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Este é um resumo especial, para os amigos do Direito Sem Juridiquês, sobre “O Caso
dos Exploradores de Cavernas,” de Lon Fuller, professor de Harvard e um dos maiores
nomes do realismo jurídico norte-americano. Clicando aqui, você pode ter acesso ao pdf do
próprio livro.
Este livro é muito usado na disciplina de Introdução ao Direito. Como professor
desta matéria, a minha compreensão é que os alunos terão maior proveito do estudo e da
leitura do livro depois de estudarem jusnaturalismo, positivismo jurídico, contratualismo e
o próprio realismo. E por que? Porque nesta história fictícia (se bem que inspirada em pelo
menos dois casos reais do Século XIX), Lon Fuller apresenta um embate entre o positivismo
jurídico e o jusnaturalismo (algo muito antigo, e que está presente, por exemplo, na
Antígona de Sófocles, assunto também conhecido dos amigos do Direito Sem Juridiquês). E,
no final, ele, como bom realista que é, apresenta o realismo como uma alternativa. Aliás, o
realismo jurídico norte-americano trata exatamente disso: ele se apresenta como uma
alternativa para este antigo embate entre positivismo e jusnaturalismo.
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Vamos à estória, então. O ano é 4.300 d.C. A Terra teria passado, o livro não indica
em qual momento, por um desastre apocalíptico, chamado de “grande espiral.” Os
sobreviventes reconstruíram sua sociedade, e o estado onde acontecem os fatos do livro se
chama “Newgarth.”
Agora vamos ao caso. Cinco exploradores ficaram presos numa caverna, por causa
de um deslizamento. Durante os trabalhos de resgate, houve outro deslizamento, e 10
operários morreram. No vigésimo dia a equipe de resgate conseguiu fazer contato com os
exploradores por rádio. Um deles, chamado Whetmore, perguntou quanto tempo eles
demorariam para ser resgatados. Os engenheiros responderam que, pelo menos, mais dez
dias.
Então o mesmo Whetmore pediu para falar com um médico e perguntou se, com as
provisões que tinham, conseguiriam sobreviver por mais dez dias. O médico disse que as
possibilidades eram muito poucas. Depois de oito horas, novamente Whetmore perguntou
se eles sobreviveriam se se alimentassem da carne de um deles. O médico, a contragosto,
disse que sim.
Com isso cessaram as comunicações e, quando os homens foram resgatados, ficou-
se sabendo que, no trigésimo terceiro dia após a entrada na caverna, os demais comeram a
carne do próprio Whetmore para se manterem vivos.
Os quatro sobreviventes foram acusados pelo homicídio de Roger Whetmore e,
perante o júri, ficou evidenciado que o Whetmore foi o primeiro a propor que um deles
fosse morto para servir de alimento aos demais. Ele mesmo propôs também que fosse
tirada a sorte nos dados (curiosamente, ele tinha um par de dados consigo). No entanto,
antes de tirarem a sorte, ele – Whetmore – desistiu. Os outros prosseguiram. Quando
chegou a vez dele, lançaram os dados para ele. E o “sorteado” foi o próprio Whetmore.
Os quatro réus foram condenados à forca em primeiro grau. Apesar da condenação,
tanto o júri quanto o juiz enviaram uma petição ao chefe do Poder Executivo para que este
comutasse a pena de morte em prisão de seis meses, o que, até o momento do julgamento
do recurso pelo tribunal, não tinha acontecido. Da condenação pelo tribunal do júri, houve
recurso à Suprema Corte de Newgarth.
A Suprema Corte de Newgarth era (ou será, já que o julgamento acontece no ano
4.300??) composta por cinco juízes. Dois votam por manter a condenação, dois votam para
absolver, e um se abstêm. Dentre estes, nós temos, claramente, um jusnaturalista, três
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positivistas e um realista. A única diferença é que, dentre os três positivistas, dois têm
“crise de consciência.” O último dos cinco a votar é o realista, e não é preciso muito esforço
para perceber qual deles o Lon Fuller – que, lembre, era realista – apresenta como o juiz
mais “descolado” dos cinco...
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3. Depois disso vem o Juiz Tatting, o terceiro a votar e o segundo positivista com
crise de consciência. Racionalmente, ele entende que tem de ser aplicada a lei, mas suas
emoções dizem o contrário. E quando ele pensa no ato cometido pelos réus (canibalismo),
suas emoções ficam ainda mais confusas. Por isso, ele toma uma atitude inédita e se
abstém de votar. Outro comentário adicional: isso é chamado non liquet, e não é permitido
aqui no Brasil que um juiz deixe de julgar um caso.
4. Depois disso vem o Juiz Keen, o quarto a votar. Este é um positivista rigoroso.
Nenhum dos argumentos do juiz Foster o sensibiliza. Pelo contrário, ele encontra um jeito
de refutá-los todos. E mais, ele ainda critica o Juiz Truepenny, o Presidente do Tribunal, por
sugerir ao Chefe do Poder Executivo que comute a pena. Como é típico de um positivista, o
Juiz Keen é bastante apegado à literalidade da lei e à separação de poderes. Assim, ele vota
pela manutenção da condenação.
5. Por fim, o quinto e último a votar é o Juiz Handy. Este, como já mencionado, é o
mais “descolado” dos cinco – afinal, como o Lon Fuller, ele é realista. Ele baseia o seu voto
para absolver os réus no senso comum. Talvez o mais correto seria traduzir-se como “bom
senso” (se bem que, neste caso, os dois estão juntos). Segundo pesquisas de opinião,
noventa por cento da população entendia que os réus deveriam ser absolvidos. Ele afirma
que eles deveriam achar a solução mais adequada ao bom senso – e esta solução seria
absolver os réus. Afinal de contas, dez homens, além de Roger Wetmore, já haviam
morrido para salvá-los, e agora eles iam mandá-los para a forca???
E só para termos noção do tamanho do realismo do juiz Handy, ele chega a afirmar
que a sobrinha da sua esposa é amiga íntima da secretária do Chefe do Poder Executivo. E
segundo ela, o Chefe do Poder Executivo, que era um homem de idade avançada e
princípios muitos rígidos, já estava convencido a não comutar a pena dos réus.
Para facilitar, na próxima página você encontra um quadro com o resumo das
posições de cada Juiz e seus votos.
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Juiz Trupenny Positivista “com crise de consciência”
(Presidente da Corte) - manutenção da condenação, com
recomendação que o Chefe do Poder
Executivo comute a pena
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