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INCAPACIDADES PARA CONSENTIR: CÂN.

1095

Ir. Isaac Segovia - CRSP


Mestrando em Direito Canônico - PISDC-RJ
INTRODUÇÃO

Neste artigo será abordado o cânon 1095 com seus três números (cân. 1095, 1º, 2º e 3º) sobre as
incapacidades de contrair matrimônio. Este cânon está positivado no Código de Direito Canônico
de 1983, Livro IV, Titulo VI, Parte I sobre os Sacramentos no Capítulo IV: do consentimento
matrimonial. A partir da Jurisprudência e após o personalismo do Vaticano II (cf. GS 48-52) e
sua decidida abertura para os temas fundamentais da liberdade, dos direitos fundamentais e para
as contribuições das ciências positivas, especialmente da antropologia, psicologia e psiquiatria,
"a Comissão de reforma do Código sintetizou em ordem lógica as incapacidades para consentir
em matéria matrimonial" (HORTAL, 2016, p.126).

CAPACIDADE PARA O CONSENTIMENTO MATRIMONIAL

O objetivo do Legislador, no cânon 1095, é definir a capacidade para o consentimento e


estabelecer os critérios jurídicos para medir o seu defeito. Viladrich diz:

"El propósito de este canon es regular los efectos de los trastornos psíquicos sobre la capacidad
interna del contrayente para prestar consentimiento matrimonial valido. El legislador es consciente
de que las anomalías psíquicas son extraordinariamente diversas en su naturaleza, en su etiología y
en la intensidad con la que afectan a cada sujeto, hasta el punto de que cada caso presenta un
cuadro particular y su diagnóstico médico requiere una estimación singularizada"
(COMENTÁRIO EXEGÉTICO AL CÓDIGO DE DERECHO CANÔNICO, Pamplona. EUNSA,
3ed., 2002, vol. III/2, p.1217)

O que interessa ao Legislador é a definição e tutela da noção de validade do consentimento.


Dessa maneira, o Legislador resolve o problema afastando-se de toda intenção e de qualquer
terminologia ou classificação de caráter médico-psiquiátrica ou psicopatológica, a fim de evitar
que se confunda a presença de uma anomalia psíquica com a automática presença da
incapacidade de consentir.

Tendo em consideração esse propósito do Legislador, o cânon 1095 estabelece três hipóteses de
nulidade matrimonial por conta de consentimento causada por falta de suficiente uso de razão
(cf. nº. 1), por grave defeito de discrição de juízo (cf. nº. 2) e, por incapacidade de assumir as
obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza psíquica (cf. nº. 3).

"Se distinguen, por tanto, en la emisión del consentimiento matrimonial tres momentos claves: la
capacidad para entender o conocer el matrimonio, la capacidad para percibir o valorar críticamente
el matrimonio y la capacidad para asumir y cumplir esos mismos compromisos matrimoniales"
(AZNAR GIL, 2002, p. 86).

Tal formulação encontra sua raiz na Jurisprudência Rotal dos últimos vinte anos e supõe uma
graduação entre as três, como explica a Comissão de redação do Código atualmente em vigor.
Embora os princípios da incapacidade de emitir um válido consentimento matrimonial já
estivessem contidos implicitamente no direito anteriormente vigente (†cân. 1081, CIC 1917),
pareceu conveniente expressá-los no novo Direito de maneira mais distinta e clara. O cân. 1095
nas suas três modalidades distintas mostram-nos os “três supostos fundamentais do processo
psicológico do ato humano: conhecer, decidir e realizar” (ALMEIDA, 2017, p. 36).

USO DA RAZÃO (cân. 1095, 1º)

Trata-se sobre a incapacidade total para emitir tal consentimento, por causa de uma doença
mental ou de uma perturbação que impede o uso da razão, de maneira permanente ou ocasional;
dito de outra maneira se trata da capacidade de conhecimento: conhecer (cf. cân. 1095, 1º).

No texto do esquema usava-se o termo doença mental, que não consta mais no texto promulgado,
isso pode ser observado nas seguintes esquemas:
"Projeto de 1975 (Schema 1975) - Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1) qui mentis morbo
aut gravi perturbatione animi ita afficiuntur ut matrimonialem consensum, utpote rationis usu
carentes, elicere nequeant (can. 296, 1);"

"Projeto de 1980 (Shema 1980) - Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1) qui mentis morbo
aut gravi perturbatione animi ita afficiuntur ut matrimonialem consensum, utpote sufficienti
rationis usu carentes, elicere nequeunt (can. 1048, 1);"

"Schema Novissimum (1982)– Sunt incapaces matrimonii contrahendi: Iº. qui mentis morbo aut
gravi perturbatione animi ita afficiuntur, ut matrimonialem consensum, utpote sufficienti rationis
usu carentes, elicere nequeant (can. 1095, 1);"

Os dois primeiros projetos e o schema novissimum usam a palavra mentis morbo (doença
metal), que o Legislador ao positivar o cânon 1095, 1 formulará da seguinte forma:

"CIC 1983 - Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1°. qui sufficienti rationis usu carent (can.
1095, 1º);"

Segundo a interpretação de Martin Segú, o cânon 1095, 1, o texto parece bem claro quando trata
das pessoas portadoras de insuficiente uso de razão no momento de contrair, significa que estão
incapacitados de celebrar, ou seja, de unir-se o consentimento em matrimônio:

"O texto não entra no mérito etiológico, nem dos quadros referenciais da questão. Nosso
Ordenamento Jurídico limita-se a afirmar e a constatar uma realidade, aqui e agora, isto é, esse
determinado indivíduo é portador de uma carência de suficiente uso, independentemente das
causas que o provocam e mesmo da sua temporalidade, se é passageira ou é habitual, isto porque
tanto uma como a outra inabilitam esse determinado indivíduo por não ser compôs sui. Portanto, o
Legislador não entra no mérito da questão para saber se as causas são internas ou externas, se
endógenas ou exógenas, se temporárias ou crônicas. O que importa é que se esse determinado
individuo no momento de manifestar seu consentimento estivesse sem o suficiente uso de razão,
estaria também, consequentemente, incapacitado de externar, melhor dizendo, de agir ou de
executar um ato jurídico válido" (GIRONA, 2003, p.140).
Nesse sentido o indivíduo carece da capacidade para poder deliberar de forma proporcionada
sobre o matrimônio que vai contrair.

Ora, a expressão ‘uso de razão’, positivada pelo Legislador no c. 1095, 1, tem um significado
estrito jurídico-canônico relacionado à tarefa de especificar as dimensões da voluntariedade
própria da capacidade dos cônjuges para o consentimento matrimonial.

VILADRICH diz assim sobre o termo ‘razão’:

"O termo «razão» do cân. 1095, 1º não se limita a aludir somente à inteligência, como aquela
faculdade cujo objeto é conhecer verdadeiramente. Nem muito menos o significado jurídico de
«razão» se pode reduzir à função especulativa do entendimento, interpretando que o uso de uma
razão prática proporcionada ao matrimônio, incluindo a sua função estimativa, determina, por sua
vez, o campo do grave defeito da discrição de juízo do nº. 2 do cân. 1095" (VILADRICH, 1997, p.
55)

Nesse sentido, também Viladrich se pergunta o que significa a palavra "suficiente" em relação ao
uso da razão? Porque o nº. 1 inclui nela a medida da insuficiência, isto é, um termo que expressa
o juízo de prudentia iuris com o qual estima o defeito da capacidade, por isso, para o uso da
razão a medida é o termo suficiente:

"Antes de mais, «suficiente» abarca a carência completa de uso da razão: é indubitável que são
incapazes aqueles que não gozam de nenhum uso da razão. Mas uma vez assente este evidente e
óbvio significado, onde não há que aplicar nenhuma «medida» ao uso de razão, porque o sujeito
carece por completo dele, o legislador quis assinalar com o termo «suficiente» três regras mais
específicas: a) pode existir um certo uso de razão no contraente, mas este uso pode não ser ainda
suficiente para reconhecer capaz de realizar com validade o ato de contrair: por exemplo, certos
graus de atraso mental ou de mongolismo; b) o sujeito pode padecer de certa deficiência no uso de
razão, apesar da qual não obstante ter a medida de uso de razão suficiente para reconhecer capaz
de realizar racional e voluntariamente o ato de prestação do consentimento, isto é, o sinal nupcial.
(...) É compatível certo nível de insuficiência atual com a posse de capacidade consensual: por
exemplo, muitos estados depressivos leves ou moderados, certa euforia etílica, e outras formas de
perturbação análogos entre as quais não será ocioso recordar, em qualquer caso, os frequentes
episódios de intensa alteração emocional tão próprios dos sentimentos no momento de celebração
da boda; c) o legislador exige uma suficiência cuja medida é a natureza se ato humano que, em
qualquer caso, deve ter a realização do sinal nupcial, enquanto ato de prestar consentimento"
(VILADRICH, 1997, p. 56-57)

Neste caso, o uso da razão de que trata o nº.1 não é simplesmente aquele grau que se presume
adquirido a partir dos sete anos (cf. c. 97 § 2), mas aquele nível de uso de razão capaz de
entender e querer o significado verdadeiro do ato nupcial da boda.

Por isso, qualquer causa fática capaz de provocar essa insuficiência atual de uso de razão no
momento do ato de contrair o matrimônio, pode ser suposto de fato compreendido sob o c.
1095, 1 como, por exemplo: os estados pontuais de embriaguez, de intoxicação por substâncias
psicotrópicas ou sobredose de produtos farmacêuticos, episódios de transtornos esquizofrênicos.
Então, o Legislador formulando o texto 1095, 1 deseja assegurar a suficiente capacidade natural
de entender e querer das pessoas sobre o consentimento, esta capacidade é fundamental e
necessária para que haja o ato de consentir. Porque esse ato compromete às duas pessoas, até que
a morte os separe, dentro de uma relação interpessoal, contínua e constante, visando "a íntima
comunhão de vida e de amor conjugal" (GS. nº.48).

A FALTA GRAVE DE DISCRIÇÃO DE JUÍZO (cân. 1095, 2º)

O Legislador vai adentrar no consentimento interno de cada contraente, isto para dizer que é
capaz de entender e querer o sinal e sentido nupcial, para identificar o objeto essencial do ato
interno da vontade segundo define o §2 do cân. 1057. Este objeto (duas pessoas em sua
totalidade) se faz a entrega e se aceita, do varão para a mulher e da mulher para o varão em
forma de união vinculada juridicamente (cf. VILADRICH, 1997, p. 59).

Segundo Viladrich, este c. 1095 nº 2 versa sobre a dimensão da voluntariedade do


consentimento, ou seja, se no momento de consentir, o varão e a mulher tenham entendido e
compreendido a dimensão do dom e aceitação recíproca para se doar um ao outro, de se receber
mutuamente enquanto varão e enquanto mulher (cf. VILADRICH, 1997, p. 60).

A doação mútua e recíproca tem como objeto as duas pessoas em sua totalidade, comunhão da
vida toda, entendida em sentido temporal (por toda a vida), mas também em sentido abrangente
(de toda a vida).

No projeto de elaboração do esquema para chegar à redação final teve um longo processo, isso se
percebe pelo tempo que levou o schema para chegar ao seu termo de positivação final:

"Projeto de 1975 (Schema 1975) - Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1) (...); 2) qui laborant
gravi defectu discretionis iudicii circa iura et officia matrimonialia mutuo tradenda et acceptanda
(can. 296, 2 - novus)"

"Projeto de 1980 (Schema 1980) - Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1) (...); 2) qui laborant
gravi defectu discretionis iudicii circa iura et officia matrimonialia mutuo tradenda et acceptanda
(can. 1048, 2)"

"Schema novissimum (1982)- Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1º (...); 2º qui laborant
gravi defectu discretionis iudicii circa iura et officia matrimonialia mutuo tradenda et acceptanda
(Can. 1095, 2º)"

O Código atual formula esta incapacidade da mesma forma que estava nos projetos de 1975 e
1980:

"CIC 1983 - Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1° (...); 2°- qui laborant gravi defectu
discretionis iudicii circa iura et officia matrimonialia essentialia mutuo tradenda et acceptanda
(Can. 1095, 2º)"

Pode-se dizer que o cân. 1095, 2º é uma normativa canônica nova, porque não existia no antigo
Código de 1917, embora a jurisprudência já houvesse aplicado a inúmeros casos de nulidade
matrimonial há muitos anos. É um capítulo muito frequente nos Tribunais Eclesiásticos (cf.
AZNAR GIL, 2002, p. 58).

Aborda especificamente sobre o cânon 1095, 2 sobre a grave falta de discrição de juízo, que se
refere na capacidade de julgar e ponderar sobre as responsabilidades que se assumem no
matrimônio. Assim, para que seja emitido um consentimento matrimonial, se exige das partes,
não só a posse de uma noção abstrata e teórica do matrimônio, mas também uma adequada
tomada de consciência de suas consequências.

Segundo Jesus Hortal:

"O que a jurisprudência passou a exigir, após madura reflexão, foi não apenas um conhecimento
teórico, mas também a discrição do juízo, ou seja, a maturidade suficiente para apreciar o
conteúdo e a gravidade das obrigações que se assumem ao contrair matrimônio" (HORTAL, 2016,
p. 128)

Por isso, não se refere sobre uma exigência para das partes uma 'maturidade completa' nem uma
liberdade interior plena, nem um equilíbrio volitivo-afetivo perfeito, nem tampouco um
conhecimento científico exato, profundo e de todas as consequências que o ato do matrimônio
acarretará consigo na comunhão de toda a vida e no relacionamento interpessoal. Porém, é
necessário apenas um juízo prático sobre aquilo que se quer para si mesmo, como é o ato do
matrimônio.

A este propósito, convém lembrar que há uma diferença essencial entre o conceito canônico de
maturidade e o conceito que dela têm as ciências humanas e psicológicas. Para o Direito
Canônico, considerando-se que o matrimônio pertence à natureza mesma do homem (ato
humano e não ato do homem), que tem para aquele uma inclinação natural (direito natural), a
maturidade refere-se ao mínimo indispensável para a validade do consentimento. É por essa
razão, por exemplo, que o Código estabelece a idade mínima para validade, de 16 anos
completos para o homem e de 14 anos completos para a mulher (cf. cân. 1083, §1). No mesmo
sentido, estabelece o mínimo de conhecimento necessário para a validade dizendo: "Para que
possa haver consentimento matrimonial, é necessário que os contraentes não ignorem, pelo
menos, que o matrimônio é um consórcio permanente entre homem e mulher, ordenado à
procriação da prole por meio de alguma cooperação sexual" (cân. 1096, §1).

Na alocução proferida pelo Romano Pontífice Bento XVI ao Tribunal da Rota Romana na
inauguração do ano judiciário, assim distingue a maturidade psíquica e maturidade canônica:

"(...) é oportuno recordar ainda algumas distinções que traçam a linha de demarcação antes de tudo
entre «uma maturidade psíquica que seria o ponto de chegada do desenvolvimento humano», e
«maturidade canônica, que é ao contrário o ponto mínimo de partida para a validade do
matrimônio»; em segundo lugar, entre incapacidade e dificuldade, enquanto «só a incapacidade, e
não a dificuldade de prestar consentimento e para realizar uma verdadeira comunidade de vida e
de amor, torna nulo o matrimônio»; em terceiro lugar, entre a dimensão canônica da normalidade,
que inspirando-se na visão integral da pessoa humana, «inclui também formas moderadas de
dificuldade psicológica», e a dimensão clínica que exclui do conceito dela qualquer limite de
maturidade e «toda a forma de psicopatologia»; por fim, entre a «capacidade mínima, suficiente
para um válido consentimento» e a capacidade idealizada «de uma plena maturidade no que diz
respeito a uma vida conjugal feliz»" (Bento XVI, Discurso à Rota Romana, 29/01/2009).

Por isso, o defeito de discrição de juízo, exigido para invalidar o matrimônio, deve ser grave,
tornando a pessoa incapaz para um ato humano específico, como é o consentimento matrimonial
(cf. LLANO CIFUENTES, 1990, p. 311) Isto é, deve revestir-se de um caráter anormal ou
patológico, de frequente ocorrência, por exemplo, em casos de neuroses e psicopatias, quando a
incapacidade de formar um juízo prático é fruto de graves hesitações ou conflitos de motivos,
próprios de personalidades inseguras, sujeitas a angústia e depressões, sendo as mesmas
inexoravelmente impelidas pelas circunstâncias à celebração de núpcias, mesmo sem capacidade
crítica.

O amadurecimento requerido para o ato consensual matrimonial deve ser, portanto,


proporcionado ao matrimônio, referindo-se especialmente à decisão deliberada da vontade, no
sentido de que o contraente deve possuir tanto a liberdade de exercício para contrair, como a
liberdade de especificação para escolher uma pessoa ou outra, entre várias.

O Código exige que a discrição de juízo seja grave. LLANO CIFUENTES diz:

"O cânon fala, precisamente por isso de defeito grave e deve versar exatamente sobre os direitos e
deveres essenciais do matrimônio. Quer dizer, trata-se de uma incapacidade específica - in re
matrimoniali - que dificulta captar precisamente a essência do matrimônio" (LLANO
CIFUENTES, 1990, p. 311)

Martin Segú vai na mesma linha de Cifuentes ao dizer que:

"No tocante ao objeto do grave defeito da discrição de juízo, o cânon limita-se a dizer que é
constituído de direitos e deveres matrimoniais essenciais do dar e do receber. Por consequência, o
objeto do defeito está incluído, como um dos múltiplos aspectos no próprio objeto do
consentimento matrimonial tal como aparece em nosso Ordenamento Jurídico" (GIRONA, 2003,
p. 145)

A INCAPACIDADE DE ASSUMIR (cân. 1095, 3º)

Neste número apresenta-se a incapacidade de assumir obrigações, ou melhor, aqueles que não
são capazes de assumir as obrigações essenciais do matrimônio, por causa de natureza psíquica.
A jurisprudência ao considerar o conteúdo do c. 1095, 3, fundamenta-se no próprio direito
natural, ou seja, na impossibilidade de que o indivíduo se obrigue a prestar algo que supere sua
própria capacidade, isto é, para ele é impossível cumprir o prometido (cf. LLANO CIFUENTES,
1990, p. 234).

Eis o primeiro schema desenvolvido pela Comissão preparatória do c. 1093, 3º: "Sunt incapaces
matrimonii contrahendi ob gravem anomaliam psychosexualem obligationes matrimonii
essentiales assumere nequeunt". "Esta redação provocou não pequenas críticas especialmente por
restringir a incapacidade a uma causa muito limitada: grave anomalia psico-sexual" (LLANO
CIFUENTES, 1990, p. 325). Porque se argumentou que a falta de incapacidade de assumir as
obrigações poderia ser originado de outras causas e não necessariamente de anomalia
psicosexual. Então, aceitou-se a seguinte fórmula que segue neste schema de 1980: Sunt
incapaces matrimonii contrahendi qui ob gravem anomaliam psychicam obligationes
matrimonii essentiales assumere nequeunt (can. 1049)". O esquema de 1982 continuou com a
mesma redação. E finalmente foi positivado pelo Legislador da seguinte maneira: Sunt incapaces
matrimonii contrahendi: qui ob causas naturae psychicae obligationes matrimonii essentiales
assumere non valent (can. 1095, 3º)". Com essa redação final, entende-se que se propicia
ampliar esta incapacidade de uma maneira genérica, por causas de natureza psíquica.

Para entender melhor a amplitude que abrange o c. 1095, 3 sobre as causas que podem gerar esta
incapacidade num indivíduo são: o alcoolismo que por sua vez pode se distinguir suas
manifestações da seguinte maneira, embriaguês simples ou ocasional, alcoolismo agudo e
alcoolismo crônico; também a toxicomania que por sua vez pode ser simples ou agudas, todos,
não é de origem sexual.

Por sua vez, a Jurisprudência Rotal levantou a questão sobre a homossexualidade e


bissexualidade, dizendo:

"a jurisprudência rotal - exigindo determinados requisitos - sentenciou a nulidade do matrimônio


seguindo vários capítulos de nulidade (...) como demência "in re uxoria"; como perturbação da
liberdade interna; como falta de discrição de juízo; como, impotência moral; e, enfim, como
incapacidade para assumir as obrigações conjugais por falta do objeto essencial do concreto. Nesta
última perspectiva, que é a que nos interessa, o homossexualismo incapacita para o matrimônio
porque quem o padece não pode outorgar o direito exclusivo aos próprios da geração que constitui
um dos elementos do "consortium totius vitae" (LLANO CIFUENTES, 1990, p. 329).

Se alguma dessas causas citadas acima tivesse a pessoa, é provável que não seja capaz para uma
boa convivência conjugal. Isto porque faltaria a doação mútua dos contraentes, assim também,
entre outras coisas, a entrega e recepção do bonum coniugum. Dessa maneira, contrai-se um
matrimônio inválido, pela incapacidade de assumir uma obrigação essencial do matrimônio,
além disso, ob causas naturae psychicae, não será capaz de dar à outra parte o direito a instaurar
e conservar a vida conjugal. Ora, aqui não se trata de mera dificuldade de estabelecer um sadio
relacionamento conjugal, deve provir necessariamente de grave defeito psíquico ou psicopatia
grave para a invalidade do consentimento.

Enfim, convém notar que a causa psíquica explicita que a pessoa não pode assumir, mas é a
incapacidade de assumir - e não a causa psíquica - que constitui a verdadeira incapacidade
consensual causadora de nulidade. Portanto, para ser aplicado este capítulo de nulidade, há que
se provar não tanto a gênese grave da anomalia psíquica quanto à realidade da impossibilidade
de assumir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo conceito do matrimônio desenvolvido pela jurisprudência e a doutrina, após o Concílio
Vaticano II e os avanços das ciências antropológicas, psicológicas e psiquiátricas, fizeram que se
colocasse este capitulo de nulidade no Código de 1983, cânon 1095. O Legislador divide o cânon
sobre a incapacidade em três apartados: falta de uso de razão; grave defeito de discrição de juízo;
e incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio.

Com todo o exposto, posso ponderar o cânon 1095, 1º-2º e 3º da seguinte maneira. Os dois
primeiros números (1º e 2º) referem-se aos componentes cognitivos, deliberativo e volitivo do
ato psicológico humano do consentimento matrimonial de elaborar o consentimento, com relação
direta à dimensão racional e livre dos contraentes como sujeitos ativos do matrimônio in fieri,
isto é, nas capacidades de entender, querer e valorar o matrimônio.

No entanto, o n. 3º refere-se ao componente da capacidade de assumir as obrigações, na sua


dimensão de cumprir dentro do matrimônio in facto esse, que hão de realizar como verdadeira
relação da comunidade de vida. É bom salientar que a incapacidade de assumir deve dar-se no
momento da celebração do matrimônio in fieri, que por sua vez vai ser desenvolvida em quanto
estado permanente de vida em comum dos nubentes.

Para que se faça justiça no processo de nulidade, o Papa João Paulo II se pronuncia
insistentemente aos prelados da Rota Romana contra o que seria um surto de anulações de
casamento, por isso deixou claro que o juiz não deve se deixar influenciar por conceitos
antropológicos inaceitáveis, advertiu ele em 1987. Isto é, o juiz deve sempre se resguardar do
perigo do sentimentalismo em nome da pastoral e da misericórdia, dito de outra forma, não deve
agir em nome da pastoralidade para atender ao capricho do ser humano.

Por isso, é importante a interpretação correta da lei positivada no Código para fazer justiça. Para
tal interpretação existe a Instrução Dignitas Connubii, especificamente no seu Art. 56 deixa clara
a maneira de como deve ser o processo para que não se cometa exagero e relaxamento em quanto
à interpretação do cânon 1095.

Para terminar quero salientar uma possível causa de nulidade que poderia ser positivada a partir
de pesquisa e sentenças rotais, porém, sempre que tenha um origem psíquico, por exemplo: a
infidelidade.

REFERÊNCIAS:

-ALMEIDA, D. José Aparecido Gonçalves de (org.) Vade-mecum do motu proprio «Mitis iudex
Dominus Iesus». Brasília: Edições CNBB, 2017.

-AZNAR GIL, Federico. Derecho matrimonial Canônico. Vol. II: cánones 1057; 1095-1107.
Salamanca: Publicaciones Universidad Pontificia, 2002.
-Código de Direito Canônico, promulgado por João Paulo II, Papa. Tradução: Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil. São Paulo: Loyola, 2017.

-COMENTÁRIO EXEGÉTICO AL CÓDIGO DE DERECHO CANÔNICO, Pamplona.


EUNSA, 3ed., 2002, vol. III/2.

-Constituição Pastoral "Gaudium et Spes" in Compêndio do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1986.

-Discurso do Papa Bento XVI de 29 de janeiro de 2009 ao Tribunal da Rota Romana.


http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2009/january/documents/hf_ben-
xvi_spe_20090129_rota-romana.html

-GIRONA, Côn. Dr. Martin Segú. Os vícios de Consentimento Matrimonial e o cânon 1095
do Novo Código de Direito Canônico de 1983. Revista de Cultura Teológica - v.11 -Nº 45
-OUT/DEZ 2003.

-HORTAL, Jesús SJ. O que Deus uniu. Lições de Direito Matrimonial Canônico. São Paulo:
Loyola, 2016.

-LLANO CIFUENTES, Rafael. Novo Direito Matrimonial Canônico: o matrimônio no Código


de Direito Canônico de 1983. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1990.

-MENEZES GONÇALVES, Pe. Mario Luiz. Jurisprudência Rotal. In: Apostila para uso
privado do aluno, 2019, 93 p.

-Pontifício Conselho para os Textos Legislativos. DIGNITAS CONNUBII.


http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_2
0050125_dignitas-connubii_po.html

-VILADRICH, Pedro-Juan. O consentimento matrimonial. Braga, 1997.

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