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Eliane Cantanhêde
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A dupla do balacobaco
No Brasil faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas panela faz barulho

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo


17 de janeiro de 2021 | 03h00
Atualizado 17 de janeiro de 2021 | 12h10

Afinal, o que o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, foi fazer em Manaus? Não
viu, não ouviu e não soube nada, nem que o caos estava instalado e que as pessoas estavam prestes a ver
seus pais, filhos e amores morrendo asfixiados, por falta de oxigênio nos hospitais. Ele só foi lá
para uma coisa: tirar foto. E aproveitou para empurrar cloroquina encalhada para a população em
pânico, como poção mágica.

O colapso de Manaus e a crise das vacinas são a história de uma tragédia anunciada. Cadê o oxigênio
para o Amazonas? Cadê as vacinas para os brasileiros? Cadê as seringas e agulhas? Cadê um plano
nacional detalhado com governadores e prefeitos? Cadê o “dia D e a hora H”? Já foram em março,
dezembro, fevereiro, janeiro e o último chute foi o dia 20, próxima quarta-feira. Se fosse uma guerra
tradicional, os soldados do intendente ficariam sem armas, sem balas e sem coturnos.

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A ida de Pazuello a Manaus teve o efeito oposto ao desejado: jogou a tragédia devidamente no colo do
governo federal e agravou de vez a irresponsabilidade criminosa do presidente Jair Bolsonaro na
pandemia. Os vídeos, fotos e depoimentos desesperados de médicos e parentes rodaram o mundo,
revelando um pandemônio, um inferno. Bolsonaro tentou culpar o Supremo, a nova cepa do vírus, o
raio que o parta. Não cola. E ainda produziu duas pérolas: “Do Brasil, cuido eu”, “Fizemos a nossa
parte”. Sim, nós vimos.

E por que Bolsonaro insistiu tanto em trazer um tico de vacina da Índia a toque de caixa? Anunciou
avião para um bate-volta, enviou bilhetinho para o primeiro-ministro Narendra Modi e acionou o
Itamaraty para implorar aos indianos ao menos 2 milhões de doses (para 210 milhões de habitantes...).
Todo esse empenho, que nunca se dignou a ter contra a pandemia, foi com um único objetivo: tirar a
foto do primeiro vacinado antes do governador João Doria.

Foi tudo um blefe. Desde o início, a Índia desconversou, pois a prioridade, obviamente, eram 1,3 bilhão
de indianos. O governo brasileiro, porém, garantiu que as doses viriam, anunciou o voo para quinta-
feira, adiou para sexta, contou com a autorização de uso emergencial da Anvisa hoje, convocou

/
governadores para a próxima terça e marcou o início da vacinação para quarta. Puf! O cronograma
evaporou. Era só parte da realidade paralela de Bolsonaro. Nem a Fiocruz pôde salvar.

O presidente, que vai negar a pandemia até o túmulo, combate isolamento e máscara, chama de
“maricas” quem leva ciência e vida a sério, desdenha dos agora quase 210 mil mortos e trabalha
contra vacinas. “Não tomo, pronto!”, anunciou, para confirmação internacional de que tipo de pessoa
preside o Brasil. E insiste em fazer campanha contra a obrigatoriedade da vacina – que salva vidas e é a
única fórmula para vencer a pandemia e retomar a normalidade da economia e do País.

A dupla Bolsonaro-Pazuello é do balacobaco. “Quem manda” se esmera em negar a pandemia e dar


maus exemplos. E “quem obedece” virou chacota. Os dois produzem um espetáculo grotesco ao buscar
um destino para milhões de doses de cloroquina que Bolsonaro pediu ao “amigão” Donald Trump,
obrigou os laboratórios das Forças Armadas a produzir e agora empurra goela abaixo das secretarias de
Saúde.

Sem a vacina da Índia (que é para inglês ver e bolsonarista bater bumbo), sem uma gota da Pfizer ou da
Moderna, sem negociação com a Sputnik 5, que corre por fora, Bolsonaro só tem uma chance de dar
uma rasteira em Doria e tirar a foto antes dele: “roubando” para si a vacina “do Doria” e “da China”.
Goste ou não, ela é a única no Brasil, onde faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas
panela faz barulho. Dilma Rousseff sabe disso. Bolsonaro está começando a aprender.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL


GLOBONEWS EM PAUTA

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