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A emancipação da mulher e a luta

africana pela liberdade


Thomas Sankara

Este texto é um discurso de Thomas Sankara


durante um comício de mulheres realizado
em Ugadugu, capital de Burkina Faso em
comemoração ao dia internacional da mulher
em 8 de março de 1987

Tradução do espanhol para o português feita por Caio Sad


Editora PATHFINDER
A revolução não pode triunfar sem a emancipação
da mulher
Não é comum que um homem se dirija a tantas e tantas mulheres de uma vez. É
menos comum ainda que um homem fale a tantas mulheres de uma vez as batalhas que
terão que lutar. O homem experimenta pela primeira vez a timidez no instante em que se dá
conta de que está frente a uma mulher. Portanto, camaradas militantes, compreenderão
que, apesar de toda a alegria e o prazer que tenho de falar a vocês, ainda sou um homem
que vê em cada uma de vocês a mãe, a irmã ou a esposa.
Desejo também que nossas irmãs aqui presentes, que vieram de Kadiogo, e que
não entendem o Francês - língua estrangeira na qual vou pronunciar o discurso -, sejam
compreensivas conosco, como sempre foram, já que são elas como nossas mães, que
aceitaram nos levar em seus ventres durante nove meses sem se queixar.
Camaradas, a noite de 4 de agosto deu a luz a um grande acontecimento para o
povo de Burkina Faso. A nosso povo se deu um nome e a nosso país um horizonte.
Preenchidos com a seiva vivificante da liberdade, os homens de Burkina Faso, os
humilhados e foras-da-lei de ontem, receberam o que é mais precioso no mundo: a
dignidade e a honra. Desde esse momento, a felicidade se tornou acessível e a cada dia
marchamos a ela, perfumados pelas lutas, prelúdios que atestam os grandes passos que já
demos. Porém, a felicidade egoísta não é mais do que uma ilusão e nos falta algo
importante: a mulher. A mulher foi excluída deste alegre cortejo.
Se os homens já chegaram à beira deste imenso jardim que é a revolução, as
mulheres estão, no entanto, confinadas a uma obscuridades despersonalizante, limitadas a
gritar ou sussurrar as experiências que atravessam Burkina Faso, e que neste momento,
para elas, não são mais que clamores. As promessas da revolução já são uma realidade
para os homens. Para as mulheres, ao contrário, não passam de rumores. Porém, delas
depende a verdade e o futuro da nossa revolução.
Estas são questões vitais, são questões essenciais, porque nada completo, nada
decisivo, nada duradouro poderá ser feito em nosso país enquanto, a esta parte importante
de nós mesmos, se mantenha essa condição de submissão imposta durante séculos pelos
diferentes sistemas de exploração.
Daqui em diante, os homens e as mulheres de Burkina Faso deverão modificar
profundamente a imagem que fazem de si mesmos, dentro de uma sociedade que, não
somente estabelece relações sociais novas, mas que provoca uma mudança cultural ao
transformar as relações de poder entre homens e mulheres e ao obrigar que uns e outros
reconsiderem a natureza de cada um.
Essa é uma tarefa formidável mas necessária, pois se trata de conquistar que nossa
revolução alcance toda a sua dimensão, liberte todas as suas possibilidades e revele seu
verdadeiro significado através destas relações imediatas, naturais, necessárias necessárias
do homem e da mulher, que constituem as relações mais naturais entre um ser humano e
outro. Isso colocará em evidência até que ponto o comportamento natural do homem se faz
humano e até que ponto sua natureza humana constitui sua verdadeira natureza.
Este ser humano, conglomerado vasto e complexo de sofrimentos e alegrias, de
solidão e abandono, e ainda assim, berço criador da imensa humanidade; este ser sofrido,
frustrado e humilhado,e porém, fonte inesgotável de felicidade para cada um de nós, berço
incomparável de afeto, fomento dos atos de valor mais inesperados, este ser que se tem
como débil mas que é uma incrível força inspiradora de caminhos que levam à honra. Este
ser, verdade carnal e certeza espiritual, está aqui, mulheres, são vocês! Vocês, canções de
ninar e companheiras de nossa vida, camaradas em nossa luta e que, por isso, é justo que
tenham um plano de igualdade para compartilharem a festa das vitórias da revolução.
É sob essa luz que todos nós, homens e mulheres, devemos definir e afirmar o
papel e o lugar da mulher na sociedade. Portanto, devemos restituir ao homem sua
verdadeira imagem, fazendo com que o reino da liberdade triunfe acima das diferenças
naturais, graças à liquidação de todos os sistemas hipócritas que consolidam a cínica
exploração da mulher.
Em outras palavras, colocar a questão da mulher na sociedade de Burkina Faso de
hoje, significa abolir o sistema de escravidão a que está submetida por milhares de anos.
Antes de mais nada, é necessário compreender como funciona este sistema, captar sua
verdadeira natureza e todas suas suas sutilezas, para logo pôr em marcha um plano que
conduza à emancipação total da mulher.
Dito de outra forma, para ganhar um combate que é comum ao homem e à mulher, é
necessário conhecer todos os aspectos da questão feminina, tanto em escala nacional
como universal, e compreender como, hoje em dia, o combate da mulher de Burkina Faso
se incorpora ao combate universal de todas as mulheres, e, o que é mais importante, ao
combate pela recuperação total de nosso continente. A situação da mulher é, portanto, o
centro de toda a questão humana aqui, ali, por todas as partes É uma questão que tem
caráter universal.

A luta de classes e a condição da mulher no mundo.

Não há dúvidas de que estamos em dívida com o materialismo dialético por haver
projetado a luz mais poderosa sobre os problemas da situação da mulher, uma luz que nos
permite delimitar o problema da mulher dentro de um sistema generalizado de exploração.
O materialismo dialético define a sociedade humana, não como algo natural e imutável, mas
sim como contrária à natureza.
A humanidade não se submete passivamente ao poder da natureza. Toma o
controle deste poder. Esta tomada de controle não é uma operação interior e subjetiva.
Acontece objetivamente na prática, se a mulher deixa de ser considerada como um simples
organismo sexual e se toma consciência, além de suas funções biológicas, de seu valor na
ação. E mais, a consciência que a mulher adquire de si mesma não se define somente por
sua sexualidade. Reflete uma situação que depende da estrutura econômica da sociedade,
estrutura que traduz o grau de evolução técnica e de relações entre as classes que a
humanidade alcançou.
A importância do materialismo dialético reside em ter superado as limitações
essenciais da biologia, de haver fugido das teses simplistas sobre a a escravidão da
espécie humana ante a natureza, para colocar todos os acontecimentos dentro de um
contexto econômico e social.
Também, ao remontarmos à história humana, veremos que o domínio da natureza
pelo homem jamais se deu de forma direta, através apenas de seu corpo. A mão, com seu
polegar opositor, se estende através da ferramenta que multiplica seu poder. Não são,
portanto, apenas as características físicas - a musculatura, o parto, por exemplo - que
definiram a desigualdade entre a condição da mulher e do homem. Tampouco foi a
evolução tecnológica em si. Em alguns casos, e em certas partes do mundo, a mulher
conseguiu anular a diferença física que a separa do homem.
Foi a passagem de uma forma de sociedade a outra que serviu para justificar a
institucionalização desta desigualdade. Uma desigualdade produzida pela nossa mente
mente e pela nossa inteligência para a dominação e a exploração, refletidas e vividas nas
funções e papéis sociais que temos relegado à mulher desde então. A maternidade, a
obrigação social de se ajustarem aos padrões de beleza impostos pelos homens, impedem
que a mulher, que assim desejar, desenvolva a chamada musculatura masculina.
Durante milênios, do paleolítico à idade do bronze, as relações entre os sexos
foram, de acordo com os paleontólogos mais qualificados, de complementaridade positiva.
Este tipo de relações durou oito milênios, baseada na cooperação e interação, e não na
exclusão da mulher, própria de um patriarcado absoluto que se generalizou mais ou menos
durante essa época histórica.
Friedrich Engels, não só traçou a evolução da tecnologia mas também da escravidão
histórica da mulher que nasce com a apropriação da propriedade privada, em razão da
passagem de um modo de produção a outro e de uma organização social a outra.
Com o trabalho intensivo para desmontar os bosques, cultivar a terra, tirar a máxima
vantagem da natureza, se desenvolve o princípio da divisão do trabalho. O individualismo, a
preguiça, a indolência, em suma, a ideia de extrair o maior benefício com o menor esforço,
surge do mais profundo do homem e se transforma em princípio.
A ternura protetora da mulher com a sua família e o clã, transforma-se em uma
armadilha que a sujeita à dominação do homem. A inocência e a generosidade tornam-se
vítimas da dissimulação e dos cálculos inescrupulosos. Se ridiculariza o amor. Se mancha a
dignidade. Todos os sentimentos verdadeiros se transformam em objeto de barganha.
Desde esse momento, o sentimento de hospitalidade e companheirismo das mulheres
sucumbe ante a armadilha e o engano.
Ainda que consciente dessa traição, que lhe impõe uma divisão desigual das tarefas,
ela, a mulher, segue o homem a fim de cuidar e criar de tudo o que ama. O homem explora
ao máximo a abnegação da mulher. Mais adiante, o gérmen dessa exploração criminosa
estabelece normas sociais artroses, que vão além das conceções conscientes da mulher
historicamente traída.
A humanidade conhece a escravidão com a propriedade privada. O homem, amo de
seus escravos e da terra, passa também a ser proprietário da mulher. Esta, consiste na
grande derrota histórica do sexo feminino. A raíz dos novos modos de produção e de uma
revolução nos meios de produção se encontra nas grandes transformações na divisão do
trabalho.
É então que o direito paternal substitui o direito maternal. A transmissão da
propriedade se faz de pai a filho, e não, como anteriormente, da mulher a seu clã. Aparece
a família patriarcal fundada sobre a propriedade pessoal e única do pai, que se tornou chefe
de família. Nesta família, a mulher é oprimida. Rei e soberano, o homem sacia seus desejos
sexuais com as escravas e prostitutas. As mulheres se transformam em seu saque e sua
mercadoria. O homem ganha com a força de trabalho e a diversidade de prazeres que elas
lhe proporcionam.
Por sua parte, assim que o amo lhes dá oportunidade, as mulheres se vingam com a
infidelidade. Assim, o casamento se complementa, de maneira natural, com o adultério. É a
única defesa da mulher contra a escravidão doméstica a que é submetida. A opressão
social é aqui a expressão da opressão econômica.
Em um ciclo de violência como esse, a desigualdade não terá fim, se não com a
chegada de uma nova sociedade, ou seja, até que homens e mulheres gozem dos mesmo
direitos sociais, como resultado de uma transformação de sentimento. Sua ternura, o amor
à família, a meticulosidade com a qual a mulher realiza o seu trabalho, são usados contra
ela: tudo é utilizado contra ela enquanto ela cuida das debilidades que eventualmente
tenha.
Assim, através das épocas e dos diversos tipos de sociedade, a mulher suportou um
triste destino: o da desigualdade de gênero constantemente reforçada. Apesar de ter se
manifestado com características e perfis diversos, esta desigualdade não deixou de ser a
mesma.
Na sociedade escravista, o homem escravo era considerado como um animal, um
meio de produção de bens e serviços. A mulher, independentemente da sua posição, era
subjugada no seio da sua própria classe e fora desta, o mesmo acontecia com as mulheres
das classes exploradoras. Na sociedade feudal, baseado na suposta debilidade física ou
psicológica das mulheres, elas foram confinadas a uma dependência absoluta do homem.
Considerada frequentemente como objeto sujo ou como agente primário de atrevimento, à
mulher - salvo raras exceções - era negado o acesso aos lugares de devoção. Na
sociedade capitalista, a mulher, além de ser perseguida moral e socialmente, é também
dominada economicamente. Mantida pelo homem quando deixa de trabalhar, é então que
ela se mata de trabalhar. É impossível demonstrar com suficiente clareza a miséria que a
mulher vive, nem tampouco mostrar o quanto ela é solidária com a miséria de todo o
proletariado.

O caráter específico da opressão da mulher


Solidária com o homem explorado, isso é a mulher. Não obstante, a exploração
social à qual homens e mulheres são vítimas e que os liga historicamente, não deve fazer
com que percamos de vista a realidade específica da exploração feminina. A condição da
mulher vai além dos fatores econômicos devido à singularidade da opressão da qual é
objeto. O caráter específico desta opressão não se explica somente estabelecendo
paralelos e caindo em reduções simplistas e infantis.
Sem dúvida, sob um sistema de exploração, a mulher e o operário estão
condenados ao silêncio. Porém, dentro do sistema atual, a mulher do operário é condenada
também ao silêncio imposto por seu marido-operário. Em outras palavras, além da
exploração de classe que lhes é comum, a mulher enfrenta ainda suas relações singulares
com o homem, relações de oposição e violência que para se imporem usam o pretexto das
diferenças físicas.
Há que se reconhecer que as diferenças entre os sexos é uma característica da
sociedade humana. Esta diferença determina relações particulares que nos impedem de
considerar a mulher, mesmo que participe da produção econômica, como uma simples
trabalhadora. A existência de relações de privilégio, relações perigosas para a mulher,
fazem com que a questão feminina se coloque sempre como um problema.
O homem se aproveita da complexidade destas relações para plantar confusão entre
as mulheres e tirar proveito de todas as características da exploração de classes para
manter sua dominação sobre elas. Este é o mesmo método que, em outros lugares, o
homem usou para dominar outros homens, impondo a ideia de que em virtude da origem da
família e do local de nascimento, ou do direito divino, certos homens eram superiores a
outros. Assim se origina o regime feudal. Da mesma maneira, em outras partes, alguns
homens conseguiram dominar povos inteiros, usando como justificativa, supostamente
científica, a origem e a cor da pele daqueles que tiveram a desgraça de nascer de outra cor.
Este é o regime colonial. Este é o apartheid.
Não podemos ignorar a situação das mulheres, porque é o que leva as melhores
delas a embarcarem na guerra dos sexos, quando o que é necessário é uma guerra de clãs
e de classes, e fazê-la juntos, simplesmente. Mas se deve admitir que é a atitude dos
homens que torna possível tal ofuscação, que justifica os mais audazes argumentos do
feminismo, muitos dos quais certamente foram úteis no combate que homens e mulheres
travam contra a opressão. É um combate que podemos ganhar, que venceremos se
compreendermos nossa complementaridade, se reconhecermos que somos necessários e
complementares, se soubermos, em suma, que estamos condenados a sermos
complementares.
Por ora, somos obrigados a reconhecer que o comportamento masculino - cheio de
vaidades, irresponsabilidades, arrogâncias e violências de todo o tipo contra a mulher -
dificilmente pode desembocar em uma ação coordenada contra a opressão feminina. E o
que dizer dessas atitudes que chegam ao cúmulo da loucura e que, na realidade, só servem
de válvula de escape para os homens oprimidos que esperam que mediante a brutalidade
contra suas mulheres possam recuperar para si mesmos a dignidade humana que o
sistema de exploração lhes nega. Essa loucura masculina se chama sexismo ou machismo:
todas as formas de indigência intelectual e moral, inclusive a impotência física mais ou
menos declarada, com frequência obrigam a que as mulheres politicamente conscientes
considerem um dever e uma necessidade lutar em duas frentes.
A fim de lutar e vencer, a mulher deve identificar-se com as camadas e classes
sociais oprimidas: os operários, os camponeses e demais. Um homem, por mais oprimido
que seja, encontra outro ser a quem oprimir: sua mulher. Isso é uma terrível realidade.
Quando falamos do vil sistema do apartheid, nossos pensamentos e emoções se voltam
aos negros explorados e oprimidos. Porém, desgraçadamente nos esquecemos da mulher
negra que aguenta seu marido, este homem que, armado de seu passbook (passaporte
interno) se permite desvios condenáveis antes de voltar a ela, quem o esperou dignamente
em meio ao sofrimento e à miséria. Pensemos também na mulher branca da África do Sul,
aristocrata, sem dúvidas cheia de bens materiais, mas desafortunadamente é uma máquina
de prazer de homens brancos perversos que já não podem esquecer seus terríveis crimes
cometidos contra os negros se não com a bebedeira desregrada e pervertida de relações
sexuais bestiais.
Ademais, não faltam exemplos de homens, mesmo que progressistas, que vivem
alegremente no adultério, mas que estariam dispostos a assassinar sua mulher pela mera
suspeita de infidelidade. Numerosos são os casos entre nós de homens que buscam um
suposto consolo nos braços de prostitutas e meretrizes de todo tipo. Sem esquecer dos
maridos irresponsáveis cujos salários só servem para entreter suas amantes e enriquecer
os cofres dos locais de consumo de bebidas.
E que opinião não podemos formar destes homenzinhos, também progressistas, que
se reúnem em locais de libertinagem para falar das mulheres de quem abusam. Creem que
desta maneira demonstram sua hombridade e humilham aqueles cujas mulheres seduziram.
Na realidade, esses homens são desprezíveis e insignificantes e não perderíamos nada ao
ignorá-los se não fosse porque a sua conduta de delinquentes atenta contra a dignidade e a
moral de mulheres de grande valor que seriam extremamente úteis a nossa revolução.
E surgem esses militantes mais ou menos revolucionários - muito menos
revolucionários do que mais - que não aceitam que suas esposas militem ou que o aceitam,
mas de dia, apenas de dia; que castigam suas mulheres se se ausentam para participarem
de reuniões ou manifestações de noite. Ah, esses desconfiados, esses ciumentos! Que
pobreza de espírito e que compromisso condicional limitado! Uma mulher decepcionada e
decidida só pode enganar seu marido durante a noite? E que tipo de compromisso político
se espera de quem a militância se suspenda ao cair da tarde para recuperar seus direitos e
deveres somente ao nascer do sol!
E finalmente, o que devemos pensar de certas opiniões na boca de militantes, os
quais mais revolucionários, à respeito das mulheres? Opiniões como “depreciavelmente
materialistas”, “aproveitadoras”, “comediantes”, “mentirosas”, “fofoqueiras”, “intriguistas”,
“ciumentas”, etc, etc. Pode ser que tudo isso seja certo sobre as mulheres. Mas certamente
também é certo sobre os homens.
Nossa sociedade poderia prejudicá-la menos, se constantemente oprime as
mulheres, as exclui de tudo o que se suponha ser sério, decisivo, isto é, tudo o que esteja
acima das relações subalternas e mesquinhas?
Quando um ser está condenado, como estão as mulheres, a esperar seu marido
para lhe alimentar e receber dele a autorização de falar e viver, que outra coisa lhe resta, a
fim de manter-se ocupado e criar a ilusão de que é útil e importante, além dos olhares, as
fofocas, os sussurros, as brigas, os olhares enviesados ​e invejosos, seguidos de fofocas
sobre o flerte de outras pessoas e sobre suas vidas privadas? As mesmas atitudes se
encontram entre os homens, quando estão nas mesmas condições.
Igualmente dizemos das mulheres que são esquecidas, que tem a cabeça nas
nuvens. Mas não nos esqueçamos jamais que quando a vida inteira se vê controlada,
atormentada por um esposo frívolo, um marido infiel e irresponsável, pelos filhos e seus
problemas, oprimida, enfim, por servir à toda a família, a mulher nessas condições não pode
ter mais do que olhos abatidos que reflitam confusão e distração. O esquecimento se
transforma para ela em antídoto para o sofrimento, um atenuante à dureza da existência,
uma proteção vital.
Mas homens esquecidos também existem em grande quantidade. Uns se esquecem
com o álcool e as drogas, outros com as diversas formas de perversidade das quais se
absorvem ao longo de suas vidas. Porém, ninguém disse jamais que os homens são
esquecidos. Que vaidade! Que banalidades! Banalidades com as quais se dissimulam as
debilidades do universo masculino. Porque, dentro de uma sociedade de exploração, o
universo masculino precisa de mulheres prostituídas, as quais se mancha e sacrifica depois
de usá-las ante o altar da prosperidade de um sistema de enganos e furtos, e as utiliza
como bode expiatório.
A prostituição não é mais do que a quintessência de uma sociedade onde a
exploração é regra. É símbolo do desprezo que o homem tem pela mulher. Esta mulher que
não é mais do que a imagem dolorosa da mãe, da irmã ou da esposa de outros homens, e
portanto de cada um de nós. De fato, representa o desprezo inconsciente que sentimos por
nós mesmos. Enquanto existam “prostituidores” e cafetões continuarão havendo prostitutas.
Mas quem são os que procuram as prostitutas?
Em primeiro lugar, os maridos que desejam manter a pureza de suas esposas e
descarregam sobre a prostituta suas indecências e desejos depravados. Isso lhes permite
manter um aparente respeito pelas suas esposas, descarregando sua verdadeira natureza
nas mulheres da chamada vida alegre. De modo que, no plano moral, a prostituição é uma
contrapartida ao matrimônio. Parece que os ritos e costumes, as religiões e a moral sabem
como se adaptarem. Isso é ao que os padres da igreja se referem quando dizem, “os
esgotos são necessários para garantir a limpeza do palácio.”
Logo vem os libertinos obstinados e desregrados que tem medo de assumir a
responsabilidade de um lar com todos os seus altos e baixos e que fogem dos deveres
morais e materiais da paternidade. Estes, então, aproveitam a direção discreta de um bordel
como uma mina preciosa de relações sem consequências.
Existe, além disso, uma multidão daqueles que, ao menos publicamente e nos
lugares apropriados, condenam a mulher à desgraça: seja por um rancor que não puderam
ou não tiveram a coragem de superar, e que lhes fez perder a confiança em todas as
mulheres, a quem declaram então “instrumentos diabólicos”; ou bem igualmente por
hipocrisia, por haver proclamado frequente e decididamente seu desprezo pelo sexo
feminino, desprezo que eles se esforçam para assumir aos olhos da sociedade, da qual,
pela força, obtém admiração com base em uma falsa virtude. Entretanto, noite após noite,
frequentam os prostíbulos até que, às vezes, se descobre sua hipocrisia.
Existe ainda, a fragilidade do homem que busca por situações poliândricas. Longe
de nós querer estabelecer juízos de valor sobre a poliandria, que em certas civilizações foi a
forma dominante nas relações entre o homem e a mulher. Porém, no caso que
denunciamos, evitamos os bandos de gigolôs gananciosos e preguiçosos mantidos na boa
vida por senhoras ricas.
Dentro desse mesmo sistema - falando no plano econômico -, a prostituição pode
incluir tanto a prostituta como a mulher casada por interesse. A única diferença entre a
mulher que vende seu corpo na prostituição e aquela que se vende no casamento é o preço
e a duração do contrato.
Portanto, ao tolera a existência da prostituição, rebaixamos todas as mulheres a
uma mesma categoria: prostitutas ou esposas. A única diferença é que a esposa legítima,
embora também seja oprimida, pelo menos recebe o selo de dignidade que lhe confere o
casamento. Enquanto à prostituta, só sobra o valor mercantil de seu corpo, valor que varia
de acordo com o que decidem os homens.
Por acaso não é ela uma mercadoria que se valoriza ou desvaloriza de acordo com
o grau em que murcham seus encantos? Por acaso esta mercadoria não é regida pela lei
da oferta e da demanda? A prostituição constitui a essência trágica e dolorosa de todas as
formas de escravidão feminina.
Como consequência, em cada prostituta devemos ver um dedo acusador que
denuncia toda a sociedade. Cada cafetão, cada sócio da prostituição, coloca o dedo nesta
ferida infeccionada e aberta que desfigura o mundo do homem e o conduz à ruína. Portanto,
ao combater a prostituição, ao extender uma mão de salvação à prostituta, estamos
salvando nossas mães, nossas irmãs e nossas esposas desta doença social. Salvamos a
nós mesmos. Salvamos o mundo.

A condição da mulher em Burkina Faso


Enquanto a sociedade considera um menino que nasce como um “presente de
Deus”, o nascimento de uma menina é recebido, se não como um problema, no melhor dos
casos como um presente que servirá para produzir alimentos e para reproduzir a espécie
humana.
O garotinho logo aprenderá a pedir e conseguir, a mandar e ser servido, a desejar e
a tomar, a decidir sem que seja contradito. À futura mulher, pelo contrário, a sociedade
como um homem - e “como um homem” é o termo apropriado - lhe assesta golpe atrás de
golpe, inculcando-lhe normas sem sentido. Camisas de força psicológicas criam nela um
espírito de alienação pessoal, desenvolvendo nesta criatura a preocupação de ser protegida
e a predisposição a estabelecer alianças tutelares e negócios matrimoniais. Que golpe
mental mais monstruoso!
Desta maneira, criança sem infância, a menina, à partir dos 3 anos, deverá assumir
o seu motivo de ser: ​servir, ser útil.​ Enquanto o seu irmão de 4, 5 ou 6 anos brinca até o
cansaço ou aborrecimento, ela é incorporada, sem nenhuma consideração, ao processo de
produção. Ela já tem um ofício: assistente de dona de casa. Uma ocupação certamente não
remunerada, a tal ponto que, ao nos referimos a uma dona de casa é comum dizer que ela
“não faz nada”. Por acaso não escrevemos nos documentos de identidade das mulheres
que não recebem remuneração as palavras “dona de casa”, para indicar que elas não estão
empregadas, que elas “não trabalham”? Com a ajuda de ritos e obrigações de submissão,
nossas irmãs se tornam mais e mais dependentes, mais e mais dominadas, mais e mais
exploradas e com menos e menos ócio e tempo livre.
Enquanto o rapaz encontrará em seu caminho ocasiões para desenvolver-se e
assumir as rédeas da sua vida, a camisa de força social vai apertando cada vez mais a
jovem em cada etapa da sua vida. Por ter nascido mulher, ela pagará um grande tributo
durante a sua vida, até o momento em que o peso de seu trabalho e os efeitos de sua
entrega - física e mental - lhe conduzam ao dia do descanso eterno. Um agente de
produção ao lado de sua mãe - desde esse momento mais sua patroa do que sua
progenitora -, à menina nunca é permitido que se sente sem ter feito nada, à ela nunca se
permite ficar brincando até cansar como o seu irmão.
Pra onde quer que olhemos - desde a planície central do nordeste, onde
predominam sociedades de poder fortemente centralizados, ou no oeste onde existem
comunidades rurais com o poder descentralizado, ou em sudoeste, território das
coletividades segmentadas - a organização social tradicional apresenta pelo menos um
ponto em comum: a subordinação das mulheres. Neste âmbito, em nossas 8 mil aldeias, em
nossas 600 mil parcelas de terra e em nossas mais de 1 milhão de casas, se observam
comportamentos idênticos ou similares. Aqui e ali, a forma de organização social, definida
pelos homens, requer a submissão das mulheres e a subordinação dos menores.
Nossa sociedade - ainda muito primitivamente agrária, patriarcal e poligâmica - faz
da mulher um objeto de exploração por sua força de trabalho e um objeto de consumo por
sua função de reprodução biológica
Como a mulher consegue viver dentro desta dupla identidade tão peculiar: de ser o
ponto fundamental que vincula todos os membros de sua família e que garante com a sua
presença e sua atenção a unidade da mesma; e de ser marginalizada e ignorada? É uma
verdadeira condição híbrida, onde o ostracismo imposto só se equipara à estóica resistência
da mulher. Para viver em harmonia com a sociedade dos homens, para se conformar com o
que os homens determinam, a mulher se resigna a um silêncio absoluto degradante,
negativista, a seu próprio sacrifício.
Mulher, fonte de vida e ao mesmo tempo objeto. Mãe, e ao mesmo tempo
empregada doméstica. Mulher que nutre, e ao mesmo tempo excluída. Sujeita ao trabalho
pesado dos campos e o trabalho gratuito em casa e, ainda assim, figurante sem rosto nem
voz. Mulher articulação, mulher encruzilhada e ao mesmo tempo, mulher em correntes.
Mulher sombra da sombra do homem.
Ela é o pilar do bem estar da família, parteira, lavadeira, varredeira, cozinheira,
mensageira, dona de casa, agricultora, curandeira, jardineira, moleira, vendedora, operária.
É uma força de trabalho com ferramentas antiquadas, trabalhando milhares de horas para
obter um rendimento desesperador.
Estando já em quatro frentes de combate - contra a enfermidade, a fome, a pobreza
e a degeneração -, nossas irmãs resistem todos os dias à pressão de mudanças sobre as
quais não tem nenhum controle. Para cada um dos 800 mil homens que emigram a outros
países, cada mulher assume uma carga de trabalho adicional. Portanto, os 2 milhões de
burkinabes que residem fora do território nacional contribuíram para agravar o desequilíbrio
entre o número de homens e mulheres, o que faz com que hoje as mulheres constituam
51,7% da população total. Da população potencialmente ativa, elas são 52,1%.
Atarefada demais para dedicar a atenção desejada a seus filhos, cansada demais
para pensar em si mesma, a mulher continua trabalhando como escrava: roda da fortuna,
roda de fricção, roda motriz, roda de reposição, roda gigante. Torturadas na roda e
martirizadas, as mulheres, nossas irmãs e esposas, pagam por ter dado a vida. Socialmente
relegada a um terceiro lugar, depois do homem e do filho, ela paga por sustentar a vida.
Também ela é mantida, como o terceiro mundo, no atraso para que seja possível dominá-la
e explorá-la.
É dominada e transferida de uma tutela protetora que a explora a uma tutela
dominadora que a explora mais ainda. É a primeira no trabalho e a última no descanso. É a
primeira a ir atrás de água e lenha, para o fogo, mas a última a matar sua sede. Autorizada
a comer somente se sobrar e depois do homem. Pedra chave da família que carrega em
seus ombros, em suas mãos e no seu ventre a família e a sociedade, a mulher recebe em
troca ideologías de origem opressivas, tabus, restrições alimentares, trabalho demais,
desnutrição, gravidezes perigosas, despersonalização e um infinito de males que fazem da
mortalidade materna uma das manchas mais intoleráveis, mais indescritíveis e mais
vergonhosas de nossa sociedade.
Sobre este substrato alienante, a invasão dos predadores vindo de longe
contribuíram para fomentar o isolamento das mulheres e piorar a sua, já precária, condição.
A euforia da independência esqueceu a mulher em um leito de desejos frustrados.
Segregada nas deliberações, ausente das decisões, vulnerável (portanto vítima favorita),
segue submetida à família e à sociedade. O capital e a burocracia contribuíram para manter
a mulher subjugada. O imperialismo fez o resto.
Com um nível de escolaridade duas vezes inferior ao dos homens - 99% são
analfabetas, têm pouca formação nos ofícios -, discriminadas nos empregos e limitadas a
funções subalternas, as primeiras a serem atacadas e demitidas, submetidas ao peso de
cem tradições e mil desculpas, as mulheres seguiram superando esses revezes
incessantes. Devem seguir ativas, custe o que custar, para os filhos, para a família e para a
sociedade. Através de mil noites sem descanso.
O capitalismo precisa do algodão, a noz de karité e o sésamo para suas indústrias.
E são as mulheres, nossas mães, as encarregadas, além das tarefas que já realizam, da
colheita desses produtos. Nas cidades, onde supostamente existe a civilização
emancipadora da mulher, se vê obrigada decorar as salas de estar da burguesia, a vender
seu corpo para viver ou a servir de isca comercial nas produções publicitárias.
Não há dúvidas de que no plano material, as mulheres da pequena burguesia das
cidades vivem melhor do que as mulheres camponesas. Mas, são elas mais livres, mais
emancipadas, mais respeitadas, têm mais responsabilidades? Mais do que fazer uma
pergunta, tem que se fazer uma afirmação para avançar.
Ficam ainda, muitos problemas por resolver. Seja tratando-se de empregos ou
acesso à educação, da condição da mulher de acordo com as leis ou da vida concreta
cotidiana, a mulher burkinabe ainda vai à retaguarda do homem ao invés de marchar junto a
ele.
Os regimes políticos neocoloniais que se sucederam no poder em Burkina Faso não
tiveram mais do que um enfoque burguês sobre a questão da emancipação da mulher, que
não é mais do que uma ilusão de liberdade e dignidade. Só algumas mulheres da pequena
burguesia das cidades se interessaram pela política da moda da condição feminina, ou
melhor dito, por um feminismo primitivo que reivindica para a mulher um direito de ser
masculina. Portanto, a criação de um Ministério da Condição da Mulher foi coroada como
uma vitória.
Mas se tinha realmente consciência da condição das mulheres? Se tinha
consciência de que a condição das mulheres é a condição de 52% da população
burkinabe? Se sabia que esta condição é determinada pelas estruturas sociais, políticas e
econômicas e pelas concepções retrógradas dominantes? E que, em consequência,a
transformação da dita condição não acontecerá apenas pela criação de um ministério, ainda
que este seja dirigido por uma mulher?
Isso é tão certo que, apesar de vários anos de existência deste ministério, as
mulheres de Burkina Faso podem constatar que nada mudou em sua condição. E não
poderia ser diferente, visto que o enfoque da questão da libertação da mulher que conduziu
à criação do ministério se recusou a ver e pôr em evidência - enfim, ter em conta -, as
verdadeiras causas da dominação e exploração da mulher. Assim, não devemos nos
surpreender que, apesar da existência deste ministério, a prostituição cresceu, o acesso
das mulheres à educação e ao emprego não melhoraram, os direitos civis e políticos das
mulheres seguem sendo ignorados, que as condições de vida das mulheres na cidade e no
campo não melhoraram em absoluto.
Mulher sem valor, mulher excluída politicamente no governo, mulher cabo eleitoral
nas eleições, mulher robô na cozinha, mulher frustrada pela resignação e as inibições
impostas a ela apesar de sua força de vontade! Qualquer que seja seu lugar no espectro da
dor, seja no estilo urbano ou rural de sofrer, ela sempre sofre.
Mas uma só noite colocou a mulher no coração do boom familiar e no centro da
solidariedade nacional. Portadora de liberdade, a aurora que sucedeu a noite do dia 4 de
agosto de 1983 fez um chamado para que marchássemos juntos, como iguais, solidários e
complementares, lado a lado, como um só povo. A revolução de agosto encontrou a mulher
burkinabe em um estado de subjugação, explorada por uma sociedade neocolonial
fortemente influenciada pela ideologia de forças retrógradas. Teve que romper com essa
política reacionária, defendida e seguida até então, a respeito da emancipação da mulher, e
definir de forma clara uma política nova, justa e revolucionária.

Nossa revolução e a emancipação da mulher


2 de outubro de 1983, o Conselho Nacional da Revolução anunciou claramente em
seu Discurso de Orientação Política qual seria o eixo principal no combate pela libertação
da mulher. O conselho se comprometeu a trabalhar para a mobilização, organização e
união de todas as forças vivas da nação… e da mulher em particular.
A respeito da mulher, o Discurso de Orientação Política precisa: “A mulher se
integrará a todas as batalhas que temos de empreender contra os diversos obstáculos da
sociedade neocolonial e pela edificação de uma sociedade nova. Se integrará - em todos os
níveis de concepção, de tomada de decisões e de execução - na organização da vida da
nação inteira. O objetivo final de toda esta grande empresa é construir uma sociedade livre
e próspera onde a mulher seja igual ao homem em todos os aspectos”.
Não pode haver forma mais clara de conceber e anunciar a questão da mulher e a
luta de emancipação que nos espera. “A verdadeira emancipação da mulher é aquela que
lhe confere responsabilidades, lhe vincula às atividades produtivas, aos diferentes combates
que o povo enfrenta. A verdadeira emancipação da mulher é a que une o respeito e a
consideração por parte do homem”.
O que se indica aqui muito claramente, camaradas militantes, é que o combate pela
libertação da mulher é o combate de todas vocês para reforçar a revolução democrática e
popular. Esta revolução, que a partir de agora, lhes dá a palavra e o poder de dizer e
trabalhar a fim de edificar uma sociedade de justiça e igualdade, onde o homem e a mulher
tenham os mesmo direitos e os mesmo deveres. A revolução democrática e popular criou
as condições para este combate libertador. Agora, cabe a vocês trabalhar com a máxima
responsabilidade para, por um lado, romper todas as correntes e obstáculos que
escravizam a mulher nas sociedades atrasadas como a nossa e, por outro lado, assumir a
parte de responsabilidade que lhes é correspondente na política de edificação da sociedade
nova em benefício de África e de toda a humanidade.
Desde as primeiras horas da revolução democrática e popular, dizemos: “A
emancipação, como a liberdade, não se decreta, se conquista. Cabe às mulheres,
impulsionarem suas reivindicações e se mobilizarem para conquistá-las”. Portanto, nossa
revolução não só definiu os objetivos a conquistar em relação à luta pela libertação da
mulher, mas também indicou o caminho a seguir, os métodos a serem utilizados e quem há
de ser protagonista nessa luta.
Há quatro anos homens e mulheres temos trabalhado juntos para conseguir todas
as vitórias e avançar ao objetivo final. Devemos ter consciência das batalhas pelas quais
passamos, dos êxitos conquistados, dos fracassos sofridos e das dificuldades encontradas
a fim de nos prepararmos de antemão e dirigir os combates futuros.
Que obra realizou a revolução democrática e popular pela emancipação da mulher?
Quais são as vantagens e as desvantagens?
Umas das principais conquistas da nossa revolução, no campo da luta pela
emancipação da mulher, foi, sem dúvidas, a criação da União de Mulheres de Burkina
(UFB). A criação desta organização foi uma grande conquista porque deu às mulheres de
nosso país um marco de referência e meios seguros para tocar uma luta vitoriosa. A criação
da UFB é uma grande vitória porque permite a mobilização de todas as mulheres militantes
em torno de objetivos precisos, justos, para o combate libertador, sob a direção do
Conselho Nacional da Revolução.
A UFB é a organização das mulheres militantes e responsáveis, decididas a
trabalhar para transformar, a combater para vencer, a cair e voltar a cair, mas se levantando
sempre para avançar sem retroceder. Esta é a consciência nova que germinou nas
mulheres de Burkina Faso e deve orgulhar a todos nós.
Camaradas militantes, a União de Mulheres de Burkina é sua organização de
combate. A vocês cabe seguir afiando-a para que suas estocadas sejam mais profundas e
possam conseguir um mundo de vitórias.
As diferentes iniciativas que o governo tomou pela emancipação da mulher em
pouco mais de três anos são, ainda, insuficientes. Porém, permitiu traçar o caminho, ao
ponto que nosso país se encontra hoje na vanguarda do combate pela libertação da mulher.
Nossas mulheres participam cada vez mais da tomada de decisões e do exercício real do
poder popular. As mulheres de Burkina Faso estão presentes em todos os lugares onde se
constrói o país. Estão em todas as obras: no [projeto de irrigação do vale do] Sourou, na
reflorestação, nos comandos de vacinação, nas operações por “Cidades Limpas”, na
batalha pelas estradas de ferro, etc.
De maneira progressiva, as mulheres de Burkina Faso botaram o pé na porta e
foram se impondo, derrubando assim todas as ideias machistas e retrógradas dos homens.
E será assim até que a mulher de Burkina Faso esteja presente em toda a trama social e
profissional. Nossa revolução, durante os três anos e meio, trabalhou pela eliminação
progressiva de todas as práticas que contribuem para desvalorizar a mulher, tais como a
prostituição e outras atividades paralelas como a delinquência juvenilfeminina, os
casamentos forçados, a circuncisão feminina e as condições de vida particularmente
penosas em que vive a mulher.
Ao contribuir para resolver de todas as formas o problema da água, ao contribuir
também para instalar moinhos nos povoados, ao popularizar os fogões melhorados, ao criar
creches populares, ao praticar as vacinações periódicas, ao estimular uma alimentação
saudável, abundante e variada, a revolução contribuiu, sem espaço para dúvidas, para
melhorar as condições de vida da mulher burkinabe. Por sua parte, a mulher deve
comprometer-se mais na aplicação das consignas antiimperialistas. Ao produzir e consumir
produtos burkinabes se afirma sempre como um agente econômico de primeira ordem,
como produtora e consumidora de produtos locais.
A revolução de agosto, sem dúvidas, fez muito pela emancipação da mulher, mas
ainda estamos longe de estarmos satisfeitos. Nos resta muito a fazer. E para melhor
conquistar o que nos resta por fazer, devemos estar mais conscientes das dificuldades que
temos pela frente. Os obstáculos e dificuldades são numerosos. Em primeiro lugar está o
analfabetismo e o baixo nível de consciência política, acentuados ambos ainda pela
influência enorme das forças retrógradas em sociedades atrasadas como a nossa.
Devemos trabalhar com perseverança para vencer esses dois obstáculos principais.
Enquanto a mulher não possuir uma clara consciência da justeza do combate político a
realizar e dos meios necessários para cumprir nossa missão, corremos o risco de estagnar
e até mesmo retroceder. Por isso, a União de Mulheres de Burkina deve assumir
plenamente seu papel. As mulheres da UFB devem trabalhar para superar suas próprias
deficiências, para romper com as práticas e comportamentos que sempre se consideraram
próprios da mulher e que desgraçadamente ainda podemos constatar a cada dia nas
expressões e na conduta de muitas delas. Referimo-nos a essas coisas mesquinhas como
os ciúmes, o exibicionismo, as críticas incessantes e gratuitas, negativas e sem princípios, a
difamação mútua, o subjetivismo à flor da pele, as rivalidades, etc. Uma mulher
revolucionária deve vencer este tipo de comportamento que é característico das mulheres
da pequena burguesia. Estes comportamentos atentam contra o trabalho coletivo enquanto,
por sua vez, a luta pela libertação da mulher é um trabalho organizado que requer, em
consequência, a contribuição e a coletividade das mulheres.
Coletivamente devemos zelar sempre para que a mulher tenha acesso ao trabalho:
esse trabalho emancipador e libertador que garante à mulher a independência econômica,
um papel social mais importante e um conhecimento mais preciso e mais completo do
mundo.
Nossa compreensão do poder econômico da mulher deve separar-se da ganância
vulgar ou da avidez pelos bens materiais que transformam certas mulheres em bolsas de
valores especuladoras ou caixas fortes ambulantes. Estas são mulheres que perdem toda a
dignidade, todo o controle e todo o princípio no instante em que se manifesta o brilho das
jóias ou que se sente o cheiro do dinheiro. Desgraçadamente, algumas dessas mulheres
levam seus maridos a excesso de dívidas, inclusive ao peculato e à corrupção. Estas
mulheres são como um pántano perigoso e fétido que atenta contra o fervor revolucionário
dos maridos ou companheiros militantes. Existem casos tristes em que a chama
revolucionária se extinguiu e o marido traiu seu compromisso com a causa do povo em
benefício de uma mulher egoísta e impulsiva, ciumenta e invejosa.
A educação e a emancipação econômica da mulher, se não for bem interpretada e
orientada de maneira útil, pode ser uma fonte de desgraça para a mulher e portanto para a
sociedade. Solicitadas como amantes e esposas nos tempos bons, são abandonadas
quando vem uma crise. O julgamento que se difunde é implacável para elas: à intelectual
“vai mal” e a rica se vê com receio. Ambas são condenadas a uma situação de celibato, o
que não seria grave, se não fosse porque é a expressão de um ostracismo dissimulado que
toda a sociedade exerce contra essas pessoas, vítimas inocentes porque não sabem ao
certo qual é seu “crime” e seu “defeito”, frustradas porque a cada dia se extingue sua
sensibilidade, que se transforma em irritabilidade e melancolia. Para muitas mulheres, a
sabedoria deu decepções e a grande riqueza alimentou os infortúnios.
A solução para estes paradoxos aparentes reside na capacidade que tenham essas
miseráveis mulheres instruídas ou ricas para colocar sua enorme educação e suas grandes
riquezas a serviço de seu povo. Ao fazer isso serão apreciadas por tantas e tantas pessoas
a quem levaram um pouco de felicidade. Como vão sentir-se sozinhas nessas condições?
Como vão conhecer a plenitude sentimental quando do amor de si e para si fizeram o amor
de outros e para outros?
Nossas mulheres não devem retroceder diante dos diversos combates que levam
uma mulher a tomar as rédeas de forma plena, valente e orgulhosa a fim de viver a alegria
de ser ela mesma e não o ser domesticado para o homem. Ainda hoje, para muitas de
nossas mulheres, submeter-se ao abrigo de um homem segue sendo o maior alívio contra o
“que eles chamam” de opressor. Se casam assim, sem amor e sem a alegria de viver, em
benefício exclusivo de um grosseiro, de alguém deprimente que está à margem da vida e
das lutas do povo. Com frequência, algumas mulheres exigem uma independência soberba,
reivindicando ao mesmo tempo ser protegidas, ou o que é pior, que seja colocada sob a
proteção de um homem. Elas acreditam que não é possível viver de outra maneira.
Não! Devemos repetir a nossas irmãs que se o casamento não traz nada de bom à
sociedade e se não lhes dá felicidade, não é indispensável e deve ser evitado. Pelo
contrário, vejamos diariamente o exemplo daquelas pioneiras ousadas e destemidas, que
solteiras, com ou sem filhos, florescem e brilham por si mesmas, transbordando riqueza e
alegria com os demais. São motivo de inveja para as infelizes casadas devido a simpatia
que despertam e a alegria que têm com sua liberdade, sua dignidade e sua dedicação aos
demais.
As mulheres deram provas suficientes de sua capacidade de sustentar uma família,
criar filhos e, em uma palavra, ser responsáveis, sem necessidade de estarem submetidas
a um homem. Nossa sociedade evoluiu o suficiente para acabar com a injusta discriminação
contra a mulher solteira. Nós, revolucionários, devemos trabalhar para que o casamento
seja uma opção que valorize e não uma loteria onde se sabe qual é o custo da aposta mas
não se sabe quem vai ganhar. Os sentimentos são nobres demais para serem derrubados
com golpes lúdicos.
Sem dúvidas, outra dificuldade está na atitude feudal, reacionária e passiva de
muitos homens, que por seu comportamento ficam atrasados. Estes não têm a menor
intenção de abrir mão da dominação que exercem sobre a mulher, tanto em casa quanto na
sociedade em geral. Na luta pela edificação de uma nova sociedade - que é um combate
revolucionário - estes homens, por seu comportamento, se colocam do lado da reação e da
contrarrevolução. Visto que a revolução não pode triunfar sem a verdadeira emancipação
da mulher.
Portanto, camaradas militantes, devemos ter uma clara consciência destas
dificuldades para enfrentar melhor os combates que se avizinham. A mulher, tanto como o
homem, possui qualidades mas também defeitos, e isso, sem dúvidas, prova que a mulher
é igual ao homem. O fato de enfatizarmos deliberadamente as qualidades das mulheres,
não significa que tenhamos uma visão idealista dela. Simplesmente tratamos de destacar
essas qualidades e essas capacidades que o homem e a sociedade sempre ocultaram a fim
de justificar a exploração e a dominação da mulher.

Como devemos nos organizar para acelerar a marcha para a


emancipação?
Apesar dos nossos escassos recursos, o que almejamos é enorme. Nossa vontade
e nossa convicção são firmes para avançar, mas não o suficiente para fazermos nossa
aposta. Devemos concentrar nossas forças, todas as nossas forças, utilizá-las e
coordená-las a fim de ganhar a batalha.
Depois de mais de duas décadas, em nosso país a emancipação foi tema de muitas
discussões; discussões à flor da pele. Hoje em dia é necessário abordar a questão da
emancipação de uma maneira global, sem fugir das nossas responsabilidades, o que
resultou em que não conseguíssemos envolver na luta todas as forças, e fez desta questão
central algo marginal. Assim, também deve-se tomar cuidado ao avançar rápido demais,
deixando para trás aqueles que deveriam estar na primeira fileira (sobretudo as mulheres).
A nível governamental, guiado pelas diretrizes do Conselho Nacional da Revolução,
se porá em vigência um Plano de Ação coerente à favor das mulheres, que envolverá o
conjunto dos departamentos ministeriais, a fim de determinar a responsabilidade de cada
um a curto e médio prazo. Este Plano de Ação, longe de ser um catálogo de desejos
piedosos e outras comiserações, deverá ser uma diretriz de intensificação da ação
revolucionária. Já que é no calor da luta que se obtém as vitórias mais importantes e
decisivas.
Este plano de ação deve ser feito por nós e para nós. Dos nossos debates extensos
e democráticos, deverão sair resoluções audazes que tornem efetiva nossa fé na mulher. O
que é que os homens e as mulheres desejam para as mulheres? Isto é o que incluiremos
em nosso Plano de Ação. Este plano de ação, que envolverá a todos os departamentos
ministeriais, se separará resolutamente da atitude de marginalizar a questão da mulher e
exonerar os responsáveis por esta atitude que, através de sua atividade cotidiana, poderiam
e deveriam contribuir de forma significativa para solucionar o problema.
Este novo enfoque multidimensional da questão da mulher advém de nossa análise
científica de sua origem, de suas causas e sua importância dentro do marco de nosso
projeto de uma sociedade nova, livre de todas as formas de exploração e opressão. Não se
trata aqui de implorar pela aprovação dos que estão à favor da mulher. Se trata de exigir -
em nome da revolução que veio para dar e não para tirar - que se faça justiça pelas
mulheres.
Daqui em diante, a atuação de cada ministério, de cada comitê de administração
ministerial, será julgado, não só pelos resultados globais usuais, mas também pelos
avanços obtidos ao levar a cabo o mencionado Plano de Ação. Com efeito, os resultados
estatísticos necessariamente vão incluir a parte da atividade empreendida que beneficie as
mulheres ou que lhes diga respeito. A questão da mulher deverá estar presente na mente
de todos os que tomem decisões, em todo momento e em todas as fases da concepção e
execução dos planos de desenvolvimento. Conceber um projeto de desenvolvimento sem a
participação das mulheres é como usar apenas quatro dedos quando temos dez. É
caminhar para o fracasso.
No caso dos ministérios encarregados da educação, se zelará para que o acesso
das mulheres à educação seja uma realidade, uma realidade que constitua um passo
qualitativo para sua emancipação. É um fato que, onde quer que a mulher tenha acesso à
educação, a marcha para a sua emancipação seja acelerada. Sair da escuridão da
ignorância permite às mulheres expressar e utilizar as armas do conhecimento para
colocar-se à disposição da sociedade. De Burkina Faso, deve desaparecer o pensamento
ridículo e retrógrado que tratavam a educação dos meninos como a única importante e
rentável, enquanto a educação das meninas não era mais do que um desperdício.
Os pais deverão prestar a mesma atenção à educação das meninas na escola que
prestam a seus filhos, motivo de todo seu orgulho. Porque as mulheres,não só
demonstraram que são iguais aos homens - quando não são melhores -, como também, e
sobretudo, que têm direito à educação para aprender e para saber: para serem livres. Nas
futuras campanhas de alfabetização, o nível de participação das mulheres deverá se elevar
para que corresponda à sua proporção numérica na população; pois seria uma injustiça
imensa manter uma fração tão importante da população - a metade - na ignorância.
Nos casos dos ministérios encarregados do trabalho e da justiça, os textos deverão
se adaptar constantemente às mudanças operadas em nossa sociedade desde 4 de agosto
de 1983, a fim de que a igualdade de direitos entre o homem e a mulher seja uma realidade
tangível. A nova lei trabalhista, em processo de elaboração e debate, deverá ser a
expressão das aspirações profundas de nosso povo pela justiça social e marcar um passo
importante na tarefa de destruição do aparato neocolonial: um aparato de classes que
modelado e forjado pelos regimes reacionários para perpetuar o sistema de opressão das
massas populares, em especial das mulheres.
Como podemos continuar aceitando que, por um mesmo trabalho, a mulher ganhe
menos do que o homem? Como podemos aceitar a existência do levirato​1​ e a redução de
nossas mães e irmãs a uma mera propriedade, a bens vulgares que são objetos de
transações? Existem ainda muitas leis medievais que são impostas ao nosso povo, às
mulheres de nosso povo. É justo, por fim, que se faça justiça.
No caso dos ministérios encarregados da cultura e da família - em estreita
colaboração com a União de Mulheres de Burkina -, se fará um esforço particular para que
surja uma nova mentalidade que reja as relações sociais. Tanto a mãe como a esposa têm,
dentro da revolução, papéis importantes e específicos a desempenhar no marco das
transformações revolucionárias. A educação dos filhos, a administração correta da renda
familiar, a prática da planificação familiar, a criação de um ambiente familiar, o patriotismo,
tudo isso, são atributos importantes que devem contribuir eficazmente para o nascimento de
uma nova moral revolucionária e de um estilo de vida antiimperialista, prelúdio de uma
sociedade nova.
Dentro do lar, a mulher deve fazer um esforço particular para participar na melhora
da qualidade de vida. Como burkinabe, viver bem significa alimentar-se bem e vestir-se bem
com produtos burkinabes. Significa manter sua casa um ambiente limpo e agradável, pois o
impacto deste ambiente é importantíssimo para as relações entre os membros de uma

1
Levirato é quando a viúva se casa com um irmão do defunto, o que se realiza de maneira coagida
de várias formas
mesma família. Uma casa suja e desagradável engendra relações da mesma natureza. Não
precisamos mais do que observar os porcos para nos convencermos disso.
Por outro lado, a transformação das mentalidades será incompleta se a mulher nova
tiver que continuar vivendo com um homem de mentalidade antiga. Onde é mais pernicioso
o complexo de superioridade do homem sobre a mulher e onde é mais decisivo do que no
lar, onde a mãe, cúmplice e culpada, cria seus filhos dentro de um sistema de regras
sexistas e de desigualdade? São essas mulheres que perpetuam os complexos sexuais,
desde o começo da educação e da formação do caráter.
Além disso, para que servirão nossos esforços de mobilizar um militante durante o
dia se à noite ele retorna para a companhia de uma mulher reacionária e desmobilizadora?
E o que dizer das tarefas domésticas, que absorvem e embrutecem quem as
cumpre, tendem a transformar este em um robô, sem permitir nem mesmo o menor respiro
para o pensamento! Por isso, devemos dirigir nossa ação de maneira resoluta entre os
homens,a fim de desenvolver, em grande escala, infraestruturas sociais tais como os
orfanatos, as creches e os restaurantes populares. Isso permitirá que as mulheres
participem com mais facilidade do debate revolucionário, da ação revolucionária. Tanto o
filho rejeitado como fracasso da mãe quanto o que dá orgulho a seu pai deverão ser motivo
de preocupação de toda a sociedade e beneficiários de sua atenção e seu afeto. A partir de
agora, o homem e a mulher deverão dividir todas as tarefas do lar.
O Plano de Ação a favor das mulheres deverá ser uma ferramenta revolucionária
para conquistar a mobilização geral de todas as estruturas políticas e administrativas dentro
do processo de libertação da mulher. Camaradas militantes, lhes repito: para que este plano
supra as necessidades reais das mulheres, ele deverá ser debatido democraticamente em
todos os organismos da UFB.
A UFB é uma organização revolucionária. Como tal, é uma escola de democracia
popular regida pelos princípios organizativos da crítica, autocrítica e o centralismo
democrático. Aspira a diferenciar-se daquelas organizações onde a mistificação se impôs
acima dos objetivos concretos. Mas essa diferenciação não será efetiva nem permanente a
não ser que as militantes da UFB façam uma luta resoluta contra os defeitos que,
lamentavelmente, ainda persistem em certos círculos femininos. Não se trata de agrupar
mulheres para as galerias ou para outros motivos ulteriores demagógicos, eleitoreiros ou
simplesmente repreensíveis.
Trata-se de agrupar as combatentes para obter vitórias. Trata-se de lutar
ordenadamente e em torno de programas e atividades aprovadas democraticamente no
seio de seus comitês, dentro do marco bem entendido da autonomia organizativa própria de
cada estrutura revolucionária. Cada dirigente da UFB deverá estar focada no seu papel
dentro da estrutura que lhe corresponda a fim ser eficaz na ação. Isso exige à União de
Mulheres de Burkina, empreender enormes campanhas de educação política e ideológica
entre suas dirigentes, para fortalecer a organização das estruturas da UFB em todos os
níveis.
Camaradas que militam na UFB, sua união - nossa união - deve participar
ativamente da luta de classes ao lado das massas populares. As milhões de consciências
adormecidas que se despertaram com a chegada da revolução representam uma força
pujante. No dia 4 de agosto de 1983, em Burkina Faso, escolhemos contar apenas com
nossas próprias forças, o que significa, em grande parte, contarmos com a força que vocês,
mulheres, representam. Para serem úteis, todas as suas energias deverão se conjugar para
liquidar as raças de exploradores, a dominação econômica do imperialismo. Como estrutura
de mobilização, a UFB deverá forjar em suas militantes uma consciência política à favor de
um compromisso revolucionário completo ao realizar as diferentes ações empreendidas
pelo governo para melhorar as condições da mulher.
Camaradas da UFB, são as transformações revolucionárias que vão criar as
condições necessárias para a sua libertação. Vocês estão duplamente dominadas, pelo
imperialismo e pelo homem. Em cada homem se esconde um senhor feudal, um machista
que se deve destruir. É imperativo,portanto, que adiram às consignas revolucionárias mais
avançadas para acelerar a concretização e avançar mais rápido à emancipação. É por isso
que o Conselho Nacional da Revolução contempla com alegria a sua intensa participação
em todos os grandes projetos nacionais e estimula a ir cada vez mais longe, a dar um apoio
ainda maior à revolução de agosto que é, sobretudo, sua revolução.
Ao participar de forma massiva nas grandes tarefas, vocês demonstram que são
mais valiosas do que as atividades secundárias que - mediante a divisão de tarefas a nível
de sociedade - lhes foram confiadas. Comprovamos também que sua aparente debilidade
física não era outra coisa se não a consequência das normas estéticas que esta mesma
sociedade lhes impõe pelo fato de serem mulheres.
Ao avançar, nossa sociedade deve deixar para trás as concepções feudais que
excluem da sociedade a mulher solteira, sem que percebamos claramente que é assim
como se traduz a relação de apropriação, que determina que cada mulher seja propriedade
de um homem. E assim depreciamos as mães jovens como se elas fossem as únicas
responsáveis pela sua situação, sem perceber que há sempre um homem que é culpado. É
assim que, com base em crenças antiquadas, se oprime as mulheres que não tem filhos,
quando na atualidade é algo que se explica cientificamente e que pode ser resolvido pela
ciência.
A sociedade impõe à mulher, normas estéticas que afetam a sua integridade física: a
ablação [mutilação genital feminina], cortar a pele, lixar os dentes, furar os lábios e o nariz.
A aplicação dessas normas estéticas tem um valor duvidoso. No caso da ablação, se põe
em perigo a capacidade de procriação e a vida afetiva da mulher. Outros tipos de mutilação,
ainda que sejam menos perigosos, como a perfuração das orelhas e as tatuagens, não são
menos expressão do condicionamento da mulher, condicionamento que lhe é imposto pela
sociedade se esta deseja casar-se.
Camaradas militantes, vocês se cuidam para merecer um homem. Perfuram suas
orelhas e violentam seus corpos para que os homens as aceitem. Se machucam para que o
homem lhes machuque mais ainda.
Mulheres, camaradas de luta, é a vocês que me dirijo.
Vocês, desprezadas tanto na cidade como no campo.
No campo, se dobram ante o peso de cargas diversas da vil exploração que é
“justificada e explicada”.
Na cidade, supostamente felizes, mas que no quotidiano são desprezadas e estão
sobrecarregadas de tarefas. Logo que se levanta, a mulher vai até seu guarda-roupa
perguntando o que vai vestir. Não para se proteger do frio, para se cobrir das intempéries,
mas sobretudo, para agradar os homens. Já que ela é sustentada, é obrigada todos os dias
a buscar satisfazer os homens.
Na hora do descanso, vocês, as mulheres, exibem a triste atitude de quem não tem
direito a descansar. São obrigadas à ração, impõe a si próprias a continência e a
abstinência a fim de manter um corpo que que agrade aos homens.
De noite, antes de se deitarem, se cobrem e se maquiam com os produtos que tanto
detestam - sabemos que é assim - mas que pelo menos ajudam a esconder uma ruda
indiscreta, inoportuna, um sinal que sempre se considera prematuro, a idade que começa a
se fazer visível. Lá estão, a cada noite, obrigadas a realizar um ritual de duas horas para
preservar um atributo, frequentemente mal recompensado por um marido desatento, para
começar tudo de novo no dia seguinte.
Camaradas militantes, ontem, através dos discursos dos membros do Diretório de
Mobilização e Organização da Mulher (DMOF), e seguindo o estatuto geral dos Comitês de
Defesa da Revolução​2​, o Secretariado Geral Nacional dos CDR propôs o estabelecimento
de comitês, subseções e seções da União de Mulheres de Burkina. A Comissão Política,
encarregada da organização e planificação, terá a responsabilidade de completar a
pirâmide organizativa ao criar o Bureau Nacional da UFB.
Não precisamos de uma administração feminina para controlar burocraticamente a
vida das mulheres, nem para falar esporadicamente da vida da mulher mediante
funcionários cautelosos. Precisamos de mulheres que vão à luta porque sabem que sem
batalhar não se poderá destruir a velha ordem e nem construir uma nova ordem. Não
queremos organizar o que já existe, mas sim destruí-lo e construir algo novo em seu lugar.
O Bureau Nacional da UFB deverá ser constituído por militantes convencidas e
resolutas, que estejam sempre disponíveis, pois a tarefa a se realizar é imensa e a luta
começa no lar. Estas militantes devem ter consciência de que, ante os olhos das massas,
elas representam a imagem da mulher revolucionária emancipada, e deverão comportar-se
de forma consequente.
Companheiras e companheiros militantes, ao mudar a ordem tradicional das coisas,
a experiência nos demonstra cada vez mais que somente o povo organizado é capaz de
exercer o poder democraticamente. A justiça e a igualdade são os princípios básicos que
permitem que as mulheres demonstrem que a sociedade está equivocada ao não confiar
nelas em um nível político e econômico. Portanto, a mulher que exerce o poder que
conquistou no seio do povo, é quem deverá libertar todas as mulheres condenadas da
história. Nossa revolução mudou de maneira qualitativa e profunda a nossa sociedade. Esta
mudança deve, necessariamente, levar em conta as aspirações da mulher burkinabe.
A libertação da mulher é uma exigência do futuro, e o futuro, camaradas, é por todas
as partes, portador de revoluções. Se perdermos o combate pela libertação da mulher,
perderemos todo o direito de almejar uma transformação positiva superior da sociedade.
Nossa revolução deixará de ter sentido. Este é o combate nobre ao qual todos estamos
convidados, homens e mulheres. Que nossas mulheres passem agora para a primeira fila!
A vitória final dependerá, fundamentalmente, da sua capacidade, da sua sagacidade para
lutar e da sua determinação para vencer. Que cada mulher combata o machismo em um
homem. E assim, que cada uma de nossas mulheres saiba encontrar - na imensidão de
seus tesouros de afeto e amor - a força e a sabedoria para nos dar coragem ao avançar e
renovar nosso ânimo quando nos desanimamos. Que cada mulher aconselhe um homem e
que cada mulher se transforme em mãe de cada homem! Vocês nos trouxeram ao mundo;
vocês nos educaram; vocês fizeram, a todos nós, homens.
Que cada mulher - vocês que nos guiaram para onde estamos hoje - continue
exercendo e aplicando seu papel de mãe, seu papel de guia. Que as mulheres se lembrem
do que são capazes, que cada mulher se lembre que está no centro da Terra, que cada
mulher se lembre que está no mundo e é para o mundo. Que cada mulher se lembre que a

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Os Comitês de Defesa da Revolução eram organizações de massas desenvolvidas após o triunfo
revolucionário no nível dos bairros, povoados, centros de trabalhos, escolas e unidades militares por
todo o país, assim como entre os burkinabes no exterior. Os CDR mobilizavam a população para
participar dos programas sociais do governo revolucionário, estimulando e atraindo para a atividade
política.
primeira a chorar por um homem é uma mulher. Se disse, e vocês se lembram, camaradas,
que no momento de morrer, cada homem chama, com seu último suspiro, a uma mulher:
sua mãe, sua irmã ou sua companheira.
As mulheres precisam dos homens para vencer. E nós, homens, precisamos das
vitórias das mulheres para vencer. Porque, companheiras, ao lado de cada homem, sempre
se encontra uma mulher. A mão da mulher que balança o bebê no colo, é a mesma mão
que balançará o mundo inteiro. Nossas mães nos dão a vida. Nossas esposas trazem ao
mundo nossos filhos, os alimentam de seus seios, os criam e os transformam em seres
responsáveis. As mulheres asseguram a existência de nosso povo; as mulheres asseguram
o futuro da humanidade; as mulheres asseguram a continuação de nossa obra; as mulheres
asseguram o orgulho de cada homem.
Mães, irmãs, companheiras,
Não existe um homem orgulhoso que não tenha uma mulher a seu lado. Todo
homem orgulhoso, todo homem forte tira a sua energia de uma mulher. A fonte inesgotável
de virilidade é a feminilidade. A fonte inesgotável, a chave da vitória, se encontra sempre
nas mãos da mulher. É ao lado da mulher, irmã ou companheira, que cada um de nós
recupera o ímpeto da honra e da dignidade.
É sempre para o lado de uma mulher que cada um de nós retorna para procurar e
encontrar consolo, carinho e inspiração para voltar ao combate, para receber o conselho
que acalma nossos impulsos imprudentes ou nossa arrogância. É sempre ao lado de uma
mulher que voltamos a ser homens, e cada homem é um filho para uma mulher.
Portanto, quem não ama a mulher, quem não respeita a mulher, quem não honra a
mulher, despreza sua própria mãe. Em consequência, quem despreza a mulher, despreza e
destrói o próprio lugar onde nasceu. É como se cometesse um suicídio por não acretitar que
há razão de existir, de sair do seio generoso de uma mulher.
Camarada, infeliz é aquele que despreza as mulheres! A qualquer homem, daqui ou
de onde quer que seja, a qualquer homem de qualquer meio social, que ignore ou esqueça
o que elas representam, eu lhes digo: “Você bateu numa pedra, será esmagado”. 3​
Camaradas, nenhuma revolução - começando pela nossa - será vitoriosa enquanto
as mulheres não forem livres. Nossa luta, nossa revolução não estará completa enquanto
compreendermos como libertação, exclusivamente a dos homens. Depois da libertação do
proletariado, ainda resta a libertação da mulher.
Camaradas, toda mulher é mãe de um homem. Como homem e como filho, não
pretendo aconselhar ou indicar a uma mulher qual deve ser o seu caminho. Seria pretender
aconselhar a própria mãe. Mas também sabemos que a indulgência e o carinho de uma
mãe fazem com que ela escute seu filho, assim como seus caprichos, seus sonhos e suas
vaidades. É o que me consola e me permite dirigir-me a vocês. Porque, camaradas, nós
precisamos de vocês para conquistar a verdadeira liberdade de todos. Eu sei que vocês
sempre vão encontrar a força e o tempo para ajudar-nos a salvar nossa sociedade.
Camaradas, não existe uma verdadeira revolução social se a mulher não é livre.
Que meus olhos não vejam nunca uma sociedade, que meus passos não me conduzam
nunca a uma sociedade onde a metade do povo se mantenha no silêncio. Escuto o clamor
do silêncio das mulheres. Pressinto o estrondo de suas tempestades e percebo a fúria de

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Frase tomada de uma canção que ficou famosa na África do Sul em 9 de agosto de 1956, quando
20 mil mulheres, dirigidas pelo Congresso Nacional Africano, protestaram contra as infames leis de
passes do regime do apartheid, que obrigavam os negros a levarem consigo, a todo momento,
documentos especiais de identificação. O dia 9 de agosto é comemorado hoje, como o dia da mulher
Sul Africana.
sua rebelião. Eu espero ansioso pela erupção fecunda da revolução pela qual elas
transmitirão a força e a justiça rigorosa que surgem de suas entranhas oprimidas.
Camaradas, avancemos para conquistar o futuro.
O futuro é revolucionário.
O futuro pertence aos que lutam.
Pátria ou morte! Venceremos!
2 de outubro de 1983

O papel da mulher na revolução democrática e popular


Este é um fragmento do Discurso de Orientação Política
apresentado por Sankara em nome do Conselho
Nacional da Revolução. Este passou a ser o documento
programático fundamental da revolução.

O peso das tradições seculares de nossa sociedade condena à mulher à categoria


de besta de carga. A mulher sofre todas as desgraças da sociedade neocolonial em dobro.
Em primeiro lugar, ela vive os mesmos sofrimentos que o homem; em segundo lugar, se vê
submetida a outros sofrimentos por parte do homem.
Nossa revolução interessa a todos os oprimidos, todos os que são explorados na
sociedade atual. Interessa, portanto, à mulher, posto que a base de sua dominação por
parte do homem têm raízes no sistema de organização da vida política e econômica da
sociedade. A revolução, ao transformar a ordem social que oprime a mulher, cria as
condições para sua verdadeira emancipação.
As mulheres e os homens da nossa sociedade são todos vítimas da opressão e
dominação imperialistas. Por isso travam uma mesma batalha. A revolução e a libertação
da mulher andam juntas. Falar de emancipação da mulher não é um ato de caridade ou um
traço de humanismo. É um requisito fundamental para o triunfo da revolução. As mulheres
sustentam a outra metade do céu.
Criar uma mentalidade nova na mulher voltaica que lhe permita assumir o destino do
país ao lado do homem é uma das tarefas primordiais da revolução, assim como a
transformação das atitudes dos homens em relação às mulheres.
Até este momento, a mulher foi excluída das esferas em que se tomam as decisões.
A revolução, ao confiar responsabilidades à mulher, cria as condições para libertar a
iniciativa combativa das mulheres. O CNR, seguindo sua política revolucionária, se dedicará
à mobilização, organização e unificação de todas as forças vivas da nação e a mulher não
vai ficar para trás. A mulher se integrará a todas as batalhas que devemos empreender
contra os diferentes obstáculos da sociedade neocolonial e pela edificação de uma
sociedade nova. Se integrará - a todos os níveis de concepção, tomada de decisões e
execução - na organização da vida de toda a nação. O objetivo final desta grande
empreitada é construir uma sociedade livre e próspera onde a mulher será igual ao homem
em todos os aspectos.
Porém, convém ter uma compreensão justa do problema da emancipação da
mulher. Não se trata de uma igualdade mecânica entre o homem e a mulher. Não significa
adquirir hábitos comuns aos homens: beber, fumar, usar calças. Isso não é emancipação da
mulher. Tampouco é a aquisição de diplomas que vai tornar a mulher igual ao homem ou
mais emancipada. O diploma não é um passe direto à emancipação.
A verdadeira emancipação da mulher é a que lhe confere responsabilidades, que lhe
vincula às atividades produtivas, aos diferentes combates que o povo enfrenta. A verdadeira
emancipação da mulher é a que combina o respeito e a consideração por parte do homem.
A emancipação, como a liberdade, não se decreta, se conquista. Cabe às próprias mulheres
impulsionarem suas reivindicações e mobilizarem-se para conquistá-las.
Por isso, a revolução democrática e popular vai criar as condições necessárias para
permitir que a mulher voltaica se realize de uma forma plena e total. Por acaso seria
possível liquidar o sistema de exploração enquanto se mantêm exploradas as mulheres,
que são mais da metade da nossa sociedade?

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