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A seguir, apresentarei apenas ideias pessoais. Naturalmente, não quero dar conselhos aos
profissionais, nem dizer-lhes como deveriam dirigir suas instituições. Por outro lado, as
próprias condições de desenvolvimento das minorias aqui representadas são tais que eu não
me aventuraria a apontar uma solução única para todos os seus problemas.
Que museu poderia preencher todas essas novas funções, sem necessariamente abandonar
as antigas - pelo menos as que não se chocassem com o seu novo papel?
Em primeiro lugar, eu eliminaria a solução inadequada de se usar um rótulo - como
Ecomuseu - na esperança de que isto seja suficiente para renovar os velhos conceitos e as
velhas instituições. Em artigo publicado na revista Gazette, da Associação Canadense de
Museus, eu já relatei a história desta palavra, e a subsequente confusão que resultou em
várias teorias sobre a definição de Ecomuseu. Eu não repetirei isto aqui. Em vez disto, vamos
utilizar o diagrama fundamental do velho museu, para construir aqui um novo instrumento,
adaptado às necessidades das comunidades de hoje - as quais ainda teremos que definir.
Como os demais instrumentos de desenvolvimento, o novo museu deve ser capaz de atuar
simultaneamente em três direções: ação, capacitação e investigação. Não desejo classificar
esses três caminhos, nem atribuir-lhes prioridades. Cada um é independente dos outros;
nenhum pode ser implementado sozinho. Assim, o novo diagrama será organizado
respeitando-se este princípio fundamental, muito pouco seguido pelos museus já existentes
(os quais normalmente se concentram na pesquisa, às vezes desenvolvem programas de
capacitação e quase nunca embarcam na ação).
UMA LINGUAGEM ÚNICA
O museu (conceito este extensivo a todas as exposições, sejam elas permanentes,
semipermanentes, temporárias ou itinerantes) fala a linguagem das coisas reais, tal como
afirmou Duncan Cameron em 1970. Este é, talvez, o único ponto em comum entre o velho e
o novo museu.
Museu Clássico Museu desenvolvido pela comunidade
edifício território
coleções patrimônio (natural e cultural), com todos os
recursos disponíveis na comunidade
disciplina(s) científica(s) desenvolvimento integral
especialização approach interdisciplinar
público (voluntário, amador, cativo) população da comunidade /
visitantes da comunidade
busca do conhecimento (educação, lazer) capacidade de iniciativa criadora
Vocês perceberam que eu não mencionei a conservação. Ela existe enquanto função do
museu clássico, mas não (penso eu) no novo conceito de museu. Naturalmente, será
necessário conservar alguns objetos, mas não como meio de atingir os objetivos do museu:
não para constituir uma função específica, útil em si mesma. Para mim, a herança natural do
passado deve ser considerada como material cru ou semi-refinado, deixado à disposição dos
nossos contemporâneos e de seus sucessores, para permitir-lhes construir o seu novo
projeto.
Vamos falar em forma de parábola: um homem desejava construir uma casa, para si e para a
família. Após selecionar e adquirir um pedaço de terra e demarcar o seu território, decidiu
estabelecer normas e princípios gerais para a administração de sua futura casa. Depois,
selecionou - provavelmente numa loja ou construtora local, os materiais necessários: pedra,
cimento, tijolos, etc., e também os elementos para o telhado. Quando as paredes e o teto
estavam de pé, ele escolheu as janelas, as portas e o revestimento interno. Então começou
a equipar sua casa com canos, eletricidade, gás, etc. Depois decidiu que papel usaria nas
paredes de cada cômodo, e que mobília usaria...
O que este homem estava fazendo constitui um típico processo cultural, com o uso de
objetos reais. Num museu, como numa loja, devemos ser capazes de selecionar os materiais
para as nossas decisões, para reconstruir constantemente nossa sociedade e o futuro de
nossas crianças.
DEFININDO OS OBJETIVOS DO MUSEU
É lógico que não existe modelo para o nosso museu. Vou dar-lhes um exemplo do que
aconteceu no Creusot. Aquele museu foi considerado, durante anos, como uma espécie de
local de peregrinação para os profissionais de museus que buscavam novas ideias e novas
soluções. Esses 'peregrinos' não apenas invadiram uma instituição em desenvolvimento -
provocando sérias perdas de tempo e de energia para os membros da equipe e para os
voluntários - mas também entenderam de forma equivocada a maioria das características
importantes do Creusot. Entre os museus franceses, o resultado foi surpreendente: velhos e
novos museus copiaram o que existia no Creusot, sem dar-se conta de que aquelas
características eram consequência de circunstancias locais. Os estatutos, que eu redigi após
longas e difíceis negociações com os governos locais, as associações, os sindicatos, as firmas,
a administração central, foram considerados compulsórios para todos os ecomuseus
'genuínos', pela Direção de Museus de França!
Devemos, ao contrário, estabelecer para cada caso um método adequado, e mantê-lo
suficientemente flexível para acompanhar a evolução do projeto e da própria comunidade.
Este método deve incluir os seguintes itens:
1. despertar, selecionar, treinar líderes, ativistas, voluntários e profissionais da própria
comunidade;
2. escutar a comunidade e provocar suas reações, por meio de ações experimentais (que eu
chamaria de ações-pretexto);
3. promover a cooperação entre atores, em vários campos e disciplinas;
4. criar, entre as pessoas, uma situação de autoconfiança (condição essencial para a
tomada de iniciativas), por meio da criação de grupos especializados, da realização de
ações-teste - particularmente exposições preliminares e exploratórias, mesmos que estas
sejam simples e amadorísticas;
5. implementar técnicas de exposição básicas e sofisticadas, usando materiais e talentos
locais, refinando a linguagem do objeto, seu vocabulário, sua gramática;
6. adotar técnicas e realizar projetos de educação e de informação, respeitando o que eu
chamaria de 'as subjetividades simultâneas';
7. e por fim, aumentar e aprofundar a capacidade de observação, avaliando criticamente o
patrimônio e os valores do passado e também as influencias vindas do exterior; buscar
novas oportunidades, etc.
DEFININDO OS MEIOS
Cada comunidade atual quer ser capaz de dizer: 'eu fiz o meu museu, logo, eu existo'. Eu
sinto muito, mas para mim tal afirmativa não tem sentido, além do impacto imediato,
sentimental e temporário das atividades de abertura do museu. Nem todo museu pode
desempenhar correta e efetivamente o papel de agente necessário da expressão política, da
existência e da vitalidade de uma comunidade.
Em primeiro lugar, a comunidade, como um todo, deve reconhecer-se plenamente em seu
museu; em segundo lugar, ela deve fazer uso dele, como instrumento de seu próprio
desenvolvimento; em terceiro lugar, ela deve controlá-lo permanentemente. Finalmente, eu
não acredito que exista uma 'revolução permanente'.
Este novo conceito do museu servindo aos interesses do desenvolvimento comunitário pode
até ser revolucionário. Mas não devemos tentar preservar para sempre este movimento de
renovação: com o tempo, o museu tenderá a tornar-se uma instituição 'normal', seja porque
perderá, com o passar dos anos, sua originalidade e criatividade, seja porque o
'establishment' conseguirá assumir o seu controle, ou mesmo porque o movimento da
museologia, como um todo, evoluirá na direção do 'museu revolucionário'.
Palestra proferida durante o Encontro ICOM/UNESCO sobre Museus e Comunidades.
Jokmokk, Suécia, junho de 1986.
Publicado em inglês no livro Okosmuseumsboka, de J. A Gjestrum e M. Maure.
Comitê Nac. do ICOM para a Noruega, 1988: 33-40.
Publicação em português autorizada a T. Scheiner pelo autor e pelo editor.
Tradução de Tereza Scheiner, em agosto de 1992.