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Mario Kaplun
PARTE 1.
MODELOS DE EDUCAÇÃO E MODELOS DE COMUNICAÇÃO
Agradecimentos especiais aos tradutores(as): Cristina Beskow, Cecília Reigada, Flávio Vieira, Jefferson Vasques
Apoio de tradução: Ofélia
Por que começar falando de educação e não de comunicação? Não é alongar o caminho com um rodeio
desnecessário?
Em primeiro lugar, quando estamos fazendo comunicação popular estamos sempre buscando, de uma
maneira ou de outra, um resultado educativo. Dizemos que produzimos nossas mensagens “para que o povo tome
consciência de sua realidade”, ou “para suscitar uma reflexão”, ou “para gerar uma discussão”. Consideramos,
pois, os meios de comunicação que realizamos como instrumentos para uma educação popular, como alimentadores
de um processo educativo transformador.
È bom, então, que comecemos clareando e idéia que temos da educação; que concepção de educação está
por trás das nossas práticas de comunicação.
No entanto, há outra razão ainda mais importante para começar por este tema. E é que, como veremos:
Por isso é tão útil e esclarecedor começar analisando os diferentes tipos de educação. Pela experiência de
nossas oficinas, temos comprovado que, depois de refletir sobre este tema, o entendimento do conceito de
comunicação se torna mais fácil; e que ele constitui um bom ponto de partida.
Ainda que na realidade existam muitas concepções pedagógicas, Díaz Bordenave 1 assinalou que se pode
agrupá-las em três modelos fundamentais.
Estes três modelos não se encontram em sua forma pura e isolada na realidade, e sim mesclados entre si e
presentes em distintas proporções nas diversas ações educativas concretas. Entretanto, é possível distinguir estes
três modelos básicos:
Cada modelo dá ênfase a um objetivo distinto; isto é, que acentua, dá prioridade a este aspecto. Não que
prescinda radicalmente dos outros dois, mas se centra e privilegia o que lhe é próprio. Por exemplo, a educação que
enfatiza o processo, não por isso se desprende dos conteúdos e dos efeitos, mas sua prioridade básica nunca estará
neles e sim no processo individual do educando.
1
JUAN DÍAZ BORDENAVE: Las Nuevas Pedagogías y Tecnologías de Comunicacíon. Conferência apresentada
na Reunião de Consulta sobre a Pesquisa para o Desenvolvimento Rural na América Latina. Cali, 1976.
Comecemos definindo os tipos de educação sumariamente para logo analisá-los:
Trataremos de descrever e caracterizar cada uma destas três pedagogias a fim de ver que modelo de
comunicação se relaciona com cada uma delas:
1. ÊNFASE NOS CONTEÚDOS
Díaz Bordenave propõe esta adequada caricatura para caracterizar este modelo educativo:
Paulo Freire, ao analisá-la, diz que esta educação bancária serve para a
domestificação do homem. Nela, aponta o autor de “Pedagogia do Oprimido”:
O EDUCADOR O EDUCANDO
- é sempre quem educa - é sempre o que é educado
- é quem fala - é quem escuta
- prescreve, põe as regras - obedece, segue a prescrição
- escolhe o conteúdo dos programas - recebe o conteúdo em forma de depósito
- é sempre quem sabe - é aquele que não sabe
- é o sujeito do processo - é o objeto do processo.
O MODELO EM SUA APLICAÇÃO:
OS RESULTADOS
* O aluno (ou o ouvinte, o leitor, o público) se habitua à passividade e não desenvolve sua própria
capacidade de raciocinar e de desenvolver sua consciência crítica.
* Se estabelece uma diferença de “status” entre o professor e o aluno (ou entre o comunicador e o leitor ou
ouvinte).
* Se fomenta uma estrutura mental de acatamento ao autoritarismo: o aluno internaliza a superioridade e
autoridade do professor, atitude que logo passará paro o plano social e político.
* Se favorece a manutenção do “status quo” no qual uma minoria pensante domina a uma massa apática.
* Em virtude do regime de notas (prêmios e castigos) se fomenta o individualismo e a competência em
prejuízo à solidariedade e aos valores comunitários.
* Os educandos adquirem uma mente “fechada” ou dogmática, incapaz de julgar as mensagens recebidas
por seus próprios méritos, independentemente da autoridade de suas fontes;
* No estudante da classe popular se acentua o sentimento de inferioridade: o educando se sente inseguro,
perde sua auto-estima, sente que não sabe.
O indicador que o educador utilizará neste modelo para avaliar seu produto será sempre: o aluno sabe (a
lição, a matéria)? Ele aprendeu?
Na verdade, o resultado é que geralmente o aluno não aprende, e sim memoriza, repete e logo esquece. Não
assimila, porque não há assimilação sem participação, sem elaboração pessoal.
A educação bancária dita idéias, não há intercâmbio de idéias. Não debate ou discute
temas. Trabalha sobre o educando. Impõe-lhe uma ordem da qual ele não compartilha, e
sim que o incomoda. Não lhe oferece meios para pensar autenticamente, porque ao
receber as fórmulas dadas, simplesmente as guarda. Não as incorpora, porque a
incorporação é o resultado da busca, de algo que exige da parte de quem a tenta, um
esforço de re-criação, de invenção.
PAULO FREIRE 2
Convém reter estas últimas palavras, pois nos dão uma chave importante para nosso trabalho como
comunicadores populares. Nossa comunicação popular deve procurar suscitar, estimular nos destinatários de nossas
mensagens uma re-criação, uma invenção.
2
PAULO FREIRE: La Educacíon como Práctica de la Libertad. Tierra Nueva, Montevideo, 1969.
A COMUNICAÇÃO NESTE MODELO
Assim como existe uma educação bancária, existe uma comunicação bancária.
Que conceito da comunicação tem o tipo de educação que acabamos de caracterizar?
Como transmissão de informação. Um emissor (E) que envia sua mensagem (m) a um receptor (R).
O emissor é o educador que fala frente a um educando que deve escutá-lo passivamente. Ou é o
comunicador que “sabe”, emitindo sua mensagem (seu artigo jornalístico, seu programa de rádio, etc.) a partir de
sua própria visão, com seus próprios conteúdos, a um leitor (ou ouvinte ou espectador) que “não sabe” e que não
reconhece para si outro papel que o de receptor da informação. Seu modo de comunicação é, pois, o
MONÓLOGO.
O COMUNICADOR O RECEPTOR
- emite - recebe
- fala - escuta
- escolhe o conteúdo das mensagens - recebe o conteúdo como informação
- é sempre o que sabe - é o que não sabe
Pareceria que, em nossa comunicação popular, este modelo autoritário não tem
lugar; que nos é totalmente alheio. Apresentado assim, ele merece apenas nossa
rejeição/repúdio. Todavia, a concepção comunicacional emissor/mensagem/receptor está
tão incorporada à sociedade, aparece como tão corriqueira e natural, que acaso, sem que
sejamos conscientes disso, segue ainda influindo com força em nós e em nossa produção
popular.
Valeria a pena refletir sobre o caso da chamada “educação radiofônica” (instrução por rádio) na qual, por
própria limitação do meio, o aluno se faz ausente, ouvindo a lição da sua casa e reduzido, portanto ao silêncio e à
passividade. Somente lhe resta escutar, repetir o que lhe indica o professor e “aprender”.
Muitas das tão meritórias “escolas radiofônicas” da América Latina, destinadas à educação de adultos
reagiram saudavelmente contra essa concepção e a rechaçam, em muitos casos com indubitável sinceridade; em
seus postulados hoje sustentam os princípios de uma educação libertadora e personalizante/pessoal; mas suas
emissões, no entanto, continuam sujeitas ao esquema mecanicista tradicional – mestre que “ensina”, aluno que
“aprende” – porque não souberam encontrar e criar outras maneiras de educar através do rádio.
Seria interessante assim mesmo analisar e avaliar o caso de alguns grupos que produzem audiovisuais. Hoje,
existe a moda de tais meios. A educação bancária tradicional sentiu a necessidade de “modernizar-se” e introduziu
os chamados “apoio audiovisuais”: dispositivos, películas, vídeos... Inclusive se fala de uma “pedagogia
audiovisual”. Mas com isso a educação em si, na realidade, não mudou nada. Ao contrário: fez-se ainda mais rígida
e autoritária. Frente a um audiovisual, o educando nem sequer tem com quem falar. Já se dá tudo feito, todo o
ensinamento digerido. Os meios audiovisuais na educação tradicional se usam somente como reforços para a
transmissão dos conteúdos. É educação “envasada”.
Pois bem, atualmente, na comunicação popular vemos utilizar cada vez mais e com maior entusiasmo as
montagens de slides, as películas, os vídeos, etc. O que, em si mesmo, pode ser positivo: não estamos questionando
o valor inegável desses recursos quando se sabe como utilizá-los bem. Mas talvez muitos desses comunicadores
populares tão entusiasmados por eles, não estejam fazendo outra coisa que imitar irrefletidamente uma moda e
valer-se de uma linguagem visual mais atrativa e penetrante para impor suas próprias idéias, seus próprios
conteúdos (por mais “progressistas” que estes sejam). Realizam audiovisuais de tal maneira que não deixam um
espaço, um respiro sequer ao espectador para que possa por sua conta recriar com sua própria elaboração. O
bombardeiam com imagens, efeitos sonoros e musicais, com frases altissonantes e lhe dão, já digerida e mastigada,
sua própria conclusão.
Em síntese, todos que tratamos de fazer autêntica comunicação popular deveríamos nos perguntar:
• Lançamos afirmações ou criamos as condições para uma reflexão pessoal?
• Nossos meios monologam ou dialogam?
Naturalmente que o que aqui, no livro, não temos possibilidade de apresentar senão em forma de exposição
já elaborada e desenvolvida, nas oficinas o vamos inferindo, descobrindo no diálogo com os participantes, a partir
de suas experiências e suas observações. Distintas dinâmicas podem ajudar a essa descoberta. Por exemplo, no caso
deste primeiro tema:
• Reconstruir (em forma de improvisação teatral ou sócio-drama) uma classe tradicional ou um exame.
Logo, analisar a atitude do professor e dos educando e inferir dali as características e conseqüências
deste tipo de educação.
• Analisar algumas mensagens de comunicação popular (inclusive produzidos pelos próprios
participantes) e detectar em que medida estão influenciados pelo modelo autoritário emissor/receptor.
• Discutir se este modelo é eficaz ou não para uma educação libertadora e por quê.
2. ÊNFASE NOS EFEITOS
A ORIGEM DO MODELO
Se o primeiro modelo – o que põe a ênfase no conteúdo – é de origem europeu e acunhado pela velha
educação escolástica e enciclopédica que recebemos do Velho Mundo desde a Colônia, este segundo modelo
nasceu nos Estados Unidos em pleno século XX: durante a segunda Guerra Mundial (década de 40). Desenvolveu-
se precisamente para o treinamento militar; para o rápido e eficaz adestramento dos soldados.
Seus planejadores – como apontamos antes – questionavam o tradicional método livresco por ser pouco
prático; porque não conseguiam uma verdadeira aprendizagem em pouco tempo; porque é lento e caro. É ineficaz: o
educador repete e depois esquece. Propunham, em seu lugar, um método mais rápido e eficiente, mais impactante,
mais “feito em série”, para CONDICIONAR o educando para que adote as condutas e as idéias que o planejador
havia determinado previamente (o qual explica porque este modelo teve tanta aceitação no exército, na guerra).
O que determina o que o educando tem que fazer, como deve atuar, inclusive o que deve pensar, é o
programador. Todos os passos do ensino vêm já programados. Tudo se converte em técnicas: em técnicas para o
aprendizado.
Chamaram-se ao primeiro tipo de “educação bancária” a este poderíamos chamá-lo de educação
MANIPULADORA.
Pensava-se que a solução para a pobreza em que estavam mergulhados nossos países “atrasados e
ignorantes” era a modernização, isto é, a adoção das características e dos métodos de produção dos países
capitalistas “desenvolvidos”. Era necessário multiplicar a produção e conquistar um rápido e forte aumento dos
índices de produtividade; e, para isso, resultava imprescindível a introdução de novas e modernas tecnologias. As
inovações tecnológicas eram vistas como a panacéia para todos nossos males; elas por si mesmas permitiriam obter
progressos espetaculares.
A educação e a comunicação deviam servir para alcançar essas metas. Por exemplo, deviam ser empregadas
para PERSUADIR aos campesinos “atrasados” a abandonar seus métodos agrícolas primitivos e adotar rapidamente
as novas técnicas.
Repare no verbo persuadir. PERSUASÃO é um conceito chave neste modelo. Já não se trata, como no
anterior, só de informar e dar conhecimentos; mas, sobretudo, de convencer, de manipular, de condicionar o
indivíduo, para que adote a nova conduta proposta. Era fundamental buscar os meios e técnicas mais impactantes de
penetração e de persuasão para - assim o dizem literalmente num escrito de 1960 – “mudar a mentalidade e o
comportamento de milhares de seres humanos que vivem no campo”.
Mudá-los – claro está – “para o bem deles mesmos e dos demais membros da coletividade”. Estes
educadores trabalhavam de boa-fé, criam sinceramente que essa era a maneira de ajudarmos a sair da pobreza. Não
é necessário imaginá-los como seres diabólicos. Todo manipulador legitima seu trabalho na convicção de que o faz
pelo bem daqueles a quem tenta “conduzir para o bom caminho”.
AS BASES PSICOLÓGICAS
Não seria de todo justo afirmar que este tipo de educação “não tem em conta o homem”. Pelo contrário,
existe todo um vasto estudo da psicologia humana desenvolvido ao serviço desta corrente.
Mas não é uma psicologia que procure o pleno desenvolvimento autônomo da personalidade do individuo, senão
que investiga os mecanismos para poder “persuadi-lo” e “conduzi-lo” mais eficazmente; para modelar a conduta
das pessoas de acordo com os objetivos previamente estabelecidos.
3
JORGE RAMSAY e Outros: Extensão Agrícola - Dinâmica do Desenvolvimento rural. Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas,
Sari José, costa Rica. 1960 {4a. edição, 1975}
Tal é o objetivo da psicologia CONDUTIVISTA (ou, em inglês, BEHAVIORISTA, de behavior, conduta), que se
baseia no mecanismo de estímulos e recompensas e que originou este modelo educativo.
O HÁBITO, A RECOMPENSA
A “MUDANÇA DE ATITUDES”
A recompensa joga, pois, um papel fundamental nas técnicas educativas deste modelo. Ela é a que
determina a criação de novos hábitos no indivíduo. É algo mais que o prêmio de obter uma boa nota em um exame;
deve ser algo capaz de mover o indivíduo para que adote uma nova conduta; ou seja, de provocar um efeito e
produzir um resultado.
É também nesse sentido que este modelo de educação fala de “MUDANÇA DE ATITUDES”, entendida
como a substituição de hábitos tradicionais por outros favoráveis a novas práticas; mas sempre hábitos, vale dizer,
condutas automáticas, modeladas, condicionadas.
É também significativa a estratégia que adota este modelo de educação em relação ao conflito.
Os educadores e comunicadores formados neste modelo, ao utilizar as técnicas para impor a modernização e
a “mudança de atitudes”, prevêem o que chamam de “resistência à mudança”: crenças, mitos, juízos, tradições,
valores culturais ancestrais que conformam e condicionam o comportamento social das pessoas e que podem entrar
em conflito com os novos hábitos propostos, gerando resistência e rechaço.
Qual é a estratégia que se aconselha nesse caso à comunicação persuasiva? Antes de tudo, desde logo, não fazer
caso nem escutar os destinatários; considerar que o técnico sempre tem razão e que se a gente não quer aceitar as
novas condutas é sempre por “prejuízos”, por “ignorância”, por “atraso”. E, em segundo lugar, tratar de introduzir a
nova conduta evitando o conflito.
“Para substituir algo – dizem – não é indispensável discutir os defeitos do anterior. É melhor ressaltar as
vantagens do novo que se propõe e insistir na recompensa. Quando a mensagem não está de acordo com os valores
do meio social que forma o destinatário, se deve omitir toda referência a esse desacordo”.
Ou seja, INCULCAR AS NOVAS ATITUDES SEM PASSAR PELA REFLEXÃO, PELA ANÁLISE;
SEM PASAR PELA CONSCIÊNCIA; SEM SUBMETÊ-LAS A UMA LIVRE ESCOLHA.
A consciência, a liberdade, molestam, cansam. Fazem perder tempo. Temos que chegar a algum resultado:
não que a pessoa pense, discuta a questão e tome uma decisão livre e autônoma (porque isso leva tempo e há sério
perigo de que ao final termine negando a proposta), senão persuadi-la, condicioná-la, oferecer-lhe a isca de uma
recompensa para que adote de uma vez a mudança que se deseja impor.
• Já demos um exemplo: nas técnicas difusoras da modernização agrícola. Muitos extensionistas o aplicam.
• O encontramos também no treinamento técnico-profissional: adestramento de operários, ensino de ofícios.
• O achamos assim em todo o conjunto de técnicas, métodos e aparatos da chamada “tecnologia educativa”;
nas “máquinas de ensinar” que dão lugar à “instrução programada”.
• Está muito presente também na maioria dos métodos planejados para a chamada “educação a distancia”,
onde o estudante estuda só, mas não investigando ou pensando por sua conta, senão seguindo os passos
rigidamente prefixados pelo programador do curso e instrumentados em uma bateria de cassetes, programas
de televisão, vídeo-cassetes, etc, aonde já vem tudo definido.
• Outra das aplicações da tecnologia educativa consiste nos exames escritos de múltiplas opções, com varias
respostas já formuladas e um espaço onde o estudante deve marcar com um x a que resposta que crê correta.
Este tipo de exame tecnifica o ensino, porque depois se pode processá-lo rapidamente por computadores
sem necessidade de intervenção do professor para corrigi-lo. Mas suprime todo interesse pelo o que
constitui o verdadeiro objeto da educação: o raciocínio pessoal pelo qual o estudante chegou à resposta (o
aluno pode chegar à resposta por puro “chute”, adivinhando). E exclui, desde o início, toda a possibilidade
de que o educando proponha uma resposta própria, pessoal, reelaborada por ele, que não coincida com
nenhuma das opções formuladas. Tudo se reduz, não a raciocinar, não a relacionar, senão a respostas
“corretas” e “incorretas”.
O MODELO EM NOSSA VIDA COTIDIANA
Ainda que não tenhamos experiência pessoal de termos sido submetidos a este modelo de educação, o
conhecemos por analogia, por fenômenos sociais que aplicam esses mesmos mecanismos, tais como:
• Os meios massivos de comunicação (televisão, imprensa, radio, cinema comercial, revistas), os que se
valem com freqüência destes mesmos recursos condicionadores para manipular a opinião do publico e
modelar e uniformizar suas condutas. Não é de surpreender que este modelo de educação seja o que
assinale mais importância aos meios massivos e os empregue amplamente em suas “campanha
educativas”.
• As técnicas publicitárias (propaganda comercial) que atuam por pressão, repetição e por motivações
subliminares e onde o que interessa é que o público compre o produto anunciado (efeito) ainda que o
faça por mero impulso, sem pensar, sem consciência dos motivos de seu ato e seduzido por um
mecanismo ilusório de estímulo/recompensa que nada tem que ver com o conteúdo e com o uso do
produto: “Camisa X: o segredo do êxito”... “Desodorante N para conquistar os homens... o desodorante
da sedução”...
• A propaganda política (particularmente a eleitoral), que, em geral, só se propõe criar uma pressão para
que a massa vote no candidato (efeito) somente por sua presença e sua destreza oratória, sem reflexão
nem analise nem conhecimento de seu programa de governo. O slogan é um grande recurso emocional
desta concepção educativa.
Voltemos ao modelo no aspecto estritamente educacional. Muitas de suas características foram assinaladas,
incluímos aqui algumas poucas mais:
- Aos serem estabelecidos os objetivos de maneira específica e rígida, pelo programador, o educando se
acostuma a ser guiado por outros;
- O ensino de maneira individual tende a isolar as pessoas, não propiciando uma atividade educativa e
solidária;
- Em troca, tende a desenvolver a competitividade;
- Desde o ponto de vista dos valores sociais, pela vida da recompensa individual imediata, implantam-se ou
reforçam-se valores de caráter mercantil ou utilitário, tais como o êxito material como critério de
valorização, o consumismo, o individualismo e o lucro;
- Ao rejeitarem seus valores culturais tradicionais, os educandos sofrem a perda de sua identidade cultural, o
que lhes tira a segurança e referências, os deixando desenraizados.
- Por outro lado, o método não favorece o desenvolvimento do raciocínio. Como só valoriza os resultados
(efeito) em termos de ganho de objetivos operacionais pré-estabelecidos, este tipo de educação não contribui
para o desenvolvimento da criatividade e da consciência crítica.
- Tampouco favorece a inter-relação , a integração dos conhecimentos adquiridos, a capacidade de analisar
a realidade de forma global, de tirar conseqüências.
- Não se promove a participação, a auto-gestão, a tomada de decisões.
- Por último, desde o ponto de vista sócio-político, é obvio que este modelo de educação tem um efeito
domesticador, de adaptação ao status quo.
O esquema de comunicação persuasiva introduz uma diferença importante com respeito ao defendido pela
educação tradicional.
Faz-se necessário analisar com especial atenção, porque se trata do modelo clássico de comunicação, o mais
difundido e consagrado
Continua havendo um emissor (E) protagonista, um dono da comunicação, que envia uma mensagem (m) a
um receptor (R), o qual, por conseguinte, continua reduzido a um papel secundário, subordinado, dependente; mas
agora aparece uma resposta ou reação do receptor, denominada retroalimentação (r) ou, em inglês, feedback, o qual
é recolhida pelo emissor.
O modelo pode ser percebido, portanto, como algo mais equilibrado e participativo, já que, aparentemente,
lhe reconhece um papel relativamente mais ativo ao receptor, a quem se lhe daria ao menos a oportunidade de
reagir ante a mensagem recebida e ter, assim, alguma influência, algum peso na comunicação. Parece atenuar a
unidirecionalidade do modelo e insinua uma certa bidirecionalidade.
Contudo, não devemos esquecer que estamos diante de uma comunicação persuasiva cujo objetivo é
conseguir efeitos. Indagando com mais rigor, se descobre que nesta o feedback tem um significado e uma função
muito diferentes. Tomemos um texto de um comunicador desta corrente, que define o verdadeiro sentido do modelo
de forma esclarecedora.
“Quando aprendemos a expressar nossa mensagem em termos de respostas específicas por parte
de aqueles que a recebem, damos o primeiro passo para uma comunicação eficiente e eficaz (David
Berlo).
Diante de uma proposta de troca – intenção de comunicação – a reação do sujeito pode ser
positiva ou negativa. Por exemplo, quando através de nossa campanha educativa propusermos ao
camponês adotar um novo produto químico para combater determinada praga, o camponês pode
aceitar a proposta ou rejeitá-la. Se a aceita, se estabelece uma comunicação. Se não ocorre a troca
desejada, se não se produz a resposta desejada diante do estímulo empregado, pode considerar que a
comunicação falhou. Ou, mais radicalmente, ainda, pode afirmar-se tecnicamente que não houve
comunicação.” 4
O texto transcrito não deixa lugar para dúvidas. Comunicar é impor condutas, conseguir acatamento. Em tal
contexto, a retroalimentação é somente a comprovação ou a confirmação do efeito previsto (é dizer, a “reação do
sujeito” diante da “proposta” ou “intenção de comunicação”). Esta pode ser positiva se o indivíduo acata a proposta
ou negativa se a rejeita. Neste último caso, lhe serve ao emissor como instrumento de verificação e controle: pode
ajustar as próximas mensagens, regulá-las, fazer as trocas formais requeridas para, agora sim, obter o efeito
determinado, a resposta desejada.
Em um excelente estudo crítico, um especialista tão qualificado como Beltrán confirma cabalmente este
explicação do real significado do conceito:
Não há nada aqui, portanto, de participação, nem de influência do receptor na comunicação. Há somente
acatamento, adaptação, medição e controle de efeitos. A retroalimentação é o MECANISMO PARA
COMPROVAR A OBTENÇÃO DA RESPOSTA BUSCADA E QUERIDA PELO COMUNICADOR. Como bem
assinala Escarpit, “o feedback tem uma função de regulação destinada a manter uma situação em um estado
estável, é uma forma de ‘robotização’ social”. 6
Ainda que se tenha querida entender e apresentar como uma forma primária de participação do público, a
retroalimentação ou “comunicação de retorno” não é, nesta concepção, mais que engrenagem do processo de
4
RAMSAY e Outros, obra citada (ver nota 3).
5
LUIS RAMIRO BELTRAN: Adeus a Aristóteles - Comunicação Horizontal. Revista Comunicação e Sociedade, No. 6, São Paulo,
setembro 1981.
6
ROBERT ESCARPIT: Teoria Geral da Informação e da Comunicação. Icaria, Barcelona, 1977.
condicionamento dos receptores: primeiro os condiciona em sua conduta, suas atitudes e seus hábitos e logo se
verifica se dão resposta para a qual foram condicionados.
Talvez mais de uma vez o leitor poderá ter observado que, em atos culturais e artísticos populares, o
companheiro que fica com o papel de apresentador ou animador – sendo assim um militante de base com alto grau
de compromisso – tende a imitar em sua atuação os recursos manipuladores do animador profissional dos shows da
televisão. “Pantallea”. Força as pessoas a aplaudirem uma ou outra vez aos artistas populares que se apresentam,
pede a gritos que os aplaudam com mais vigor, grita palavras de ordem e exige compulsivamente que o público
repita.
Mencionamos este exemplo trivial (o acaso não tão trivial) para sugerir que, ainda que conscientemente lhe
critiquemos e rejeitemos, o modelo de comunicação dirigista está tão presente na comunicação massiva e em tantas
outras manifestações da sociedade, que mesmo os comunicadores populares não serão imunes a sua influência. A
tentação de manipular reveste o atrativo de aparecer como o meio mais eficaz e mais rápido de conseguir um
resultado; e sempre se pode justificar em função deste resultado.
Mais que denunciar indícios, cremos que este é um tema de reflexão para que cada leitor – ou melhor, cada
grupo – medite e discuta. Em que medida nos vemos refletidos no modelo educativo que se acaba de descrever? Em
que medida, consciente ou inconscientemente, reproduzimos em nossas produções de comunicação o tipo de
pedagogia que coloca ênfase nos efeitos? A pergunta se mantém aberta para que todos analisemos, com honesto
espírito autocrítico, nossa concepção e nosso estilo de trabalho.
Contribuímos somente com algumas pistas para esta reflexão, ainda que não apelemos a recompensas
materiais nem fomentemos ao individualismo e a competência, podemos cair em parte nesta concepção dirigistas
quando:
• Damos mais importância aos EFEITOS imediatos de nossas realizações e ações que ao PROJETO dos
participantes e assim forçamos resultado sem respeitar o ritmo de crescimento de nossos destinatários e sua
liberdade de opção.
• Confundimos COMUNICAÇÃO com PROPAGANDA e reduzimos nosso trabalho de comunicação a
tarefas de “agitação”, a slogans, a campanhas, a palavras de ordem.
• Assinalamos mais importância à QUANTIDADE do que à QUALIDADE; contabilizamos adeptos, adesões,
leitores, espectadores, ouvintes por seu número e não analisamos se captaram ou compreenderam o
significado de seu compromisso.
• Não consideramos nossos destinatários como PESSOAS, mas sim como MASSAS, as quais nós, os
“dirigentes lúcidos e esclarecidos, cabe conduzir.
• Planejamos o conteúdo de nossos meios de comunicação, nossas campanhas etc, nós sozinhos, por nossa
conta, sem dar participação à comunidade, e reduzimos a “participação” a assistir a nossos atos, leiam veja
ou ouça nossas mensagens e execute as ações que nós programamos.
• Em nossas mensagens, buscamos, sobretudo o “impacto”, apelamos aos EFEITOS EMOCIONAIS mais que
aos CONTEÚDOS RACIONAIS; e esmagamos os espectadores com imagens e estímulos afetivos sem
facilitar sua própria reflexão.
O RISCO DE ABSOLUTIZAR
Confiamos em não ser mal compreendidos. Se, por um lado, existem alguns comunicadores populares que,
inadvertidamente se deixam levar facilmente pela tentação de manipular, há também quem, por reação, tem tanto
em cair neste erro que tendem a ver manipulação em tudo.
É bom e são estar sempre alertas e ser crítico.
Mas, levar esta atitude a extremos irreais pode resultar em paralisia. Por temos ao fantasma da manipulação,
poderemos terminar bloqueados e não fazer nenhum trabalho concreto.
Esperamos que, ao longo do livro, o conceito vá se tornando mais claro. A comunicação popular, sempre
colocando sua ênfase no processo, também tem que atender aos conteúdos e aos resultados. A propaganda, a
palavra de ordem, o símbolo, a expressão coletiva e massiva, o elemento emocional, colocados dentro de seus
justos limites, ocupam um espaço necessário e legítimo na prática comunicacional e organizativa do povo. Contanto
que não substituam nem sufoquem o processo.
A receita condutivista atrai por sua aparente eficácia. “Não será muito ética, mas, diabos!... dá resultado”.
Assim como assinalamos anteriormente o modelo bancário, além de ser impositivo, tampouco é
pedagogicamente rentável, é bom agora destacar que se rejeitamos este modelo dirigista, não é somente por
reservas éticas, mas também por sua muito baixa eficácia para o trabalho popular.
Convêm em primeiro lugar anotar que, em suas aplicações educativas específicas, este método mecanicista
apresenta mais fracassos que êxitos. Pos sorte, os seres humanos não somos “moldáveis” como supunham os
“engenheiros do comportamento”.
Mas, em todo caso, há que se perguntar se o modelo resulta produtivo para nossa ação popular. Mesmo que
a manipulação demonstre ser eficaz em certos casos quando a classe dominante a utiliza; disso não se pode inferir
que também o seja na educação do povo. Impor, moldar condutas, tratar educação de suscitar hábitos automáticos,
não geram – já vimos – criatividade nem participação nem consciência crítica. E sem estas não existe trabalho
popular durável e eficaz.
SUGESTÕES AO FACILITADOR
• A DINÂMICA DOS “MUDOS”. Esta pequena cena é muito útil para problematizar a pseudocomunicação dos
meios massivos. Pede-se a colaboração de três ou quatro voluntários, ao que lhes tapamos a boca com uma
venda. Um dos facilitadores (ou algum colaborador previamente preparado) os chama, os convida a sentar-se ao
seu redor e, em tom de voz normal, lhes diz: “Comunico que a Organização decidiu realizar um ato artístico
para celebrar o Primeiro de Maio”. E logo lhes passa as instruções: um deles deverá encarregar-se de conseguir
o local, outro os números artísticos, outro a propaganda, etc. Depois disso, lhes diz que podem se retirar e
executar suas tarefas. Os voluntários lêem se levantam e se retiram. Em seguida criamos uma segunda situação:
tira-se as vendas dos voluntários, o facilitador os chama novamente e lhes diz: “Cremos que deveríamos
organizar algo para o Primeiro de Maio. Que vocês acham? Que deveríamos fazer?”. Os outros, certamente,
começa a opinar, a propor, a dar seu parecer. Aí cortamos a cena: já cumpriu seu propósito. Logo, começamos a
oficina: Em qual destas duas situações diríamos que houve comunicação? Logicamente, quase todos indicarão
que somente a segunda, já que na primeira uma única pessoa dava o direcionamento, falava; os outros não
podiam falar, estavam emudecidos pela venda. Então, levamos o grupo a confrontar a primeira situação com o
modelo clássico de comunicação; e, com surpresa, os participantes descobrem que, apesar das mordaças, o
modelo se cumpriu perfeitamente: o emissor transmitiu uma mensagem aos receptores e inclusive houve um
feedback, “resposta”, posto que estes saíram para executar as instruções recebidas. A comprovação impressiona
o grupo, já que os conduz a perceber como o consagrado modelo que legitima aos meios massivos de
“comunicação” oculta a realidade que os receptores são mudos; estão impedidos de falar. Outras duas
comprovações interessantes: O conteúdo da mensagem era bom, compatível: celebrar o 1º de Maio. E, no
entanto, a situação era autoritária. Vemos, então, que o problema dos meios massivos não é somente de
conteúdo, mas, também, de forma de comunicar; Ainda que o emissor tenha dado suas instruções em tom
normal, sem prepotência, a relação era autoritária e impositiva, pelo fato de que os convocados não podiam
replicar nem opinar. Destas comprovações se pode inferir que, sempre que alguém monopoliza a palavra e se
coloca no papel de emissor exclusivo, incorre em uma comunicação impositiva, independentemente de suas
intenções, do conteúdo de suas mensagens e do tom que emprega. Também será interessante analisar a
expressão empregada pelo emissor: “Comunico que...” em que sentido está dita? Que entende esse emissor por
comunicar? Por último, pode-se perguntar aos voluntários como se sentiram em uma e outra situação, e em qual
delas estiveram mais motivados para colaborar. Seguramente na segunda, quando foi permitido que opinassem,
dialogassem, propusessem, participassem das decisões. Disso pode-se perceber que a comunicação concebida
como dialogo não é somente a mais humana e respeitosa, mas também a mais eficaz.
• Analisar anúncios de publicidade comercial. Buscar onde está a imaginaria “recompensa” que oferecem (por
exemplo, a camisa ou o cigarro que se valem de uma modelo “sexy” para vender o produto... os xampus e
desodorantes que oferecem a mulher a promessa de que, usando-os, conseguiram romper sua solidão e cercar-se
de pretendentes).
• Analisar a propaganda da ultima campanha eleitoral do país, seus slogans, os efeitos de que se valeu cada
candidato.
• Reproduzir a atuação do animador e apresentador de um ato cultural popular. Analisar seus recursos e atitudes e
confrontá-las com as de um profissional dos shows televisivos.
• Analisar meios de comunicação popular – inclusive os produzidos pelos próprios participantes – e detectar
possíveis influências do modelo dirigista.
3. Ênfase no Processo
Veremos, finalmente, o terceiro tipo de educação: o endógeno, o que centra na pessoa e enfatiza o
processo. É o modelo pedagógico que Paulo Freie, seu principal inspirador, chama de “educação libertadora” ou
“transformadora”.
SUA ORIGEM
De certo modo pode-se dizer que é um modelo nascido na América Latina. Que recebeu valiosos aportes de
pedagogos e sociólogos europeus e norte-americanos, e em nossa região, onde Freire e outros educadores mostram
sua clara orientação social, política e cultural e a elaboração como uma pedagogia do oprimido, como uma
educação para a liberação das classes subalternas e um instrumento para a transformação da sociedade.
SUAS BASES
Partiremos, para caracterizar, de uma frase do próprio Freire: “A educação é práxis, reflexão e ação do
homem sobre o mundo para transformá-lo”. E não se trata, pois, de uma educação para informar (ainda menos para
firmar comportamentos) e sim que busque FORMAR as pessoas e levá-las a TRANSFORMAR sua realidade.
Dessa primeira definição, o pensador brasileiro extrai os postulados desta nova educação:
- Não há um educador do aluno.
- Não há um aluno do educador.
- Mas sim, um educador-aluno com um aluno-educador.
O que significa:
- Nada educa nada.
- Tão pouco nada se educa sozinho.
- Os homens se educam entre si mediados pelo mundo.
Esta dinâmica no transcorrer da qual os homens se vão educando entre si, é precisamente “o processo”
educativo.
É ver a educação como um processo permanente em que o sujeito vai descobrindo, elaborando,
reinventando, fazendo seu o conhecimento.
Um processo de ação-reflexão-ação que ele faz a partir de sua realidade, de sua experiência, de sua pratica
social, junto com os demais.
E também aquele que está aí – o educador/aluno – No entanto não como aquele que ensina e dirige, mas sim
para acompanhar a outro, para estimular esse processo de analise e reflexão, para facilitar; para aprender junto com
ele através dele; para construir juntos.
Como se vê, este modelo também apresenta uma “troca de atitudes”; mas que não está associado à adoção
de novas tecnologias ou o estado mecânico de condutas. A troca fundamental aqui consiste em transformar um
homem acrítico em um homem critico; no processo em que um homem passa desde seu estado passivo,
conformista, fatalista, até a vontade de assumir seu destino humano; desde suas tendências mais individualistas e
egoístas até fixação dos valores solidários e comunitários.
Não é necessário salientar que está transformação não poderá jamais ser alcançada por via de mecanismos
manipuladores. Trata-se, necessariamente, por exigência dos objetivos, de um processo livre, no que o homem deve
tomar suas opções cada vez com maior autonomia.
Trata-se de uma educação problematizante, que busca ajudar a pessoa a desmistificar sua realidade, tanto
física como social.
O que importa aqui, mais que ensinar coisas e transmitir conteúdos, é que o sujeito aprenda a aprender; que
seja capaz de resolver por si mesmo, de superar as constatações meramente empíricas e imediatas dos fatos que o
rodeiam (consciência ingênua) e desenvolver sua própria capacidade de decidir, de relacionar, de elaborar sínteses
(consciência critica).
O que o adulto carente de educação não necessita de dados e informações tanto quanto de instrumentos para
pensar, para inter-relacionar um fato com outro e perceber conseqüências e conclusões; para construir uma
explicação global, uma cosmo-visão coerente. Sua maior carência não está nos dados e noções que ignora, mas nos
condicionamentos de seu raciocínio nos exercícios que o reduzem somente a o que é capaz de perceber em seu
redor imediato, em seu contingente.
UM MODELO AUTOGESTIONÁRIO
O modelo se baseia na participação ativa do sujeito no processo educativo; e forma para a participação na
sociedade.
Como foi visto, tem de ser assim, participativo, não somente por uma razão de coerência com a nova
sociedade democrática que busca construir, mas também por uma razão de eficácia; por que somente participando,
se envolvendo, investigando, fazendo perguntas e buscando respostas, problematizando e problematizando-se, se
chega realmente ao conhecimento.
Aprende-se de verdade o que se vive, o que se recria, o que se reinventa. E não o que simplesmente se lê ou
escuta. Somente há verdadeiro aprendizado quando há processo; quando há autogestão dos alunos .
* Ao contrario do modelo bancário, este não rechaça o erro, não o vê como falha nem o sanciona; pelo
contrário, o assume como uma etapa necessária na busca, no processo de buscar a verdade. Nesta educação
não há erros ou falhas, mas sim aprendizagem.
* Também é distinta sua atitude diante do conflito. Em vez de contorná-lo , assume-o como força geradora,
problematizante. Sabe que sem crise dificilmente há crescimento.
Não pretende, naturalmente, agredir o sujeito e encará-lo bruscamente e marcá-lo como acrítico, de
alienante em sua cosmo-visão, de dominado; No entanto tampouco pretende ocultar-lhe as contradições entre essa
cosmo visão e a nova perspectiva libertadora cuja qual ele participa da construção. Para que haja real processo
transformador, é necessário que os estereótipos e os hábitos do homem dominado aflorem a sua consciência e
pouco a pouco vão revisando-o criticamente.
* Não é uma educação individual, ao contrário, sempre GRUPAL, comunitária: “nada se educa sozinho”,
mas sim através da experiência compartilhada, da interação com os demais. “O grupo é a célula educativa
básica” (Freire).
*O olho aqui não é o professor, se não o grupo de alunos. O educador está ai para estimular, para facilitar o
processo de busca, para problematizar, para fazer perguntas, para escutar,para ajudar o grupo a se expressar
e aportar a eles a informação que necessita para que avance no processo.
* Este tipo de educação exalta os valores comunitários, a solidariedade, a cooperação; exalta também a
criatividade, o valor e a capacidade potencial de todo o individuo.
* Se a educação é um processo, é um processo permanente. Não se limita a alguns momentos da vida, a
algumas instancias educativas, a um curso escolar de alguns meses. A educação se faz na vida, na práxis do
pensamento.
* Não tem medo de ambigüidades diante a realidade, diante a pluralidade de opções. É uma educação não-
dogmática, aberta.
* Esta pedagogia também pode usar – e de fato usa – recursos audiovisuais, porem não para reforçar
conteúdos se não para problematizar e para estimular a discussão, o dialogo, a reflexão e a participação.
* Na esfera psicossocial e cultural, suas meta são:
- Favorecer através educação a tomada de consciência de sua própria dignidade, de seu próprio valor
como pessoa;
- Ajudar o sujeito de classes populares a superar seu “sentimento aprendido” de inferioridade,
recompondo sua auto-estima e recuperando a confiança em sua própria capacidade criativa.
* E é, claramente, uma educação com um compromisso social: uma educação comprometida com o
oprimido e que se propõem a contribuir com sua libertação.
Sua “mensagem” central é a liberdade essencial que todo homem tem para realizar-se plenamente
como tal em sua entrega livre aos demais homens.
Se é possível caracterizar ao primeiro tipo de educação como o que propõem que o aluno APRENDA e o
segundo como o que busque que o receptor HAJA, poderíamos resumir a finalidade deste modelo na seguinte
formulação:
Pareceria que este modelo de educação não apresenta, como os anteriores, conseqüências questionáveis.
Contudo, é preciso salientar um risco que ela implica e uma conseqüência negativa que ela pode derivar; não
da educação autogestora em si, mas do fato de mal entendê-la; de exagerá-la e encará-la de forma absoluta a tal
extremo que termine por fazê-la inoperante.
Existem críticos radicais que são “mais freiristas que Freire” e que tendem a condenar todo aporte do
educador ou do comunicador como uma imposição e até como uma manipulação.
Sim é certo que “nada educa nada”, também é que “nada se educa sozinho”. Colocar ênfase no dialogo, no
intercambio, na interação dos participantes, não significa prescindir a informação. Não equivale a afirmar que tudo,
absolutamente tudo, há de sair do autodescobrimento do grupo.
7
MARIA CRISTINA MATA: A investigação associada à educação popular, papel do trabalho. Lima, 1981. A citação entre aspas foi
tomada de um trabalho de JUAN E. GARCIA HUIDOBRO e SERGIO MARTINIC.
O próprio Freire, máximo inspirador da educação autogestora, mostrou a necessidade de deixar claro em um
de seus últimos livros que “conhecer não é adivinhar” e que “a informação é um momento fundamental do ato do
conhecimento”.
Isso não significa retratar-se dos princípios da pedagogia libertadora. O decisivo, aquilo que é necessário
perguntar a si mesmo é como e em que contexto se proporciona essa informação. Se ela se dá de forma negativa,
como conhecimento dado “em pára-quedas”, somente por que “está no programa”, como uma mera transmissão do
“emissor” aos “receptores”, ela entrará indubitavelmente em franca contradição com os princípios.
Porem aportar uma informação dentro do processo é outra coisa. Freire explica assim:
A informação, porem, é necessária. Uma data, um aspecto da realidade pode ser indispensável para que o
grupo avance. E o educador (o comunicador) não deve deixar de aportar 9 . No entanto essa informação deve
responder a uma previa problematização: a una dificuldade que o grupo sente, a uma pergunta que este formule, a
uma busca, a uma inquietude. Se essa inquietude não nasce no grupo e o educador julga que essa informação é
imprescindível para que os alunos possam avançar em seu processo, sua primeira tarefa será despertar essa
inquietude, fazer que essas perguntas surjam; vale dizer, problematizar. Somente então aportará a informação. Por
que somente assim o grupo se incorporará.
Como educadores populares, é importante que absorvamos essa recomendação. Ela nos da uma pauta chave
para a formulação de nossas mensagens. Mas adiante vamos ver quando e como se aplicar a nosso trabalho.
OS CONHECIMENTOS PRÁTICOS
Da mesma forma muitas vezes surgiu o problema da instrução. Quando se necessita ensinar destrezas,
técnicas, conhecimentos práticos – se argumenta – não é possível aplicar esta pedagogia no processo.
Diaz Bordenave discute este tema e chega a uma resposta razoável e equilibrada. Ela pensa que estas duas
metas não são incompatíveis; e que apresenta-las como tal é gerar uma falsa oposição.
8
PAULO FREIRE: Cartas a Guiné-Bissau. Século XXI, México, 1977.
9
-(Adendo a esta nova edição). Nos textos recentes, Freire, todavia foi mais claro e preciso, declarando “em oposição positiva tanto ao
autoritarismo arrogante quanto ao espontaneísmo irresponsável” (prólogo à J. WERTHEIN, A. CASTILLI, P. LATAPI e M. KAPLUN –
Educação de adultos na América latina, Edições da Flor, Buenos Aires, 1985) e rechaçando a posição de alguns educadores que o
qualificam como espontaneísta: “É dizer, uma posição segundo a qual, o nome do respeito à capacidade de pensar e a capacidade critica
dos alunos, se deixa a esses livres a si mesmos, se deixa às massas populares livres a elas mesmas. Obviamente, uma educação
revolucionaria deve estimular a capacidade critica e autônoma de pensamento entre os alunos, porem jamais deixa-los entregues a eles
mesmos” (Em: ROSA MARIA TORRES, Educação popular; um encontro com Paulo Freire, CECCA-CEDECO, quito 1986).
Indicadores Ênfase no Ênfase no Resultado Ênfase no
Modelo Conteúdo Processo
Concepção Bancaria Manipuladora Libertadora –
Transformadora
Pedagogia Exógena Exógena Endógena
Lugar do aluno Objeto Objeto Sujeito
Cabe-nos, para completar esta analise, definir o conceito de comunicação que se desprende de este tipo de
educação. Ele equivale a construir o novo modelo libertador, próprio da comunicação popular. Pela importância do
tema, este será destinado ao capitulo seguinte.
• Representar, através de dois “sociodramas”, uma classe tradicional e uma atividade formativa dentro deste
terceiro tipo de educação. Analisar as diferenças. Ver qual é a atitude do professor bancário e qual a do
formador o facilitador no modelo que põem ênfase no processo.
• Aplicar as conclusões a nossos meios de comunicação popular: como devem ser nossos meios e nossas
mensagens para gerar e se inserir num processo educativo?
• Analisar produções de comunicação popular (incluso as realizadas pelos próprios participantes) e ver em
que medidas correspondem a este modelo educativo:
- em seus objetivos
- em seu conteúdo
- em sua forma
- no uso ao qual se destina
Pergunta-se:
- problematizam?
- Geram um dialogo?
- Geram participação?
• Colocar uma informação que se considere importante difundir em um meio popular ( em um jornal, um
programa de radio, etc.) e ver como apresenta-lo na forma que coloca FREIRE, “a partir de uma clara
problematização”
10
JUAN DIAZ BORDENAVE: América Latina necessita repensar a TECNOLOGIA EDUCATIVA. Mimeo, Caracas, 1982.