Você está na página 1de 70

Ficha Técnica:

História da Música: Período Romântico

Autor: D. M. C. S.

Editor: D. M. C. S.

Design Interior e Montagem: D. M. C. S.

Design Exterior: D. M. C. S.

2010/07/25

Aveiro
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 3

SUMÁRIO:

SUMÁRIO 3
NOTA PRÉVIA 5
INTRODUÇÃO 7
ROMANTISMO 11
1. SÉCULO XIX: O CULTO DO GÉNIO MUSICAL 11
1.1. Introdução 11
1.2. Definição de um período musical 12
1.2.1. O compositor romântico 14
1.2.2. O público romântico 15
1.2.3. A música romântica 16
1.2.4. O ideal de Arte 16
1.2.5. A música programática 17
1.2.6. O Lied 18
1.2.7. Nacionalismos 20
2. A MÚSICA INSTRUMENTAL: O CULTO DA MÚSICA PURA 21
2.1. Introdução 21
2.2. Piano - Instrumento solista 22
2.3. Compositores relevantes para piano 23
2.3.1. Franz Schubert (1797-1828) 23
2.3.2. Félix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847) 24
2.3.3. Robert Schumann (1810-1856) 24
2.3.4. Frédéric Chopin (1810-1849) 25
2.3.5. Franz Liszt (1811-1886) 26
2.3.6. Johanes Brahms (1833-1897) 27
2.4. Música Sinfónica 28
2.4.1. As sinfonias de Schubert 30
2.4.2. As sinfonias de Mendelsohn 31
2.4.3. As sinfonias de Schumann 31

D. M. C. S. SUMÁRIO
2.4.4. As sinfonias de Berlioz (1803-1869) 32
2.4.5. Os poemas sinfónicos de Liszt 33
2.4.6. As sinfonias de Brahms 34
2.4.7. Outros compositores 35
3. A ÓPERA E O DRAMA MUSICAL: O CULTO DA TEATRALIDADE 37
3.1. Introdução 37
3.2. França 38
3.2.1. Grand Opéra 39
3.2.2. Opéra Comique 43
3.2.3. Opéra Lyrique 44
3.2.4. Outras óperas: Hector Berlioz 47
3.2.5. A Opereta e Offenbach (1819-1880) 50
3.3. Itália 52
3.3.1. Ópera semi-séria 53
3.3.2. Gioachino Rossini (1792-1868) 54
3.3.3. Gaetano Donizetti (1797-1848) 56
3.3.4. Vicenzo Bellini (1801-1835) 57
3.3.5. Giuseppe Verdi (1813-1901) 57
3.4. Alemanha 59
3.4.1. Antecedentes 59
3.4.2. Ópera alemã 60
3.4.3. Richard Wagner (1813-1883) 61
3.4.3.1. Drama musical 62
3.4.3.2. O Leitmotif 63
3.4.3.3. A influência de Wagner 64
CONCLUSÃO 65
BIBLIOGRAFIA - a incluir
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 5

As próximas páginas, colocadas à disposição do público em geral, representam,


grosso modo, um investimento de um ano. Respondem à necessidade que alguns
professores de História da Música sentiram de ter uma fonte bibliográfica, que de
forma sucinta e atractiva, apresentasse um período histórico repleto de contradições.
Na altura, a falta de materiais em português era gritante, e ainda hoje o é. Existiam
algumas fontes monotemáticas que tratavam alguns assuntos de forma aprofundada,
mas, de novo, não davam uma visão de conjunto. Nem são prestáveis para os alunos
de hoje, sempre preocupados com o tempo que gastam.
Estas páginas não pretendem apresentar novas visões de um período tão inte-
ressante. Não pretendem acender polémicas. Pretendem apenas apresentar alguns
dados sintéticos, que nos evitem a leitura de extensas listagens bibliográficas, depois
o gastar de tempo inerente às leituras dessa listagem bibliográfica e finalmente, a
consequente reflexão, necessária para se extrair a informação essencial de uma parte
da História Ocidental, tão conturbada na altura.
Entretanto, e reflexo de como o ensino de História da Música é tão valorizado
na nossa sociedade, desistimos do propósito de publicar convencionalmente esta sín-
tese. Outros projectos e outras necessidades também fizeram com que a listagem
bibliográfica necessária num trabalho desta envergadura ficasse por executar. Por-
tanto, utilize esta síntese bibliográfica como ponto de partida para a sua descoberta
de valores musicais neste período e, o autor, quando tiver disponibilidade financeira
acrescentará a Bibliografia.
Uma última nota, esta de agradecimento, a uma professora de História da Músi-
ca que forneceu o esqueleto desta aventura, e que não se contentou com os simples
apontamentos que ela própria fazia…
Até à próxima.
D.M.C.S.

D. M. C. S. NOTA PRÉVIA
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 7

A História exerce um grande fascínio sobre nós. Primeiro porque somos ani-
mais sociais, depois porque é o que nos torna criaturas capazes de evoluir. Como
animais de grupo precisamos manter um relato dos nossos triunfos e misérias, passa-
dos e experimentados. É isso que nos faz crescer. Esse relato, fiel ou não, oral ou
escrito, visual ou sonoro, ao mesmo tempo que nos narra uma passado colorido mos-
tra-nos o caminho para um futuro possível de ter todas as cores que quisermos.
Como os relatos que chegaram até nós são geralmente coloridos pela visão dos
narradores, actualmente procuramos aumentar a palete de tons das nossas narrativas
do passado.
No entanto, depois de dois séculos em que cortámos amarras com o passado,
destroçámos preconceitos, aceitámos a diferença e relativizámos as nossas leis
morais, éticas, científicas e sociais, ficámos aparentemente reféns do preconceito de
que o passado não molda o futuro. Ou pelo menos, não precisamos respeitar o passa-
do, ou sequer temer que venha a ensombrar nosso futuro.
O passado molda sempre o futuro. Quanto mais não seja, na nossa negação.
Negamos o quê? O que conhecemos, o que desconhecemos, o que herdámos das
outras gerações passadas. Negamos sempre alguma coisa. Não navegamos no vazio.
Desconhecer o passado é abrir a porta para a possibilidade de cometermos os
mesmos erros. Talvez tivéssemos a fortuna de cometer os mesmos sucessos. Mas a
Nona Sinfonia de Beethoven jamais poderá ser inventada com os mesmos detalhes
por outra pessoa. Beethoven jamais poderá renascer igual. Daí que seja tão impor-
tante mantermos o passado actual. Que crime seria perdermos acesso à 9ª. Ou à
Cavalgada das Valquírias de Wagner, por exemplo. Este compositor, Richard Wag-
ner, viveu toda a sua vida em cenários faustosos. Chegou a criar um teatro próprio
para apresentar as suas obras. Devia dinheiro a toda a gente. Há histórias e testemu-
nhos de que seria anti-semita. No entanto, sempre trabalhou com judeus.

D. M. C. S. INTRODUÇÃO
8 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Para que serve a História? Serve para percebermos que todos os personagens
têm os seus defeitos e que por vezes essas falhas de carácter não são assim tão
pequenas. Serve para vermos que tal como tinham essas pequenas brechas nas suas
armaduras, também tinham virtudes. Serve para percebermos que a história não se
molda apenas pela visão do vencedor ou do narrador. Serve para provar que a genia-
lidade, por vezes, não está só. Serve para trilharmos novos caminhos.
A História do passado é como a História do presente. Repleta de misérias.
Repleta de triunfos.
É uma forma de honrarmos os nossos pais (leia-se gerações anteriores às nos-
sas) e os nossos filhos (leia-se gerações que virão a habitar este belo planeta e uni-
verso muito depois de já nem as pedras saberem quem somos).
Esse campo do conhecimento humano mantém abertos os portões de todos os
futuros possíveis.
Quando se iniciou este projecto, o objectivo era criar um trabalho de síntese
que pudesse guiar o aluno noviço nestas lides da História da Música, sem perder
tempo com os diversos desvios. Sem ter que ler dezenas de obras de autores diferen-
tes para obter uma visão de conjunto. Era fornecer a base de pesquisa para o aluno
apreciar melhor as suas próprias descobertas. Entretanto, o projecto foi para a gaveta
porque as editoras estão ocupadas a publicar 12 000 livros por ano que muita gente
deve comprar, mas poucos desses 12 000 devem lidar com estas problemáticas. Sin-
ceramente, também só enviámos este trabalho a uma editora, depois o país entrou
em choque com a crise nacional e posteriormente, a desculpa foi a crise internacio-
nal. Além disso, sempre que entramos numa papelaria com fotocopiadora observa-
mos facilmente que os portugueses são muito bons a passar ao lado dos direitos de
autor. Não vale de nada investir num projecto destes. Os alunos precisam da infor-
mação? Pois. Mas podem perder o tempo todo que quiserem na Internet à procura
dela. Pelo menos aí encontram com facilidade excesso de informação.
Por que o trabalho de colecção e redacção estava concluído, polimos algumas

INTRODUÇÃO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 9

esquinas, colocámos isto num programa que permite uma melhor apresentação gráfi-
ca, acrescentámos uma introdução, uma conclusão, e uma bibliografia e colocámos à
disponibilidade de quem quiser ler.
Este trabalho é apenas e mesmo só uma introdução ao tema. Os aspectos que
habitualmente encontraríamos num teste de acesso à universidade. Podemos ver isto
como um plano que nos dirige na procura de informação suplementar. É uma pers-
pectiva fácil que vale por si só, mas que, como tudo, é apenas uma perspectiva. Isto
dará uma visão geral dos pontos mais importantes quando decidir procurar mais
informação.
Neste documento, limitado por bastantes constrições, uma das quais, o tempo
disponível para a sua execução, tratamos os desenvolvimentos musicais do período
romântico na Alemanha, França e Itália. Exclusivamente estes três países. Quer isso
dizer que não há Romantismo fora destes países? Claro que não. Estes três países
são os motores do movimento Romântico. Por isso são abordados. São três nações
que moldaram a forma das outras nações pensarem e agirem dentro dos mesmos
cânones. Por outro lado, introduzimos, apenas introduzimos, a temática dos naciona-
lismos. Não abordamos o assunto para lá das fronteiras destes três países.
Estas quase sessenta páginas levam-nos numa bela viagem por um século de
história. Mas não podemos esquecer que esta perspectiva, a da música, está interde-
pendente das outras histórias que a Humanidade gera em simultâneo: social, técnica,
política, das mentalidades, culturais e de todas as outras perspectivas que possamos
lançar à História.
A visão musical molda, é moldada, e reflecte-se nas outras perspectivas.
Nenhum de nós vive numa bolha, ou apenas uma vertente histórica de cada vez.
A Terra, a nossa própria nave espacial multigeracional, precisa de um diário de
bordo tão rico e detalhado quanto possível. As múltiplas perspectivas históricas que
actualmente defendemos constituem esse diário de bordo.
Uma última palavra. Para aqueles mais atentos, é fácil encontrar citações de

D. M. C. S. INTRODUÇÃO
10 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

grandes autoridades a denegrir a música do presente, em prol da música do passado.


Qualquer que seja o presente dessas pessoas. Mas, a música é um espelho da forma
como nós lidamos com o nosso mundo. A música que nós temos hoje, é a música
que nós temos hoje. Nas suas múltiplas vertentes é um regalo para os sentidos e para
a imaginação. Não vale a pena penar. Não vale a pena lastimarmo-nos pela música
do passado. A nossa música é melhor que a do passado, a qual está ligeiramente fora
de fase para nós. Aquela música era deles. Esta é nossa. Nem as civilizações do pas-
sado entendem a nossa música, nem nós, com as nossas visões limitadas de um pas-
sado esfarrapado e deturpado por estarmos fora do contexto, podemos entender ple-
namente essas músicas.
Os ouvintes do século XII ou XVIII, por exemplo, tinham que tirar o tempo das
suas actividades diárias para ouvir música. No século XII, o mais provável era terem
de se deslocar à Igreja, ou ao Mosteiro, e a música tinha uma funcionalidade mais
contemplativa. No século XVIII, a música tinha funções mais próprias de entreteni-
mento, mas o ouvinte tinha que dirigir-se à sala de concerto para ouvir e ver a músi-
ca. Nós, habitantes do século XXI podemos levar a música connosco para qualquer
canto do planeta, sem precisarmos de levar a sala de concerto ou os instrumentos
atrás. A nossa forma de estar perante este produto humano é diferente. Logo, as nos-
sas múltiplas referências musicais não são piores que as músicas dos passados que
vivemos. Se a música é um reflexo da nossa existência, é natural que esses reflexos
tenham muitos traços próprios. Não foi o século XIX que fez com que a música fos-
se a expressão do eu? Por acaso somos todos construídos de acordo com as mesmas
leis, sempre correctas e inequivocamente universais? Por acaso agimos todos da
mesma forma perante os mesmos desafios? Por acaso somos robots?
Boa Viagem por estas páginas.
Boa Viagem pelas Histórias da Humanidade.

INTRODUÇÃO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 11

Definir uma fronteira estilística entre o Período Clássico e o Romantismo, em


História da Música, particularmente, é difícil, se não mesmo impossível. As frontei-
ras são difusas e confusas, não existe um verdadeiro corte estilístico. Há uma conti-
nuidade não apenas com o passado, mas também com o futuro.
Na época hoje apelidada de Idade Contemporânea (c. 1800 a 1900) existe um
permear de características, num processo de osmose, de influências recíprocas de
dois períodos históricos que se sobrepõem, onde a acção humana obriga à continui-
dade e à mudança.
A continuidade assenta numa série de conteúdos formais comuns utilizados
entre 1770 e 1900, como são a teoria musical, a harmonia, as formas, os ritmos e
também os timbres musicais. A mudança reside na forma e na perspectiva segundo a
qual foram usados os materiais da continuidade, ou seja, a mudança resulta das dife-
rentes visões e formas como os materiais comuns ao período anterior são encarados
e trabalhados. Não é tanto uma questão cronológica, mas mais uma questão de esté-
tica, de técnica. E é nessa Idade Contemporânea que o Período Romântico, nas artes
e particularmente na música, se insere. A obra de arte, de qualquer natureza, é forma
e conteúdo. Durante o período Clássico os compositores preocuparam-se mais com a

D. M. C. S. ROMANTISMO
12 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

manutenção da pureza da forma. No período Romântico o enfoque passa a dirigir-se


para o conteúdo, a expressão do sentimento.
Afinal, então o que define o período Romântico?

Romântico, «adjectivo, próprio de romance ou do romantismo» (ver Dicioná-


rio da Língua Portuguesa, da Porto Editora). Um adjectivo é uma palavra que define,
caracteriza uma qualidade. A origem do termo reside na palavra Romance. Romance
é um género literário de que ouvimos falar já desde os tempos da Idade Média, na
forma de conto ou poema, e transmitido numa língua românica (língua vernácula
descendente do latim). Narra grandes feitos heróicos, acontecimentos fabulosos e
fantásticos, fora do alcance do comum mortal. Os personagens de uma tal efabula-
ção apresentam características extraordinárias, para além de grandes defeitos de
carácter, dos quais se redimem à custa de grande sacrifício pessoal. Neste século
XIX é geralmente a heroína que apresenta o maior processo de catarse, de redenção,
à custa, frequentemente, da sua própria vida.
Romantismo, foi afinal mais do que um período da história da civilização oci-
dental, foi todo um movimento de racionalização contra a racionalização, de valori-
zação do indivíduo e do passado de cada nação, e ao mesmo tempo de fuga perma-
nente ao real. Por isso é impossível observar um estilo próprio e único para este
período temporal da História da Música. Neste contexto, é um período que se carac-
teriza por uma profusão de estilos pessoais e individuais, com elementos em comum,
desenvolvido por músicos que procuravam resolver, através da arte, neste caso a
música, os seus conflitos internos e os conflitos entre o seu eu e o seu mundo, trans-
formando a arte em criação inspirada, fora das amarras da obra por encomenda, que
segue os cânones e a tecnologia da época. A arte é agora mais instinto, mais inspira-
ção, mais emoção e menos academia.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 13

O homem romântico, em qualquer forma de arte, apresenta uma visão fantás-


tica do mundo, totalmente contrastante com a realidade do século XIX, que a par das
coisas boas, como o progressivo aumento da instrução pública, que se reflectiu na
criação e difusão acelerada de jornais para todos os gostos, de uma revolução nos
transportes que fez o mundo ficar ainda mais pequeno, viu-se a braços com todas as
consequências sociais e políticas de uma revolução industrial incipiente, para já não
nos quedarmos apenas nas consequências da Revolução Francesa, que a par de
ideais verdadeiramente nobres também espalhou, por toda a Europa, períodos de
«fome, peste e guerra». Nesta situação os ideais não são tão importantes quanto a
sobrevivência por mais um dia. Um paradigma desta condição acabou por ser um
dos grandes impulsionadores do movimento romântico alemão, E.T.A. Hoffmann1,
que apesar dos seus talentos como excelente novelista e grande compositor musical
viu a sua vida resumir-se à sobrevivência por mais um dia. De cada vez que tentava
escapar à guerra ou às consequências da guerra, estas pareciam persegui-lo por onde
ele andasse. Uma cabeça nas nuvens (como muitas vezes é retratado pelos amigos)
também não ajudou, mas ajudou a criar o mito do homem, do compositor romântico.
O solitário incompreendido.
O material que serve de esqueleto às obras de arte deste período é extraído do
inconsciente individual (sonho) ou do inconsciente colectivo (mitos e lendas). Há
aqui uma valorização acentuada do passado das nações, explorando os mitos, as len-
das e os acontecimentos reais de outras épocas, em particular da Idade Média. Os
materiais da vida real são apreendidos e transformados para criar um mundo novo,
onde a ênfase se centra nos elementos exóticos, estranhos e sobrenaturais. É um
mundo que procura abarcar e interpretar a eternidade fora das constrições físicas.
E o compositor, que tipo de homem é?

1
E.T.A. Hoffmann, pseudónimo de Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann, gostava se ser conhecido como Ernst
Theodor Amadeus Hoffmann, em honra do grande génio musical que foi o compositor W. Amadeus Mozart.
Foi jurista de profissão, escritor de fantasia e horror, compositor, critico musical, e também um talentoso cari-
caturista (talento que lhe fez a vida difícil, por não medir as consequências políticas das suas caricaturas).

D. M. C. S. ROMANTISMO
14 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

O homem romântico, por excelência, ama a liberdade com paixão. Sonha


libertar-se das amarras impostas pela obra por encomenda. Quer compor a música
que lhe vai na alma, no espírito, no coração. Pouco importa que o público não consi-
ga entendê-lo. A sua música, a sua obra é destinada a um público futuro, um público
ideal, num mundo culto e ideal, que não é o de então. O Romântico é alguém que
procura o que sabe ser um sonho, que procura atingir o inatingível. Vive para conse-
guir o intangível, num estado de permanente ansiedade.
O músico ou o compositor desta época, é-o por escolha, ou seja, a pessoa tem a
liberdade e alguns o dinheiro, de se dar ao luxo de escolher ser músico profissional
ou compositor profissional. Daí também o gosto pelos instrumentos solistas, que
permitem, a essa pessoa poder libertar o seu eu interior e tocar um violino como
reputadamente tocava o grande Paganini ou o piano como Liszt, dois instrumentistas
virtuosos.
Berlioz, Mendelssohn, Meyerbeer, Schumann, Wagner, Gounot, Saint-Säens ou
César Frank são exemplos de compositores que pela profissão dos pais estavam des-
tinados a outras vidas, mas, por nascerem em famílias de classe média e alta pude-
ram escolher o seu destino. E, ainda bem para nós, amantes da música e seres de
outras épocas.
Por outro lado, o romântico é um homem incompreendido pelo grande público.
Um homem que se afunda no seu próprio eu, que só vem à tona quando está em con-
tacto com outros espíritos semelhantes ao seu. Assim encontramos compositores bri-
lhantes como Chopin, que passou a sua vida a compor peças para concertos íntimos,
de salão, onde só estão os tais espíritos fraternais.
Beethoven, Chopin, E.T.A. Hoffmann são alguns dos compositores que dão
corpo ao mito do compositor solitário. Uma pessoa que se refugia na natureza, cada
vez mais afastada das pessoas, que escreve composições musicais que por vezes não

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 15

são bem recebidas pelo público que também não os entende.


É o compositor romântico que procura a sua liberdade para escolher o seu mun-
do musical. É individualista no sentido em que procura expressar o seu eu, no estado
mais puro, sem interferência, sem subserviência a nada ou a ninguém.
Mas estes não são o único tipo de compositores que encontramos. Há também
os que, entendendo o que o público procura, produzem música como hoje um escri-
tor produz um bestseller ou um produtor cinematográfico produz um blockbuster.
Sabe o que o público quer ver e ouvir, sabe quais as suas ânsias e os seus medos, as
suas vontades e aspirações e compõe de acordo com isso.
Que público é este?

É um público em geral pouco culto, mas possuidor de grandes fortunas, trazi-


das pelo alargamento das fronteiras do mundo conhecido. A burguesia é a classe
mais dominante e poderosa. E para estas pessoas a música apresenta-se como algo
divino, para ser reverenciado e respeitado. Quase um dogma. O homem do século
XIX, romântico de alma, pede à música que o transporte para outra dimensão. A
vida empalidece no contacto com a música. Só se está verdadeiramente vivo quando
se está sob o efeito da música, sob a sua magia. A música é inebriante. As suas
características heróicas transmitem-se ao ouvinte que só está vivo quando em con-
tacto directo com a música. A música adquire características órficas.
Então, o que é a música? Como é que o triângulo compositor, intérprete e
ouvinte entende a música?

D. M. C. S. ROMANTISMO
16 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

A música é a arte na qual todas as outras artes se fundem. É a manifestação do


lado místico da existência humana. Leva a consciência humana para outro plano de
existência, onde essa consciência pode voltar a adquirir o gosto e a capacidade pelo
maravilhar-se. Ouvir música é uma viagem para o lado obscuro, para a noite, onde
se pode readquirir a capacidade de nos maravilharmos. A noite é um dos símbolos
do período romântico, simbolizando o sentimentalismo, a melancolia, o som primor-
dial.
E a música é só por si a OBRA DE ARTE. E, a obra de arte reflecte e contrasta
as condições sociais de um século de rápidos avanços científicos e tecnológicos
(refugiando-se no inconsciente e no mitológico), onde a religião já não domina a
máquina governativa, mas os aspectos nacionalistas abundam, fazendo prosperar
diferenças cada vez mais acentuadas entre os diferentes estilos musicais nacionais.
Então qual o tipo de música que melhor reflecte a alma solitária, conflituosa e
incompreendida do compositor romântico?

O ideal artístico de todas as artes do período romântico é a MÚSICA INSTRU-


MENTAL, porque não há intermediários entre a música e o entendimento (a palavra,
por exemplo, é um intermediário ao entendimento da música). O poder de sugestão
de uma obra musical sem palavras é infinito e directo sobre o cérebro do ouvinte.
Não há necessidade de palavras ou pinturas. A música basta-se a si própria. Sem
limites, sem expectativas, sem fronteiras. A música instrumental pura representa o
ideal da expressão romântica, em estado puro.
De todas as artes, este tipo de música é o que melhor ilustra o espírito românti-
co. Não precisa de traduções ou legendas. Existe por si só.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 17

Se o ideal é a música instrumental, qual o papel da literatura numa época em


que é a própria literatura que cria e define este movimento artístico?

Os compositores do século XIX tinham bastante interesse na expressão literária


contemporânea e alguns tornaram-se célebres também como escritores. Podemos ver
como modelo o já citado E.T.A. Hoffmann, que enquanto compositor e crítico musi-
cal influenciou directamente o gosto do público da época e estabeleceu novos parâ-
metros para escrever sobre música, encorajando todos a tratar a música como a mais
romântica das artes. É também o autor de novelas e contos como Sandman2 tornan-
do-se num dos pioneiros e grande expoente do género fantástico e do horror. Alguns
dos seus contos foram utilizados por outros compositores noutras obras. Quem não
conhece Os contos de Hoffmann (1881), ópera da autoria de Jacques Offenbach, ou
O Quebra Nozes (1892) da autoria de Tchaykovsky. Ambos foram inspirados em
contos de Hoffmann. Hoje, este personagem é mais conhecido como escritor do
género fantástico/horror do que propriamente como compositor.
Outro exemplo célebre é Richard Wagner. Este compositor escreveu a música e
também os textos para a tetralogia O Anel dos Nibelungos, para além de ser ensaísta
e filósofo. Os seus ensaios sobre ópera mudaram para sempre a forma de ver esta
obra de arte.
O aparente conflito entre a palavra e a música resolveu-se com a cunhagem da
expressão MÚSICA PROGRAMÁTICA.
Apesar da expressão Música Programática ser de cariz marcadamente românti-
co, a música programática não o é. Essa intenção de representação pictórica existiu
desde sempre, e é visível, por exemplo, nas Quatro Estações de Vivaldi, para termos
2
Na tradução perde-se a essência. Na versão original, o Sandman (homem de areia) é uma figura lendária que
atira areia para os olhos das pessoas para elas adormecerem. No conto este personagem tira os olhos às pessoas.

D. M. C. S. ROMANTISMO
18 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

um exemplo fácil de entender e próximo da nossa época. Durante todos os séculos


de produção de música imitativa, prevaleceram sempre as normas, os limites estilís-
ticos da época. Com o Romantismo, e com o novo elemento da literatura, o compo-
sitor livra-se das formas e das formalidades, apelando directamente ao sentimento do
ouvinte. Até a imitação deixa de estar sujeita a formatos e leis.
A música programática é um tipo de música instrumental que é relacionado
com um tema poético, narrativo ou descritivo. Só que não é uma relação baseada na
imitação sonora, pois não há utilização imitativa da música. O que há é uma relação
baseada na imaginação e na sugestão psicológica.
Os compositores românticos, em geral, serviram-se deste compromisso entre a
música e a palavra escrevendo música programática em maior ou menor grau. Os
expoentes, no início do século, foram Liszt, Berlioz, Schumann, ou Mendelsshonn,
enquanto que mais para o final do século encontramos música programática em
Debussy ou Strauss.
Mas, a música programática não concede à palavra o poder da igualdade. Então
o que faz com que a poesia se torne tão importante quanto a música?

O período romântico conseguiu alcançar o ideal da canção através do Lied ale-


mão. Conseguiu produzir uma unidade total entre texto e música, aquilo que ainda
hoje consideramos o equilíbrio perfeito entre os dois elementos distintivos e supre-
mos, a música e o texto.
O grande mestre deste género foi Schubert. Sendo também o primeiro a prati-
car este formato no século XIX, é natural que os seus Lied sejam os mais conhecidos
e mais apreciados. Depois dele todos tentaram copiar a sua mestria e arte.
A tradição considera Schubert como o pai do Lied. No sentido em que foi o seu
maior expoente durante o século XIX, e no sentido em que produziu uma quantia
superior a 600 lieder, não é incorrecto dar essa consideração a este compositor. Mas

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 19

a verdade histórica é outra, portanto será melhor dar-lhe crédito como o pai do lied
romântico.
A canção é tão antiga quanto a própria história da música. Mas a canção vive
muito à custa do seu texto, da sua mensagem.
Naqueles tempos, na tradição alemã, considerava-se que havia apenas alguns
poetas capazes de produzir poesia de qualidade, autêntica e bela. Se não havia textos
considerados dignos, como podia haver canções?
Schubert teve alguns factores a seu favor: nasceu durante a idade de ouro da
literatura alemã, e, o movimento romântico, com a sua vontade de tornar mais aces-
síveis os trabalhos de outros autores favoreceu o aparecimento de traduções de obras
de Shakespeare, Sir Walter Scott, Petrarca e muitos outros.
Esta abundância de material poético influenciou a produção musical de Schu-
bert que deixou como legado, como já foi atrás mencionado, um número superior às
seis (6) centenas de lieder. Característico destes lieder é a clara e bela linha melódi-
ca que se desenha em todos eles. O sucesso e grande aceitação coeva e actual destes
lieder assenta no facto de as suas canções apelarem simultaneamente ao sentimento
e à imaginação.
Schumann é conhecido como o sucessor de Schubert. O ponto forte de Schu-
mann reside nos acompanhamentos que compõe para os lieder, dos quais, os que são
considerados como os melhores, são canções de amor.
O século XIX é um século de nacionalismos políticos, por todo o lado estão a
formar-se nações. Mas que repercussões teve essa escola de pensamento na música?
Ou, de que forma é que há um processo de influências mútuas?

D. M. C. S. ROMANTISMO
20 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Dentro das próprias incongruências do movimento romântico temos por um


lado, e num movimento consciente, o músico romântico que se afasta dos seus
ouvintes. Os compositores não escrevem para o público de então, manifestamente
incapaz de os compreender e apreciar na sua totalidade. Os compositores escrevem
para um público do futuro, capaz de os apreciar, entender e valorizar. Por outro lado,
temos alguns que procuram fazer uma nova aproximação ao público, servindo-se
dos elementos populares e nacionalistas. As músicas de características regionais
foram muito apreciadas e cultivadas, num movimento também consciente de aproxi-
mação. Há um movimento de veneração da canção popular, que envolve quase um
misticismo, uma vez mais. Os românticos acreditavam que essas canções populares,
de origem anónima, são do mais puro que existe, uma amostra do sentir da nação, de
sentimentos de pertença, não manchados por ambições ou escolas de pensamento.
Schubert, Mendelsohn e Brahms são alguns dos compositores que obtiveram gran-
des êxitos com canções folclóricas, ou seja, de matriz popular.
O movimento romântico carrega em si a génese dos movimentos nacionalistas,
pois que o dito movimento começou na literatura de uma Alemanha à procura da sua
identidade nacional. Na música começou por rejeitar a utilização da língua italiana
nas casas de ópera e passou a utilizar a língua alemã, e, para expressar a antítese da
racionalidade até aí defendida, passou a ilustrar o sentimento. Além disso, os ale-
mães procuraram também o que os diferenciava de outras nações, a Alma Popular,
que expressaram quer nas melodias quer nos libretos. Daí a procura de fontes de ins-
piração no folclore local.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 21

O poder de sugestão de uma obra musical sem palavras é infinito e directo


sobre o cérebro do ouvinte. A música basta-se a si própria, não há limites, expectati-
vas ou fronteiras. A obra musical sem palavras não precisa tradução. É considerada
universal. Por isso é a obra de arte ideal, porque basta-se a si própria.
E, o piano é o instrumento solista por excelência, com um âmbito melódico
bastante alargado e uma técnica que permite obter múltiplos efeitos sonoros.
A música sinfónica também expressa o eu, mas através das novas texturas tím-
bricas, que aportam uma nova palete de timbres e expressões sonoras impossíveis de
conseguir até então.
Porque é que o século XIX é o século da composição para piano?

D. M. C. S. ROMANTISMO
22 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

O piano é o instrumento, por excelência, do Período Romântico. Numa era em


que o acento recai sobre o indivíduo, o solista instrumental ou o compositor solitário
que expõe os seus sentimentos, o novo piano, mecanicamente mais perfeito, é o veí-
culo expressivo ideal, capaz de traduzir a expressividade e o virtuosismo do indiví-
duo.
É o século das adaptações para piano. Todas as obras que fizessem sucesso na
metrópole eram adaptadas para as duas mãos de um piano. Há uma democratização
da música. Assim é possível levar as grandes obras, com pequenos meios, até aos
confins do mundo.
No início do século XIX são duas as escolas de execução pianística que têm
maior repercussão. Por um lado dá-se importância à fluidez técnica e à claridade da
textura sonora com a escola dominada por Johann Nepomuk Hummel3 (1778-1837),
discípulo de Mozart. A outra, que apresenta nas suas fileiras o famoso compositor
Beethoven como um dos seus expoentes, valoriza a plenitude sonora, os efeitos
orquestrais ou a execução dramática. Os aspectos técnicos são relegados como
menos importantes.
Com a publicação do Gradus ad Parnasum, dado à estampa entre 1817 e 26,
Muzio Clementi apresenta-se como o elemento unificador das duas escolas.
Mas novas escolas de execução e composição para piano surgiram ao longo do
século. Alguns procuravam a elegância, outros o exibicionismo, outros como Liszt,
procuravam não se afundar nos extremismos sentimentais da música de salão ou no
exacerbado virtuosismo técnico.
Grande quantidade de música pianística romântica escreveu-se em formas de
danças ou de breves peças líricas. As obras de longa duração eram concertos, varia-
ções, fantasias e sonatas.
3
Criança prodígio e concertista famoso, cobrava elevados honorários como professor. Escreveu em
1828 um método para piano, importante devido à sua nova concepção de DIGITAÇÂO.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 23

Os compositores românticos, expoentes na composição para piano, de que


vamos falar em seguida, são:
1. Schubert (ver ponto 2.3.1.)
2. Mendelsshon (ver ponto 2.3.2.)
3. Schuman (ver ponto 2.3.3.)
4. Chopin (ver ponto 2.3.4.)
5. Liszt (ver ponto 2.3.5.)
6. Brahms (ver ponto 2.3.6.)

Segundo a lenda, Schubert compunha «mais depressa que a sua própria som-
bra», e deixou-nos uma valiosa herança. Da sua variada e numerosa produção musi-
cal, temos que destacar as 14 peças breves para piano, seis com o título de Momento
Musical e oito Impromptu. Cada uma destas obras apresenta a sua própria atmosfera
intimista e são o modelo da obra de arte para piano, seguidas por todos os composi-
tores românticos. É a utilização do som pelo som, e neste sentido cada Momento
Musical ou Impromptu prefigura a arte moderna. Estabelecem um padrão pianístico
tão importante quanto os seus Lieder estabelecem o modelo para as peças curtas
para piano e voz.

D. M. C. S. ROMANTISMO
24 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

O sobrenome Bartholdy foi acrescentado por baptismo na religião luterana.


Esse baptizado foi a forma que o pai do compositor, judeu e rico, encontrou para
livrar o filho das perseguições anti-semitas.
Conhecido como Mendelssohn, foi um pianista virtuoso, tal como Schubert.
Das suas composições mais importantes para piano, podemos citar dois concertos,
três sonatas, vários prelúdios e fugas, variações e fantasias. O Concerto em Sol m,
datado de 1831, foi um dos concertos mais utilizados pelos pianistas, até aos nossos
dias. Mas, as obras mais populares foram as quarenta e oito (48) peças breves, edita-
das em seis (6) livros, sob o título romântico Canções sem Palavras. Os seus três
prelúdios e fugas e as seis sonatas para órgão contam-se entre as obras mais emble-
máticas do século para este instrumento, onde é óbvia, na forma dos três prelúdios e
fugas, a admiração que este compositor nutria por J. S. Bach.
O estilo de Mendelssohn caracteriza-se por ser fluido, elegante e sensível.

Homem de leis, foi concertista de piano até 1832, ano em que uma lesão
auto-infligida terminou com esta carreira e o fez devotar todas as suas energias ao
processo criativo da composição (imobilizou o dedo anelar para fortalecer a inde-
pendência do dedo médio e o resultado foi uma lesão permanente). Cerca de dois
anos antes da sua morte, Schumann foi, por vontade própria, internado num hospí-
cio, vítima de doença mental, que se pensa consequência da sífilis. Até 1840, com-
pôs exclusivamente para piano. É neste período que encontramos algumas das suas
obras mais importantes como a Fantasia em Dó M, de 1836 e uma série de Varia-
ções de 1834 sob o título de Estudos Sinfónicos. Compôs algumas peças breves que
foi agrupando em ciclos aos quais deu títulos sugestivos como Papillons, Carnaval,
ou Kinderscenen.
ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 25

Num rasgo tipicamente romântico, os títulos sugerem que Schumann tinha toda a
intenção em que se considerasse a sua música como um esquema sonoro, ou que
pelo menos, evocasse fantasias poéticas ou formas literárias.
O estilo deste compositor é um exemplo típico, para não dizer clássico, do
que é um estilo romântico. Apresenta um carácter carregado de tensões, contradi-
ções, extravagâncias e totalmente consagrado ao piano. Tal como Mendelssohn,
Schumann era um fervoroso adepto do Cravo Bem Temperado de J. S. Bach e tam-
bém de Beethoven. Demonstrava essa admiração e carinho estudando as obras des-
tes compositores, diariamente.

Este compositor, paradigma do Período Romântico, escreveu quase exclusiva-


mente para piano. É um exemplo da música carregada de expressão nacionalista.
Nas suas Mazurkas abundam os ritmos, as harmonias, as formas e as melodias reti-
radas da música popular polaca, tornando estas peças nos melhores exemplos de
música romântica de inspiração nacionalista. Uma das mais famosas características
da música popular polaca, mencionada em todos os manuais é a quarta (4ª) aumenta-
da (ou Lídia), que se encontra em toda a sua obra e pode ser observável até nas pri-
meiras composições de Chopin.
Quem já tocou Chopin nota um carácter muito introspectivo e íntimo na sua
música.

D. M. C. S. ROMANTISMO
26 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Liszt iniciou a sua carreira de pianista virtuoso aos onze anos de idade. E, até
1848 isso foi tudo o que fez com a sua vida. Depois deste ano, e confortavelmente
estabelecido como Director de Música da Corte de Weimar, dedicou-se também à
composição. As honrarias atribuídas por cidades e soberanos europeus contribuíram
para a sua fama profissional. Uma vida amorosa atribulada, com alguns casos amo-
rosos com senhoras de alta posição, nomeadamente uma princesa casada com outro
homem, marcaram a sua vida pessoal e aumentaram o mito e as intrigas que o cerca-
vam, tornando Liszt no paradigma do homem romântico.
É um dos compositores que utiliza melodias nacionais da sua terra natal (são
famosas as suas 19 Rapsódias Húngaras4). Distingue-se como compositor de música
programática pois quase tudo o que compôs contém um título explicitamente progra-
mático.
Em Paris, o contacto com o violinista italiano Niccolò Paganini (1782-1840)
famoso pelo seu virtuosismo técnico levou Liszt a almejar conseguir o mesmo efeito
nas suas execuções pianísticas. Tornando as suas peças cada vez mais técnicas, exi-
gentes e virtuosistas.
Por outro lado, Liszt dedicou considerável esforço e energia à execução de
transcrições e arranjos para piano, de materiais tão diversos como árias de ópera,
canções de Schubert, sinfonias de Beethoven ou fugas de Bach. O nobre objectivo
era levar a música para próximo dos que não podiam deslocar-se ao salão ou sala de
concerto e, logo não tinham oportunidade de ouvir as obras originais, tornando mais
fácil a sua execução nos serões de família.

4
As Rapsódias foram compostas, originalmente, para piano e só posteriormente foram orquestradas.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 27

Brahms caracteriza-se por um estilo pianístico que demonstra a plenitude sono-


ra que se pode alcançar com este instrumento. Enquanto compositor foi bastante
conservador, não aderindo à música programática ou aos títulos descritivos. No
entanto foi muito inovador, nomeadamente no desenvolvimento de texturas pianísti-
cas. Procurava a plenitude sonora. Uma das suas características musicais era o
desenvolvimento obsessivo de pequenas ideias musicais, pequenos motivos. Outra
foi fazer duplicar a linha melódica em intervalos de 3ª, 6ª ou 8ª, ou os ritmos a con-
tratempo.
O grosso do esforço de composição deste autor esteve virado para a Variação,
uma forma estrutural que atesta a sua inclinação e propensão para a prática de prin-
cípios clássicos.
As suas obras mais emblemáticas são os dois concertos, a Sonata em Fá m, de
1853, as Variações e Fuga sobre um tema de Händel (1861) e as ainda mais difíceis
Variações sobre um tema de Paganini (1863). Afinal, não podemos esquecer que
Paganini foi um virtuoso extraordinário do violino.
Nos últimos anos de vida escreveu onze Prelúdios Corais para órgão, conside-
rados os melhores exemplos desta forma desde Bach, de quem era um fervoroso
adepto e admirador. Também aqui está mais uma clara demonstração do conservado-
rismo deste compositor.

O piano é o instrumento mais representativo do período e da alma do românti-


co. Assim sendo, como e porque é que a música sinfónica continuou a prosperar?

D. M. C. S. ROMANTISMO
28 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

O grau de expressividade pessoal de um lied ou de uma peça para piano não


pode ser procurado numa sinfonia. No entanto a orquestra fornece toda uma palete
de texturas e timbres musicais que explodem em combinações múltiplas. O timbre
passa a fazer parte da linguagem musical e é um elemento cada vez mais importante
quer para o compositor quer para o público.
As orquestras atingem proporções gigantescas que permitem novos caminhos
na procura da expressão total de sentimentos. O aspecto de dinâmica, tão caro aos
românticos, pode ser explorado sem reservas neste tipo de orquestras. Por outro
lado, essa quantidade enorme de instrumentistas obriga ao surgimento de um novo
herói: o Maestro.
O Maestro já não é um instrumentista. É o próprio compositor. É alguém que
tem capacidade para conduzir instrumentistas e público pelos meandros da obra
musical. É até uma nova forma de fazer frente a uma sociedade mais comercial,
menos baseada no poder dos patronos e mais no poder do gosto, ganhando algum
dinheiro extra e notoriedade. A figura do Maestro entrou definitivamente no imagi-
nário do Romântico. É um herói por direito próprio.
Aceita-se que foram seguidos dois caminhos paralelos na produção musical
para orquestra, e ambos os caminhos se separam do tronco comum em Beethoven.
Com este compositor a sinfonia alcançou, pela primeira vez, a sua perfeição, a sua
plenitude. As suas sinfonias foram os modelos seguidos para ambos os trilhos que
apesar de tudo eram claramente românticos.
Por um lado temos aqueles que tomando por modelo a 4ª, 7ª e 8ª Sinfonias se
sentiam confortáveis na produção de formas clássicas que o tempo tinha feito vencer
e eram mais conservadores. Por outro, temos os que tomaram a 5ª, 6ª e 9ª Sinfonias
para exemplo e desenvolveram a música programática e formas inovadoras e não
convencionais, sendo conhecidos como mais progressistas. Não podemos esquecer

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 29

que Beethoven na 9ª Sinfonia, uma obra instrumental, acrescentou vozes solistas e


corais, servindo-se de um texto de Schiller, rompendo completamente com a forma
instrumental de estrutura fechada.
Os compositores mais progressistas publicaram as suas obras com um título
descritivo ou com um comentário programático, porque o programa era parte da
ideia da obra, da mesma forma que o texto é parte da ideia de uma canção.
Falaremos de seguida dos compositores mais conhecidos para este tipo de
música:
1. Schubert - essencialmente de gostos clássicos, (ver ponto 2.4.1);
2. Mendelshonn - também clássico mas especialmente dotado para a descrição
romântica, para a descrição de paisagens românticas, (ver ponto 2.4.2.);
3. Schumann - confortável e indeciso num percurso tanto conservador quanto
progressista (ver ponto 2.4.3.);
4. Berlioz - também progressista (ver ponto 2.4.4.);
5. Liszt - progressista (ver ponto 2.4.5.);
6. Brahms - o clássico romântico (ver ponto 2.4.6.);
7. Outros compositores (ver ponto 2.4.7.).

D. M. C. S. ROMANTISMO
30 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Tendo vivido uma curta vida de 31 anos, Schubert foi um homem que viveu
plenamente para a sua música, livre de amarras profissionais, e praticamente sempre
à custa das amizades, quase como um indigente. Nativo de Viena, nasceu na cidade
onde todos queriam nascer. Esta sorte deu-lhe a hipótese de conviver desde cedo
com música e músicos de comprovada qualidade.
A Sinfonia Inconclusa em Si m, de 1822, e a Grande Sinfonia em Dó M
exemplificam a originalidade harmónica de Schubert. A Inconclusa pode classificar-
se como a primeira sinfonia verdadeiramente romântica. Com esta Sinfonia, Schu-
bert assinala a sua passagem de aluno a mestre, definindo novos trilhos para o
desenvolvimento musical da época.
A Grande Sinfonia, em Dó M, de 1828, ano da morte do seu compositor, mar-
ca a independência e originalidade deste homem. Era de tal forma original que a
Sinfonia só foi apresentada ao público cerca de onze anos depois da sua morte, pelas
mãos de Mendelshonn, em Leipzig. E, não era qualquer orquestra que conseguia
tocar esta obra.
Não existe sequer um aroma de música programática na obra de Schubert. É
clara e simples, mas programática não é.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 31

Mendelssohn, o mestre das paisagens românticas em música escreveu algu-


mas sinfonias, e as mais famosas são duas com subtítulos geográficos: a Italiana e a
Escocesa. A primeira é de 1833 e a última de 1842. Estas peças trazem-nos paisa-
gens românticas tipicamente alemãs, onde até as atmosferas entre as duas paisagens
estão perfeitamente retratadas, seguindo por modelo o que o compositor conhecia da
Alemanha do norte e do sul. Uma inovação da sinfonia Escocesa é que os seus qua-
tro movimentos devem ser tocados sem interrupção.
Tendo escrito bastante música incidental, ou seja, para teatro, a sua Abertura
de Sonho de uma Noite de Verão estabelece um novo padrão de abertura para todas
as aberturas de concerto do período romântico, proeza que conseguiu aos dezassete
(17) anos de vida.
Apesar de classificar-se de programática e romântica, toda a sua música é, no
entanto, de contornos clássicos, pois a maior parte das suas aberturas estão escritas
na forma sonata, evitando, além disso, os extremismos sentimentalistas. São caracte-
rísticas do período clássico a serem utilizadas já bem entrado o Período Romântico.

Schumann escreveu apenas quatro sinfonias, mais enfeitiçado que estava pelo
piano, e tentou passar a exuberância tímbrica da orquestra para este instrumento
solista. Clara, a mulher, sempre defendeu que o melhor seria se o seu marido compu-
sesse para orquestra, pois a sua imaginação não encontrava um leque tímbrico sufi-
ciente no piano.
Este compositor imaginou e realizou quatro (4) sinfonias que ficaram marca-
das na História. A Sinfonia da Primavera, ou em Si b M, foi composta em 1841 e
apresenta uma música fresca e espontânea, tal como as flores e plantas quando chega

D. M. C. S. ROMANTISMO
32 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

esta estação do ano.


A segunda sinfonia foi publicada anos mais tarde, na década de 50, após inú-
meras revisões, tornando-se na terceira, por ordem de publicação. A Sinfonia em Dó
M, é a que apresenta mais traços clássicos. O seu processo de composição iniciou-se
no mês final de 1845 e prolongou-se por 1846.
A terceira, chamada de Renana foi publicada em 1850, é em Mi b M e apre-
senta marcados traços programáticos. O seu programa era «Episódios de uma vida
nas margens do Reno», apresentado como subtítulo.
A quarta sinfonia, a Sinfonia em Ré m, é cronologicamente a segunda. Mas
depois de composta em 1841 sofreu uma revisão massiva em 1851, já depois de
apresentadas, a segunda e terceira sinfonias. Com quatro movimentos deve ser toca-
da sem interrupções, sem paragem no final dos movimentos, pois que estão unidos
entre si através de conjuntos harmónicos.

Berlioz estabelece um novo vocabulário que renova a sinfonia, depois de Bee-


thoven, com a invenção da Idée Fixe que virá a ser sistematizada por Wagner como
Leitmotif. A harmonia não sustenta a melodia, é um elemento estranho, contrastante.
Isto estabelece uma nova perspectiva.
Os efeitos cénicos da música de Mendelssohn e de Schumann ficam muito
aquém quando comparados com o drama que constitui o argumento da Sinfonia
Fantástica de 1830 de Berlioz. Este deu-lhe um subtítulo: Episódios da Vida de um
Artista dotando-a de um programa que é uma autobiografia. A obra é um drama
musical sem palavras.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 33

Segundo Berlioz devia considerar-se o programa da mesma maneira que as


palavras numa ópera.
Na Sinfonia Fantástica não há nada de novo quanto à forma. A novidade é o
retorno do tema inicial do primeiro allegro, a idée fixe que simboliza a imagem
obsessiva da amada do herói em todos os outros andamentos. A autentica originali-
dade desta sinfonia é a sua essência musical: melodias, harmonias, ritmos, estruturas
de frase e o facto de conter a capacidade de expressar numerosos e diferentes climas,
o conteúdo emocional essencial do drama em música. A sinfonia no seu conjunto
contém uma unidade que é conseguida, não pelo uso de um tema recorrente, mas
pelo desenvolvimento da ideia dramática, da ideia fixa, ao longo dos cinco anda-
mentos.

Como Director Musical da Corte de Weimar teve acesso aos recursos que lhe
permitiram criar uma nova escola alemã. Conseguiu estabelecer, neste cargo, uma
rede de colegas e discípulos que revolucionaram a criação da música alemã, sendo
ele o principal compositor da música programática depois de Berlioz.
Com Liszt, as antigas divisões da sinfonia desaparecem por completo. A Sin-
fonia Programática de Berlioz é transformada no Poema Sinfónico, de um único
andamento, sem os desenvolvimentos tradicionais ou sem a utilização tradicional do
tema.
Doze (12) dos seus treze (13) poemas sinfónicos foram escritos numa década,
entre 1848-58, e o 13º em 1881. Estas obras são sinfónicas mas Liszt não as denomi-
nou assim, talvez por serem relativamente curtas e não estarem divididas por anda-
mentos numa ordem convencional. Cada um deles é uma forma contínua com diver-
sas secções, mais ou menos contrastantes, em tempo e carácter. É possível que a
designação de poema se refira ao conteúdo de uma obra lírica (poesia em oposição a

D. M. C. S. ROMANTISMO
34 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

prosa) onde o ritmo é muito importante, ou ao conteúdo poético no título do progra-


ma de cada obra, pois o conteúdo e a forma estão sugeridos, em cada caso, por
algum quadro, estátua, drama, cena, personalidade, ideia, impressão ou outro objecto
não identificável a partir da música apenas. No entanto, identifica-se o poema pelo
título dado pelo compositor e habitualmente, também, mediante alguma nota preli-
minar. Assim, A Batalha refere-se a uma pintura, Maseppa a um poema, Hamlet à
personagem de Shakespeare, Prometeo ao poema de Herder, etc.
A sua obra principal é a Sinfonia Fausto de 1854 e foi dedicada a Berlioz.
Consta de três (3) andamentos intitulados respectivamente Fausto, Margarita e
Mefistófeles.

A reacção clássica da segunda metade do século XIX resume-se nas quatro (4)
sinfonias de Brahms. Podem considerar-se clássicas em vários aspectos. Estão apre-
sentadas segundo o esquema habitual de quatro (4) andamentos, evidenciam as téc-
nicas clássicas do contraponto e do desenvolvimento motívico e não têm um progra-
ma específico. Mas também podemos considerá-las românticas quando atentamos na
linguagem harmónica utilizada tal como nas texturas da sonoridade orquestral. O
carácter intimista da linha melódica também ajuda a construir esse clima romântico.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 35

As Sinfonias de Antonin Dvorák (Boémia 1841-1904) e Tchaikovsky (Rússia


1840-1893) encontram-se dentro da linha da tradição romântica, e as suas músicas
em alguns aspectos são resultado de ideias nacionalistas. Habitualmente, diz-se que
das nove (9) sinfonias de Dvorák a melhor é a Sinfonia nº 7, em Ré m. De 1885 é
uma obra de atmosfera trágica onde abundam as ideias temáticas. Mas a mais conhe-
cida é a nº 9, Do Novo Mundo, que escreveu em 1893, durante a sua primeira estada
nos E.U.A. Segundo o compositor, esta sinfonia utiliza temas que lhe foram sugeri-
dos por melodias dos índios norte-americanos e pelos espirituais negros que ouvira
cantar em New York.
As obras orquestrais mais importantes de Tchaikovsky incluem as suas últi-
mas três sinfonias: a nº 4 em Fá m, de 1877, a nº 5 em Mi m, de 1888 e a nº 6 em Si
m de 1893, também conhecida como a Patética. A imensa popularidade destas sinfo-
nias deve-se à sua melodia, à brilhante orquestração e à exibição teatral da emoção
romântica. Essa teatralidade parece ser uma constante da composição deste período.
Em que sentido é que a utilização da teatralidade para enfatizar sentimentos
influencia a ópera, uma obra de arte já por si, de natureza teatral, desde a sua con-
cepção, nos idos de 1600?

D. M. C. S. ROMANTISMO
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 37

Ópera, em sentido restrito, quer dizer drama cantado pelos actores, do início ao
fim. No entanto, há tantas excepções a esta regra que o mais correcto será utilizar a
expressão Drama Musical, em vez de Ópera. Afinal, nem todas as obras nos mais
variados géneros operáticos são integralmente cantadas. No entanto, em comum,
possuem três elementos basilares: música, drama e espectáculo.
O século XIX é o século do drama musical. O compositor musical, que até aqui
compunha e inventava para os mais diversos fins, começou a especializar-se, num
campo de acção determinado. Os compositores de ópera chegavam a ter que escre-
ver quatro óperas por ano, para os seus patrões, os produtores. Há compositores que
praticamente se dedicaram só à ópera. Porque a ópera de então, era como o cinema
de hoje, o espectáculo das massas, à procura de emoções fortes e entretenimento. Os
produtores tinham que gerir uma empresa com lucro, e o público só se desloca ao
teatro se este tiver o que procura. Daí que se promova a composição daquilo que o
público procura. Compor óperas de sucesso é a forma mais rápida de chegar ao
sucesso e às recompensas financeiras que esse cair em graça proporciona.

D. M. C. S. ROMANTISMO
38 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

No início do século XIX as fronteiras das diferentes tradições nacionais de ópe-


ra estão progressivamente a tornar-se cada vez mais difusas para dar nascimento a
um estilo internacional. A disseminação do reportório de alguns compositores como
Verdi ou Wagner, por exemplo, contribuiu para a criação de um reportório interna-
cional ao qual se recorreu sistematicamente durante os séculos XIX e XX.
Por exemplo, as óperas de Rossini, durante a década de 30 do século XIX
foram a grande coqueluche no Chile, sendo apresentadas em todas as ocasiões possí-
veis, quase como uma febre que varreu o país. O mesmo aconteceu com Verdi, que
foi um dos compositores mais populares na Lisboa do século XIX, tal como um dos
mais populares em todos os cantos do globo, desde a China, Índia, Austrália ou Áfri-
ca do Sul, por exemplo. Este nível de popularidade asfixiou a liberdade e a capacida-
de dos outros compositores pertencerem às elites e levou directamente à criação de
um estilo mais internacional, um estilo mais facilmente assimilável pelas civiliza-
ções de finais de século.

Há entretenimento para todos os gostos e disposições. Em Paris vamos encon-


trar: a Opéra Comique (curta, de carácter popular e fácil de entender com os seus
diálogos falados), a Opéra Lirique (num estilo mais desenvolvido que a anterior, é
um espectáculo de maior duração, derivada da Opéra Comique, só que em vez dos
diálogos falados tem recitativos musicais), e a Grand Opéra que é a jóia da coroa.
Este espectáculo caracteriza-se por ser uma grande produção, com grandes meios,
grandes intérpretes, grandes instrumentistas e até o argumento tem como base gran-
des acontecimentos históricos. Tudo em grande.
Paris, a Cidade das Luzes, foi a capital da ópera durante a primeira metade

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 39

do século XIX, em grande parte devido às influências de Gluck. Deste primeiro


período, o primeiro quarto do século, fica registado o aparecimento de um certo tipo
de ópera séria cujo exemplo mais conhecido é a ópera La Vestale de 1807. O compo-
sitor desta ópera, o músico favorito da imperatriz Josefine, foi Gasparo Spontini
(1774-1851), um italiano que tinha chegado a Paris em 1803, e ficou conhecido
como o «último discípulo de Gluck». Nesta ópera Spontini reuniu o carácter heróico
das últimas obras de Gluck, a elevada tensão dramática e uma magnificência solísti-
ca e coral, tornando esta obra no ponto alto da sua existência enquanto compositor.
Inclusive, em 1810 ganhou, com este trabalho, o prémio de melhor ópera da década,
atribuído pelo Teatro de Ópera de Paris.
Spontini apresentava regularmente um tratamento pomposo da secção de
metais, aos quais fazia tocar ritmos marciais, conhecidos como ritmos napoleónicos.

A França do século XIX viu-se envolvida em constantes mudanças políticas,


desde a Primeira República de Napoleão Bonaparte, ao regresso à monarquia em
1814 e ao desenvolvimento de uma sociedade aristocrática, que culminou na Revo-
lução de Julho de 1830 e na ascensão ao trono de Luís Filipe. Por sua vez, Luís Fili-
pe apadrinhou uma sociedade mais burguesa. Mas também este foi vítima de uma
revolução em 1848, altura em que se quebraram todos os laços à monarquia e se deu
início à Segunda República. Essa também foi de vela em 1852, quando Napoleão III
proclamou o Segundo Império, que viria a perdurar até 1870. Ano desastroso com o
envolvimento na Guerra Franco-Prussiana que ditou a derrota francesa e a instalação
de uma Terceira República e essa viria a permanecer até 1940. Portanto um século
de constantes lutas partidárias. Mas a burguesia podia aspirar a mais do que tinha no
século XVIII. Já fazia parte das forças de influência. E, a partir de 1820 nasceu um

D. M. C. S. ROMANTISMO
40 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

novo tipo de ópera destinado a atrair o público relativamente inculto que enchia os
teatros à procura de blockbusters de emoções fortes e entretenimento: a Grand Opé-
ra5.
As figuras principais da Grand Opéra foram o libretista Eugène Scribe (1791-
1861), o compositor Giacomo Meyerbeer (1791-1864) e o director do Teatro da
Ópera de Paris, Louis Véron (1798-1867).
Eugène Scribe, mais um dos que a herança familiar permitiu escolher o que
fazer com a vida, nasceu na Paris das Revoluções, filho de um comerciante de sedas.
Cedo decidiu que seria dramaturgo, mas até 1815 não teve grandes êxitos. Depois
dessa data, passou a ser o ponto de referência para qualquer êxito em Paris, escre-
vendo sem cessar, e tornando-se num dos mais prolíficos escritores desta época.
Revolucionou a forma de escrever para teatro e inventou aquilo que ficou conhecido
como a fórmula dramática de «uma peça bem feita», que ditou as modas durante
mais de cem anos. Os personagens, populares e superficiais, digladiavam-se numa
trama cheia de voltas e reviravoltas. Mestre da habilidade teatral, tinha um apurado
sentido dramático, e um profundo conhecimento das ideias das classes médias fran-
cesas. Escreveu, sempre em colaboração com outros escritores, os libretos para com-
positores românticos de França e Itália, entre os quais se podem contar Auber, Belin-
ni, Donizetti, Rossini ou Verdi, para nomear apenas alguns.
O Theatre de l’Academie Royale de Musique, inaugurado em 1821, era mais
conhecido como a Opéra de Paris, e albergava, além da Companhia de Ópera, tam-
bém os grandes espectáculos da Companhia de Ballet. Foi neste ambiente que Véron
produziu grandes espectáculos. Louis-Désiré Veron (1798-1867), conhecido por ser
bastante excêntrico de aparência e comportamento (eufemismo para dizer que o
senhor não era nenhum deus grego da beleza, e era bastante irascível), por falta de
capital financeiro não conseguiu prosseguir uma carreira médica na capital francesa.

5
Optou-se por manter a expressão francesa, em vez de utilizar uma expressão traduzida, tipo ópera
grande, ou grande ópera.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 41

Mas tudo isso ficou para trás quando fez fortuna com as suas patentes farmacêuticas.
Além de fundador e director de alguns jornais literários como a Revue de
Paris, foi o Director da Ópera de Paris entre 1831 e 1835. Foi ele que juntou todos
os meios, os libretistas, os compositores, os cantores e os músicos. Deu-lhes trabalho
regular e em troca aumentou a sua fortuna pessoal com esta equipa de vencedores. E
a epopeia começou com Robert le Diable.
Robert le Diable tinha libreto do aclamado Scribe, em parceria com Casimir
Delavigne, e música de Meyerbeer. Os grandes e revolucionários efeitos cénicos, a
música de carácter dramático e o ballet de freiras fizeram desta ópera um sucesso
imediato. Foi uma das obras de maior sucesso do Director do Teatro da Ópera de
Paris, Véron, que logo se apressou a comissionar mais trabalhos deste tipo. Cons-
ciente do sucesso que esta ópera alcançou, Meyerbeer teve todo o cuidado e levou o
tempo que considerou necessário para controlar ao perfeccionismo, todos os aspec-
tos da produção de Les Huguenots, desde os cenários aos cantores. Esta ópera foi
outro sucesso imediato. O libreto de Scribe conta uma história de amor entre duas
pessoas de religiões antagónicas, e o cenário histórico em que se coloca a acção é o
Massacre do Dia de S. Bartolomeu, em 1572. Neste dia, milhares de huguenotes
franceses (protestantes) foram chacinados por católicos que queriam livrar a França
da ameaça protestante. Até Maio de 1906 esta ópera foi das mais representadas da
História, e nesta data chegou às mil (1000) apresentações.
Estas duas óperas de Meyerbeer estabeleceram definitivamente o estilo da
Grand Opéra.
Seguindo a moda que havia prevalecido em França, desde os tempos de Lully,
a Grand Opéra, era uma questão de espectáculo e de música; os libretos estavam
destinados a explorar qualquer possível ocasião para ballets, coros e cenas variadas.
Meyerbeer sabia manejar as suas forças solísticas, corais e orquestrais com
extraordinária perícia dramática, o que aliado a um libreto desenhado com vista à
produção de grandes cenas sentimentais, e cantores de qualidade, que mexiam com

D. M. C. S. ROMANTISMO
42 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

uma legião de fãs, produzia grandes êxitos.


Entre as composições mais conhecidas da Grand Opéra encontram-se La
Muette de Portici (1828), de Auber, Guilherme Tell estreada em 1829, da autoria de
Rossini e La Juíve, em 1835, de Halévy. Esta última, apresenta libreto de Scribe, e é
uma história de amor entre um homem cristão e uma mulher judia. Os seus cinco
actos têm situações bem ao gosto do público de então, com interlúdios corais, efeitos
cénicos extravagantes e ballets.
La Muette de Portici é uma ópera de cinco actos (esta é uma característica do
género das Grand Opéra). O libreto foi desenvolvido por Delavigne, mas revisto
pelo produtor de êxitos Eugene Scribe. O final trágico, os ballets, as paixões român-
ticas num contexto histórico, os grandiosos efeitos cénicos, alternando cenas de mul-
tidão com cenas íntimas, com poucos personagens, caíram muito bem no gosto do
público da época. Foi um sucesso imediato e ficou para a história da música como
um dos grandes exemplos de Grand Opéra, e para a história política ficou conhecida
como a ópera que causou a insurreição que levou à independência política da Bélgi-
ca, em 1830.
Guilherme Tell e La Juíve são consideradas as melhores Grand Opéras deste
período porque são as que melhor incorporam a grandeza essencial da forma
(estrutural e solística) numa música que serve eficazmente a algo mais que os aspec-
tos exteriores da acção.
O ideal francês da Grand Opéra sobreviveu durante todo o século XIX e teve
influência na obra de Bellini, Verdi e Wagner.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 43

A Opéra Comique6 não é novidade do século XIX, tal como não o era a
Grand Opéra. A maior diferença entre os dois tipos de espectáculo reside no facto
de a Opéra Comique se servir do diálogo falado para fazer avançar a acção, enquan-
to que na Grand Opéra se utiliza o recitativo. Para além do mais, a Opéra Comique
é uma produção menos ambiciosa porque exige um menor número de cantores e ins-
trumentistas. E em termos estilísticos emprega uma linguagem musical mais simples
e directa. Quanto aos libretos, não possuem a pompa histórica característica da
Grand Opéra, vivendo à custa de momentos cómicos ou então são dramas semi-
sérios. O resultado final é um espectáculo de texturas e harmonias simples e fáceis
de entender, em esquemas formais habituais e convencionais.
La Dame Blanche é uma Opéra Comique que ficou gravada na História. Com
autoria de François-Adrien Boildieu (1775-1834), foi estreada em Paris, em 1825.
Possui como argumento um drama romântico, dividido em três actos. O libreto é,
também este, de Scribe, e é baseado em cinco contos de Sir Walter Scott. Esta ópera
tem a novidade de tentar introduzir o elemento fantástico numa obra deste tipo. A
senhora de Branco é um fantasma com assuntos terrenos por resolver, segundo as
lendas populares. Aqui, é um fantasma que ajuda o herói a recuperar as suas terras e
títulos, dos quais se viu espoliado.
Zampa (1831) e Le Pré aux Clercs (1832) são ambas obras exemplares da
Opéra Comique muito apreciadas na época, tendo autoria do compositor Ferdinand
Herald (1791-1833). Já Daniel François Esprit Auber (1782-1871) compôs e apre-
sentou em 1830 a Opéra Comique Fra Diavolo. Este compositor misturou nas suas
óperas cómicas elementos românticos e humorísticos, elementos que tornaram esta
6
Os autores decidiram manter a designação francesa, uma vez mais, em vez de utilizarem a tradu-
ção traidora para esta expressão, pois que na época uma opera comique não era necessariamente
uma ópera cómica. Era antes uma obra dramática com números musicais e que fazia avançar a
acção por meio de diálogos falados sem recorrer à utilização do recitativo. Uma vez mais, «tradutor
traidor».

D. M. C. S. ROMANTISMO
44 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

sua ópera numa das óperas cómicas de referência da História da Música Ocidental.
O encanto da Opéra Comique do século XIX deve muito a elementos melódi-
cos e rítmicos espontâneos, às suas texturas e harmonias simples e aos seus esque-
mas formais convencionais.

A Grand Opéra é um espectáculo em grande escala, uma grande produção. A


Opéra Comique é um espectáculo cujo objectivo é entreter facilmente, com menos
meios, menos exigências, e uma menor duração do espectáculo. A meio encontráva-
mos a Opéra Lyrique7, uma evolução natural da Opéra Comique, ao gosto românti-
co, transformando os diálogos falados em recitativos. Uma melodia fácil de enten-
der, junto com argumentos leves, mas de carácter romântico são os grandes trunfos
de uma ópera a apresentar no que se pretende ser um espectáculo familiar.
Mignon é uma das obras dadas como exemplo de Opéra Lyrique. O título da
obra, Mignon, quer dizer pequeno, doce. Nada mais longe da verdade. Mignon é
uma jovem de pequena estatura que foi abandonada na infância, por ser fruto de uma
relação incestuosa. A ópera é da autoria de Ambroise Thomas (1811-1896) e foi
apresentada em 1866. Baseia-se num romance de Goethe: Wilhelm Meisters Lehjah-
re. A ópera criou um novo estereotipo de femme fatale. Como não podia deixar de
ser, não há homem que não se apaixone pela heroína e no final, um é o pai que não
conhecia e com quem passou a relacionar-se e o outro o homem que escolheu para
casar. Composta como Opéra Comique, numa primeira versão, foi transformada em
Opéra Lyrique, por ocasião da estreia em Londres, em 1870, quando Thomas substi-
tuiu os diálogos falados por recitativos. Mignon é um dos exemplos mais famosos
deste novo tipo de ópera.
Os outros dois exemplos de Opéra Lyrique, que habitualmente se nomeiam

7
De novo, é mais realista manter a designação francesa.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 45

como dos mais conhecidos são a Fausto, de Gounod (1818-1893), e a Carmen de


Bizet (1838-1875). Mas são exemplos atípicos.
Gounod, foi um músico que quase se decidiu a ser padre e viveu fascinado
pela música religiosa antiga. Ao mesmo tempo que se transformou num dos grandes
expoentes da música religiosa do século XIX, compôs a Fausto.
Bizet8, compositor de Cármen, com um dom absolutamente invejável para a
leitura à primeira vista, tinha grandes dúvidas sobre os seus dotes de compositor.
Teve uma vida curta. Morreu aos 36 anos, depois de um banho no rio Seine, dois ata-
ques cardíacos e muitas críticas pouco lisonjeiras.
Cronologicamente, Fausto é mais antiga. O início do seu processo de compo-
sição data de 1856, mas só foi apresentada em público em 1859. O sucesso não foi
imediato. Nem sequer foi um grande sucesso, como Opera Comique. Mas quando o
compositor converteu os diálogos falados em música, o sucesso foi imediato e em
1862 foi escolhida para fazer a inauguração do novo Theatre-Lyrique de Paris, já
que o anterior edifício tinha sucumbido às chamas, coisa absolutamente natural antes
da adopção da electricidade para a iluminação e efeitos cénicos. Para a apresentação
no teatro da Grand Opéra de 1869 foi obrigatório acrescentar-lhe um ballet. É nesta
forma totalmente musical, com ballet, que a ópera é conhecida hoje. É atípica tam-
bém no sentido em que não contém os habituais excessos românticos ao nível do
libreto, da música, ou da dramatização.
A Fausto de Gounod não aborda o tema de Fausto tal como foi escrito por
Goethe. A ópera foca a relação amorosa entre Fausto e Margarida e o preço que esta
teve que pagar ao ver a sua vida e honra totalmente destruídas por Fausto e Mefistó-
feles.
Carmen, considerada hoje como uma das grandes obras-mestras do século
XIX, foi, então, considerada escandalosa, quer ao nível do libreto, quer ao nível da
8
Em 1859 Bizet compôs uma Ode-Sinfonia intitulada Vasco da Gama, baseado nos Lusíadas de
Camões e cujo assunto é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Bizet afirmou na altura
que nunca tinha composto nada tão bom.

D. M. C. S. ROMANTISMO
46 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

composição musical, quando se estreou em Paris, em 1875.


O libreto, escrito por Henri Meilhac e Ludovic Halévy baseava-se num
romance com o mesmo título de Prosper Merimée, escrito em 1845. Os personagens
são pessoas que se deixam tomar pelas paixões que os assolam, e dão vida a um
argumento de carácter pesado que exige a morte de Carmen, em cena. Mas é uma
morte sem redenção, sem contrição ou enobrecimento. É simplesmente um assassi-
nato a sangue frio fruto da loucura de um ex-amante desprezado. Ao nível do libreto
entende-se que tenha causado celeuma e escândalo e que fosse pouco apropriada
para o Theatre Imperial de l’Opéra Comique, no que pretendia ser entretenimento
para toda a família. Não se pode classificar um drama deste tipo como cómico, nem
sequer como espectáculo familiar. Não é certamente um momento Hallmark, nem
um filme Disney.
Ao nível da orquestração foram muitas as vicissitudes a ultrapassar. Desde a
orquestra do teatro que se queixava que a partitura era muito difícil, a fazer as canto-
ras fumar e lutar em cena. Os problemas foram muitos porque a partitura dava mais
relevo à orquestra do que às vozes.
Bizet nunca viajou por Espanha, mas o exotismo, a cor local, as melodias
populares espanholas que adoptou e adaptou para a partitura fizeram tanto ou mais
do que a música genuinamente espanhola pela divulgação da cultura deste país exó-
tico (na altura). A Habanera é uma adaptação de El Arreglito de Yradier9. Bizet
pensava estar a adaptar uma melodia popular espanhola, porque a canção era fácil de
tocar e cantar e na realidade era tocada e cantada por todos, desde os de nascimento
mais nobre até aos pobres da rua.
O sucesso da Carmen também não foi imediato. Tal como na anterior ópera
9
Yradier chegou a Paris como professor de canto da princesa Eugénia de Montijo, aquela que viria
a ser a última imperatriz dos franceses. Posteriormente, o compositor viajou até Cuba, onde teve
contacto com os ritmos da habanara, que empregou tanto na melodia que Bizet acreditou ser de
carácter genuinamente popular como na outra música adoptada pela tradição oral das nações da
América do Sul e de Espanha, La Paloma. El Arreglito e La Paloma eram cantadas e tocadas por
todos e assim se confundiu Bizet, acreditando que a música que todas as pessoas cantavam era de
origem popular.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 47

assinalada, nem sequer foi um sucesso. Mas a fama havia de chegar no mesmo ano
de estreia da ópera e morte do compositor. Em 1875. Postumamente. Para a apresen-
tação em Viena, a ópera foi apresentada na forma de Opéra Lyrique ou seja, substi-
tuindo os diálogos falados por recitativos. Este trabalho já não foi realizado pelo
compositor original, mas por Ernest Guiraud (1837-1892), um americano em Paris,
compositor e amigo de Bizet. O sucesso da ópera foi imediato e eterno.
Hoje Carmen ocupa um justo lugar como obra-prima do século XIX, mas na
época foi uma Opéra Lyrique pouco convencional. Rompeu com todos os parâme-
tros estilísticos habituais e abriu as portas ao Verismo. O argumento anti-romântico,
sem qualquer tipo de mitologia, baseado na realidade nua e crua da vida trouxe esta
nova aproximação artística para o teatro, o realismo.

Estas são as três caixas em que se colocam a maioria das óperas produzidas na
época, no entanto, não emolduram toda a produção de um século em que a experi-
mentação e a inovação foram os alicerces da existência humana.
Hector Berlioz compôs ópera fora das normas, e elevou a ópera romântica a
degraus nunca experimentados anteriormente.
Quando se fala do mito do homem romântico encontramos em Berlioz um dos
seus mais refinados exemplos. Viveu uma vida de ilusão, que pôde escolher apesar
das pressões familiares. Casou-se, por duas vezes, atraído pelos personagens que
elas, as cantoras, encarnavam em cena. É óbvio que passados uns anitos de convi-
vência, ambos percebiam o equívoco. Mas Berlioz escolhia não aprender.
Escolheu ser compositor, crítico e maestro porque sabia que tinha um fogo
interno que alimentava a sua música, frequentemente não compreendida pelo públi-
co, especialmente o público de Paris a quem chegou a apelidar de «filisteu». Berlioz
sabia e reconhecia-se como compositor incompreendido. Sabia que tinha talento. O
público é que não tinha talento para o saber interpretar.

D. M. C. S. ROMANTISMO
48 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

A música era, para este compositor, uma forma de expressão altamente especializada
e só os espíritos com elevado grau de inteligência e imaginação poderiam aspirar a
apreciá-lo. Romântico até à medula.
A orquestra é o meio sonoro preferido e a ópera, a teatralidade que ele procura
incutir em todas as suas obras, sejam ou não óperas. Porque Berlioz funde todas as
formas e todos os meios ao seu dispor para poder transmitir com mais coerência as
necessidades da situação musical.
Como expoente da ópera romântica, em França, a sua epopeia começou com
Benvenutto Cellini, um redundante fracasso. Em 1846 A Condenação de Fausto,
uma ópera que nem sequer tem representação cénica, é o grande sucesso, o ponto
alto da vida deste compositor. O outro marco na história deste homem é a tentativa
de colocar em cena uma Grand Opéra sobre a Eneida de Virgílio, e que ele baptizou
de Les Throyans. Devido ao fracasso de Benvenutto Cellini, também esta obra esteve
em perigo.
A Condenação de Fausto é bastante conhecida, e foi um dos seus maiores e
mais imediatos êxitos, motivo pelo qual começamos este parágrafo pela ópera
menos antiga do compositor. É etiquetada pelo próprio compositor como sendo uma
lenda dramática. Como ópera falta-lhe um requisito essencial, não foi planeada ou
construída para ter representação cénica. No entanto, esta obra é considerada como
um dos grandes expoentes da ópera romântica francesa, sendo correcto admiti-la
também como uma obra para orquestra, vozes e coro de grandes proporções. É uma
obra de concerto, e foi ocasionalmente interpretada como ópera. O texto original de
Goethe foi adaptado, primeiro por Almire Gondonnière, e depois pelo próprio com-
positor, Berlioz.
O tema de Fausto é recorrente na literatura e na música, e como o público seja
ele francês, alemão, inglês ou italiano já conhece o enredo da história, não há neces-
sidade de explicar os momentos de acção. Por esse motivo, o compositor seleccio-
nou e colocou o texto num conjunto de vinte cenas que considerava das mais interes-

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 49

santes e cruciais para colocar em música, na versão final da obra, em 1846. Não
existe a habitual dicotomia recitativo/ária. Só momentos importantes foram coloca-
dos em música, quase como fotografias musicais, e a sua unidade temática traduz-se
por pequenos e quase imperceptíveis temas musicais, que perpassam por algumas
cenas.
Benvenutto Cellini, de 1838, ou seja, anterior a Fausto, já gozava do mesmo
processo e formato de composição. Infelizmente foi um fracasso tão acentuado que
todo o público e crítica gozaram desta obra. O fracasso foi tão grande, e tão rotundo
que Berlioz ficou para sempre impedido de voltar a apresentar uma ópera na Grand
Opéra, de Paris. Teve problemas até em levar à cena uma Grand Opéra sobre a
Eneida de Vírgilio, um dos autores favoritos de Berlioz. Foram tantos os problemas
que acabou por desistir, passados cinco anos de negociações, para apresentar a obra
no Théatre Lyrique.
Entre 1856 e 1858 este compositor pegou no sonho antigo de compor uma
Grand Opéra sobre a Eneida. O facto de ser mal amado e incompreendido levou a
que fossem muitas as vicissitudes a ultrapassar para colocar a obra em cena, feita ao
estilo da Grand Opéra. Os produtores da Ópera de Paris vacilaram durante cinco
anos, após o que Berlioz aceitou levar o trabalho à cena no Theatre Lyrique. Estes
reclamavam que a ópera era demasiado longa e exigente, em termos de meios e par-
titura. Daí que ele dividiu os 5 actos em duas partes. O 1º e 2º actos são La Prise de
Troie e só foi encenada já depois da morte do compositor, em 1890. A segunda parte,
composta pelos 3º, 4º e 5º actos, teve melhor sorte. Les Troyens à Carthage foi apre-
sentada em 1863. O texto é da autoria do próprio Berlioz.
A narração necessária para a compreensão da obra aparece condensada. Há oca-
siões para balets, desfiles e quadros dramáticos. O tema é histórico, conservando a
essência do poema de Virgílio. O estilo da música é severo, sem efeitos supérfluos.
O Romantismo aparece na forma sentimental, nas paixões apresentadas, na intensi-
dade dramática que perpassa por toda a obra. Segundo ele, tinha conseguido repre-

D. M. C. S. ROMANTISMO
50 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

sentar a paixão, a emoção, com veracidade, o verdadeiro objectivo de um verdadeiro


compositor. Com esta obra o nome de Berlioz ficou inscrito nos anais da História da
Música francesa do século XIX. Com a Fausto, garantiu a sua imortalidade.

A ópera, nas suas mais diversas facetas, percorreu um longo caminho desde os
seus inícios nos idos de 1600. Quase três séculos depois, nasce a opereta. Como o
próprio nome indica, é uma ópera mais pequena.
Caracteriza-se pelo seu ambiente ligeiro, com diálogos falados intercalados
com números musicais. Serve-se da sátira e do elemento cómico. A opereta é um
género musical que nasceu na Paris de meados do século XIX. É uma obra pequena
com uma orquestra que pode ir até aos dezasseis (16) elementos. Tornou-se num
género de ópera da moda através do trabalho de Jacques Offenbach (1819 – 1880),
um alemão radicado em Paris.
Inicialmente as obras de Offenbach eram pouco mais que sketches onde a sáti-
ra e a crítica, o «dizer a verdade a mentir» estavam sempre presentes. Nesses sket-
ches havia alguns quadros musicais. Nada de demasiado grandioso, pois a licença de
que gozava a companhia de Offenbach – Théatre dês Bauffes Parisiennes – só per-
mitia a presença de 3 ou 4 actores/cantores em palco, em simultâneo.
Os diálogos de uma obra deste tipo são falados, a trama é ligeira, crítica e satí-
rica da sociedade da época. Cada obra podia ter até oito números musicais, divididos
por solos, duetos, tercetos e quartetos. No início são obras muito curtas, de apenas
um acto. Mas, por volta de 1858, há um relaxamento nas restrições ao número de
actores em palco e Offenbach produz a sua primeira opereta em dois actos: Orphée
aux Enfers, que o catapultou para a fama imediata e internacional. A existência de
excelentes libretistas nesta Paris do século XIX, como Halévy e Meilhac, que produ-
zem excelentes textos, permitem a produção de algumas obras primas como La Belle

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 51

Hélène(1864), La Vie Parisienne (1866), La Grande-Duchesse de Gerolstein (1867).


Estas operetas tinham na época o rótulo de óperas bufas, por causa da companhia de
teatro onde eram apresentadas, Théatre dês Bauffes Parisiennes, a dita companhia de
Offenbach. O sucesso das obras deste compositor no estrangeiro conferiu à Opereta
o estatuto de género internacional, influenciando directamente outros compositores
da época, como Strauss, Sullivan ou Léhar.
Violoncelista virtuoso, Offenbach acabou a produzir os seus próprios traba-
lhos, porque apesar de conviver com músicos como Liszt, ou Halévy, e ser músico
da orquestra da Opéra Comique, e por volta de 1850 conseguir o cargo de Maestro
do Théatre Français, não conseguia que os seus trabalhos dramáticos fossem aceites
pela Opéra Comique ou pela Grand Opéra.
O talento deste compositor, aliado ao seu elevado sentido satírico, fazia com
que as obras tivessem um sentido de humor em nada subtil, tal como era pedido pelo
público. Inclusive, um dos processos de composição deste compositor, era usar a
música de outros compositores e colocá-la em situações pouco apropriadas e muito
inusitadas. Chegou a parodiar Wagner. Ironia e sátira, no texto e na música.
Uma das obras mestras de Offenbach com intenções de ser uma Grand Opéra
foi Les Contes d’Hoffmann, de 1881. Acabou por estrear no teatro de Opéra Comi-
que, alguns meses após a morte do compositor. O libreto é de Jules Barbier, e baseia-
se em três contos de Hoffmann. À altura da morte de Offenbach, apenas estava pron-
ta a partitura para piano, e a orquestração do prólogo e 1º acto. Foi necessária a cola-
boração do mesmo compositor que já tinha acabado a Carmen, de Bizet. Ernest Gui-
raud escreveu os recitativos e a orquestração para o resto da obra.
Com a extinção do Segundo Império francês, a sátira de Offenbach deixou de
ser tão socialmente aceitável e a popularidade do compositor desvaneceu-se. O
público começou a preferir os ambientes mais românticos, em vez das críticas e sáti-
ras nuas e cruas. Tem sido, talvez por esse motivo, um personagem descurado nas
Histórias da Música Ocidental.

D. M. C. S. ROMANTISMO
52 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

A Alemanha é o país germinador e difusor do movimento Romântico. Itália,


geograficamente mais distante do que França, e com uma cultura fortemente estabe-
lecida, estável e influente sobre outras culturas, é, naturalmente, mais impermeável a
estas mudanças românticas. Só que a importação de escritores e compositores ale-
mães, como por exemplo Johann Simon Mayr (1763-1845), acabou por levar à assi-
milação de algumas características do movimento.
A distinção entre Ópera Séria e Ópera Buffa manteve-se durante muito tempo.
As mudanças mais óbvias deram-se com a aceitação e utilização das madeiras e das
trompas nas orquestras e na atribuição de um papel mais activo à orquestra e aos
coros, na ópera italiana.
Quando se fala de ópera romântica na Itália do século XIX acaba-se por falar
dos seus expoentes:
1. Gioachino Rossini - o compositor que estabeleceu as normas que a geração
seguinte seguiu (ver ponto 3.3.2.)
2. Gaetano Donizetti - a geração seguinte, que tendo que viver à sombra do gran-
de Rossini, também teve que inovar (ver ponto 3.3.3.)
3. Vincenzo Belinni - outro dos grandes da geração seguinte (ver ponto 3.3.4.)
4. Giuseppe Verdi - o incontornável compositor da geração seguinte. Tornou-se
num expoente de toda a produção operística italiana e num exemplo a seguir,
tal como Rossini antes dele (ver ponto 3.3.5.).

Mas fala-se também de um novo tipo de ópera, a Ópera Semi-Séria que incor-
porou elementos do romantismo francês.
Com a nova geração de compositores, mudaram os libretos. O assunto é colo-
cado num ambiente histórico, para o afastar da vida quotidiana e contemporânea. Há
um código moral que sobressai com os conflitos gerados pelas paixões, e sentimen-

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 53

tos de honra e lealdade, que espelha a ideologia das gentes da província. A nível
musical procura-se demonstrar o perfil psicológico dos personagens através da músi-
ca que os acompanha em cena. O coro passa a representar o ideal colectivo e patrió-
tico.

Tanto nas obras de Donizetti como de Bellini, podemos encontrar exemplos


deste novo tipo de drama musical, com influências da ópera lírica francesa. Neste
género as óperas mais exemplares são Linda di Chamounix de Donizetti e La Son-
nambula (1831) de Bellini. Mas já Rossini tinha feito duas óperas com característi-
cas que as tornam em óperas semi-sérias. Foram La Gazza Ladra (1817) e Matilde
di Shabran (1821).
A ópera Semi-Séria é um drama cheio de sentimentos românticos. Contém
elementos cómicos, mas, tal como tudo no movimento romântico, um apelo ao senti-
mental, ao elemento trágico, também está presente. Este tipo de ópera baseava-se em
fontes românticas. E foi popular de inícios a meados do século XIX. Basicamente, é
uma obra com tratamento de ópera-séria aplicado a um argumento cómico. Por
exemplo, os recitativos eram seccos ou, quando se procurava produzir algum efeito
romântico, tipo o patético, eram acompanhados por orquestra.
Os personagens não são heróis ou heroínas, são pessoas da vida diária. O
assunto é carregado de peso dramático, mas invariavelmente com um final feliz,
quando as vítimas inocentes eram salvas no último minuto por acontecimentos
imprevistos e bastante improváveis.

D. M. C. S. ROMANTISMO
54 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Rossini, dominante na primeira parte do século XIX, compôs trinta e nove


(39) óperas, entre os 18 e os 37 anos da sua vida. A partir de 1829 retirou-se por
completo da cena operística, passando a produzir apenas música sacra, canções e
colecções de peças para piano. Relatos de pessoas que privaram com este composi-
tor, amigos e ele próprio, deixaram-nos testemunhos de que era o tipo de pessoa que
acreditava na máxima de que se tem vontade de fazer alguma coisa, vá dormir que
isso passa. Bem em linha com a sua obra, toda ela demonstrativa de um bom humor
contagiante e de uma posição económica bastante confortável e favorável. Claro,
escudado no dinheiro e êxitos que tinha obtido anteriormente.
Prolífico compositor de óperas estreou trinta e duas em Itália, até à data em
que se retirou. A quase totalidade das suas óperas reflecte o ideal italiano de que uma
ópera é a manifestação mais perfeita da arte de cantar, com o objectivo de deleitar e
comover o ouvinte com música melodiosa. Não usava melodias populares ou de
carácter espontâneo.
No domínio da ópera séria as melhores costumam ser identificadas como
sendo: Tancredi (Veneza, 1812), ou Otello (Nápoles, 1816). É no domínio da Ópera
Cómica que Rossini mais se distingue, com: L’Italiana in Algeri (Veneza, 1813), La
Cenerentola (Roma, 1817), e, La Gazza Ladra (Milão, 1817). A sua obra-mestra O
Barbeiro de Sevilha (Roma, 1816) conta-se, juntamente com Fígaro de Mozart e
Falstaff de Verdi, entre os exemplos supremos da Ópera Cómica italiana. Esta ópera,
aparentemente, foi escrita num curto espaço de tempo, pensando-se que terá sido no
espaço de duas semanas. O próprio Rossini gabava-se de ter conseguido aquela
obra-prima em doze dias.
Guillerme Tell foi o grande êxito de Rossini, em Paris. Hoje é possivelmente a
ópera mais conhecida deste compositor, e é também considerada como a mais dedi-
cada aos ideais românticos. Interessante é o facto de que esta é uma das Grand Opé-

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 55

ra mais emblemáticas da história. O coro e a orquestra ganharam renovado fôlego.


Alguns estudiosos afirmam mesmo que esta última ópera de Rossini é também a sua
única ópera verdadeiramente romântica.
Guilherme Tell constitui a maior aproximação de Rossini ao Romantismo. A
sua figura dominou a ópera italiana durante a primeira metade do século XIX.
Durante os quarenta anos restantes de sua vida só escreveu música sacra, canções e
peças para piano. Vivia na Paris do século XIX, onde dominava o sentimentalismo
excessivo com o qual, o compositor não tinha nada em comum.
Entre os recursos musicais inovadores utilizados por este compositor está o
crescendo, que na linguagem musical se caracteriza pela percepção de um aumento
de movimento. Isto consegue-se através da repetição de uma frase ou motivo meló-
dico cada vez com mais intensidade sonora ou num timbre ou num registo cada vez
mais agudo. Utilizava este recurso tão exaustivamente que em alguns círculos era
conhecido como o «Senhor Crescendo». Este recurso é ainda hoje utilizado, espe-
cialmente no cinema. Tentou também, controlar os excessos virtuosistas da orna-
mentação improvisada, escrevendo todas as notas dessas passagens virtuosas e das
cadências. Teve uma carreira fulgurante, repleta de sucessos e foi ganhando uma
existência abastada com as suas honrarias. Depois de 1829, retirou-se da vida públi-
ca, e especialmente da composição de óperas.
Rossini representou a convicção italiana no sentido de que uma ópera é a
manifestação mais elevada de uma arte grandemente cultivada e cujo objectivo pri-
mordial é o de deleitar e comover o ouvinte mediante música melodiosa, aparente-
mente espontânea e popular.

D. M. C. S. ROMANTISMO
56 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Depois de Rossini, Donizetti. Com uma obra que conta com setenta óperas,
Donizetti dominou a cena operística do segundo quartel do século XIX italiano. Um
dos compositores da geração seguinte a Rossini.
Compôs óperas sérias, buffas e comiques. Entre as óperas sérias mais famosas,
podemos encontrar Lucrécia Borgia, em 1833, Lúcia di Lammermoor, em 1835 e
em 1842 Linda di Chamounix. Nas óperas buffas dois exemplos são paradigmáticos
L’Elisir d’Amore, de 1832, e em 1843 Don Pasquale. La Fille du Regiment data de
1840 e é a opera comique mais famosa deste compositor.
A música deste compositor tem sido caracterizada de impulsiva e de instintos
primários, logo, fácil de adaptar em situações melodramáticas. Mas, era afinal uma
música bem dirigida ao gosto do público italiano, que sempre o aplaudiu, embora a
crítica fosse mais reservada. Donizetti tinha, tal como Rossini, uma tendência para o
teatro.
Compôs imensos trabalhos, entre os quais cerca de setenta e nove (79) óperas,
cem (100) canções, dezasseis (16) sinfonias, vários oratórios, cantatas entre outras
formas de música de câmara e eclesiástica.
A última ópera que compôs, antes de enlouquecer por causa da sífilis foi Dom
Sébastien Roi du Portugal. Esta é uma Grand Opéra típica em cinco actos, com
libreto de Scribe baseado numa peça, do mesmo nome, da autoria de Paul-Henri
Foucher. Foi apresentada em 1843 na Ópera de Paris a as críticas não foram do mais
lisonjeiro. O libreto é uma ficção histórica dos acontecimentos que levaram Portugal
a perder a independência da coroa em 1580, com a situação de Desaparecido em
Combate do jovem rei D. Sebastião. Na ópera, observamos o seu regresso à pátria e
ao amor da sua vida, uma jovem moura. O final dramático está lá. Acabam os dois
por cair para a morte do cimo de uma torre, por ninguém querer acreditar que ele
fosse o rei e ela, a moura por quem ele não podia apaixonar-se.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 57

Totalmente contrastante com Donizetti, Bellini compôs apenas dez (10) ópe-
ras em toda a sua carreira, e são, todas elas sérias e, em todas elas se nota um carác-
ter refinado e estudado, totalmente contrastante com o carácter selvagem e primário
de Donizetti. As óperas consagradas para a História como as melhores deste compo-
sitor foram La Sonnambula (1831), Norma (1831) e I Puritani e i Cavalieri de 1835.
O seu estilo estudado, leva ao refinamento lírico, sobre uma harmonia simples
e melodias muito expressivas.

Verdi é um herói em Itália. De humilde nascimento gozou de uma vida longa,


com muitas graças e desgraças. Marcou o nascimento de uma nação e foi louvado
pelos mais humildes e agraciado pelos mais poderosos. Chegou mesmo a recusar o
título de «Marquis de Busseto», com o argumento de que queria ser lembrado como
o que era, um músico. A sua fortuna pessoal, já na última fase de vida, permitiu-lhe
ser útil aos outros através da filantropia.
Criou infra-estruturas para apoiar os mais necessitados e menos afortunados
que ele. Por exemplo, em 1888, foi inaugurado em Villanova d’Arda, em Busseto,
um hospital para receber idosos e indigentes, totalmente custeado por ele. Financiou
um projecto de irrigação que veio valorizar todas as terras da região, inclusive as
dele, é certo. Introduziu a cultura da vinha na região e nas suas terras, na Villa di
Sant’Agata. Mas o grande sonho de Verdi foi a Casa di Riposo per Musicisti, cons-
truída em Milão. Depois da morte do compositor, a Casa tornou-se no único benefi-
ciário dos direitos de autor conseguidos com a sua música. Mais de cem anos depois
alberga a Fundação Verdi. Será nesta Casa que descansarão os seus restos mortais.

D. M. C. S. ROMANTISMO
58 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Verdi é praticamente o único nome sonante da ópera italiana após o desapare-


cimento dos anteriores compositores, Bellini (1835) e Donizetti (1848). Simples-
mente porque os próprios ideais de Verdi o uniram para sempre a uma nova e emer-
gente Itália unida.
O slogan VIVA VERDI, tantas vezes inscrito nas paredes, tantas vezes excla-
mado em conversas entre nacionalistas, não era mais do que o acrónimo de Viva Vit-
torio Emmanuele Re d’Italia. Mas toda essa «publicidade enganosa» ajudava Verdi a
construir um império.
O estilo operático de Verdi não é novo, pois o compositor acreditava que a Itá-
lia tinha uma ópera nacional, e que era necessário praticar essa ópera de linhas meló-
dicas claras e belas, com uma orquestração simples e directa. Mas o seu trabalho
evoluiu no sentido de um refinamento das técnicas usadas, que levou a ópera italiana
a uma perfeição que nunca mais foi superada. Verdi é ainda hoje um dos grandes
êxitos de bilheteira. Produzir uma ópera deste compositor é êxito garantido.
O segredo desse êxito talvez se deva parcialmente à escolha dos libretos. Car-
regados de dramas humanos, chegou a recusar trabalhos porque não eram suficiente-
mente dramáticos e patéticos. O drama humano expressa-se na melodia vocal solísti-
ca, sempre simples e directa. Outro dos motivos para o grande êxito das óperas.
A vida criativa de Verdi pode dividir-se em três (3) períodos:
• o primeiro termina com Il Trovatore e La Traviata (1853);
• o segundo período com Aida (1871);
• e, o terceiro termina com Otello e Falstaff (1893).
Com a excepção de Falstaff, todas as óperas de Verdi são sérias. Na sua maior
parte, os temas foram adaptados pelos seus libretistas de diversos autores românti-
cos: Schiller, Vítor Hugo e Alexandre Dumas. Os principais requisitos que Verdi for-
mulava a um libreto eram situações emocionais fortes e contrastantes na acção. Con-
sequentemente a maior parte dos seus argumentos são melodramas violentos, de san-
gue e fogo, com personagens improváveis e situações ridículas. Tipicamente, cada

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 59

uma das suas óperas consta de quatro (4) actos, ou três (3) mais um Prólogo. Muitas
das suas primeiras óperas destacam-se pelos seus coros: Nabucco (1842) é provavel-
mente a melhor das suas primeiras óperas. Uma das óperas mais populares de Verdi
foi Il Trovatore (1853). Duas experiências no campo da Grand Opéra foram Les
Vêpres Siciliennes (1855) e Dom Carlos (1867), ambas estreadas em Paris.
Durante todo o segundo período as óperas aparecem com menos frequência
que anteriormente. Em todas as óperas de Verdi, desde Nabucco até Falstaff há uma
tendência constante: uma combinação de força emocional com uma simplicidade de
expressão.

Uma das características do século XIX foi a forte influência mútua exercida
entre a música e a literatura. A Alemanha foi o país em que o Romantismo floresceu
com maior intensidade e como não tinha uma tradição operística como a Itália essa
circunstância favoreceu a experimentação. O antecedente imediato da ópera alemã
era o Singspiel, cujo melhor exemplo é a Flauta Mágica de Mozart.
Nos começos do século XIX o Singspiel encheu-se de elementos românticos ao
mesmo tempo que conservava as suas tendências nacionalistas. A obra que institui a
ópera romântica alemã foi Der Freischutz (O Franco-Atirador), de Weber, estreada
em Berlim em 1821.
Carl Maria Von Weber (1786-1826) estava familiarizado com o teatro desde a
sua infância. Foi nomeado Director da Ópera de Praga em 1813 e da Ópera de Dres-
den em 1816. Além da já mencionada, as suas principais composições dramáticas
foram Euryanthe (Viena, 1823) e Oberon (Londres, 1826).

D. M. C. S. ROMANTISMO
60 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

As características da ópera romântica alemã podem resumir-se da seguinte


maneira:
• os argumentos são extraídos da história medieval, da lenda, ou do conto;
• são esperados, como parte do enredo, seres e situações sobrenaturais;
• os incidentes sobrenaturais são tratados com seriedade e entrelaçados com
o destino dos protagonistas humanos. Estas personagens não são conside-
radas como meros indivíduos, mas como agentes ou representantes de for-
ças sobrenaturais, sejam do bem ou do mal.
Com isto, a ópera alemã difere da ópera francesa ou italiana. Mas no estilo
musical e nas formas têm bastante em comum. Um elemento novo é o emprego de
melodias simples num estilo popular de clara estirpe germânica. Estas obras fun-
dem-se na harmonia e no colorido orquestral para a expressão dramática.
O imenso êxito popular de Der Freischutz deve-se à apelação de sentimentos
nacionalistas.
Depois de Weber e durante vinte (20) anos, a ópera alemã foi desenvolvida
por outros compositores. Ao lado da ópera nacional, no período entre 1830 e 1850,
gozava também de certa popularidade, na Alemanha, a Opéra Comique francesa. A
ópera séria sobre temas históricos ficou representada por obras tardias de Spontini e
Meyerbeer.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 61

É o compositor que mais se destaca na ópera alemã e uma das figuras cruciais
na história da música do século XIX. A importância de Wagner é tripla:
a) levou à consumação da ópera romântica alemã;
b) criou uma nova forma: o Drama Musical;
c) a linguagem harmónica das suas últimas obras levou até ao limite as ten-
dências românticas, chegando à dissolução da tonalidade clássica.
Com este compositor, quaisquer resquícios da forma clássica foram simples-
mente destroçados. A linha melódica, de características simétricas, tão alimentada
até ao período Clássico, foi rejeitada em favor de uma linha melódica infinita, ou
seja, uma linha melódica livre de simetrias e contínua, sem cadências internas que
quebram o fluxo do sentimento. O sentimento puro não se enquadra em nenhuma
forma, porque haveria a melodia expressiva de ter fronteiras?
Para Wagner a função da música consistia em servir os objectivos da expres-
são dramática. As suas únicas composições importantes são destinadas ao teatro. O
seu primeiro triunfo foi uma Grand Opéra, em cinco (5) actos, representada em
Dresden, em 1842, Rienzi. No ano seguinte, também em Dresden, representou-se O
Holandês Errante. O êxito destas duas obras valeu-lhe a nomeação como Director
da Ópera de Dresden.
Tannhauser, de 1845, é outra ópera que consiste numa brilhante adaptação do
libreto ao estilo da Grand Opéra. A música evoca os mundos opostos do pecado e da
santidade, tal como o Holandês Errante, mas com mais fervor emocional e com
mais complexos de harmonia e colorido.
Lohengrin, estreada sob a direcção de Liszt, em Weimar, em 1850, é a última
ópera romântica alemã de importância de Wagner e ao mesmo tempo insere várias
mudanças que anunciam os dramas musicais do período seguinte deste compositor.

D. M. C. S. ROMANTISMO
62 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Com os distúrbios políticos de 1848-49 e com os eternos credores atrás dele,


Wagner emigrou (melhor dizendo, foi expulso do país e se lá voltasse seria preso por
dívidas, logo, exilou-se) para a Suiça e aí viveu os dez anos seguintes. Foi nesse país
que Wagner formulou as suas teorias acerca da ópera e publicou-as numa série de
ensaios, sendo o mais importante, Ópera e Drama, de 1851. Ao mesmo tempo escre-
via poemas de um ciclo de quatro dramas, cujo título era O Anel dos Nibelungos.
Esta obra levou cerca de 26 anos a concluir e leva cerca de 15 horas a ser executada
totalmente. A música dos dois primeiros (O Ouro do Rei e A Valquíria) foi concluída
em 1857; o ciclo completou-se com Siegfrid e O Ocaso dos Deuses, em 1874. A pri-
meira execução integral teve lugar dois anos mais tarde num teatro especialmente
construído para o efeito, e, seguindo especificações de Wagner. Entretanto, tinha já
composto Tristão e Isolda, em 1857-59, e Os Mestres Cantores de Nuremberg,
1862-67. A sua última obra foi Parsifal, em 1882, escrita especificamente para
estrear no Bayreuth Festspielhaus (Teatro do Festival de Bayreuth), o tal teatro cons-
truído sob especificações de Wagner.
A concepção wagneriana do drama musical pode ilustrar-se por meio de Tris-
tão e Isolda. O seu argumento provém de um romance medieval de origem celta. O
ideal que governa a forma wagneriana é a unidade absoluta entre drama e música.
Ambos são expressões vinculadas organicamente dentro de uma única ideia dramáti-
ca, ao contrário da ópera convencional, na qual predomina o canto, e o libreto é prin-
cipalmente um ponto de referência para a música. Considera-se que a acção dramáti-
ca tem um aspecto interior e outro exterior. O primeiro é território da música instru-
mental, ou seja, da orquestra, enquanto que as palavras cantadas expõem situações
em particular que constituem as manifestações externas da acção. Consequentemen-
te, a textura orquestral é o factor primordial na música e as linhas vocais são parte da
textura polifónica e não árias com acompanhamento. A música desenvolve-se em

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 63

forma contínua, através de cada acto, e não está formalmente dividida em recitati-
vos, árias e outros números de composição.

Dentro da continuidade geral da acção e música, Wagner emprega dois recur-


sos principais para conseguir articulação e coesão formal. O primeiro é o Leitmotif
ou motivo condutor. Um Leitmotif é um tema musical ou um motivo associado com
alguma pessoa, coisa ou ideia, pertencente ao drama. A associação estabelece-se ao
ouvir-se o leitmotif habitualmente na orquestra, e a primeira aparição ou menção do
objecto de referência e pela sua repetição a cada aparição ou menção seguintes. Des-
ta forma, o leitmotif é uma espécie de rótulo musical e acumula significação à medi-
da que reaparece em novos contextos. Pode servir para recordar a ideia do seu objec-
to em situações em que este não está presente. Pode ser variado, desenvolvido ou
transformado segundo o desenvolvimento do drama. Os motivos podem combinar-se
contrapontísticamente. A repetição dos motivos é mesmo um meio bastante eficaz
para a unidade musical.
Os motivos que Wagner emprega são, na sua maior parte, curtos, concentrados
e destinados a caracterizar o seu objecto em diversos níveis de significação, e não os
emprega como um recurso de excepção, mas de forma constante, intimamente mis-
turados com cada passo da acção.
O segundo recurso para obter a tal coesão, é a estrutura formal: um sistema de
leitmotif não pode por si só produzir uma coerência musical. Para tal, Wagner escre-
via os actos em secções ou períodos, cada um dos quais organizados segundo algum
esquema musical reconhecível, normalmente AAB (forma Bar) ou ABA (forma tri-
partida).

D. M. C. S. ROMANTISMO
64 HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO

Em muitos aspectos Tristão e Isolda é a «quinta essência» do estilo wagneria-


no. Poucas obras na história da música ocidental afectaram tão poderosamente gera-
ções de compositores seguintes. As complexas alterações cromáticas dos acordes em
Tristão juntamente com o constante desfasamento de tonalidade, a inserção de reso-
luções, progressões mediante retardos e outros sons não pertencentes à harmonia,
produz um tipo ambíguo de tonalidade. Este afastamento do conceito clássico de
tonalidade pode considerar-se hoje, desde o ponto de vista histórico, como o primei-
ro passo para o caminho até novos sistemas harmónicos que caracterizaram o desen-
volvimento da música depois de 1890.
A obra de Wagner afectou toda a história da música posterior. O seu ideal de
ópera enquanto um drama de conteúdo significativo, no qual tudo (as palavras, a
cenografia, a acção e a música) colabora na mais estreita harmonia em função do
objectivo dramático principal, é o que dá corpo ao ideal de obra de arte total.
Influência teve também o seu método técnico da música contínua (melodia
infinita) que reduz a um mínimo as divisões dentro de um mesmo acto e relega à
orquestra a função de manter a continuidade com a ajuda dos leitmotif.

ROMANTISMO D. M. C. S.
HISTÓRIA DA MÚSICA: ROMANTISMO 65

O período Romântico caracteriza-se pela valorização do eu. Do que eu posso


fazer, criar, observar. Eu sou supremo. Eu sou o herói da minha própria história. Eu.
Porquê? Porque o dinheiro, esse vil metal, o motor do desenvolvimento das
sociedades e civilizações, está disponível a mais pessoas. Há maior número de indi-
víduos com capacidade e disponibilidade para valorizarem o seu eu.
Depois de tantos séculos de desenvolvimentos musicais, de tratamento científi-
co da música, para onde nos dirigimos? Para os extremos. Levámos a ciência para o
desenvolvimento técnico, que nos permite ter avanços sem precedentes no que se
refere à ciência da acústica, por exemplo. Por outro lado, levámos a tonalidade, o
sistema então em vigência, até às suas últimas consequências, rompemos a rede e
criámos novas fronteiras.
O compositor da época é o herói incompreendido. A música uma arte à qual
nem todos têm acesso, agora que o virtuosismo é uma forma de estar. O público e a
crítica não reconheceram o valor de algumas obras na época. Hoje são consideradas
obras primas da técnica deste período. Isto só reforça a nossa visão, da perspectiva
que os próprios contemporâneos tinham da sua época: o compositor é um incom-
preendido.
O maestro, o virtuosista, o compositor, são os novos heróis.
Num mundo em que os valores éticos e morais estão a mudar, num mundo desi-
ludido por uma Revolução Industrial ou pelas consequências pouco fraternas da
Revolução Francesa, num mundo em que o mundo já não é referência, mas o eu
domina as relações entre os homens, a música domina. A música domina em todos
os campos. A música é transcendental.
A música é o veículo condutor para o transcendental. A nossa ligação ao imate-
rial. É uma produção do Homem, para o Homem, pelo Homem.

D. M. C. S. CONCLUSÃO

Você também pode gostar