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#aigrejanãopodeparar - etnografia de uma comunidade pentecostal durante a

epidemia do vírus covid-19 e suas medidas sanitárias.

Adriel Torres de Queiroz Ferreira


164974
Janeiro de 2021
IFCH - UNICAMP
Ainda no interior turbulento da epidemia que mobilizou meu olhar para
o objeto escrevo este ensaio como trabalho final de pesquisa
antropológica (HZ460 2s2020). Desejo experimentar uma escrita
etnográfica descritiva e na qual minha presença em campo seja
revelada como ponto de partida da minha percepção localizada sobre
tal fenômeno e escrita. Com as devolutivas sobre esse trabalho
continuarei a modelagem dessa escrita almejando uma futura
circulação mais ampla.

Metodologia e debate teórico:


Este trabalho utiliza-se da metodologia da controvérsia para observar os atores em
torno do debate sobre fechamento dos templos da Assembléia de Deus - Ministério Belém
em Campinas durante a epidemia do novo coronavírus, o covid-19. A metodologia em
questão tem sido utilizada no campo da antropologia brasileira pela antropóloga e
professora da USP, Paula Montero, e seu grupo de pesquisa. Em 2015, Paula Montero
organizou a obra “Religiões e controvérsias públicas” para divulgar os trabalhos do projeto
de mesmo nome apoiado pela FAPESP. Portanto, é a partir da leitura dessa obra que
incorporo a metodologia da controvérsia que será apresentada.
Nesta metodologia a observação de campo é conformada ao modelo de debate, de
forma que, atores, suas justificativas e suas conexões em relação em torno de um conflito
de público. Segundo Melvina Araújo o diferencial é o aprofundamento, da simples descrição
de eventos, nos elementos propulsores do debate - agentes e suas práticas - localizando-os
historicamente e em relação a outros agentes e práticas. Essa perspectiva relacional
enriquece a apreensão de uma comunidade religiosa como um produto constante da
relação entre membresia e liderança religiosa. A própria metodologia da controvérsia
compreende o que é dito e o que não é dito como uma produção pari passo ao
desenvolvimento do debate. Da mesma forma, entendo que, os discursos da liderança
religiosa na tribuna se constitui no diálogo com a membresia dotada de agência.
A metodologia operacional consiste em observação participante, entrevistas semi
estruturadas e análise dos materiais de circulação interna. Uma comunidade religiosa com
representação política institucional possui particulares desafios à pesquisa de campo.
Desafios estes que não dizem respeito ao acesso ao campo, a dificuldade de encontrar
material ou nativos para se relacionar. Igrejas evangélicas como a Assembléia de
Deus-Belém realiza diversos cultos durante a semana, eventos festivos ou formativos,
reuniões e encontros. Também distribui e circula pela comunidade inúmeros materiais
escritos ou audiovisuais. Portanto, o pesquisador deve reconhecer a estrutura eclesiástica
para traçar uma rotina de trabalho neste campo. Porém, certos encontros e materiais não
são direcionados para todos os frequentadores daquela comunidade, principalmente as
atividades de formação política na Assembléia de Deus-Belém. Além de suas lideranças
políticas negarem constantemente entrevistas para pesquisadores. Diante disso, faz-se
necessário o reconhecimento dentre os nativos para adquirir a concordância de sua
presença (Eckert & Rocha, 2008).
Minha condição em relação ao campo de observação é de nativo. Devido a isso
reconheço a rotina de encontros da comunidade religiosa e possuo uma facilidade de
contato com fiéis e lideranças religiosas. Tanaka (2018) e Valle (2013) na tentativa de entrar
em contato com as lideranças religiosas da AD-Belém encontraram a barreira de
comunicação com estes. Segundo Lacerda (2017) o contato direto com igrejas é uma
estratégia para superação de tal dificuldade. Na pesquisa antecedente tive acesso ao
coordenador da campanha do Paulo Freire da Costa, pastor Daniel Bueno. Me aproximei do
presidente nacional da comissão política da AD - Belém, pastor Eliazar Ceccon, que me
levou ao deputado federal oficial da AD - Belém, Paulo Freire da Costa, e ao vereador oficial
da AD - Belém em Campinas, Professor Alberto. Porém devo reconhecer minha posição
nesse cenário de pesquisa. A observação de campo atrelada ao método etnográfico
necessita que o próprio pesquisador passe a ser objeto de pesquisa (Levi-Strauss, 1974
apud Eckert & Rocha, 2008). Essa metodologia, portanto, permite que o pesquisador-nativo
estranhe o familiar, superando suas representações fundamentadas na experiência agora
substituídas por questões relacionais sobre o universo investigado (Velho, 1978).
Vale ressaltar que neste ensaio o foco é descritivo. Essa proposta de
universalização do particular observado pela Paula Montero como formação do pluralismo
na sociedade brasileira estará localizada na conclusão. Minha observação dialoga com as
grandes hipóteses de Religiões e Controvérsias de forma própria e levanta questões que
remontam um debate epistemológico em torno da democracia e da sociedade liberal.
Montero (2015) na introdução revela a fundamentação habermasiana do conceito de
espaço público incorporado. A partir desse olhar holístico os confrontos religiosos na esfera
pública constituem um processo maior de aprendizado social do exercício da opinião que
progride teleologicamente para o pluralismo social e a relativização da religião. Binoche
(2012), citado por Montero (2015), chama essa nova ordem social em formação de
“desacordo regulado de opiniões” na qual a doutrina da tolerância vai ganhando força como
princípio de normatividade para sancionar a convivência entre diferenças.
Imagino que ler essa declaração teleológica no ano de 2021 que começou com a
invasão ao Capitólio nos EUA como resultado de uma controvérsia pública do processo
eleitoral cause um desconforto como ocorreu comigo. Desde de eventos contestadores do
sistema democrático liberal como o Occupy Wall Street (2011), a Primavera Árabe (2013) e
as Jornadas de Junho no Brasil (2013) o princípio de agonia tomou conta de alguns retratos
acadêmicos da democracia liberal. Autores como Ernesto Laclau, Nancy Fraser, Wendy
Brown e Chantal Mouffe, em suas publicações recentes sobre a temática, se contrapõem à
credibilidade da democracia liberal como potente para lidar com suas próprias crises. Essa
expectativa na seguridade do atual modelo democrático expressa na expressão de Binoche
(2012) “desacordo regulado de opiniões” e processo esperado de relativização das religiões
reduzidas a “simples opiniões irredutivelmente plurais” como citado por Montero (2015).
O processo brasileiro com as medidas sanitárias epidêmicas desde 2020 podem
compor o conjunto de críticas a esse espaço público idílico que regula opiniões divergentes,
plurais e tolerantes. Neste debate opiniões críticas ao uso de máscaras, prática do
isolamento social e a vacinação foram difundidas a partir do alto cargo executivo do país e,
de certa forma, isso desbalanceou a administração governamental e o auto-governo de
cada cidadão. Esse debate esteve presente no interior de comunidades religiosas quando
estas foram um dos estabelecimentos que tiveram que fechar e agora reabre com medidas
sanitárias. Agora, a relação entre comunidade religiosa e Estado, além da defesa da
presença de controvérsias pública em seu interior requer outros referenciais teóricos.
Não se trata de enquadrar a religião como uma antiga força que decai perante a
sociedade moderna ou uma antiga força que retorna e a ameaça. As paredes modernas
entre Igreja e Estado estão rachando sendo que ambas são capazes de penetrar uma a
outra. religião e política permanecem se misturando em todos os tipos de arranjos
(Casanova, 1992). Para Monteiro (2006), que observou a institucionalização das religiões
no Brasil, a religião não some e reaparece na esfera pública, ela se reconfigura. Uma delas
é a religião pública no contexto das igrejas pentecostais.
Religião pública é aquela que tem, assume ou tenta assumir um caráter, função ou
papel público (Casanova, 2009). Com o caso das candidaturas oficiais, igrejas com
representação política própria, tais igrejas evangélicas são enquadradas como religião
pública ligada ao Estado. São capazes de mobilizar seus recursos institucionais para
competições políticas como as eleições, por exemplo.
Quando a religião se torna pública ela também abre espaço para a legitimação
social. A desprivatização é uma rota de mão dupla (Casanova, 2009). Tanto atores
religiosos afetam a esfera pública como as normas seculares, como de laicidade do Estado
e equidade de gênero, afetam a esfera religiosa. A comunidade religiosa também incorpora
as normas seculares, dessa forma, os fiéis podem exercer uma contestação interna na
reprodução das tradições religiosas e publicização delas. Casanova (2009) afirma a
importância do estudo desse movimento de contra-contestação interno. Por exemplo, as
normas sanitárias que passam a regular o culto religioso na atual epidemia. Essa
controvérsia pública pode-se dar inúmeras configurações da comunidade religiosa, então,
resta a observação antropológica o trabalho de reconhecimento dessa ordenação própria do
debate em torno das medidas sanitárias e o fechamento dos templos.
São nos momentos ápices de confronto que os atores têm suas ideias sobre o justo
claramente expostas. Apreensão do fenômeno a partir de suas tensões e disputas, portanto,
privilegia a análise antropológica. Antropologia moderna que pode ter seu domínio
circunscrito pela conclusão do artigo “A crise moderna da Antropologia” de Levi-Strauss
(1961) traduzido pela Ruth Cardoso:
“Ora, enquanto as maneiras de ser ou de agir de certos homens forem
problemas para outros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre essas
diferenças, que, de forma sempre renovada, continuará a ser o domínio da
antropologia.” (LEVI-STRAUSS, 1961, p. 27)

Introdução ao objeto:
A denominação observada corresponde a igreja evangélica pentecostal Assembléia
de Deus, que por sua vez apresenta uma grande fragmentação institucional (Freston, 1993;
Alencar, 2010). Internamente a esta fragmentação existem Convenções Nacionais, das
quais a Convenção Geral das Assembléias de Deus (CGADB) congrega o maior número de
Ministérios. Há 32 anos a CGADB é presidida pelo Ministério Belém sob o poder da mesma
família. O Ministério Belém é um dos principais segmentos da Assembléia de Deus no
Brasil. Tal Ministério é presidido pelo patriarca José Wellington Bezerra da Costa e possui 4
mandatos legislativos em São Paulo, sendo 3 destes de seus filhos. Os 4 mandatos estão
divididos em dois centros de poder: a capital paulista e Campinas. Em Campinas, o
Ministério Belém é presidido por Paulo Roberto Freire da Costa, filho do patriarca, que
também é deputado federal pelo PL desde 2010. Esta mesma igreja de Campinas possui
um representante municipal desde 2008, o Alberto Alves da Fonseca (PL) que planeja sua
reeleição. Dessa forma, meu trabalho de campo atende seguintes delimitações no campo
evangélico: Pentecostalismo, Assembléia de Deus e Ministério Belém em Campinas.

O primeiro partir do pão presencial na véspera das eleições:


A exposição da observação de campo inicia-se em Novembro de 2020, na véspera
das eleições municipais, sábado (14). Depois de um mês com os cultos presenciais com
menos de 50%, em novembro inicia-se a fase amarela de reabertura da cidade de
Campinas e os cultos passam a ter 60% da ocupação. No templo essa nova ocupação foi
percebida por mim logo que cheguei ao meu retorno em campo. Naquele dia as famílias
poderiam sentar junto e o distanciamento social de uma cadeira ficaria apenas entre as
famílias. Antes daquele dia eu via pela transmissão online uma a cada duas cadeiras
interditadas com fitas zebradas. Nesse culto, eu assisti com muita ansiedade as fitas
zebradas serem retiradas pelas pessoas que se juntavam nos bancos.
Escolhi começar a exposição por esse evento pela sua dinâmica presencial, na qual
posso introduzir o interior da comunidade religiosa (liderança religiosa, grupos de membros,
baixo clero e minha família) e minha relação com esta. O culto desse sábado, 14 de
Novembro, era um culto mensal de santa ceia em que cada membro iniciado ingere um
pequeno pedaço de pão e um pequeno cálice de vinho celebrando o “sacrifício de Jesus
Cristo”. Meus pais, uma família tradicional da igreja e funcionários da mesma, estavam há
um mês insistindo para meu retorno aos cultos presenciais. Ao reconhecer que seria um
culto de santa ceia na véspera das eleições municipais considerei ir para atender as
petições familiares e meu interesse de pesquisa da movimentação política da igreja. Os
cultos de santa ceia são considerados os cultos mais importantes do mês e as vestimentas
mais formais demonstram esse fato. Meus amigos mais próximos, estudantes de ensino
médio e universitários de 17 a 24 anos, trocam suas camisetas pólos por camisas de botão
e suas calças jeans por calças sociais com cinto. Ouvi sempre dos meus pais que o dia de
santa ceia é dia de pôr uma “roupa de ver Deus”.
A lotação do templo é costumeira nos cultos de santa ceia. Além dos bancos
acolchoados, abrem-se as famosas cadeiras de bar de lata (agora pintadas de branco para
cobrir os logos das marcas de bebidas alcoólicas) nos corredores. tal prática de lotação dos
cultos anteriores da epidemia começou a ocorrer antes mesmo do culto começar no dia da
observação em questão. As medidas sanitárias visíveis eram as máscaras e potes de álcool
gel em cada canto do templo religioso. Um mudança percebida também foi na recepção,
costumeiramente feita por auxiliares homens de terno que davam um aperto de mão e
diziam “a paz do senhor”, realizada pelos mesmos homens, com os mesmos trajes, mas
que trocaram o aperto de mão por um “pump” de álcool gel na mão da pessoa que adentra
ao templo. Mesmo com a adoção de tais medidas preventivas, olhar para a igreja, minutos
antes do culto começar, com uma lotação alta de membros, pastores e a presença dos
grupos musicais completos me assustava.
Como ponto focal da exposição do culto quero perseguir as máscaras como coisa
que está presente de diferentes formas em diferentes trechos do templo. Esse movimento é
inspirado pelo texto Como as coisas importam, uma abordagem material da religião de Birgit
Meyers (2019). Todos que avisto estão com proteção facial, alguns de máscara e escudo
facial, outros somente de escudo facial e maioria somente de máscara, sendo que, alguns
com o nariz para fora. Observei a variação de proteção facial e sua retirada em momentos
do culto. Todos que retiravam as máscaras estavam em três grupos: pastores, músicos e
coralistas. Tais grupos são localizados geograficamente no templo desta forma:
Os coralistas retiravam a máscara para cantar e assim que a ação terminava
recolocavam-a. Esse grupo de mais de 30 pessoas realizou essa ação mais de duas vezes
durante o culto. Nesse culto de santa ceia o coral foi composto por dois grupos: o coral
tradicional da igreja, com uma média de idade de 55 anos; coral de jovens, com uma média
de idade de 28 anos.1
O grupo de músicos foi composto nesse culto pela banda da igreja, na qual tocam
apenas instrumentos de sopro e percussão. Portanto, a maioria dos instrumentistas
necessitavam retirar a máscara para tocar. Um deles usava apenas um escudo facial, o
tecladista. Quando perguntado o porquê, este afirmou que a máscara dificultava visualizar
as teclas do teclado. Uma percepção foi de que nesse grupo as máscaras não voltavam à
posição correta no rosto, cobrindo a boca e o nariz. De um grupo de mais de 40 músicos, 5
mantiveram a máscara no queixo por grande parte do culto religioso. É válido ressaltar o
perfil dos músicos da banda e suas relações. O músico médio da banda é um homem de 50
anos de idade. Um grande número dentro da banda, em torno de 10 integrantes, são
músicos da polícia militar ou ex-músicos da polícia militar. Um deles é o próprio maestro. A
relação indireta da igreja observada com a polícia militar pode ser afirmada também com a
utilização do templo religioso para ensaio da banda da polícia militar algumas vezes no ano.
Geralmente, a utilização ocorre perto de datas como o 7 de setembro e 25 de dezembro.
No púlpito, elevação na qual são dispostas as cadeiras pastorais, a ação ocorre ao
pegar o microfone. Se na banda ou no coral a máscara é retirada ao iniciar sua ação de
forma óbvia e unânime como se retira a máscara no consultório odontológico, já na ação
pastoral com o microfone ocorre uma multiplicidade maior de performances. Tem um grupo
de pastores que retiraram a máscara no caminho em direção ao microfone. Houve pastores
que começaram a falar de máscara e retiram durante a fala mostrando frustração com a
máscara tampando a boca. E houveram apenas dos pastores que não retiraram suas

1
Relevante afirmar que eu como membro atuante na comunidade religiosa faço parte do
coral de jovens. Essa inserção durante a pandemia gerou dois efeitos: a possibilidade de
acompanhar a comunicação interior do grupo e de sua liderança no aplicativo de conversa
Whatsapp, no qual o grupo de jovens possuem um grupo fechado; conversa direta com
lideranças do grupo de jovens que me cobravam a presença em atividades do grupo a
despeito da epidemia e das diretrizes pastorais.
máscaras durante a fala no microfone. O pastor presidente da igreja, o Paulo Freire da
Costa da Costa, de mais de 60 anos, e o pastor que ministrou a mensagem principal do
culto, Professor Alberto, de mais de 40 anos. Algo próprio dessas duas figuras são seus
cargos públicos. Estes são os dois representantes políticos da igreja, o deputado federal e o
vereador, respectivamente. Outros pastores mais velhos que o Paulo Freire da Costa
retiraram a máscara e todos os pastores que falaram menos que o Alberto retiraram a
máscara. Dessa forma, penso que o marcador relevante não seja a idade ou o tempo de
fala mas o corpo da representação política no corpo da representação religiosa.
Um momento próprio do púlpito que me chamou a atenção foi a presença de uma
coralista para cantar no púlpito. A cantora pegou o microfone em mãos e, antes de falar
diretamente à igreja pelo microfone, se dirigiu ao pastor presidente perguntando: “posso
tirar a máscara?''. Aquela ação que era uma obviedade sobre a necessidade da retirada da
máscara, no púlpito se torna uma dúvida que necessita da aprovação pastoral. Interessante
a relação deste evento com a “desprivatização de mão-dupla” de Casanova. É um exemplo
prático da incorporação de uma norma sanitária secular incorporada por agentes religiosos
incentivados por sua abertura para o espaço público.

O início da #aigrejanãopodeparar
Era um sábado de santa ceia, dia 14 de Março, quando a igreja Assembléia de Deus
- ministério Belém em Campinas anunciou o primeiro cancelamento de cultos devido a
epidemia do novo coronavírus. A medida foi tomada pela diretoria da igreja tendo em vista a
portaria municipal da secretaria de saúde que proibia o funcionamento dos templos
religiosos e estabelecimentos comerciais por 15 dias passível de multa. A partir desse dia
os cultos religiosos da igreja passaram a ser onlines. Os cultos se tornaram diários e o foco
passou a ser as manifestações de conversão virtuais. Logo após o culto eram
compartilhado artes digitais com o número de conversões de cada culto e através desse
cultos movimentados em número de acessos e em números de comentários pentecostais
(Glórias a deus! aleluia) a #aigrejanãopodeparar foi compartilhada.2
Esse primeiro momento se divide em três aspectos na minha apreensão: a
apropriação das medidas sanitárias, a reinvenção de práticas religiosas e a produção
discursiva da instituição religiosa em defesa do fechamento dos templos.
Os cultos eram realizados no templo religioso, porém, com a presença somente de
três pastores, um trio musical e os técnicos de som e vídeo. Nesse início os pastores
usavam escudo facial com máscara e a estante pastoral do púlpito estava envolvida com
papel filme. Uma das medidas preventivas desse período foi a restrição de pastores mais
velhos participarem da dinâmica do culto online, inclusive o pastor presidente de campinas,
Paulo Freire da Costa.
A reinvenção de prática litúrgica mais central foram as dinâmicas de conversão. É
próprio do pentecostalismo os característicos apelos e pregação para conversão. Porém,
pode se dizer que em culto as mensagens focam em sua maioria no falar em língua
estranhas, o fenômeno da glossolalia que é característico do pentecostalismo clássico da
Assembléia de Deus (Freston, 1993). Durante os cultos onlines o foco das mensagens
foram as novas conversões virtuais que puderem ser manifestadas virtualmente através de
mensagens nos comentários. Logo depois da mensagem principal, a câmera se aproxima

2
Era incentivado pelos pastores, durante a transmissão online, o compartilhamento de fotos dos
espectadores reunidos assistindo o culto com a #aigrejanãopodeparar. Esses dizeres permaneciam
na tela durante toda a transmissão.
do pastor e o grupo musical começa a tocar. Inicia-se o momento do apelo. Surgem
mensagens nos comentários do site no qual está localizado a transmissão ao vivo dos
cultos no sentido: Eu aceito Jesus Cristo. No próprio comentário o usuário que se converte
é parabenizado e no culto online o pastor lê o nome e faz uma comemoração. O normal
durante esse momento é um pastor ficar apenas lendo os comentários e informando o
pastor que faz o apelo sobre quantos e o nome daqueles que se converteram. Essa pastor
fica não fica na centralidade do templo, mas em um canto do púlpito, com um notebook no
colo e um tripé com microfone montado para este. A cada menção de uma nova conversão
os pastores comemoram se movendo mais efusivamente, a banda toca mais alto e os
comentários no chat da transmissão se multiplicam (Graças a Deus!!; Glórias a Deus!; Deus
seja Louvado.; Entregue sua vida para Jesus também! - esses foram os padrões que mais
se repetiram).
Em meados de julho, Campinas entra na fase laranja das medidas sanitárias
epidêmicas. Nela os cultos religiosos estavam permitidos retornar com 30% da ocupação,
máscaras obrigatórias e distanciamento social. Para comunicar sobre a possível reabertura
o Pastor presidente de Campinas fez uma transmissão ao vivo pela rede social - faceboook
pelo perfil institucional da igreja. Durante a livre foi informado que os templos da Assembléia
de Deus ministério Belém em Campinas permaneceriam fechados. Essa postura não foi um
consenso entre os pastores presidentes das AD - Belém. A própria AD-Belém da cidade de
São Paulo, pastoreada pelo pai e pelo irmão do Paulo Freire, meu objeto, reabrira seus
templos. Não sendo hegemônico a postura da manutenção do templo religioso fechado e
tendo que dialogar com parte da membresia e do baixo clero descontentes houve um
discurso de defesa.
A defesa da manutenção do fechamento dos templos pela liderança religiosa foi
tratada como uma defesa da continuidade das atividades online. “Deus trabalha desse
modo também. A igreja não parou e, por isso, conquistou 1100 almas desde que começou
as transmissões virtuais. Esses cultos não devem parar.” Afirmou a liderança religiosa,
Pastor Paulo Freire da Costa. As conversões, portanto, eram uma demonstração da
eficácia dos cultos online. Eles eram compartilhados em forma de arte numérica no final dos
cultos:

O departamento de inclusão da igreja (Programa de Ação e Inclusão) foi treinado


para atuar nos comentários. Dessa forma, assim que alguém mandava uma mensagem
aceitando a cristo ou pedindo perdão para ser aceito novamente no corpo de membros, os
usuários deste departamento enviavam no chat um convite para um grupo no aplicativo de
conversa remota - whatsapp. Nesse outro aplicativo a pessoa iniciava uma conversa com
algum dos membros voltados a incluir, nessa conversa era pedido uma foto e o nome
completo para que possam ser incluídos no cadastro de membros e apresentados no ínicio
do próximo culto. Dessa forma, todo início de culto iniciava-se uma apresentação virtual
com a foto e seus nomes (lidos pelos presente pastor).
Durante a live discutindo a reabertura foram comunicados dados de saúde do
município. Segundo o pastor presidente, Paulo Freire da Costa, o secretário de saúde
municipal o teria enviado os dados e aconselhado a manutenção dos templos fechados.
Esse diálogo direto me rememorou um dado da minha pesquisa de iniciação científica
(2018/2019) na qual observei a campanha eleitoral do Paulo Freire da Costa. Como
deputado federal Paulo Freire da Costa faz constante doações de emendas parlamentares
para o Hospital das clínicas, sendo considerado um dos principais parceiros da rede de
saúde pública campineira.3 Para a membresia da igreja essa informação é reconhecida e
vivenciada como um privilégio dos membros e de seus familiares em relação à fila de
internações e vagas na U.T.I. Um de meus amigos próximos necessitou de uma transplante
de rim e foi através da mediação pastoral com o Hospital que este conseguiu sua vaga num
quarto para fazer o transplante e cuidado das complicações cirúrgicas. Aqui não ressalto a
efetividade ou no processo a partir da ligação pastoral com o HC da Unicamp, mas a sua
figura como mediadora do diálogo membro da igreja com o serviço público de saúde.

Grupo de jovens e outras resistências ao fechamento dos templos


Durante o processo observado foram identificadas inúmeras resistências ao
fechamento dos templos e a postura da liderança religiosa. Para esse ensaio o enfoque
será num espaço virtual e num grupo próprio e circunscrito, da qual eu sou próximo e
atuante, o grupo de jovens do templo central. Esse grupo atende jovens de 18 e não tem
um limite de idade, contendo pessoas com mais de 35 anos e alguns casais casados.
Porém o perfil médio é de 25 anos, solteiro, sem ensino superior e empregado. A atuação
deste grupo não é exclusivamente formar um coral, há elaboração de atividades entre essa
faixa etária como: cultos próprios, encontros domésticos e acampamentos. Esse grupo
possui algumas lideranças, sendo um pastor de 39 anos como liderança pastoral, um
auxiliar de culto de aproximadamente 50 anos como segundo líder e um coralista de
aproximadamente 45 anos como liderança do coral.
O grupo de conversa do aplicativo whatsapp do Grupo de Jovens possuem
lideranças e membros, ambos podem escrever. No início de março às mensagens do grupo
giravam em torno de assuntos como: aniversário de membros do grupo, reuniões e
encontros que ocorreram em janeiro (um workshop sobre carreiras e um culto de oração),
além da cobrança para nos inscrevermos no acampamento de carnaval (10 - 14 de abril) e
pagarmos.
A primeira aparição da epidemia no grupo foi um áudio encaminhado, gravado por
alguèm de fora do grupo, sobre uma reunião sobre o enfrentamento da epidemia na
Unicamp. Esse aúdio chegou dia 12 de março no grupo. Um áudio de 6 minutos que o
enviante ressaltou a fala “Por favor, prestem atenção. Na assembléia (a igreja) tem um bom
número de idosos. Basicamente, os jovens são vetor da transmissão pros idosos.”
reescrevendo-a. Apenas uma pessoa comentou esse áudio com os dizeres: “Precisamos
orar e vigiar porque a cada dia as coisas estão ficando piores. Essas doenças que estão

https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2018/02/09/hc-da-unicamp-recebe-equipamentos-a
dquiridos-com-recursos-parlamentares
vindo são só cumprimento da volta de Jesus.”. Depois desse comentário se seguiu um
comentário jocoso de outro membro sobre o grande tamanho do áudio com a pergunta: “é
um louvor? Renato Russo se converteu?”. E se seguiu com comentários sobre esse piada.
As lideranças do grupo não manifestaram nenhum comentário.
Uma terceira jovem começou a compartilhar uma sequência de vídeos de um
epidemiologista e criador de conteúdo digital, ainda no dia 12 de março. Sua sequência de
vídeos não recebeu interação no grupo. A primeira fala da liderança sobre o assunto foi um
re-encaminhar de um comunicado da alta liderança da igreja, Pr. Paulo, que chamava os
irmãos para 15 minutos de oração em favor da saúde de nossa cidade, durante o culto do
domingo dia 15 de março. Três jovens manifestaram apoio com um símbolo de mão em
oração, na sequência.
Durante o dia 13 de março, alguns jovens compartilharam notícias sobre casos
confirmados no Brasil e em Campinas. Um deles pedia oração pelo presidente Jair
Bolsonaro que voltara de uma viagem internacional com suspeita de infecção. Em resposta
a essas mensagens uma das lideranças escreveu uma mensagem, a primeira mensagem
autoral de uma das lideranças sobre o assunto. Sua mensagem foi: “Fiquem tranquilos, a
maioria desse grupo é imune.” Outra liderança compartilhou uma notícia de que o
presidente da república teria decretado 7 dias de feriado nacional. Tiveram comentários com
risadas, corações, e declarações de apoio à medida. Um dos Jovens fez um comentário
sobre o status das atividades religiosas nesse contexto: “Algumas igrejas em Campinas
estão cancelando os eventos e cultos. Acredito que alguma nota oficial saia ainda hoje.”
Como resposta a esta mensagem duas das lideranças se manifestaram de forma escrita e
autoral.
“Com todo respeito ao que é relativo ao conceito médico, mas isso é a
falência total do credo no Deus que livra de todo mal rs [...] Deus ainda cura
irmãos. Ele é o médico dos médicos, esquecemos disso?” Liderança musical
“Cancelar culto por causa de uma fakegripe é o cúmulo.” Vice liderança dos
jovens

No sábado, dia 14 de fevereiro, o pr. Paulo em conjunto com a diretoria da igreja AD


- Belém em Campinas realizou um comunicado oficial cancelando todos os cultos em todos
os templos ligados a igreja AD-Belém na cidade. Um dos jovem respondeu ao comunicado
com, o mesmo que informou sobre o fechamento dos templos em campinas no dia anterior
(chamarei ele de Josué para facilitar):
“Vamos orar… essa decisão foi muito sábia e sensata! Demonstra que nossa igreja e
líderes entendem o real perigo dessa epidemia São mais de 4 mil óbitos e milhares de
infectados. Respeitando os limites, estamos fazendo valer os esforços dos pesquisadores,
médicos e líderes de cada país." Josué, jovem de 24 anos, estudante de direito.

Em resposta as lideranças, as mesmas que o responderam acima, se


posicionaram:
“Isso foi determinação da prefeitura” Liderança musical em
comentário da mensagem do Josué.
“Todos os dias mais de 8.500 crianças morrem de fome, a vacina para
este mal se chama comida. Mas isso não causa pânico nas pessoas, não
são motivo para cancelar os cultos, nem manifestações políticas, não
derrubam economias para queda de preços de ativos que mais tarde serão
adquiridos pelos causadores do vírus, não vende remédio.
Já tive rubéola, sarampo, catapora, cachumba, dengue e ja não tive o
que comer. Tenho mais medo da desinformação e das reações desta
geração do que de um vírus de gripe. Temos que nos previnir dentro da
normalidade, apenas isso. Medidas de higiene preventivas previstas na Bíblia
há mais de 4 mil anos.
Que Deus nos ilumine.” Vice-liderança dos jovens.

O culto da virada do ano e o saldo de morte


A reabertura dos cultos se manteve até final de dezembro, depois das festas de
natal, nas quais houve culto e apresentações musicais. Chegando próximo a data do dia 31
de dezembro os preparativos para o culto da virada do ano, no qual a igreja para o culto 15
minutos antes da meia noite para iniciar o culto orando, começaram a ser compartilhados.
Um culto tradicional das igrejas da AD - Belém. Porém, em meio aos preparativos se
multiplicou as mensagens nos grupos de whatsapp da igreja4 pedindo oração por membros
da igreja infectados pelo covid-19. Alguns pedidos eram para familiares que estavam
entubados. Um pedido em especial foi pela família de um dos pastores mais tradicionais e
ancião do nosso templo que faleceu. Essa notícia do luto tomou os grupos e as lideranças
da igreja em Campinas. No mesmo dia foi determinado a suspensão das atividades e que o
culto da virada seria online.
No final da transmissão de ano novo ocorreu uma quebra da liturgia tradicional.
Depois da mensagem principal do pastor presidente, a mesma autoridade pastoral alguns
minutos de canção ao grupo musical enquanto aparecia na tela os nomes dos membros e
pastores que faleceram em 2020. Um luto nunca antes feito no culto da virada do ano.
Foram 52 nomes passados pela tela, 52 pessoas da comunidade religiosa AD-Belém que
faleceram neste ano pandêmico.

Conclusão:
Este presente ensaio não tem a pretensão de ser conclusivo quanto à universalidade
comentada na metodologia, porém, almejo fazer alguns comentários no sentido particular e
nas conexões com tal debate mais universal. Uma das hipóteses centrais é de que nesta
igreja que possui representantes políticos dentre suas lideranças religiosas haveria uma
presença de controvérsias públicas e de que isso poderia demonstrar a fragmentação da
comunidade. Essa hipótese mais ampla pode ser observada a partir de uma controvérsia
específica na igreja - as medidas protetivas.
Assim como afirma Casanova (2009), a desprivatização da religião, como as
representações parlamentares dos evangélicos, são uma via de mão dupla. As normas
seculares e sanitárias da epidemia do nova corona-vírus tiveram que ser incorporadas pela
comunidade religiosa a partir da regulação das próprias lideranças. A ligação da figura do
pr. Paulo Freire da Costa com o Hospital das Clínicas, enquanto doador de emendas
parlamentares, pode ser melhor investigada e tem uma possível força de justificar a
preocupação inicial da comunidade e sua postura resistente à re-abertura dos templos.
Da mesma forma, a participação dos evangélicos na eleição majoritárias para a
presidência da república em 2018 pode ser observada, atualmente, como uma reveladora
de fragmentações internas. Pois, parte do eleitorado evangélicos se manteve fiel ao
discurso epidêmico da presidência da república enquanto outra parte abandonou-o. Isso foi

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Foram observados os grupos de whatsapp de Jovens, Adolescentes, Orquestra e o grupo da
campanha eleitoral do vereador Alberto.
revelado na observação de campo em inúmeras tensões, neste ensaio, escolhi mostrar
essa resistência com um baixo-clero que estava nos cargos de liderança dos grupos dos
jovens.
Sobre a universalidade da proposta da Paula Montero, ressalto a teleologia da
fundamentação habermasiana que espera um aprendizado social da expressão pública, da
cidadania e da participação democrática. É a eleição de uma figura nociva às instituições
democráticas que desbalanceou a controvérsia das medidas sanitárias e colaborou para a
forma displicente de se fazer a reabertura. Não desejo também olhar para meu objeto
através de uma lente holística que espera uma evolução ou um progresso. Por isso, me
atenho ao presente e a historicidade do meu objeto.

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