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FEMINI MO COMUNITÁRI
Nós partimos da comunidade como princípio inclusivo que cuida da
vida. Para construir o feminismo comunitário é necessário
desmistificar o chacha-warmi (homem-mulher) que nos impede de
analisar a realidade da vida das mulheres em nosso país.
No Ocidente, o feminismo significou, para as mulheres, posicionar-
se como indivíduas perante os homens. Estamos nos referindo às duas
grandes vertentes do feminismo da igualdade e da diferença, ou seja,
mulher igual ao homem ou mulher diferente do homem, como
dissemos acima. Mas isso não é possível compreender dentro de
nossas formas de vida na Bolívia, que têm fortes concepções
comunitárias. Por essa razão nos propomos, como feministas
bolivianas, a fazer nosso próprio feminismo e nos pensar a partir da
realidade em que vivemos. Não queremos nos pensar como mulheres
perante os homens, mas nos pensar como mulheres e homens em relação a
uma comunidade.
Antes de abordar o tema que entendemos como comunidade,
dediquemos alguns parágrafos ao tema do chacha-warmi, porque,
como dissemos, não poderemos construir nosso feminismo
comunitário sem desvelar a prática machista desse conceito.
Í
A MULHER COMO PRINCÍP O DA ALTERIDADE
A alteridade significa que nem tudo começa e termina no seu umbigo e
que existem outras pessoas além de você.
Quando falamos que a comunidade tem duas partes fundamentais,
quer dizer que a partir desse reconhecimento da alteridade inicial, a
comunidade mostra toda a extensão de suas diferenças e diversidades,
ou seja, que o par mulher-homem inicia a leitura das diferenças e das
diversidades na humanidade, inclusive as diferenças e diversidades de
não se reconhecer homem, não se reconhecer mulher, ou nem homem
nem mulher.
Se olharmos as comunidades, o que de inicial podemos dizer é que
elas estão compostas, em primeira instância, pelas mulheres e homens
desde crianças até anciãs/ãos, isso já é uma diversidade geracional.
Logo, a leitura de complementaridades, reciprocidades e autonomias
horizontais continua englobando as existências geracionais entre
crianças, jovens e anciãs; assim como entre as diferentes habilidades,
saberes e sexualidades, englobará também as diferentes morfologias
do corpo, tipos, cores, tamanhos, capacidades e deficiências, e
claramente as diferentes expressões e opções sexuais, as diferentes
crenças, adesões políticas, ideológicas e religiosidades.
Essas e outras complementaridades, reciprocidades e autonomias
atuam dentro da comunidade, mas a comunidade não é um gueto nem
uma reserva, é uma comunidade viva, que se move e se projeta
construindo também complementaridades não hierárquicas,
reciprocidades e autonomias com outras comunidades; um exemplo
disso são as complementaridades na produção e na proteção política
do território. Outro exemplo de complementaridade nos interesses
políticos do país foi em outubro de 2003,1 quando recuperamos os
recursos naturais, ou como em setembro de 2008, que nos unimos
para defender-nos do fascismo e da direita dos cívicos da “media
luna”.2
Há complementaridade, autonomia e reciprocidade entre quem
vive em comunidades rurais, com irmãs e irmãos que vivem nos
bairros urbanos da Bolívia, ou em cidades de outros países. Enfim, um
tecido das complementaridades, reciprocidades, identidades,
individualidades e autonomias.
NOTAS
1. N. da E.: Em outubro de 2003 teve início a Guerra do Gás, movimento que culminou com a
renúncia do então presidente Sánchez de Lozada. Em setembro de 2008, o governo de Evo
Morales foi atacado por suas políticas anticapitalistas e em defesa dos indígenas do país.
2. A media luna se refere a uma tentativa separatista de setores brancos de Santa Cruz de
dividirem territorialmente a Bolívia e declararem-se um país independente. Eles se
juntaram a brancos e fascistas de outros departamentos do país com o pretexto de
autonomia, quando o que não queriam é ser governados por índios, como diziam. Os
setores brancos são minoritários em toda a Bolívia.