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Instituto de Humanidades e Letras – Campus dos Malês - BA

Colegiado de Ciências Sociais

Componente Curricular: Laboratório de saberes II


Docente: Rafael Palermo Buti
Discentes: Aldine Valente,
Lauro José Cardoso
Margarida Bendo
Naiane Jesus Pinto

SABER MANQUINTAL
Manquintal no quilombo Dom João como espaço de memória e
resistencia

Visita ao manquintal do querido casal Dona Joca e Seu Zé do


Guaiamum. Manquintal situado na comunidade quilombola Dom João, uma
comunidade negra Rural quilombola e está localizada no município de São
Francisco do Conde (BA), à margem da BA 522 e a aproximadamente 4 km da
sede do município. Como segue na figura abaixo.

Figura 1: Mapa Lei abairramento Municipal Figura 2: Imagem de satélite da


comunidade Dom João
Na figura 1.O Mapa da Lei de Abairramento Municipal situando a
comunidade Dom João no município de São Francisco do Conde-BA. E na
figura 2. Uma imagem do Google Earth localizando o Quilombo Dom João e a
área da antiga Usina Dom João.

A unidade municipal na qual se encontra, São Francisco do Conde, é


fruto de um processo histórico que remete ao período colonial brasileiro. Isto
implica compreendê-la a partir de um movimento mais amplo que caracteriza a
dinâmica de ocupação do território brasileiro, em especial, a ocupação do
Recôncavo da Bahia, com suas grandes fazendas e engenhos, mão de obra
escrava, monocultivo da cana de açúcar e a destinação comercial relacionada
com os interesses diretos da metrópole europeia. A população residente hoje
no Quilombo Dom João precisamente no Porto é constituída por
aproximadamente 30 famílias oriundas das fazendas do entorno. Esta
concentração se deu no Porto Dom João por conta de um primeiro processo de
expropriação de trabalho e de terra, as famílias foram impedidas de viver nos
fundos da fazenda onde trabalhavam, conforme afirmam os diversos
depoimentos que eu pode coletar à partir da etnografia que eu fiz sobre a
primeira experiência desta. Sendo assim, foram se adaptando e se constituindo
como um grupo que, prioritariamente, se utiliza da pesca e da mariscagem para
sobreviver, visto as características naturais do local: abundante em recursos
hídricos, constituída de manguezal e próxima ao mar. Por ser um local livre ao
acesso à água do rio, Porto Dom João tornou-se, com o tempo, um ponto de
apoio e referência para a atividade pesqueira da região, atraindo pescadores
vindos de todo município de São Francisco do Conde.

Ao visitar este manquintal podemos observar que para além de um


manquintal há um saber intrínseco do referido casal. Neste dialogo sobre
mangue, quintal, entrelaçamos raízes, guaiamuns, objetos e plantas.
Dialogando com os conceitos do Antropólogo Rafael Palermo Buti, cabe
ressaltar que o Porto Dom João se configura como uma forma de ressurgência
daquele espaço que em outrora utilizado pelos moradores e trabalhadores da
usina Dom João, depois aterrado para servir a caldeira de PETROBRAS,
atualmente ressurgido por força da (re)existência.
De acordo aos relatos de seu Zé do Guaiamum e dona Joca, o pé do
tamarindo que compõe o cenário do quintal é o marco da vinda do casal para o
Porto pois, há vinte anos quando eles foram morar no local já havia o
tamarineiro e hoje ele simboliza junto à comunidade a ressurgência daquele
ambiente. Acrescenta-se também a contribuição econômica que este pé de
tamarindo deu nos momentos iniciais, além de servir para a multiplicação da
espécie dentro do quintal.

Durante algumas entrevistas que fizemos na Unilab, podemos constatar


que muitos desconheciam a importância de um manquintal, uma vez que a
maioria descreveu o manquintal como um lugar sujo, e que não desejariam
morar próximo a um.

Cabe ressaltar que os quintais são de suma importância como espaços


de resistência dos saberes tradicionais. Sendo assim estes lugares possuem
uma riqueza e sensibilidade para as famílias e para este casal ora citado,
quintal representa símbolo de resistência e ressurgência. Vejamos que a seguir
a variabilidade de plantas que compõe o cenário deste manquintal. Dentre as
espécies temos:

Plantas frutíferas

Tamarindo Pinha Framboesa

Manga Graviola Tangerina limão

Coco- verde Abacate Pitanga

Jaca Laranja Goiaba

Acerola Banana maça Mamão

Cacau Banana-da-terra Cana-de-açúcar

Medicinais

Capim-limão Amoreira
Aromã Alumã

Hortelã grosso Erva cidreira

Capim santo Boldo

Brilhantina-Maria-preta Aroeira

None Corona

Algodão

Tubérculos

Aipim

Outras plantas alimentícias

Chuchu (verdura)

Coentro-de-boi

Pimenta

Ornamentais

Alfinete, palmeiras, samambaia, Dracena, temos também os pés de mangue.

Criação de crustáceos, animais terrestres e aves

Criação de guaiamum(berçário do guaiamum) e Carangueijo.

Cágado

Galinhas

Cães: Tidinha, lingüiça, choriça.

Passarinhos: Pardal, jandaia, Cuiubinha, Cardeal, sabiá, rolinha fogo-pagou,


rolinha caldo de feijão, Anum.
Como o apelido já mostra, o seu Zé é um expert em guaiamuns e carangueijos.
Ele conta que aprendeu a pegar guaiamum com os avós e que agora ele tem
técnicas diferentes para fazer a mesma atividade. O seu Zé ainda explica as
formas de colocar as armadilhas readaptadas por ele, como elas funcionam e
que alimentos (como limão, banana verde etc.) colocar para atrair os
guaiamums. Também explicou como engorda os seus guaiamums em casa
com fruto do dendê, deixando-os com um sabor único. E um dos pontos mais
importantes, ele mostra como proteje e auxilia na reprodução destes no seu
berçário construído no quintal, explicando os periodos de hibernação e troca do
casco destes animais. Ou seja, o seu Zé não está só tirando o seu sustento e
residindo naquele espaço, ele revitaliza a biodiversidade daquele lugar e
multiplica as espécies.

Ao fundo do quintal temos um belíssimo cenário do ecossistema manguezal


que possuem uma gigante variedade de mariscos e crustáceos e árvores de
mangue. De acordo com (Duarte; Oliveira, 2017) os quintais são elementos
essenciais para a constituição dos territórios e também de estratégias
cotidianas de resistência e luta por direitos. Sendo assim eles vão dizer que:

Esses espaços de cultivos de espécies alimentícias, medicinais e


ornamentais são apresentados como locais privilegiados de
autonomia, resistência, lazer, encontros, saberes e memórias,
revelando-se como um verdadeiro patrimônio biocultural. Inspiram
alternativas ao modelo hegemônico de produção agrícola, contribuem
com respostas à crise socioambiental, valorizam os saberes
tradicionais e seu aporte à ciência, colaborando ainda para elevar a

qualidade de vida. (DUARTE; OLIVEIRA 2017).

O manquintal de Dona Joca e seu zé é esse espaço de encontros,


reencontros de memórias coletivas e individuais, espaço de trocas, relações e
interações sendo por sua vez um ambiente privilegiado de sociabilidade, pois
abrigam, transmitem e ressignificam os saberes tradicionais, interage com os
humanos e não- humanos, aprendizagem, vivências e experiências bem como
brincadeiras e festividades (...) ligação entre comunidades e identidades e
resistência (DUARTE, OLIVEIRA,2017).

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