jovial, aberto, o homem é mais leal, o homem
alegre e determinada para se fazer é mais direto. Tem uma linguagem
com prazer aquilo em que se acredita. parecida com meu espírito. O homem,
Talvez minha entrada na maturidade então, é uma coisa que eu entendia,
não fosse tão prazerosa se não tivesse talvez por esse fato de ter sempre vivido
tido a coragem de adotar meu hobby muito entre eles.
como profissão. De repente, trabalhar Feito esse trabalho dos nus, tive
vinte e quatro horas por dia e sentir-me a surpresa de que todas as mulheres

a terceira idade 63
tinham pensado a mesma coisa. Só e transmite uma mensagem pode
que ninguém tinha feito nada para tudo. Primeiro, porque é uma mulher
se questionar e procurar enxergar que treinou a controlar as emoções e,
no homem o índio contemporâneo, depois, porque é uma mulher liberada
perdido da própria história, através de preconceitos, capaz de ser homem,
do achatamento cultural que não lhe mulher, jacaré, o que quiser, isto é, pro-
permite achar-se bonito, expor-se, jeta de dentro para fora sua ousadia,
de alguma maneira considerar-se tão sua liberdade.
elegante ou tão livre quanto a mulher Sou fascinada por teatro e sou
que, diga-se de passagem, é muito fascinada por mulher que exercita
mais livre mesmo. esses limites de liberdade, de poder
Meu segundo trabalho conceitu- descer no seu próprio inferno pessoal,
al, que me deu grande prazer começou nas suas angústias, nos seus tormen-
por ocasião do lançamento do ante- tos, nas suas deusas ou seus diabos,
rior, quando comecei a questionar-me expressando todos os personagens
sobre a mulher. A mulher brasileira, que traz dentro de si.
de certa maneira, ao mesmo tempo As mulheres com que trabalhei
que me fascinava, sempre me pareceu nessa última década - esse trabalho,
interrogativa, me deixava nervosa, por fatores econômicos, teve duas
pois não era parecida comigo, era uma etapas: fotografei 22 atrizes em 84 e
mulher estereótipo de tudo o que se outras 20 em 91- foram de uma riqueza
podia imaginar, menos aquilo que se incomparável para que eu conhecesse
poderia considerar uma mulher - pelo um pouco mais da alma feminina, da
menos, dentro dos meus conceitos - alma humana.
de meinha preta, sainha curta, roupa A etapa anterior à fotografia
apertadinha, nervosa, muito cabelo propriamente dita, isto é, o conversar
para cá, muito cabelo para lá... com as mulheres, o diálogo, as trocas
Tudo isso me incomodava muito de idéias, o conhecimento do perso-
e para mim era ridículo. Daí, questio- nagem feminino inusitado de cada
nar-me pela segunda vez:“existe algu- uma, tudo isso me deu a sensação
ma coisa na mulher que me fascina... de ter entendido mais a cabeça, o
o que será”? coração e a liberdade de uma mulher.
Baseada nessa pergunta - sem- Desde então, passei a gostar mais de
pre faço meus trabalhos movida por mulheres.
uma pergunta dadaísta: “por que não, Entre muitas coisas compreendi,
por que não fazer, por que não me inclusive, que a mulher na maturida-
movimentar, por que não romper com de ou quarentona é fascinante pela
o novo, por que não exercitar a própria felicidade que traz dentro de si, pela
curiosidade...” liberdade com que consegue expor-se
Comecei, então, a fazer um pai- e trabalhar a própria fantasia, buscar
nel de como foi a mulher no Brasil na no seu íntimo personagens que não
última década. Resultado: tive o privi- têm idade e têm muita vida.
légio raro de conviver com mulheres Tenho um filho de vinte e um
da primeira, da segunda, da terceira anos e ele é meu equilíbrio para eu
e da quarta idade. De repente, foto- não me sentir cansada, desgastada,
grafei Henriqueta Brieba, uma mulher preocupada por estar na meia-idade.
de 90 e poucos anos e mais jovial do É através dele que mantenho minha
que muitas de nós. Quer dizer, é uma vivacidade, não só a cultural, mas
pessoa viva. Fotografei atrizes, pois também a pessoal, a vivacidade que
uma mulher que sobe num palco

64 As possibilidades da Mulher na Maturidade


a própria vida dá. Acredito que é por para mim é muito mais importante
isso que sou extremamente ativa, po- como troca entre seres humanos e
sitiva, mesmo depois de um acidente como técnica de trabalho.
que sofri, há dois anos e meio, que Em outras palavras, sempre
me bloqueou fisicamente o direito dei prioridade à beleza interior,
de ir e vir. cujo referencial maior é a liberdade.
Para mim o bloqueio do direito Aliás, cheguei à conclusão de que
de ir e vir é muito mais sério do que a mulher é muito mais interessante
o questionamento da maturidade. depois dos trinta e cinco anos. É
O fato de ter conseguido terminar essa beleza que lhe confere brilho
um trabalho sobre mulheres, numa e carisma, atrai as pessoas, fascina-
cadeira de rodas, sair dessa cadeira, -as e as transforma.
passar para muletas e substitui-las Minha avó foi a mulher mais
pela bengala...só pode ser atribuído à livre que conheci. Morreu com no-
mulher que vive dentro de mim, a essa venta e dois anos. Sua interferência
força interior que nada pode anular e em minha vida foi decisiva para
que só a mulher tem. uma série de atitudes no decorrer
Outra conclusão a que cheguei em dos anos. Ela foi a primeira pessoa
minhas reflexões é que, se as mulheres que me leu um poema, a primeira
tentarem livrar-se das clausuras sociais que me ensinou a usar uma mini-
e até hipotéticas que nossa neurose, de -saia, que me ensinou a não ter
certa forma, produz, poderão ser bem medo da sociedade, a ser livre. Em
mais suaves. Aos quarenta anos, deixa- suma, da família foi a que exerceu
mos de ter aquela ansiedade incômo- mais influência sobre mim. Por
da, de ser uma pessoa que atropela os quê? Porque era uma velha senho-
outros, que fala demais, uma coisa meio ra, sábia, calma, delicada e queria
histérica. Na maturidade adquirimos passar para sua neta os sentimentos
calma, controle, certa sabedoria que de que nós não temos idade, mas
usamos conscientemente a nosso favor. temos vida.
Finalmente, no meu trabalho
abri mão de muitos sex-appeals.
Não me interessei tanto pela beleza
estética das ninfetas. Obviamen-
te, não tenho nada contra elas e
algumas são até interessantes.
Mas, quando fotografo alguém,
preocupo-me mais com o seu olhar,
com sua conversa, com o tipo de
beleza que essa pessoa tem. Não
importa se é uma velha ou uma
ninfeta, o que me interessa é o
que essa pessoa tem de mais bo-
nito. Não sou daquelas que fazem
a apologia de “nós somos jovens,
portanto, bonitos e famosos”. Pelo
contrário, a beleza que uma pessoa
pode adquirir ao longo da vida, a
expressão de um olhar, a compre-
ensão do que se possa falar com ela
para haver uma entrega recíproca,
a terceira idade 65
Bibliografia Comentada

Mulheres:
40 Graus à Som-
bra
Não é um tratado de psicanálise autoras, três psicanalistas talentosas e
experientes, descrevem e interpretam
nem um estudo filosófico, mas uma re-
para os leitores e, sobretudo, para as
flexão de mulheres que entraram nos
leitoras os passos e percalços de toda
“enta” e, portanto, sentem na própria
essa crise que ronda e envolve a mu-
carne o sufoco do espaço que lhes
lher, ao atingir os 40 anos.
resta entre a juventude e a velhice, com
Apoiada em depoimentos ex-
suas angústias e conflitos, sua solidão,
traídos de exaustivas entrevistas
o amor, a paixão, o envelhecimento.
com intelectuais, artistas, jornalistas,
Esta é a idéia central que nos passa
publicitários, empresários, sociólogos,
a leitura de “MULHERES, 40 GRAUS À
gente criativa e famosa, a obra explicita
SOMBRA” de Maria Lúcia da Cruz Pe-
conceitos e revela um mundo cheio
reira, Regina Maria Carneiro Leão de
de dilemas e, ao mesmo tempo, de
Barros Pimentel e Mariana Coutinho de
possibilidades na escolha de caminhos
Oliveira Fontes - Editora Objetiva - Rio
para continuar a trajetória da vida.
de Janeiro, 1994.
Situações angustiantes, próprias
Questões como: por que a mu-
desse momento, como a sensação
lher é mais cobrada, mais vigiada, mais
de vazio, a consciência da morte e,
exigida, mais reprimida, ou por que é
principalmente, a não aceitação das
sempre vista com desconfiança e into-
mudanças que se operam em todos
lerância por parte dos homens e... das
os níveis, despertam uma série de
próprias mulheres são respondidas a
indagações cuja resposta exige ur-
partir de análises que descem à raiz dos
gente revisão de valores. É claro que
problemas que as motivam. Ou seja, as
tudo isso gera grande desconforto e Seja como for, este pode ser o
abala profundamente a confiança e momento da grande virada, mas, até
segurança da mulher, após os 40. para que isso aconteça, a mulher tem
Talvez esse período de incertezas que se voltar mais para si, sem, con-
seja o maior desafio. Trabalhar dentro tudo, se fechar em seu egoísmo, mas
dos limites impostos pela idade e no para se redescobrir, se reencontrar
ritmo mais pausado do organismo e reconstruir seu espaço social. Em
que a essa altura já passou por várias outras palavras, seu esforço deve ter
transformações faz parte da estratégia um sentido libertário.
para superar o medo de uma transição Alternativas não faltam para a
inevitável. Sem dúvida, a tendência é conquista desse objetivo. Há várias
conservar tudo que constitui a história direções possíveis, mas sem setas
de cada uma e fazer do passado um indicativas. Entregar-se a alguma
tempo presente imutável. Mas a lei atividade pode ser um fator impor-
da morte é a inércia, a lei da vida é a tante como parte de um projeto
mudança. A importância da crise está pessoal mais amplo, onde se prio-
justamente na sua capacidade de pro- rize a criatividade, a persistência e
vocar o desequilíbrio para nos obrigar a flexibilidade.
a lançar mão de outras maneiras de Outra passagem interessante
lidar com a realidade. do livro é a reflexão sobre a crise da
O grande fantasma, porém, des- masculinidade com a emergência do
sa fase da vida é a menopausa que feminino na sociedade contemporâ-
até hoje é vivida como um estigma, nea. Emergência que pode levar a mu-
atormentando as mulheres, mesmo lher a 40 graus à sombra, com direito
depois de tantas conquistas sociais a todas as suas fantasias, à plenitude
e profissionais. O impacto da meno- de suas paixões.
pausa no comportamento sexual da Enfim, através de artifícios lite-
mulher é imprevisível. Possivelmente rários bastante oportunos, as autoras
esteja relacionado com o estilo de expõem e tocam os sentimentos mais
vida anterior. Há mulheres, por exem- profundos da mulher em diferentes
plo, que justificam seu desinteresse situações que a vida as coloca depois
pelo sexo, refugiando-se nos supostos dos 40. Neste sentido, didaticamen-
incômodos da menopausa. Outras, te, cita exemplos de personagens
ao contrário, são capazes de experi- de filmes e romances que, depois de
mentar um prazer ainda maior. Mas, passarem por momentos difíceis e dra-
apesar de ter enfrentado inúmeras máticos, encontraram saídas honrosas
lutas na faixa etária anterior, a mulher e prazerosas. O livro é, realmente, um
se sente agora em desvantagem, com mergulho no mistério que envolve
menos competência, principalmente o corpo e a alma feminina. Sob esse
em relação às mais jovens. aspecto, é algo fascinante, surpreen-
As autoras chamam também a dente e chega a emocionar.
atenção para outro aspecto muito
importante: a solidão. Apesar de atin- Osvaldo Gonçalves da Silva
gir a ambos os sexos e em qualquer
idade, tem significado especial na
maturidade, isto é, talvez a travessia
pela experiência da solidão seja fun-
damental para o redimensionamento
do sentido da vida depois dos 40.
Membros Efetivos: Aldo Minchillo, Antônio Funari Filho, Augusto
da Silva Saraiva, Carlos Alberto Ferraz e Silva, Ivo Dall’Acqua Jú-
nior, João Pereira Góes, José Santino de Lira Filho, Juljan Dieter
Czapski, Luciano Figliolia, Manuel Henrique Farias Ramos, Mauro
Mendes Garcia, Orlando Rodrigues, Paulo Fernandes Lucânia,
Pedro Labate, Ursula Ruth Margarethe Heinrich. Suplentes: Airton
Salvador Pellegrino, Alcides Bogus, Amadeu Castanheira, Dauto
Barbosa de Sousa, Fernando Soranz, Israel Guinsburg, João Herrera
Conselho Martins, Jorge Sarhan Salomão, José Maria de Faria, José Rocha
Regional do Clemente, Ramez Gabriel, Roberto Mário Perosa Júnior, Walace
SESC Garroux Sampaio. Representantes junto ao Conselho Nacional.
Efetivos: Abram Szajman, Aurélio Mendes de Oliveira, Raul Coci-
de São Paulo
to. Suplentes: Olivier Mauro Viteli Carvalho, Sebastião Paulino da
Costa, Manoel José Vieira de Moraes. Diretor do Departamento
Presidente Regional: Danilo Santos de Miranda.
Abram Szajman

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