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AULA 2

Kwasi Wiredu ou Emmanuel C. Eze?

O importante nesta aula 2 é examinar duas vertentes de questões: uma, a perspectiva


a partir da qual dois filósofos africanos pensam em face da realidade africana. São
formas de análise que se distinguem uma da outra do ponto-de-vista de um futuro
para a África. O que mostra, ainda que resumidamente, que pensar a África a partir
da África, por seus intelectuais, pode nos levar, aqui, a uma compreensão em que
não há homogeneidade do que seja África. Porém, nas entrelinhas, seguramente em
ambos, o que os une é a busca por uma possível cura das marcas deixadas pelos
colonialismos (o velho e o novo). Daí o título desse exame: com quais interpretações
aquele futuro poderá se tornar possível?1

***

Kwasi Wiredu

Como não se deve comparar o pensamento africano como o ocidental

O problema

As reflexões de Wiredu, nos parágrafos iniciais, indica uma diferenciação principal: o


pensamento tradicional popular africano tem em seu cerne uma compreensão do
mundo que se funda em certa espiritualidade “que tende a constituir explicações dos
fenômenos naturais a partir de deuses e espíritos ancestrais”, entretanto, tal
pensamento tradicional não pode ser confundido com o pensamento filosófico
africano. Essa associação entre pensamento tradicional africano (para Wiredu, um
pensamento pré-científico, formado de categorias que, ainda assim, pretendem
constituir “uma pespectiva coerente do mundo”) e pensamento filosófico, foi um erro
1
A outra vertente, no desenvolvimento do programa, é o estranhamento: momento em que emerge um
acontecimento que nos distancia de nós mesmos como rompimento do fluxo cotidiano natural, uma forma de
abertura para um possível singular e histórico. Assim, temos uma passagem do mesmo a um outro possível.
Uma “desindentificação”? Especificamente em relação ao vídeo, que circunstancias levam ao estranhamento
do pertencer-sem-pertencimento?
Além destas duas vertentes, numa curta análise, pensar o conceito de epistemicídio, pertinente para o
pensamento pedagógico-didático: o que é uma escola? O que é a educação?
epistemológico dos antropólogos europeus (os ocidentais): estes não atentaram para
o fato de que toda cultura forma um pensamento tradicional, pré-científico,
espiritualista que, entretanto, para Wiredu, deve ser diferenciado do pensamento
científico moderno.2

Efeitos perniciosos deste erro3 e suas soluções

A diferenciação, se for feita, entre pensamento tradicional africano (sem base


científica, predominantemente espiritualista) e pensamento filosófico africano
produzirá a compreensão “menos exótica”. Já podemos delinear com isso, que um
pensamento filosófico africano deve ter certa racionalidade que se distinga desta
base pré-científica espiritualista da tradição.

Outro efeito pernicioso, como acréscimo ao erro antropológico, é que a própria elite
africana não realizou uma reflexão crítica “sobre a situação africana contemporânea”
(p.2), que, para Wiredu, concerne ao problema de sua não-modernização. Essa elite
mostra uma posição ambivalente: por um lado quer “preservar as culturas
indígenas[locais]” e, por outro, quer a modernização. Essa ambivalência, (ou seria
contradição, para Wiredu?), é que o caráter tradicional da cultura africana foi o
mesmo que “habilitava esparsos grupos europeus a subjugar largas massas da
população africana e coloca-la sob o jugo colonial (p.3). Aquela modernização a que
nos referimos acima, se revela aqui, tendo em vista a “situação africana
contemporânea”, como esforço de racionalização para um desenvolvimento
econômico e social: uma cultura na qual absorva os elementos da racionalidade
científica e do letramento4, além de ter critérios que orientem sobre o que deve ou
não ser evitado na cultura tradicional (oral e pré-científica/espiritualista). Sob este
último aspecto, Wiredu critica as superstições como manifestações irracionais das

2
“Lamentavelmente, ao invés de observar as características não-científicas básicas do pensamento tradicional
africano como um tipo de pensamento tradicional em geral, antropólogos ocidentais e outros junto deles,
tendem a toma-las como definindo uma forma peculiar de pensamento africano. Os efeitos perniciosos deste
erro não são poucos”.
3
Para Wiredu, esse erro “não implica em que isto [a indiferenciação] tenha acontecido por racismo anti-
africano” (p.2). Podemos, entretanto, desconfiar, dessa afirmação. O exótico (ou o “menos exótico”), pode ser,
uma forma de compreensão (antropológica, neste caso) racializada de um africano, conforme nos indica
Mbembe (Crítica da Razão Negra, p. 120-125).
4
“Se uma cultura é tanto não-científica, quanto não letrada, em alguns importantes aspectos se pode dizer
que está atrasada em sentido bastante profundo” (p.3)
crenças5 (a bem da verdade, ele afirma, não só nas crenças africanas mais igualmente
as crenças em geral).

A filosofia africana de Kwasi Wiredu

O que ele “exige” é que o pensamento se afirme por uma argumentação racional, que
deveria acontecer na análise da realidade (e em certos casos acontece tanto em África
quanto no mundo ocidental). O ocidente, contudo, realiza esta racionalidade com
mais desenvoltura do que a África

Ou seja, Wiredu explicita sua compreensão de filosofia: uma investigação


racional para compreender “a situação africana contemporânea”. Este é o ponto.
Esta situação é a de analisar a melhor forma de propor a modernização na
África compreendida como desenvolvimento econômico e social. Cabe ressaltar
que esta investigação racional, pressuposto fundamental de sua concepção
filosófica, deve ser incorporada e exercida como aquisição cultural africana. Neste
sentido, o desenvolvimento econômico-social não se apresenta em termos absolutos,
meramente em seu aspecto tecnológico6 como quando afirma...

. Legisladores e líderes de opinião africanos têm tentado pensar o


desenvolvimento nos termos dos aspectos visíveis da modernização
– em termos de enormes edifícios e máquinas complexas –,
negligenciando os fundamentos mais intelectuais da modernidade.

A modernidade é entendida como modernização para o desenvolvimento de uma


atitude crítica que suplante os preconceitos e superstições, essa espécie de
subdesenvolvimento ainda presente nas “esferas religiosas, moral e política”. Tal atitude
deveria manifestar-se como crítica racional também nestas três esferas. Ou seja, uma
filosofia que entende como sinônimos modernização e desenvolvimento referidos à esfera da
Cultura, e que se daria como processo histórico em direção ao futuro... “coisa do futuro até
no ocidente”:

“(...) um processo através do qual os africanos, juntamente com todos os


demais povos, aspiram alcançar um destino especificamente humano – um
5
“A pressuposição de que os espíritos dos antepassados continuam nos rondando em alguma forma rarefeita,
no entanto, prontos para tomar um gole da aguardente das cerimonias, é uma proposição em relação a qual
nunca ouvi qualquer defesa racional”
6
Ou mesmo quando o desenvolvimento modernizador é garantido pela aplicação prática das conquistas da
ciência nas condições de vida das pessoas.
pensamento que deveria suavizar os escrúpulos daqueles africanos
reflexivos que costumam ver a modernização como uma invasão
estrangeira.”

Assumir a racionalidade, entendida como processo crítico que articula modernização


e desenvolvimento, não significa, nesta forma de pensar o destino da África, uma
negação das heranças africanas, pois se submetidas à análise crítica, necessariamente
seus pressupostos seriam pensados, racionalizados, tornando-se aceitáveis, assim,
em seus aspectos estritamente simbólicos,7 “purificados” de irracionalidades.8

7
Este aspecto simbólico impediria a aceitação de alguma ação irracional decorrente de uma crença quando,
segundo Wiredu, tal crença se efetiva, se “realiza” concretamente nas ações humanas. Tais ações não se
justificariam através de uma argumentação consistente, uma vez que preconceito e superstição manifestam a
irracionalidade: “(...) para se desenvolver em qualquer sentido sério, nós na África devemos romper com
nossos velhos hábitos acríticos de pensamento; isso significa que devemos deixar no passado o estágio do
pensamento tradicional.”
8
Confira nota 5.

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