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Hz460 Ensaio AdrielTorres
Hz460 Ensaio AdrielTorres
Introdução ao objeto:
A denominação observada corresponde a igreja evangélica pentecostal Assembléia
de Deus, que por sua vez apresenta uma grande fragmentação institucional (Freston, 1993;
Alencar, 2010). Internamente a esta fragmentação existem Convenções Nacionais, das
quais a Convenção Geral das Assembléias de Deus (CGADB) congrega o maior número de
Ministérios. Há 32 anos a CGADB é presidida pelo Ministério Belém sob o poder da mesma
família. O Ministério Belém é um dos principais segmentos da Assembléia de Deus no
Brasil. Tal Ministério é presidido pelo patriarca José Wellington Bezerra da Costa e possui 4
mandatos legislativos em São Paulo, sendo 3 destes de seus filhos. Os 4 mandatos estão
divididos em dois centros de poder: a capital paulista e Campinas. Em Campinas, o
Ministério Belém é presidido por Paulo Roberto Freire da Costa, filho do patriarca, que
também é deputado federal pelo PL desde 2010. Esta mesma igreja de Campinas possui
um representante municipal desde 2008, o Alberto Alves da Fonseca (PL) que planeja sua
reeleição. Dessa forma, meu trabalho de campo atende seguintes delimitações no campo
evangélico: Pentecostalismo, Assembléia de Deus e Ministério Belém em Campinas.
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Relevante afirmar que eu como membro atuante na comunidade religiosa faço parte do
coral de jovens. Essa inserção durante a pandemia gerou dois efeitos: a possibilidade de
acompanhar a comunicação interior do grupo e de sua liderança no aplicativo de conversa
Whatsapp, no qual o grupo de jovens possuem um grupo fechado; conversa direta com
lideranças do grupo de jovens que me cobravam a presença em atividades do grupo a
despeito da epidemia e das diretrizes pastorais.
máscaras durante a fala no microfone. O pastor presidente da igreja, o Paulo Freire da
Costa da Costa, de mais de 60 anos, e o pastor que ministrou a mensagem principal do
culto, Professor Alberto, de mais de 40 anos. Algo próprio dessas duas figuras são seus
cargos públicos. Estes são os dois representantes políticos da igreja, o deputado federal e o
vereador, respectivamente. Outros pastores mais velhos que o Paulo Freire da Costa
retiraram a máscara e todos os pastores que falaram menos que o Alberto retiraram a
máscara. Dessa forma, penso que o marcador relevante não seja a idade ou o tempo de
fala mas o corpo da representação política no corpo da representação religiosa.
Um momento próprio do púlpito que me chamou a atenção foi a presença de uma
coralista para cantar no púlpito. A cantora pegou o microfone em mãos e, antes de falar
diretamente à igreja pelo microfone, se dirigiu ao pastor presidente perguntando: “posso
tirar a máscara?''. Aquela ação que era uma obviedade sobre a necessidade da retirada da
máscara, no púlpito se torna uma dúvida que necessita da aprovação pastoral. Interessante
a relação deste evento com a “desprivatização de mão-dupla” de Casanova. É um exemplo
prático da incorporação de uma norma sanitária secular incorporada por agentes religiosos
incentivados por sua abertura para o espaço público.
O início da #aigrejanãopodeparar
Era um sábado de santa ceia, dia 14 de Março, quando a igreja Assembléia de Deus
- ministério Belém em Campinas anunciou o primeiro cancelamento de cultos devido a
epidemia do novo coronavírus. A medida foi tomada pela diretoria da igreja tendo em vista a
portaria municipal da secretaria de saúde que proibia o funcionamento dos templos
religiosos e estabelecimentos comerciais por 15 dias passível de multa. A partir desse dia
os cultos religiosos da igreja passaram a ser onlines. Os cultos se tornaram diários e o foco
passou a ser as manifestações de conversão virtuais. Logo após o culto eram
compartilhado artes digitais com o número de conversões de cada culto e através desse
cultos movimentados em número de acessos e em números de comentários pentecostais
(Glórias a deus! aleluia) a #aigrejanãopodeparar foi compartilhada.2
Esse primeiro momento se divide em três aspectos na minha apreensão: a
apropriação das medidas sanitárias, a reinvenção de práticas religiosas e a produção
discursiva da instituição religiosa em defesa do fechamento dos templos.
Os cultos eram realizados no templo religioso, porém, com a presença somente de
três pastores, um trio musical e os técnicos de som e vídeo. Nesse início os pastores
usavam escudo facial com máscara e a estante pastoral do púlpito estava envolvida com
papel filme. Uma das medidas preventivas desse período foi a restrição de pastores mais
velhos participarem da dinâmica do culto online, inclusive o pastor presidente de campinas,
Paulo Freire da Costa.
A reinvenção de prática litúrgica mais central foram as dinâmicas de conversão. É
próprio do pentecostalismo os característicos apelos e pregação para conversão. Porém,
pode se dizer que em culto as mensagens focam em sua maioria no falar em língua
estranhas, o fenômeno da glossolalia que é característico do pentecostalismo clássico da
Assembléia de Deus (Freston, 1993). Durante os cultos onlines o foco das mensagens
foram as novas conversões virtuais que puderem ser manifestadas virtualmente através de
mensagens nos comentários. Logo depois da mensagem principal, a câmera se aproxima
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Era incentivado pelos pastores, durante a transmissão online, o compartilhamento de fotos dos
espectadores reunidos assistindo o culto com a #aigrejanãopodeparar. Esses dizeres permaneciam
na tela durante toda a transmissão.
do pastor e o grupo musical começa a tocar. Inicia-se o momento do apelo. Surgem
mensagens nos comentários do site no qual está localizado a transmissão ao vivo dos
cultos no sentido: Eu aceito Jesus Cristo. No próprio comentário o usuário que se converte
é parabenizado e no culto online o pastor lê o nome e faz uma comemoração. O normal
durante esse momento é um pastor ficar apenas lendo os comentários e informando o
pastor que faz o apelo sobre quantos e o nome daqueles que se converteram. Essa pastor
fica não fica na centralidade do templo, mas em um canto do púlpito, com um notebook no
colo e um tripé com microfone montado para este. A cada menção de uma nova conversão
os pastores comemoram se movendo mais efusivamente, a banda toca mais alto e os
comentários no chat da transmissão se multiplicam (Graças a Deus!!; Glórias a Deus!; Deus
seja Louvado.; Entregue sua vida para Jesus também! - esses foram os padrões que mais
se repetiram).
Em meados de julho, Campinas entra na fase laranja das medidas sanitárias
epidêmicas. Nela os cultos religiosos estavam permitidos retornar com 30% da ocupação,
máscaras obrigatórias e distanciamento social. Para comunicar sobre a possível reabertura
o Pastor presidente de Campinas fez uma transmissão ao vivo pela rede social - faceboook
pelo perfil institucional da igreja. Durante a livre foi informado que os templos da Assembléia
de Deus ministério Belém em Campinas permaneceriam fechados. Essa postura não foi um
consenso entre os pastores presidentes das AD - Belém. A própria AD-Belém da cidade de
São Paulo, pastoreada pelo pai e pelo irmão do Paulo Freire, meu objeto, reabrira seus
templos. Não sendo hegemônico a postura da manutenção do templo religioso fechado e
tendo que dialogar com parte da membresia e do baixo clero descontentes houve um
discurso de defesa.
A defesa da manutenção do fechamento dos templos pela liderança religiosa foi
tratada como uma defesa da continuidade das atividades online. “Deus trabalha desse
modo também. A igreja não parou e, por isso, conquistou 1100 almas desde que começou
as transmissões virtuais. Esses cultos não devem parar.” Afirmou a liderança religiosa,
Pastor Paulo Freire da Costa. As conversões, portanto, eram uma demonstração da
eficácia dos cultos online. Eles eram compartilhados em forma de arte numérica no final dos
cultos:
https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2018/02/09/hc-da-unicamp-recebe-equipamentos-a
dquiridos-com-recursos-parlamentares
vindo são só cumprimento da volta de Jesus.”. Depois desse comentário se seguiu um
comentário jocoso de outro membro sobre o grande tamanho do áudio com a pergunta: “é
um louvor? Renato Russo se converteu?”. E se seguiu com comentários sobre esse piada.
As lideranças do grupo não manifestaram nenhum comentário.
Uma terceira jovem começou a compartilhar uma sequência de vídeos de um
epidemiologista e criador de conteúdo digital, ainda no dia 12 de março. Sua sequência de
vídeos não recebeu interação no grupo. A primeira fala da liderança sobre o assunto foi um
re-encaminhar de um comunicado da alta liderança da igreja, Pr. Paulo, que chamava os
irmãos para 15 minutos de oração em favor da saúde de nossa cidade, durante o culto do
domingo dia 15 de março. Três jovens manifestaram apoio com um símbolo de mão em
oração, na sequência.
Durante o dia 13 de março, alguns jovens compartilharam notícias sobre casos
confirmados no Brasil e em Campinas. Um deles pedia oração pelo presidente Jair
Bolsonaro que voltara de uma viagem internacional com suspeita de infecção. Em resposta
a essas mensagens uma das lideranças escreveu uma mensagem, a primeira mensagem
autoral de uma das lideranças sobre o assunto. Sua mensagem foi: “Fiquem tranquilos, a
maioria desse grupo é imune.” Outra liderança compartilhou uma notícia de que o
presidente da república teria decretado 7 dias de feriado nacional. Tiveram comentários com
risadas, corações, e declarações de apoio à medida. Um dos Jovens fez um comentário
sobre o status das atividades religiosas nesse contexto: “Algumas igrejas em Campinas
estão cancelando os eventos e cultos. Acredito que alguma nota oficial saia ainda hoje.”
Como resposta a esta mensagem duas das lideranças se manifestaram de forma escrita e
autoral.
“Com todo respeito ao que é relativo ao conceito médico, mas isso é a
falência total do credo no Deus que livra de todo mal rs [...] Deus ainda cura
irmãos. Ele é o médico dos médicos, esquecemos disso?” Liderança musical
“Cancelar culto por causa de uma fakegripe é o cúmulo.” Vice liderança dos
jovens
Conclusão:
Este presente ensaio não tem a pretensão de ser conclusivo quanto à universalidade
comentada na metodologia, porém, almejo fazer alguns comentários no sentido particular e
nas conexões com tal debate mais universal. Uma das hipóteses centrais é de que nesta
igreja que possui representantes políticos dentre suas lideranças religiosas haveria uma
presença de controvérsias públicas e de que isso poderia demonstrar a fragmentação da
comunidade. Essa hipótese mais ampla pode ser observada a partir de uma controvérsia
específica na igreja - as medidas protetivas.
Assim como afirma Casanova (2009), a desprivatização da religião, como as
representações parlamentares dos evangélicos, são uma via de mão dupla. As normas
seculares e sanitárias da epidemia do nova corona-vírus tiveram que ser incorporadas pela
comunidade religiosa a partir da regulação das próprias lideranças. A ligação da figura do
pr. Paulo Freire da Costa com o Hospital das Clínicas, enquanto doador de emendas
parlamentares, pode ser melhor investigada e tem uma possível força de justificar a
preocupação inicial da comunidade e sua postura resistente à re-abertura dos templos.
Da mesma forma, a participação dos evangélicos na eleição majoritárias para a
presidência da república em 2018 pode ser observada, atualmente, como uma reveladora
de fragmentações internas. Pois, parte do eleitorado evangélicos se manteve fiel ao
discurso epidêmico da presidência da república enquanto outra parte abandonou-o. Isso foi
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Foram observados os grupos de whatsapp de Jovens, Adolescentes, Orquestra e o grupo da
campanha eleitoral do vereador Alberto.
revelado na observação de campo em inúmeras tensões, neste ensaio, escolhi mostrar
essa resistência com um baixo-clero que estava nos cargos de liderança dos grupos dos
jovens.
Sobre a universalidade da proposta da Paula Montero, ressalto a teleologia da
fundamentação habermasiana que espera um aprendizado social da expressão pública, da
cidadania e da participação democrática. É a eleição de uma figura nociva às instituições
democráticas que desbalanceou a controvérsia das medidas sanitárias e colaborou para a
forma displicente de se fazer a reabertura. Não desejo também olhar para meu objeto
através de uma lente holística que espera uma evolução ou um progresso. Por isso, me
atenho ao presente e a historicidade do meu objeto.
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