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Rosemberg Ferracini 1
rosemberggeo@yahoo.com.br
1 Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Professor universitário de
Metodologia e Prática de Ensino em Geografia e Pedagogia. Membro do GEPED – Grupo de Estudo e
Pesquisa em Didática da Geografia e Práticas Interdisciplinares. Endereço: Rua Guiará nº 81, apt 36 Pompéia.
CEP 05025-020. São Paulo/SP.
Rosemberg: Olá Professora Sonia, bom dia. Primeiramente gostaria de agradecer sua
generosidade em nos atender, em segundo lugar por acreditar no ensino da geografia.
Professora nossa conversa fará parte do Dossiê “Ora Compêndios, ora Livros Escolares,
ora Livros Didáticos...sempre necessários na Geografia Escolar”. Um dos meus objetivos
em trazer sua fala para o debate é o ensino, a formação do professor, a aprendizagem e o
livro escolar nesse contexto. Mas fique livre para iniciar nossa conversa.
Sonia: Olá Rosemberg é um prazer estar com você em minha casa. Vou tentar apresentar
aos poucos minha formação, interrompa-me e pergunte quando quiser.
Rosemberg: Sim professora, vamos tentar fazer dessa conversa uma aprendizagem não-
formal, uma entrevista solta e direcionada aos professores. Talvez se começasse contando
um pouco da sua trajetória na geografia.
rede formado pela conjuminação de linhas horizontais e verticais que organiza as ações
no território, mas também o espaço vivido e clarificado pela relação de pertencimento.
Um traçado, uma trama ou rede que revela, a cada nodosidade dos percursos, as
relações existentes nos territórios aos quais pertenço e que me identificam.
Nesta conversa vou tentar construir uma rede a partir de cada nodosidade
construirei uma linha do tempo organizada por referenciais acadêmicos e profissionais.
Nessa linha, a permanência se revela na opção acertada e ao longo dos anos consolidada
de me tornar professora. Mas ela também revela ações que podem às vezes passar a
sensação de dispersão – no entanto nunca perdi de vista as direções apontadas pelos
ideais e inquietações de professora, formadora de professores, pesquisadora de práticas
pedagógicas, autora de materiais didáticos, comprometida sempre com a educação.
Percebo falando com você que esses percursos, foram organizados em função do
acadêmico e do profissional, e foram marcados de sentidos que representam meu
compromisso político com a educação e a universidade.
Sonia: Comecei a dar aulas, ser professora foi um desafio, principalmente no primeiro dia
em que entrei em uma sala de aula. Pensei que me tornaria uma pesquisadora na área de
cartografia. Mas o caminho foi ser professora e a cartografia continuou sendo uma
referência importante, agora no ensino.
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: fale mais da sua graduação, como foi o seu processo de formação
intelectual?
Sonia: Terminei o ensino médio com 17 anos, mas somente três anos depois ingressei na
FFLCH – por teimosia, fiquei dois anos prestando vestibular para outras áreas, período
em que participei do grupo de teatro e do jornal da escola. Encenamos uma peça com o
provocativo título Errare humanun est, sucesso de bilheteria na cidade; essa experiência
fez-me pensar no caminho que começava a traçar, e como errar é humano, demorei a
encontrar a geografia.
Entrar no curso de Geografia em 1979 inaugurou um momento importante de
minha formação acadêmica e também política, na medida em que estar na universidade
ajudou-me a elaborar a indignação suscitada pela observação da realidade social –
marcada pela desigualdade social, pela falta de qualidade de vida e de liberdades
democráticas –, influenciando a visão de mundo que construí e que defendo até hoje. As
discussões políticas no Centro Acadêmico de Geografia (CEGE) e em outras instâncias do
movimento estudantil ajudaram a compor minha atuação na educação.
Com o início do curso, a rede traçada com dois percursos que percorri
concomitantemente um relacionado a atuação acadêmica e o outro com a prática da
política estudantil. A prática política inicia-se como delegada do curso de Geografia para
ir ao Congresso de Reconstrução da União Nacional dos Estudantes, em Salvador (BA) no
ano de 1979. No ano seguinte acabei sendo indicada pelo grupo político do qual fazia
parte para ser diretora da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP), no
período 1980-1981 e como diretora participei da organização do primeiro Congresso da
UNE em Piracicaba (SP), em 1980. Esse foi um período de muita discussão e retomada de
lutas, ainda reprimidas pela ditadura militar. Além das reivindicações estudantis da UEE-
SP – como mais vagas nas universidades públicas –, envolvemo-nos na luta pelos direitos
das mulheres, movimento que contribuiu para que eu entendesse as dificuldades sociais
e econômicas das mulheres pobres para cuidar de seus filhos e educá-los. A luta por
creche no local de trabalho e moradia foi assumida pelo movimento estudantil, passando
a ser pauta de reivindicação na USP.
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: Com foi relacionar o ensino com as atividades políticas? Como você
amarrava essas atividades?
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: Os tempos passarão, a escola pública é outra, a USP mudou, você se formou
e virou professora dessa universidade. Tentando fazer um link com o passado, como você
relaciona suas atividades políticas hoje, nos últimos anos com as do período da sua
formação?
Sonia: Ao passar alguns dias pensando e revisitando a história que vivi no início de
minha graduação, fui relembrando pessoas, debates, embates, e, claro, conseqüências
Sonia: Nesses movimentos, uma estratégia era unificar o CEGE, a AGB-SP e a UPEGE em
torno de atividades de extensão. Esse foi um momento em que tive a oportunidade de
conhecer geógrafos que influenciaram o pensamento de uma geração ou mais da
geografia brasileira, como Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Milton Santos (que voltava do
exílio), Carlos Walter, Ruy Moreira, Armem Mamigonian, Armando Correia da Silva, entre
outros não menos importantes.
Quando pudemos fazer parte da diretoria da UPEGE, atuamos no sentido de
formar academicamente os estudantes, organizando cursos de férias, debates e estudos
sobre a geografia e sua renovação, além dos temas relativos à conjuntura brasileira. Com
a preocupação de divulgar as concepções presentes no pensamento geográfico brasileiro,
criamos revistas como a Território Livre, da UPEGE, com artigos de professores que
estavam no centro do debate e a Terra Livre, da AGB nacional, que foi lançada no ENG
de Campo Grande (MS), com um primeiro número sobre geografia agrária. Essa revista
existe até hoje, recebendo a classificação Qualis A Nacional, e tendo sempre contribuído
com a formação dos estudantes de geografia. No bojo de todos esses debates queríamos
ao mesmo tempo atuar politicamente e construir um discurso com rigor teórico, com
fundamentação ontológica e epistemológica.
A militância no movimento estudantil universitário e geográfico esteve na
base de minha formação acadêmica, propiciando que eu desenvolvesse uma visão de
mundo mais crítica. Alguns professores foram muito importantes nesse trajeto, pois
ensinaram-me a fazer pesquisa, apresentaram-me clássicos da geografia (como Tricard,
Sorre, Libout, Bertran, De Martonne), e se destacaram na minha formação no
departamento de geografia pois se preocupavam com a necessidade de termos o método
de análise e pesquisa como referência para interpretação dos fenômenos que
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
estudávamos – Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, Manuel Seabra, Maria Elena Ramos
Simielli e José Bueno Conti, além do prof. Ariovaldo Umbelino de Oliveira professor na
UNESP de Rio Claro.
As discussões sobre as correntes internas da geografia crítica são intensas,
mas meu entendimento é o de que a falta de diálogos entre essas correntes não contribui
para um aprofundamento do pensamento geográfico brasileiro, principalmente quando
os debates envolvem as categorias, como natureza, paisagem, sociedade, região,
território, lugar, entre outras, que são importantes para a geografia. Não conseguimos,
ainda, ter uma discussão que possibilite reconhecer a cartografia temática como
relevante no ensino e para a compreensão dessas categorias, quando tratada como
linguagem ou como metodologia de ensino de geografia.
O relato dessas experiências serve para fundamentar minha atuação e
trajetória, mostrando minhas filiações teóricas e políticas. As questões acadêmicas com
que me envolvi foram sendo construídas ao longo desse percurso, que foi cada vez mais
evidenciando meu interesse pelo ensino e a aprendizagem. No debate sobre o ensino da
geografia, o que mais me intrigava era de que modo as pessoas construíam conhecimento
científico, e esse foi o caminho que procurei seguir em minhas pesquisas. Foi desse
debate que de fato assumi que queria ser professora, entendendo que poderia contribuir
para o ensino da geografia. A vivência em sala de aula que já havia iniciado, os
questionamentos dos alunos e o debate acadêmico me faz cada vez mais perceber que
tanto a escolha pela geografia quanto pela educação havia sido a mais correta.
A trajetória na política da universidade e no âmbito da geografia garantiram-
me uma visão crítica e uma compreensão não centrada apenas na dimensão científica,
mas também na dimensão social e política. Isso me torna uma professora preocupada
com a realidade, colocando em relevo a importância da educação – na medida em que
defendo uma qualidade de vida melhor para a população, penso que isso passa pelo
acesso a uma educação de qualidade.
Rosemberg: Além dos fatos já elencado quais foram às leituras e atividades que levaram
você a atuar no ensino, na formação de professores?
Sonia: Para aprofundar os estudos e compreender melhor minha atuação como professora
e formadora de professores, fui buscar, nos fundamentos do construtivismo e no processo
de alfabetização cartográfica, elementos para melhorar a qualidade do ensino de
geografia e dar mais significado a ele. Fiquei mais confiante com os estudos sobre o
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
construtivismo, à medida que ia tendo clareza – a partir dos estudos piagetianos – de que
o conhecimento é resultante da interação dialética entre o sujeito e os objetos de
conhecimento. Na construção do conhecimento, os sujeitos relacionam-se com o mundo
em que vivem, através de processos psicológicos, construindo modelos da realidade e
passando a compreendê-la de forma mais significativa.
Com esse entendimento, participei de fóruns e cursos de formação de
professores em vários estados do Brasil, tendo com isso o privilégio de conhecer a
realidade das escolas e professores, o que me possibilitou ter uma visão mais ampla da
educação brasileira, e não fechada em uma sala de estudos. Essas realidades mostraram-
me que o caminho que estava traçando para minha vida acadêmica estava correto:
buscar compreender como se dá a construção do conhecimento científico, o contexto
escolar e a formação docente – esses eram os objetos que me instigavam a pesquisar e
estudar.
Rosemberg: Nesse conjunto da sua formação, aulas, leituras, atividades diversas, em que
momento o tema do livro escolar vêem a tona?
Sonia: Outras experiências positivas das quais pude participar foram a análise dos livros
didáticos, na primeira versão do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1996;
e a avaliação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de geografia,
analisando a formação do professor e dos bacharéis, e ainda participei da elaboração dos
itens para a avaliação do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) nas
três últimas versões (2005, 2007 e 2009). Esses são temas que discuti e debati em vários
encontros, em nível nacional, nas universidades estaduais e federais e nas secretarias
estaduais de educação.
Com o interesse de aprofundar discussões teóricas e obter dados para
pesquisa sobre formação docente e ensino de geografia, passei a fazer parte de vários
projetos interdisciplinares e, com o compromisso de contribuir para melhorar a educação
pública, envolvi-me com a proposta de Capacitação Docente em Serviço da SEE/SP, em
1997. Nesse projeto, coordenei 15 colegas das universidades públicas e privadas que
atuaram em vários pólos na zona Leste do município de São Paulo.
Entendo que meu compromisso com essas discussões articulava-se com a
visão de mundo que fui construindo ao longo da graduação. Embora nesse momento eu
já tivesse finalizado o doutorado, não tinha abandonado a ideia de ser professora e de
contribuir para melhorar a geografia escolar.
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: Nesse conjunto de atividades temos o livro escolar como parte do currículo,
um instrumento de educação e formação. As vezes único, ora castigado, mal interpretado
e alguns momentos de grande importância na sala de aula e na vida dos alunos. Como
você analisa o papel do livro no ensino?
Sonia: Eu entendo que a função do livro didático é muito mais ampla do que aquela que
estamos acostumados a observar nas salas de aula: a leitura ou/e a cópia sem
questionamentos e discussões das temáticas propostas nele. Entendemos que o uso do
livro didático deveria ser um ponto de apoio da aula para que o professor pudesse a
partir dele, ampliar os conteúdos, acrescentando outros textos e atividades e, dessa
forma, não transformando-o no objetivo principal da aula.
Nessa perspectiva, podemos analisar as várias concepções metodológicas e
de aprendizagem que aparecem nos livros didáticos e quais são as funções que podemos
atribuir a elas, principalmente no que se refere a compreensão que do professor tem
sobre elas. Muitas das críticas que se faz em relação ao uso do livro em sala de aula está
fundamentada na maneira como as atividades estão sendo desenvolvidas, nesse caso
podemos avaliar a concepção existente na proposta do livro didático e a do professor,
por exemplo se há coerência ou não entre elas.
As etapas metodológicas estão relacionadas com a concepção que o autor
tem tanto do processo de aprendizagem quanto da abordagem do conteúdo, o livro pode
revelar-se, por exemplo, tradicional ou sócio-construtivista, ou outra base teórica, essa é
uma característica que nos permitem fazer as escolhas adequadas a nossa realidade, ou
seja, se o professor tem clareza da linha teórica que segue com certeza saberá escolher e
utilizar a obra escolhida.
Assim sendo, o professor deve perceber se há no corpo do livro didático
coerência entre a concepção da obra e a maneira como o conteúdo é tratado: escolha e
seqüênciatemática, organização das atividades e a linguagem, sendo esses alguns
exemplos que retratam a concepção teórico-metodológica do livro didático.
Além disso, para que se utilize um livro didático com eficácia é importante
que o docente considere os objetivos apresentados nas unidades ou nos capítulos para se
apropriar da proposta pedagógica presente nele, tornando os conteúdos mais
significativos e menos descritivos. As considerações que estamos fazendo sobre a função
Rosemberg: No decorrer da minha tese de doutoramento, aprendi que o livro escolar não
é o único instrumento presente no processo de ensino-aprendizagem, já que este transita
de diferentes maneiras. Pensar isso envolve um debate geográfico de caráter conceitual a
ser feito, ou seria um acontecimento a ser desconstruído? Seria possível aprofundar esse
tema para que possamos entender melhor o livro didático?
Sonia: Em sua tese Rosemberg podemos perceber que essa afirmação corrobora com que
estamos analisando, porque apesar das críticas que podemos fazer a presença do livro
didático na sala de aula, temos que tomar consciência que a sua função é muito maior
do que a simplificação que fazemos dele, ao utilizá-lo como um fim e não como um
meio, como já afirmamos, no processo de ensino e de aprendizagem.
Tentar alcançar objetivos de integração dos saberes adquiridos deveria ser
uma das principais preocupações do professor, pois utilizaria a sua autonomia e
criatividade para ampliar as informações existentes nos livros. Quaisquer que sejam as
concepções que os docentes tenham do processo de aprendizagem deveriam levar em
conta atividades que motivem o raciocínio e as capacidades cognitivas, relacionando os
conteúdos propostos no livro com o cotidiano do aluno.
Nessa perspectiva as bases teóricas em que se fundamenta a aprendizagem
serão definidos os objetivos, as atividades e as atitudes possíveis de serem exercidas nas
aulas. Isso pode significar inclusive que, a partir de um mesmo conteúdo poderemos ter
diferentes níveis ou tipos de complexidade das atividades, ou seja, desenvolver junto ao
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Sonia: Voltemos então, vamos amarrar, durante a graduação comecei a me dedicar a ser
professora; a cada dia em que eu passava por uma sala de aula, procurava observar e
responder às perguntas que me inquietavam, procurando as respostas que poderiam me
ajudar a buscar razões para evoluir.
Entrar no mestrado, em 1985, foi uma grande conquista, que reafirmou
minha vontade de entender como os alunos aprendem e por que muitos deles diziam
não gostar de geografia. No início do mestrado, eu ministrava aulas na rede pública e
particular, no ensino fundamental e médio, mas o questionamento encontrado na obra de
Yves Lacoste, a respeito da geografia dos professores, continuava presente: por que os
alunos achavam a geografia uma disciplina sem importância. Eu procurava, então, inovar
do ponto de vista metodológico e, ao mesmo tempo, buscar em outras disciplinas
fundamentos para aprofundar discussões teóricas no campo da didática, para estabelecer
alguns nexos com a geografia e tentar dar mais significado a ela.
A discussão que se dava nos encontros e congressos nacionais e
internacionais sobre cartografia para escolares reforçou a necessidade de pensar o
processo de ensino e aprendizagem à luz das concepções da didática e da psicologia e,
também sob a influência das pesquisadoras em cartografia escolar Lívia de Oliveira,
Maria Elena Simielli, Rosangela Almeida, Janine Le Sann, Tomoko Paganelli, entre outras
da área, contribuíram para fortalecer essa linha de pesquisa com o tema cartografia para
escolares. Além disso, tornaram mais significativo o campo da pesquisa em ensino nos
cursos de pós-graduação, principalmente a partir dos anos 1985.
Assim, passei a convergir meus interesses na área de educação, analisando o
processo de aprendizagem e refletindo sobre o processo de construção dos conceitos que
estruturavam a geografia. Na geografia escolar, a cartografia começou a fazer mais
sentido: era uma possibilidade teórica de fazer com que o aluno desenvolvesse o
raciocínio espacial. No início do desenvolvimento do projeto de mestrado, o segmento
que me estimulava era o ensino supletivo, para jovens e adultos; a partir das discussões
sobre alfabetização nos cursos da FEUSP e sobre fracasso escolar no Instituto de
Psicologia comecei a entender melhor como se davam as relações de ensino e
aprendizagem, agora não apenas na geografia. Claro que tinha presente, uma pergunta,
“como os alunos constroem a noção de espaço?”, mas me envolvi com o
desenvolvimento cognitivo das crianças e acabei mudando o foco da minha pesquisa
para o ensino fundamental.
Cursando as disciplinas do mestrado e doutorado, pude estabelecer nexos
entre a aprendizagem dos conceitos geográficos e a capacidade leitora do aluno, ou seja,
comecei a relacionar a dificuldade de o aluno compreender os significados das palavras
à falta de entendimento de conceitos como escala, legenda, orientação. A partir desses
conceitos comecei a relacionar a cartografia escolar com a matemática, aprofundei os
estudos em algumas obras do Piaget, como a “Formação Simbólica da Criança”, “A
representação do Espaço na Criança” e a “Representação do Mundo na Criança”, com a
orientação do prof. Lino de Macedo que me ajudou a compreender a necessidade de se
desenvolver o raciocínio lógico para pensar as linguagens e ler geograficamente os
lugares.
As disciplinas cursadas durante a pós-graduação proporcionaram-me, além
do aprendizado dos conteúdos, o entendimento sobre como podemos ampliar o
repertório do aluno, e o que deve compor esse repertório. Por não haver disciplinas de
pós-graduação no campo de ensino e aprendizagem no Departamento de Geografia,
acabei cursando disciplinas em outros programas, como o de Psicologia e o de
Educação, que me auxiliaram a pensar o processo de aprendizagem na geografia.
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: Esse conjunto de experiências aconteceram nos parece que num processo
longo de formação. Seria possível falar, lembrar dos passos da sua formação no processo
de ensino e aprendizagem?
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: Houve pesquisas? Poderia citar, lembrar, contar um pouco desse processo de
construção e dedicação ao ensino?
Sonia: Sim, em pesquisas que realizei sobre a aprendizagem, tanto em crianças quanto
em adultos (professores nos cursos de formação), noto que fatos, ações e procedimentos
práticos dependem também do nível cognitivo dos sujeitos envolvidos. De certa forma,
coloca-se em xeque a capacidade de abstração e generalização que as pessoas têm dos
conceitos em questão.
As pesquisas realizadas no mestrado e doutorado mostraram que a leitura e a
escrita que a criança faz da paisagem estão carregadas de fatores culturais, psicológicos e
ideológicos. Em função dessas observações, e entendendo que ler e escrever sobre o
lugar de vivência é mais que uma técnica de leitura, assumi e passei a discutir o termo
“letramento”, por achá-lo mais amplo que “alfabetização”, já que ele não aponta apenas
a dimensão de decodificar palavras, mas inclui sua aplicação, pela criança, a outras
situações vivenciadas. Dessa maneira, compreende a função social de uma
representação cartográfica. Isso permite afirmar que o uso da linguagem cartográfica é
mais que uma técnica, já que implica ações do cotidiano.
Tanto em pesquisas que realizei como naquelas que orientei em programas
de pós-graduação, percebi como é importante considerar o desenvolvimento cognitivo
das crianças, sem perder de vista a dimensão cultural e socioeconômica no processo de
aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que acontecia essa experiência escrevi o material de
Geografia para o ensino fundamental II, primeiro para um grupo de escola e depois para
a editora, o que me remeteu a pensar novamente sobre o currículo da geografia escolar e
os métodos de análise dos conceitos e fenômenos. Além disso, me permitiu pensar em
situações didáticas que relacionassem outras áreas do conhecimento, como ciências e
matemática. Pude então elaborar jogos, situações problemas, uso de mapas e croquis,
diferentes gêneros lingüísticos que me fizeram pensar sobre a metodologia inovadora. Foi
um livro diferente do ponto de vista das atividades e que também me possibilitou
contatos com professores, mostrando resultados positivos em relação às propostas. Um
trabalho que me possibilitou articular a geografia física e humana tendo a cartografia
como a linguagem preferencial para se estudar os temas propostos no currículo.
Sonia: O aluno deveria ser motivado a partir das atividades de aprendizagem para ser
capaz, não apenas de repetir os conteúdos, mas também de organizar, comparar,
relacionar, analisar as informações. Essa prática tornaria o uso do livro mais eficaz,
contribuindo para o desenvolvimento de um saber escolar que permita ao aluno
estabelecer relações com o seu conhecimento não formal adquirido em sua vivência –
social, cultural, religiosa e política.
Os livros didáticos desempenham outras funções e, entre elas, há numerosas
tentativas que visam não limitar esta transmissão de conhecimentos a um processo de
aprendizagem predeterminado e inserir problematizações, projetos e os temas
transversais (PCNs) que estão presentes em várias abordagens dos atuais livros didáticos,
com enfoque social e cultural, respeitando a diversidade cultural, os saberes ligados ao
comportamento, ás relações com o outro, à vida na sociedade em geral.
Um livro didático com uma proposta coerente não permite apenas assimilar
uma série de informações, mas visa igualmente a aprendizagem de métodos e atitudes
ou, até mesmo, de hábitos de trabalho e de vida. Sem dúvida essa minha fala só se
tornará verdadeira dependendo da concepção teórico-metodológica que o autor tem e
do uso que o professor faz dele em sala de aula, da maneira em que aluno assimila esse
conteúdo, desenvolve em outras atividades pedagógicas ou mesmo faz dele um
instrumento de novos processos de ensino e aprendizagem. Um tema que merece
aprofundamento e novas reflexões.
Sonia: Além disso, havia o fato do governo ter percebido a gama enorme de erros
conceituais e inadequações de conteúdos e linguagem: imagens que eram colocadas de
forma solta no texto, sem nenhuma articulação com o conteúdo, afirmações que mais
pareciam partidarismos da corrente que o escritor se filiava, conhecimento científico
sendo apresentado com víeis de senso comum, entre outros exemplos.
Sem dúvida foi um projeto ousado, porém necessário. Dessa forma, o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) ganhou visibilidade e as escolas brasileiras
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
puderam ter livros com qualidade técnica e pedagógica melhor, na medida em que a
avaliação interferiu na qualidade científica e gráfica. Além disso, pode garantir que os
alunos não estudassem em livros que continham termos ou ilustrações com algum tipo
de preconceito, principalmente racial, ao mesmo tempo em que foi garantido textos e
imagens de diferentes características sociolingüísticas e o uso de diferentes linguagens no
material.
Esse conjunto de critérios contribuiu em muito para a melhoria da qualidade
dos livros didáticos e conseqüentemente os professores ficaram mais atentos aos
conteúdos e conceitos que estão presentes no livro e são desenvolvidos em sala de aula.
O sistema de avaliação do livro didático proporcionou outra postura dos
autores e das editoras em relação ao compromisso que se pode ter com a melhoria do
ensino na escola pública, pois em áreas carentes o livro didático poderá ser o único que
o aluno terá acesso.
Uma outra questão que podemos falar está relacionada com as etapas de
elaboração do livro didático. Sem dúvida podemos abordar essa questão apenas em
linhas gerais, na medida em que a diversidade é grande e não existem regras exatas e
universais para a elaboração de uma obra. No entanto, trata-se de conjunto de ações que
leva anos para chegar no produto final.
Para se fazer uma coleção (com 4 volumes) ou um volume didático é preciso
encará-lo em um processo circular, pois os autores e editores enfrentarão freqüentes
avanços e recuos entre as várias etapas. O processo se inicia com a elaboração de um
projeto, no qual deve constar os principais objetivos da obra, o prazo de realização e a
concepção da área e de aprendizagem, portanto essas necessidades permitem estudar o
desvio entre o real e o desejável.
Ao se fazer à explicitação da concepção de aprendizagem e da delimitação
dos conteúdos é relevante que se tenha o conhecimento global e as tendências teóricas
da área. Durante o processo de realização haverá um certo número de modificações, por
isso é circular, a primeira pode ser a delimitação do conteúdo. A escolha do conteúdo ou
do tema, em alguns momentos, pode não dar conta de todas informações que se quer
colocar no livro, havendo necessidade de atualizações e, também, de recortes temáticos.
Em função desses recortes nos deparamos com críticas como: “porque não
tem um determinado conteúdo e tem outro?”. É importante que se saiba que a escolha de
conteúdo é um dos complicadores na organização de uma obra, em face da opção que
se está fazendo, principalmente quando a abordagem não é conteúdista. Outro aspecto
da elaboração está relacionado com a adequação da linguagem que deve levar em conta
a faixa etária para a qual está se escrevendo.
Para que se tenha certeza do caminho em construção há necessidade de
aplicar os capítulos em sala de aula, testando a linguagem, as atividades e os textos
complementares. Dessa forma, pode-se avaliar a coerência interna, a adequação das
atividades e, ainda, passa por várias correções das provas até chegar na impressão do
livro.
No processo de elaboração do livro didático o trabalho em equipe acontece
ao longo da construção do projeto nas escolhas adequadas das ilustrações, das
fotografias, da composição e paginação, enfim a escolha do projeto gráfico. Em todo o
caminho de elaboração da obra didática autores e editora/editoria devem estar em
sintonia para que o produto final saia o melhor possível. Todas as etapas descritas
parecem simples, mas tudo é muito minuciosamente cuidado.
Muitas das críticas que são realizadas desconsideram o envolvimento da
equipe com os autores e o trabalho que esses têm que realizar para garantir a qualidade
do livro. Portanto, trata-se de um percurso muito complexo quenecessita de passar por
diversas etapas, integrando elementos que resultam das escolhas do indivíduo e das
limitações existentes.
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Sonia: O projeto de estágio que sugiro prevê que os alunos desenvolvam um plano de
aula e o apliquem nas escolas. O objetivo é que, aplicando uma proposta inovadora em
sala de aula, eles tenham condição de analisar a maneira como os conteúdos,
habilidades e conceitos são compreendidos pelos alunos em função das atividades de
aprendizagem aplicadas nas escolas.
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Entrevista com a Profa. Dra. Sonia Castellar...
Rosemberg: Como você relaciona o trabalho docente em sala de aula com os grupos de
pesquisas? Qual o diálogo possível?
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Rosemberg: Por exemplo? Quais tem sido suas linhas de pesquisa, trabalho, ensino, em
que você tem se dedicado?
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Rosemberg: Sim ajudou, poderíamos ficar horas aqui, caso queira registrar algo fique
livre.
Sonia: Creio que estas palavras são coerentes com tais idéias. Com a formação de
professores, ao tema do livro didático, aos temas transversais, com a formação política
dos alunos, a educação formal e não-formal e a vida como um todo. Ao compromisso
com a universidade e a escola pública. Espero que ao revisitar minha vida e minhas
memórias, conversando com você percebi a convicção de que aquilo que sou hoje não
poderia ser previsto a partir de minhas primeiras experiências pessoais, educacionais e
profissionais, mas o percurso não deixa de ser consistente, e seu resultado, coerente. Fica
a imagem, à medida que os caminhos foram se cruzando, da formação de uma rede com
uma trama que localiza as opções e decisões que fui assumindo em minha vida
profissional. Está ótimo, obrigada, um beijo e sucesso para você, um beijo e obrigada.
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